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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PRINCESA MIA - P. 2
PRINCESA MIA - P. 2

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT 

 

 

PRINCESA MIA / Parte II

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

Caixa de entrada: 0

Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

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Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

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Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

Caixa de entrada: 0

Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

Caixa de entrada: 0

Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

Caixa de entrada: 0

Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

Caixa de entrada: 0

Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

Caixa de entrada: 0

Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

Caixa de entrada: 0

Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

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Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

0 entre 5 Drews de ouro

Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

5.000.000 entre 5 Drews de ouro

Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????


C O N T I N U A

Sexta-feira, 17 de setembro, Química

Ai, meu Deus.

Até onde eu sei, a loucura completa tomou conta desta aula desde que eu estive aqui pela última vez. Nós estamos fazendo experiências em grupo independentes, e cada um escolhe a sua. A que o Kenny e o J.P. escolheram na minha ausência parece ser uma coisa chamada síntese de uma coisa parecida com nitrocelulose que, eles me informam, é na verdade “uma mistura de diversos ésteres nitrosos de amido com a fórmula [C6H7(OH)x(ONO2)y]n em que x+y=3 e n é qualquer número inteiro de 1 para cima”.

Não faço a menor idéia do que qualquer uma dessas coisas quer dizer. Só coloquei os meus óculos de proteção e o meu avental e estou aqui sentada, entregando coisas para eles quando me pedem.

Isso quando eu realmente consigo identificar o que eles querem, de todo modo.

Acho que ainda estou chocada com a coisa toda da Lana. Preciso descobrir como vou fazer para escapar da liquidação de lingerie na Bendel com a Lana Weinberger amanhã.

É verdade, eu totalmente preciso de sutiãs novos. Mas como é que eu posso sair com a Lana? Quer dizer, apesar de ela ter pedido desculpa. Ela continua sendo... a Lana. O que nós podemos ter em comum? Ela gosta de ir para a balada. Eu gosto de ficar deitada na cama com o meu pijama de flanela da Hello Kitty assistindo a Porque eu passei batom para fazer mastectomia.

E isso me lembra de uma coisa. Não posso ir fazer compras na Bendel amanhã. Amanhã não tem aula, e isso significa que eu posso passar o dia inteiro na cama. ISSO MESMO!!! Eu amo a minha cama. É um lugar seguro. Ninguém pode me pegar lá.

Só que o sr. G levou a minha TV embora.

Ah, bom. Eu posso ler Jane Eyre de novo. Quer dizer, tem aquela parte toda em que Jane e Mr. Rochester se separam por causa da coisa toda com a Bertha, e daí ela ouve a voz sem corpo dele flutuando por sobre o pântano... Talvez eu escute a voz sem corpo do Michael flutuando por cima do rio Hudson, e vou saber que lá no fundo ele ainda me ama e me quer de volta, e daí eu posso pegar um avião para o Japão e...

Mia! O que você vai fazer amanhã à noite? Se eu arrumar ingresso para alguma coisa, você me acompanha? Qualquer coisa que você quiser ver, é só falar. — J.P.

Ai, meu Deus. O que eu posso dizer? Só quero ficar na cama. Para sempre.

É muito legal da sua parte, J.P., mas ainda não sarei bem da minha bronquite. Acho que vou ficar quieta. Mas obrigada por pensar em mim! — M

Tudo bem! Se você quiser, posso ir à sua casa. A gente pode assistir a alguns filmes...

Ah, uau. O J.P. realmente está aceitando mal o rompimento dele com a Lilly. Apesar de ter sido ele, é claro, quem deu início a tudo. Ainda assim, ele não consegue nem pensar na idéia de passar a noite de sábado sozinho.

Eu adoraria, mas a verdade é que a minha TV está quebrada.

O que não é a verdade, de jeito nenhum. Mas é o máximo de verdade que o J.P. vai receber.

Mia, isso é por causa da coisa no jornal? De todo mundo achar que a gente está ficando? Tem paparazzi na porta da sua casa ou algo assim? Você não quer ser pega comigo, um mero plebeu, de novo?

Ai, meu Deus.

NÃO! Claro que não! Só estou mesmo exausta. A semana foi longa.

Certo. Eu agüento uma indireta. Tem outra pessoa, não tem? É o Kenny, certo? Vocês dois estão noivos? Quando é o casamento? Onde está a lista de presente de vocês? Na Sharper Image, certo? Vocês querem uma cadeira de massagem robotizada iJoy 550, não querem?

Não pude evitar cair na gargalhada com isso. O que, é claro, fez o sr. Hipskin olhar para a nossa mesa e dizer: “Algum problema, pessoal?”

“Não”, o Kenny respondeu, e depois ficou olhando com raiva para a gente. “Será que vocês dois podem parar de trocar bilhetinho e ajudar?”, ele sibilou por entre os dentes.

“Com certeza”, o J.P. disse. “O que você quer que a gente faça?”

“Bom, para começar, pode me passar o amido”, o Kenny disse.

E isso me lembrou de uma coisa:

“Então, Kenny”, eu disse, enquanto ele salpicava alguma coisa branca em uma tigela com mais coisa branca. “Que história foi essa que eu ouvi de a Lilly ter ficado com um amigo seu lutador de muay thai na festa dela de sábado à noite?”

O Kenny quase derrubou toda a coisa branca. Daí me lançou um olhar muito irritado.

“Mia”, ele disse. “Com todo o respeito. Estou no meio de um procedimento perigoso que envolve o uso de ácidos altamente corrosivos. Será que a gente pode falar sobre a Lilly em algum outro momento?”

Meu Deus! Que bebezão.


Sexta-feira, 17 de setembro, na limusine a caminho de casa para o consultório do doutor Loco

Falando sério, não sei o que é pior: aula de princesa ou terapia. Quer dizer, as duas coisas são igualmente horríveis, cada uma a seu modo.

Mas pelo menos eu vejo um MOTIVO nas aulas de princesa. Estou sendo preparada para governar um país. Com a terapia, é como se... eu nem SEI qual é o objetivo. Porque, se deveria estar fazendo com que eu me sentisse melhor, NÃO está conseguindo.

E tem LIÇÃO DE CASA. Quer dizer, como se eu já não tivesse o SUFICIENTE para fazer com uma semana de escola para retomar. Preciso fazer lição de casa na minha PSIQUE também?

Não sei por que estamos pagando o dr. Loco, se ele quer que EU faça todo o trabalho.

Tipo, a sessão de hoje começou com o dr. Loco me perguntando como tinha sido a escola. Desta vez estávamos sozinhos no consultório dele — o meu pai não estava lá, porque era uma sessão de verdade, não uma consulta. Tudo estava exatamente igual à última vez... a decoração maluca de caubói, os óculos de aro fino, o cabelo branco e tudo o mais.

A única diferença, realmente, é que eu estava com o meu uniforme da escola pequeno demais em vez do meu pijama da Hello Kitty. Que eu contei para ele que a minha mãe jogou no incinerador. Na mesma noite que o meu padrasto levou embora a minha TV.

Ao que o dr. Loco respondeu: “Que bom. Então. O que aconteceu na escola hoje?”

Então eu disse a ele — MAIS UMA VEZ — que eu nem entendo por que eu tenho que IR à escola, já que eu já tenho MESMO garantia completa de emprego depois da formatura, e eu odeio aquilo, então por que não posso simplesmente ficar em casa?

Então o dr. Loco me perguntou por que eu odeio tanto a escola, e daí — só para ilustrar o que eu estava dizendo — contei a ele sobre a Lana.

Mas ele não entendeu absolutamente nada. Ele ficou, tipo: “Mas isso não é bom? Uma menina com quem você nunca se deu bem lhe abriu uma possibilidade de amizade. Ela está disposta a deixar para trás as diferenças que tiveram no passado. Não é isso que você gostaria que a sua amiga Lilly fizesse?”

“É sim”, respondi, surpresa por ele não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia. “Mas eu GOSTO da Lilly. A Lana nunca foi nada além de má comigo.”

“E a Lilly tem sido gentil ultimamente?”

“Bom, não ULTIMAMENTE. Mas ela acha que eu roubei o namorado dela...” A minha voz foi sumindo quando eu me lembrei de que também já tinha roubado o namorado da Lana. “Certo”, respondi. “Entendo o que você quer dizer. Mas... será que eu realmente devo ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã?”

“VOCÊ acha que deve ir fazer compras com a Lana amanhã?”, o dr. Loco quis saber.

Falando sério. É para isso que estamos pagando a ele só Deus sabe quanto dinheiro.

“Não sei!”, exclamei. “Estou perguntando para você!”

“Mas você se conhece melhor do que eu.”

“Como é que você pode dizer uma coisa dessas?”, eu praticamente berrei. “Todo mundo me conhece melhor do que você! Você não assistiu aos filmes da minha vida? Porque se não assistiu, foi a única pessoa do mundo!”

“Pode ser que eu os tenha encomendado na Netfix”, o dr. Loco admitiu. “Mas ainda não chegaram. Eu só conheci você ontem, está lembrada? E eu sou mais fã de filmes do velho oeste.”

Revirei os olhos para os retratos de mustangues. “Caramba, nem tinha notado.”

“Então”, o dr. Loco disse. “O que mais?”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Como assim, o que mais? Tirando o fato de que, reitero, meu PADRASTO LEVOU EMBORA A MINHA TV!!!”

“Sabe qual é a única coisa que todos os alunos já admitidos em West Point têm em comum?”

Acorda. Que coisa do além. “Não sei. Mas aposto que você vai me contar.”

“Nenhum deles tinha televisão no quarto.”

“MAS EU NÃO QUERO ESTUDAR EM WEST POINT!”, berrei.

O dr. Loco, no entanto, não reage bem a berros. Ele só disse assim: “O que mais você odeia na sua escola?”

Por onde começar? “Bom, que tal o fato de que todo mundo acha que eu estou namorando um cara que não estou?”, perguntei. “Só porque saiu escrito no New York Post? E o fato de que o cara de quem eu gosto — que eu, aliás, amo — está me mandando e-mails para perguntar se eu vou bem, como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se ele não tivesse arrancado meu coração para fora do peito e o chutado pela sala, como se fôssemos amigos ou algo assim?”

O dr. Loco pareceu confuso. “Mas você não concordou com o Michael que vocês dois deveriam ser amigos?”

“Concordei”, respondi, frustrada. “Mas não falei sério!”

“Entendo. Bom, como foi que você respondeu ao e-mail dele?”

“Não respondi”, de repente me senti um pouco envergonhada. “Eu apaguei.”

“Por que você fez isso?”, o dr. Loco quis saber.

“Não sei”. É só que eu... não confiei em mim mesma para não implorar para ele me aceitar de volta. E não quero ser assim.”

“Essa é uma razão válida para excluir o e-mail dele”, o dr. Loco disse. E por alguma razão — apesar de ele ser um TERAPEUTA CAUBÓI — fiquei contente com isso. “Então. Por que você não quer ir fazer compras com a sua amiga?”

Parei de me sentir tão contente. Será que ele não consegue PRESTAR ATENÇÃO NO DETALHE MAIS SIMPLES DE TODOS?

“Eu já disse. Ela não é minha amiga. Ela é minha inimiga. Se você tivesse assistido aos filmes...”

“Vou assistir neste fim de semana.”

“Tudo bem. Mas... o negócio é que... a mãe dela me pediu para fazer um discurso em um evento. E Grandmère diz que é uma grande honra. E ela está superanimada com isto. E acontece que a mãe dela pediu porque a Lana me recomendou. E isso foi... decente da parte dela.”

“Então foi por isso que você não recusou o convite dela na mesma hora?”, o dr. Loco perguntou.

“Bom, por isso e... porque preciso de roupas novas. E a Lana entende bastante de roupas. E se eu devo fazer todo dia uma coisa que me dá medo... bom, a idéia de fazer compras com a Lana DEFINITIVAMENTE me dá medo.”

“Então, acho que você já tem a sua resposta”, o dr. L disse.

“Mas eu gostaria muito mais de passar o dia inteiro na cama”, respondi rapidinho. “Lendo”, completei. “OU ASSISTINDO À TV.”

“Lá na fazenda”, o dr. Loco disse, com sua fala arrastada do velho oeste, “a gente tem uma égua chamada Dusty.”

Acho que o meu queixo caiu de verdade. Dusty? Depois de tudo isso ele ia me contar uma história de uma égua chamada Dusty? Que tipo de técnica psicológica esquisita era aquela?

“Sempre que o verão está quente e a Dusty passa por um certo laguinho lindo na minha propriedade, ela entra na água e vai até o meio dele. Não importa se estiver selada ou se houver um cavaleiro montado nela. A Dusty não se importa. Ela tem que entrar na água. Quer saber por quê?”

Fiquei tão chocada com o fato de um psicólogo profissional me contar uma história sobre um CAVALO em seu local de trabalho que só assenti, como uma idiota.

“Porque ela está com calor”, o dr. Loco respondeu. “E quer se refrescar. Prefere passar o dia inteiro naquele laguinho a ter que carregar alguém de um lado para o outro no lombo. Mas a gente nem sempre pode fazer o que quer. Porque não é necessariamente saudável ou prático. Além do mais, as selas estragam quando molham.”

Fiquei olhando para ele.

E este cara supostamente era o melhor psicólogo adolescente e infantil da nação?

“Quero retomar uma coisa que você disse ontem”, o dr. Loco disse, sem esperar que eu respondesse à história de Dusty, graças a Deus. “Você disse, com as suas palavras”, e ele realmente REPETIU as minhas palavras. Na verdade, leu nas anotações dele. “Talvez seja um pouco mais complicado do que o fim de namoro de uma adolescente normal, porque eu sou princesa, e o Michael é um gênio, e ele acha que precisa ir para o Japão para construir um braço cirúrgico robotizado para provar para a minha família que é digno de mim, quando a verdade é que eu não sou digna dele, e suponho que porque, lá no fundo, sabotei totalmente o nosso relacionamento.”

Ergueu os olhos das anotações. “O que você quis dizer com isso?”

“Eu quis dizer...” Aquilo tudo estava indo longe demais para mim. Eu mal tinha me recuperado de ficar chocada com a história da Dusty, e ainda não tinha conseguido descobrir o que tinha a ver com eu ir fazer compras com a Lana Weinberger amanhã. “...que eu acho que imaginei que ele iria mesmo me largar por uma menina mais inteligente e mais realizada. Então eu me adiantei a ele e dei um pé na bunda primeiro. Apesar de depois ter me arrependido. A coisa toda com a Judith Gershner... quer dizer, a razão por que me aborreceu tanto foi porque eu sei que lá no fundo ela é realmente a pessoa com quem ele deveria estar. Com alguém capaz de clonar moscas de frutas. Não alguém como... como e-eu, que sou s-só uma p-princesa.”

E, antes que eu me desse conta, já estava chorando de novo. Cara! Qual é o problema do consultório deste homem que me faz chorar igual a um bebê?

O dr. Loco me entregou os lencinhos. E ele também foi bem gentil.

“Ele já disse ou fez alguma coisa para você pensar assim?”, ele quis saber.

“N-não”, solucei.

“Então, por que você acha que se sente assim?”

“P-porque é verdade! Quer dizer, ser princesa não é nenhuma grande conquista! Eu simplesmente NASCI assim! Não CONQUISTEI isto, como o Michael vai conquistar fama e fortuna com o braço robótico cirúrgico dele. Quer dizer, todo mundo pode NASCER!”

“Acho”, o dr. Loco disse, um pouco seco, “que você está sendo muito severa consigo mesma. Você só tem dezesseis anos. Poucas pessoas de dezesseis anos de fato...”

“A JUDITH GERSHNER JÁ TINHA CLONADO A PRIMEIRA MOSCA DE FRUTA DELA QUANDO TINHA DEZESSEIS ANOS!”, eu berrei.

Daí, fiquei com vergonha de mim mesma. Quer dizer, por gritar. Mas eu não consegui me segurar.

“E olhe só para a Lilly”, eu prossegui. “Ela tem dezesseis anos, e tem seu próprio programa de TV. Certo, é no canal de acesso público, mas tanto faz, alguns produtores demonstraram interesse nele. E ela tem milhares de telespectadores fiéis. E fez aquele programa todo sozinha. Ninguém nem ajudou. Bom, tirando eu, a Shameeka, a Ling Su e a Tina. Mas nós só ajudamos com o trabalho de câmera, mesmo. Então, dizer que só tenho dezesseis anos não quer dizer nada. Tem muita gente de dezesseis anos que já conquistou muito mais coisa do que eu. Eu não consigo nem publicar um texto na revista Sixteen.”

“Vamos supor que eu acredite no que está dizendo”, o dr. Loco falou. “Se você realmente se sente assim — que não é digna do Michael —, não seria melhor você tomar uma atitude sobre o assunto?”

De verdade. Ele disse isso. Ele não disse: Caramba, Mia, como você pode dizer que não é digna do Michael? Claro que é! Você é uma pessoa fabulosa, tão generosa e cheia de vida...

O que é basicamente o que todo mundo me diz sempre que toco nesse assunto.

Não, ele ficou, tipo: É. Você tem razão. Você é mesmo meio que um saco. Então, o que vai fazer a este respeito?

Fiquei tão chocada que parei de chorar e só fiquei lá sentada olhando para ele com a boca aberta.

“Você não devia... não devia me dizer que sou ótima do jeitinho que eu sou?”, eu quis saber.

Ele deu de ombros. “De que isso adiantaria? Você não iria acreditar mesmo.”

“Bom, você pelo menos não devia dizer que eu deveria querer melhorar o valor que tenho por mim mesma? Em vez de fazer isto por algum garoto?”

“Achei que isto já estava bem óbvio”, o dr. L disse.

“Bom”, eu ainda estava meio que tentando superar o meu choque. “Quer dizer, é verdade. Eu realmente preciso fazer alguma coisa para provar que sou algo a mais do que apenas uma princesa. Mas... o quê? O que eu posso fazer?”

O dr. Loco deu de ombros. “Como é que eu posso saber? Ainda preciso assistir aos filmes sobre a sua vida para conhecê-la tão bem quanto você diz que eu vou conhecer assistindo. Mas vou dizer uma coisa que sei com certeza: você não vai descobrir deitada na cama o dia inteiro, sem ir à escola... ou continuando a implicar com as pessoas simplesmente porque elas disseram alguma coisa desagradável sobre você no passado.”

Desagradáveis? Espere só até ele dar uma olhada em euodeiomiathermopolis.com. Não que eu tenha dado o endereço do site para ele. Nem que a Lana seja responsável por isto.

Mas, mesmo assim. Ele não sabe o que é desagradável.

Então. Minhas tarefas?

Ir fazer compras com a Lana.
Descobrir por que fui colocada neste planeta (além de para ser princesa).
Voltar para uma consulta com o dr. Loco na próxima sexta, depois da escola.
Acho que consigo dar conta da última. Mas as duas primeiras? Acho que realmente podem me matar.


Sexta-feira, 17 de setembro, 19h, no loft

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Não que eu realmente achasse que fosse receber notícias OU do Michael OU da Lilly. Principalmente depois de eu ter deletado o e-mail do Michael sem nem responder, e tendo em vista o jeito como a Lilly me ignorou em S & T.

Mesmo assim. Eu meio que tinha uma esperança... quer dizer, ela nunca tinha ficado tanto tempo assim sem falar comigo. Nunca.

Simplesmente não posso acreditar que tudo basicamente acabou entre nós.

E por causa de um MENINO.

Mas a Tina acabou de me mandar uma mensagem instantânea. Pelo menos eu ainda tenho a Tina.

ILUVROMANCE: Mia! Como você ESTÁ? Mal consegui falar com você na escola hoje. Está se sentindo melhor?

FTLOUIE: Estou, obrigada!

Tanto faz. Eu minto o tempo todo mesmo.

ILUVROMANCE: Fico tão feliz! Você parecia tão triste na escola...

FTLOUIE: Bom. É. Acho que isso já era de se esperar, levando em conta que perdi o amor da minha vida e tudo o mais.

ILUVROMANCE: Eu sei. E sinto muito, muito mesmo. Ei, já sei o que pode animar você! Um pouco de compraterapia! Quer dizer, afinal, você cresceu mais de dois centímetros e aumentou um tamanho inteiro! Precisa de roupas novas! Quer ir fazer compras amanhã? A minha mãe leva a gente. Você sabe como ela adora fazer compras!!!

E isso é totalmente o que eu recebo por ter concordado em ir fazer compras com a Lana. Porque a mãe da Tina é praticamente um GÊNIO das compras, por ser ex-modelo e tudo o mais. E ela conhece todos os estilistas.

FTLOUIE: Ah, eu adoraria. Mas preciso fazer uma coisa com a minha avó.

As mentiras só fazem crescer e crescer. Mas tanto faz. Não posso contar para a TINA que vou fazer uma coisa com a LANA WEINBERGER. Ela nunca compreenderia. Mesmo que eu explicasse sobre a história de fazer uma coisa por dia que dá medo na gente. E o negócio da Domina Rei.

ILUVROMANCE: Ah. Tudo bem. Bom, o que você vai fazer amanhã à noite, então? Quer vir aqui em casa? Os meus pais vão sair e eu vou ter que ficar de babá, mas a gente pode assistir a alguns DVDs ou algo assim.

Por alguma razão — certo, tudo bem, acho que é porque eu estou deprimida — o convite quase me fez chorar. Quer dizer, a Tina é mesmo um amor.

Além do mais, aquilo parecia ser algo com o qual eu seria capaz de lidar emocionalmente. Em vez de sair com o cara por quem a imprensa recentemente me acusou de estar apaixonada. Isso quando a verdade é que só amei um cara na vida, e no momento ele está no Japão, enviando e-mails aleatórios para me dizer como é difícil encontrar sanduíche de ovo lá.

É. Bem legal.

FTLOUIE: Acho que não tem nada que eu gostaria mais de fazer.

Tirando ficar deitada na minha própria cama assistindo à TV.

Mas a minha TV foi levada embora. Então eu nem tenho como fazer isto.

ILUVROMANCE: Oba! Achei que a gente podia reexaminar a obra da Drew Barrymore. Os trabalhos menos recentes dela, como Para sempre cinderela e Afinado no amor.

FTLOUIE: Isto me parece PERFEITO. Eu levo a pipoca.

Realmente não me sinto culpada de não ter contado para a Tina do e-mail do Michael... nem sobre o fato de que estou fazendo terapia. Porque simplesmente ainda não estou pronta para falar dessas coisas com ninguém.

Quem sabe algum dia vá estar.

Mas, antes de tudo? Vou tirar uma soneca bem comprida.

Porque estou exausta.


Sábado, 18 de setembro, 10h, loja de departamentos de luxo Henri Bendel

O que estou fazendo aqui?

Uma loja como esta não é lugar para mim. Uma loja como esta é para gente CHIQUE.

E, tudo bem, eu sou princesa. O que, reconheço, é bem chique.

Mas, no momento, estou usando um jeans da minha MÃE, porque nenhum dos meus serve.

Gente que usa o jeans da MÃE não pertence a lojas assim, em que tudo é dourado, brilhante e cheio de modelos segurando frascos de perfume que chegam para você e dizem: “Trish McEvoy?”

E quando você fala: “Não, o meu nome é Mia...”, elas borrifam uma coisa em você que tem cheiro de Bom Ar, aquele produto para tirar cheiros ruins, só que mais frutal. Não estou brincando. Isto aqui não é a Gap. É mais o tipo de loja que Grandmère freqüenta. Só que mais cheia. Porque, quando Grandmère faz compras, ela liga antes e manda abrir a loja para ela depois do expediente, para que não precise trocar cotoveladas com plebeus.

A minha mãe quase teve um enfarto quando eu disse a ela aonde ia hoje de manhã — e por que precisava pegar emprestado o jeans dela.

“Você vai fazer compras com QUEM????”

“Não quero falar sobre este assunto”, eu disse. “É uma coisa que eu preciso fazer. Para a terapia.”

“O seu terapeuta mandou você fazer compras com a Lana Weinberger?” Minha mãe trocou olhares com o sr. G, que estava servindo mais Cheerios na tigela de cereal do Rocky, e que tinha ficado tão distraído com a nossa conversa que sem querer fez o Cheerios transbordar da tigela e cair todo pelas laterais do cadeirão do Rocky. E isso deixou o Rocky feliz da vida. “Isto supostamente é para ALIVIAR a sua depressão?”

“É uma longa história”, eu disse a ela. “Eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo.”

“Bom”, minha mãe entregou a Levi’s dela para mim. “Fazer compras com a Lana Weinberger ia me deixar com medo.”

Minha mãe tem razão. O que eu estou fazendo aqui? Aliás, por que fui dar ouvidos ao dr. L? O que ELE sabe sobre a longa e tórrida história entre a Lana e eu? Nada! Ele nunca nem assistiu aos filmes da minha vida! Não sabe todas as coisas odiosas que ela fez comigo e com os meus amigos no passado! Não tem como saber que essa coisa toda de sair para fazer compras provavelmente é um truque! Que o comediante Carrot Top é o único que vai aparecer aqui! Que me fazer vir até aqui e ficar parada no meio de borrifadoras de perfume esperando o Carrot Top é a idéia que a Lana faz de uma última piada grandiosa...

Ah. Lá vem ela.

Depois escrevo mais.


Sábado, 18 de setembro, 15h, banheiro do Nobu 57

Por razões que me são completamente alheias, a Lana Weinberger e seu clone, a Trisha Hayes, na verdade estão sendo legais comigo.

Bom, as razões não me são completamente alheias. A Lana já me disse por que está sendo tão legal: “Finalmente superei a coisa do Josh. A culpa não foi sua.”

Quando observei — com a maior educação possível — que ela já me odiava muito antes de o namorado dela lhe dar um pé na bunda para ficar comigo (e que depois voltou para ela quando eu, por minha vez, dei um pé na bunda dele), ela disse, enquanto examinávamos sutiãs tamanho G (Estou usando sutiã tamanho G!!!! Não uso mais tamanho P!!!! A Lana fez questão que uma especialista em lingerie de verdade tirasse as minhas medidas, e a especialista confirmou o que eu desconfiava, que o meu peito aumentou um monte!). “Bom, não era tanto você que eu detestava, mas aquela sua amiga sacana.”

Ao que Trisha completou: “É, como é que você consegue gostar daquela tal de Lilly? Ela é tão metida...”

Fiquei com vontade de dar gargalhada com isso. Porque, acorda, as Gêmeas Mortíferas do Mal falando que a LILLY é metida?

Mas daí eu comecei a pensar sobre o assunto, e vi que É mesmo verdade. A Lilly SABE ficar julgando os outros e ser mandona.

Mas é por isso que eu gosto dela! Quer dizer, pelo menos ela TEM opinião sobre as coisas. Sobre coisas importantes, pelo menos. A maior parte das outras pessoas da nossa classe não se importa com nada além de quem vai vencer o American Idol e em que faculdade chique elas vão entrar.

Ou, no caso da Lana, qual tom de gloss labial fica melhor nela. Mas eu não disse nada para defender a Lilly porque, na verdade, apesar de eu sentir falta dela e tudo o mais — mesmo não sendo tanto a ponto de doer de verdade às vezes, como acontece com o Michael —, preciso descobrir um jeito de sair deste buraco em que me enfiei sem a ajuda dos Moscovitz. Porque, como os acontecimentos recentes comprovam, nem a Lilly nem o Michael vão estar por perto para me ajudar quando eu precisar. Preciso aprender a caminhar com as minhas próprias pernas, sem NEM a Lilly NEM o Michael para usar como muletas emocionais.

Então, não disse nada quando a Lana e a Trisha ficaram falando (levemente) mal da Lilly. A verdade é que consegui ver o lado delas. Até parece que algum dia a Lilly tentou se colocar no lugar da Lana, como se calçasse os Manolos tamanho 39 dela, para ver como é ser a Lana.

Mas eu já fiz isso.

E a visão dos sapatos 39 da Lana? Não é tudo isso. Não me entenda mal, ela é linda e todos os homens da loja que não eram gays (mais ou menos uns dois) ficaram seguindo os movimentos dela com o olhar, como se fosse uma coisa impossível de evitar.

E ela é SUPER MEGA EXCELENTE para fazer compras — quer dizer, eu nunca na vida teria experimentado um jeans True Religion. Só porque a Paris Hilton usa, e apesar de eu não conhecer a Paris pessoalmente, ela não parece contribuir muito com organizações beneficentes ambientais, não que eu saiba.

Mas a Lana insistiu, dizendo que ia ficar bom em mim e me fez experimentar uma calça e eu experimentei e...

Fiquei MARAVILHOSA!!!

E nem me faça começar a falar sobre a diferença que faz ter um sutiã do tamanho e do modelo certo. Com o meu sutiã meia-taça com armação da Agent Provocateur, agora eu realmente tenho peito. Tipo peito que equilibra o resto do meu corpo, de modo que não pareço uma pêra nem um cotonete. Eu realmente pareço ter curvas.

E, tudo bem, não são as curvas da Scarlett Johansson.

Mas tipo as curvas da Jessica Biel.

A cada top babydoll Marc Jacobs que a Lana jogou no meu braço e me mandou experimentar, fui sentindo cada vez menos que esta coisa toda era um truque e cada vez mais que a Lana realmente estava tentando compensar as injustiças que cometeu no passado, e realmente queria que eu ficasse bonita. Cada vez que ela ou a Trisha me obrigavam a experimentar alguma peça — tipo uma minissaia de pele de tigre falsa ou um cinto dourado de corrente Rachel Leigh — e elas falavam: “Ah, sim, ficou legal”, ou “Não, não tem nada a ver com você, tira já”, eu sentia que... bom, que elas se importavam comigo.

E confesso que me senti bem com isso. Não achei que fosse falsidade, nem que tipo eu fosse a Katie Holmes e elas fossem os amigos cientologistas do Tom Cruise me bombardeando com amor, porque elas falavam umas coisas para me deixar com os pés no chão, tipo: “Ai, Mia, você NUNCA pode usar vermelho. Certo? Promete que não vai usar. Porque você fica horrível com esta cor.”

Foi só... coisa de menina. O tipo de coisa que a Lilly teria desprezado totalmente. Ela teria falado assim: “Ai, meu Deus, de quantos sutiãs você precisa? Ninguém nunca vai ver, então, qual é o motivo? Principalmente com tanta gente morrendo de fome em Darfur” e “Por que você está comprando um jeans com um BURACO? O negócio é que você tem que fazer os seus PRÓPRIOS buracos nos jeans, de tanto usar, não comprar uma calça em que OUTRA PESSOA já fez os buracos.” E: “Ai, meu Deus, você vai comprar ESSES TOPS? ESSES TOPS foram feitos com o trabalho semi-escravo de criancinhas da Guatemala que só recebem cinco centavos por hora, só para você saber.”

O que nem é verdade, porque a Bendel não vende produtos feitos com trabalho semi-escravo. Pelo menos, nenhuma das moças que trabalham na seção de tops vende. Eu perguntei.

E, falando sério, até parece que a Lana, a Trisha e eu em algum momento ficamos sem assunto. Elas falaram assim: “Então, você está ficando com aquele tal de J.P. ou o quê?” E eu respondi, tipo: “Não, nós somos só amigos.” E elas disseram, tipo: “Bom, ele é bem fofo. Tirando aquela coisa do milho.”

E daí expliquei como o Michael e eu tínhamos acabado de terminar e como eu me sinto completamente vazia por dentro, como se alguém tivesse escavado a parte de dentro do meu peito com uma colher de sorvete e jogado o conteúdo na via expressa West Side, como fazem com prostitutas mortas.

E elas nem acharam aquilo esquisito. A Lana falou: “É, foi assim que me senti quando o Josh me largou para ficar com você.” E eu respondi, tipo: “Ai, meu Deus, sinto muito.” E a Lana falou: “Tanto faz. Eu superei. E você também vai superar.”

Só que ela está errada. Nunca vou esquecer o Michael. Nem em um milhão de trilhões de anos.

Mas estou tentando — se é que dá para chamar de tentativa de esquecê-lo a ação de colocar todas as cartas, as fotos e os presentes dele em uma sacola de compras daquelas que tem escrito “Eu ? NY e enfiar embaixo da cama o mais fundo possível ontem à noite. E não consegui jogar tudo fora. Simplesmente não consegui.

Mas bom, o negócio é que foi... surpreendentemente normal conversar com a Lana e a Trisha. Foi bem parecido com o jeito que a Tina e eu conversamos. Só que com calcinha fio dental (que, aliás, é bem confortável quando você escolhe o tamanho certo).

E, tudo bem, a Lana e a Trisha nunca leram Jane Eyre (e me olharam de um jeito esquisito quando comentei que esse era o meu livro preferido de todos os tempos) nem assistiram a Buffy (“Por acaso é aquele seriado que tem a garota de A maldição?”.)

Mas não são más pessoas. Acho que são mais... mal compreendidas. Tipo, a obsessão que elas têm por delineador de olho pode ser tomada por superficialidade, mas na verdade é só que elas simplesmente não têm muita curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. A menos que o assunto seja sapatos.

E eu meio que fico com pena delas — da Lana, pelo menos —, porque quando chegou a hora de passar no caixa para pagar o que a gente estava comprando e a conta da Lana deu US$ 1.847,56, e a Trisha suspirou e disse: “Cara, a sua mãe vai MATAR você”, já que a Lana tinha o limite de gastos de mil dólares, a Lana só deu de ombros e disse: “Tanto faz, se ela falar alguma coisa, vou citar o Bubbles.” E eu fiquei, tipo: “Bubbles?” E a Lana fez uma cara toda triste e falou: “O Bubbles era o meu pônei.” E eu perguntei, tipo: “Era?”

E daí a Lana explicou que, aos treze anos, ela ficou muito pesada e com as pernas muito compridas para o pequenino Bubbles carregá-la, então os pais dela venderam seu adorado pônei sem lhe dizer, achando que a separação repentina e completa, sem possibilidade de despedidas, seria menos traumática do ponto de vista emocional.

“Eles estavam errados”, a Lana entregou o cartão de crédito para a vendedora. “Acho que nunca superei. Ainda tenho saudade daquele cavalinho de traseiro gordo.”

O quê. Sabe como é. Que droga. Pelo menos Grandmère nunca fez ISSO comigo.

Mas, bom, acho que preciso voltar para a nossa mesa. Nós estamos nos dando ao luxo de almoçar em um bufê freqüentado por mulheres que saem para fazer compras... o especial do chef do Nobu. Custa “só” cem dólares por pessoa.

Mas a Trisha disse que vale a pena. E, além do mais, é quase só proteína, já que é peixe cru.

Claro que a Lana e a Trisha só precisam pagar para elas mesmas. Eu tenho que pagar para o Lars também. E ele está comendo um filé, porque disse que peixe cru acaba com a força masculina dele.


Sábado, 18 de setembro, 18h, na limusine, a caminho da casa da Tina

Quando entrei no loft depois das compras, a minha mãe já estava louca da vida. Isso porque eu tinha pedido ao serviço ao cliente da Bendel que entregasse as minhas compras (e também o da Saks, onde paramos depois para comprar algumas botas e sapatos), para que eu não precisasse ficar carregando as sacolas o dia inteiro, e elas formavam uma pilha tão grande no meu quarto que o Fat Louie não conseguia dar a volta nela para chegar à caixa de areia dele no meu banheiro.

“QUANTO VOCÊ GASTOU?”, a minha mãe quis saber. Os olhos dela estavam enlouquecidos.

É verdade, havia MESMO muitas sacolas. O Rocky estava se divertindo, fazendo os caminhões dele baterem na camada de baixo, tentando fazer todas caírem. Felizmente, é difícil estragar Lycra.

“Relaxa”, eu disse. “Eu usei aquele cartão American Express preto que o meu pai me deu.”

“AQUELE CARTÃO DE CRÉDITO É SÓ PARA EMERGÊNCIAS!”, a minha mãe praticamente berrou.

Acorda! “Você não acha que os meus novos PEITOS TAMANHO G contam como emergência?”

Daí os lábios da minha mãe ficaram totalmente apertados e ela disse: “Acho que a Lana Weinberger não é uma boa influência para você. Vou ligar para o seu pai”, e saiu pisando firme.

Pais. Fala sério. Primeiro, ficam pegando no meu pé porque não quero sair da cama nem nada. Daí faço o que eles querem, saio da cama e me socializo, e eles também ficam bravos com ISSO.

Não dá para vencer.

Enquanto a minha mãe estava me entregando para o meu pai (e tanto faz, tudo bem, gastei mesmo um monte de dinheiro, muito mais do que a Lana. Mas, tirando vestidos de baile e um macacão de vez em quando, faz, tipo, uns três anos que não compro roupa, então eles que superem isso), eu comecei a enfiar minhas roupas velhas que não servem mais em sacos de lixo para doar para uma instituição de caridade, e fui pendurando minhas roupas novas e totalmente cheias de estilo, além de preparar uma bolsa para passar a noite na casa da Tina.

E fiquei meio surpresa de perceber que estava ansiosa para ir lá. A Lana e a Trisha tinham me convidado para uma festa qualquer a que iam em um apartamento do Upper West Side, de um aluno do último ano, cujos pais tinham ido passar o fim de semana em um spa para trabalhar o chi deles. Mas eu disse a elas que já tinha outro programa.

“Vai inaugurar um iate novo ou algo assim?”, a Lana perguntou, toda sarcástica.

Só que agora eu tinha aprendido a não levar cada coisinha que ela dizia tão a sério. Na maior parte do tempo, quando ela faz seus comentariozinhos ácidos, só está tentando ser engraçada. Mesmo que o comentário só pareça engraçado para ela e mais ninguém. Aliás, nesse sentido, a Lana é muito parecida com a Lilly.

“Não, só combinei uma coisa com a Tina Hakim Baba”, eu respondi, e deixei assim. E nenhuma das duas pareceu ofendida por eu ter dispensado “a festa do semestre” para ficar com uma pessoa que não fazia parte da turminha dos populares.

Eu estava enfiando a minha escova de dentes na bolsa quando a minha mãe entrou no quarto e estendeu o telefone para mim.

“O seu pai quer falar com você”, ela disse, com um ar todo presunçoso, daí deu meia-volta e foi embora.

Fala sério. Eu amo a minha mãe e tudo o mais. Mas ela não pode ter tudo o que quer. Ela não pode me criar para ser uma rebelde com consciência social e daí ficar preocupada quando o peso da minha depressão relativa ao mundo me oprime a ponto de eu não conseguir mais sair da cama, me mandar fazer terapia e depois ter um ataque quando eu sigo os conselhos do terapeuta. Ela simplesmente não pode agir assim.

E, tudo bem, o dr. L na verdade não me DISSE para gastar tanto dinheiro com lingerie. Mas tanto faz.

“Não vou devolver nada”, digo ao meu pai.

“Não estou pedindo para devolver.

“Você sabe quanto eu gastei?”, perguntei, desconfiada.

“Sei. A empresa de cartão de crédito já me ligou. Acharam que o cartão tinha sido roubado e que alguma adolescente estava enlouquecida fazendo compras. Porque você nunca tinha gastado tanto assim.”

“Ah, então, sobre o que você queria falar comigo?”

“Nada. Só preciso fingir que estou dando uma bronca em você. Você sabe como a sua mãe é. Ela é do Meio-Oeste. Não é culpa dela. Se custa mais de vinte dólares, já começa a ficar com coceira. Ela sempre foi assim.”

“Ah”, eu disse. Daí, completei: “Mas, pai. Não é justo!”

“O que não é justo?”, ele quis saber.

“Nada”, abaixei a voz. “Só estou fingindo que você está me dando bronca.”

“Ah”, ele pareceu impressionado. “Bom trabalho. Ai, não.”

“Ai, não, o quê?”

“A sua avó acabou de entrar.” Meu pai parecia tenso. “Ela quer falar com você.”

“Sobre quanto gastei?”, fiquei surpresa. Para Grandmère, a quantia que eu paguei hoje na Bendel’s só se iguala a uma pequena fração do que ela gasta toda semana só em tratamentos de cabelo e beleza.

“Hum, não exatamente.”

E, antes que eu me desse conta, Grandmère já estava baforando no telefone.

“Amelia”, ela disparou. “Que história é essa que o seu pai me disse sobre o cancelamento das suas aulas de princesa no futuro próximo porque você está passando por alguma espécie de crise pessoal que precisa resolver?”

“Mãe”, ouvi a voz de meu pai no fundo. “Não foi isso que eu disse!”

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Meu pai estava tentando me livrar das aulas de princesa com Grandmère sem contar a ela POR QUE eu precisava faltar às aulas de princesa — em outras palavras, sem dizer que estou fazendo terapia. Com um psicólogo caubói.

“Quieto, Phillipe”, Grandmère explodiu. “Você não acha que já fez o suficiente?” Para mim, ela disse: “Amelia, isto não é do seu feitio. Está se acabando por causa Daquele Garoto? Será que eu não lhe ensinei NADA? As mulheres precisam dos homens assim como um peixe precisa de uma bicicleta! Entre outras coisas. Tome jeito!”

“Grandmère”, eu disse, cansada. “Não é... Não é SÓ por causa do Michael, certo? As coisas estão meio estressantes para mim neste momento. Você sabe que perdi várias aulas nesta semana, tenho um monte de matéria para recuperar, então, se não for fazer mal, eu realmente queria adiar as aulas de princesa até...”

“MAS E A DOMINA REI?”, Grandmère berrou, histérica.

“O que tem?”, perguntei.

“Precisamos começar a trabalhar no seu discurso!”

“Grandmère, sobre isso, é que eu não sei se...”

“Você vai fazer este discurso, Amelia”, Grandmère rosnou. “E ponto final. Eu já disse a elas que você faria. E eu já me GABEI disto para a Contessa! Então, amanhã à tarde, você vai se encontrar comigo na Embaixada da Genovia e, juntas, vamos examinar os arquivos reais em busca de algum tipo de material que, espero, possa inspirar o seu discurso. Está entendido?”

“Mas, Grandmère...”

“Amanhã. Na embaixada. Duas horas.”

Click!

Bom. Acho que ela mandou sua mensagem.

E acho que o meu sonho de passar o dia inteiro na cama no domingo foi despedaçado.

A minha mãe acabou de enfiar a cabeça aqui dentro. Parece que ela superou seu acesso de fúria por causa dos meus gastos. Estava mordendo o lábio inferior e dizendo: “Mia, desculpa. Mas eu precisava fazer isso. Você se dá conta de que gastou uma quantia quase igual ao produto interno bruto de uma pequena nação em desenvolvimento... só que você gastou em jeans de cintura baixa?”

“Sei”, eu disse, tentando parecer arrependida. E não foi difícil, porque fiquei arrependida.

Arrependida por nunca ter comprado jeans assim antes. Porque fico GOSTOSA com esta calça.

Além do mais, o que a minha mãe não sabe — e o meu pai também não, ainda — é que, enquanto a Lana, a Trisha e eu estávamos comendo, eu liguei para a Anistia Internacional e doei exatamente a mesma quantia que eu tinha gastado na Bendel, usando o AmEx preto de emergência.

Então eu nem me sinto culpada. Não tanto assim.

“Eu sei que as coisas no momento estão ruins com o Michael, e entre você e a Lilly”, minha mãe prosseguiu. “E fico feliz que você esteja tentando fazer novas amizades. Só não sei muito bem se a Lana Weinberger é a amiga CERTA para você...”

“Ela não é tão má assim, mãe”, eu disse, pensando na história do pônei. E também na outra coisa que a Lana me contou no almoço. Que a mãe dela disse que, se ela não entrar em uma faculdade de primeira linha, ela não vai pagar para ela estudar em LUGAR NENHUM. Isso é que é dureza.

“E é tão injusto”, a Lana tinha dito. “Porque até parece que eu sou inteligente igual a você, Mia.”

Eu quase engasguei com o meu wasabi depois dessa. “Eu? Inteligente?”

“É”, a Trisha completou. “E, ALÉM DO MAIS, você é princesa, e isso significa que vai entrar em qualquer lugar em que se inscrever, porque todo mundo quer ter integrantes da realeza em suas instituições.”

Ai, essa doeu. E também é verdade.

“Bom, Mia”, a minha mãe disse, parecendo desconfiada — acho que em relação ao meu comentário de que a Lana não é assim tão má. “Fico feliz por você estar com a mente aberta e se mostrar um pouco mais disposta do que já foi no passado a experimentar coisas novas” — nem sei o que ela pode querer dizer com isso, a menos que esteja falando de carne e seus derivados — “mas lembre-se da regra das Bandeirantes.”

“Você está falando do fato de que, com um bom sutiã, o seu mamilo tem que ficar bem no meio da distância entre o ombro e o cotovelo?”

“Hum”, minha mãe disse, com uma cara de muito sofrimento. “Não. Eu estava falando de fazer novos amigos, mas conservar os antigos. O primeiro de prata, o segundo, de ouro.”

“Ah, está certo. Não se preocupe. Agora vou passar a noite na casa da Tina. A gente se vê.”

Daí caí fora. E bem rapidinho também, porque estava morrendo de medo que ela reparasse nos meus brincos compridos, que custaram o mesmo preço que o carrinho do Rocky.


Sábado, 18 de setembro, 21h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Estou realmente feliz de ter vindo passar a noite na casa da Tina. Apesar de eu ainda estar sofrendo de uma depressão mórbida, a casa da Tina é o meu terceiro lugar preferido no mundo (sendo que o primeiro é nos braços do Michael, é claro, e o segundo é a minha cama).

Então, estar na casa da Tina não é nem um pouco torturante, como estar, digamos, na Bendel’s durante uma liquidação de lingerie.

Apesar de eu ainda não ter contado nada à Tina a respeito do meu atual estado emocional — tipo, que eu me sinto como se estivesse no fundo de um buraco e não consigo encontrar a saída etc. — ela deu mais do que apoio à transformação do meu visual: elogiou meus brincos, disse que a minha bunda ficou ótima com o meu jeans novo e até perguntou se eu tinha PERDIDO peso, não ganhado!

Isso, é claro, é o resultado de um sutiã do tamanho certo e com um suporte fantástico — além de ser um pouco acolchoado, para camuflagem extra para a ereção dos mamilos.

A primeira coisa que fizemos (depois de pedir pizzas de calabresa com queijo extra e comer) foi trocar a hora de todos os relógios para os irmãos dela acharem que estava na hora de dormir, então colocamos todos na cama, ignorando as reclamações de que não estavam cansados. Eles ficaram lá chorando, mas dormiram logo.

Daí pegamos os DVDs e começamos a trabalhar. A Tina elaborou a seguinte tabela para que possamos acompanhar o corpo das obras de Drew Barrymore, que, como a Tina afirma, é importante, porque um dia a Drew vai ser uma estrela do nível de Meryl Streep ou Dame Judi Dench, e nós vamos querer ser capazes de discursar sobre a obra dela com conhecimento de causa.

Drew Barrymore:

Os trabalhos mais importantes

George, o curioso

Tina: Nunca assisti.

Mia: Tanto faz, é para bebezinhos!

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Amor em jogo

Tina: Excelente, um clássico da Drew. Ela está ótima ao lado do parceiro romântico, Jimmy Fallon.

Mia: Tem coisa demais sobre beisebol.

Tina: Bom, este é meio o objetivo do filme.

3 entre 5 Drews de ouro

Como se fosse a primeira vez

Tina: Nunca consegue alcançar o tom cômico de Afinado no amor, o último filme em que a Drew fez par com Adam Sandler.

Mia: Mesmo assim, é engraçado.

3 entre 5 Drews de ouro

Duplex

Tina: Fico muito triste por Drew ter participado desse filme.

Mia: Eu sei. Também me dói muito, lá no fundo. Mesmo assim, ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

As panteras-Detonando

Tina: Maravilhosos, a Drew detona mesmo!

Mia: Não sei por que ela dava tanto as mãos para a Lucy Liu e a Cameron durante a divulgação desse filme.

Tina: Certo. Quem é que anda de mãos dadas com as amigas?

Mia: Só Spencer e Ashley na série South of nowhere, é claro. Mas elas estão namorando.

Tina: E isso é totalmente diferente.

Mia: É, mas mesmo assim...

5 entre 5 Drews de ouro

Confissões de uma mente perigosa

Tina: Os meus pais não me deixaram ver este filme. Era proibido para menores.

Mia: Eu não QUIS ver esse filme. Tinha gente velha nele, mas ela é a Drew, então...

1 entre 5 Drews de ouro

Os garotos da minha vida

Tina: Você viu esse filme?

Mia: Não. Nunca ouvi falar.

Tina: Mas deve ser bom.

Mia: Se a Drew está nele, claro que é.

1 entre 5 Drews de ouro

Nunca fui beijada

Tina: TÃO MARAVILHOSO!!! A DREW ESTÁ TÃO FOFA NELE!!!

Mia: E não está? Ela é repórter E aluna de ensino médio!!! Ela tinha que fazer uma aluna de ensino médio em TODOS OS FILMES DE QUE PARTICIPA.

5 entre 5 Drews de ouro

Nosso louco amor

Tina: Não me lembro de nada nesse filme, só que ela estava com o cabelo crespo.

Mia: Ela não estava grávida ou algo assim?

Tina: Então o crespo com certeza não era permanente. Se não, poderia prejudicar o bebê.

Mia: O crespo era fofo, então vamos dar uma nota alta.

4 entre 5 Drews de ouro

Donnie Darko

Tina: Espera... a Drew estava nesse filme?

Mia: Eu realmente não me lembro dela. Só lembro do Jake.

Tina: Eu sei. Ele estava o maior gostoso nesse filme.

Mia: Vamos dar uma nota alta pelo Jake.

Tina: Total. E os meus pais não me deixam ver nem Brokeback nem Soldado anônimo.

5 entre 5 Drews de ouro

Para sempre Cinderela

Tina: O melhor filme de todos os tempos.

Mia: Concordo. Quando ela carrega o príncipe...

Tina: Fala sério!!! EU AMO ESSA PARTE!!!!

Mia: Simplesmente...

Tina: ...respire! ÊÊÊÊÊ!

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Afinado no amor

Tina: A Drew fica muito fofa com uniforme de garçonete.

Mia: Eu também acho! E quando ela canta aquela música ruim...

Tina: ...ela continua legal com aquele uniforme.

5 entre 5 Drews de ouro

Quatro mulheres e um destino

Tina: Esse filme é tão ruim que é meio bom.

Mia: Eu também acho. Mas acho que quando a Drew é capturada e a amarram na cama e ela fica de bruços...

Tina: Chama estilo turco.

Mia: Quem diz que livros de amor não são educativos está mentindo.

4 entre 5 Drews de ouro

A ninfeta assassina

Tina: O filme feito para a TV! E a Drew faz o papel de uma adolescente assassina de Long Island!

Mia: Brilhantemente, devo dizer.

5 entre 5 Drews de ouro

Diferenças irreconciliáveis

Tina: Uma Drew muito novinha em um papel muito fofo!

Mia: Adoro. E adoro ela.

4 entre 5 Drews de ouro

Chamas da vingança

Tina: Eu sei que você adora este filme, então não vou dizer nada.

Mia: Fica quieta! Como é que você pode não gostar? Ela está tão bem!

Tina: Ela está extraordinária para a idade. É só que... a história é tão boba!

Mia: As pessoas podem, total, colocar fogo nas coisas com a mente se forem emotivas o suficiente. Olha só o que você vive falando do J.P.

Tina: É verdade.

4 entre 5 Drews de ouro

E.T. — O Extraterrestre

Tina: Ela está tão fofa nesse filme!

Mia: E é tão boa atriz. Parece que inventou os próprios diálogos, de tanta naturalidade que ela tem.

Tina: Vamos encarar. A Drew é um gênio. Eu queria que ela ganhasse um programa de entrevistas só para ela.

Mia: Eu queria que ela concorresse à presidência.

Tina: Presidente Barrymore! QUE MÁXIMO!!!!

5 entre 5 Drews de ouro

Agora estamos fazendo uma pausa entre Afinado no amor e Para sempre Cinderela, enquanto a Tina faz pipoca. Durante as partes chatas sem a Drew de Afinado no amor, a Tina perguntou se eu tinha tido notícias do Michael, então contei a ela sobre o e-mail dele, e ela ficou totalmente indignada em meu nome. Quer dizer, de o Michael tentar fingir que nós somos apenas amigos e ficar me contanto sobre a dificuldade que ele tem de encontrar sanduíches de ovo em vez de me dizer como sente a minha falta ou como queria que a gente voltasse.

Mas daí falei para a Tina que eu tinha concordado em ser só amiga dele. E também que a coisa toda foi minha culpa, em primeiro lugar, por ter exagerado no caso dele com a Judith Gershner, em vez de levar na boa, como a Drew teria feito.

E a Tina foi obrigada a reconhecer que era verdade. Ela também concordou que foi bom eu não ter respondido.

“Porque você não vai querer dar a ele a impressão de que está em casa sem nada melhor para fazer do que responder a e-mails dos seus ex-namorados”, ela disse.

Mesmo que isso seja realmente verdade.

Mas não é exatamente. Eu me sinto meio culpada por não contar à Tina como eu passei o dia — sabe como é, com a Lana e a Trisha. Não sei por quê. Quer dizer, Grandmère já observou um milhão de vezes que é totalmente falta de educação falar para alguém sobre um passeio ao qual a pessoa em si não foi convidada. Então, não há motivo para que eu DEVA contar à Tina sobre a Lana e a Trisha.

Mesmo assim. Era a LANA.

Eu...

O que foi ISSO? Acho que acabei de ouvir o porteiro da Tina chamar pelo interfone para avisar que tem alguém lá embaixo...


Domingo, 19 de setembro, 2h, no banheiro da Tina Hakim Baba

Ai. Meu. Deus.

Então, a Tina estava acabando de despejar manteiga derretida por cima da pipoca de microondas light para deixá-la com gosto de alguma coisa quando o porteiro avisou que o Boris e “um amigo” estavam lá embaixo.

A Tina teve um ataque, é claro, porque ela não pode receber meninos em casa quando os pais dela estão fora.

Mas o Boris pegou o interfone e disse que ele só queria deixar uma coisa com ela, um presente que tinha trazido para a gente. Então é claro que a Tina não resistiu e deixou ele subir. Porque, como ela colocou: “Presente!!!!!”

Mas, se quer saber a minha opinião, o presente foi só uma desculpa para o Boris poder subir e ficar beijando a Tina. Porque “o presente” era só dois potinhos de sorvete Häagen-Dazs. (Para ser sincera, eram os nossos sabores preferidos, baunilha suíça com amêndoas e crocante de macadâmia. Mas, mesmo assim...)

A verdadeira surpresa — pelo menos para mim — foi que o “amigo” se revelou ser o J.P.

Eu nem sabia que o J.P. e o Boris andavam muito juntos. Quer dizer, fora do refeitório na hora do almoço.

O J.P. estava tão... bom, tão bem quando entrou atrás do Boris no apartamento da Tina que foi chocante. Não sei o que ele fez, mas estava todo alto e... com cara de homem.

O negócio é que eu geralmente não reparo nesse tipo de coisa sobre cara nenhum, a não ser o Michael. Não sei qual é o meu problema. Talvez tenha sido só o choque de ver o J.P. em um ambiente fora da escola, de jeans e não com o uniforme ou com roupa de ir ao teatro. Talvez seja só porque todo mundo fica me falando tanto como o J.P. é gostoso que estou começando a acreditar.

Ou talvez eu só esteja sofrendo de falta de caras gostosos, já que faz tanto tempo que não vejo o Michael, ou qualquer coisa assim. De todo jeito, foi esquisito.

O J.P., além de estar gostoso, também parecia meio acanhado. Ele entrou arrastando os pés e me deu oi, enquanto a Tina dava gritinhos por causa do sorvete e saía correndo para buscar colheres.

A Tina não é das pessoas mais difíceis de agradar quando se trata de presentes. Especificamente, ela é capaz de praticamente desmaiar com qualquer coisa da Kay Jewelers.

“Oi”, eu respondi, e não sei por quê (bom, eu sei por quê: era a coisa da gostosura), mas foi esquisito. Acho que foi esquisito principalmente porque o J.P. tinha me perguntado o que eu ia fazer hoje à noite e eu meio que o dispensei e... bom, lá estávamos nós juntos.

Mas também por causa da coisa da gostosura.

E as coisas foram ficando cada vez mais esquisitas. Porque, apesar de no começo estar tudo bem, e todos nós comermos sorvete assistindo a Para sempre Cinderela (a Tina disse para os caras que eles podiam ficar para UM filme, mas que daí teriam que ir embora, porque se os pais dela encontrassem os dois ali, iam matá-la. Bom, pelo menos o pai ia. E provavelmente também matasse o Boris, e de um jeito especialmente doloroso que ele tinha aprendido com o guarda-costas da Tina, o Wahim, que tinha ganhado a noite de folga, junto com o Lars, já que foram informados que nós não sairíamos naquela noite).

Mas daí a Tina e o Boris pararam de prestar atenção ao filme e começaram a prestar atenção um ao outro. MUITA atenção. Tipo, basicamente, eles estavam com a língua enfiada um na boca do outro. Bem na frente do J.P. e de mim! O que não deixou a gente nada sem graça (até parece).

Depois de um tempo, eu não agüentava mais o barulho dos beijos (apesar de eu ter aumentado o volume da TV várias vezes. Mas nem o sotaque pseudobritânico da Drew foi capaz de abafar aqueles dois).

Então eu finalmente peguei os potes de sorvete derretido e disse: “Alguém precisa guardar isto aqui no congelador antes que derreta tudo”, e me levantei de um pulo para sair da sala.

Infelizmente — ou talvez felizmente, não sei —, o J.P. disse: “Eu ajudo”, e veio atrás de mim. Mas, falando sério: não é muito difícil guardar dois potinhos de sorvete no congelador. Eu poderia ter feito isso sozinha, total.

Na cozinha bacana e limpa dos Hakim Baba, com os balcões de granito preto e os equipamentos de última geração, o J.P. pegou um refrigerante da geladeira e depois puxou um banquinho do balcão da cozinha enquanto eu procurava um lugarzinho para o sorvete no freezer lotado. Tinha um MONTE de jantares congelados de dieta Healthy Choice ali (o pai da Tina supostamente devia consumir poucas calorias e pouco colesterol).

“Então”, o J.P. disse como quem não quer nada. No fundo, dava para ouvir a televisão ligada na sala, mas não dava mais para ouvir, graças a Deus, o barulho de beijo. “Você perdeu muita aula na semana passada.”

“Hum”, eu respondi enquanto brigava com o que parecia ser um bife congelado. “É. Acho que perdi.”

“Como você está agora?”, o J.P. quis saber. “Quer dizer, acho que você vai ter que estudar muito para se atualizar na matéria.”

“É”, eu respondi. A verdade é que eu mal olhei para tudo aquilo. Quando você está afundado em um buraco tão grande quanto eu, dever de casa não parece assim muito importante. Não tão importante quanto um jeans novo, pelo menos. “Amanhã eu dou um jeito, acho.”

“É mesmo? Então, o que foi que você fez hoje?”

Eu estava tão ocupada enfiando a carne mais para o fundo do freezer que nem pensei na resposta. “Saí para fazer compras com a Lana”, soltei um gemido. Daí, a carne FINALMENTE se mexeu e eu pude colocar o sorvete dentro do freezer.

Foi só quando bati a porta e me virei, tirando pedacinhos de gelo da mão, que vi a expressão do J.P. e percebi que eu tinha confessado.

“Com a Lana?”, ele repetiu, incrédulo.

Dei uma olhada no corredor, na direção da sala de TV. Vazio, ainda bem. O Boris e a Tina ainda estavam, hum, ocupados.

“Hum”, eu disse, sentindo o estômago revirar. O que eu fiz? “É. Sobre isso... não sei de onde saiu. Eu não ia contar para ninguém.”

“Dá para ver por quê”, o J.P. disse. “Quer dizer, a LANA? Por outro lado, foi ela que escolheu essa blusa?”

Abaixei os olhos para o top babydoll sedoso que eu estava usando. Reconheço que era bem bonitinho. E decotado.

E, surpreendentemente, com um dos meus sutiãs novos — e meu novo tamanho de peito — eu realmente estava com uma covinha entre os seios. Nada assim com jeito de vagabunda, mas com certeza estava lá. “Hum, foi.” Senti meu rosto ficar vermelho. “A Lana realmente é ótima para fazer compras...” E essa deve ser a coisa mais ridícula que eu já disse. Quero dizer, em toda a minha vida.

Mas o J.P. só assentiu com a cabeça e falou: “Estou vendo. Acho que ela encontrou a coisa para a qual ela mais leva jeito. Mas como diabos ISSO foi acontecer?”

Hesitante, contei a ele sobre a Domina Rei, e como a mãe da Lana tinha me convidado para fazer um discurso no evento que ela está organizando, e como a Lana tinha me agradecido por ter aceitado, e como uma coisa levou à outra e...

“Eu entendo tudo isso”, o J.P. disse quando eu terminei de falar. “Quer dizer, eu vejo a Lana convidando você para fazer compras com ela. Há anos ela sonha em ser sua amiga. Mas por que você concordou?”

Realmente não sei como explicar o que aconteceu em seguida. Quer dizer, por que eu falei o que falei. Talvez tenha sido porque estávamos só nós dois na cozinha silenciosa dos Hakim Baba (bom, tirando o barulho da máquina de lavar louça, que estava limpando nossos pratos de pizza. Mas era uma daquelas lava-louças supersilenciosas, que só fazem swish-swish bem baixinho).

Talvez seja porque o J.P. parecia tão deslocado ali sentado — um cara grande e ossudo naquela cozinha toda moderna, com as mangas do suéter de cashmere cinza-carvão arregaçadas até os cotovelos, jeans desbotado, botas Timberland e o cabelo meio espetado porque ele estava de gorro antes. Para o mês de setembro, está bem frio. Todos os meteorologistas culpam o aquecimento global.

Ou talvez seja a coisa da gostosura de novo — que ele, sabe com é, estava... bom, bem fofo.

Ou talvez seja só porque eu NÃO o conheço — pelo menos, não tão bem quanto conheço a Tina e o Boris e os outros amigos que ainda me restaram, agora que a Lilly não fala mais comigo. Seja lá o que tenha sido, de repente, antes que eu pudesse me segurar, ouvi eu mesma dizer: “Bom, sabe como é, o negócio é que eu estou fazendo terapia, e o meu terapeuta disse que eu tenho que fazer todo dia uma coisa que me dá medo. E achei que fazer compras com a Lana Weinberger seria realmente assustador. Só que, no final, não foi.”

Daí, mordi o meu lábio. Porque, sabe como é. Isso é muita coisa para descarregar em cima de alguém. Principalmente um cara. Principalmente um cara a quem a imprensa conectou você romanticamente, mesmo que não haja absoluta e categoricamente nenhuma verdade que seja nos boatos.

O J.P. não disse nada na hora. Só ficou lá tirando o rótulo da garrafa de refrigerante com a unha do dedão. Ele realmente parecia muito interessado no nível do líquido que restou na garrafa.

E isso não foi o melhor dos sinais, sabe? Tipo, ele nem conseguia olhar para mim.

“É estranho”, eu disse, sentindo um pânico total de repente. Como se eu estivesse me afundando mais do que nunca no buraco. “É estranho para você eu ter acabado de confessar que estou fazendo terapia, não é? Agora você acha que eu sou a maior esquisita. Certo? Quer dizer, ainda mais esquisita do que antes.” Mas, em vez de dar uma desculpa para ir embora, como eu esperava que ele fizesse, o J.P. ergueu os olhos da garrafa, surpreso. E sorriu.

E senti que a minha sensação de perder o chão estava cedendo um pouco. E não só porque o sorriso fez com que ele ficasse mais fofo do que nunca.

“Está de brincadeira?”, ele perguntou. “Eu estava mesmo me perguntando se tem algum aluno da Albert Einstein que NÃO faz terapia. Além da Tina e do Boris, quer dizer.”

Fiquei olhando para ele sem entender nada. “Espera... você também?”

O J.P. deu uma gargalhada. “Desde que eu tinha 12 anos. Bom, foi quando desenvolvi uma enorme afinidade por jogar garrafas do telhado do nosso prédio. Foi uma coisa idiota de se fazer... alguém poderia ter morrido. No final, me pegaram — e eu bem que mereci — e os meus pais se asseguraram de que eu não perdesse nenhuma sessão desde então.”

Não dava para acreditar nisso. Alguém mais que eu conhecia estava passando pela mesma coisa que eu? De jeito nenhum.

Deslizei para a banqueta da cozinha ao lado da do J.P. e perguntei, ansiosa: “Você também tem que fazer uma coisa que dá medo em você todo dia?”

“Hum, não. Na verdade, eu tenho que fazer MENOS coisas assustadoras todos os dias.”

“Ah. Eu me senti levemente decepcionada. “Bom. Está adiantando?”

“Ultimamente”, o J.P. deu um gole no refrigerante. “Ultimamente tem adiantado muito. Quer um deste aqui?”

Sacudi a cabeça. “Quanto tempo demorou?”, perguntei. Isso era demais. Não dava para acreditar que eu realmente estava falando com alguém que tinha passado — que estava passando — pela mesma coisa que eu. Ou alguma coisa parecida, pelo menos. “Quer dizer, antes de você começar a se sentir melhor? Antes de começar a adiantar?”

O J.P. olhou para mim com um sorriso engraçado no rosto. Demorou um minuto até eu perceber que era dó. Ele estava com pena de mim.

“As coisas estão tão mal assim, hein?”, ele perguntou. Mas não foi com maldade. Era como se ele realmente estivesse com pena de mim.

Mas não é isso que eu quero. Não quero que ninguém fique com pena de mim. É uma idiotice eu me sentir tão mal com tudo se, de maneira geral, a minha vida é fantástica. Quer dizer, olhe só as coisas que a Lana tem que agüentar — uma mãe que vendeu o pônei que ela adorava sem nem lhe dizer e uma ameaça de que, se não entrar em uma faculdade de primeira linha, pode dar tchauzinho para o apoio financeiro dos pais. Eu sou uma PRINCESA, pelo amor de Deus. Posso fazer o que eu quiser. Posso comprar tudo que eu quiser. Bom, dentro de limites razoáveis. A única coisa — a única coisa que eu não tenho — é o homem que amo.

E a culpa idiota é toda minha por tê-lo perdido, em primeiro lugar.

“É que eu ando meio para baixo”, eu disse, rápido. Não mencionei a parte sobre não querer sair da cama a semana toda.

“O Michael?”, o J.P. perguntou, ainda que com compaixão.

Assenti com a cabeça. Acho que eu não teria conseguido falar, nem se quisesse. Um caroço enorme tinha se formado na minha garganta, como sempre acontece quando ouço o nome dele — ou mesmo quando penso no assunto.

Mas acontece que eu não precisava falar. O J.P. largou a garrafa de refrigerante e colocou a mão dele em cima da minha.

Mas eu meio que preferia que ele não tivesse colocado. Porque isso me deu mais vontade de chorar do que nunca. Porque não tive como evitar a comparação da mão dele — que é grande e de homem, mas não tão grande nem tão de homem — quanto a de outra pessoa.

“Ei”, ele disse com gentileza, apertando um pouco os meus dedos. “Um dia melhora. Eu juro.”

“É mesmo?”, perguntei. Agora já era tarde demais. As lágrimas estavam vindo. Tentei engoli-las o melhor que pude. “Não é só... só o Michael, sabe”, eu ouvi a mim mesma garantindo a ele. Porque não queria que ninguém achasse que eu estava deprimida só por causa de um menino. Nem que essa realmente fosse a verdade. “Quer dizer, tem a coisa toda com a Lilly. Não posso acreditar que ela realmente acha que você e eu algum dia...”

“Ei”, o J.P. pareceu um pouco assustado, acho que por causa da velocidade com que as minhas lágrimas estavam caindo. “Ei.”

E, antes que eu me desse conta, ele já tinha me envolvido em um enorme abraço de urso. E eu estava chorando em cima do suéter dele. Que tinha cheiro de roupa lavada a seco.

E isso na verdade fez com que eu chorasse mais, quando me lembrei de que eu nunca mais sentiria o cheiro da coisa de que eu mais sinto falta e que mais amo no mundo... o pescoço do Michael.

Que definitivamente não tem cheiro de roupa lavada a seco.

“Shiii”, o J.P. dando tapinhas nas minhas costas enquanto eu chorava. “Vai dar tudo certo. Vai mesmo.”

“Não vejo como”, solucei. “A Lilly me odeia! Ela nem olha para mim!”

“Bom, talvez com isso você devesse se dar conta de uma coisa.”

“Eu devia me dar conta de quê?”, solucei encostada no peito dele. “Que ela me odeia? Disso eu já sei.”

“Não. Que talvez ela não seja uma amiga assim tão maravilhosa quanto você sempre achou que ela era.”

Isso realmente me fez parar de chorar e me sentar reta na cadeira e ficar olhando para ele sem entender nada, com os olhos cheios de lágrimas.

“O-o que você quer dizer?”

“Bom, é só que, se ela realmente fosse tão boa amiga quanto você parece pensar ela não acreditaria que existe alguma coisa entre você e eu. Porque iria saber que você não é capaz de uma coisa dessas. Ela com certeza não estaria brava por algo que você nem fez — apesar de talvez existirem algumas poucas provas do contrário. Quer dizer, por acaso ela se deu ao trabalho de perguntar se aquela coisa no Post sobre nós era verdade?”

Enxuguei os cantos dos meus olhos com um guardanapo que o J.P. tirou de um porta-guardanapo próximo e me entregou.

“Não”, eu disse.

“Eu nunca tive muitos amigos. Isso eu admito. Mas, mesmo assim, não acho que os amigos devam se tratar assim — simplesmente acreditando em alguma coisa que leram ou ouviram sem nem confirmar se é ou não verdade. Certo? Quer dizer, que tipo de amigo faz isso?”

“Eu sei”, soltei um último solucinho que fez meu corpo tremer. “Você tem razão.”

“Olha, eu sei que você é amiga dela desde sempre, Mia. Mas tem muita coisa sobre a Lilly que eu acho que você não sabe. Coisas que ela me contou enquanto nós estávamos juntos que... bom, quer dizer, por exemplo, que ela sempre teve bastante inveja de você.”

Fiquei olhando para ele, totalmente estupefata.

“Do que é que você está FALANDO? Por que diabos a Lilly teria inveja de MIM?”

“Pela mesma razão que eu imagino que muitas garotas — inclusive a Lana Weinberger — tenham inveja de você. Você é bonita, é inteligente, é popular, é princesa, todo mundo gosta de você...”

“O QUÊ?” Agora eu estava rindo. De descrença. Mas, mesmo assim. Era melhor do que chorar. “Eu pareço um cotonete! E estou com nota abaixo da média na maior parte das matérias! E a MAIOR PARTE das pessoas na escola acha que eu não passo de uma esquisita de 1,75m — quer dizer, 1,78m — sem peito...”

“Talvez algumas pessoas pensassem assim antes”, o J.P. sorriu para mim. “E talvez antes você parecesse isso mesmo para algumas pessoas. Mas, Mia, você precisa dar uma boa olhada no espelho. Você não é mais aquela pessoa. E talvez esse seja o problema da Lilly. Você mudou... e ela, não.”

“Isso... isso é ridículo. Eu continuo sendo a mesma velha Mia de sempre...”

“Que come carne e sai para fazer compras com a Lana Weinberger”, o J.P. observou. “Encare os fatos, Mia. Você não é mais a pessoa que era. Isso não significa que você não está MELHOR, nem que existem pessoas que vão gostar de você independentemente do que você come ou com quem você anda. Mas nem todo mundo vai conseguir se adaptar como, digamos, eu e a Tina nos adaptamos.”

Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. Será que isso pode ser verdade? Será que a verdadeira razão para que a Lilly não queira mais saber de mim é porque, longe de ter ficado enojada comigo, ela realmente tem inveja de mim?

“Mas isso é tão absurdo!”, eu finalmente soltei. “A Lilly é muito mais inteligente e muito mais realizada do que eu. Ela é um gênio, pelo amor de Deus! O que eu posso ter que ela não tem? Tirando uma tiara?”

“Esta é uma grande parte da coisa”, o J.P. deu de ombros. “O fato de você ser princesa é muito especial. Não consigo entender por que você nunca achou isso. A maior parte das pessoas mataria para fazer parte da realeza, e você passa o tempo todo desejando não ser. Não que ser integrante da realeza seja a única coisa especial a seu respeito... de jeito nenhum.”

“Se você passasse cinco minutos no meu lugar”, resmunguei, “iria perceber que ser eu realmente não tem nada de especial. Pode acreditar. Não tem nem um osso especial no meu corpo.”

“Mia”, o J.P. tirou a minha mão do balcão. “Tem uma coisa que eu quero falar para você há um tempo...”

Mas foi bem nesse momento que o porteiro tocou o interfone para avisar para a Tina que os pais dela estavam subindo (ainda bem que a Tina sempre dá biscoitos com gotas de chocolate para ele, de modo que ele sempre a ajuda). A Tina entrou correndo na cozinha, com olhos enlouquecidos, berrando que o Boris e o J.P. tinham que sair pela porta de serviço NAQUELE EXATO MOMENTO... e eles saíram rapidinho.

Então, não consegui descobrir o que o J.P. ia me dizer.

Depois que eles foram embora, nós demos oi para os pais da Tina e fomos para o quarto dela para fugir deles, a Tina pediu desculpa por ter passado tanto tempo agarrada com o Boris.

“É só que”, ela disse, “ele é tão fofo que às vezes não consigo me segurar.”

“Tudo bem. Eu entendo.”

“Mesmo assim”, a Tina insistiu. “Foi horrível da nossa parte esfregar a nossa felicidade na sua cara, sendo que você ainda está tentando superar o Michael. Aliás, sobre o que você e o J.P. ficaram conversando?”

“Ah”, eu disse, pouco à vontade. “Nada, na verdade.”

A Tina pareceu surpresa. “Porque o Boris disse que, quando ele comentou que você ia dormir na minha casa, o J.P. não parou de falar que eles dois tinham que vir aqui. Apesar de o Boris ter explicado a ele sobre a regra do meu pai. Mas o J.P. ficou repetindo que tinha uma coisa muito importante para falar com você, e praticamente forçou o Boris a trazê-lo aqui. Tem certeza de que ele não disse nada?”

“Bom, nós conversamos sobre várias coisas”, eu detesto mentir para a Tina! Mas não posso falar para ela que conversamos sobre fazer terapia. Simplesmente ainda não estou pronta para admitir isso para ela. Sei que é idiotice — sei que ela não ficaria me julgando. Mas... simplesmente não dá. “Sabe como é. Quase só sobre a Lilly.”

“Que interessante. Sabe, o Boris acha que o J.P. está apaixonado por você, e eu concordo. Talvez seja isso que ele quisesse dizer.”

Eu dei boas risadas com essa. Realmente, foi a melhor risada que eu dei desde que o Michael e eu terminamos. Para falar a verdade, foi a ÚNICA risada que eu dei desde então.

Mas acontece que a Tina não estava brincando.

“Encare os fatos”, ela disse. “O J.P. deu um pé na bunda dela no minuto em que ficou sabendo que você e o Michael tinham terminado. Ele deu um pé na bunda dela porque está apaixonado por você e percebeu que finalmente tinha uma chance de ficar com você, agora que está livre.”

“Tina!”, Eu enxuguei as lágrimas dos meus olhos. “Se liga. Fala sério.”

“Eu estou falando sério, Mia. Isto totalmente aconteceu em O filho secreto do xeque... e aposto que é por isso que a Lilly está tão brava com você.”

“Porque eu entreguei o segredo de que ela tinha dado à luz o filho secreto do xeque?” Eu não pude deixar de rir. É difícil ficar deprimida quando se está perto da Tina. Nem quando você está presa no fundo de uma cisterna.

A Tina pareceu decepcionada comigo. “Não. Porque ela desconfia que a verdadeira razão por que o J.P. deu um pé na bunda dela é você. Porque ele ama você. E isso é totalmente injusto da parte dela, porque a culpa não é sua. Você não pode fazer nada se os caras se apaixonam por você, da mesma maneira que aconteceu com a princesa de O filho secreto do xeque. Mas, mesmo assim, você tem que admitir — foi totalmente isso que aconteceu. Isso explica TUDO.”

Eu ri mais, tipo, uns dez minutos. Falando sério, a Tina vive em um mundo fofo de fantasia. Ela realmente deveria escrever seus próprios livros de romance para ganhar a vida. Ou virar comediante.

Pena que ela quer ser cirurgiã torácica em vez disso.


Domingo, 19 de setembro, 17h, no loft

Estar com Grandmère dificilmente é divertido.

Estar com Grandmère depois de basicamente zero de sono na sala do arquivo real da Embaixada da Genovia é o OPOSTO total de diversão. Seja lá qual for a coisa menos divertida que você seja capaz de imaginar.

O meu dia com Grandmère hoje foi assim.

Não me entenda mal. Tenho total interesse na vida dos meus ancestrais.

É só que... depois de um tempo, tanta guerra e fome? Tudo meio que começa a parecer a mesma coisa.

Mesmo assim, Grandmère insiste na idéia de que o arquivo real é o melhor lugar para eu encontrar material para o meu discurso na Domina Rei.

“Agora, lembre-se, Amelia”, ela ficava dizendo. “Você deseja INSPIRÁ-LAS... mas, ao mesmo tempo, é importante que as deixe BOQUIABERTAS. Ao mesmo tempo que as INFORMA, é claro. De modo que elas sintam que você não alimentou apenas a mente e o coração delas, mas também sua ALMA.”

Certo, Grandmère, qualquer coisa que você disser.

E também, acorda, não é pressão demais?

Grandmère, é claro, gravitou na direção dos escritos dos Renaldo mais conhecidos e pediu que lhe trouxessem as obras completas de Grandpère.

Mas eu estava mais interessada em obras menos conhecidas. Sabe como é, que eu talvez pudesse usar sem dar o crédito, para parecer que eu tinha inventado tudo.

Porque eu estou deprimida. Isso não é exatamente muito favorável à criatividade. Apesar do que alguns compositores podem dizer.

O fulano encarregado do arquivo — que, na verdade, se parecia muito com o que eu esperava do dr. Loco... sabe como é, mais velho, careca e com cavanhaque — soltou muitos suspiros enquanto Grandmère o fazia subir pelas prateleiras. “Não guardamos”, ele tentou explicar, TODOS os escritos reais na embaixada. “A MAIOR PARTE deles está no palácio. Só trouxeram algumas toneladas para cá quando a Embaixada da Genovia comemorou seu qüinquagésimo aniversário, há uma década, e ainda não tiveram oportunidade de mandar de volta de novo, já que ninguém demonstrou interesse neles desde...”

Grandmère não estava interessada em escutar nada disso. Nem estava interessada em saber por que não devia ter trazido o poodle toy dela, o Rommel, para a sala de arquivo, já que caspa de animal pode ser nociva para manuscritos antigos. Ela deixou o Rommel exatamente onde ele estava, no colo dela, e disse: “Não fique aí com cara de quebra-nozes, Monsieur Christophe.” (O que realmente foi engraçado, porque ele se parecia MESMO com um quebra-nozes!) “Traga-nos chá. E não economize nos sanduichinhos desta vez.”

“Sanduichinhos!”, Monsieur Christophe exclamou, parecendo, se é que isso era possível, ainda mais pálido do que antes (o que é difícil para um sujeito que obviamente passa praticamente zero de seu tempo na rua). “Mas, Vossa Alteza, os manuscritos... se alguma comida ou bebida cair nos manuscritos, pode...”

“Deus do céu, não somos criancinhas, Monsieur Christophe!”, Grandmère exclamou. “Não vamos fazer guerra de comida! Agora, vá buscar para nós as obras completas do meu marido, antes que eu precise subir lá para pegar sozinha!”

Lá foi Monsieur Christophe, parecendo extremamente infeliz e dando uma desculpa a Grandmère para voltar seu olhar hipercrítico para mim.

“Meu Deus, Amelia”, ela disse, depois de um minuto. “O que são essas... COISAS nas suas orelhas?”

Porcaria. Esqueci de tirar os meus brincos compridos novos.

“Ah, isto aqui. É. Bom. Eu comprei outro dia...”

“Você está parecendo uma cigana”, Grandmère declarou. “Remova-os neste instante. Que diabos está acontecendo com o seu peito?”

Eu tinha tentado ficar com um ar conservador com um vestido Marc Jacobs de gola Peter Pan que, a Lana me garantiu, era o máximo do chique urbano sofisticado. Principalmente quando combinado com meias-calças marrons estampadas e sapatos boneca de plataforma.

Infelizmente, era o que estava embaixo do top de lã marrom que fez Grandmère se armar.

“Comprei um sutiã novo”, eu disse, entre dentes.

“Isso eu estou vendo. Não sou cega. Estou confusa é com o que você enfiou para enchê-lo.”

“Não tem enchimento nenhum, Grandmère”, eu disse, de novo entre dentes. “É tudo meu. Eu cresci.”

“Só acredito vendo.”

E, antes que eu me desse conta, ela esticou o braço e me deu um beliscão!

No peito!

“AI!”, eu berrei, pulando para longe dela. “Qual é o seu PROBLEMA?”

Mas Grandmère já estava com aquela cara presunçosa dela.

“Você cresceu MESMO. Deve ter sido todo aquele azeite de oliva de excelente qualidade da Genovia que nós fizemos você consumir no verão...”

“É mais provável que sejam os hormônios nocivos que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos enfia no gado”, massageei o peito, que latejava. “Desde que comecei a comer carne, cresci três centímetros de altura e mais três centímetros... bom, em todos os lugares. Então, não precisa me beliscar. Garanto que é tudo de verdade. E também uau. Doeu muito. Você ia gostar se alguém fizesse isso em você?”

“Vamos nos assegurar de que a Chanel receba as suas novas medidas”, Grandmère parecia contente. “Isto é maravilhoso, Amelia. Finalmente, vamos poder colocar você em um modelo tomara que caia — e você realmente vai poder sustentá-lo, para variar!”

Fala sério. Às vezes eu odeio Grandmère.

Monsieur Christophe finalmente voltou com o chá e os sanduíches... e com os escritos de Grandpère. Que ele acomodou em várias caixas de papelão. E tudo parecia ser a respeito de questões de drenagem, que era o maior problema na Genovia durante o reinado dele.

“Não quero fazer um discurso sobre DRENAGEM”, informei a Grandmère. A verdade era que eu não queria fazer discurso nenhum. Mas como eu sabia que esse tipo de atitude não me levaria a lugar nenhum — NEM com Grandmère NEM com o dr. Loco, que têm muito em comum, pensando bem —, eu me contentei em reclamar do tema. “Grandmère, todos esses papéis... falam basicamente do sistema de esgoto da Genovia. Não posso falar para a Domina Rei sobre ESGOTO. Você não tem nada”, eu me voltei para Monsieur Christophe, que pairava ali por perto, engolindo em seco cada vez que uma de nós erguia um de seus papéis preciosos, “mais PESSOAL?”

“Não seja ridícula, Amelia”, Grandmère disse. “Você não pode ler os escritos pessoais do seu avô para a Domina Rei.”

A verdade era, claro, que eu não estava pensando em Grandpère. Apesar de ele ter algumas cartas excelentes que escrevera durante a guerra, eu estava atrás de algo menos...

Masculino? Chato? RECENTE?

“E ela?”, perguntei, apontando para um retrato pendurado no nicho acima do bebedouro. Era uma pintura bem legal de uma menina com o rosto levemente arredondado com roupas tipo da Renascença, com uma moldura folheada a ouro toda detalhada.

“Ela?” Grandmère quase deu uma gargalhada. “Nem ligue para ela.”

“Quem é ela?”, perguntei. Principalmente para irritar Grandmère, que obviamente queria continuar lendo sobre drenagem. Mas também porque era um retrato muito bonito. E a menina parecia triste. Como se não lhe fosse desconhecida a sensação de escorregar para o fundo de uma cisterna.

“Aquela”, Monsieur Christophe informou, em tom cauteloso. “é Vossa Alteza Real Amelie Virginie Renaldo, a qüinquagésima sétima princesa da Genovia, que reinou no ano 1669.”

Fiquei estupefata. Então, olhei para Grandmère.

“Por que nós nunca a estudamos?”, perguntei. Porque, pode acreditar, Grandmère me fez estudar a linhagem dos meus ancestrais. E não tem em nenhum lugar alguma Amelie Virginie. Amelie é um nome de muito sucesso na Genovia, porque é o nome da santa padroeira do país, uma jovem camponesa que salvou o principado de um invasor bandido ao fazer com que caísse no sono com uma canção melancólica, e depois cortando a cabeça dele fora.

“Porque ela só governou durante doze dias”, Grandmère respondeu, impaciente, “antes de morrer de peste bubônica.”

“Ela MORREU?”, não consegui me segurar. Pulei da cadeira em que estava sentada e corri até o bebedouro para olhar para o pequeno retrato. “Ela parece ter a MINHA idade!”

“E tinha mesmo”, Grandmère disse com voz cansada. “Amelia, pode fazer o favor de se sentar? Não temos tempo para isto. A festa de gala é daqui a menos de uma semana, precisamos arrumar um discurso para você agora...”

“Ai, meu Deus, que coisa mais triste.” Acho que um dos sintomas de estar deprimida é que você basicamente passa o tempo todo chorando. Porque meus olhos estavam totalmente se enchendo de lágrimas. A princesa Amelie Virginie era tão bonitinha, tipo a Madonna, na época antes de ela adotar a macrobiótica, se interessar por cabala e começar a levantar peso, quando ainda tinha bochechas fofinhas e tal. Ela se parecia um pouco com a Lilly, de certo modo. Se a Lilly fosse morena. E se usasse coroa e gargantilha de veludo azul. “Quantos anos ela tinha mais ou menos, uns dezesseis?”

“De fato.” Monsieur Christophe tinha se aproximado de mim. “Era uma época terrível para se estar vivo. A peste negra dizimava, além de moradores do interior, a corte real também. Ela perdeu os pais e todos os irmãos para a doença. Foi assim que herdou o trono. Ela só governou durante, como Vossa Alteza disse, doze dias, antes de perecer ela mesma perante a peste negra. Mas, nesse período, ela tomou algumas decisões — controversas na época — que terminaram por salvar muitos súditos da Genovia, se não toda a população do litoral... entre as quais, fechar o porto do país a todo tráfego de barcos, tanto os que chegavam quanto os que partiam, e fechar os portões do palácio a todos os visitantes... até mesmo aos médicos que a poderiam ter salvado. Ela não queria que a doença se disseminasse mais entre seu povo.”

“Ai, meu Deus”, pousei a mão no peito e tentando não soluçar. “Que coisa mais triste! Onde estão os escritos dela?”

Monsieur Christophe ergueu os olhos estupefatos para mim (porque, com os meus sapatos boneca de plataforma, eu estava, tipo, com 1,85m, e ele era só um cara baixinho — como Grandmère disse, um quebra-nozes). “Creio não ter compreendido bem, Vossa Alteza?”

“Os escritos dela”, eu disse. “Da princesa Amelie Virginie. Eu gostaria de vê-los.”

“Pelo amor de Deus, Amelia”, Grandmère explodiu, com cara de quem realmente estava precisando de um Sidecar e um cigarro, e não de chá com sanduichinhos (sem maionese), que eram as únicas coisas que o médico dela lhe deu permissão para consumir. “Ela não tem escrito nenhum! Ela estava lutando contra a peste negra! Não tinha tempo para escrever nada! Estava ocupada demais mandando queimar o corpo das criadas no pátio do palácio.”

“Na verdade”, Monsieur Christophe disse, pensativo, “ela tinha um diário...”

“NÃO PEGUE O DIÁRIO”, Grandmère disse, levantando-se de um salto. Ao fazê-lo, desalojou o Rommel, que caiu com tudo no chão e ficou lá escorregando, tentando retomar o equilíbrio, antes de se retirar, cabisbaixo, para um canto da sala. “NÃO TEMOS TEMPO PARA ISTO!”

“Pegue o diário”, eu disse a Monsieur Christophe. “Quero ler.”

“Na verdade”, o arquivista explicou, “temos uma tradução dele. Como foi escrito em francês do século XVII e era, é claro, tão curto — só doze dias — nós mandamos fazer a tradução, mas só depois descobrimos que não tinham sido doze dias especialmente, hum, importantes para a história da Genovia. Só de dar uma olhada nas primeiras páginas, dá para ver que a princesa escreve bastante sobre a saudade que sente da gata dela...”

Foi aí que eu vi que TINHA de ler.

“Quero ver a tradução”, eu disse, bem quando Grandmère berrou: “Amelia, SENTE-SE!”

Monsieur Christophe hesitou, obviamente sem saber o que fazer. Por um lado, eu estou mais próxima do trono do que Grandmère. Por outro lado, ela faz mais barulho e é bem mais assustadora.

“Sabe o quê?”, eu sussurrei para Monsieur Christophe. “Ligo para você mais tarde.”

Só que eu não fiz isso. Assim que saí dali e estava na segurança da minha limusine, liguei para o meu pai e disse a ele o que eu queria.

Se ele achou estranho, não fez nenhum comentário sobre o assunto. Mas acho que, para ele, o fato de eu me interessar por qualquer coisa que não seja a minha cama já parece um avanço.

Mas, bom, quando cheguei em casa, havia um pacote à minha espera. O meu pai tinha pedido para o Monsieur Christophe mandar por mensageiro não apenas a tradução do diário da princesa Amelie Virginie, mas também o retrato dela.

Que encostei na parede na ponta da minha cama, onde a TV costumava ficar. Ela cobre perfeitamente a saída do cabo, que é bem feia, e posso olhar para ela de qualquer ângulo quando estou na cama.

Que é onde estou neste momento.

Porque podem levar embora a minha televisão.

E podem jogar fora o meu pijama da Hello Kitty.

E podem me obrigar a ir à escola e à terapia.

Mas não podem fazer com que eu não fique na minha própria cama!

(Mas devo dizer que os meus problemas esmaecem em comparação aos da coitada da princesa Amelie Virginie. Quer dizer, pelo menos eu não tenho PESTE NEGRA.)


Domingo, 19 de setembro, 23h, no loft

Acabei de perceber que faz exatamente uma semana que eu recebi aquele telefonema do Michael para me dizer que está tudo terminado entre nós. Quer dizer, tirando o fato de que somos amigos.

Eu realmente não sei o que dizer a respeito disso. Uma parte de mim ainda quer se enfiar na cama e só ficar chorando para sempre, claro, apesar de ser possível pensar que, a esta altura, eu já tivesse chorado tudo que há para chorar (mas sempre que penso em como nunca mais vou sentir os braços dele ao meu redor, as lágrimas enchem os meus olhos rapidinho).

Mas daí eu penso sobre quanta gente tem mais dificuldades do que eu. A princesa Amelie Virginie, por exemplo. Quer dizer, primeiro, os pais dela pegaram a peste negra e morreram. E isso não foi assim TÃO ruim, porque ela não era mesmo muito próxima deles, já que eles a mandaram para um convento para ser educada quando tinha quatro anos, e ficava tão longe que, depois disso, ela mal via os membros da família dela.

Mas daí todos os irmãos dela morreram por causa da peste — e isso nem a incomodou muito, porque ela também mal os conhecia.

Mas isso significava que ela era a próxima da fila para o trono.

Então as freiras mandaram a Amelie fazer as malas e voltar para o palácio para ser coroada princesa da Genovia. E a Amelie realmente não ficou muito feliz com isso, já que precisou deixar a gata dela, Agnès-Claire, para trás.

Porque os gatos não são permitidos no Palais de Genovia (é impressionante como, quanto mais os tempos mudam, mais continuam iguais).

E, quando ela chegou ao palácio, o irmão do pai dela, seu tio Francesco, de que ninguém na família realmente gostava por causa da vez que ele chutou o cachorro deles, Padapouf (cachorros PODEM entrar no palácio), já estava lá mandando em todo mundo.

E, se eu me lembro corretamente das minhas aulas de história da Genovia (e pode acreditar, depois de tanta tortura de Grandmère, eu me lembro), ninguém gostava do tio Francesco, nem mesmo a família dele — ele se tornou príncipe Francesco Primeiro depois da morte de Amelie (na verdade, ele é príncipe Francesco ÚNICO, porque foi uma pessoa tão horrível que ninguém na Genovia nunca voltou a colocar o nome de Francesco em um filho depois que ele morreu). Ele foi o pior governante que a Genovia já viu, devido à tentativa que fez de cobrar impostos tão altos da população depois da peste negra para recompensar a perda de tributos que muita gente morreu de fome.

Ele também tinha reputação de ser um libertino (como provaram seus quase trinta filhos ilegítimos que tentaram alegar direito ao trono depois de sua morte). Aliás, durante o reinado de Francesco, a Genovia por muito pouco não foi absorvida pela França, já que o príncipe devia tanto dinheiro por causa de jogo, sendo que até perdeu as jóias da coroa em um jogo de cartas com Guilherme III da Inglaterra a certa altura (elas só foram recuperadas um século mais tarde, quando uma princesa esperta, Margarèthe, seduziu Jorge III, que, segundo boatos, não era muito bom da cabeça, e as resgatou).

Mas, bem, graças ao fato de Francesco basicamente pensar que já era príncipe, apesar de não ser — ainda —, a coitada da Amelie não tinha nada para fazer. Então, como qualquer adolescente entediada que não tem ninguém com quem conversar — todas as camareiras tinham morrido de peste negra — ela foi para a biblioteca do palácio e começou a ler os livros que havia lá. Um pouco como a Bela de A Bela e a Fera, na verdade! Só que a Fera era o tio dela, então não tinha chance de haver uma conexão amorosa.

E, em vez de xícaras e candelabros dançarinos, só havia chanceleres cobertos de pústulas e coisas assim.

Foi até este ponto do diário dela que eu cheguei. É tão chato que provavelmente não vou seguir em frente.

Mas quero descobrir o que acontece com a gata.

Eu...

Eu acabei de receber um e-mail. Dá só uma olhada:

CHEERGRL: Oi, Mia! Sou eu, a Lana. Espero que você tenha se divertido ontem à noite com o seu programa. Você perdeu uma festa MARAVILHOSA. Se quiser ver, tem fotos dela no site FestasOntemDeNoite.com. Ai, meu Deus, a caminho de casa, acho que vi a sua amiga Lilly agarrando um ninja ou algo assim no Around the Clock. Mas o que ela estaria fazendo com um NINJA? Acho que ontem eu realmente exagerei DEMAIS na balada. Então, o que está achando daqueles Louboutins que você comprou na Saks? Pena que você não pode ir de salto agulha à escola. Bom, a gente se fala!

~*Lana*~

Então, o romance da Lilly com um dos amigos lutadores de muay thai do Kenny continua! Se é que dá para chamar o que rola entre eles de “romance”.

Quando é que a Lilly vai perceber que nunca vai encontrar a satisfação emocional que procura em um relacionamento que se baseia puramente na atração física? Quer dizer, que tipo de lutador de muay thai é capaz de acompanhar a Lilly no campo intelectual? Ela vai jogá-lo na sarjeta assim que ele abrir a boca.

É triste, de verdade. É um caso a se pensar que a filha de dois psicanalistas seja capaz de reconhecer sua própria patologia pelo que ela é.

Mas acho que, como a Lilly não faz terapia formal, como eu, ela acha que não tem nenhum problema.

Ha!

E isso me lembra: tem escola amanhã.

E eu não fiz nenhum dos meus deveres atrasados.

Será que dá para eu pegar um bilhete com o dr. Loco? Por favor, liberem a Mia do dever de casa dela. Ela está deprimida. Atenciosamente, dr. Arthur T. Loco.

É. Isso colaria bem demais. Principalmente com a srta. Martinez...

AI, MEU DEUS. Outro e-mail do Michael acabou de aparecer na minha caixa de entrada.

Certo, preciso parar de ter um ataque de pânico cada vez que isso acontece. Quer dizer, agora somos amigos. Ele vai escrever para mim. Preciso parar de perder a cabeça quando ele escreve. Preciso ser normal. Não posso ficar com falta de ar só porque ele tentou falar comigo pelo ciberespaço.

Tenho certeza de que ele não está escrevendo porque percebeu que cometeu um erro terrível ao dizer que só queria ser meu amigo. E que quer voltar. Tenho certeza de que não é nada disso. Tenho certeza de que ele só está se perguntando por que eu não respondi ao último e-mail dele.

Ou talvez eu esteja em algum grupo de mensagens dele, e que esta seja apenas uma atualização sobre sua busca por um sanduíche de ovo no Japão, ou qualquer coisa assim.

Bom, acho que é melhor abrir a mensagem, ou nunca vou saber.

Talvez seja melhor eu esperar os meus batimentos cardíacos desacelerarem um pouco...

SKINNERBX: Querida Mia,

Ei, ouvi dizer que você estava com bronquite. Que saco. Espero que você esteja se sentindo melhor agora.

As coisas aqui continuam boas. Já estamos nos empenhando muito no primeiro estágio do braço robotizado — ou Charlie, como apelidamos a máquina. Estou até começando a me acostumar com a comida, apesar de filhotes de lula realmente não serem o que eu considero como petisco.

Sei que a minha irmã está dificultando as coisas para você. Você sabe como a Lilly é, Mia. Mas um dia ela supera. Você só precisa dar espaço a ela.

Sei que você está se sentindo para baixo e provavelmente está atolada de dever de casa e de coisas de princesa, mas, se tiver um tempinho, adoraria receber notícias suas.

Michael

Ai... Céus.

Depois de eu passar mais ou menos meia hora chorando em cima deste e-mail, excluí sem responder.

Porque, quer dizer, fala sério! Não posso ser amiga dele.

Simplesmente não posso.

Eu preferia ter peste negra.


Segunda-feira, 20 de setembro, Francês

Mia — o que é isso que você está lendo?

Não é nada, Tina. É só um diário de uma das minhas ancestrais.

Tem uma história de romance ardente nele????

Hum... não exatamente. Na verdade, é meio chato. Neste momento ela está redigindo alguma espécie de ordem executiva com base em algo que ela leu na biblioteca do palácio. Não que isso vá fazer bem para alguém. Ela, e mais todo mundo no palácio, morre de peste negra no fim.

Isso não me parece o seu tipo de leitura de jeito nenhum!

É, eu sei. Não sei o que deu em mim ultimamente.

Bom, tem muita coisa acontecendo. Naturalmente, você está crescendo e mudando com o tempo. Falando em crescer... Esse aí é o seu uniforme novo?

Ah, é, é sim. Graças a Deus que chegou. Eu achei que ia sufocar naquele velho. Mas acho que não era nem de longe tão ruim quanto os corseletes que obrigavam a minha ancestral a usar. Ei, você sabia que a Lilly saiu neste fim de semana com o lutador de muay thai misterioso dela?

Não! Quem foi que contou para você?

Hum, esqueci. Mas, bom, T, é sério. Você precisa pegar as informações deste cara! A Lilly pode se magoar de verdade!

Não sei, eu também não sou exatamente a pessoa preferida da Lilly ultimamente. É como se ela me odiasse por continuar andando com você. Acho que você vai ter mais sorte com o Kenny na sua aula de química.

Certo. Pode deixar. Ai, meu Deus, você sabia que no século XVII as pessoas usavam os piolhos que tiravam da cabeça em um medalhão como sinal de carinho?

Que nojo! Ainda bem que hoje a gente tem a Kay Jewelers.

Fala sério.


Segunda-feira, 20 de setembro, S & T

Sabe, eu realmente não achei que as coisas podiam ficar piores do que o meu namorado me dar um pé na bunda e a minha melhor amiga resolver que eu sou uma vagabunda traidora e se recusar a voltar a falar comigo. Ah, e alguém fazer um website para dizer como eu sou burra e como sou digna do ódio alheio.

Daí a Lana Weinberger resolveu que é a minha melhor amiga.

Olha, não estou dizendo que novos amigos são dispensáveis. E só Deus sabe como estou precisando disso.

Mas não tenho bem certeza se estou pronta para ter TANTOS AMIGOS quanto pareço ter agora.

Principalmente levando em conta que a única coisa que quero fazer é voltar para a cama e ficar lá.

Preferivelmente para sempre.

Mas não. Claramente, isto é pedir demais, demais mesmo.

Porque hoje no almoço, quando fui sentar perto da Tina, do Boris e do J.P., fiquei surpresa de ver que a Lana e a Trisha tinham colocado a bandeja do lado da minha também.

“Ai, meu Deus”, a Lana disse, quando viu o que eu estava comendo. “Você vai comer o enroladinho de salsicha? Você faz idéia de quantos carboidratos tem nisso? Não é à toa que você aumentou um tamanho. Ei, esses são os brincos que você comprou no sábado? Ficaram fofos.”

Ah, sim. Fui revelada:

Revelada como sendo Amiga da Lana.

Bom tanto faz. Quer dizer, ela não é TÃO má assim. Claro, já tivemos nossas diferenças no passado.

Mas ela realmente tem algumas boas dicas para parar de roer as unhas (passar o esmalte de tratamento Sally Hansen Hard As Nails toda noite sem falta, e depois um creme de cutículas de azeite de oliva).

A Tina ficou olhando para a Lana com a boca aberta, estupefata, o que fez a Trisha dizer: “Tira uma foto, fofa. Assim, dura mais”, e então observou que gostava do jeito que a Tina passa o delineador dela, e perguntou se ela usava assim por causa da religião dela ou sei lá o quê.

Isso fez a Tina engasgar com a salada de atum dela.

“Então, algum de vocês pegou o Schuyler em pré-cálculo?”, a Lana quis saber. “Porque eu não faço a menor idéia do que está acontecendo naquela aula.”

Ao que Boris respondeu, com cara de quem está com dor: “Hum... eu peguei.”

E daí ele passou o resto do almoço ajudando a Lana com o dever de casa dela, enquanto a Tina passou o resto do almoço mostrando para a Trisha como ela maquia os olhos, e o J.P. passou o resto do almoço dando um sorriso afetado para o chili dele (sem milho).

Eu só queria ler a minha tradução do diário da Amelie. Mas não consegui porque estava preocupada a respeito da impressão que isso transmitiria. Quer dizer, de eu parecer anti-social.

E já recebi acusações suficientes para que “anti-social” seja adicionado à lista.

Reparei que a Lilly me lançou um olhar bem maldoso por cima do ombro quando foi levar a bandeja para o balcão.

Mas isso pode ter sido porque eu estava deixando a Lana colocar minifivelas no meu cabelo e a Lilly implica com gente que fica se arrumando no refeitório.


Segunda-feira, 20 de setembro, Química

O J.P. quer saber como, simplesmente por sair para fazer compras com a Lana, passei a fazer parte da turminha dos populares.

Eu disse a ele que nós não saímos simplesmente para fazer compras: fomos comprar sutiã.

Ao que o J.P. respondeu: “Por favor, me conte tudo. E eu quero saber de tudo.”

Mas eu estava ocupada demais lendo sobre a Princesa Amelie. O tio Francesco entrou de supetão na biblioteca do palácio e ordenou que todos os livros de lá fossem queimados, só para ser maldoso, tenho certeza, porque ele por acaso sabia que a Amelie realmente gostava de ler, não por acreditar de verdade que os livros contribuíam para a disseminação da doença.

Como se isso já não fosse horrível o suficiente, ele também jogou no fogo os pergaminhos com a ordem executiva que ela tinha redigido e assinado com tanto cuidado — e ainda tinha arrumado as testemunhas, o que não era brincadeira, já que era difícil encontrar duas pessoas vivas no palácio para testemunhar a assinatura de um documento. Apesar de Amelie ter explicado a ele que aquilo que ela tinha escrito era para o bem do povo da Genovia! E ela acreditava que ele não se importava nem um pouco com os súditos. Principalmente porque todos estavam morrendo como moscas, e ele continuava permitindo que navios estrangeiros atracassem no porto, e parecia que isso só fazia levar mais doença para dentro do país... sem mencionar o fato de que levava a doença de volta para as cidades de onde os navios tinham vindo, quando retornavam.

Amelie acusou o tio de só se preocupar com o fato de o azeite de oliva ser ou não entregue. Para o tio Francesco, tudo sempre tinha a ver com azeite de oliva. E a coroa, é claro.

Mas não! Ele achou que queimar livros (e ordens executivas) era a resposta para todos os problemas deles!

Eu realmente queria continuar a ler, porque as coisas finalmente estavam ficando boas para a coitada da Amelie (ou más, como pode ser o caso).

Mas o Kenny me deu uma bronca, dizendo que, se eu não ia ajudar com a experiência, eu poderia simplesmente aceitar o zero que eu merecia.

Então, estou mexendo o líquido no frasco. E isso explica por que a minha letra está tão feia.


Segunda-feira, 20 de setembro, no loft

Apesar de eu ainda estar nas profundezas do desespero e tudo o mais, realmente estava meio animada depois da escola porque:

Nada de aula de princesa
Apesar de eu não ter TV, tenho uma coisa totalmente excelente para ler.
Tenho total intenção de tirar o meu uniforme da escola, colocar um moletom, me enrolar na cama e ficar lendo sobre a minha ancestral.

Mas a minha animação (reconhecidamente leve) teve vida curta, devido ao fato de eu ter entrado no loft e encontrado o sr. G à mesa de jantar com todo o material das aulas que eu tinha perdido na semana passada.

“Sente”, ele apontou para uma cadeira.

Então eu sentei.

E agora estamos dando conta de todas as aulas atrasadas. Uma aula por vez.

Isto é tão injusto...


Segunda-feira, 20 de setembro, 23h, no loft

Ai, meu Deus, estou tão cansada. E ainda não chegamos nem na metade de todo o estudo que eu preciso retomar.

Qual é o SENTIDO de jogar tanta lição para cima de nós? Será que essa gente não sabe que está destruindo o nosso espírito, que já é frágil? Será que é realmente isso que os detentores do poder desejam? Uma geração de almas feridas e dilaceradas?

Não é para menos que tantos adolescentes se voltam para as drogas. Eu também faria isso, se não estivesse tão cansada. E se soubesse onde arrumar.

Então, acontece que tio Francesco não gostou nada de a Amelie dizer que ele não se importava com as pessoas da Genovia. Ele disse que se ela realmente se preocupasse com elas abdicaria do trono e o deixaria governar. Porque ela era só uma menina que não tinha a menor idéia do que estava fazendo.

!!!!!!!!!!!!

Mas acho que a Amelie tinha mais idéia do que estava fazendo do que deixava transparecer, porque redigiu MAIS UMA ordem executiva — esta era para fechar todas as estradas e os portos da Genovia. Ninguém podia entrar no país nem sair dele. Ela fez isso porque achou que ajudaria um pouquinho mais a reduzir a disseminação da peste do que queimar todos os livros do país.

Ha! Engole essa, Francesco, seu fracassado! Além do mais, ela também fez com que os melhores exterminadores de ratos da cidade fossem levados até o palácio. Porque ela não pôde deixar de notar que não houve surtos da doença em lugares que havia gatos — como lá no convento, onde ela tinha deixado a Agnès-Claire.

Para uma menina que viveu no século XVII, quando ainda não sabiam o que eram germes, a Princesa Amelie era bem esperta.

Ah, e ela mandou expulsar o tio do castelo.

Cara. E eu achei que a MINHA família era desequilibrada.


Terça-feira, 21 de setembro, Introdução à Escrita Criativa

Parece que os meus parentes não são os únicos que estão conspirando contra mim. No minuto em que entrei na escola hoje, a diretora Gupta estava à minha espera. Ela fez um sinal com o indicador para que eu a seguisse até a sala dela. O Lars e eu trocamos olhares de pânico, tipo: “Ô-ou!” Desta vez, eu não consegui saber o que a gente tinha feito.

Ou o que eu tinha feito, pelo menos. Eu tinha certeza de que a diretora Gupta tinha descoberto sobre a vez que acionei o alarme de incêndio quando não tinha incêndio nenhum. É verdade que faz um ano, mas talvez eles tenham demorado todo este tempo para examinar os vídeos de segurança das câmeras dos corredores ou algo assim...

Mas acontece que não tem nada a ver com isso. O que aconteceu é que ela confiscou o meu diário.

Neste momento, estou escrevendo no meu caderno de química.

A diretora Gupta disse: “Mia, compreendo que você esteja passando por um momento difícil. Mas as suas notas estão caindo. Você está no ensino médio. Logo as faculdades vão começar a examinar o seu histórico escolar.”

Fiquei com vontade de fazer uma observação sobre um fato que ela e todo mundo conhece perfeitamente bem: que eu vou ser aceita em qualquer faculdade em que eu me inscrever. Porque sou princesa. Gostaria que isso não fosse verdade. Mas é. Quer dizer, até a Trisha sabe disso.

“Fui informada pela sra. Potts”, a diretora Gupta prosseguiu, “que você estava escrevendo no seu diário até durante a aula de educação física outro dia. Isto não pode continuar assim. Você não pode ficar achando que pode fazer o que quiser só porque é um pouco famosa, Mia.”

Isso sim que é injustiça! Eu nunca tentei me aproveitar do fato de ser famosa, mesmo que seja só um pouco!

“Considere escrever no seu diário durante as aulas absolutamente proibido a partir deste momento”, a diretora Gupta disse. “Vou ficar com o seu diário — não se preocupe, eu NÃO vou ler — até o fim das aulas hoje. E faça a gentileza de NÃO trazê-lo para a escola amanhã novamente. Está entendido?”

O que eu posso dizer? Bom... ela não está errada.

Ela instruiu todos os meus professores a tirar de mim qualquer papel em que me vejam escrevendo, a menos que tenha a ver com a aula. Só estou conseguindo escrever isto aqui porque a srta. Martinez acha que é a lição de escrita criativa que ela acabou de nos passar, para descrever um momento que nos deixou profundamente abalados.

Sabe qual foi o momento que me deixou profundamente abalada?

Foi quando a diretora Gupta trancou o meu diário no cofre da escola. Foi a mesma sensação de ser destripada com uma caneta Bic descartável.


Terça-feira, 21 de setembro, Inglês

Mia — cadê o seu diário????

Não quero falar sobre este assunto.

Ah. Tudo bem. Desculpa!

Não, eu é que peço desculpa. Foi falta de educação. É só que... a diretora Gupta tirou de mim. Porque as minhas notas estão caindo.

Ah, Mia! Que coisa horrível!

Não, não é. A culpa é toda minha. Eu também não devia estar passando bilhetinho. Todos esses professores supostamente têm que tirar de mim qualquer coisa em que eu esteja escrevendo que não tenha a ver com a aula. Então, tome cuidado.

Então, vamos tomar cuidado. Mas, bom, eu queria dizer... que ontem no almoço foi meio esquisito, hein? Eu não sabia que você e a Lana tinham ficado tão amigas! Quando foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importa de eu perguntar.

Não, tudo bem. Eu devia ter contado para você. É que eu acho tudo isso muito esquisito. Eu sei que ela foi supermaldosa com você no passado, e eu não... bom, eu não queria que você me odiasse.

Mia! Eu nunca poderia odiar você! Você sabe disto!

Obrigada, Tina. Mas você é a única.

Do que é que você está falando? Ninguém nunca poderia odiar você!

Hum... Um monte de gente me odeia, na verdade. E a Lilly me odeia DE VERDADE.

Ah. Bom. A LILLY. Você sabe por que ela odeia você.

Certo. A sua teoria sobre o J.P. que está errada. Mas, bom, eu supostamente vou fazer um discurso em um evento beneficente que a mãe da Lana está organizando, e uma coisa levou à outra, e... ela realmente não é tão má assim, sabe como é. Quer dizer, ela é MÁ. Mas não tão MÁ quanto a gente pensava antes. Acho. Você entende o que eu estou dizendo?

Acho que sim. Pelo menos, quando ela diz coisas sarcásticas, parece que ela simplesmente não sabe como agir de outra maneira, tipo, é como se ela só soubesse magoar os outros.

Eu sei. É mais ou menos igual à Lindsay Lohan.

Exatamente! Mesmo assim. Acho que a Lilly não está muito feliz com isso.

Como assim? Ela falou alguma coisa de mim?

Bom, ela também não fala mais COMIGO, já que eu sou sua amiga, então não, ela não me disse nada. Mas eu vi quando ela olhou feio para você do outro lado do refeitório.

Ah, é. Eu também vi. Eu...

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

Não vou mais passar bilhetinho na aula.

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Não vou mais passar bilhetinho na aula.


Terça-feira, 21 de setembro, Almoço

Eu pedi desculpas SEM PARAR para a Tina por ter causado problemas a ela na aula de inglês. Graças a DEUS o nosso bilhetinho não foi lido em voz alta. Essa é a única coisa boa.

A Tina disse que não é para eu me preocupar, que não é nada.

Mas NÃO É VERDADE que não é nada. Não dá para acreditar que estou arrastando as minhas amigas para o buraco comigo. Simplesmente está ERRADO, e preciso PARAR com isso.

Mas, bom, ninguém pode me impedir de escrever no ALMOÇO. Mesmo que eu escreva no meu caderno de química. Apesar de ser bem difícil escrever quando a Lana fica me dando cotoveladas o tempo todo e dizendo: “Espera, então a Gupta disse que você precisa estudar mais se quiser entrar na faculdade? Ai, meu Deus, isso pode ser retificado com muita facilidade. É só você entrar para o Esquadrão do Bem. Fala sério, a gente não precisa FAZER nada além de organizar uma venda de bolo, tipo, a cada cinco semanas. Aaah, ou, já sei! Você pode entrar para o Hola — o clube de espanhol? A gente fica lá assistindo a filmes em espanhol. Tipo aquele em que uns caras gostosos lutam até a morte com uns outros gostosões. Bom, na verdade a gente não assistiu a esse na aula, porque era sexy demais, a Trisha e eu assistimos em casa para ganhar nota extra. Ah, ou o comitê do baile! Estamos trabalhando no Baile da Diversidade Cultural neste momento! Neste ano, vamos detonar, estamos tentando arrumar uma banda ao vivo, em vez de DJ, para variar um pouco. E você também pode ser tutora de um aluno mais novo. Eu estou com uma do primeiro ano superfofa, ensinei a ela como passar sombra sem borrar.”

Eu só fiquei, tipo: “Hum. Sabe, já tenho muita coisa para fazer, com minhas funções de princesa. E com o dever da escola.”

“Certo”, a Lana respondeu. “Ei, o que você acha de esmalte com glitter? Sabe como é, para as minhas unhas? Será que é demais?”

Quando foi que isto aqui virou a minha vida?

Ah, certo, já lembrei. No dia que o meu ex-namorado me deu um pé na bunda e perdi toda a vontade de viver.


Terça-feira, 21 de setembro, S & T

Certo, ninguém pode me proibir de escrever aqui porque

A) Ninguém sabe o que eu deveria estar fazendo nesta aula idiota, de qualquer jeito, tendo em vista o fato de que eu não sou superdotada nem talentosa e

B) A sra. Hill nem está aqui. Deve ter algum leilão no eBay que ela está tentando vencer, ou qualquer coisa assim, porque ela está na sala dos professores.

Mas, bom, a coisa mais esquisita do mundo acabou de acontecer. Depois do almoço, fui ao banheiro e, quando estava lavando as mãos, a Lilly saiu de um dos reservados e começou a lavar as mãos DELA.

Ela estava totalmente me ignorando, como se eu nem existisse. Só olhando para si mesma no espelho.

Não sei o que deu em mim. De repente, simplesmente não suportei mais aquilo. Fechei a torneira da minha pia e peguei umas toalhas de papel e QUASE falei, enquanto enxugava as mãos: “Sabe o quê, Lilly? Pode me ignorar o quanto quiser, mas isso não muda o fato de que você está errada. Eu NÃO fui a causa do seu rompimento com o J.P. e NÃO estou ficando com ele. Nós somos SÓ amigos. Não dá para acreditar que depois de todos estes anos de amizade você pode PENSAR isso de mim. E, além do mais, você sabe que eu amo o seu irmão. Quer dizer, apesar do fato de agora nós também só sermos amigos.”

Mas eu não disse.

Não proferi nenhuma palavra.

Afinal, por que eu deveria dizer alguma coisa? Por que eu deveria dar o primeiro passo, se não fiz nada de errado? É ela quem está me dando as costas, sendo que eu estou passando por uma enorme dor pessoal. Quer dizer, será que já passou pela cabeça dela que eu realmente estou precisando de uma amiga neste momento? Será que já passou pela cabeça dela que este não é o melhor momento para me dar um gelo?

Mas parece que sempre que eu passo por um período de crise pessoal — quando descobri que era princesa; quando o irmão dela me deu um pé na bunda —, a Lilly sempre dá as costas para mim.

A Lilly devia saber que eu estava pensando em dizer alguma coisa para ela, porque ela me lançou o olhar mais feio do mundo. Então enxaguou as mãos, fechou a torneira, pegou algumas toalhas de papel para si, jogou-as no lixo — da mesma maneira que parece ter feito com a nossa amizade — e saiu sem dizer nenhuma palavra.

Quase saí correndo atrás dela. De verdade. Quase corri atrás dela e disse que, seja lá o que eu tivesse feito, sentia muito, e que sei que sou uma esquisita, mas que estou tentando obter ajuda. Eu quase falei: “Olha, estou fazendo terapia. Está feliz agora? Você me fez ir parar na terapia!”

Mas, em primeiro lugar, sei que isso não é verdade. Não estou na terapia por causa da Lilly nem do Michael nem de ninguém, de verdade, a não ser o Buraco Gigante.

E, em segundo lugar... bom, eu ainda carrego um pouco de orgulho dentro de mim. Quer dizer, eu é que não ia dar a ela tanta satisfação assim.

Além do mais, e se ela contasse para o Michael ou algo assim? Daí ele ia achar que eu estava tão destruída com a nossa separação que estou sentindo impulsos suicidas.

E eu não estou.

Só estou triste. Como o dr. L disse.

Só estou triste.

Então, bom. Deixei que ela fosse embora. E não proferi nenhuma palavra.

E agora estou aqui em S & T, observando enquanto ela conversa com a Perin no telefone sobre a iniciativa da antena de celular delas.

E quer saber de uma coisa? Nem tenho mais certeza se ainda quero ser amiga dela. Quer dizer, para ser sincera, na verdade a Lana Weinberger é uma amiga MELHOR do que a Lilly jamais foi. Pelo menos com a Lana, a gente sempre sabe onde está pisando. É verdade que a Lana totalmente acha que o mundo gira ao redor dela e as coisas que ela diz são tão profundas quanto uma piscina infantil.

Mas pelo menos a Lana não fica tentando fingir ser quem não é. O contrário de outras pessoas cujo nome não posso citar.

Meu Deus, vou ter TANTA COISA para falar com o dr. L na sexta....


Terça-feira, 21 de setembro, 16h, Chanel

A diretora Gupta ficou toda: “Mia. Vamos conversar”, de um jeito todo sério, quando fui pegar meu diário de volta com ela.

Então eu tive que me sentar e ouvi-la ficar falando sobre como eu sou uma menina inteligente, com tanta coisa a oferecer... é uma pena eu ter saído do conselho estudantil e não participar de mais atividades extracurriculares neste ano. As faculdades, ela disse, olham para outras coisas além de notas e de recomendações dos professores, sabe como é. Querem ver que as pessoas que desejam estudar em suas instituições também têm interesses fora da academia.

A Lana estava supercerta sobre o Hola.

“Estou no jornal da escola”, eu ofereci, para dar uma desculpa.

“Mia”, a diretora Gupta disse. “Você não foi a nenhuma reunião do jornal neste semestre.”

Eu estava torcendo para que ela não tivesse reparado nisso.

“Bom até agora, o semestre tem sido meio difícil.”

“Eu sei”, atrás dos óculos, os olhos da diretora Grupta pareciam gentis. Pelo menos desta vez. “Está claro que você passou por muita coisa ultimamente. Mas não pode simplesmente se fechar por causa de um garoto, Mia.”

Fiquei olhando para a diretora, horrorizada. Quer dizer, mesmo que possa ser verdade, não acredito que ela disse isso.

“N-não estou”, gaguejei. “Isto não tem nada a ver com o Michael. Quer dizer, claro que estou triste por termos terminado. Mas... é só que... tem muito mais coisa do que isso.”

“O que realmente me incomoda é que você parece ter desistido dos seus amigos também. Reparei que você não senta mais com a Lilly Moscovitz na hora do almoço.”

“Ela é que não senta mais comigo”, eu disse, indignada. “Não sou eu que...”

“E reparei que, em vez de ficar com ela, você anda passando bastante tempo com a Lana Weinberger.” A boca da diretora Gupta ficou toda pequena, como a da minha mãe fica quando ela está brava. “Ao mesmo tempo em que eu fico feliz de você e a Lana não viverem mais se atacando, não posso deixar de me perguntar se ela é alguém com quem você realmente tem tanta coisa assim em comum...”

Agora que eu tenho peito, ela é sim. Ela sabe TUDO sobre cobertura de mamilos.

E também sobre como exibi-los, quando é apropriado fazê-lo.

“Eu realmente aprecio o fato de a senhora se preocupar comigo, diretora Gupta”, eu respondi. “Mas é preciso se lembrar de uma coisa.”

Ela olhou para mim, cheia de expectativa. “Do quê?”

“Eu sou princesa. Eu vou entrar em todas as faculdades em que me inscrever, porque as faculdades gostam de alardear que têm em seu quadro de alunos uma garota que um dia vai governar um país. Então, realmente não faz diferença se eu entrar para o clube de espanhol, para o Esquadrão do Bem, ou para sei lá o quê. Mas”, sacudi o meu diário para ela, “obrigada pela preocupação.”

Assim que saí da sala da diretora G, meu telefone tocou, olhei no visor e vi que Grandmère estava me ligando.

Maravilha. Porque é evidente que não tinha como o meu dia melhorar.

“Amelia”, ela cantarolou quando atendi. “Por que você está demorando? Eu estou ESPERANDO.”

“Grandmère? Do que você está falando? Nesta semana não vamos ter aulas de princesa, está lembrada?”

“Eu sei disso. Estou na frente da escola com a limusine. Hoje, vamos à Chanel para tentar achar alguma coisa para você usar no evento de gala da sexta. Está lembrada?”

Não, eu não tinha lembrado. Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.

Então, aqui estou eu na Chanel.

As funcionárias estão muito animadas com as minhas novas medidas. Principalmente porque não precisam mais apertar a parte de cima de todos os vestidos que Grandmère escolhe para mim.

O tailleur que ela escolheu para o evento de gala é bem legal, para falar a verdade. E ela finalmente vai me deixar usar preto.

“O seu primeiro tailleur Chanel”, ela fica murmurando com um suspiro. “Onde o tempo foi parar? Parecia ontem quando você era uma garotinha de 14 anos com os joelhos arranhados, que chegou para mim sem nem saber como usar uma faca de peixe! E agora, olhe só para você! PEITOS!”

Tanto faz. Nunca tive arranhões nos joelhos.

Então Grandmère me entregou o discurso que tinha mandado escrever para mim. Para o evento de gala. Acho que tinha desistido da idéia de me deixar escrever o meu próprio discurso. Ela tinha se adiantado e contratado um ex-redator de discursos presidenciais para criar um solilóquio de vinte minutos sobre o sistema de drenagem da Genovia. O redator de discursos que ela arrumou aparentemente é muito famoso, ele escreveu um discurso a respeito de mil pontos de luz.

Acho que ele costumava escrever para Star Trek: A nova geração, ou algo assim.

Devo decorar o meu discurso, Grandmère diz, para parecer mais “espontâneo”.

Por sorte, posso ficar lendo enquanto ajustam meu tailleur novo.

Só que não estou lendo o meu discurso. Porque Grandmère saiu para experimentar o vestido dela para o evento de gala. Porque foi convidada para participar como minha “acompanhante”. Sei que ela tem a esperança de que nós DUAS recebamos convites para entrar para a Domina Rei.

E talvez isso até nem seja tão ruim assim. Daí eu posso dizer à diretora Gupta que tenho uma atividade extracurricular para colocar nas minhas fichas de inscrição para a faculdade. Assim ela vai ficar feliz.

Mas, bom, o tio da Princesa Amelie não ficou longe do palácio muito tempo depois de ela o expulsar. Isso porque não tinha sobrado nenhum guarda, já que todos tinham pegado peste também. Ele voltou e ficou dizendo para a Amelie quanto dinheiro ela estava perdendo por não permitir que os navios que exportavam o azeite da Genovia saíssem dos portos. E também por não exigir que o povo continuasse pagando tributos para ela, apesar de ninguém ter dinheiro, porque todo mundo tinha pegado peste e não podia trabalhar.

Mas o tio Francesco não se importava. Ele ficava dizendo que ela não sabia o que estava fazendo porque era só uma menina, e que ela ia levar a família real dos Renaldo à falência, e que passaria para a história como a pior governante da Genovia de todos os tempos.

Como é irônico que, no fim, ELE foi quem ganhou esta distinção.

De qualquer forma, bom, a Amelie disse ao tio para parar de incomodar. Ela sabia que estava salvando vidas. Devido às iniciativas dela, havia menos casos da doença registrados.

Mas já era tarde demais para ela. Porque tinha descoberto a primeira pústula.

Ela resolveu não contar para o tio. Porque a Amelie sabia que, quando morresse, Francesco conseguiria o que desejava: o trono, que era a única coisa que importava para ele. Nem ligava se não sobrasse ninguém para governar. Ele só queria o dinheiro de Amelie. E a coroa dela.

E isso era algo de que ela ainda não estava pronta para abrir mão. Porque tinha mais uma coisa que precisava fazer.

Pena que Grandmère voltou e NÃO PÁRA DE FALAR, E POR ISSO NÃO POSSO DESCOBRIR O QUE ERA!


Quarta-feira, 22 de setembro, 1h, no loft

Ai, meu Deus ! Que coisa mais triste! A princesa Amelie morreu, total!!

Quer dizer, ela sabia que estava doente.

E, obviamente, eu sabia que ela ia morrer.

Mas foi simplesmente tão... traumático! Ela estava completamente sozinha! Não tinha ninguém nem para lhe entregar um lencinho de papel no fim, porque todo mundo estava morto (tirando o tio dela, mas ele ficou longe, porque não quis pegar a doença que ela tinha).

Além do mais, naquele tempo não existiam lencinhos de papel.

Isso é tão... errado.

Não a coisa de não existirem lencinhos. A coisa de estar sozinha.

Agora não consigo parar de chorar. E isso é ótimo, sabe como é. Já que eu preciso acordar para ir para a escola amanhã. Por alguma razão. E, de qualquer forma, até parece que eu não tenho andado deprimida o suficiente nos últimos dias. É que isto aqui, sabe como é. É só mais uma escavada no fundo daquele buraco.

Eu nem sei por que me dou ao trabalho de seguir em frente. Quer dizer, vamos encarar os fatos:

Nós nascemos.

Vivemos durante um tempinho. E daí nós morremos, nosso tio assume o trono, queima todas as nossas coisas e faz tudo que pode para deslegitimar os doze dias que passamos no governo por ser, basicamente, o príncipe mais sacal de todos os tempos.

Pelo menos a Amelie conseguiu salvar o diário dela, que — como ela escreveu nas últimas páginas — ela tinha a intenção de mandar para o convento onde tinha sido tão feliz, comparativamente, por medida de segurança, junto com o pequeno retrato dela. Ela disse que as freiras “saberiam o que fazer”.

Tem mais uma coisa que ela também salvou de ser queimada — além da Agnès-Claire, que, eu imagino, morreu feliz e cheia de ratos na abadia onde o diário da dona dela acabou aparecendo, apenas para ser devolvido ao palácio pelas freiras prestativas, de acordo com os desejos da Amelie, ao Parlamento, que...

...ignorou totalmente.

Só posso partir do princípio que o diário foi ignorado porque todo mundo achou que uma menina de 16 anos não tinha nada a dizer.

Além do mais, o tio dela não estava exatamente facilitando a vida dos membros do Parlamento, já que estava decidido a gastar até o último centavo do tesouro da Genovia. Então eles não tinham assim muito tempo de ir para casa ler o diário de uma princesa morta qualquer.

Mas, bom, a outra coisa que a Amelie conseguiu salvar foi uma última cópia da coisa que ela tinha escrito e feito assinar por aquelas testemunhas — seja lá o que fosse. Ela diz que escondeu o pergaminho em “algum lugar próximo do meu coração, onde alguma princesa futura vai encontrar, e fazer o que é certo”.

Só que, é claro, quando a gente está morrendo de peste, realmente não é uma boa idéia esconder uma coisa perto do coração.

Porque o seu cadáver simplesmente vai ser queimado e reduzido a cinzas pelo seu tio em uma pira funerária.


Quarta-feira, 22 de setembro, S & T

A Lana acabou de lançar uma pequena arma de destruição em massa à mesa do almoço. Simplesmente a largou e depois deu de ombros, como se não fosse nada. Mas estou aprendendo que esse é o jeito dela. “Então, há quanto tempo está rolando?”, ela quis saber, abanando os dedos para a mesa de almoço onde a Lilly estava sentada com o Kenny Showalter e todo mundo mais.

Dei uma olhada para o lugar que ela apontava. “Ah. Bom, a Lilly não está falando comigo por diversas razões. A primeira, e provavelmente a mais importante, é que ela me culpa por o J.P. ter dado um pé na bunda dela...”

“Ei!”, o J.P. reclamou. “Eu não dei um pé na bunda dela! Eu disse a ela que seria melhor se fôssemos apenas amigos.”

“Sei. Tem muita gente dizendo isso por aí. Em segundo lugar”, informei à Lana, “a Lilly está aborrecida por que me recusei a concorrer para a vaga de presidente do conselho estudantil. Apesar de eu nunca ter desejado ser presidente para começo de conversa; ela era que queria isso. Em terceiro, ela...”

“Não estou falando de quanto tempo vocês estão brigadas”, a Lana revirou os olhos. “Quero saber há quanto tempo ela e o Poste estão mandando ver.” Às vezes é um tanto difícil entender o que a Lana está dizendo, porque ela usa um tipo de gíria que ninguém mais na nossa mesa de almoço conhece (além da Trisha Hayes e da Shameeka, que também voltou para a turma).

“Poste?”, repeti.

“Mandando ver?”, a Tina completou.

A Lana revirou os olhos mais uma vez e disse: “Há quanto tempo a Lilly Moscovitz está indo para a cama com o sr. Cientista de Foguetes?” Eu larguei meu taquito de carne com queijo.

“O QUÊ?”, eu berrei. “A Lilly e o Kenny?”

Mas a Lana só bateu seus cílios supercompridos e volumosos, cobertos de rímel, e falou: “Dã, eu disse para você que vi os dois se engolindo no Around the Clock no fim de semana passado.”

“Você disse que viu a Lilly e um NINJA se agarrando”, eu disse. “Não o KENNY. O Kenny Showalter não é ninja.”

“Não”, a Lana mastigava seu rolinho de atum com abacate — que ela mandava entregar especialmente para ela todo dia no almoço. Já que o refeitório não oferece sushi. “Era aquele cara ali com toda a certeza.”

“Totalmente”, a Trisha concordou. “Eu reconheceria aquele pomo-de-adão saltado em qualquer lugar. Estava sacudindo para tudo que é lado.”

A Tina e eu nos entreolhamos, chocadas, Daí a Tina lançou um olhar acusatório para o namorado dela.

“Boris”, ela disse, “o cara que a Lilly estava agarrando na cozinha da casa dela era o KENNY?”

O Boris pareceu pouco à vontade. “Estava difícil de ver. Ele estava de costas para mim. Todos aqueles lutadores de muay thai pareciam iguais sem camisa.”

“Ai, meu Deus!”, a Tina exclamou. “Era o Kenny! Boris! Você deixou a Mia toda preocupada por nada, achando que a Lilly estava ficando com um lutador de muay thai desconhecido qualquer porque estava desesperada por causa do J.P. ter dado um pé na bunda dela, quando na verdade era o Kenny o tempo todo!”

“Eu não dei um pé na bunda dela”, o J.P. insistiu.

Mas o Boris só ficou com cara de tédio. “Quem se importa? Quando é que as coisas vão voltar ao normal por aqui?”

Quando disse a palavra normal, ele olhou para a Lana e a Trisha.

Ninguém reparou, é claro. Só o J.P., que sorriu para mim. O J.P. tem mesmo um sorriso bacana.

Não que isso tenha nada a ver com qualquer uma destas coisas.

Mas, bom, no começo, eu fiquei, tipo: “Mas a Lilly poderia quebrar o pescoço do Kenny com as coxas com a maior facilidade, igual a Daryl Hannah em Blade Runner — O caçador de andróides.”

Mas daí eu me lembrei de como o Kenny anda ficando forte com tanta luta de muay thai.

Então. Estou feliz por ela. Estou mesmo, de verdade. Quer dizer, se ela está feliz, eu estou feliz.

Mas, mesmo assim. O KENNY SHOWALTER????????

 

 


C O N T I N U A