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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


REVELADA / P. C. Cast e Kristin Cast
REVELADA / P. C. Cast e Kristin Cast

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

– Uau, Z., este é um público incrível. Há mais humanos aqui do que pulgas em um cachorro velho! – Stevie Rae encobriu seus olhos com a mão enquanto olhava ao redor
do campus recém-iluminado.
Dallas era um idiota total, mas todos nós admitimos que as luzes cintilantes que ele havia enrolado em volta dos troncos e galhos dos velhos carvalhos davam ao campus
um brilho mágico, de conto de fadas.
– Essa é uma das suas analogias de caipira mais ridículas que eu já ouvi – Aphrodite disse. – Apesar de ser bem precisa. Principalmente porque há um monte de políticos
da cidade aqui. Bando de parasitas.
– Tente ser gentil – eu falei. – Ou pelo menos tente ficar quieta.
– Isso quer dizer que o seu pai, o prefeito, está aqui? – os olhos já arregalados de Stevie Rae ficaram ainda maiores.
– Suponho que sim. Agora há pouco vi de relance a Cruella de Vil, também conhecida como Aquela que me Pariu – Aphrodite fez uma pausa e levantou as sobrancelhas.
– A gente deveria ficar de olho nos gatinhos dos Street Cats. Eu vi alguns brancos e pretos com o pelo bem macio.
Stevie Rae ofegou.
– Aiminhadeusa, a sua mãe não faria um casaco com pelo de gatinhos, faria?
– Ela faria isso antes de você terminar de dizer “o cara está bebendo e dirigindo de novo” – Aphrodite disse, imitando o sotaque sulista e anasalado de Stevie Rae.
– Stevie Rae... Ela está brincando. Fale a verdade – dei uma cotovelada em Aphrodite.
– Tudo bem. Ela não tira a pele de gatinhos. Nem de cachorrinhos. Só de filhotes de foca e democratas.
Stevie Rae franziu as sobrancelhas.
– Viu só, está tudo bem. Além disso, Damien está na barraca dos Street Cats, e você sabe que ele nunca deixaria ninguém arrancar nem um bigode de gatinho, ainda mais o pelo todo – eu tranquilizei a minha melhor amiga, recusando-me a deixar que Aphrodite estragasse o nosso bom humor. – Na verdade, está tudo mais do que bem.
Dê uma olhada no que nós conseguimos produzir em pouco mais de uma semana – suspirei de alívio com o sucesso do nosso evento e deixei o meu olhar vagar pelos jardins lotados da escola.


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Stevie Rae, Shaylin, Shaunee, Aphrodite e eu estávamos atendendo na barraca de comida (enquanto a mãe de Stevie Rae e várias amigas dela da Associação de Pais e
Mestres andavam pela multidão com amostras dos cookies de chocolate que a gente estava vendendo, tipo, aos milhões). Da nossa posição perto da estátua de Nyx, nós
tínhamos uma ótima vista do campus todo. Eu podia ver uma longa fila na barraca de lavanda de Vovó. Isso me fez sorrir. Não muito longe de Vovó, Thanatos havia montado
uma área de inscrições para empregos, e havia um monte de humanos preenchendo formulários lá.
No meio dos jardins, havia duas enormes tendas brancas e prateadas decoradas com mais luzes cintilantes de Dallas. Em uma das tendas, Stark, Darius e os guerreiros
Filhos de Erebus estavam fazendo demonstração de armamentos. Observei Stark mostrando para um jovem garoto como segurar um arco. O olhar de Stark encontrou o meu.
Nós demos um sorriso rápido e íntimo um para o outro, antes de ele voltar a ajudar o garoto.
Quem estava faltando na tenda dos guerreiros eram Kalona e Aurox. Por razões óbvias, Thanatos decidira que a comunidade de Tulsa não estava preparada para ser apresentada
a nenhum deles.
Eu concordava com ela.
Eu não estava preparada para...
Dei uma sacudida em mim mesma mentalmente. Não, eu não ia pensar na questão Aurox/Heath agora.
Em vez disso, voltei minha atenção para a outra grande tenda. Lenobia estava lá, mantendo o olhar atento nas pessoas que se aglomeravam feito abelhas zunindo em
volta de Mujaji e da grande égua Percherão, Bonnie. Travis estava com ela. Travis sempre estava com ela, o que fazia bem ao meu coração. Era incrível ver Lenobia
apaixonada. A Mestra dos Cavalos era como um farol luminoso e radiante de alegria e, com todas as Trevas que eu tinha visto ultimamente, isso era chuva no meu deserto.
– Ah, que merda, onde eu coloquei o meu vinho? Alguém viu o meu copo do Queenie’s? Como a caipira me lembrou, os meus pais estão por aqui e eu preciso me fortalecer
para a hora em que eles me encontrarem – Aphrodite estava resmungando e remexendo entre as caixas de cookies, procurando o grande copo de plástico roxo em que ela
estava bebendo.
– Tinha vinho naquele copo de viagem do Queenie’s? – Stevie Rae balançou a cabeça para Aphrodite.
– E você estava bebendo vinho por um canudo? – Shaunee começou a balançar a cabeça junto com Stevie Rae. – Não é nojento?
– Tempos de desespero exigem medidas desesperadas – Aphrodite respondeu com ironia. – Há freiras demais espreitando por aí para beber abertamente sem ter que ouvir
um sermão entediante – Aphrodite deu uma olhada para a nossa direita, onde os Street Cats haviam disposto uma série de gaiolas em formato de meia-lua com gatinhos
para adoção, além de caixas de brinquedos feitos com gatária para vender. Os Street Cats tinham a sua própria versão em miniatura das tendas brancas e prateadas,
e eu vi Darius sentado lá dentro, todo atarefado cuidando do caixa. Exceto por ele, tudo o que se movia na área dos felinos eram os hábitos das freiras Beneditinas
que haviam tomado conta dos Street Cats.
Uma das freiras olhou na minha direção e eu acenei e abri o sorriso para a Abadessa. A irmã Mary Angela acenou de volta, antes de retornar à conversa que ela estava
tendo com uma família, que estava obviamente se apaixonando por um gato branco fofo que parecia uma bola de algodão gigante.
– Aphrodite, as freiras são legais – eu a lembrei disso.
– E elas parecem estar ocupadas demais para prestar atenção em você – Stevie Rae disse.
– Imagine só... pode ser que você não seja o centro das atenções de todo mundo! – Shaylin zombou, fingindo surpresa.
Stevie Rae disfarçou a sua risada com uma tosse. Antes que Aphrodite dissesse qualquer coisa detestável, Vovó veio mancando até nós. Exceto por estar pálida e mancando,
Vovó parecia saudável e feliz. Fazia apenas pouco mais de uma semana desde que Neferet a sequestrara e tentara matá-la, mas ela havia se recuperado incrivelmente
rápido. Thanatos tinha dito que isso era porque ela estava em uma boa forma incomum para a sua idade.
Eu sabia que isso era por causa de algo mais, algo que nós duas compartilhávamos: uma ligação especial com uma Deusa que acreditava em dar o livre-arbítrio aos seus
filhos, além de dotá-los com habilidades especiais. Vovó era amada pela Grande Mãe e extraía sua força diretamente da nossa terra mágica de Oklahoma.
– U-we-tsi-a-ge-ya, acho que eu preciso de ajuda na barraca de lavanda. Eu nem consigo acredito como nós estamos lotados – Vovó mal tinha acabado de falar quando
uma freira chegou apressada.
– Zoey, a irmã Mary Angela precisa da sua ajuda para preencher os formulários de adoção.
– Eu posso ajudá-la, Vovó Redbird – Shaylin se ofereceu. – Eu adoro o cheiro da lavanda.
– Ah, meu bem, isso é muito gentil da sua parte. Primeiro, vá até o meu carro e abra o porta-malas. Lá tem outra caixa de sabonetes e sachês de lavanda. Parece que
eu vou vender tudo – Vovó disse alegremente.
– Certo – Shaylin pegou as chaves que Vovó jogou para ela e andou apressada na direção da saída principal do jardim da escola, que dava no estacionamento e na alameda
que se conectava à Utica Street.
– E eu vou chamar a minha mãe. Ela me pediu para avisar se a gente ficasse muito atarefada aqui. Ela e as mães da Associação de Pais e Mestres vão chegar aqui em
um minuto – Stevie Rae disse.
– Vovó, você se importa se eu for dar uma mão para os Street Cats? Estou louca para ver a nova ninhada de gatinhos.
– Vá em frente, u-we-tsi-a-ge-ya. Acho que a irmã Mary Angela está sentindo falta da sua companhia.
– Obrigada, Vovó – sorri para ela e me virei para Stevie Rae. – Ok, se o grupo da sua mãe já vem, então eu vou ajudar as freiras.
– Sim, sem problemas – Stevie Rae respondeu, protegendo os olhos enquanto observava a multidão – Eu já vi a minha mãe, e ela está com a Sra. Rowland e a Sra. Wilson.
– Não se preocupe. A gente dá conta disso – Shaunee disse.
– Ok – eu sorri para as duas. – Volto assim que puder – saí da barraca de cookies e reparei que Aphrodite, segurando seu grande copo roxo do Queenie’s, estava logo
atrás de mim. – Pensei que você não queria um sermão das freiras.
– Melhor um sermão das freiras que um sermão das mães da Associação de Pais e Mestres – ela estremeceu. – Além disso, eu gosto mais de gatos do que de gente.
Encolhi os ombros.
– Ok, que seja.
Nós estávamos no meio do caminho para a tenda dos Street Cats quando Aphrodite diminuiu o passo.
– Sério. É foda. Patético – ela estava resmungando enquanto bebia pelo canudinho do seu copo, franzindo a testa e olhando com raiva. Segui o seu olhar e também franzi
a testa.
– Sim, não importa quantas vezes eu os veja juntos, não consigo entender – falei. Aphrodite e eu tínhamos parado para ver a ex-gêmea de Shaunee, Erin, atirando-se
em cima de Dallas. – Eu realmente achei que ela fosse melhor do que isso.
– Aparentemente não – Aphrodite respondeu.
– Eca – eu disse, desviando os olhos da sua demonstração pública de beijo de língua.
– Vou te contar, não há bebida suficiente em Tulsa que me faça sentir bem assistindo a malho dos dois – ela fez um barulho de vômito, depois bufou e deu risada.
– Olhe a freira, logo em frente.
De fato, havia uma freira que eu reconheci como a irmã Emily (uma das freiras mais bravas) indo em direção ao casal, que estava ocupado demais com as suas línguas
para reparar nela.
– Ela parece séria – eu disse.
– Sabe, uma freira pode ser exatamente o extremo oposto de um afrodisíaco. Isso vai ser divertido. Vamos assistir – Aphrodite comentou.
– Zoey! Aqui!
Desviei os olhos da catástrofe que estava prestes a acontecer e vi a irmã Mary Angela acenando para me chamar.
– Vamos – enganchei meu braço no de Aphrodite e comecei a puxá-la para a tenda dos Street Cats. – Como você não foi boazinha, não pode assistir.
Antes que Aphrodite conseguisse argumentar, nós estávamos na barraca dos Street Cats, na frente da sorridente irmã Mary Angela.
– Ah, que bom, Zoey e Aphrodite. Eu preciso de vocês duas – a freira fez um gesto gracioso para a jovem família que estava ao lado de uma gaiola de gatinhos. – Esta
é a família Cronley. Eles resolveram adotar dois gatinhos malhados. É tão bom que os dois encontraram o seu lar juntos... Eles são muito próximos, mais do que gatos
da mesma ninhada normalmente são.
– Que ótimo – eu disse. – Vou começar a preencher a papelada.
– Eu te ajudo. Dois gatos, duas papeladas – Aphrodite se ofereceu.
– Nós já viemos com os dados do nosso veterinário – a mãe falou. – Eu sabia que nós iríamos encontrar o nosso gatinho hoje.
– A gente só não esperava que fosse encontrar dois – o seu marido acrescentou. Ele apertou os ombros de sua mulher e sorriu para ela com carinho.
– Bem, nós também não esperávamos as gêmeas – a sua mulher respondeu, olhando para as duas garotas que ainda estavam olhando para a gaiola dos gatinhos e rindo para
os malhados fofinhos que iriam fazer parte da sua família.
– Essa surpresa foi ótima, por isso acho que também será tudo perfeito com os dois gatinhos – o pai afirmou.
Essa família fez o meu coração se sentir bem, assim como eu me sentia quando via Lenobia e Travis juntos.
Eu tinha começado a andar na direção da mesa portátil com Aphrodite quando uma das garotinhas perguntou:
– Ei, Mamãe, o que são essas coisas pretas?
Algo na voz da criança me fez parar, mudar de direção e voltar para a gaiola dos gatinhos.
Quando cheguei lá, na mesma hora soube o porquê. Dentro da gaiola, os dois gatinhos malhados estavam chiando e se debatendo com várias aranhas grandes e negras.
– Ui, que nojo! – a mãe exclamou. – Parece que a sua escola tem um problema com aranhas.
– Eu conheço um bom dedetizador, se vocês precisarem de uma indicação – o pai sugeriu.
– Nós vamos precisar de um dedetizador muito mais do que bom – Aphrodite sussurrou enquanto nós olhávamos fixo para a gaiola de gatinhos.
– Ahn, bem, normalmente nós não temos problemas com insetos aqui – eu balbuciei, enquanto um arrepio de aversão subia pela minha espinha.
– Eca, Papai! Tem mais um monte de aranhas.
A garotinha loira estava apontando para a parte de trás da gaiola. Ela estava tão completamente coberta de aranhas que parecia estar viva com o movimento incessante
delas.
– Oh, meu Deus! – a irmã Mary Angela parecia pálida enquanto olhava as aranhas que pareciam se multiplicar. – Essas coisas não estavam aqui há alguns instantes.
– Irmã, por que a senhora não leva esta bela família para dentro da tenda e começa a preencher a papelada? – eu sugeri rapidamente, encontrando com calma o olhar
astuto da freira. – E mande Damien aqui para fora. Ele pode me ajudar a cuidar desse pequeno problema com aranhas.
– Sim, sim, é claro – a freira não hesitou.
– Chame Shaunee, Shaylin e Stevie Rae – falei baixo para Aphrodite.
– Você vai traçar um círculo na frente de todos esses humanos? – Aphrodite sussurrou para mim.
– Você prefere que ela faça isso ou que Neferet comece a destruir todos esses humanos? – de repente Stark estava ali, ao meu lado. Eu podia sentir a sua força e
a sua preocupação. – É Neferet, não é?
– São aranhas. Muitas aranhas – eu apontei para as gaiolas.
– Para mim, parece Neferet – Damien disse em voz baixa, juntando-se a nós.
– Vou chamar o resto do círculo – Aphrodite largou o seu copo e saiu correndo para a barraca de comida.
– Qual é o plano? – Stark perguntou, sem tirar os olhos do ninho de aranhas que não parava de crescer.
– Nós vamos proteger o que é nosso – eu afirmei. Então peguei o meu celular no bolso e digitei o nome Thanatos. Ela atendeu no primeiro toque.
– Algo mudou aqui. Eu sinto a aproximação da morte – a Grande Sacerdotisa não levantou a voz, mas eu pude sentir a tensão que ressoava através dela.
– Aranhas estão se materializando na barraca dos Street Cats. Muitas aranhas. Eu chamei o meu círculo.
– Neferet – ela disse aquele nome solenemente, confirmando a minha reação instintiva. – Invoque a proteção dos elementos. Seja o que for que a Tsi Sgili esteja materializando,
nós sabemos que não é natural. Então use a natureza para expeli-la.
– Vou fazer isso – afirmei.
– Eu vou começar a rifa... para chamar a atenção dos humanos para a tenda dos guerreiros. Eles estarão mais seguros lá. Zoey, seja o mais discreta possível. Se hoje
acabar em pânico e caos, isso só servirá aos propósitos de Neferet.
– Entendi – desliguei.
– Nós vamos fazer o círculo? – Damien perguntou.
– Sim. Nós vamos usar os nossos elementos para nos livrar desse problema de insetos – eu não hesitei nem esperei pelo resto do meu círculo. Enquanto Stark observava
de modo protetor, peguei a mão de Damien. Eu e ele nos viramos para as gaiolas dos gatinhos.
– Ar, por favor, venha para mim – Damien disse.
Senti a resposta do elemento dele instantaneamente.
– Mantenha o foco – eu disse a ele.
Ele assentiu.
– Ar, sopre essas Trevas para longe.
O vento, que estava levantando os cabelos de Damien quase provocativamente, foi impelido feito um tufão, girando em volta do ninho de aranhas e fazendo com que elas
se contorcessem nervosamente.
– Senhoras e senhores, novatos e vampiros, aqui é Thanatos, a Grande Sacerdotisa da Morada da Noite de Tulsa e a sua anfitriã nesta noite. Peço que todos, por favor,
venham até o centro do campus, na tenda branca e prateada dos guerreiros. A nossa rifa vai começar e vocês precisam estar presentes para serem premiados.
A voz de Thanatos através do alto-falante soou tão normal, tão diretora de escola, que fez aquele ninho fervilhante de aranhas parecer ainda mais uma aberração.
– Ah, não, vocês não precisam se preocupar com os detalhes – a irmã Mary Angela estava guiando o jovem casal e suas gêmeas para fora da barraca. – Os meus assistentes
vão deixar os gatinhos prontos para serem apanhados depois da rifa.
– Por que aqueles garotos estão dando as mãos daquele jeito? – eu ouvi uma das garotinhas perguntar.
– Ah, tenho certeza de que eles estão apenas rezando – a irmã Mary Angela respondeu suavemente. Então, ela se virou por cima do ombro para a meia dúzia de freiras
que estavam cuidando da barraca, e disse: – Irmãs, cuidem para que os jovens tenham a privacidade que eles precisam para as suas orações.
– É claro, irmã – uma delas murmurou. Sem questionamento nem hesitação, elas se espalharam, criando um semicírculo em volta da tenda, das gaiolas dos gatos e do
resto do campus, efetivamente formando uma cortina de freiras entre possíveis curiosos e nós.
Então Shaunee e Stevie Rae chegaram correndo com Aphrodite, irrompendo através da barreira de freiras e arregalando os olhos ao verem a massa de insetos inquietos.
– Ah, que merda! – Shaunee exclamou.
– Aiminhadeusa! – Stevie Rae colocou a mão sobre a boca, enojada.
– Sério, Neferet me dá vontade de vomitar – Aphrodite fez uma careta para as aranhas.
– Nós precisamos chamar todos os elementos aqui e fazer com que eles chutem essas aranhas para fora do campus – eu falei. – Mas a gente não pode fazer uma cena.
– Sim, porque Neferet iria querer foder tudo causando uma cena assustadora e apavorando os humanos – Shaunee disse. – Não esquenta, Z. Vou manter isso em fogo baixo
– ela caminhou decididamente até Damien, que estendeu a mão para ela. Shaunee segurou a mão dele e, encarando aquele monte de perninhas pretas e corpos pulsantes,
chamou: – Fogo, venha para mim – o ar em volta de nós esquentou. A bela garota negra sorriu e continuou: – Esquente essas aranhas, mas não as frite.
O fogo fez exatamente o que ela pediu. Não houve fumaça, nem chamas, nem fogos de artifício, mas o ar ao nosso redor ficou realmente quente e aquele monte de aranhas
se contraiu em óbvio desconforto.
Eu olhei em volta, só então notando que Shaylin não tinha se juntado a nós.
– Onde está a água? Nós precisamos de Shaylin para o círculo.
– Ela não voltou do estacionamento – Stevie Rae respondeu. – Eu liguei para o celular dela, mas não atende.
– Provavelmente ela não ouviu tocar – Damien disse. – Tem muita coisa rolando por aí.
– Ok, sem problemas. Eu fico no lugar da água – Aphrodite se ofereceu. – Não vai ser tão forte, mas pelo menos vai ser um círculo completo.
Aphrodite começou a se mover para pegar a mão de Shaunee quando Erin atravessou a barreira de freiras.
– Eu sabia que um círculo estava sendo traçado! Eu senti – Erin falou e então sorriu na direção de Aphrodite. – Você vai invocar a água? Ha! Você é uma substituta
patética para mim, a legítima!
– Você realmente é uma coisa legítima, com certeza – Aphrodite respondeu. – Mas não o que você está pensando.
– Eu disse para você não se misturar com essas vadias – Dallas falou e olhou com desprezo para uma freira que tentou mantê-lo para fora da barreira.
– Eu sei o que você disse, querido – Erin flertou sorrindo para ele. – Mas você sabe que eu tenho que fazer o que eu preciso fazer. E eu não fico bem com o fato
de a água ficar de fora do círculo.
Dallas deu de ombros.
– Que seja. Para mim, parece uma perda de tempo. Além do mais, por que diabos os idiotas dos seus ex-amigos estão fazendo um círculo durante o evento? – Ele franziu
o seu olhar maldoso e atento, como se só naquele momento percebesse o que a barreira de freiras significava. – Ei, o que está rolando aqui?
– Nós não temos tempo para isso – respondi rispidamente. – Stark, livre-se do Dallas e cuide para que ele fique de boca fechada até o evento acabar.
– Com prazer! – sorrindo, Stark pegou Dallas pela parte de trás da sua camisa e o arrastou para longe de nós e do centro do campus.
Dallas foi se debatendo e praguejando, mas ele era pouco mais do que um mosquito irritante perto da força de Stark. Eu me virei para Erin.
– Não importa o que tenha acontecido, você é a água e o seu elemento é bem-vindo em nosso círculo, mas nós não precisamos de nenhuma energia negativa aqui. Isso
é muito importante – fiz um movimento com a cabeça indicando as aranhas para ela.
O olhar de Erin seguiu o meu e ela ofegou.
– Que diabo é isso?
Eu abri minha boca para me esquivar da pergunta dela, mas o meu instinto me deteve. Encontrei os olhos azuis de Erin.
– Acho que é o que sobrou de Neferet. Sei que é uma coisa do mal e que não pertence à nossa escola. Você vai nos ajudar a expulsar isso daqui?
– Aranhas são nojentas – ela começou, mas sua voz falhou quando ela olhou para Shaunee. Ela empinou o queixo e limpou a garganta. – Coisas nojentas têm que ir embora
– decidida, ela andou até Shaunee e fez uma pausa. – Esta escola também é minha.
Eu achei que a voz de Erin soou estranha e meio rouca. Tive esperanças de que isso significasse que as emoções dela estavam descongelando e que talvez ela estivesse
voltando a ser a garota que a gente conhecia.
Shaunee estendeu a mão. Erin a pegou.
– Estou feliz que você está aqui – Shaunee sussurrou.
Erin não disse nada.
– Seja discreta – eu falei para ela.
Erin assentiu com firmeza.
– Água, venha para mim – ela disse, e eu senti o cheiro do mar e das chuvas de primavera. – Molhe-as – ela continuou.
A água começou a gotejar nas gaiolas e uma poça se formou. Um punhado de aranhas se soltou do metal e mergulhou na água abaixo delas.
– Stevie Rae – eu estendi a minha mão para ela, que a segurou e depois pegou a mão de Erin, fechando o círculo.
– Terra, venha para mim – ela disse. Os aromas e os sons de uma campina nos rodearam. – Não deixe essa coisa poluir o nosso campus.
Bem levemente, a terra tremeu sob nossos pés. Mais aranhas caíram das gaiolas dentro das poças, agitando a água.
Finalmente, chegou a minha vez.
– Espírito, venha para mim. Ajude os elementos a expulsar essas Trevas que não pertencem à nossa escola.
Houve um barulho de vento e todas as aranhas despencaram das gaiolas, caindo dentro da poça. A água estremeceu e começou a mudar de forma, alongando-se, expandindo-se.
Eu me concentrei, sentindo a presença do espírito, o elemento com o qual eu tinha mais afinidade. Na minha mente, visualizei a poça de aranhas sendo jogada para
fora do nosso campus, como se alguém estivesse esvaziando um balde de uma água de privada nojenta. Mantendo essa imagem na minha mente, eu ordenei:
– Agora, vá embora!
– Fora! – Damien ecoou.
– Suma! – Shaunee disse.
– Saia daqui! – Erin falou.
– Agora, tchau! – Stevie Rae afirmou.
Então, como na minha imaginação, a poça de aranhas se levantou, como se elas fossem ser arremessadas da terra. Mas, em um piscar de olhos, a imagem se transformou
em uma silhueta familiar – curvilínea, bela, mortal. Neferet! As suas feições não estavam completamente formadas, mas eu reconheci a energia maligna que ela irradiava.
– Não! – eu gritei. – Espírito! Fortaleça cada elemento com o poder do nosso amor e lealdade! Ar! Fogo! Água! Terra! Eu os invoco, então que assim seja!
Houve um guincho terrível, e a aparição de Neferet foi impelida para a frente. Ela se ondulou sobre o nosso círculo, quebrando em cima de Erin como uma maré negra.
Com o som de milhares de aranhas em movimento, o espectro escapou pela entrada principal da escola e então desapareceu completamente.
– Que merda. Isso foi mesmo asqueroso – Aphrodite disse.
Eu ia concordar com Aphrodite quando ouvi aquela primeira tosse horrível.
Senti o círculo se quebrar antes de vê-la cair de joelhos. Ela levantou os olhos para mim e tossiu de novo. O sangue escorreu dos seus lábios.
– Não achei que isso fosse acabar assim – ela falou com voz rouca.
– Vou chamar Thanatos! – Aphrodite saiu correndo.
– Não! Isso não pode estar acontecendo – Shaunee se ajoelhou ao lado de Erin, já ensopada de sangue. – Gêmea! Por favor. Você vai ficar bem!
Erin caiu nos braços dela. Damien, Stevie Rae e eu nos olhamos. Então, como se fôssemos um só, nós nos juntamos a Shaunee, enquanto ela amparava a sua amiga.
– Eu sinto muito – Shaunee soluçava. – Eu não queria ter dito nada daquelas coisas ruins que eu disse pra você.
– Está... está tudo bem, gêmea – Erin falou devagar, entre uma tosse extenuante e outra, enquanto o sangue borbulhava na sua garganta e aquele líquido vermelho escorria
dos olhos, nariz e ouvidos. – A culpa é minha. Eu... eu esqueci como se sente.
– Nós estamos aqui com você – eu toquei o cabelo de Erin. – Espírito, acalme-a.
– Terra, conforte-a – Stevie Rae disse.
– Ar, abrace-a – Damien afirmou.
– Fogo, aqueça-a – Shaunee falou entre lágrimas.
Erin sorriu e tocou o rosto de Shaunee.
– Isso já me aqueceu. Eu... eu não me sinto mais fria e sozinha. Não sinto mais nada, só cansaço...
– Apenas descanse – Shaunee disse. – Eu vou ficar com você enquanto você dorme.
– Todos nós vamos – eu enxuguei as lágrimas do meu rosto com a manga.
Erin sorriu mais uma vez para Shaunee e então fechou os olhos e morreu nos braços de sua gêmea.
1
 Neferet
O reflexo do passado que havia se manifestado de repente no espelho místico de Zoey Redbird tinha sido uma terrível lembrança da morte da inocência de Neferet. Tinha
sido tão inesperado para Neferet ver a si mesma novamente como uma garota machucada e destruída que aquela memória a havia despedaçado, deixando-a vulnerável ao
ataque rebelde da criatura que era o seu instrumento. Aurox a havia derrotado, espetado-a com seu chifre e a atirado da varanda da cobertura. Quando ela atingira
o chão, Neferet, a ex-Grande Sacerdotisa de Nyx, tinha de fato morrido. Quando o seu coração mortal parou de bater, o espírito dentro dela, a energia imortal que
a fizera rainha Tsi Sgili, tomara conta, dissolvendo a sua concha quebrada de um corpo vivo.
Aquela mistura de Trevas e espírito se aninhou, indo ao chão, esperando, esperando, sobrevivendo, enquanto a consciência da Tsi Sgili batalhava para continuar a
existir.
A garota violentada no espelho havia ressuscitado uma memória que Neferet acreditava estar há muito tempo morta... enterrada... esquecida. O passado se levantara
com uma força que ela estava totalmente despreparada para combater.
Vivo novamente, o passado havia matado Neferet.
Neferet se lembrou. Ela já tinha sido uma filha. Ela já foi Emily Wheiler. Ela era uma garota vulnerável e desesperada, e o humano que deveria ser o seu maior protetor
a tinha molestado, abusado dela e a violentado.
No instante em que a imagem de Emily se refletiu no espelho mágico, todas as décadas de poder e força que Neferet havia moldado como uma barreira para reprimir aquela
violação, aquela inocência assassinada, evaporaram.
A poderosa Grande Sacerdotisa vampira se foi. Só sobrou Emily, encarando a ruína da sua vida jovem. Foi Emily quem Aurox espetou com seu chifre e atirou na calçada
solitária na frente do Mayo Hotel. Foi Emily quem levou Neferet junto em sua morte.
Mas foi o espírito da rainha Tsi Sgili quem sobreviveu.
É verdade, o seu corpo se quebrara, a sua mente se despedaçara, mas a energia que era a imortalidade de Neferet estava viva, apesar de a sua consciência pairar no
limite da dissolução. Os reconfortantes filamentos de Trevas a acolheram e fortaleceram, permitindo que ela primeiro emprestasse a aparência de insetos, depois de
sombras, depois de neblina. O espírito da Tsi Sgili bebeu a noite e vomitou o dia, submergindo no sistema de esgoto do centro de Tulsa e se movendo devagar e inexoravelmente
em uma direção – o que sobrara de Neferet tinha uma incansável compulsão por buscar o familiar – para encontrar o que iria torná-la inteira de novo.
A Tsi Sgili estava consciente quando cruzou a fronteira entre a cidade e o lugar que ela mais conhecia. O lugar que, mesmo desencarnada, o seu espírito reconhecia,
pois ele a atraíra para lá por tantos anos. Ela entrou na Morada da Noite na forma de uma névoa cinza e densa. Ela vagou de sombra em sombra, absorvendo o familiar.
Quando ela chegou ao templo no centro da escola, o espectro se retraiu, apesar de fumaça, sombras, energia e escuridão não poderem sentir dor, assim como não podiam
sentir prazer. A energia maligna da Tsi Sgili se retraiu por reflexo, assim como uma perna de rã se contrai em contato com uma frigideira quente.
Foi aquela contração inadvertida que alterou o seu curso, fazendo com que ela vagasse perto o bastante do lugar de poder que ela realmente sentia. A Tsi Sgili não
podia reconhecer a dor ou o prazer, mas o que sobrou de Neferet conhecia o poder. Ela sempre iria conhecer o poder.
Em gotas pegajosas de um líquido oleoso, ela mergulhou no buraco na terra. Ela absorveu a energia enterrada ao seu redor, e através disso ela extraiu os resíduos
espectrais do que estava acontecendo acima dela.
A Tsi Sgili podia ter permanecido assim – sem forma, sem rosto, simplesmente existindo – se a morte não tivesse escolhido aquele momento para se aproximar.
Como o vento que sopra nuvens para encobrir o sol, a aproximação da morte foi invisível, mas a Tsi Sgili sentiu o seu toque antes de a novata começar a tossir.
A morte era ainda mais familiar para o espectro do que a escola ou o lugar de poder. A morte a atraiu para cima, para fora do buraco na terra. Em uma onda de excitação,
o espírito da Tsi Sgili se manifestou na primeira forma que tinha vindo até ela perto dos primórdios do seu poder: a de um inseto de oito patas sempre resiliente,
curioso e incansável.
As aranhas negras, movendo-se como se fossem uma só, materializaram-se para buscar a morte e se alimentar dela.
Ironicamente, foi o círculo dos novatos que abriu a energia condutora que permitiu que Neferet adquirisse consciência suficiente para ser capaz de se concentrar
e de emprestar o poder ancestral da morte e de, finalmente, encontrar-se de novo.
Eu sou aquela que foi Emily Wheiler, depois Neferet e então Tsi Sgili – rainha, deusa, ser imortal!
Até aquele momento, encontrar o familiar havia sido o seu foco. Quando a morte atacou a novata, o espírito da Tsi Sgili se alimentou dela, acumulando energia para
que finalmente as suas memórias se aglutinassem e deixassem de ser fragmentos de passado e presente e se tornassem uma verdadeira consciência.
O choque daquele conhecimento fez com que uma energia bruta ondulasse através do seu espírito, fragmentando os filamentos de Trevas e abastecendo a remodelagem do
seu corpo. Ela já estava quase totalmente formada quando os elementos a expulsaram. Explodindo de dentro do círculo, Neferet desapareceu.
Isso até o portão de ferro que servia como uma barreira entre a rua humana e o jardim da escola de vampiros. Ali, o seu corpo se solidificou, e ela ardeu com todo
o seu poder canalizado até ficar ofegante, fraca como um recém-nascido, mal se agarrando à sua consciência. Neferet desabou contra o muro que era o limite da Morada
da Noite.
Ela precisava se alimentar!
Fome era tudo o que ela sentia até ouvir a voz alta daquele homem, maliciosa e sarcástica, falando com ironia:
– Sim, querida. É claro que você está certa. Você está sempre certa. Eu também não quero ficar para essa rifa ridícula. Eu não tenho o menor interesse em ganhar
aquele Thunderbird 1966 do qual os vampiros estão se desfazendo com um dos bilhetes nos quais gastei quinhentos dólares. Não, sem problemas! E, como você disse tantas
vezes, a gente deveria ter chamado um motorista e pegado uma limusine. Sinto muito, mesmo, pela inconveniência de você ter que ficar esperando que eu ande todo o
caminho até onde estacionamos, pegue o nosso carro e dirija de volta para buscá-la, enquanto você fica sentada em um banco descansando. Ah, e eu estou tão, mas tão
feliz que você deixou aqueles dois idiotas da Câmara Municipal olharem para os seus peitos enquanto sussurrava para eles e espalhava as suas fofocas loucas sobre
Neferet. Hahaha! – a risada sarcástica dele chegou até Neferet através da noite. – Se você prestasse atenção em alguém além de si mesma, saberia que Neferet sabe
se cuidar. Vândalos na cobertura que não foram vistos por ninguém? Dificilmente. Aquela bagunça parece o resultado de um acesso de raiva de mulher. Tenho pena de
quem quer que tenha causado a fúria de Neferet, mas não tenho pena de Neferet.
Neferet se esforçou para sentar, ouvindo com toda a atenção. O humano havia falado o seu nome. Isso devia ser um sinal de que ele era um presente dos deuses.
As luzes do Lexus, que estava a menos de dez passos de onde ela estava sentada, acenderam-se quando ele apertou o controle remoto do chaveiro. Ele resmungou:
– Maldita mulher. Ela só sabe fofocar e manipular, manipular e fofocar. Eu devia ter escutado o meu pai e não ter me casado com ela. Só o que eu ganhei nesses vinte
e cinco anos com ela foi pressão alta, refluxo gastroesofágico e uma filha ingrata. Eu poderia ter sido o primeiro prefeito solteiro de Tulsa em cinquenta anos e
poderia escolher entre as jovens filhas com dinheiro antigo do petróleo se eu já não estivesse acorrentado a ela...
Os murmúrios dele se transformaram em um barulho ambiente ininteligível quando a audição supersensível de Neferet alcançou a batida do coração dele.
Ela suspirou de gratidão. De fato, ele soava como jantar. Mas ela não iria agradecer aos deuses do destino que o enviaram até ela. Ela iria aceitar a ajuda deles
como nada além do que ela merecia – um reconhecimento de que eles estavam felizes por ela voltar às fileiras dos imortais.
Ele estava abrindo a porta do sedã quando ela se levantou. Neferet colocou todo o seu desejo e sua fome na palavra que era o nome dele:
– Charles!
Ele fez uma pausa, endireitou-se e olhou na direção dela, tentando enxergar na escuridão.
– Olá? Tem alguém aí?
Neferet não precisava de luz para enxergar. A sua visão se movia através das Trevas facilmente, confortavelmente. Ela viu o cabelo cuidadosamente penteado dele,
as linhas do seu terno caro e bem cortado, o suor no seu lábio superior e a pulsação no pescoço que batia compassadamente com o seu sangue vital.
Ele deu um passo e jogou para trás o seu longo cabelo ruivo, expondo a exuberância do seu corpo nu. Depois, como se fosse um pensamento tardio, ela tentou sem sucesso
esconder com as mãos as suas partes mais íntimas dos olhos arregalados dele.
– Charles! – Neferet repetiu o seu nome, acrescentando um soluço. – Eles me machucaram!
– Neferet? – obviamente confuso, Charles deu um passo na direção dela e parou. – É você mesma?
– Sou eu! Sou eu! Ah, Deusa, logo você me encontrou aqui, nua, ferida e sozinha. Isso é tão terrível! É muito mais do que eu posso suportar! – Neferet chorou e cobriu
o rosto com as mãos, permitindo que ele desse uma olhada completa no seu corpo.
– Eu não entendo. O que aconteceu?
– Charles! – um grito agudo veio de trás dos jardins da escola, fazendo os dois pararem. – Por que você está demorando tanto?
– Querida, eu encontrei... – Charles começou a gritar para a sua mulher, mas Neferet moveu-se rapidamente na direção dele, agarrando a sua mão e cortando as suas
palavras.
– Não! Não conte a ela que sou eu. Eu não suportaria que ela soubesse o que fizeram comigo – ela sussurrou desesperada.
O olhar dele estava totalmente focado nos seios nus de Neferet. Ele limpou a garganta e continuou:
– Frances, querida, tenha paciência. Eu derrubei o controle remoto do carro e só agora o encontrei. Em dois minutos eu levo o carro até aí.
– É claro que você derrubou! Você é sempre tão desastrado! – ela retrucou cheia de veneno.
– Vá até ela! Esqueça que me viu – Neferet choramingou enquanto andava com dificuldade de volta para as sombras ao lado dos muros da escola. – Eu posso cuidar de
mim mesma.
– Do que você está falando? É claro que eu não vou deixá-la aqui nua e ferida. Coloque o meu paletó. Conte-me o que aconteceu. Eu sei que a sua cobertura foi vandalizada.
Você foi sequestrada? – Charles falou, movendo-se na direção dela. Ele tirou o paletó e o estendeu para ela.
O olhar de Neferet se voltou para as mãos dele, que seguravam o casaco, oferecendo-o a ela.
– Suas mãos são tão grandes – abalada por imagens do passado, Neferet achou difícil falar. Seus lábios estavam frios e dormentes. – Os seus dedos... São tão, mas
tão grossos.
Charles piscou os olhos, confuso.
– Acho que são. Neferet, você está em seu juízo perfeito? Você parece muito perturbada. Como posso ajudá-la?
– Ajudar-me? – a mente esfomeada de Neferet a tirou do passado de Emily e a impulsionou para o presente. – Vou mostrar o único jeito de você me ajudar.
Neferet não desperdiçou mais nenhuma energia falando com ele. Em um único movimento predatório, ela atirou para o lado o paletó oferecido e jogou Charles contra
o muro. Ele perdeu o fôlego com o impacto e caiu no gramado, ofegante. Ela não permitiu que ele se recuperasse. Ela o prensou no chão com os seus joelhos e, transformando
as suas mãos em garras, rasgou o seu pescoço. Quando aquele sangue quente e espesso jorrou da sua jugular, ela grudou os lábios sobre a ferida e bebeu profundamente.
Mesmo enquanto morria, ele não lutou. Completamente enfeitiçado, ele gemeu e tentou abraçá-la mais. A respiração dele fez um som de gargarejo, acabando com os seus
gemidos, e as suas pernas chutaram espasmodicamente, mas a força de Neferet aumentava enquanto ele se aproximava da morte. Ela bebia sem parar, exaurindo o corpo
e o espírito dele, até que Charles LaFont, o prefeito de Tulsa, não era mais nada além de uma concha sem sangue e sem vida.
Lambendo os lábios, Neferet se levantou, olhando para o que havia sobrado dele. Uma onda de energia a atravessou. Como ela amava o gosto da morte!
– Charles, que droga! Eu tenho que fazer tudo sozinha? – a voz da mulher dele estava se aproximando, como se ela estivesse indo na direção deles.
Neferet levantou a sua mão sangrenta.
– Neblina e escuridão, eu as comando. Encubram o meu corpo. Agora! Cubram-me!
Em vez de obedecê-la e escondê-la de olhares curiosos, as mais profundas e escuras sombras apenas se agitaram inquietas. Através da noite, ela mais sentiu do que
ouviu a sua resposta: O seu poder minguou, Tsi Sgili renascida. Comandar-nos agora? Vamos ver... Vamos ver...
A raiva era uma emoção que Neferet não podia se dar ao luxo de sentir. Ela manteve sua raiva próxima a ela, escolhendo-a em vez de pegar o paletó amassado de Charles
LaFont. Vestida apenas de sangue, de raiva e de um poder minguante, Neferet fugiu. Ela havia alcançado a vala do lado oposto da Utica Street quando a esposa de LaFont
começou a gritar.
Os gritos dela fizeram Neferet sorrir, e, apesar de as Trevas não terem obedecido ao seu comando e a encoberto, a Tsi Sgili correu com a agilidade sobrenatural de
uma imortal. Enquanto ela escapava por aquele bairro rico, Neferet imaginou como ela apareceria para qualquer mortal que tivesse a sorte de olhar pela janela. Ela
era um espectro escarlate, uma Banshee de tempos antigos. Neferet queria poder dar vida à maldição de magia antiga de Banshee – que qualquer mortal insolente o bastante
para se atrever a olhar para ela se transformasse em pedra.
Pedra... Eu queria... Eu queria tanto...
A morte do prefeito não a havia preenchido o suficiente. Logo a agilidade de Neferet começou a vacilar. Ondas de fraqueza percorreram o seu corpo com tanta intensidade
que ela tropeçou no meio-fio, respirando com dificuldade.
Não há casas aqui. Onde estou?
Confusa, Neferet olhou em volta, piscando contra a claridade das luzes estilo anos 1920 que pontuavam o parque. Instintivamente, ela se afastou das luzes, indo em
direção aos arbustos e caminhos sinuosos no centro do parque.
Foi no meio de um pequeno cume, cercado por arbustos de azaleia adormecidos, que Neferet finalmente recuperou o fôlego, permitindo que os seus pensamentos clareassem
o bastante para que ela reconhecesse a sua localização.
Woodward Park... não muito longe da Morada da Noite. Neferet levantou os olhos, procurando pelo skyline do centro de Tulsa. O Mayo está muito longe. Não vou conseguir
chegar lá antes do amanhecer. E mesmo que ela conseguisse chegar à sua cobertura antes de o sol se levantar do horizonte e acabar com o que havia sobrado de sua
força, como ela iria passar pelos humanos que trabalhavam na recepção? As Trevas não a estavam obedecendo. Sem disfarce, ela seria uma vampira nua e cheia de sangue
– motivo para causar aversão e ser presa –, principalmente na noite em que o prefeito foi morto por um vampiro.
Talvez ela devesse ter estudado melhor as suas alternativas antes de acabar com a vida miserável de LaFont.
Neferet sentiu a sua primeira centelha de pânico. Ela nunca tinha estado tão sozinha e vulnerável desde a noite em que seu pai matara a sua inocência.
A Tsi Sgili estremeceu, lembrando das suas mãos grandes e quentes, dos seus dedos grossos e do seu hálito fétido.
Neferet soluçou, lembrando também das sombras que a haviam confortado quando ela era apenas uma garota e das Trevas que haviam suavizado a sua inocência quebrada.
– Todos vocês me abandonaram? Nenhum dos meus filhos sombrios permaneceu fiel a mim?
Como uma resposta, o arbusto na frente dela farfalhou com o movimento, e uma raposa emergiu de dentro dele. A criatura encarou Neferet sem nenhum medo aparente.
A Tsi Sgili ficou admirada com a beleza do seu pelo âmbar e vermelho e com a inteligência nos seus olhos verdes e brilhantes.
A raposa é minha resposta... meu presente... meu sacrifício.
Neferet reagrupou o resto de seu poder. Rapidamente e em silêncio, ela atacou, quebrando o pescoço da raposa com um só golpe. Enquanto a luz se apagava de seus olhos,
Neferet deitou o corpo dela em seu colo e abriu com suas garras o pescoço da criatura agonizante. Ela ergueu a raposa para que o seu sangue escorresse lentamente
pelos seus braços e seus seios, empoçando-se ao redor dela como uma chuva quente de primavera.
– Se é de um sacrifício que vocês precisam, então que esta criatura sangre por vocês! Este sangue apenas abre a porta. Voltem para mim e Tulsa vai dar a vocês mais...
muito mais!
As sombras mais escuras abaixo dos arbustos de azaleia se agitaram. Devagar, de modo quase hesitante, uns poucos filamentos de Trevas deslizaram em direção a Neferet.
A Tsi Sgili piscou com lágrimas nos olhos. Eles não a haviam abandonado! Ela mordeu o lábio para não chorar de gratidão quando a primeira das gavinhas roçou sua
carne gélida contra ela enquanto afundava no calor do sangue da raposa e começava a se alimentar. Outras gavinhas logo se juntaram a ela e, apesar de não terem vindo
as centenas e até milhares que ela já comandara, Neferet estava satisfeita por haver uma quantidade suficiente de gavinhas que atenderam ao seu chamado para fazer
parecer que o chão ao seu redor tinha se transformado em um ninho de Trevas. Ela inalou profundamente a noite, sentindo o poder que pulsava através dela. Se ela
pelo menos pudesse permanecer com os seus filamentos familiares, ela poderia alimentá-los, e em troca eles iriam escondê-la e nutri-la até que ela realmente recuperasse
a sua força e o seu propósito.
O meu propósito? Qual é o meu propósito?
Memórias inundaram a sua mente enfraquecida com uma cacofonia de vozes e visões. Ela era uma jovem garota... o seu propósito é ser a Senhora Wheiler! Ela era uma
jovem Grande Sacerdotisa... o seu propósito é seguir o caminho da Deusa! Ela era uma vampira mais madura que havia começado a ouvir os sussurros de Trevas, que pareciam
flutuar pelo vento até ela... o seu propósito é me ajudar a me libertar da minha prisão na terra e reinar ao meu lado! Ela era poderosa, alimentada pelos filamentos
feitos de noite e magia... o seu propósito é me divertir e ser minha Consorte!
– Chega! – Neferet gritou, afundando o seu rosto no pelo macio e embolorado da raposa sacrificada. – Chega de outros me dizendo qual é o meu propósito – decididamente,
ela se levantou, recolhendo o resto de seu orgulho e poder. – Eu matei e vocês se alimentaram. Agora eu serei guiada para um abrigo em segurança!
As gavinhas de Trevas se ondularam, enrolando-se em suas pernas nuas, puxando-a gentilmente, compelindo-a ir para a frente. Silenciosamente, Neferet seguiu as Trevas
para um caminho que dava numa larga escadaria de pedra, que serpenteava rocha abaixo até o nível da rua do parque vazio. Ela parou, olhando para uma pequena área
feito uma gruta, escondida entre os caminhos e os jardins. Pedras e arbustos praticamente ocultavam a entrada, que ficava diante de um amplo gramado que acabava
na Twenty-first Street. Os filamentos soltaram-na e desapareceram nas fendas das pedras. Novamente, Neferet os seguiu, escalando até a boca da gruta. Ela inspirou
profundamente para se fortalecer enquanto rastejava para a escuridão total, até que ela fez uma pausa, surpresa com o aroma selvagem de bolor que a cercou lá dentro.
Os seus filamentos a tinham levado até a toca da raposa.
Neferet afundou na terra, apreciando o cheiro da sua presa. Ela quase podia sentir o calor do corpo do animal no ninho do qual ela havia partido tão recentemente.
Neferet se encolheu ali, coberta apenas de sangue e de Trevas, fechou os olhos e finalmente deixou que o sono a chamasse.
2
 Zoey
– Z., até que enfim! Eu estava te procurando por toda parte. Essa não é exatamente uma boa hora para se esconder aqui.
A voz de Stark me assustou e eu dei um pulo. Depois alisei os pelos eriçados do meu braço e franzi a testa para ele.
– Eu não estou me escondendo. Eu só estou aqui... – perdi a fala e olhei em volta. O que eu estava fazendo aqui fora se não estava me escondendo?
Thanatos tinha levado rapidamente o corpo de Erin para a enfermaria, afastando-a dos olhos chocados e embasbacados dos visitantes humanos. Automaticamente, meu círculo
a seguira. Ela dera ordens aos professores e guerreiros Filhos de Erebus para acompanhar os nossos convidados até a saída dos jardins da escola e fechar o campus.
Acho que todo mundo imaginou que eu estava ajudando a levar os humanos para fora. Eu tinha mesmo a intenção de ajudar. Eu até havia começado a fazer isso, mas então
escutei o que um grupo de habitantes estava dizendo e precisei fugir. Era insuportável que o fato de uma novata sangrar até morrer fizesse com que um bando de políticos
e mães da Associação de Pais e Mestres ficasse fofocando e especulando – e eles estavam sussurrando sobre a garota morta, sobre ela mal ter completado dezoito anos
e já estar morta? Não. Eles estavam falando sobre Neferet! Murmurando sobre como ela havia sido demitida da Morada da Noite e então tornado públicas as suas opiniões
antivampiros, e que então ela tinha desaparecido depois de a sua cobertura ter sido vandalizada.
Eu tinha até escutado um dos membros da Câmara Municipal de Tulsa dizer que eles não ficariam surpresos se os vampiros estivessem mandando uma mensagem para Neferet
sair da cidade, e que a “pobre Neferet” podia ter sido vítima da violência da Morada da Noite.
Aquilo realmente me deixou irritada, mas o que eu poderia ter dito para aquele cara? Nós não exatamente vandalizamos e a ameaçamos quando resgatamos a minha avó
das suas garras malignas e a atiramos para fora da varanda da sua cobertura. Sim, como se isso soasse muito melhor.
Ouvi-los falando sobre a “pobre Neferet” era mais do que eu podia aguentar. Que inferno, o meu círculo e eu tínhamos acabado de evitar que a “pobre Neferet” se materializasse
no meio do nosso evento e destruísse os humanos! A “pobre Neferet” podia ser inclusive a responsável por o corpo de Erin ter rejeitado a Transformação. Para mim,
parecia coincidência demais que Erin morresse logo depois de a nojenta da ex-Grande Sacerdotisa quase totalmente formada ter passado através do corpo dela.
Então, em vez de gritar com os locais, eu me aproveitei do caos provocado pela morte em público da novata e escapei sozinha para sentar em um banco do lado mais
distante dos estábulos. Inspirei profundamente e comecei a pensar. Soltei o ar e continuei a pensar.
– Stark, eu não estou me escondendo aqui – raciocinei em voz alta o que eu estava sentindo. – Eu só precisava de um momento comigo mesma para lidar com a tempestade
de porcaria que vai ser causada por toda essa... – fiz um gesto na direção do campus principal e concluí: – toda essa confusão.
Ele sentou ao meu lado no banco e pegou a minha mão.
– Sim, eu entendo. Lidar com a morte também é difícil para mim – Stark disse em voz baixa.
– É – eu falei, deixando escapar um pequeno soluço. Deusa, eu estava sendo tão hipócrita! – Sabe de uma coisa? Eu sou tão péssima quanto aqueles humanos fofoqueiros.
Você estava certo. Eu estou me escondendo aqui, irritada e com pena de mim mesma, em vez de estar arrasada por alguém do nosso círculo ter acabado de morrer.
– Z., eu não espero que você seja perfeita. Ninguém é – Stark apertou a minha mão. – Você sabe que não vai ser sempre assim.
Senti um aperto no estômago.
– Acho que esse é o problema. Eu não sei se não vai ser sempre assim.
– Esta foi a segunda vez que derrotamos Neferet, e ela não pareceu muito bem hoje. Sério, aranhas? Isso é tudo o que ela tem? Ela não pode continuar lutando conosco
para sempre.
– Ela é imortal, Stark. Ela não pode ser morta, então ela pode continuar lutando conosco para sempre – eu afirmei melancolicamente. – E ela se transformou naquela
coisa negra nojenta e pegajosa que estava começando a restaurar o seu corpo. Eca. Ela está de volta.
– Bem, pelo menos todo mundo sabe que ela se voltou para o mal – ele argumentou.
– Não, todo mundo não sabe que ela se voltou para o mal. Os vampiros sabem, e o Conselho Supremo decidiu não se curvar a ela. Já os humanos, os locais... Que inferno,
o nosso próprio prefeito e os seus vereadores... Todos acham que ela é praticamente Glinda, a Bruxa Boa do Norte1. O que me deixou irritada hoje à noite foi que
ouvi uns caras de terno e as mães da Associação de Pais e Mestres falando sobre ela e imaginando se a gente tinha algo a ver com o fato de a sua cobertura ter sido
vandalizada na semana passada porque a “pobre Neferet” – fiz aspas com os dedos – não tinha sido mais vista desde então.
– Sério? Não acredito que estão falando isso.
– Pode acreditar. A coletiva de imprensa de Neferet preparou o cenário para que ela parecesse uma vítima se qualquer coisa acontecesse a ela.
– Não importa. Isso não muda o fato de que a gente tinha que chutar o traseiro dela para resgatar a sua avó. Nós estávamos encobertos naquela noite. Ninguém nos
viu, então todo esse papo é só uma fofoca idiota. Não significa nada.
– Fofoca sempre significa alguma coisa, Stark. Nesse caso, acho que quer dizer que vai ser preciso muito mais porcaria no ventilador para que quem não é vampiro
saiba como Neferet é do mal.
– Provavelmente você está certa, mas isso na verdade é bom – Stark disse.
– Ahn?
– Neferet nunca soube como ficar na moita e deixar a poeira abaixar. E ela também nunca foi capaz de representar bem o papel de vítima. Se ela conseguir ficar inteira
de novo, literalmente, e manifestar um corpo que é mais do que uma meleca preta, ela vai voltar a ser exatamente o que era antes. Ela vai acabar percebendo que os
humanos locais não vão se curvar para adorá-la. Muitos inclusive sentem pena dela. Isso vai irritá-la num nível máximo e Neferet vai meter os pés pelas mãos. De
novo. Então ela vai ser desmascarada pelos humanos, assim como foi pelos vampiros. Isso vai deixá-la sem merda nenhuma para manipular aqui, e se ela não puder manipular
merda nenhuma, Neferet vai encontrar outro lugar para assombrar. Na verdade, livrar-se dela para sempre pode ser, como diria Stevie Rae, bem facinho.
– Stevie Rae! – senti o rosto corado de culpa. – Droga. Eu praticamente a deixei sozinha para lidar com a confusão da morte da Erin.
– Thanatos está lidando com isso; “isso” quer dizer Shaunee. Stevie Rae e Kramisha estão agrupando o pessoal para o ônibus. Todo mundo queria saber onde você estava,
por isso vim aqui atrás de você.
– Desculpe. Acho que o meu momento para respirar já acabou. Estou pronta para mergulhar na loucura de novo. Vamos nos despedir de Vovó antes de embarcar no ônibus.
– Eu estou com você, Z. – Stark se levantou, ajudou-me a me levantar e me beijou suavemente. – Eu sempre vou estar com você, mesmo que isso signifique que eu vou
estar no meio da loucura também.
Eu ainda estava em seus braços, sentindo-me segura, quando ouvimos a gritaria começar.
– Droga, o que é isso?
Eu senti a tensão no corpo de Stark.
– Alguém está histérico – ele pegou minha mão e escutou alguns segundos antes de começar a me guiar na direção da entrada do ginásio. – Venha. O som está vindo do
outro lado da escola. Fique perto de mim. Tenho um mau pressentimento.
Ah, Deusa! Por favor, não deixe que seja outro garoto morrendo... Foi tudo o que eu consegui pensar enquanto cortamos caminho pelo ginásio e corremos na direção
do estacionamento da escola.
A gente estava vindo por um caminho diferente das outras pessoas, então ninguém reparou em nós no começo, e Stark e eu pudemos ter uma boa visão daquela cena assustadora.
No meio do estacionamento, havia uma mulher alta e loira tendo um colapso histérico, rodeada por humanos estupefatos e por um grupo de freiras Beneditinas que a
estava amparando depois de ela ter vindo correndo dos portões da escola. Ela estava usando calças pretas de alfaiataria impecáveis, um suéter azul claro de cashmere
justo e um colar grosso de pérolas com aparência de caro. O seu cabelo tinha se soltado de um coque de mulher rica, e mechas loiras estavam espetadas como se ela
tivesse sido eletrocutada. Apesar de as freiras terem conseguido fazer com que ela parasse de correr em círculos, ela estava berrando e debatendo os braços feito
uma louca.
Admito que a minha primeira reação foi sentir um superalívio por ser uma local surtada, e não outro novato morrendo.
A irmã Mary Angela saiu do meio da multidão e começou a tentar tranquilizar a mulher.
– Calma, calma, madame. Eu sei que é muito triste quando uma pessoa jovem morre, mas todos nós sabemos que a morte nunca está muito longe de nenhum novato. Eles
aceitam isso, e nós também devemos aceitar.
A mulher histérica fez uma pausa na sua gritaria e olhou para a irmã Mary Angela como se tivesse acabado de perceber onde estava. Ela respirou fundo e a sua expressão
se alterou, passando do terror para a raiva tão rapidamente que foi assustador. Mais tarde eu percebi que isso deveria ter feito com que eu a reconhecesse.
– Você acha que eu estou chorando por causa de uma novata? Isso é absurdo! – a mulher atirou as palavras na freira.
– Sinto muito. Eu não entendo por q...
Aphrodite chegou correndo, interrompendo a freira e arregalando os olhos para a mulher em prantos.
– Mãe? O que há com você?
– Ah, que merda! – Stark falou baixo para mim. – É a mãe de Aphrodite.
Eu soltei a mão dele e já estava andando antes de a minha mente ter tempo de acompanhar as minhas ações.
– Eles o mataram! – a mãe de Aphrodite berrou para ela.
– Mataram quem?
– O seu pai! O prefeito de Tulsa!
A multidão ofegou junto comigo. O rosto de Aphrodite ficou pálido. Antes que ela conseguisse falar de novo, Lenobia se adiantou, dizendo:
– Senhoras e senhores, alguns de vocês já me conhecem. Eu sou Lenobia, Mestra dos Cavalos desta Morada da Noite. Em nome da nossa Grande Sacerdotisa e do nosso corpo
docente, sinto muito que vocês tenham sido testemunhas dos trágicos eventos desta noite. Deixem-me ajudá-los a encontrar os seus veículos para que vocês possam ir
para casa em segurança.
– É tarde demais para isso! – a mãe de Aphrodite gritou para Lenobia. – Não há nada seguro hoje à noite. Nenhum de nós nunca vai estar seguro enquanto coexistirmos
com vocês, seus sugadores de sangue!
Enquanto Aphrodite apenas ficava parada ali olhando para a sua mãe, dei um passo à frente, surpresa ao perceber como a minha voz soou calma.
– Lenobia, esta é a mãe de Aphrodite. Ela diz que o seu marido foi assassinado.
– Sra. LaFont – Lenobia reagiu instantaneamente. – Deve haver algum engano. Foi uma das nossas novatas que morreu precocemente hoje.
– O único engano aqui é que outros de vocês não morreram hoje – a Sra. LaFont se virou e apontou um dedo acusador para o muro da escola, na direção da entrada principal
e do portão de ferro aberto. Eu consegui distinguir o que parecia alguém deitado no chão. – Ele ainda está ali. Onde foi deixado, morto e sem sangue, por um vampiro!
– então ela se dissolveu novamente em soluços histéricos, desta vez agarrando sua filha descontroladamente.
– Eu vou – a voz de Darius era firme e forte. Ele tocou o ombro de Aphrodite gentilmente antes de correr até aquele vulto escuro. Quando chegou lá, ele se agachou.
Antes de voltar até nós, ele se levantou e tirou a sua jaqueta, colocando-a sobre o que devia ser um corpo. Então ele voltou até Aphrodite. Ela ainda estava abraçando
a sua mãe em prantos. – Sinto muito – ele disse a ela. – É o seu pai e ele está morto.
O choro da Sra. LaFont se tornou um terrível uivo de dor. O resto da multidão começou a sussurrar com uma agitação que parecia uma mistura de raiva e medo. O pânico
crescente era quase uma coisa palpável. Eu sabia que, se ninguém dissesse ou fizesse algo rapidamente, aquela noite, que já estava horrível, podia muito bem se tornar
perigosa. Levantei a voz, satisfeita por eu ainda soar muito mais calma do que me sentia.
– Aphrodite, você precisa levar a sua mãe para dentro da escola. Darius, ligue para o 911 e informe que o prefeito está morto. Lenobia, Stark, irmã Mary Angela e
as freiras Beneditinas, por favor, ajudem essas pessoas a encontrar os seus carros. Eu vou ajudar Aphrodite e a sua mãe a se acomodarem e então vou encontrar Thanatos.
Ela saberá o que fazer.
As pessoas já tinham começado a fazer o que eu havia dito quando a mãe de Aphrodite de repente se soltou de sua filha.
– Não! – ela berrou, balançando a cabeça e fazendo com que o resto do seu cabelo preso se soltasse ao redor de seus ombros. – Eu nunca mais vou entrar nesse prédio.
Eles mataram o meu marido!
– Mãe – Aphrodite tentou argumentar com ela. – Nós não sabemos do que Papai morreu. Ele tinha pressão alta. Ele pode ter tido um ataque do coração.
– A garganta dele estava rasgada e o seu sangue tinha sido sugado do seu corpo. Isso não é um ataque do coração. É um ataque de vampiro! – a mãe de Aphrodite gritou
para ela.
Eu olhei para Darius procurando uma confirmação. Ele assentiu levemente e continuou a falar no telefone.
Ah, que inferno.
– Sra. LaFont, se foi um ataque de vampiro, eu prometo que nós vamos encontrar o assassino e levá-lo até a Justiça – Lenobia falou solenemente.
– É exatamente como a sua ex-Grande Sacerdotisa disse... vocês são violentos! Foi por isso que ela rompeu com vocês. Nós devíamos tê-la escutado. Todos nós devíamos
tê-la escutado. A pobre Neferet foi apenas a primeira vítima de vocês... – a Sra. LaFont soluçou.
– Eu vou cuidar para que os humanos continuem indo embora. Zoey, controle a boca dessa mulher – Lenobia sussurrou quando passou apressada por nós. Então ela levantou
a voz. – Ok, senhoras e senhores, novamente eu peço desculpas pelas tragédias desta noite. Eu e as boas irmãs aqui vamos acompanhá-los até os seus carros. Logo a
polícia de Tulsa vai estar aqui, e a última coisa de que eles precisam é ter a cena do crime alterada.
– Acho melhor eu ajudá-la – Stark murmurou.
– Não, é melhor você me ajudar – eu agarrei a mão dele. Stark me olhou com cara de interrogação. Eu abaixei a voz e me inclinei na direção dele. – Você ouviu Lenobia.
A boca dela precisa ser fechada. Eu preciso do seu feitiço de vampiro vermelho – expliquei.
Ele arregalou os olhos, mas assentiu e sussurrou:
– O que você quer que eu faça?
– Deixe-a chorar, mas sem gritos e berros – eu disse baixinho.
Ele assentiu de novo, e nós fomos até Aphrodite, que estava olhando impotente para a sua mãe em prantos.
Encontrei o olhar de Aphrodite, desejando que ela entendesse o real significado das minhas palavras.
– Stark vai falar com a sua mãe. Tudo bem por você?
Aphrodite olhou para Stark e depois para a sua mãe, antes de se virar para mim de novo.
– Sim. Na verdade, acho que é uma ótima ideia – ela segurou o braço de sua mãe e falou em voz baixa: – Mãe, você está certa. Nós não precisamos entrar na escola.
Mas há um belo jardim logo ali, longe dos vampiros. Por que eu e você não nos sentamos ali em um dos bancos enquanto esperamos a polícia chegar? Ok?
– A polícia humana! Eu quero que a polícia humana encontre o vampiro assassino do seu pai!
– Como Lenobia disse, a polícia humana já está a caminho. Agora Stark e Zoey virão conosco enquanto esperamos. Sabe, Stark não é um vampiro normal. Ele é um Guardião.
Ele, ahn, já trabalhou com a polícia antes, a polícia humana – Aphrodite inventou enquanto conduzia a sua mãe para longe da multidão, em direção ao pequeno e escuro
jardim bem atrás dos aposentos dos professores. – Então, Mãe, quero que você deixe Stark fazer algumas perguntas enquanto esperamos os policiais humanos chegarem.
Stark deu um passo à frente, assentiu para Aphrodite e então ficou ao lado da Sra. LaFont.
– Madame, eu sinto muito sobre o seu marido – ele disse com uma voz suave e encantadora. Até eu podia perceber a magia hipnotizante dos vampiros vermelhos enquanto
ele continuava. – Vou cuidar para que você fique segura. Agora só quero que você vá comigo até o jardim, onde pode chorar em silêncio. Se você não gritar mais, vai
ser ótimo.
Aphrodite e eu soltamos suspiros de alívio quando escutamos a resposta da mãe dela, ecoando as palavras dele.
– Eu vou com você até o jardim, onde posso chorar em silêncio. Sem gritaria.
– Você está bem? – perguntei para Aphrodite enquanto seguíamos a sua mãe e Stark.
Ela levantou os ombros.
– Não sei. Eles... os meus pais... eles nunca gostaram de mim. Na verdade, eles sempre foram péssimos comigo desde que eu consigo me lembrar. Sério, foi um alívio
ter os dois fora da minha vida. Mas parece estranho e triste saber que o corpo do meu pai está ali atrás do muro.
Eu assenti e entrelacei o meu braço ao dela, querendo tranquilizá-la com o meu toque, mesmo sabendo que ela não era do tipo que gostava de muito contato físico.
– Eu entendo totalmente o que você quer dizer. Quando a minha mãe morreu, não importava que ela tivesse sido horrível comigo por anos e preferido aquele idiota do
meu padrasto em vez de mim. Só o que importava é que eu tinha perdido a minha mãe.
– Ela estava me abraçando enquanto chorava – Aphrodite disse, soando como uma menina arrasada. – Não consigo lembrar da última vez em que ela me abraçou.
Não consegui pensar em nada para dizer, então eu simplesmente fiquei ali com Aphrodite, segurando firme o braço dela e ouvindo os soluços de sua mãe enquanto o barulho
das sirenes da polícia ficava cada vez mais próximo.
Fiquei feliz ao ver o detetive Marx de novo, apesar de as circunstâncias serem o que mais tarde Stark chamou de “tão difícil quanto tentar arrebanhar gatos”. Pelo
menos Marx não era um humano com ódio de vampiros. Ele tinha belos olhos castanhos, e eu me lembro de como eles se iluminaram quando ele me contou da sua irmã gêmea,
lembrando que mesmo depois que ela foi Marcada e passou pela Transformação os dois ainda continuavam em contato. Era bom saber que pelo menos um policial em Tulsa
não iria abrir as portas da escola para os humanos lincharem os vampiros, já que o feitiço de vampiro vermelho de Stark tinha acabado super-rápido e a mãe de Aphrodite
estava definitivamente em um estado de mente pró-linchamento.
– Prenda-os! – a Sra. LaFont atirou as palavras contra o detetive. – Prenda todos eles! Um vampiro fez isso, e um vampiro tem que pagar por isso.
– Madame, quem quer que seja o responsável deve pagar por esse crime. É por isso que vou investigar cuidadosamente o assassinato de seu marido até o fim. Vou encontrar
quem fez isso. Dou a minha palavra. Mas eu não posso, e não vou, prender todos os vampiros desta escola.
– Obrigada, detetive. Como Grande Sacerdotisa, eu aprecio o seu profissionalismo, assim como a sua integridade – a voz de autoridade de Thanatos fez com que eu me
sentisse aliviada. – Por favor, fique certo de que nós vamos cooperar totalmente com a sua investigação. Nós também queremos que o assassino do prefeito seja encontrado
e levado à Justiça. Nós não acreditamos que um vampiro seja o responsável por essa tragédia.
– O pescoço do meu marido foi rasgado e o seu sangue foi sugado do seu corpo! Isso é um ataque de vampiro – a Sra. LaFont franziu os olhos para Thanatos. A sua voz
estava cheia de veneno.
– Certamente parece um ataque de vampiro – Thanatos concordou. – Justamente por isso, duvido que um vampiro tenha cometido esse crime. Por que um vampiro mataria
o prefeito de Tulsa na Morada da Noite, durante o nosso evento aberto ao público, e deixaria o seu corpo no portão principal para ser descoberto pelos humanos e
pelos vampiros? Não faz sentido.
– Vocês são predadores de humanos. Isso não faz sentido!
– Senhoras, por favor, discutir não ajuda em nada – o detetive Marx tentou intervir, mas a Sra. LaFont o ignorou.
– Você nega que é uma aliada próxima da morte? – ela perguntou rispidamente para Thanatos.
– A minha afinidade concedida pela Deusa é, de fato, uma afinidade com a morte. Eu tenho um dom que me permite ajudar os espíritos dos mortos a encontrarem o seu
caminho para o Mundo do Além.
– Foi isso o que você fez com o meu marido? Seduziu-o e armou uma cilada para ele? Ajudando-o a encontrar o seu caminho para um fictício Mundo do Além dos vampiros?
– a voz dela ficava cada vez mais alta a cada pergunta que ela disparava contra Thanatos.
– É claro que não, Sra. LaFont. Eu não tenho nada a ver com a morte do seu marido – Thanatos se voltou para o detetive Marx. – Você pode perguntar para qualquer
pessoa presente ao evento hoje. Eu estava sempre à vista do público. Inclusive quando a tragédia se abateu sobre nós e uma das nossas novatas rejeitou a Transformação
e morreu, eu continuei acessível ao nosso corpo docente e aos nossos estudantes.
– Uma novata também morreu aqui hoje? – o detetive perguntou.
Thanatos assentiu.
– Sentiremos falta dela.
– Por que você está perguntando sobre a novata para ela? Todo mundo sabe que eles podem cair mortos a qualquer instante. Isso é normal na espécie deles. Meu marido
foi morto por um vampiro. Isso não é normal!
– Mãe, se foi mesmo um vampiro que matou o meu pai, posso jurar que esse vampiro não faz parte desta escola! – Aphrodite disse de repente. Todos se viraram para
encará-la, então ela mordeu os lábios e desviou os olhos, constrangida.
– Você está dizendo que sabe quem matou o seu pai? – A mãe de Aphrodite soou totalmente insana de novo.
Aphrodite engoliu em seco e então me surpreendeu ao deixar escapar:
– A única vampira que eu conheço que faria algo assim é alguém que iria querer armar para a Morada da Noite levar a culpa – ela fez uma pausa, e eu tentei encontrar
o olhar dela e telegrafar uma expressão de NÃO DIGA ISSO, mas Aphrodite estava encarando a sua mãe, como se pudesse fazer Frances LaFont acreditar nela. – Mãe, a
nossa antiga Grande Sacerdotisa, Neferet, tem um rancor enorme contra nós, todos nós. Ela é ruim, Mãe. Pior ainda, ela é do mal. Ela faria algo assim.
– Isso é ridículo, Aphrodite! Neferet era amiga do seu pai. Ele a indicou para ser agente de ligação entre os vampiros e a cidade. Ela não o mataria!
– Neferet só estava usando Papai e a cidade – Aphrodite insistiu. – Ela nunca quis fazer amizade com os humanos. Ela odeia os humanos. Na verdade, a única coisa
que ela odeia mais do que os humanos é a nossa Morada da Noite, principalmente depois que ela foi expulsa daqui. Então faz todo o sentido que ela tenha matado o
prefeito de Tulsa na Morada da Noite durante o nosso evento. Ela sabe que isso vai provocar grandes problemas entre os humanos e os vampiros.
– Grande Sacerdotisa? – Marx se voltou para Thanatos antes que a Sra. LaFont pudesse dar palpite. – O que você sabe sobre Neferet e as suas motivações?
– Como eu disse na entrevista para a Fox News há mais de uma semana, Neferet foi demitida da nossa Morada da Noite. Acho que o que Aphrodite está dizendo faz sentido.
Neferet estava muito zangada conosco.
– Zangada o bastante para matar? – o detetive perguntou.
Thanatos suspirou.
– Temo que ela seja capaz de grande violência. Essa é uma das razões pelas quais o Conselho Supremo a despojou de sua posição aqui e do seu título de Grande Sacerdotisa
de Nyx. Apesar do que ela disse para o prefeito e os membros da Câmara Municipal, é Neferet quem defende a violência contra os humanos, não nós.
– Se vocês sabiam que ela era violenta, deveriam ter nos procurado e nos alertado sobre as suas preocupações – Marx afirmou de modo severo.
– Eles não o procuraram porque isso é um monte de mentiras! – a Sra. LaFont explodiu. – Hoje mesmo alguns membros da Câmara Municipal, Charles e eu estávamos falando
que era estranho a cobertura de Neferet ter sido vandalizada e ela ter desaparecido, tudo isso logo depois de ela tomar uma posição pública contra o que estava acontecendo
aqui na Morada da Noite. O próprio Charles disse que ele suspeitava de jogo sujo.
Aphrodite pareceu totalmente chocada.
– Mãe, você não pode acreditar nisso.
– É claro que eu posso! Neferet teve a força de se manifestar contra os vampiros assassinos. O seu pai ficou ao lado dela. E agora ela está desaparecida e o seu
pai está morto – ela voltou o seu olhar em chamas para o detetive. – E o que exatamente vocês vão fazer a respeito desses crimes hediondos?
– Sra. LaFont, por favor... – o detetive começou, mas ela o interrompeu.
– Não, eu já estou farta disso. O meu marido está morto, e eu não vou ficar sentada passivamente em relação ao seu assassinato e deixar que a culpa seja jogada em
alguém inocente. Eu vou para casa. Vou ligar para o meu advogado. Vocês terão notícias minhas – os seus malvados olhos azuis encontraram Aphrodite. – E você vai
comigo. Vamos. Agora.
A Sra. LaFont já tinha dado vários passos quando percebeu que a sua filha não a estava seguindo. Ela parou, virou-se e deu um riso de escárnio que lembrava tanto
o pior de Aphrodite que eu fiquei olhando embasbacada para ela como uma turista.
– Aphrodite, eu disse que você vai para casa comigo. Agora. Estou falando sério.
– Não – Aphrodite respondeu simplesmente. Achei que ela soou muito cansada, mas a sua voz estava firme. – Eu estou em casa, e é aqui que eu vou ficar.
– O assassino do seu pai é um deles!
– Mãe, eu já disse, se um vampiro matou o Papai, não foi ninguém daqui.
– Aphrodite, eu não vou dizer de novo para você vir comigo.
– Ótimo. Isso significa que eu não vou ter que dizer não de novo. Sinto muito que Papai esteja morto e que isso signifique que você está sozinha. Mas eu já não moro
com você há quase quatro anos. Você já não é mais minha família.
– Detetive, eu posso obrigá-la a vir comigo? – a Sra. LaFont perguntou a ele.
– Na verdade, essa é uma boa pergunta – o detetive olhou para Aphrodite e depois para Thanatos. – Eu não estou vendo uma lua crescente na testa dela. A Marca dela
está coberta por alguma razão?
– Não. Aphrodite é um membro diferente da Morada da Noite. Ela já foi Marcada, mas o seu crescente desapareceu, apesar de os dons que Nyx concedeu a ela como novata
não terem desaparecido; por isso, o nosso Conselho Supremo a nomeou Profetisa de Nyx. Portanto, embora Aphrodite não seja novata nem vampira, ela foi Escolhida pela
nossa Deusa e sempre vai poder ter a Morada da Noite como lar.
O detetive Marx soltou um longo suspiro.
– Bem, o fato de ter sido Marcada e Escolhida por Nyx significa que Aphrodite foi emancipada dos seus pais humanos. Apesar de as circunstâncias serem estranhas,
eu diria que a sua emancipação continua válida por causa da decisão do Conselho Supremo. Sra. LaFont, acho que a resposta à sua pergunta é não, eu não posso obrigar
a sua filha a ir embora com a senhora.
– Aphrodite – a voz da Sra. LaFont estava gélida. – Você vai fazer o que eu digo e vir comigo ou vai escolher ficar com os assassinos do seu pai?
– Eu escolho a minha família e o meu lar de verdade – Aphrodite respondeu sem hesitar, dando a mão para Darius e segurando firme nela, enquanto a sua mãe destilava
veneno.
– Então eu preferia nunca ter te dado à luz. Nunca mais me chame de mãe. Nunca mais fale comigo. Eu nego a sua existência completamente. Você está tão morta para
mim quanto o seu pai – a Sra. LaFont virou as costas para a sua filha e foi embora rapidamente.
No silêncio que a sua mãe deixou para trás, a voz de Aphrodite pareceu muito baixa quando ela disse:
– Eu realmente gostaria de ir para casa agora. Eu vou estar no ônibus, esperando vocês terminarem aqui.
– Ônibus? – o detetive Marx perguntou.
– Sim – Thanatos parecia exausta. – Alguns dos nossos estudantes e vampiros preferiram viver juntos fora do campus. O amanhecer está próximo. Eles realmente precisam
voltar logo para a sua casa.
– Essa nova moradia fora do campus foi criada porque há um novo tipo de vampiro? – ele olhou para as tatuagens vermelhas de Stark. – Os vampiros vermelhos?
– De fato, como Neferet anunciou na sua entrevista, há um novo tipo de vampiro entre nós, e alguns deles estão entre os novatos e vampiros que escolheram viver fora
do campus – a voz de Thanatos começou a ficar cuidadosa.
– E o que Neferet disse sobre esses novos vampiros também é verdade?
– Se você quer dizer a parte sobre nós sermos violentos e perigosos... não. Isso não é verdade – Stark encontrou o olhar do detetive.
O detetive hesitou e então, em caráter definitivo, ele afirmou:
– Grande Sacerdotisa, eu vou ter que insistir para que nenhum dos novatos ou vampiros tenha a permissão de sair do campus até que nós investiguemos totalmente o
crime desta noite e possamos descartar a hipótese de o assassino ser alguém da sua Morada da Noite. Se a senhora requisitar uma ordem judicial, tenho certeza de
que posso acordar um juiz e conseguir um mandado de segurança determinando que o seu campus permaneça fechado. Mas devo dizer que seria melhor que uma ordem judicial
não fosse necessária.
Sem nenhuma hesitação aparente, Thanatos disse:
– Não é preciso um mandado de segurança. Eu vou cumprir a sua solicitação voluntariamente. Zoey, diga para os estudantes descerem do ônibus. Até nova ordem, todos
vão morar no campus.
3
 Aphrodite
– Eu não sei o que é pior, se o fato de aquele policial cuzão não deixar a gente voltar para casa nos túneis da estação ou se o fato de eu realmente ter começado
a pensar naqueles túneis de merda como o meu lar – Aphrodite resmungou enquanto fuçava dentro da sua bolsa. – Que inferno, onde está o meu pote de Xanax?
– Deixe-me ajudá-la, minha bela – Darius gentilmente pegou a bolsa RED Valentino2 de Aphrodite, abriu o zíper de um bolsinho interno e pegou o frasco de pílulas.
– Xanax ou vinho; os dois juntos, não – ele falou, segurando o frasco fora do alcance dela.
– O meu pai está morto – ela disse sem emoção.
– Acho que o ponto é que Darius não quer ver você morta também – Zoey afundou no sofá ao lado dela, na pequena sala de espera da enfermaria. – Eu entendo o que você
está sentindo, e sei que pode parecer uma boa ideia ficar totalmente entorpecida hoje à noite, mas não dá para fugir da morte de um dos pais.
– Nem da morte de um pai de merda? – Aphrodite perguntou para Z.
– Não, nem de um desse tipo – Zoey assentiu como quem sabia do que estava falando. – Uma hora você vai ter que lidar com isso. Pela minha experiência, posso dizer
que, quanto antes, melhor.
Aphrodite franziu a testa, mas largou a garrafa de vinho tinto em cujo gargalo ela estava bebendo.
– Ok. Eu escolho o Xanax.
– Mas só um – Darius insistiu.
– Tudo bem, já disse. Pode me dar. Até ficar semientorpecida parece ótimo agora.
Darius estava colocando a pequena pílula azul na mão de Aphrodite quando a voz de Shaunee fez com que ela levantasse os olhos, surpresa.
– Eu não quero ficar entorpecida. Nem semientorpecida – Shaunee entrou na sala de espera, seguida por Stevie Rae, Rephaim, Damien e Thanatos. – Se eu ficar entorpecida
posso esquecer o que aconteceu hoje à noite, e isso significa que eu vou esquecer a última noite da vida de Erin. E a vida dela merece ser lembrada. Aphrodite, a
vida do seu pai também merece ser lembrada.
Aphrodite colocou rapidamente a pílula na sua boca e a engoliu a seco.
– Quando eu me lembrar do meu pai, vou me lembrar de um homem fraco que foi intimidado pela minha mãe até virar um cara de merda. Não sei se quero me lembrar disso.
E do que você vai lembrar da Erin? De como vocês compartilharam um só cérebro por aquele tempo todo ou da parte em que vocês romperam?
– Sério, Aphrodite, eu realmente sinto muito que o seu pai tenha morrido hoje, mas isso não é motivo para você ser maldosa com Shaunee – Stevie Rae disse.
– Stevie Rae, cada um lida com a morte de um jeito – Aphrodite explicou, soando muito mais paciente do que ela se sentia. – O meu jeito é dizer o que penso, e sinto
muito se isso faz com que você se sinta desconfortável, mas eu não estou sendo maldosa. Estou sendo verdadeira. E então, Shaunee, do que você vai lembrar?
– Das duas coisas – Shaunee respondeu devagar. – Vou me lembrar da minha gêmea como ela realmente era, não totalmente boa nem totalmente má. A maioria das pessoas
é assim – ela desviou os olhos de Aphrodite e se virou para Zoey. – Como você se lembra da sua mãe?
Zoey soltou um suspiro longo e triste.
– Eu tento me lembrar da visão que Nyx me concedeu, dela entrando no Mundo do Além. Ela estava em paz, e isso é uma lembrança boa.
– Bem, eu não tenho essa opção com meu pai – Aphrodite falou. – Não tenho certeza de onde ele está, mas o meu palpite é que não é no Mundo do Além de Nyx.
– Você pode se surpreender – Thanatos afirmou.
Aphrodite olhou para ela, obviamente chocada.
– Você está me dizendo que viu o espírito dele entrar no Mundo do Além?
– Não, eu não estava presente no momento da morte do seu pai, e o espírito dele não ficou para se comunicar comigo, mas posso dizer que senti uma grande paz que
permaneceu na terra no local da sua morte. Espero que saber disto a ajude: quando eu sinto uma paz tão forte depois de uma morte é porque o espírito que partiu se
libertou de uma vida de tumultos, tragédias ou tristezas. Eu acredito que o espírito do seu pai ficou aliviado de se libertar desta vida, e ele vai voltar de novo
e renascer em circunstâncias mais felizes.
Aphrodite piscou com força várias vezes, impedindo as lágrimas de caírem dos seus olhos. Levou bastante tempo até ela se recompor, mas os seus amigos esperaram pacientemente.
Quando ela finalmente falou, a sua voz estava trêmula.
– O-obrigada por me contar isso, Thanatos. Isso realmente ajudou. Sinceramente, eu não consigo me lembrar de nenhuma época em que meu pai foi feliz de verdade. Eu
espero... – ela fez uma pausa, limpou a garganta e então continuou – eu espero que ele encontre a felicidade da próxima vez.
– Vou pedir isso em oração para Nyx – Thanatos disse.
– Eu também. Sim, eu também. E eu. E eu – ecoaram os outros.
– Nós vamos observar o corpo de Erin nos próximos dias? – a pergunta de Zoey pareceu abalar o aposento.
– Isso não vai ser preciso – Thanatos afirmou.
– Bem, eu sei que esse não é um assunto exatamente agradável, mas alguém precisa dizer isso – Zoey falou como se não percebesse ou não se importasse que todo mundo
estivesse olhando chocado para ela.
Aphrodite disfarçou um sorriso surpreso. Uau, Z. está realmente começando a soar como uma verdadeira Grande Sacerdotisa fodona.
– Bem aqui há dois vampiros – Z. continuou, movimentando-se na direção de Stark e Stevie Rae – que rejeitaram a Transformação como novatos e “morreram” – ela fez
aspas com os dedos. – Assim como Erin “morreu” hoje – ela fez aspas com os dedos de novo. – E ambos desmorreram e voltaram como novatos vermelhos depois de uns dias.
Então, eu acho que...
– Z., não – Stevie Rae pareceu desconfortável. – Erin não vai voltar.
– Stevie Rae, eu sei que isso não é agradável, mas precisamos lidar com isso – Zoey foi firme. – Quem vai ficar observando...
– Ninguém precisa ficar observando a novata morta – Thanatos cortou Zoey. – Ela está morta de verdade.
– Thanatos viu o espírito dela entrando no Mundo do Além – Shaunee disse em voz baixa. – Nyx a recebeu.
– E eu posso jurar que Nyx não recebeu nenhum de nós quando morremos e depois desmorremos – Stevie Rae acrescentou.
– Não, ela não recebeu – Stark concordou.
– Erin está realmente morta – Damien afirmou.
– Ok, eu só... bem, eu não quis parecer fria nem nada disso – Zoey explicou com hesitação. – Eu só pensei que a gente precisava ter certeza.
– Nós temos certeza – Thanatos afirmou.
– Eu estou com Z. sobre falar as coisas como elas são, e acho que nós precisamos ter certeza sobre outra coisa também – Aphrodite falou. Ela encontrou o olhar sábio
de Thanatos. – O círculo expulsou o que parecia o corpo parcialmente formado de Neferet e, quando foi chutada para fora do campus, ela passou através de Erin e saiu
na direção exata onde depois o meu pai foi encontrado. Acho que nós precisamos descobrir com certeza se Neferet matou os dois, Erin e meu pai.
Os ombros de Thanatos desabaram.
– Temo que não seja possível descobrir isso com certeza, mas a suspeita de Aphrodite sobre quem pode ser responsável pelas duas mortes realmente faz sentido. Eu
senti a presença da morte apenas alguns instantes antes de Zoey me ligar contando sobre as aranhas. Isso pode ter sido Erin começando a rejeitar a Transformação
ou Neferet tentando se manifestar dos mortos – ela olhou de modo questionador para o grupo. – Algum de vocês percebeu se Erin estava mostrando algum sinal de doença
antes de hoje? Alguém a ouviu tossir ou dizer que ela estava estranhamente cansada ultimamente?
– Por que você não pergunta para alguém que realmente a conhecia bem e ligava para ela? – Dallas estava no corredor do lado de fora, parecendo irritado.
– Dallas, que bom que você se juntou a nós. Entre, sente-se, converse conosco. Quando você estiver pronto para ver o corpo de Erin e se despedir dela, vou levá-lo
para dentro e contar a você sobre as boas-vindas com que a nossa Deusa recebeu o espírito da sua querida amiga no Mundo do Além – Thanatos disse.
– Eu não tenho nada para falar para nenhum de vocês. Ela estava bem antes de aquele maldito círculo ser traçado! Eu não queria que ela participasse daquilo. Tentei
impedi-la. Eu teria conseguido se a Senhorita Eu Mando em Todo Mundo não tivesse falado para o guerreiro dela me tirar dali. Eu nem sabia que Erin tinha morrido
até alguns minutos atrás, quando finalmente consegui sair daquele maldito armário – Dallas franziu os olhos vermelhos de raiva. – Não sei quem vocês estão tentando
culpar por essa merda toda, mas eu posso dizer que sei a verdade, e todo mundo aqui na Morada da Noite também vai saber: Erin está morta por causa de alguma bosta
que Zoey Redbird e seus amigos provocaram naquele círculo hoje à noite. Ela estava bem antes disso e, se eu tivesse conseguido detê-la, ela ainda estaria bem!
As luzes da sala de espera começaram a tremular enquanto a raiva de Dallas se tornava palpável.
– Já passou da hora de você calar a boca, Dallas – Stark se levantou para ficar entre o vampiro vermelho furioso e Zoey.
Darius se juntou a ele, ombro a ombro.
– Erin rejeitou a Transformação. Isso não teve nada a ver com o círculo de Zoey – Darius disse.
– Ela não queria ter sido detida por você – Shaunee tinha começado a chorar de novo. – Ela queria fazer parte do nosso círculo de novo.
– Ela não queria merda nenhuma com vocês! – Dallas gritou.
– Você não vai levantar a sua voz raivosa logo depois da morte precoce de uma novata – a força contida dentro da voz de Thanatos fez com que as luzes parassem de
tremular e Dallas desse um passo atrás. – Se você quer se despedir de sua amiga em paz, com amor e respeito, então você é bem-vindo. Se você quer destilar raiva
e semear a discórdia, então você tem que ir embora, Dallas, levando a sua energia negativa com você. Não há lugar para isso ao lado de alguém que acabou de se juntar
à nossa Deusa.
– Eu vou me despedir de Erin do meu próprio jeito, e não vai ser ao lado das pessoas que causaram a morte dela! – Dallas rosnou essas palavras, olhou com desprezo
e deu alguns passos para trás, antes de se virar e sair correndo da enfermaria.
– Essa cara vai ser um problema sério – Stark disse.
– Ele já é um problema sério desde que descobriu sobre mim e Rephaim – Stevie Rae mordeu o lábio. – Isso acabou com ele.
– Não é culpa sua – Rephaim pegou a mão de Stevie Rae.
– Bem, eu queria sentir que não é minha culpa – Stevie Rae murmurou, recostando-se no seu namorado. – É que ele costumava ser tão doce, e agora ele não só é um babaca,
como é um babaca perigoso – ela se virou para Thanatos. – Eu detesto dizer isso, mas tenho o pressentimento de que a morte de Erin vai ser a desculpa que ele precisava
para fazer alguma coisa idiota, como vir atrás de nós.
– É, e agora que estamos todos presos aqui no campus, Dallas e os retardados que o seguem vão jogar o máximo de merda no ventilador que eles puderem – Aphrodite
disse.
Stark respirou fundo e fez o grupo olhar para ele.
– Jogar merda no ventilador... é a mesma coisa que Neferet quer. E a gente sabe que, logo antes de Neferet sequestrar a Vovó Redbird, Dallas estava em contato com
ela.
– O que significa que, se Neferet conseguiu se recompor o bastante para restaurar o seu corpo, é provável que ela entre em contato com Dallas de novo para obter
informações privilegiadas de alguém da Morada da Noite sobre o que está rolando aqui dentro – Zoey concluiu por Stark.
– Já que Dallas está nos culpando pela morte de Erin, ele vai ficar mais feliz que um urubu num vagão de carne fazendo tudo o que puder para acabar com a gente –
Stevie Rae disse.
Aphrodite fez uma careta para a analogia de caipira de Stevie Rae, mas ela teve que concordar com a sua lógica.
– A pior coisa que poderia ser feita para acabar com a gente é descobrir um jeito de provar que um dos vampiros da Morada da Noite matou o meu pai.
– Acho que a sua suposição está correta. Neferet matou o seu pai. Também acredito que a manifestação dela pode ter causado um trauma tão grande no corpo de Erin
que ela rejeitou a Transformação. Portanto, Neferet pode ser culpada de ter tirado duas preciosas vidas nesta noite – Thanatos concluiu.
– Ela vai querer jogar essa culpa em outra pessoa – Aphrodite disse.
– Sim, ela vai querer plantar evidências que levem a crer que alguém daqui fez isso – Z. concordou com ela. – Dallas a ajudaria a fazer isso. Não tenho a menor dúvida.
– Isso tem que ser evitado – Thanatos afirmou.
– Como? Isto aqui é uma escola, não uma fortaleza militar. Não é tão difícil entrar e sair sorrateiramente, sem ninguém ver. Todos nós sabemos disso; todos nós já
fizemos isso. E a gente tem que lembrar que Neferet sabe como se deslocar por esta escola ainda melhor do que nós – Aphrodite falou.
– Então a minha tarefa é muito simples. Preciso imaginar um modo de evitar que Neferet entre no nosso campus – Thanatos disse.
– Na verdade, você precisa fazer mais do que apenas evitar que Neferet entre. Já posso ver Dallas, ou qualquer um dos seus amigos nojentos, entrando e saindo às
escondidas e fazendo qualquer coisa que aquela louca da Neferet invente para eles fazerem. Na verdade, ela não teria que fazer nada; ela gosta de delegar. Isso faz
com que ela se sinta poderosa – Aphrodite observou.
– Bem pensado – Z. concordou.
– Vou refletir sobre isso e, até que eu tenha uma resposta, vou me certificar para que os jardins da escola sejam patrulhados cuidadosamente. Kalona e Aurox não
vão deixar ninguém entrar em nosso campus durante o dia – Thanatos falou. – Já está quase amanhecendo. Enquanto isso, vocês precisam descansar.
Aphrodite se levantou e ficou surpresa ao sentir o aposento balançar ao seu redor. Satisfeita por o Xanax estar começando a fazer efeito, ela se apoiou no braço
forte de Darius.
– Bem, eu gostaria de dizer que não quero parecer uma vadia, mas isso seria mentira. Eu não me importo. Vocês e o resto do Conselho da Escola precisam saber que
Darius vai ficar comigo no meu antigo quarto no dormitório – Aphrodite se dirigiu a Thanatos com uma voz firme e prática que a fez se lembrar um pouco constrangidamente
da sua mãe. – Sei que isso é contra as regras, mas também é contra as regras sequestrar a avó de alguém, matar um humano sem razão e fazer uma novata rejeitar a
Transformação e morrer, e isso são apenas três itens da longa lista de regras que foram quebradas pelos caras do mal recentemente. Então, eu estou quebrando uma
regra pelos caras do bem. Não quero dormir sem o meu guerreiro, e posso jurar que Z. sente o mesmo – Aphrodite olhou rindo para Stevie Rae. – A caipira também iria
insistir em dormir com o seu menino-pássaro, mas logo ele vai virar um pássaro e aparentemente ela ainda se recusa a colocá-lo em uma gaiola. Certo, Stevie Rae?
– Eu não vou responder enquanto você continuar chamando Rephaim de menino-pássaro – ela franziu a testa para Aphrodite.
– É, exatamente como eu pensei. Nada de gaiola ainda. Enfim, há meses nós estamos combatendo o mal e salvando o mundo, e eu preciso do meu guerreiro. E não sinto
muito se isso faz com que vocês se sintam desconfortáveis com isso. Ponto final.
Houve uma longa pausa em que Thanatos e Aphrodite ficaram se encarando, até que Thanatos disse:
– Acho que há precedentes de guerreiros compartilhando os aposentos de dormir com as suas Sacerdotisas, principalmente se eles acreditam que as suas Sacerdotisas
possam estar em perigo.
– Z. está sempre em perigo – Stark disse rapidamente.
– Assim como a minha Profetisa – Darius acrescentou, colocando um braço protetor ao redor dela.
Aphrodite sorriu.
– Acho que isso resolve a questão.
– Stevie Rae, eu sei que você vai dormir sozinha assim que o sol se levantar – Shaunee falou em voz baixa. – Se você não se importar, eu realmente gostaria muito
se você pudesse ficar comigo no quarto que eu dividia com Erin. E-eu acho que não consigo ficar lá sozinha.
– Oh, é claro que sim, eu fico com você! – Stevie Rae abraçou Shaunee. – Mas eu vou ter que deixar a janela aberta para Rephaim.
– A gente pode fazer isso, sem problemas – Shaunee concordou.
– Mas não se esqueça de prender bem as cortinas blackout no lugar para que não entre nenhuma luz do sol durante o dia – Zoey a lembrou. Então ela olhou para o relógio.
– Quanto tempo falta para o sol nascer?
– Vinte e quatro minutos – Stevie Rae e Rephaim responderam juntos.
– Ok, pessoal, vão se deitar. Stark, vá até o meu antigo quarto e faça o que eu disse para Stevie Rae: veja se as cortinas estão bem amarradas. Eu vou dar uma conferida
no resto do nosso grupo para ver se estão todos acomodados, pelo menos por hoje – Zoey afirmou.
Aphrodite a observou. Z. soou normal, mas havia algo com ela... uma tensão na sua voz... uma aparência cansada no seu rosto que não era comum... sombras escuras
embaixo dos seus olhos. Tudo isso não combinava com a Zoey do dia a dia. A Zoey do dia a dia ficava cansada e até mal-humorada de vez em quando, mas ela sempre saía
dessa e fazia o que tinha que ser feito. Aphrodite percebeu que, quanto mais observava Zoey, mais ela via uma garota que estava fazendo o que tinha que ser feito,
mas que obviamente não estava saindo dessa.
– Z., por que você não deixa Thanatos acomodar os garotos hoje? Você traçou o nosso círculo e expulsou Neferet daqui. Usar esse tipo de poder deixa você exausta,
física e mentalmente. Nós não somos mais um bando de refugiados fodidos, lambendo as nossas próprias feridas sozinhos. É um pé no saco ficarmos presos aqui, mas
há alguns pontos positivos em estarmos encalhados na nossa Morada da Noite. Não precisamos mais pedir pizza barata para ser entregue na rua. Ei, Cara do Arco, você
precisa levar a sua garota até a cozinha e pegar algo de verdade para ela comer e beber antes que o sol transforme você em torrada – Aphrodite disse.
– Não preciso que você me diga como tomar conta de Z. – Stark respondeu rispidamente para ela.
– Que ótimo. É assim que você vai responder a um conselho decente? Isso é muito maduro – Aphrodite falou, balançando a cabeça, sentindo-se tonta.
– Se Darius não a estivesse segurando, você estaria ferrada – Stark disse.
– Vocês dois parem de se estranhar! – Zoey gritou. Então ela inspirou profundamente e soltou o ar devagar antes de continuar: – Aphrodite está certa. Eu estou supercansada
e preciso comer algo.
– Descanse e recupere suas energias – Thanatos falou para Zoey. Então ela olhou para Aphrodite e Stark. – E a sua Grande Sacerdotisa tem razão. Essas briguinhas
não ajudam ninguém, exceto aqueles que desejam semear a discórdia entre nós.
– Desculpe – Stark murmurou para Aphrodite. – Eu fico mais sensível quando a Z. está cansada.
– Desculpas aceitas. E eu fico acabada quando um dos meus pais é assassinado – Aphrodite recostou o corpo ainda mais em Darius. – Você poderia me levar para a cama,
bonitão?
– Com prazer – Darius respondeu. Ele se curvou respeitosamente para Thanatos, Zoey e Stevie Rae e então saiu do aposento praticamente carregando Aphrodite.
Eles estavam caminhando embaixo dos velhos carvalhos que sombreavam os jardins em volta do dormitório feminino quando uma dor aguda atravessou as têmporas de Aphrodite,
cegando-a na hora. O corpo dela se contraiu em espasmos, fazendo com que ela gritasse e caísse dos braços de Darius, desabando contra a terra enquanto aquela visão
a invadia.
Com um grande poder vêm grandes responsabilidades
Pese o prazer da liderança e do luxo com a espada de Dâmocles
Quando ela acreditar que o antigo é a chave de todas as suas necessidades
É então que tudo vai ruir; é então que a Luz vai sangrar e sangrar...
Aphrodite estava realmente ferrada. Ela não só estava tendo uma dor de cabeça infernal e aquele apagão que vinha antes das suas visões, como também estava ouvindo
poesia.
Deusa, ela odiava poesia.
Linguagem figurativa era um pé no saco, e “pé no saco” na verdade também era linguagem figurativa, ou seja, ela estava sendo forçada a usar aquilo que ela odiava
para explicar aquilo que ela odiava.
Ela teria rido de si mesma, mas a dor não deixou.
No limite da sua consciência, Aphrodite percebeu que Darius estava chamando o seu nome e acariciando o seu cabelo.
Ele vai me manter segura. Ok, Nyx, eu estou pronta para o que quer que você tenha que me mostrar. Deusa, estou feliz por ter já ter tomado um Xanax. Imagino que
isso vai me valer mais uma taça de vinho quando eu voltar e...
A consciência de Aphrodite foi arrancada de seu corpo, explodindo através de seus olhos com uma força que rompeu vasos sanguíneos e fez a sua cabeça pulsar de dor.
Não que ela tivesse essas sensações naquele momento. O espírito de Aphrodite estava seguindo uma fina faixa de luz prateada que a estava levando para longe... para
longe...
O espírito de Aphrodite mergulhou na visão, entrando no corpo de Zoey.
Deusa, ela detestava passar por merdas terríveis que aconteciam com as outras pessoas, especialmente quando as outras pessoas eram os seus amigos. Aphrodite se endureceu
e espiou através dos olhos de Zoey.
Z. estava sentada no refeitório. Parecia que não havia mais ninguém lá, exceto Aurox. Ela estava encarando os olhos de Aurox, e ele a estava chamando de Zo e falando
para ela relaxar. Aphrodite sentiu a avalanche de emoções que as palavras dele despertaram dentro dela. Ela estava tão confusa e dividida entre o que ela queria
e o que ela achava que devia fazer que o interior de Zoey parecia um caldeirão de emoções em ebulição. Aphrodite sentia o calor de suas emoções crescendo bem no
meio do peito de Z., quase como se elas a estivessem queimando de verdade. Ela estava pensando que diabos aquilo significava, mas de repente Z., junto com Aphrodite,
experimentou o sangue de Aurox. Então, quase todo o resto saiu de sua mente.
Beber o sangue do menino-touro grande e loiro não era nada nojento como Aphrodite poderia ter imaginado – não que ela tivesse pensado em beber o sangue do garoto.
Nunca. Talvez parte do fato de não ser nojento fosse porque Z. definitivamente estava interessada naquela coisa de sangue. Eca. Z. realmente tinha uma queda por
Aurox. Ela tinha que se lembrar disso. Além daquela estranha queimação.
Então a cena mudou e Stark estava ali, como sempre, estragando toda a diversão dela (e de Z.). Ele estava agindo como um babaca possessivo, então ele e Z. estavam
brigando, o que era bem irritante.
Mas não parecia uma discussão que fosse o motivo de uma raiva extrema. Porém, foi isso o que Aphrodite sentiu dentro de Z. A garota estava realmente irritada.
Aquela cena se alterou novamente, e a única coisa que permaneceu a mesma foi o nível de frustração de Z. Aphrodite não sabia dizer onde ela estava. Não era um dia
luminoso, mas também não era noite, pois o céu estava incomodando os seus olhos. Então Zoey estava olhando para baixo, até que uns caras malvestidos começaram a
mexer com ela. Zoey os enfrentou – e Aphrodite concordou totalmente com isso –, mas então o nível de raiva dela passou muito da zona de perigo. Aphrodite ficou observando
impotente Z. levantar as suas mãos e descarregar toda a sua frustração, raiva e confusão mental neles. Aphrodite só viu de relance os rostos dos dois caras, mas
iria ficar para sempre gravado na sua memória o terror das suas expressões quando eles foram atirados contra uma parede de pedra e o sangue explodiu por toda parte.
Mudança de cena de novo, e desta vez Aphrodite não estava vendo através dos olhos de Zoey. Ela estava vendo Zoey um pouco distante. Z. havia retornado para a Morada
da Noite. A sua raiva tinha se transformado, e agora ela parecia perturbada, confusa e com medo. Mas essa não foi a única mudança que Aphrodite percebeu. Ela viu
que Zoey estava carregando alguma coisa em seu corpo. Era horrível. Pareciam pulgas ou algum tipo de piolhos comedores de carne que estavam grudados em Zoey, rastejando
embaixo de sua pele. Enquanto Aphrodite observava, totalmente enojada, as coisas rastejantes se agitaram e se alteraram, parecendo purpurina ou mesmo um belo manto
cobrindo Zoey. Então Aphrodite piscou e as coisas voltaram a ser um monte de insetos horríveis e rastejantes.
Aphrodite não tinha a menor ideia do que eram aquelas coisas, mas era bem óbvio que elas não estavam vindo de Zoey. Elas não eram baseadas em elementos. A mente
de Aphrodite fervilhava. O que estava irritando tanto Zoey eram coisas normais, frustração com garotos e com pessoas agindo de um modo idiota em geral. A reação
de Zoey é que havia sido anormal. Isso pode ter sido porque, na verdade, não foi a reação de Zoey. Será que foi frustração e raiva fluindo para dentro dela, sendo
absorvidas por ela, sendo usadas por ela, e Zoey não percebeu? E então por que diabos aquelas coisas se alteraram e pareceram bonitas? Aphrodite não sabia o que
estava acontecendo, mas ela sabia que o resultado disso era Zoey irritada, poderosa e totalmente fora de controle.
Isso aterrorizou Aphrodite.
A cena seguinte seguiu tão rapidamente que Aphrodite sentiu uma tontura vertiginosa.
Da perspectiva de Z., Aphrodite se viu ser levada algemada para uma cela na prisão. Depois que o portão de ferro foi fechado com força, prendendo-a no confinamento
claustrofóbico de uma cela solitária, os ombros de Zoey desabaram. A raiva que havia tomado conta dela com tanta intensidade se extinguira. Totalmente devastada
e com raiva de si mesma, Zoey observou a porta da cela se fechar como se ela estivesse sendo encerrada em um túmulo. Então a jovem Grande Sacerdotisa, a melhor amiga
de Aphrodite, foi até o canto da cela, deslizou até o chão encostando-se na parede, sentou abraçando os joelhos e começou a se balançar para a frente e para trás.
Duas palavras se repetiam sem parar na mente de Zoey: Eu mereço. Eu mereço. Eu mereço. Eu mereço...
Zoey não tinha mais nenhuma esperança.
E então Aphrodite foi arrancada do ponto de vista de Z. novamente e se viu pairando sobre o centro de uma grande catedral. Nauseada, ela olhou para baixo e viu que
os paroquianos estavam mortos. Todos eles. Todas as suas gargantas estavam cortadas e todo o sangue havia sido sugado dos seus corpos.
Uma voz repetia sem parar duas palavras na mente de Aphrodite: Eu mereço. Eu mereço. Eu mereço. Eu mereço...
Com um grande poder vêm grandes responsabilidades
Pese o prazer da liderança e do luxo com a espada de Dâmocles
Quando ela acreditar que o antigo é a chave de todas as suas necessidades
É então que tudo vai ruir; é então que a Luz vai sangrar e sangrar...
A poesia ressoou na mente de Aphrodite enquanto a cena final e perturbadora se dissipava e o seu espírito explodia de novo dentro do seu corpo cego e cheio de dor.
– Darius! – ela ofegou, sentindo falta de ar e pressionando as mãos contra os seus olhos fechados e ensanguentados.
– Eu estou aqui! Você está segura! – ele disse. – Eu vou mandar buscar Zoey e...
– Não! – ela falou com suas últimas forças. – Não deixe Z. saber. Não deixe que ninguém saiba.
– Vou fazer o que me pede, minha bela. Descanse. Eu sempre vou mantê-la segura.
Então Aphrodite se permitiu desmaiar.
4
 Zoey
– Nunca pensei que eu iria preferir que as aulas não tivessem sido canceladas – eu disse, andando impaciente de um lado para o outro no quarto do dormitório. – Não
sei em que diabos Thanatos estava pensando. Se a gente fosse para a aula hoje, pelo menos teria algo para fazer. E amanhã é sábado. Nós não precisamos de um final
de semana prolongado.
Stark se revirou na cama, com o cabelo desgrenhado e apenas meio acordado. Ele deu o seu sorriso fofo e metidinho para mim e realmente pareceu fofo e metidinho,
o que não era nada mau.
– Se você voltar para a cama, vai ter algo para fazer aqui.
Mesmo assim, eu estava preocupada demais para entrar na dele, então pisquei os olhos inocentemente e perguntei, com uma voz ingênua:
– Você vai arranjar algo para eu e a escola inteira fazermos? Isso é bem ambicioso, até mesmo para você, Stark.
– Você sabe que não foi isso o que quis dizer! Que jeito de cortar um barato, Z.
Parei de andar de um lado para o outro apenas o suficiente para dar risada e beijá-lo rapidamente.
– Desculpe, eu dormi muito mal. Fiquei tendo pesadelos com Dallas e os seus amigos nojentos plantando pedaços da roupa ensanguentada do prefeito na mesa de Thanatos,
no celeiro de Lenobia e até na sala de teatro de Erik. Então, depois que os policiais levaram todos presos, Neferet voltou para cá cheia de pose e disse que ficaria
feliz em fazer o seu antigo trabalho de novo e que iria trazer um monte de novos professores. No meu sonho, Neferet era uma enorme sanguessuga preta e os nossos
novos professores eram aranhas gigantes – senti um calafrio. – Eca, eu odeio sanguessugas. E aranhas.
– Venha cá – Stark deu tapinhas no lugar ao lado dele na cama.
Eu suspirei, mas me sentei. Quando ele começou a massagear os meus ombros, senti parte da minha tensão começar a desaparecer.
– Você sempre sabe como fazer com que eu me sinta melhor.
– Sim, e sempre vou saber. Apenas fique aqui um pouco e me deixe trabalhar nesses nós nas suas costas, e tente não pensar demais nas coisas só por uns minutos.
– Eu não penso demais nas coisas. Eu só me preparo – tentei parecer durona como uma Grande Sacerdotisa, mas era totalmente impossível soar assim enquanto ele estava
me dando aquele trato excelente nas costas.
– Você pensa demais. E a gente vai ter muita coisa para fazer hoje. Nós vamos até o refeitório tomar café com os nossos amigos, e então nós vamos ter que nos certificar
de que todos os nossos novatos têm quartos, principalmente os nossos novatos vermelhos. Z., nós temos que tomar cuidado com o local onde esses garotos passam as
horas da luz do dia. Concordo com você que Dallas vai querer aprontar alguma merda, e não quero que nenhum de nós acabe ferido só porque ele é um babaquinha do mal.
– Ele realmente tem problemas em controlar a própria raiva – eu disse. Tentei levantar para conseguir pensar melhor, mas ele me puxou de volta e continuou massageando
as minhas costas.
– Não, você fica aqui. Nós temos que falar sobre coisas estressantes, mas você precisa aprender a relaxar. O que posso fazer para evitar que você fique totalmente
estressada é continuar massageando os seus ombros.
– Pode ser que você precise continuar fazendo isso pelos próximos dias.
– Por mim, tudo bem – ele beijou meu pescoço, provocando-me um calafrio (desta vez, de prazer).
– Bem, ótimo. Isso quase me faz ficar ansiosa pelos próximos dias – eu falei.
– Fico feliz por ouvir isso. E, já que você está de bom humor, quero que me prometa uma coisa.
– O quê? – instantaneamente, comecei a ficar tensa de novo.
– Pode parar – ele massageou meus ombros com mais intensidade, dissolvendo os nós de tensão sob suas mãos fortes. – Você sabe que eu jamais iria pedir que você me
prometesse algo terrível. Eu só quero que você mantenha o nosso círculo longe do funeral de Erin.
– Por quê? Eu pensei que isso seria uma coisa boa, até mesmo um jeito de Shaunee conseguir ficar em paz. Shaylin já mostrou uma afinidade com a água, então não vai
ficar um enorme espaço vazio no lugar que Erin costumava ocupar.
– É, bem, no começo eu também pensei isso. Mas mudei de ideia depois de todas as merdas cheias de ódio que Dallas falou para nós ontem à noite.
– Você acha que ele iria provocar uma briga no funeral de Erin? Isso seria muito baixo, até mesmo para ele.
– Com certeza ele quer brigar, mas provocar confusão no funeral só iria colocar ele e os seus amigos em uma grande encrenca com Thanatos, e acho que ele ainda não
está preparado para arrumar tanta encrenca assim. Mas eu estava pensando o seguinte: você ouviu quando ele disse que Erin não queria nada com você nem com o seu
círculo, certo?
– Certo.
– Z., pense nisto: mesmo quando Erin se juntou ao círculo, para mim não pareceu que ela estava fazendo isso por estar arrependida de ter sido tão péssima ultimamente.
O que eu a ouvi dizer foi que ela não queria que Aphrodite ficasse no lugar dela.
– Sim, foi isso o que ela disse – eu admiti.
– A atitude dela mudou depois que eu tirei Dallas de lá? Ela pediu desculpas para você ou para Shaunee pelo jeito horrível com que ela andou tratando vocês?
– Não. Quando ela viu as aranhas, ela concordou comigo que elas eram nojentas e que coisas nojentas tinham que ir embora.
– Z., não gosto de falar mal de uma garota morta, e não é essa a minha intenção, mas acho que é muito importante lembrar que Erin mudou de lado antes de morrer,
apesar de saber que Neferet e Dallas tinham escolhido as Trevas em vez da Luz.
– Sim, isso é verdade. Mas parece errado usar isso contra ela agora. Quero dizer, Thanatos viu Nyx dar boas-vindas a ela no Mundo do Além. Se a Deusa pode perdoá-la,
por que não podemos?
– Acho que há uma grande diferença entre perdoá-la e transformá-la em algo que ela não era só porque ela está morta. Posso estar errado, mas não acho saudável que
o nosso grupo, principalmente Shaunee, fique idolatrando Erin.
– Sim, eu entendo o que você está pensando, e o meu instinto me diz que você está certo.
– Você entende por que eu não quero que o seu círculo faça um grande espetáculo no funeral dela?
– Entendo. Ok, eu vou falar com Shaunee e me certificar de que ela fique em paz sabendo que Erin está no Mundo do Além com Nyx. Não vejo por que Thanatos não possa
liderar o funeral de Erin numa boa.
– Nós precisamos nos concentrar em seguir adiante, não em olhar para trás – ele afirmou.
– Tem razão. Isso me faz lembrar que eu preciso dar uma olhada em Aphrodite para ver se ela também está bem. O prefeito era um pai horrível, mas ele era o pai dela.
Ela deve estar com a cabeça em péssimo estado com a morte dele.
– Z., Aphrodite já tinha a cabeça em péssimo estado antes da morte dele.
Dei um tapinha na perna dele.
– Ela pode ser detestável, mas ainda é minha amiga.
– Pois é, isso é um mistério para mim.
– Ei, Aphrodite é uma de nós, e a gente vai precisar ficar junto e ser forte para enfrentar qualquer maldade que Neferet esteja armando.
– Eu sei. Eu só estava brincando. Aphrodite é uma vaca, mas ela é nossa vaca.
Dei risada.
– Exatamente.
– Ok, acho que você já está bem relaxada – Stark apertou meus ombros pela última vez e então beijou o meu pescoço. – Estou morrendo de fome. Vamos tomar café da
manhã e depois lidar com qualquer loucura que o dia de hoje reservar para nós.
– Esta foi a primeira coisa que me fez adorar a Morada da Noite – eu disse alegremente enquanto me servia com uma porção gigante de spaghetti. – Psaghetti3! No café
da manhã! Eu amo o nosso refeitório.
– Quando você fala psaghetti, parece que tem seis anos – Stark me deu um cutucão antes de pedir ao cozinheiro a outra opção de café da manhã, o tradicional (e entediante)
prato de ovos mexidos com bacon.
Fui até a mesa de bebidas e enchi o meu copo até a boca com refrigerante marrom com cafeína, respondendo alto para ele:
– Seis anos, não; nove. Foi nessa época que eu compus a música da Loucura do Psaghetti – limpei a garganta e comecei: – Psaghetti, psaghetti! – fiz até a dança do
psaghetti no caminho até a nossa mesa. Eu estava pensando que talvez aquele dia não fosse ser tão ruim. Afinal de contas, ele tinha começado com uma massagem nas
costas e psaghetti! Mas, na hora em que Stark estava se sentando ao meu lado, escutei uma voz masculina penetrante ecoando a minha música da Loucura do Psaghetti.
Não precisei olhar para a fila do refeitório para saber quem estava cantando. Só precisei olhar para a cara do Stark. Antes, ele estava sorrindo para o meu espetáculo
do psaghetti, mas a alegria desapareceu do seu rosto, deixando no lugar uma expressão séria e tensa que o fez parecer frustrado e irritado.
– Quantos anos você tinha quando conheceu Heath? – Stark perguntou.
– Nove – eu respondi. Aquilo fez com que eu me sentisse péssima e impotente, mas o meu olhar não continuou fixo em Stark. Ele foi atraído pelo cara que ainda estava
cantando a minha música enquanto enchia o seu prato de psaghetti.
Eu me perguntei se não seria melhor se Aurox não fosse tão fofo. Ele fez uma versão masculina e desajeitada da dancinha que eu tinha acabado de fazer quando se dirigiu
à mesa de bebidas.
Não, eu respondi a mim mesma, sentindo aquele estranho frio na barriga que eu costumava ter quando Heath chegava aonde eu estava. Aurox poderia ser parecido com
um troll que eu ainda iria sentir a mesma coisa porque ele compartilhava a alma de Heath.
– Bom dia! – Damien chegou com Shaunee, Stevie Rae e Rephaim, que acenaram e disseram “oi” para mim e Stark enquanto se apressavam para entrar na fila e encher os
seus pratos.
Eles pareceram não perceber que eu e Stark não respondemos nada.
– E aí, Aurox! Quer sentar com a gente? – Damien o convidou alegremente.
– Claro, vai ser ótimo – Aurox aceitou.
– Maravilha. Z. e Stark já estão na nossa mesa. É aquela ali – Damien apontou para nós, e nessa hora a sua expressão toda felizinha se dissipou, sendo substituída
por um olhar de oh-oh. – Bem, isso se tiver espaço lá e se Z. e Stark concordarem, hum... – Damien perdeu a fala, constrangido, e as suas bochechas começaram a ficar
vermelhas.
– Merda! – Stark exclamou baixinho, de modo que só eu o escutei. Então ele se endireitou um pouco e gritou: – Sim, sem problemas. Tem lugar aqui para Aurox.
Quando Aurox se sentou bem na minha frente, eu me concentrei em comer psaghetti sem parar.
– Então, onde você aprendeu aquela música? – Stark me deixou apavorada ao questionar Aurox.
– Que música? – Aurox perguntou com a boca cheia de macarrão.
– Não importa – Stark resmungou.
Um silêncio longo e desconfortável se instalou até que Damien e o resto do grupo começaram a se espremer na nossa mesa.
– Alguém viu Aphrodite hoje? – Stevie Rae quis saber.
Levantei os olhos e vi todo mundo balançando a cabeça.
– Ou Darius? – ela acrescentou.
Mais cabeças balançaram.
– Droga – eu falei. – Preciso ir lá dar uma olhada nela. Ficar no quarto feito uma eremita não é muito a cara dela.
– Verdade – Stevie Rae concordou. – Ela chama o café da manhã de o começo do desfile de moda do dia. Sabia que uma vez ela até me disse que consegue prever quais
garotas vão virar mães gordas e flácidas de acordo com a quantidade de maquiagem que elas usam no café da manhã?
– Essa garota é muito louca – Shaunee disse.
– Usar muita maquiagem no café da manhã é bom ou ruim? – Damien perguntou.
– Não tenho ideia – Stevie Rae respondeu. – Eu tento parar de ouvir quando Aphrodite fala demais. Ela meio que machuca os meus ouvidos.
– Será que as previsões dela sobre as garotas fazem parte do seu dom profético? – Aurox falou.
Não consegui deixar de rir junto com todo mundo. Bem, todo mundo menos Stark. Em vez de rir, ele estava espetando os seus ovos mexidos como se quisesse matá-los.
– Não – Stevie Rae respondeu para Aurox. – Isso faz parte do seu dom de ser detestável, o qual nós temos certeza de que não foi dado por Nyx.
– Ah, desculpem – Aurox pareceu encabulado. – Provavelmente foi uma pergunta idiota.
– Ei, não se preocupe, companheiro de quarto – Damien sorriu gentilmente para ele. – Aphrodite deixa todos nós desconcertados.
– Companheiro de quarto? – eu me ouvi perguntando. – Vocês estão dividindo o quarto?
– Sim – Aurox respondeu, encontrando o meu olhar pela primeira vez. – Damien ofereceu, e eu não queria ficar sozinho nem dividir o quarto com um desconhecido. Os
outros, bem, eu sempre percebo que eles ficam me olhando de um jeito estranho.
– Deve ser porque você se transforma em um touro – Stark falou sem emoção.
– Acho que você está certo – Aurox desviou o seu olhar do meu e voltou a comer.
– É, bem, isso nos leva a um assunto sobre o qual eu e Stark estávamos falando mais cedo – comecei.
– Sim, a gente estava conversando quando acordou. Juntos. Na mesma cama. Certo, companheira de quarto? – Stark colocou uma ênfase especial no final da frase.
Os meus amigos olharam preocupados para Stark e Aurox. Eu franzi a sobrancelha.
– Stark, todo mundo sabe que eu e você estamos dormindo juntos.
– Eu só queria ter certeza – Stark atacou os seus ovos de novo.
– Enfim – continuei, sentindo minhas bochechas esquentarem. – Stark e eu estávamos falando que é importante garantir que os nossos novatos e vampiros vermelhos –
consegui sorrir para Stevie Rae – tenham algum lugar bem seguro para dormir até que a gente possa voltar para os nossos túneis.
– Rephaim e eu também falamos sobre isso quando ele voltou para o meu quarto e de Shaunee depois do anoitecer – Stevie Rae disse. – Estou pensando a mesma coisa
que vocês: precisamos explorar a escola e encontrar outro lugar que não seja tão acima do solo para os garotos.
– E para você também, certo? – perguntei.
Stevie Rae e Rephaim se olharam antes de ela responder:
– Bem, não. Eu vou continuar dividindo o quarto com Shaunee.
– Apesar de eu tentar fazê-la mudar de ideia – Rephaim falou.
– Ei, você sabe que eu ficarei bem sozinha, não sabe? – Shaunee falou rapidamente. – A noite passada foi difícil, mas eu estou melhor hoje. Eu vou sentir falta dela,
mas sei que a minha gêmea está em um lugar maravilhoso. Ela até disse isso antes de morrer, os sentimentos dela finalmente descongelaram. De um jeito estranho, estou
feliz por ela – Shaunee piscou com força para segurar as lágrimas e sorriu.
– Eu sei, mas a não ser que a gente encontre uma espécie de porão aqui que tenha uma entrada e saída fácil para, bem, um pássaro, você vai ter a minha companhia
no quarto até a gente voltar para os túneis da estação – Stevie Rae afirmou.
– Eu lembro que Dragon já disse algo sobre um depósito para escudos e espadas velhas no porão da escola – Damien disse. – Então, tem que haver algum espaço lá embaixo
que seja pelo menos à prova de água para guardar os preciosos armamentos antigos de Dragon. Vocês sabem que ele nunca deixaria que essas coisas fossem colocadas
em um lugar onde pudessem enferrujar e estragar.
– Bem, pelo menos temos boas notícias. Vou me sentir melhor com todos os novatos e vampiros vermelhos embaixo da terra durante o dia. Senão parece que vocês ficam
tão vulneráveis – afirmei.
Preocupada, eu lembrei que Stevie Rae quase morreu por causa da luz do sol e que isso podia torrar Stark, ela e os outros vermelhos. O fato de ser um novo tipo de
vampiro trazia novos poderes, mas trazia também uma lista bem assustadora de coisas novas que podiam matá-los.
– Eu entendo o que você está dizendo, Z., mas há outro modo de ver a questão da hospedagem dos novatos vermelhos – Damien falou. – Sei que eles descansam melhor
embaixo da terra e ficam mais seguros longe da luz do sol, e um porão seria bom por isso, mas todos também estariam em um lugar que provavelmente tem só uma entrada
e saída. Isso pode não ser tão bom.
Stark levantou as sobrancelhas.
– Droga, Damien, você tem razão. Na estação, a gente não pode cair em uma armadilha porque há vários caminhos para entrar e sair dos túneis. Z., se esses garotos
vão ficar em um porão da hora que o sol nasce até a hora em que o sol se põe, acho que eu, você e Stevie Rae precisamos dormir em outro lugar separado do grupo.
– Parece que há mais de um jeito de ficar vulnerável. Vocês estão certos. Não podemos ficar todos em um só lugar onde podemos ser aprisionados, e acho que principalmente
vocês dois – indiquei Stark e Stevie Rae com a cabeça – precisam ficar separados do grupo principal de novatos. Se algo acontecer, vamos precisar do poder dos vampiros
vermelhos completamente Transformados para ajudar os nossos novatos – suspirei. – Mas eu também não gosto da ideia de todos esses novatos ficarem desprotegidos lá
embaixo enquanto dormem. Será que não poderíamos falar para Darius e Aphrodite se mudarem para lá com eles?
Shaunee bufou.
– Aphrodite em um porão? Duvido. A não ser que você leve um designer lá embaixo para fazer uma decoração luxuosa.
– Eu sei que você é a Grande Sacerdotisa dela e tal, mas ela vai explodir feito louca se você tentar fazer com que ela se mude lá para baixo – Stevie Rae me advertiu.
Por mais que me incomodasse pensar em Aphrodite explodindo feito louca, eu sabia que Stevie Rae estava certa. Eu estava tentando pensar se valeria a pena brigar
por isso quando Aurox falou.
– Eu vou ficar com os novatos – ele afirmou.
Pisquei surpresa para ele.
– Mas você acabou de dizer que queria dividir o quarto com Damien porque os outros garotos olham para você de um jeito estranho.
– Isso não significa que eu quero que eles fiquem sem proteção. Eu raramente durmo, então eu poderia cuidar deles facilmente. E eu gosto de poder ajudar vocês –
ele hesitou e então acrescentou: – A sua avó me ajudou. É justo que eu retribua.
Os seus olhos cor de pedra da lua capturaram o meu olhar até que ouvi a voz de Stark:
– Parece ótimo. E você tem razão. Você realmente precisa nos ajudar.
– Que tal se eu for com você? Assim ainda seremos companheiros de quarto – Damien falou para Aurox. – Parece que eu tenho jeito para lidar com situações embaraçosas.
– Ele tem mesmo – Rephaim concordou. – Damien ajudou os garotos a me aceitarem. Aposto que ele pode fazer o mesmo por você.
– Que observação amável da sua parte! – o sorriso de Damien o iluminou por dentro, e eu pensei em como era bom vê-lo feliz.
– Então está fechado – Stark afirmou. – Ok, Z., você já está quase acabando de comer? Você disse que queria dar uma olhada em Aphrodite e eu preciso ver Darius.
Ele provavelmente sabe onde é o depósito de Dragon. Nós podemos matar dois coelhos e tal.
Dei um olhar demorado para o resto do meu psaghetti, mas ele não pareceu mais tão apetitoso – não com Stark fuzilando Aurox com os olhos, Aurox me dando umas olhadinhas
e todo mundo observando nós três. Matei o meu refrigerante marrom e fiz o meu melhor sorriso falso.
– Terminei! Vamos!
– Enquanto isso, nós podemos reunir os nossos novatos vermelhos – Stevie Rae sugeriu. – Já que Dragon usava o depósito para guardar armas, ele deve ser perto do
ginásio. Que tal nos encontrarmos lá daqui a mais ou menos uma hora?
– Perfeito – concordei.
Stark colocou o braço possessivamente ao meu redor e me tirou rapidamente da nossa mesa. Quando chegamos à porta do refeitório, ele fez uma pausa e me puxou, bem
na frente de todo mundo, e me beijou. Tipo, um beijo de verdade – com língua e tudo.
Ok, eu realmente adoro beijar Stark, mas não sou do tipo que faz demonstrações públicas de afeto. Quero dizer, eu gosto de dar a mão para Stark em público. Eu até
gosto quando ele coloca o braço em volta de mim (o que ele normalmente faz de um jeito bacana, não de um jeito pegajoso feito um macaco-aranha), mas a gente não
se beija em público. Nunca. Então eu realmente fiquei roxa de vergonha quando ele descolou os seus lábios dos meus, colocou o seu braço em volta de mim de novo e
praticamente me arrastou para fora do refeitório, enquanto dava aquele olhar sobre o ombro para a nossa mesa e, é claro, para Aurox.
Tive vontade de dar um tapa na cara dele.
Em vez disso, assim que nós saímos de lá, eu me soltei dele e peguei na sua mão. Tipo normal.
Ele não disse nada. Ele só me deu aquele sorriso fofo e metidinho.
Eu contive um grito de irritação e ignorei a raiva que estava crescendo dentro de mim. Se eu dissesse como ele estava sendo irritante e bobo, isso só iria provocar
uma briga entre nós, e a gente tinha um monte de coisas bem mais importantes para resolver do que o fato de Stark estar agindo feito um babaca ciumento.
Além disso, eu não estava interessada em Aurox. Stark iria perceber isso logo e parar com a sua possessividade – eu esperava que sim.
Mas você está interessada em Heath – uma vozinha terrível sussurrou dentro de mim. E a alma de Heath é compartilhada com Aurox.
Eu lembrei para aquela voz sussurrante que Stark era meu guerreiro, meu Guardião, meu amante e meu amigo.
E Heath?
Ele está morto! Eu disse a mim mesma com firmeza. Mas, mesmo que eu tentasse calar o meu coração e a minha mente, o eco da nossa música do psaghetti ressoou dentro
de mim.
5
 Zoey
– Ela ainda está dormindo – Darius falou em voz baixa, enquanto saía do quarto de Aphrodite e fechava a porta atrás dele com delicadeza.
– Já é bem tarde. Ela está bem? – eu perguntei, sentindo-me estranha parada ali, sussurrando no corredor.
– Ela vai ficar – Darius respondeu. – A noite passada foi difícil para ela.
– Ela ficou muito bêbada? – Stark foi sarcástico.
– O pai dela foi assassinado no campus da nossa escola. Ela bebeu – Darius foi evasivo.
– E agora ela está de ressaca – Stark concluiu.
– E agora ela precisa descansar – Darius o corrigiu, endireitando-se e parecendo mais alto.
Ah, que droga. Só faltava isto: Stark e Darius de picuinha.
– Descansar é uma boa ideia – eu me coloquei entre eles. – Lembro como eu me senti péssima depois que minha mãe foi assassinada. Você também se lembra, não é, Stark?
– perguntei incisivamente.
– Não me lembro de você ter ficado bêbada – ele falou.
– E eu não me lembrava de você julgando os outros! – finalmente cheguei ao meu limite. – Afe, dê um tempo para a garota. O pai dela foi assassinado e a mãe dela
a renegou, tudo na mesma noite. De qualquer ângulo que se olhe para a situação, ela é péssima.
– Ficar chapada não é o jeito certo de lidar com isso – Stark disse.
– Quem disse? Até parece que você tem um milhão de anos de experiência. É melhor deixar quieto – eu falei.
– Foi você quem disse que queria vê-la. E agora você está aqui e ela está na maior ressaca, sem condições de falar com você – Stark rebateu.
– Não, eu disse que queria dar uma olhada nela – eu me virei para Darius. – Ela vai ficar bem?
– Sim, acredito que sim – ele respondeu.
– Pronto – eu me virei de novo para Stark. – Já dei uma olhada em como ela está.
– Não quero ser desrespeitoso, Sacerdotisa, mas será que vocês dois poderiam encontrar outro lugar para brigar? A minha Profetisa realmente precisa descansar – Darius
afirmou.
Os ombros de Stark desabaram e ele esfregou a mão pelo seu rosto.
– Z. e eu não estávamos brigando – ele olhou para mim e deu um sorriso de desculpas. – Pelo menos, eu não queria começar uma briga. Sinto muito.
– Tudo bem – eu falei. – Eu também não quero brigar.
– Ótimo – ele ampliou o sorriso e pareceu voltar a ter aquela personalidade doce e charmosa de sempre. – Ei, Darius, eu não vim até aqui com Z. só porque eu queria
agir feito um babaca.
Darius sorriu.
– Fico feliz em ouvir isso.
– Na verdade, eu vim até aqui perguntar se você sabe algo sobre uma espécie de porão aqui na Morada da Noite. Damien comentou que ele achava que Dragon armazenava
espadas e escudos antigos em algum lugar subterrâneo.
– Eu realmente sei de um lugar assim. Ele fica abaixo da parte principal do prédio da escola. A entrada para ele fica no corredor entre o ginásio e os estábulos.
– Você sabe se tem mais de uma entrada para lá? – eu perguntei.
– Não sei ao certo. Estive lá apenas algumas vezes e rapidamente. Só fui guardar escudos sem uso. Lembro que era um aposento escuro e comprido. O teto é baixo, mas
o chão é de pedra e a construção é robusta, como toda a Morada da Noite.
– Parece perfeito – Stark disse. – Você pode nos mostrar como chegar lá?
– É claro – ele hesitou e olhou por sobre o ombro para a porta fechada do quarto que ele dividia com Aphrodite.
– Você não precisa ficar muito tempo fora – eu assegurei a ele. – Só nos mostre o porão, e então você pode voltar e ver se Aphrodite está pronta para comer algo.
– Um hambúrguer bem grande e gorduroso com batatas fritas é ótimo para ressaca – Stark sugeriu.
Darius sorriu.
– Aphrodite diz que garotas que comem vacas começam a ficar parecidas com elas.
– É a cara dela dizer isso – eu falei. – Você pode tentar levar para ela algo menos bovino e mais tipo gatinha sensual.
– Ei, eu pagaria para ver o que Aphrodite faria se Darius trouxesse para ela uma tigela de chantilly e uma lata de atum – Stark disse.
Nós três rimos enquanto saíamos do dormitório feminino em direção ao ginásio. A noite estava surpreendentemente quente para fevereiro. Pensei que eu até podia sentir
o cheiro da primavera na brisa suave que soprava pelo campus. Eu definitivamente escutei sons que significavam primavera: novatos conversando à luz dos lampiões
e gatos miando para os seus vampiros escolhidos.
Gatos!
– Ah, que inferno! Nala e todos os outros gatos ainda estão na estação. Provavelmente eles estão totalmente surtados porque a gente não voltou para lá – eu lembrei.
– Eles vão ficar bem por alguns dias – Stark falou. – Todos eles têm aqueles alimentadores automáticos grandes e eles gostam de beber água daquele chuveiro da estação
que não fecha direito, lembra?
– As caixas de areia deles vão ficar supernojentas – fiz uma careta, pensando em como a já mal-humorada Nala iria ficar ultramal-humorada por causa disso.
– É, isso vai ser meio repulsivo – Stark disse. Darius resmungou algo, concordando. – Tenho pena da pobre Duquesa, presa lá com todos aqueles gatos.
– Ei, ela está gostando dos gatos – eu o lembrei. – Ela está até dormindo com Cammy, o gato de Damien.
– Todo mundo gosta do gato de Damien – Stark sorriu.
– Se a gente tiver que ficar aqui por mais do que uma noite, eu vou dizer a Thanatos que nós temos que buscar os nossos gatos e Duquesa, não importa o que os policiais
digam – eu afirmei.
– Nós não somos criminosos. Não fizemos nada de errado e deveríamos ter permissão para sair, para retomar as nossas vidas normais – Darius soou frustrado.
– E mesmo assim estamos basicamente trancados aqui – eu falei.
Nenhum dos dois tinha nada a dizer sobre isso. O que poderia ser dito? A verdade era que uma imortal louca, que podia ser ainda mais um espectro do que um corpo
sólido, provavelmente havia acabado com o prefeito. Como poderíamos provar isso? E mesmo que a gente conseguisse provas, será que a polícia humana iria acreditar
nas nossas evidências ou tudo aquilo era louco demais? A resposta verdadeira, porém deprimente, era: eles não iam acreditar porque tudo aquilo era muito, muito louco.
Darius havia lembrado corretamente: o porão era comprido e escuro e tinha um chão frio de pedra. Não havia nenhuma luz elétrica lá embaixo, apenas lampiões a gás
pendurados em ganchos de ferro bem velhos, entre as espadas e os escudos fixados nas paredes de pedra. Quando Darius e Stark acenderam as lamparinas, a luz dançou
nas superfícies metálicas como se fossem seres vivos.
– Isto aqui podia ser um cenário de Game of Thrones – eu afirmei.
– O que é incrível – Stark disse.
– Só se “incrível” quiser dizer tipo um calabouço assustador – eu falei.
– Mas é seco e subterrâneo – Stark argumentou. – Ei, na verdade há algumas tomadas aqui embaixo. Colocamos divisórias para os quartos, trazemos sacos de dormir,
pufes e algumas TVs com DVDs e isto aqui vai ser melhor do que acampar.
– Isso não quer dizer muito. Quase qualquer coisa é melhor do que acampar – eu contra-argumentei.
– Ficar torrado pelo sol não é melhor do que acampar – Darius opinou.
– Tenho que concordar com você – Stark disse.
– Ei, será que essas pedras são de verdade? – perguntei, hipnotizada pelo cabo de uma das espadas, que era incrustado com joias (ou contas de vidro) brilhantes.
– Pode ter certeza que sim, Sacerdotisa – Darius respondeu. Todas as pedras são de verdade.
– Caramba! – exclamei. – Elas são lindas e devem valer uma fortuna. Por que Dragon guardava essa riqueza aqui embaixo? Tudo isso não deveria estar exposto em algum
lugar, ou trancado em um cofre, ou algo assim?
– Eu já ouvi Dragon comentar que não achava que deveríamos exibir todas as nossas riquezas para todos verem – Darius lembrou.
– Mas isso não combina com Neferet. Ostentar riquezas é a cara de Neferet, e ela era a Grande Sacerdotisa dele – Stark ponderou.
– Não sei ao certo se Neferet sabia sobre este esconderijo de armas. Isto aqui era algo que Dragon controlava. Não me lembro de já ter visto Neferet vindo aqui ou
de tê-la ouvido falar sobre alguma dessas espadas ou escudos antigos – Darius falou devagar, como se estivesse raciocinando em voz alta. – Ela tinha pouco interesse
em armas, apenas no seu próprio poder.
– Você quer dizer que acha que ela não sabe da existência deste lugar? – eu perguntei.
– Pode ser que ela não saiba – Darius respondeu.
– Isso seria ótimo para nós – Stark disse. – Isso não apenas significa que ela não conhece o porão, mas também que há uma fortuna em joias e ouro pendurada nessas
paredes, como Zoey disse.
– Mas cada Morada da Noite é rica de modo independente. Por que nós iríamos precisar de uma fortuna escondida em joias e ouro? – Darius quis saber.
– Cada Morada da Noite é rica – eu respondi. – Mas nós já começamos a romper com a escola quando deixamos de morar no campus. E se os problemas entre os humanos
e os vampiros piorarem por causa da morte do prefeito? Vocês sabem se os policiais poderiam congelar as nossas contas?
Darius balançou a cabeça.
– Eu não sei.
– Também não tenho ideia. Eu ainda tenho o mesmo cartão de débito que eu usava quando estava na Morada da Noite de Chicago – Stark contou. – Nunca nem pensei nisso.
– Nós temos que pensar nisso – eu afirmei. – Todos nós costumamos achar que o jeito com que a Morada da Noite toma conta de nós nunca vai mudar.
– Não posso acreditar que o Conselho Supremo dos Vampiros iria ficar em silêncio e nos deixar à deriva em meio ao sistema de leis dos humanos – Darius opinou.
– Mas, se isso acontecer, nós vamos precisar de segurança e dinheiro. Definitivamente, há dinheiro pendurado nessas paredes, e também pode haver segurança aqui embaixo,
se Neferet não souber da existência deste lugar – pensei por um segundo e então acrescentei: – Aposto que Kalona pode responder com certeza se ela conhece este porão
ou não.
– Bem, então vamos perguntar para o imortal alado – Stark sugeriu.
– Não gosto de pensar em romper totalmente com a Morada da Noite – Darius falou com ar sério. – Mas eu concordo com o seu raciocínio. Vamos falar com Kalona.
Nós três saímos apressados do porão e resolvemos que seria mais inteligente se a gente discretamente voltasse até o prédio principal da escola e então fosse de lá
até a área do ginásio, onde ficava o antigo escritório de Dragon Lankford, que agora pertencia a Kalona.
– Não precisamos que ninguém fique reparando em nós entrando e saindo daquele corredor – Darius afirmou.
– Pois é, assim a gente iria acabar atraindo atenção para o corredor – eu concordei com ele. Com mais entusiasmo do que o necessário, forcei um sorriso e acenei
para Kramisha e Shaylin quando elas saíram do refeitório. – Espionagem... – resmunguei e suspirei.
– O que é que tem? – Stark quis saber.
– Sou péssima nisso – respondi.
Ele pegou a minha mão e Darius estava rindo baixo quando nós viramos à direita para pegar o corredor até a frente da escola. Nessa hora nós três paramos, ofuscados
pela claridade que nos fez enxergar pontinhos de luz, e ficamos olhando embasbacados para o pequeno grupo no lobby de entrada.
– O que está rolando? Aquilo é uma câmera? – Stark perguntou.
– Que ótimo! Ali está um dos novos vampiros vermelhos. Sigam-me! – uma mulher segurando o microfone gesticulou para o cameraman e para os dois caras que estavam
segurando as luzes e veio na nossa direção.
Aquelas luzes brilhantes e desconfortáveis se aproximaram de nós, junto com a mulher, a equipe de gravação e Diana, a vampira que trabalhava como uma espécie de
secretária da escola e que normalmente era calma e impassível em relação a tudo, mas que estava muito agitada.
– Aiminhadeusa! Eu vi a van da Fox23 lá fora, mas não imaginei que você estaria aqui! – Damien gritou quando ele irrompeu no saguão, vindo do corredor que dava no
refeitório. – Chera Kimiko! Eu mal posso acreditar! Eu sou tão fã seu!
Eu franzi os olhos por causa das luzes das câmeras. Que droga! Era a âncora da Fox News. O meu primeiro pensamento foi: Uau, ela é ainda mais bonita pessoalmente.
Já o meu segundo pensamento não foi tão positivo: Uau, se o canal Fox23 enviou a Chera até aqui, deve haver muito cocô no ventilador.
– Muito obrigada! Eu realmente sou muito grata a todos os meus fãs – Chera estava conversando com Damien, que estava sorrindo feito bobo para ela, totalmente extasiado
por estar perto de uma celebridade.
– Damien, por que você não vai contar a Thanatos que há uma repórter aqui? – eu sorri e dei um empurrãozinho nele na direção da escadaria que levava ao escritório
de Thanatos.
– Ah, claro! Eu já volto! – quando Damien estava passando por Chera, ele sorriu e acrescentou: – Eu realmente te amo!
Chera deu um lindo sorriso para ele e abriu os braços.
– Damien, você é um querido. Que tal um abraço?
– Aiminhadeusa, sim! – o sorriso de Damien iluminou o seu rosto enquanto ele abraçava Chera.
Eu a ouvi sussurrar para ele:
– Adam me pediu para te mandar um oi.
– Ooooh! Fale pra ele que eu mandei um oi também! – Damien terminou de abraçá-la e então saiu apressado em direção ao escritório de Thanatos.
Juro que, se ele fosse um cachorrinho, iria ficar abanando o rabinho até morrer.
– Você é o primeiro vampiro vermelho que eu vejo pessoalmente! Suas tatuagens são muito bonitas – Chera e a câmera agora estavam focadas em Stark.
– É, ahn, eu sou um vampiro vermelho – Stark falou, alternando nervosamente o olhar entre a câmara e Chera.
– O seu nome é Stark, certo? – Chera perguntou para ele.
– Certo.
Bem consciente da câmera, que estava piscando a luz vermelha de gravando, eu abri a boca para tentar pensar em algo para dizer que não terminasse comigo gritando
histericamente, puxando Stark e saindo correndo, mas Chera estava observando Stark com atenção, sorrindo e parecendo fascinada por ele enquanto examinava a sua Marca.
Ela se aproximou mais dele. Soando amigável e totalmente inofensiva, ela disse:
– O padrão da sua tatuagem é intrigante. Parecem flechas. Você não é de Broken Arrow4, é?
– Ahn, não. Eu sou de Chicago.
– As flechas simbolizam algo?
– Bem, acho que sim. Eu sou um ótimo arqueiro – ele respondeu.
Chera virou seus grandes olhos castanhos para mim e sorriu como se nós fôssemos melhores amigas.
– As suas tatuagens também são incríveis. E elas estão por todo o seu corpo! Acho que estou vendo pássaros e flores e, uau, até chamas e ondas dentro desses desenhos
cheios de filigranas. Você deve ser uma jovem vampira muito especial.
Eu abri a boca para responder, mas não tinha ideia do que dizer. Se Chera tivesse sido direta e insistente como alguns repórteres, teria sido fácil dizer “nada a
declarar” e sair andando, mas ela parecia realmente agradável e apenas com uma curiosidade respeitosa. Soando tão nervosa quanto Stark, eu falei:
– Bem, eu não me sinto muito à vontade com o rótulo de especial, apesar de a nossa Deusa ter me Marcado com tatuagens extras.
– Ah, entendi – Chera fez um gesto para o cameraman. – Jerry, corte essa parte – então ela voltou a sua atenção para mim. – Desculpe. Eu não estou aqui para deixar
ninguém desconfortável.
– Por que você está aqui? – eu perguntei.
– Para captar a reação de vocês ao assassinato do prefeito de Tulsa.
– Nós não matamos o prefeito – eu afirmei.
– Eu não quis acusar vocês! De jeito nenhum! – Chera nos garantiu, parecendo realmente sincera.
– Alguém está fazendo acusações? – Thanatos chegou apressada, seguida de perto por Damien.
Chera olhou para o cameraman.
– Jerry, pare de gravar, por favor – ela estendeu a mão para Thanatos. – Grande Sacerdotisa, eu sou Chera Kimiko, do canal Fox23 News.
Thanatos apertou a mão dela.
– Eu sou Thanatos, Grande Sacerdotisa desta Morada da Noite. E eu a conheço da TV, Srta. Kimiko.
– Por favor, pode me chamar de Chera. Eu não estou aqui para acusar ninguém de nada. Só estou tentando mostrar a história inteira, a verdadeira história por trás
da morte de Charles LaFont – ela estendeu a mão na direção de um dos caras da iluminação. – Andy, alcance-me o meu iPad.
O rapaz entregou o iPad para Chera, que tocou na tela e o levantou para que nós pudéssemos ver a mãe de Aphrodite sendo entrevistada por um homem de aparência preocupada,
que usava um terno que não lhe caía muito bem.
– Sra. LaFont, por favor, aceite as nossas condolências pela morte do seu marido, o nosso querido prefeito – o repórter disse.
– Eu agradeço, mas não vou ficar em paz até que o vampiro assassino do meu marido seja levado à Justiça.
Diana e eu ofegamos. Thanatos pareceu virar pedra. Darius e Stark pareciam que iam explodir. Mas a mãe de Aphrodite, a Sra. LaFont, estava bonita, devastada e enfática
de um modo hipnotizante, com seu elegante vestido preto e suas pérolas. Ela esfregou levemente os cantos dos seus olhos azuis cheios de lágrimas com um lenço rendado
antes de continuar.
– Então a senhora tem certeza de que o seu marido foi morto por um vampiro? – o repórter a encorajou.
– Certeza absoluta. Eu estava lá. Eu encontrei o seu corpo sem sangue, depois que ele sofreu toda sorte de brutalidade – a Sra. LaFont desviou os olhos do repórter
e se virou diretamente para a câmera. – Alguma coisa tem que ser feita em relação à Morada da Noite.
A entrevista foi interrompida pelo comercial e Chera tocou no canto da tela para desligá-la.
– O único lado que está sendo ouvido é o da Sra. LaFont e, apesar de eu compreender a perda dela, sou uma jornalista e acredito que a história inteira tem que ser
contada.
– Srta. Kimiko, não há nenhum drama, nem intrigas, nem a história de um assassinato sendo escondida aqui. Só há estudantes, professores e um dia sem aulas por causa
dos eventos trágicos da noite passada.
– Por favor, Thanatos, não me veja como uma inimiga. Permita que eu conte o resto da história e faça imagens dos seus estudantes apenas fazendo atividades normais.
Permita que eu mostre a Tulsa quem vocês são de verdade. Eu sempre acreditei que o medo e o ódio são alimentados pela ignorância – Chera falou seriamente, sustentando
o olhar de Thanatos sem vacilar. – Se a nossa cidade não tem motivos para ter medo da sua Morada da Noite, permita que a minha câmera mostre isso. Vamos educar Tulsa.
– Chera, realmente parece que as suas intenções são boas, mas, como eu já disse, os nossos estudantes não estão fazendo suas atividades normais hoje.
– Com licença, Thanatos – Damien levantou a mão.
– Sim, Damien. O que foi?
– A maioria dos novatos ainda está tomando café da manhã no refeitório. Isso é uma atividade normal da escola.
– Eu adoraria fazer imagens dos seus estudantes lá! – Chera exclamou.
– Muito bem. Damien, você pode acompanhar a Srta. Kimiko até o refeitório. Eu vou encontrar vocês, mas não vou aparecer para que ela possa gravar uma cena autêntica
no refeitório.
– Aaaah! Isso vai ser fantástico! – Damien disse efusivamente.
– É exatamente o que eu penso – Chera sorriu para ele.
– Srta. Kimiko, nós vamos gravar só no refeitório. Isso é o máximo de interferência de fora que a minha escola pode tolerar hoje – Thanatos afirmou.
– Eu compreendo e agradeço pela oportunidade – Chera falou.
– Então Damien pode mostrar o caminho até o nosso refeitório – Thanatos disse. – Zoey, Stark, Darius, dispensados.
Aliviada por não sermos mais o centro das atenções, assenti para Thanatos e nós três saímos apressados na direção da porta, apesar de eu sentir o olhar curioso de
Chera nos seguindo.
– Vocês concordam com aquela frase de que “qualquer publicidade é boa”? – Darius perguntou.
– Não! – Stark e eu respondemos juntos.
Kalona
O imortal alado detestou o fato de o humano ter sido assassinado. Não que ele se importasse por aquele homem ter perdido a vida. Pelas informações que Kalona colheu
com os outros, o prefeito tinha sido um ser humano fraco, tolo e inútil. Kalona só se preocupava que aquilo tivesse ocorrido enquanto ele era o guerreiro da Grande
Sacerdotisa da Morte e que o humano tivesse morrido durante a sua vigilância.
Kalona também odiava o fato de Neferet obviamente ser a assassina. Com um grunhido de irritação, Kalona se recostou na confortável cadeira de couro e arremessou
um punhal no alvo lascado que estava pendurado na parede em frente à mesa de Dragon Lankford. O punhal atingiu bem o centro do alvo cor de sangue.
– Eu devia ter sido mais cuidadoso. Eu devia saber que a Tsi Sgili ia encontrar um meio de recuperar a sua forma corpórea e voltar para começar a sua vingança –
enquanto falava, ele atirou outro punhal, que ficou bem ao lado do primeiro. – Mas, em vez de proteger, eu estava me escondendo – ele pronunciou a palavra como se
ela tivesse um gosto ruim – para que os humanos locais não ficasse chocados ao me ver – ele deu uma risada sem humor. – Não, em vez de eles ficarem chocados comigo,
eles foram regalados com duas mortes.
Kalona estendeu a mão para pegar outro punhal e esbarrou no delicado girassol de vidro que estava dentro de um vaso de cristal, no qual havia uma imagem de Nyx com
os braços levantados envolvendo a lua crescente. Aquele movimento fez o vaso balançar, perder o equilíbrio e tombar em direção ao chão de pedra.
Uma bola de luz, brilhante como o sol, explodiu dentro do escritório. O tempo ficou suspenso. O vaso e a flor fizeram uma pausa em sua queda, pairando logo acima
do imperdoável chão de pedra.
Uma mão bronzeada da cor do ouro polido saiu da bola de luz e colheu do ar primeiro a flor e depois o vaso com a imagem da Deusa, colocando-os de volta sobre a mesa.
– Irmão, você precisa de um emprego – Kalona disse sarcasticamente.
– Eu já tenho um – Erebus respondeu, saindo da bola de luz. Ele se sentou de modo irreverente na beira da grande mesa de madeira de Dragon Lankford. – Eu protejo
aquela que é bela e extraordinária – ele fez um gesto indicando o vaso.
Kalona bufou.
– Você está comparando Nyx a um vaso? Não sei se a Deusa iria gostar disso.
– É uma comparação válida – Erebus rebateu. – O vaso é belo e extraordinário, e você o tratou sem cuidado. Se eu não tivesse intercedido, ele teria se despedaçado.
– Quem se despedaçou fui eu, não Nyx.
– Tem razão. É absurdo comparar a Deusa a um vaso. Nyx não poderia nunca se despedaçar tão facilmente, principalmente porque ela vai me ter eternamente como o seu
protetor – Erebus afirmou.
– Você? O protetor de uma Deusa? – a risada triste de Kalona encheu o aposento com a frieza da luz da lua de inverno, apagando um pouco do brilho de verão de Erebus.
– Irmão, você sempre vai ser apenas uma coisa só, e não é um guerreiro. Eu era o único de nós que podia desempenhar mais do que um dever para a Deusa.
– O amor não é um dever – Erebus rebateu.
– Não é? Não pensei que eu sabia mais sobre o amor do que você, mas eu realmente sei que manter o amor vivo e não deixar que a sua luz se apague às vezes é um dever.
– Não me espanta que você não tenha conseguido ficar com ela – Erebus disse. – Amar uma Deusa nunca deve ser um dever, não importa em quanta retórica você tente
envolver essa palavra.
– Foi você que não conseguiu ficar com ela. Se você satisfizesse Nyx tão completamente, por que ela se voltaria para mim? – Kalona sorriu para o seu irmão.
A luz de Erebus se escureceu mais.
– E agora o mais próximo de Nyx que você consegue chegar é da imagem dela em um vaso.
– Mas você não vai me deixar em paz. O que foi, irmão? Você está com medo de que ela se volte para mim de novo?
Erebus bateu com força na mesa, imprimindo com o seu calor a marca da sua palma na madeira. Kalona não se retraiu nem desviou os olhos do seu irmão, apesar de a
visão de Erebus ardendo com a luz de seu pai ter ofuscado os olhos iluminados pela lua de Kalona.
– Eu só estou aqui porque você cometeu um erro terrível de novo.
Kalona se recostou na cadeira e cruzou os braços sobre o peito.
– Não nego que eu já cometi uma longa lista de erros. Ao contrário de você, eu nunca disse que era perfeito. Qual erro, dessa longa lista, você quer discutir?
– Os seus erros, de fato, são vastos. A sua lista de malfeitos contra a humanidade, os vampiros e a Deusa é longa. Mas eu não tenho tempo nem vontade para relatar
todos detalhadamente. É sobre o seu último erro que eu preciso falar. Você permitiu que uma Grande Sacerdotisa de Nyx perturbada se voltasse para as Trevas e se
transformasse em um instrumento do mal. Essa Sacerdotisa problemática virou imortal e indescritivelmente poderosa.
– Neferet já estava interessada nas Trevas bem antes de saber da minha existência.
– Neferet era uma menina ferida que se tornou uma novata ferida. Os seus sussurros foram responsáveis por atraí-la para esta terra e por alimentar a necessidade
dela por controle e poder, e finalmente você foi responsável por estimular o caminho dela até a imortalidade e o seu declínio para a loucura.
– Você está errado. Você não sabe nada sobre Neferet. A Sacerdotisa já era problemática e louca antes de começar a ouvir os meus sussurros.
– Eu sei que Neferet causou muita dor à Deusa, e isso significa que ela deve ser contida – Erebus afirmou.
Kalona riu de novo.
– E agora você prova sem sombra de dúvidas que não sabe nada sobre Neferet. Ela escolheu o caminho do caos. Nem a morte pode dissuadi-la.
– Mas você vai dissuadi-la.
– Você é um tolo... Há uma semana, o Receptáculo Aurox, totalmente transformado na forma mágica de uma besta, espetou Neferet com seus chifres e a atirou da cobertura
de um edifício tão alto quanto uma montanha. Na noite passada, Neferet recuperou o suficiente da sua forma física para se manifestar neste campus, fazendo com que
uma novata rejeitasse a Transformação, e matou um humano adulto. Então ela desapareceu de novo. Ela é imortal. Não pode ser morta – Kalona contou.
– Ainda assim, algo precisa ser feito com ela. Você abriu a porta do poder imortal para ela, agora trate de fechá-la.
Kalona balançou a cabeça, acumulando a luz fria da lua próxima a ele.
– Quem é você para me dar ordens? Você é meu irmão, não minha Deusa.
– Eu falo pela sua Deusa! – a luz de Erebus resplandeceu, brilhando tão intensamente que nem Kalona pode deixar de reconhecer o poder divino emprestado de Nyx que
ele ostentava. – Quando você caiu do Mundo do Além, descarregou o seu ódio destruindo os humanos que tentaram ajudá-lo até que Nyx escutou os gritos deles e atendeu
as preces das Sábias Cherokee, permitindo que elas usassem o Divino Feminino dentro delas. Assim foi criada A-ya, aquela que o aprisionou por gerações.
– Eu lembro bem do que aconteceu – Kalona rosnou. – Não preciso de você nem de Nyx para me lembrarem dessa época sombria.
– Silêncio, seu tolo! Eu trago um édito de Nyx! – Erebus brilhou intensamente. – Eu não quero lembrá-lo dessa época. Eu quero lembrá-lo da razão por trás disso.
Você rejeitou a sua Deusa e, em sua tentativa de substituí-la, você usou muitas mulheres e as deixou de lado, até que A-ya foi criada. Então você reconheceu a centelha
de Nyx dentro dela. Foi por isso que você ficou vulnerável a ela. Foi por isso que você a amou.
Kalona desviou os olhos de Erebus. Houve um tempo, em um passado não tão distante, em que ele teria negado as palavras do seu irmão com arrogância e usado o seu
próprio poder imortal para expulsá-lo do plano mortal e mandá-lo de volta para o Mundo do Além.
Mas Kalona havia mudado. E a verdade no que o seu irmão estava dizendo o chamuscaram mais do que a luz ardente que Erebus havia herdado de seu pai, o sol.
Então o imortal alado permaneceu em silêncio, imóvel feito uma estátua, enquanto as palavras pronunciadas por Erebus e tocadas pela Deusa continuavam a abatê-lo.
– Mas você não iria continuar preso por muito tempo. Mesmo sepultado pela terra, envolto nos braços daquela que recebera o sopro de vida de Nyx, você ainda ansiava
por aquela que havia perdido por causa de sua arrogância. Então você começou a enviar seus sussurros nauseantes, buscando outra que houvesse sido tocada por Nyx,
alguém que pudesse preencher o vazio dentro de você. Desde o momento em que foi Marcada, Neferet era especial para Nyx por causa dos horrores a que ela havia sobrevivido,
e não apesar deles. Mas ela era, de fato, uma jovem novata vulnerável. Foi por isso que Neferet foi suscetível ao seu chamado. Foi por isso que, depois que ela completou
a Transformação, você a convenceu a libertá-lo.
Kalona queria fugir das palavras dolorosas do seu irmão, mas algo dentro dele o obrigava a ficar e ouvir o édito de Nyx que Erebus havia sido enviado para proclamar.
– E como Neferet também era apenas tocada pela Deusa e não a encarnação de Nyx, ela falhou em preencher o seu vazio interior. Essa falha se transformou em veneno.
Você nega ter pensado que a amava, assim como pensou ter amado a virgem A-ya?
– Eu não nego nada, assim como também não admito nada. Proclame o seu édito e desapareça. Já estou farto das suas palavras.
– Olhe dentro de si mesmo. Não é das minhas palavras que você está farto. No dia em que você admitir a verdade sobre o seu passado e aceitar toda a responsabilidade
por todo o mal que você provocou a este mundo, o seu fardo vai se tornar mais leve – a raiva na voz de Erebus se suavizou, apesar de o poder no seu semblante realçado
pela Deusa continuar a resplandecer. – Então você encontrou a novata Zoey Redbird e ficou instantaneamente atraído e irritado pela conexão dela com Nyx. Você queria
seduzi-la e destruí-la.
– Mas eu não fiz nada disso!
– Só porque a conexão de Zoey com Nyx é de fato muito forte e, ao contrário de A-ya, ela é uma mulher totalmente formada e com vontade própria e, ao contrário de
Neferet, ela não tinha problemas. O coração de Zoey Redbird é leal e verdadeiro. Mas os seus atos quase a destruíram. Não esqueça que você despedaçou a alma da garota.
Não esqueça que você invadiu o Mundo do Além, despertando a fúria de Nyx. Por causa disso a própria Deusa intercedeu a favor de sua filha.
Kalona desviou o olhar novamente, lembrando aquele momento breve e agridoce quando ele esteve na presença de Nyx mais uma vez.
Ela não o havia perdoado e Kalona havia chorado lágrimas de amargura e arrependimento.
– Neferet aprisionou a minha alma e usou o poder das Trevas para me obrigar a obedecer as suas ordens. Eu não invadi o Mundo do Além porque quis.
– Neferet de novo. Foi a sua influência que fez aquela criatura. Você tem a responsabilidade de detê-la. Este é o édito da Deusa! – Erebus abriu os braços em um
gesto largo. A luz amarela do sol tremulou e começou a escrever palavras fulgurantes no ar:
Ele, que já foi amado por mim,
deve derrotar aquela que já me amou.
Com esta ordem eu intervenho.
O guerreiro da Morte deve proteger aqueles que precisam.
Se o seu coração se abrir e se desnudar de novo,
o perdão pode superar o ódio, e o amor pode vencer... vencer...
Erebus apoiou as mãos na mesa de madeira e se inclinou para a frente, de modo que o seu rosto e o de Kalona ficaram separados apenas por alguns centímetros. Kalona
podia sentir o calor que emanava do corpo iluminado pelo sol de Erebus e o cheiro de um dia de verão no hálito dele.
– Eu diria que espero que você falhe, mas eu não preciso desperdiçar a minha esperança. Uma imortal não pode ser derrotada sem um sacrifício igual ou maior do que
a imortalidade. Você é capaz de grande ódio, de grande violência, de grandes batalhas. Mas você nunca foi capaz de um grande sacrifício. Você vai falhar. Nyx vai
continuar a sentir a dor que os seus erros causaram, e eu vou continuar a consolá-la.
Finalmente a raiva de Kalona foi grande demais para que ele conseguisse contê-la. Com um rugido, ele se levantou, derrubando a sua cadeira. Ele juntou as mãos com
força, em uma palmada poderosa que liberou uma explosão congelada de luz da lua. A luz fria e prateada extinguiu a bola de luz do sol de Erebus. Com um chiado parecido
com o barulho de uma espada encontrando as águas da forja de um ferreiro, Erebus desapareceu.
Alguém bateu na porta, e a voz de Darius foi ouvida facilmente naquele silêncio súbito.
– Kalona? Podemos falar com você?
6
 Kalona
Kalona levantou a cadeira que tinha caído, sentou-se, arrumou o cabelo e inspirou profundamente antes de dizer:
­– Pode entrar.
Quando viu que Zoey e Stark vinham logo atrás de Darius, ele teve que conter um gemido de irritação. Apesar de aparentemente ele e Zoey terem entrado em uma trégua,
as coisas não eram assim tão simples entre eles. Stark, é claro, há muito tempo era um problema. Kalona supunha que o fato de ele o ter atravessado com uma lança
e o matado no Mundo do Além não ajudava a melhorar a atitude do rapaz.
– Uau – Zoey exclamou, olhando para o girassol de vidro e o vaso e depois para a tapeçaria enorme que ocupava toda a parede atrás dele, a qual representava um navio
negro com um dragão rugindo na proa. – É muito estranho ver todas as coisas de Dragon aqui e você aí – ela apontou para Kalona, sentado atrás da mesa do Mestre da
Espada.
– É desconcertante – Darius falou em voz baixa, como se ele não quisesse comentar, mas não tivesse conseguido evitar.
– É mais do que perturbador – a voz de Stark soou pretensiosa, como se ele quisesse provocar o imortal.
É o pedaço de imortalidade que ele compartilha comigo que o torna tão convencido e tão irritante, Kalona pensou. Fico imaginando se esse garoto continuaria assim
tão pretensioso se ele soubesse que essa lasca de imortalidade é um canal que me dá acesso à sua alma.
Kalona agiu como se nenhum deles tivesse falado nada, mas tomou uma nota mental para depois se livrar dos pertences do Mestre da Espada. Já havia passado da hora
de abrir espaço para coisas novas.
– Você disse que queria falar comigo, Darius?
– Sim, eu quero. Nós queremos – ele se corrigiu.
– Você sabe se a escola tem um porão? – Stark perguntou.
Kalona balançou a cabeça.
– Nunca vi, mas o edifício da Morada da Noite é uma construção antiga, então suponho que seja lógico que exista um porão aqui.
– Então você e Neferet nunca estiveram nos subterrâneos daqui? – Zoey quis saber.
Ele encontrou o olhar dela, procurando por uma virgem ancestral no fundo daqueles olhos negros.
– A experiência de ficar embaixo da terra se mostrou complicada para mim, e eu não tenho intenção de repeti-la tão cedo – Kalona falou intencionalmente com uma voz
profunda e sarcástica.
– Você não respondeu a pergunta – Stark deu um passo para a frente, colocando-se de modo protetor entre Kalona e Zoey.
Kalona sorriu ironicamente para o garoto.
– Talvez você não tenha entendido a minha resposta.
– Sério? Acho que não. As suas respostas são péssimas na maioria das vezes – Stark rebateu.
– Então pare de fazer perguntas.
Quando Stark avançou, procurando pegar o arco que ele normalmente levava pendurado nas costas, Zoey segurou o seu pulso e o puxou para trás.
– Isso não está ajudando em nada – ela falou.
– Foi ele que começou! – Stark gritou.
– Ele está fazendo isso de propósito porque sabe que você vai reagir – Zoey disse a ele. Então ela franziu os olhos para Kalona. – Pare com isso. Agora. A gente
precisa falar com o guerreiro da nossa escola, não com um espertinho com asas.
– Então você deveria ter colocado uma focinheira no seu animal de estimação – Kalona falou calmamente.
– Não, eu deveria ter contado que há uma equipe de jornalistas de Tulsa no refeitório gravando imagens dos novatos como garotos normais e não como demônios sugadores
de sangue, então a gente não tem tempo para essas picuinhas de egos. Isso significa que eu não deveria ter que lembrá-lo de que você fez um Juramento de proteger
a nossa escola, bem como a Grande Sacerdotisa da Morte. Thanatos ainda é a nossa Grande Sacerdotisa, portanto você deve a nós o seu Juramento! – a voz de Zoey no
começo soou como a de uma garota irritada e depois se preencheu tanto do poder do espírito que arrepiou os pelos nos braços de Kalona e fez a sua pele automaticamente
estremecer. – Eu estou aqui fazendo uma pergunta que tem a ver com a nossa segurança. Você vai me responder e parar com esses joguinhos idiotas.
Kalona teve o cuidado de esconder o seu sorriso. Esta era a Zoey de que ele mais gostava. Esta era uma Grande Sacerdotisa jovem e forte que era totalmente adequada
para portar o poder de Nyx.
Kalona cruzou o punho sobre o coração e começou a se curvar em uma saudação formal, demonstrando o devido respeito de um guerreiro por uma Grande Sacerdotisa. Ele
abriu a boca para falar quando uma voz dolorosamente familiar sussurrou através de sua mente:
Você deveria se lembrar de que ela não sou eu...
O corpo de Kalona deu um pulo como se ele tivesse sido queimado por um ferro em brasa. Então ele fez uma pausa, com o coração disparado, sem saber se gritava de
alegria ou se caía de joelhos e chorava. Nyx havia falado com ele!
– Kalona? O que está acontecendo?
O imortal piscou para clarear a visão e viu os três jovens o encarando. Os homens estavam-no observando com desconfiança. Ambos haviam se colocado à frente da Sacerdotisa.
Zoey o estava examinando com uma expressão que quase parecia de preocupação.
Kalona respirou fundo. Ele fechou a sua mão em punho e, de novo, curvou-se formalmente para ela. Então ele se forçou a sentar e relaxar as pernas.
– As suas palavras me envergonharam, Sacerdotisa. Eu reconheço a minha responsabilidade de proteger esta escola. Por favor, sentem-se – quando ele indicou as cadeiras
em frente à mesa, a sua mão tremeu. – Pergunte o que deseja de mim.
– Ok... – Zoey pronunciou a palavra demoradamente, deixando claro que não acreditava na tentativa de Kalona de disfarçar os sentimentos intensos que corriam dentro
dele. Mas ela e os jovens se sentaram, apesar de eles continuarem a observá-lo com cautela. – Seguinte – ela soou como uma garota comum de novo. – Nós estamos perguntando
a você sobre o porão da escola porque precisamos saber se Neferet conhece a existência dele.
Kalona concentrou os seus pensamentos caóticos na pergunta dela.
– Neferet nunca mencionou um porão para mim.
– O que não significa necessariamente que ela não saiba que exista um porão – Zoey afirmou.
– De fato, não significa que ela não saiba – Kalona concordou. – Vocês estão cientes de que eu tenho aversão por ficar embaixo da terra.
– E aí? Vocês dois eram amantes. Por que ela iria falar sobre um porão com o seu amante claustrofóbico? – Stark disse.
– Ele é mais do que claustrofóbico – Zoey falou. – Os seus poderes ficam diferentes se ele está embaixo da terra. É como se o solo o exaurisse. Foi assim que Neferet
o obrigou a ir atrás de mim no Mundo do Além. Ela o manteve aprisionado embaixo da terra. Certo? – ela perguntou para Kalona.
– Certo. As Trevas obedecem Neferet. Ela usou isso para obrigar o meu espírito a ir até o Mundo do Além enquanto eu estava fraco demais para combatê-la.
– Ei, vamos deixar as coisas bem claras: Neferet pode tê-lo aprisionado e o obrigado a ir até o Mundo do Além, mas você não tinha que atacar Zoey ou a mim quando
estava lá. Isso foi escolha sua.
– Você está certo. Embora você deva saber que, se eu não obedecesse à ordem dela, Neferet iria continuar mantendo o meu espírito afastado do meu corpo indefinidamente.
– Você é imortal. Ao contrário de Zoey, isso não iria matá-lo – Stark afirmou.
– Não, isso não teria me matado. Teria me enlouquecido – Kalona encontrou o olhar de Zoey. – Acho que você pode imaginar. O seu espírito foi despedaçado e ficou
fora do seu corpo. Você sabe o que estava acontecendo com a sua sanidade.
O rosto da jovem Sacerdotisa empalideceu.
– É, eu sei. Foi bem ruim. Muito ruim mesmo.
– O que não faz as coisas que ele fez se tornarem melhores – Stark argumentou.
– Faz com que se tornem compreensíveis – Darius falou. – Stark, eu ouvi o que você disse. Você quer que a gente se lembre do passado de Kalona, mas ele fez um Juramento
que o tornou nosso aliado. Nós também precisamos nos lembrar disso.
– Eu não comando mais as Trevas – Kalona disse. – Isso deveria ser para você a maior prova de que a minha lealdade está bem longe das Trevas.
– Veja só, você diz que a sua lealdade está bem longe das Trevas em vez de dizer que a sua lealdade é conosco ou mesmo com Nyx. Tenho que ser honesto, isso me incomoda
– Stark observou.
– Stark está certo. Isso também me incomoda – Zoey concordou. – Não sei se algum novato da Morada da Noite poderia comandar as Trevas ou não, mas isso não significa
que estão todos do nosso lado. Na verdade, a gente sabe que um monte de novatos vermelhos não está.
Kalona inspirou profundamente e então, surpreendendo a si mesmo tanto quanto a eles, contou a verdade a Zoey, Stark e Darius.
– Eu escolhi a Deusa, mas Nyx ainda me rejeita. Eu não posso nem entrar no seu templo. Ela não me perdoou – ele balançou a cabeça, olhando fixamente para a imagem
dela no vaso de cristal. – Eu não a culpo por isso. Eu não mereço o perdão dela. Mas isso não muda a escolha que fiz. Eu decidi servir a Deusa novamente, mesmo que
seja à distância, embora seja difícil falar sobre isso – ele levantou os olhos do vaso e encarou Stark. – Você é o guerreiro de Zoey. Imagine perdê-la. Agora imagine
que essa perda dure éons5. Só então você pode começar a imaginar o fardo que eu carrego.
A voz de Zoey quebrou o silêncio.
– Então, você acha mesmo que Neferet não sabe sobre o porão?
– Se Neferet soubesse que há um porão aqui, ela o teria usado para me deixar mais maleável, principalmente depois que eu me recusei a ser chamado de Erebus Encarnado.
– Já que você mencionou isso, por que se recusou? Eu vi os vitrais do templo na Ilha de São Clemente, e o cara com asas definitivamente se parece com você. Algumas
vampiras do Conselho Supremo já estavam ao lado de Neferet naquele dia, a maioria provavelmente teria acreditado se você dissesse que era ele – Stark lembrou.
Kalona riu com desdém.
– Porque, jovem guerreiro, Erebus é meu irmão, e eu o odeio demais para fingir ser ele.
Zoey
– Seu irmão? Erebus? O Consorte de Nyx é seu irmão? – Zoey pensou que ele não podia estar falando sério.
– Nós somos gêmeos. Não idênticos, mas bem parecidos. Nascemos no mesmo dia. Eu sou mais velho – Kalona parecia estar tentando ser indiferente, mas os seus dedos
tamborilando sobre a mesa e o fato de ele olhar para qualquer lugar menos para mim diziam algo além de “tanto faz”.
– Por que você não nos contou que é irmão de Erebus? – eu perguntei.
Então ele olhou para mim.
– Você tem um irmão?
– Sim – respondi.
– Mas eu nunca ouvi você falar dele – Kalona argumentou.
– O irmão dela não é o amante de nossa Deusa – Stark disse.
– Espere aí, se você é irmão de Erebus, por que a gente não sabe nada sobre você? Quero dizer, eu não sou superestudiosa, principalmente sobre mitos da criação e
tal, mas eu deveria ter ouvido alguma coisa sobre Erebus ter um irmão – olhei para Darius e Stark pedindo ajuda. – Vocês sabem algo sobre isso?
Os dois balançaram a cabeça e olharam desconfiados para Kalona. O imortal suspirou.
– Erebus também não é muito afeiçoado a mim. E, como eu já disse, Nyx me rejeitou. As canções folclóricas em que eu era mencionado deixaram de ser cantadas há muito
tempo. Pergunte ao seu amigo estudioso Damien. Pode ser que ele tenha ouvido rumores sobre mim. Eu era chamado de Guardião da Noite. Ou pergunte a Thanatos. Ela
deve conhecer os velhos mitos – Kalona deu de ombros e as suas asas de corvo farfalharam. – Isso pouco importa hoje em dia. Então, por que vocês estão tão interessados
no porão da escola?
Eu queria saber mais sobre o fato de Kalona e Erebus serem irmãos (caramba!), mas o imortal definitivamente não queria mais falar sobre isso, então deixei para lá
– por enquanto.
– Bem, parece que vamos ter que ficar no campus por uns dias, e os novatos vermelhos descansam melhor no subterrâneo – eu disse. – Darius nos mostrou onde fica o
porão e a gente está pensando em mudar os garotos lá para baixo.
– Mas nós iríamos nos sentir mais seguros em deixar todos os novatos juntos em um só aposento se soubéssemos que Neferet não sabe sobre o porão – Darius explicou.
– Foi por isso que viemos procurá-lo.
– Neferet não sabe, ou pelo menos não sabia quando eu era seu Consorte. Eu sei como ela é perigosa e entendo por que vocês querem um abrigo seguro para os novatos,
mas eu estou mais preocupado com as facções perigosas que estão se desenvolvendo atualmente dentro da Morada da Noite do que com a reaparição de Neferet. Dallas
fede a traição. Ele já odeia Stevie Rae e o meu filho. Ele deve ter encorajado Erin a romper com o seu grupo. Agora Erin está morta depois de participar do seu círculo.
Dallas vai conspirar contra vocês, o que significa que ele vai estar aberto a se aliar a Neferet, se ele ainda não fez isso. O seu porão não vai ficar em segredo
por muito tempo, principalmente se há repórteres locais perambulando pelos jardins da escola.
– Eles não estão perambulando livremente – Darius rapidamente o corrigiu. – Thanatos está os acompanhando e observando. Eles tiveram acesso apenas ao refeitório.
– E acho que eles não vão ficar aqui por muito tempo – eu acrescentei.
– Só o bastante para ter um contraponto à entrevista detestável da mãe de Aphrodite naquele outro canal – Stark completou.
– A comunicação é muito fácil no mundo moderno. Isso é uma conveniência, mas também uma maldição – Kalona afirmou.
– Eu podia pedir para Thanatos confiscar o celular de Dallas – eu falei, tentando pensar em alguma coisa, qualquer coisa, para manter os nossos assuntos em segredo.
– Ele usaria o celular de outra pessoa, mesmo que ele tivesse que roubar um – Stark disse. – E não se esqueça, a afinidade do garoto é com os eletrônicos. Se ele
quiser se comunicar com Neferet, ele vai.
– Só espero que Dallas e os seus aliados não estejam no refeitório agora – Kalona afirmou.
– Afe, é um pé no saco ter que se preocupar se não vamos ser traídos por um dos nossos – eu estava totalmente frustrada. – Eu queria poder fazer com que todo mundo
agisse certo, só isso!
– Isso vindo da mesma jovem Grande Sacerdotisa que já me deu mais de um sermão sobre a importância do livre-arbítrio? – Kalona levantou as sobrancelhas e olhou para
mim com ironia.
– Eu não quis dizer que queria tirar o livre-arbítrio das pessoas – eu me defendi.
– Não, desde que as escolhas delas sejam as mesmas que as suas – Kalona afirmou.
– Não foi isso o que ela quis dizer – Stark franziu os olhos para Kalona. – Você não entende Zoey.
Kalona não disse nada, mas os seus olhos continuaram cheios de astúcia e ironia...
Será que eu queria mesmo tirar o livre-arbítrio das pessoas? Não! Eu apenas queria que os garotos fizessem as escolhas certas. Afe, isso era muito diferente. Deusa,
essa coisa toda estava me dando uma azia. Provavelmente eu ia ter um episódio de síndrome do intestino irritável6 a qualquer segundo.
– Ahn? – eu perdi totalmente o que Stark havia dito.
– Z., eu falei que Darius e eu podemos recolher aquelas coisas antigas que encontramos no porão e tirá-las do caminho para que os garotos possam começar a levar
sacos de dormir, TVs e as suas coisas lá para baixo.
– Ah, hum, aquelas coisas – eu encarei Stark. – O que vocês vão fazer com aquilo?
– Pensei que a gente podia encaixotá-las e depois pedir a Lenobia se ela poderia encontrar um lugar para elas em um dos novos depósitos que ela construiu nos estábulos
depois do incêndio. Lá as caixas devem ficar seguras e fora do caminho.
– Por que não empilhar as caixas e pedir para Shaunee colocar fogo em tudo? – Kalona sugeriu.
– Porque não podemos queimar livros! – eu inventei uma desculpa apressadamente.
– Livros? – Kalona pareceu superconfuso.
– Sim, as coisas antigas são na maior parte livros. Sabe, provavelmente coisas que foram tiradas do centro de mídia depois que chegaram os computadores – eu esperava
que aquilo não soasse como uma desculpa esfarrapada e pouco convincente, como eu achava que estava soando. Sou uma péssima mentirosa, ainda mais quando não é uma
mentira premeditada.
– Bem, como quiser. Eu vou ajudá-los a recolher...
– Não! – Stark, Darius e eu gritamos juntos.
O olhar perspicaz de Kalona mostrou que ele achou que nós estávamos armando algo. Eu sabia que, apesar de o imortal ter feito um Juramento de estar ao nosso lado,
isso não significava que a gente queria que ele soubesse que as coisas antigas do porão valiam uma pequena (ou grande) fortuna.
– Ok, bem, é o seguinte – tentei falar a verdade de modo que eu pudesse dizer a mim mesma que eu estava apenas exagerando na história em vez de mentir muito mal.
– Você tem que ficar aqui, longe da vista de todos, até que eu o avise que os repórteres já foram embora da escola.
– É, acho que essas asas iam chamar um pouco a atenção dos repórteres – Stark riu com sarcasmo.
Eu me adiantei, antes que Kalona e Stark começassem com aquelas briguinhas. De novo.
– Vou pedir para Damien vir avisar quando os repórteres forem embora. Mas nós não precisamos que você nos ajude a encaixotar as coisas do porão e trazê-las para
cima. Nós já falamos, ahn, sobre a questão do Dallas e a gente sabe que ele é encrenca. Então, a gente espera que você encontre uma maneira de mantê-lo ocupado enquanto
nós arrumamos o porão e acomodamos os novatos vermelhos que não nos odeiam lá embaixo.
– Vocês realmente acham que vão conseguir evitar que Dallas e o seu grupo descubram que os seus novatos se mudaram para o porão?
– Não, não para sempre – Stark respondeu. – Mas seria bom se, pelo menos na primeira noite em que eles vão dormir lá, a gente tivesse certeza de que ninguém vai
tentar destruí-los, ou prendê-los, ou fazer com que eles fiquem torrados pela luz, ou...
– Caramba, já chega, Stark! – ele estava fazendo minha cabeça doer. – O que Stark quer dizer é que nós esperamos poder voltar logo para a estação, então, se Dallas
e o seu grupo ficarem meio distraídos, e se os nossos novatos não mencionarem que estão dormindo no porão, bem, então talvez a gente tenha um lugar seguro aqui na
Morada da Noite que Neferet não conhece.
– É sempre sábio ter um lugar seguro para descansar – Darius acrescentou.
– Então, como eu disse, você pode pensar em algo para nos ajudar a manter Dallas distraído, para que ele não fique bisbilhotando enquanto limpamos o porão e os nossos
novatos se mudam lá para baixo? – eu concluí, admitindo que nós três éramos péssimos mentirosos.
– Há o funeral da novata – Kalona lembrou. – Apesar de ela ter feito parte do seu grupo, todo mundo sabe que recentemente ela se aliou ao Dallas. Não seria bom pedir
que Dallas cuidasse da construção da pira funerária dela e, talvez, até mesmo fosse responsável por acendê-la? Isso iria mantê-lo ocupado e Dallas naturalmente iria
pedir ajuda ao grupo dele.
– Essa é realmente uma ótima ideia ­– eu falei. – Isso definitivamente vai manter Dallas e a sua turma ocupados, e honestamente acho bacana a gente se afastar e
deixá-lo acender a pira e se despedir publicamente dela. Isso vai mostrar que nós acreditávamos que ele realmente se importava com ela.
– Isso se ele aceitar – Stark disse. – Vocês ouviram ontem quando ele falou que iria se despedir de Erin do seu próprio jeito, e isso significa que ele não quer
nada com a gente.
– É por isso que eu devo convidá-lo em vez de Zoey – Kalona afirmou. – Vou contar a ele que Zoey recusou o convite de Thanatos para conduzir o funeral de Erin e
que então essa função sobrou para mim.
– Isso vai irritá-lo – Stark observou.
– É essa a minha intenção – Kalona explicou. – Ele pode direcionar a sua raiva para mim, enquanto eu supervisiono a construção da pira da novata – o imortal deu
um sorriso maldoso. – Eu realmente gosto de uma boa pira. Não entendo por que os humanos acabaram com essa tradição. Não posso nem pensar em participar de um funeral
moderno. É realmente uma pena.
– Kalona, é um problema quando o que você diz me faz lembrar Neferet – eu falei.
O sorriso de Kalona se ampliou, e eu achei que ele parecia um garotinho malvado, do tipo que colocaria fogo na sua família inteira no meio da noite e depois diria
que foi a Barbie da sua irmã que o mandou fazer isso.
– Z., não fique pensando demais. Kalona vai manter Dallas ocupado, e é só com isso que temos que nos preocupar agora – Stark disse.
– Isso sem falar nos repórteres, na polícia e...
– Stark está certo – Darius me interrompeu. – Você pensa demais.
Com relutância, eu me levantei.
– Está bem. Vou me concentrar no aqui e no agora. Vou contar a Thanatos o que está rolando assim que os repórteres forem embora, além de dar um toque em Stevie Rae.
Ela pode fazer com que os garotos arrumem suas coisas e fiquem na moita até que o porão esteja pronto para eles. Então eles podem ir até lá pelo caminho de trás,
evitando passar pelo meio dos jardins do campus, onde Dallas e os seus amigos vão estar ocupados construindo a pira funerária.
– Tudo vai ser feito como deseja, Sacerdotisa. Você também vai se mudar para o porão? – Kalona quis saber.
– Não – Stark respondeu por mim, o que foi bem irritante.
– Eu vou ficar no meu antigo quarto com Stark – continuei, porque afinal de contas eu posso falar por mim mesma. – Stevie Rae e Rephaim provavelmente também vão
ficar no dormitório.
Kalona assentiu pensativamente.
– O meu filho precisa de um lugar onde ele pode entrar e sair facilmente.
– Exato, e nós resolvemos que não é uma boa ideia todos nós ficarmos juntos em um só aposento – Stark explicou. – Principalmente quando esse aposento é um porão
com apenas uma entrada e saída.
– Eu concordo – Kalona se levantou.
Ele apoiou a mão na mesa atraiu o meu olhar para lá, e eu reparei que havia uma coisa estranha na madeira. Continuei olhando até que entendi o que estava vendo.
– Isso é uma marca de mão? – perguntei.
– É? Eu não tinha percebido – Kalona respondeu para mim.
Os meus olhos encontraram os dele, e então me dei conta de que eu não era a única péssima mentirosa naquele escritório.
7
 Zoey
Thanatos havia cuidado para que Chera e a sua equipe entrevistassem alguns garotos e fizessem algumas imagens do nosso refeitório. Então ela fez com que Damien explicasse
(para a câmera) o seu horário de aulas, e depois os jornalistas da Fox News foram acompanhados, com toda a educação, rapidamente para fora do campus. Tudo isso havia
acontecido em menos de meia hora, e Thanatos me contou que a reportagem sobre nós iria entrar no ar no noticiário da noite e na internet. Eu disse a ela que tinha
sido genial deixar Damien ser o nosso porta-voz e então a coloquei a par do nosso plano.
– E Kalona disse que ele acha que Neferet são sabe sobre o porão, então nós decidimos fazer com que ele distraia Dallas e o seu grupo enquanto nós arrumamos o lugar
e mudamos os nossos garotos para lá. Esperamos que eles tenham um ou dois dias de paz e que então a gente possa voltar para a estação – terminei de explicar tudo
para Thanatos. – Ah, e se a gente tiver que ficar aqui por muito mais tempo do que isso, alguém precisa ir buscar os nossos gatos e a Duquesa. Eles têm alimentadores
automáticos e água, mas eles vão se sentir muito sozinhos e as caixas de areia deles vão ficar nojentas.
A Grande Sacerdotisa de olhos negros havia ficado praticamente em silêncio enquanto eu não parava de falar. Eu contei a ela que o porão havia sido usado para guardar
armamentos antigos e coisas do centro de mídia, e que Stark e Darius estavam levando tudo isso para uma das selarias de Lenobia. Eu não havia dito que as armas eram
superantigas, cobertas de joias e que deviam valer tipo milhões de dólares. E na verdade não tinha nada do centro de mídia lá embaixo. Não que eu não confiasse em
Thanatos, mas eu tinha resolvido que, quanto menos pessoas soubessem sobre a fortuna, melhor. Stark e Darius concordaram. Na verdade, quanto mais eu pensava nisso,
mais eu acreditava que Dragon estava guardando aquelas armas lá há muito tempo, e Dragon foi um dos guerreiros mais leais que já conheci. Claramente, havia uma razão
para ele esconder isso, e eu apostava que não era por um motivo egoísta.
Então eu deixei de fora do meu relato a questão das armas, das joias e da fortuna.
– Estou totalmente de acordo em relação aos gatos e Duquesa. Vou providenciar para que eles sejam transportados para cá, se isso for necessário. Mas como Kalona
vai distrair Dallas? – Thanatos perguntou.
– Kalona vai contar a Dallas que eu não quis liderar o funeral de Erin nem construir a pira. Então ele vai dizer que você deixou essa função com ele.
Thanatos levantou as sobrancelhas.
– Em outras palavras, Kalona vai usar a construção da pira como isca para Dallas.
– Sim, e esperamos que ele lidere o funeral também. Depois de tudo que aconteceu com ela, eu decidi que realmente seria melhor para o meu círculo, principalmente
para Shaunee, não se envolver nisso – fiz uma pausa e acrescentei: – Espero que esteja tudo bem por você.
– Quando uma novata rejeita a Transformação e morre, sempre é difícil para aqueles que ficam para trás. Nesse caso, houve eventos complexos cercando a morte dessa
garota. Vou confiar nos seus instintos, Zoey. Erin fazia parte do seu círculo e você foi a sua Grande Sacerdotisa. Você tem o direito de acertar os detalhes sobre
o funeral dela.
– Obrigada – eu agradeci.
– Mas eu acho que seria sábio você permitir que Shaunee invoque o seu elemento na hora de acender a pira. Isso vai ajudar todo o processo a ser concluído mais rapidamente.
Também vai ajudar Shaunee a dar um último adeus à sua amiga.
– Ok, sim. Eu vou falar com Shaunee.
– Acredito que você também deve falar com a sua Profetisa.
– Aphrodite? – a sugestão de Thanatos me surpreendeu. – Sobre o pai dela, você quer dizer?
– Sim. Avalie a saúde mental dela com atenção.
– Ahn? Acho que eu não estou qualificada para avaliar a saúde mental de Aphrodite – isso sem falar que ela poderia arrancar o meu coração e comê-lo se eu tentasse
fazer isso.
– Você é a Grande Sacerdotisa dela e, se o meu palpite está certo, a sua amiga mais próxima. Nunca é fácil ter o dom de ser Profetisa de uma Deusa, e Aphrodite perdeu
o pai e a mãe na mesma noite, violentamente e em público.
– Eu já dei uma olhada nela hoje. Darius disse que ela finalmente estava dormindo, então eu não a acordei.
– Acorde-a. Se ela não admitir que precisa da sua Grande Sacerdotisa, ela pode admitir que precisa da sua amiga – Thanatos afirmou.
– Vou fazer o melhor que posso.
– Eu também preciso alertá-la de que você deve esperar um mal-estar na escola. Sinto as Trevas crescendo, e elas se alimentam da raiva, da dor, do medo e da frustração,
intensificando esses sentimentos, consumindo quem os hospeda, extraindo o seu poder deles. Observe com cuidado o seu círculo e aqueles que mais receberam dons da
Deusa. Um grande poder atrai a atenção das Trevas.
– Pelo menos duas pessoas do meu círculo sofreram grandes perdas – expressei a minha preocupação em voz alta. – E na verdade a morte de Erin afetou todos nós. Agora
nós estamos presos aqui com garotos que também estão perturbados e irritados. Você não pode fazer algo para nos tirar daqui? – estava sendo difícil controlar a minha
própria frustração, e eu não tinha a menor ideia de como ia ajudar os meus amigos a lidar com as deles.
– Zoey, eu me encontrei com o detetive Marx antes de a equipe da Fox News chegar. Na verdade, a presença de Chera Kimiko aqui foi um indicativo de que esta situação
não vai se resolver tão cedo.
– O detetive Marx não encontrou nada que prove que Neferet matou o prefeito?
– Ele mencionou amostras de DNA e requisitou exames comparativos em todos os nossos professores para descartar uma combinação idêntica – Thanatos falou com ar soturno.
– Mas isso é ótimo! Nenhum dos nossos professores matou o prefeito – eu disse.
– Zoey, se eu deixar que as autoridades humanas comecem a fazer exames nos meus professores, isso significa que eu vou permitir que eles cruzem uma fronteira que
tem separado com sucesso e segurança os códigos de Justiça dos humanos e vampiros há mais de quinhentos anos.
Eu balancei a cabeça.
– Eu ainda não consigo entender por que isso é ruim. Pelo menos, não desta vez.
– Desta vez, não é ruim. Mas e da próxima vez que um habitante local matar um humano e armar uma encenação para fazer parecer que foi um vampiro? Talvez ele até
deixe uma mecha ou duas de cabelo de alguma das nossas Grandes Sacerdotisas na cena do crime. Se eu permitir uma brecha no muro que protege a nossa espécie contra
a perseguição dos humanos, quanto tempo vai passar até que o muro caia completamente e os Tempos da Fogueira comecem novamente?
Eu estremeci.
– O que nós vamos fazer? Não podemos ficar trancados aqui para sempre.
– Eu solicitei uma audiência com o Conselho Supremo esta noite.
– Você vai pedir que o Conselho Supremo interceda junto aos humanos? – apenas pensar nisso me dava uma onda de esperança.
– Vou, e preciso de você aqui para servir como testemunha da aparição de Neferet.
– Ok, claro. Vou fazer tudo que puder – eu disse.
– Agora são nove da noite. Nós marcamos a conferência no Skype para as dez horas, para que a gente ainda tenha tempo para acender a pira de Erin à meia-noite. Por
favor, volte aqui nesse horário.
– Eu devo trazer Stevie Rae ou Aphrodite?
– Seja discreta, Sacerdotisa, e eu vou respeitar a sua decisão.
Cruzei minha mão em punho sobre o coração e me curvei para ela, desejando que eu tivesse tanto respeito pelas minhas próprias habilidades de tomar decisões quanto
Thanatos.
Aphrodite
– Jura que Chera é mesmo mais bonita pessoalmente? – Aphrodite franziu os olhos para Darius. Ele estava sentado na beira da cama enquanto ela bebia o iced coffee
que ele havia trazido e a atualizava sobre os últimos desastres do dia. – Como se eu precisasse que você me contasse esse detalhe.
– A beleza de ninguém é tão resplandecente quanto a sua – ele sorriu para ela.
– Só me diga que tipo de bolsa ela estava usando. Uma da Coach com aquele azul novo ou uma Valentino brilhante?
Uma ruga profunda se formou entre os olhos de Darius.
– Era feita de couro.
– Que cor?
– Branca.
Aphrodite suspirou.
– Duvido que Chera usaria uma bolsa branca em fevereiro. Você não tem ideia de como era a bolsa, tem?
– Não mesmo, mas o fato de você me perguntar isso mostra que, de fato, você está se sentindo melhor, minha bela.
– Eu não posso esperar que você seja completamente perfeito, mas da próxima vez considere a bolsa dela como uma arma. Desse jeito você vai se lembrar de prestar
atenção no modelo. E, sim, eu estou me sentindo melhor. Os meus olhos finalmente clarearam, e saber que ninguém espera que eu durma em um porão nojento junto com
o fato de que este café está perfeito e com açúcar de verdade fizeram a minha dor de cabeça ir embora – Aphrodite deu outro gole e suspirou de prazer. – Esse gosto
é muito bom para que eu me sinta mal.
– Se faz você se sentir melhor, é isso o que importa.
– Se a minha bunda ficar tão grande que mereça ter o seu próprio código postal, a culpa vai ser sua.
Darius sorriu.
– Você está melhor mesmo.
– É, mas a minha visão foi péssima. Foi foda.
– Você está pronta para falar sobre isso?
– Na verdade, não.
Darius desviou os olhos, parecendo desconfortável. Então Aphrodite acariciou o seu braço forte e entrelaçou os seus dedos aos dele.
– Ei, não é que eu não queira falar com você. É que primeiro eu tenho que processar o que vi e descobrir o que fazer em relação a isso.
– Quer que eu chame Zoey?
– Não! – Aphrodite disse e só depois percebeu que tinha praticamente gritado. – Não – ela repetiu em um tom de voz normal. – Não quero que ninguém saiba ainda que
eu tive uma visão. Darius, eu só preciso de um tempo para pensar.
– Mas será que é sábio manter uma visão para si mesma?
– Neste exato momento, o meu instinto está me dizendo que não é sábio sair por aí falando o que eu vi.
Darius se inclinou para a frente e a beijou com delicadeza. Então ele encontrou o olhar dela e lhe disse exatamente o que ela precisava ouvir:
– Confie nos seus instintos, Profetisa. Eu acredito em você e no seu dom. Só quero que você saiba que qualquer coisa que você me conte eu manterei em segredo, e
eu juro, como seu guerreiro e protetor, não contar a ninguém a não ser que você me permita.
Aphrodite deslizou para os braços dele e sentiu aquele aperto terrível no seu peito se esvair. Ela não tinha que carregar o fardo das suas visões sozinha. Darius
nunca iria traí-la.
– Eu sou tão péssima com essa coisa de amor. Eu nunca vou conseguir dizer o quanto significa para mim o fato de eu poder confiar em você.
Ela acariciou gentilmente as costas dela.
– Você não precisa me dizer. Você me mostra isso diariamente quando estamos juntos.
Aphrodite fechou os olhos, extraindo força do toque e das palavras dele, e fez uma prece silenciosa: Por favor, Nyx, permita que os dias em que nós estamos juntos
se transformem em meses, que os meses se transformem em anos, e os anos, em décadas.
Ela o abraçou com força e então se afastou um pouco para poder olhar nos olhos dele. Sem nenhuma introdução, ela disse:
– Darius, preciso que você faça uma coisa para mim.
– Qualquer coisa – ele disse.
– Observe Zoey.
– Observá-la?
– Sim. Observe-a e veja se ela age como se estivesse irritada de um jeito estranho.
– E se eu a vir ficando irritada?
– Venha me chamar e eu vou lidar com ela. Não chame Stark. Ele pode sentir as emoções dela e, se ela estiver no nível de irritação que eu acho que ela vai ficar,
tenho certeza de que ele também vai estar a ponto de explodir. Além disso, lembre-se de que Aurox barra Heath está preso dentro da Morada da Noite com a gente. Todos
nós vimos o reflexo de Heath no espelho. Z. tem praticamente evitado falar com ele desde aquela noite, mas quem ele realmente é com certeza está a deixando mexida.
Isso uma hora vai vir para fora e, vamos falar sério, Stark não vai querer dividir Zoey de novo de jeito nenhum.
Darius assentiu pensativamente.
– Você está certa. Eu vou observá-la – ele fez uma pausa e então acrescentou: – A sua visão foi com Zoey.
Não foi uma pergunta, mas Aphrodite deu um gole em seu iced coffee e assentiu.
– É, foi sobre Zoey e sua raiva. Ela estava fora de controle.
– Por que você acha que não deve falar com Zoey sobre isso? Ela sabe que as suas visões são válidas. Talvez ela escute você.
– Eu também pensaria isso, mas a primeira coisa que eu disse quando voltei da visão foi pedir para você não chamar Zoey. Darius, eu estava falando guiada pelo instinto.
Sim, eu podia estar toda ferrada e ter interpretado mal, mas é por isso que eu acho que não devo contar nada a Zoey, pelo menos por enquanto.
– Como eu disse, acredito em você. Confie nos seus instintos e no seu dom concedido pela Deusa.
– Vou fazer isso, mas eu também vou precisar de uma ajuda de fora, infelizmente de uma fonte irritante.
Darius levantou as sobrancelhas.
– Espero que você não esteja se referindo a mim.
– Não, bonitão, eu estava me referindo a Shaylin.
– Você vai contar a ela sobre a sua visão?
– Não. Eu vou contar uma versão exagerada da minha visão.
– Em outras palavras, você vai mentir para ela.
Aphrodite adorou que ele disse isso de um jeito prático, sem julgamento e sem dar sermão.
– Sim, foi exatamente o que eu quis dizer, mas falar “uma versão exagerada” soa melhor.
– Você vai fazer com que ela também observe Zoey?
– Acertou de novo.
– O dom da Visão Verdadeira dela tem se mostrado válido até aqui – ele afirmou.
– É só por isso que eu vou pedir a ajuda dela. Aquela garota me irrita profundamente.
– E mesmo assim você é sábia o bastante para não deixar que essa irritação a impeça de pedir a ajuda dos dons dela – o sorriso dele era cheio de afeto e orgulho.
– Minha bela, percebe por que eu confio tanto em você?
– O que eu percebo é que eu e você não temos tido muito tempo de qualidade juntos.
– Agora nós estamos a sós ­– o sorriso dele se tornou sexy.
– E a minha dor de cabeça definitivamente foi embora – ela matou o resto do iced coffee e botou a xícara na mesinha de cabeceira com tampo de mármore. Aphrodite
colocou os braços em volta dos ombros largos de Darius e o puxou para cima dela. Ele se deitou cheio de desejo. O beijo dele era intenso e, quando ela abriu a boca,
ele gemeu e os dois rolaram na cama, de modo que ela ficou por cima dele, com o corpo contra o dele. A mão de Darius levantou a camiseta dela e começou a fazer carinhos
gostosos na sua pele nua.
Quando alguém começou a bater na porta, Aphrodite sussurrou contra os lábios de Darius:
– Ignore e a pessoa vai embora.
O barulho começou a ficar mais alto e insistente.
Aphrodite deu uma mordidinha no pescoço de Darius.
– Finja que é o barulho da TV. Ignore.
– Aphrodite! Oieee! – a voz de Zoey atravessou a porta. – Stark me disse que Darius estava trazendo iced coffee para você, o que significa que você está aí dentro
e que está acordada.
Com relutância, Darius abaixou a camiseta dela.
– Você tem que falar com ela.
Aphrodite o beijou de novo antes de sair batendo o pé até a porta, sem se importar em arrumar o cabelo, ajeitar a camiseta ou disfarçar o seu ar de irritação. Então
ela abriu a porta e disse:
– Ah, que merda, pode entrar, controle de natalidade.
– Ahn? Controle de natalidade? – Z. entrou no quarto de Aphrodite.
– Deixa pra lá. Já foi.
­– Oi – Zoey disse. – Você não parece mal.
– Eu nunca estou mal – Aphrodite disse a ela.
Z. revirou os olhos e acenou para Darius.
– E aí, Darius. Stark me pediu para dizer que precisa da sua ajuda com as caixas, tipo, agora. O plano de Kalona funcionou e ele está com Dallas e o seu grupo empilhando
madeira para a pira.
– Já estou a caminho – ele deu um beijo rápido em Aphrodite e partiu. – Ei, eu encontro você aqui quando o sol nascer.
– Sozinho – Aphrodite pronunciou a palavra demoradamente, dando Aquele olhar para Zoey.
Depois que Darius saiu e fechou a porta, Z. se empoleirou em uma das cadeiras de veludo de Aphrodite.
– Então, se você já está fazendo brincadeirinha, não deve estar com tanta ressaca.
– Brincadeirinha é uma palavra que as pessoas com menos de dezoito anos usam apenas para descrever o comportamento de cavalos, e eu não estou com nenhuma ressaca
– Aphrodite ajeitou a sua camiseta, foi até o espelho do quarto, sentou-se no banquinho e começou a pentear o cabelo. Então, olhando para o reflexo de Zoey, acrescentou:
– Bem, ok, talvez eu tenha ficado meio mal na noite passada, mas sono, cafeína e açúcar curaram tudo.
– Refrigerante marrom sempre faz isso por mim – Z. falou.
– Você sabe que isso não faz bem para a sua pele – Aphrodite disse a ela.
– E as suas mimosas fazem?
– Suco de laranja é supersaudável. Eu só gosto do meu um pouco diluído.
– Diluído em álcool – Zoey balançou a cabeça e tentou, sem sucesso, não sorrir.
– Em álcool bom. Como Marilyn Monroe. E você pode ver que a pele dela não ficou enrugada.
– Aphrodite, Marilyn morreu antes que a pele dela ficasse enrugada.
– É exatamente o que eu disse. Mimosas são saudáveis. Ponto final.
– Você está me dando dor de cabeça – Z. falou.
Aphrodite sorriu.
– De nada. Ah, e agora há pouco, antes de Darius e eu começarmos a dar uns malhos supergostosos, que iam acabar virando um sexo incrível que você interrompeu, ele
me contou sobre Chera e as joias.
– Em primeiro lugar, eca, a palavra “brincadeirinha” soa muito melhor do que a sua descrição. Segundo, Chera pareceu legal, mas a presença dela aqui basicamente
significa que a Morada da Noite está no meio de um lamaçal profundo. Terceiro, você tem que entender que não são joias, mas sim armas antigas que têm diamantes,
rubis e coisas assim incrustadas nelas.
– O que só prova como os homens podem ser retardados. Pedras preciosas têm que ficar penduradas no corpo de uma mulher bonita, ou seja, eu. E não devem ser desperdiçadas
em coisas pontudas ou tipo escudos.
– Tirando a parte de as joias terem que ficar apenas no seu corpo, concordo totalmente.
– E eu concordo com você que a gente tem que ficar de boca fechada sobre as joias.
– É, foi isso o que o meu instinto me disse para fazer, mas foi estranho esconder algo de Thanatos.
– Se Thanatos não mencionou as armas para você, isso significa que era Dragon quem estava escondendo algo dela, não você, nem nós. Vamos encaixotá-las e escondê-las
em um dos depósitos de Lenobia. Tenho certeza de que, se eu tentasse usar o cartão de crédito da minha mãe hoje, iria perceber que estou com uma terrível falta de
sorte, então acho ótimo a gente ter um plano B financeiro.
Zoey encontrou o olhar de Aphrodite no espelho.
– A noite passada foi horrível. Eu sinto muito sobre o seu pai e também pelas coisas que a sua mãe disse.
Aphrodite evitou dar a resposta sarcástica que veio tão facilmente à sua cabeça, respirou fundo e foi honesta com a sua amiga.
– Eu já sabia que a minha mãe nunca se importou comigo de verdade, mas há uma grande diferença entre saber disso e ouvir a minha mãe colocando isso para fora na
frente de todo mundo. São dois sentimentos bem diferentes. Aquilo doeu. Muito.
– Sim – Zoey falou baixinho, com os olhos marejando. – Eu sei o que você quer dizer.
Aphrodite girou o banquinho para encarar Zoey.
– Sabe qual foi uma das primeiras coisas que me deixaram feliz quando eu fui Marcada?
– Ficar com o cabelo incrível? – Zoey sorriu entre lágrimas.
– Não, sua idiota, eu já tinha o cabelo incrível – ela rebateu com ironia, e então a sua voz mudou e ela abaixou a cabeça. – Uma das primeiras coisas que me deixaram
feliz foi que eu soube que vampiros não podem ter filhos, então não tinha jeito de eu dar uma vacilada, acabar grávida e depois virar uma mãe de merda, deixando
alguma pobre criança tão infeliz quanto a minha mãe havia me deixado.
– Ei, isso não vai acontecer.
Aphrodite enxugou as lágrimas e olhou para Zoey.
– Não vai, desde que eu continue fazendo um sexo incrível com um vampiro.
– Bem, isso é meio grosseiro, mas é verdade. Mas não era disso que eu estava falando. Isso não vai acontecer porque você não é igual à sua mãe – Zoey falou devagar.
– Você é boa, leal e não iria machucar alguém que ama.
– Obrigada – Aphrodite conseguiu agradecer, enxugando os olhos de novo.
– E não me chame de idiota – Zoey disse.
– Eu não te chamei de retardada. Eu estava sendo gentil e politicamente correta – Aphrodite se virou de novo e começou a arrumar o rímel borrado.
– E mesmo assim você consegue dar um jeito de falar essa palavra com “r” – Zoey suspirou. – Então, você está bem mesmo, depois de perder o seu pai?
– Você ficou bem mesmo, depois de perder sua mãe?
Zoey pareceu surpresa com a pergunta.
– Acho que vou ficar. Quero dizer, assim como a sua mãe, a minha não foi muito maternal por muito tempo. Eu já estava acostumada a não tê-la por perto.
– Então acho que eu também vou ficar bem.
– Se você precisar de alguém para conversar, sabe que pode contar comigo, certo?
– Certo. Também digo o mesmo. Sei que você e a caipira são muito próximas, mas ela tem a mamãe e o papai perfeitos – Aphrodite falou imitando o sotaque de Stevie
Rae.
– Não há nada de errado em ter bons pais. Na verdade, isso é o normal.
Aphrodite bufou.
– Vou ter que discordar, mas não é disso que estou falando. Só estou dizendo que, se você precisar falar com outra pessoa que tenha pelo menos um dos pais mortos,
eu estou aqui.
– Obrigada, eu acho – Z. pegou um lencinho Kleenex e assoou o nariz fazendo bastante barulho. – Por que você não fica cheia de catarro e toda feia quando chora?
– Porque eu não sou tão nojenta quanto você – ela respondeu.
– Posso retirar as coisas agradáveis que eu disse sobre você?
– Pode tentar. Você não vai conseguir, mas pode tentar – Aphrodite pegou em um cabide uma calça jeans skinny e apertou um botão que fez o seu compartimento eletrônico
de sapatos começar a girar, fazendo aparecer uma nova fileira toda organizada de botas. Ela pegou o par de Louboutin com sola vermelha. Olhando por sobre o ombro
para a cara estupefata de Zoey, ela falou: – O que foi? Não vá me dizer que essas botas não são perfeitas.
– Não consigo nem olhar para as suas botas porque o seu closet me deixou surtada.
– É por isso que você é um desastre fashion.
– Como você pensou em mandar fazer isso no seu closet?
– Ah, que merda, a minha mãe era uma idiota, não uma deficiente em moda – Aphrodite esfregou a testa. – Jesus Cristo, isso foi uma rima imperfeita, e eu falei isso
de propósito. Vamos embora. Preciso beber algo e dar uma olhada naquelas coisas de menino que estão prendendo as nossas joias.
– Ok, mas se você não agir de um jeito mais agradável, vou contar a Kramisha que você gosta de rima, porque isso faz você se sentir divina, e evita que você viva
uma vida de crime – Zoey sorriu para ela. – Hehehe!
– Estou sem palavras – balançando a cabeça, Aphrodite seguiu pelo corredor atrás de Zoey, que estava rindo feito uma garotinha da terceira série. – E depois ela
não entende por que eu bebo...
8
 Neferet
Os mortais descreveriam o que Neferet fez como sonho. Eles diriam que estavam tendo pesadelos tão vívidos que, ao acordarem, os sonhos haviam ficado com eles e até
parecido reais.
Encolhida na toca da raposa, vestida apenas de sangue e Trevas, Neferet expandiu a sua consciência, examinando diferentes camadas de mundos materiais e imateriais,
em uma busca pela sobrevivência.
Não, a imortal não havia sonhado.
Na verdade, a Tsi Sgili estava experimentando novamente a sua vida, um evento após o outro, revivendo os momentos que haviam culminado no nascimento de uma imortal
e, desse modo, esperando redescobrir aquilo que a visão no espelho havia despedaçado: o seu objetivo e a sua verdadeira personalidade.
Neferet começou com a noite que foi refletida pelo espelho, no momento em que a sua inocência havia se perdido. Ela mais uma vez se tornou Emily Wheiler, uma garota
de dezesseis anos que havia perdido a mãe há apenas seis meses, e ela reviveu a noite em que o seu pai a atacou e a estuprou.
Ela podia sentir o cheiro dele: conhaque, hálito azedo, suor, cigarro e luxúria. Ela sentiu o desgosto de descobrir o que ele pretendia e o terror de saber que não
podia escapar dele. Então ela experimentou mais uma vez a dor do seu corpo machucado e rasgado.
Ainda como Emily Wheiler, ela escapou, sangrando e desesperada, para ser rejeitada pelo seu noivo. Mas, no mesmo momento, ela foi salva pelo Rastreador que a Marcou
como novata e alterou o seu destino para sempre.
Segura dentro da Morada da Noite de Chicago, o seu corpo se curou sob a supervisão atenta da sua primeira mentora. Mas a mente dela não conseguia se recuperar. Emily
precisava se vingar para se curar totalmente. A voz da sua mentora soou tão clara quanto se ela estivesse naquela noite de 1893.
– ... uma necessidade insaciável por vingança se torna um veneno que vai tentar a sua alma e destruir a sua vida...
A mentora de Emily havia lhe explicado que ela precisava encarar a escolha entre esquecer o que o seu pai havia feito para ela e seguir em frente com a sua nova
vida de novata, ou afundar em autopiedade e carregar as cicatrizes que aquele monstro tinha causado, sem conseguir perdoar e esquecer.
A novata Emily Wheiler não fez nenhuma dessas duas escolhas.
O corpo da Tsi Sgili se contraiu em espasmos. A sua respiração se acelerou, embora ela não tenha despertado. Ela continuou totalmente inconsciente e em outra época,
revivendo o nascimento de Neferet, Rainha da Noite.
Ela voltou para a casa dos Wheiler, o lar de seu pai, como uma vingadora, estrangulando-o até a morte e reivindicando o seu novo nome e a sua nova vida – sem perdão,
dúvida nem autopiedade.
A mão de Neferet se contraiu quando o espectro do seu passado segurou o seu colar de pérolas, suave e mortalmente, e reviveu o prazer que ela havia sentido quando
acabou com a vida patética de Barry Wheiler.
Neferet reviveu outra coisa também – ela estava de novo preenchida por uma onda de energia causada por aquele primeiro assassinato. Ela não havia provado o sangue
dele. Aquela ideia não passara pela sua cabeça, mas ela tinha sentido o poder de acabar com a respiração dele, de fazer o seu coração parar, de saber que ela havia
feito o espírito dele fugir daquela casca mortal e quebrada.
A pele perfeita de Neferet se empalideceu com um calafrio, e logo depois se aqueceu levemente.
Ela reviveu a sua fuga de Chicago por trem, acompanhando um pequeno grupo de vampiros que estavam explorando lugares no oeste para novas Moradas da Noite. Na primeira
parada do trem, Emily Wheiler enterrou o seu diário. Na terra que iria se tornar Oklahoma, ela sepultou a única lembrança do que havia acontecido a ela. Ela se lembrou
de cavar aquela terra com uma pá, abrindo uma ferida vermelha como sangue seco de touro e que tinha o aroma do fim de todas as coisas. Com o enterro daquele triste
registro da inocência perdida e do estupro vingado, começou a nova vida de Neferet.
Não foi uma vida fácil.
Mas dentro daquele cometa de renascimento sempre houve um centro sombrio de conforto que nunca abandonou Neferet. A noite era o seu mundo, e as sombras dos seus
cantos mais escuros continham consolo e aceitação.
O Conselho da Escola de Chicago decidiu que não era seguro para a novata Neferet voltar para lá, então ela foi transferida para a Morada da Noite de Tower Grove
em St. Louis. Lá os dons de Neferet se imprimiram com força dentro dela.
Neferet se encolheu mais, revivendo o momento seguinte que definiu quem ela iria se tornar.
Havia uma pequena gata malhada de pelo curto preto e cinza. Era uma gata comum, sem nenhum atrativo que chamasse a atenção de Neferet, não fosse pela sua inteligência
aguçada e pelo polegar extra que ela tinha nas patas dianteiras. Era inverno em St. Louis, estava gelado e nevava, e a jovem Neferet achou que a gatinha malhada
parecia estar usando aquelas luvas que cobriam todos os dedos.
A cozinheira mal-humorada da escola havia batizado a gata de Chloe, o mesmo nome de uma ladra humana que havia sido pega tentando invadir a escola, porque ela não
conseguia impedir que o felino entrasse na sua cozinha, não importava quantas vezes ela trancasse as janelas e apesar de ela ficar de olho nas ajudantes de cozinha
que tinham o hábito de esquecer as portas abertas.
Naquele dia, Chloe havia conseguido abrir a janela, subido em uma viga do teto, saltado na mesa em que os alimentos ficavam resfriando após sair do forno e se fartado
com uma torta de miúdos, lambuzando as patas. A vampira tinha acabado de jogar o animal para fora da cozinha quando Neferet apareceu.
– Como ela conseguiu colocar luvas? – a jovem Neferet exclamou ao resgatar a pequena Chloe do monte de neve em que ela havia aterrissado, tirando os flocos brancos
úmidos do seu pelo pardo e sorrindo enquanto a gata batia as patas no manto com pele de arminho de Neferet.
A cozinheira riu e zombou de Neferet.
– Eu sei que você é jovem, mas não há motivo para soar como uma tola. Chloe é polidáctila, tem sei dedos. Com certeza você já viu os gatos da nossa Grande Sacerdotisa
e do seu companheiro. Todos polidáctilos. Esse animalzinho deve ser parente deles, apesar de eu não ver nenhuma semelhança entre eles, exceto nas patas – a velha
vampira se virou e foi embora, ainda gargalhando, balançando a cabeça e murmurando: – Luvas em um gato. A garota é bonita, mas não tem nada na cabeça...
Neferet se lembrou de como ficou vermelha de vergonha e raiva, até que Chloe levantou a cabeça e olhou nos seus olhos.
Então o mundo de Neferet mudou. Ela reviveu aquela excitação de saber o que estava passando pela mente da gata. Ela não ouviu propriamente palavras – gatos não pensam
com palavras. Ela ouviu emoções, e emoções contavam histórias. Chloe irradiou travessura. A sua barriga estava cheia e quente e ela estava com sono. Mas, o mais
importante, a gata olhou nos olhos de Neferet com amor, lealdade e alegria, e escolheu Neferet como sua para sempre.
Pandeia, há muito tempo a Grande Sacerdotisa em St. Louis, não chamou Neferet de tola nem zombou dela quando a jovem novata foi procurá-la, segurando Chloe adormecida,
e descreveu com um espanto esbaforido as imagens de sonho que ela conseguia extrair da mente do felino.
– Grande Sacerdotisa, e eu posso sentir a mente da sua gata também! – Neferet falou rapidamente, apontando para a gata malhada e rechonchuda da vampira, que estava
descansando preguiçosamente no batente da janela. – Ela está feliz, muito feliz, pois ela está grávida!
O sorriso da Grande Sacerdotisa quase ofuscou a zombaria da cozinheira.
– Querida Neferet, Nyx concedeu a você uma maravilhosa afinidade, uma ligação especial com os gatos, o animal mais próximo de nossa Deusa. Nyx deve dar muito valor
a você para lhe premiar com um dom desses.
Aquele dia glorioso se esvaneceu e a experiência de Neferet mudou. Os meses se passaram tão rápido quanto as batidas do coração da Tsi Sgili.
Ela ainda era uma novata, porém mais velha. O que ela dizia era valorizado. Primeiro por causa da sua conexão com os felinos que perambulavam livremente pela Morada
da Noite como companheiros de novatos e vampiros. Depois porque, apesar de a sua afinidade ter começado com os gatos, logo ficou evidente que Neferet era capaz de
alcançar a mente das pessoas quase tão facilmente quanto ela fazia com os gatos.
Imagens se levantaram do passado, uma depois da outra, deixando-a tonta por causa da sua velocidade.
– Neferet, seria ótimo se você pudesse vir até a cidade comigo. Preciso saber se a cidade está ficando agitada de novo por causa dos nossos rituais da lua cheia
– a sua Grande Sacerdotisa pedira.
Ela havia ido com Pandeia, abrindo-se para a onda de medo, ódio e inveja que os humanos locais dirigiam à Grande Sacerdotisa, apesar de eles sorrirem timidamente
e tocarem na aba de seus chapéus para cumprimentá-la ou de desviarem os olhos e fingirem não vê-la.
Neferet começou a odiar ir até a cidade.
– Neferet, o Consorte humano da nossa nova professora está triste. Seria bom se você pudesse me dizer se ele deseja ir embora, mas tenho receio de perguntar – Pandeia
lhe pedira em outra ocasião.
Neferet deslizara para dentro da mente do homem. O humano não estava triste. Ele era infiel à sua vampira e estava dando umas escapadas durante o dia, enquanto ela
dormia, para jogar e frequentar prostíbulos em barcos no rio.
A professora o mandou embora e se esqueceu rapidamente dele, trocando-o por outro Consorte mais leal depois de duas semanas.
Mas Neferet achou difícil esquecer aquilo que ela havia captado dentro da mente do homem. Luxúria, inveja, ganância e desejo. Isso a envenenou.
Percebendo o quanto a Grande Sacerdotisa valorizava os seus conselhos, mais pessoas vieram procurá-la, sempre buscando respostas escondidas embaixo das máscaras
dos outros.
Enquanto Neferet revivia essas experiências, ela sentiu o ressentimento que começou a crescer dentro dela. Todos eram tão carentes! Até a Grande Sacerdotisa.
– Neferet, diga-me se aquele guerreiro Filho de Erebus acha mesmo que eu sou bonita...
– Neferet, eu preciso saber se a minha companheira de quarto está falando a verdade sobre...
– Neferet, conte-me...
– Neferet, eu quero...
– Neferet, por que aquilo...?
A Tsi Sgili estremeceu, mas não acordou, enquanto uma experiência atrás da outra, uma memória atrás da outra, assomavam-se tão rapidamente que elas se fundiam umas
às outras, tornando-se uma mistura de necessidade e ganância, de desejo e traição, de mentiras e luxúria.
As Trevas a haviam salvado. Neferet foi atraída para os jardins que desabrochavam à noite no Tower Grove7. Os lugares mais sombrios da sua Morada da Noite eram como
amigos familiares para ela. Lá ela podia desaparecer, invocando a noite, de modo que os outros olhavam para ela sem nunca vê-la...
Chloe entendia. Ela era inteligente e precoce, e não importava qual pensamento insípido Neferet tivesse escutado, ela sempre encontrava um jeito de fazê-la sorrir.
Ela sussurrava para a gata os sentimentos que estava aprendendo a nunca dizer em voz alta, a nunca mostrar para os outros novatos, a nunca, nunca mesmo, revelar
a nenhum vampiro.
– Eu detesto quando Pandeia me pede para ouvir a mente de um humano, especialmente um do sexo masculino – Neferet contou ao felino ronronante. – Eles são todos vis.
Os pensamentos deles são obcecados pelos nossos corpos, por nos possuir, apesar de o medo deles ser tão forte que tem quase um cheiro próprio: hálito azedo, suor
e um desejo insaciável.
Chloe deu um beijo de nariz em Neferet e esfregou o seu rosto contra o dela, enchendo-a de amor incondicional e aceitação.
– Quando eu for Grande Sacerdotisa, só vou usar os meus poderes quando eu quiser. Eu não concordo com Pandeia e os outros. Só porque eu tenho esse dom, isso não
significa que eu tenho que estar à disposição deles. Eu recebi esse poder, não eles. Eu deveria fazer com ele o que eu quisesse.
Em vez de se aconchegar a ela como sempre, a gata levantou os ouvidos e ficou empoleirada no colo de Neferet, olhando para os jardins da escola encobertos pela noite.
Na sua toca, a Tsi Sgili gemeu alto, sem querer reviver o que aconteceu em seguida, mas sem ser capaz de escapar das visões do seu passado.
A Morada da Noite de Tower Grove tinha jardins exuberantes que se estendiam por mais de duzentos acres de terra isolados ao redor do campus principal. Os jardins
eram meticulosamente bem cuidados, é claro, mas era o começo do século vinte e St. Louis ainda era conhecida como uma porta de entrada para o oeste selvagem. Os
jardins hospedavam mais do que cascatas e flores que desabrochavam à noite.
Chloe farejou o ar.
Neferet inspirou profundamente junto com a gata. Quando o animal arquejou as costas, rosnando com ferocidade, Neferet também mostrou os seus dentes. Ambas estavam
com raiva por um invasor ter entrado na sua Morada da Noite.
Foi só quando Chloe saltou do seu colo que Neferet caiu em si e conheceu o medo. Ela correu atrás de sua gata.
O lince estava caçando coelhos e havia perseguido um até perto do canto escuro em que Neferet e Chloe estavam. Frustrado por perder a sua presa, o grande macho havia
marcado o território em volta da clareira.
Chloe irrompeu no território do macho. Rosnando um aviso, o lince encarou a gatinha. Uivando e salivando, Chloe voou em direção ao macho, com as garras e os dentes
para fora.
– Não! – Neferet gritou junto com Chloe quando o lince atacou uma vez, duas vezes, batendo na gatinha como se ela fosse um inseto irritante, rasgando a sua barriga
e a dilacerando com destreza.
O grande animal, pelo menos três vezes maior do que Chloe, estava se aproximando do local em que a gatinha estava caída, contorcendo-se e sangrando, quando Neferet
chegou à clareira.
O ódio tomou conta da novata, e ela arremeteu contra o animal, berrando a sua raiva sem palavras, com as mãos feito garras e os dentes expostos.
O lince colocou as orelhas para trás, grudando-as no crânio. Os seus olhos amarelos encontraram o intenso olhar esmeralda de Neferet. O que ele viu o fez parar.
Tão rapidamente quanto o seu instinto de matar havia surgido, o seu instinto de autopreservação tomou conta dele, fazendo o felino retroceder, desaparecendo nas
folhagens.
Neferet correu até a sua gata. Chloe ainda estava viva. O seu coraçãozinho batia rápido e ela estava ofegando de pânico e dor.
– Não! Deusa, não! – Neferet rasgou o seu vestido e tentou colocar as vísceras da gata dentro de sua barriga e estancar aquele terrível fluxo de sangue. – Ajude-a,
Nyx! Por favor, se eu sou tão importante para você como todo mundo diz, por favor, eu imploro que você a ajude! – tomada pela dor da gata e pelo seu próprio desespero,
Neferet gritou para a noite: – Ajude-a, Deusa! Por favor, ajude!
O ar acima da clareira tremulou com uma luz prateada que faiscava como estrelas descidas a Terra, e uma mulher se materializou ao lado da gata moribunda. O seu cabelo
era longo e tão branco quanto a lua cheia. Ela estava usando um vestido da cor do crepúsculo e uma tiara prateada enfeitada com uma fileira de diamantes.
Dentro da toca, a Tsi Sgili parou de contorcer o seu corpo sem parar. A sua respiração ficou superficial. A sua pele nua estava fria e tão pálida que parecia quase
transparente na hora em que ela reviveu o seu primeiro encontro com Nyx.
– Minha filha, você é importante para mim – a Deusa disse a ela. – E não apenas porque eu vejo um grande poder dentro de você. Eu amo você, assim como amo todos
os meus filhos, por causa da sua verdadeira personalidade: aquela aí no seu interior que é vulnerável e está ferida, mas mesmo assim é corajosa o bastante para continuar
a viver, a crescer e a amar.
– Então, Deusa, por favor. Salve Chloe. Ela é a coisa mais importante da minha vida. Eu a amo – Neferet implorou.
Nyx levantou os braços, e a seda que os envolvia tremulou como a luz da lua refletida sobre a água.
– Eu concedo a você um último dom: a habilidade de suavizar a dor com o seu toque. Deixe que isso lhe ensine a compaixão, para contrabalançar o poder que está emergindo
dentro de você – Nyx colocou as mãos na altura do seu coração e depois se inclinou para a frente, tocando a cabeça de Neferet.
Dentro da toca fria e escura, Neferet reviveu a sensação de preenchimento daquele toque divino e a sua respiração parou enquanto ela recordava. O toque da Deusa
não a havia enchido de poder, mas sim de gentileza.
– Ah, abençoada seja, Nyx!
– É a Deusa! Abençoada seja, Deusa da Noite!
Gritos de júbilo vieram de toda parte ao redor de Neferet quando vampiros e novatos, que haviam escutado os seus pedidos de ajuda, chegaram à clareira.
– Abençoados sejam, meus filhos. Merry meet, merry part and merry meet again8 – Nyx saudou a todos, sorrindo bondosamente antes de desaparecer em um raio de luz
da lua.
Neferet não viu a partida de Nyx. Ela estava concentrada em sua gata com todo o seu ser. Ela colocou as mãos sobre o seu corpo ensanguentado, canalizando o toque
mágico da Deusa.
Neferet sentiu a diferença instantaneamente. Chloe parou de ofegar. As batidas do seu coração se tornaram mais vagarosas. Os seus olhos opacos pela dor clarearam,
só por um instante, e encontraram os dela. A gatinha irradiou amor, alegria e alívio. Então, completamente feliz e sem dor, a sua gata se aconchegou em suas mãos.
Ronronando contente, ela esfregou o focinho em Neferet e morreu.
– Não! Não! Eu deveria ter sido capaz de salvá-la! – Neferet tinha colocado Chloe em seu colo e começado a chorar sobre o seu corpo sem vida quando uma dor explodiu
em sua testa. Ainda segurando o corpo de Chloe, Neferet desabou, até que o seu rosto ficou pressionado contra o chão e o sangue e a terra absorveram os seus soluços.
– Neferet, minha filha! Eu estou aqui com você. Tudo vai ficar bem! – foi a Grande Sacerdotisa, Pandeia, quem a levantou. – Ah, Deusa abençoada, obrigada! – Pandeia
exclamou quando Neferet ergueu o rosto. – Nyx não apenas concedeu a você o dom da cura, ela também a abençoou com a Transformação esta noite.
Ainda chorando e agarrada ao corpo de Chloe, Neferet estava tonta e confusa.
Pandeia olhou atentamente para as novas Marcas que decoravam o rosto de Neferet e proclamavam ao mundo que agora ela era uma vampira adulta, e depois se voltou para
o corpo da gatinha.
– Oh, é Chloe. Eu sinto muito, Neferet – a Grande Sacerdotisa acariciou a cabeça imóvel da gata. – Mas o seu toque curou a dor dela, e Chloe seguiu em frente para
o Mundo do Além, onde ela vai brincar com a Deusa.
Dentro da toca, a Tsi Sgili respirou fundo e falou em voz alta, como ela havia feito no passado:
– Eu não a curei. Chloe está morta.
O olhar de Pandeia foi afetuoso e a sua voz, compreensiva.
– Eu sei que foi uma perda terrível, difícil para você suportar agora, mas quando você conseguir pensar com clareza sobre esta noite, vai perceber que a habilidade
de tocar o espírito da pequena Chloe e de suavizar a sua morte a curou mais do que se você apenas tivesse reparado as suas feridas físicas. Nyx a abençoou em abundância.
Na sua toca, Neferet sussurrou em voz alta as palavras que ela apenas pensara em silêncio tantas décadas atrás: Nyx tirou de mim a única coisa que eu amava.
A raiva agitou a Tsi Sgili, fazendo com que ela chegasse perto de recobrar a consciência. A sua respiração se acelerou e ela quase abriu os olhos. Mas, antes de
despertar completamente, o tempo se adiantou, levando-a até a próxima experiência definitiva em seu passado. O dia em que ela matou o seu amante e começou a ouvir
os sussurros sedutores do imortal alado – o mentiroso e traidor Kalona...
9
 Zoey
– Zo, Thanatos me pediu para encontrar você. A conferência com o Conselho Supremo já começou – Aurox disse.
– Ah, que droga! Eu perdi totalmente a noção do tempo.
– Conferência com o Conselho Supremo? Que merda é essa? – Aphrodite perguntou.
– Pois é, que droga, de novo – eu conferi o horário no meu celular: 22 horas. Sim, eu estava dez minutos atrasada. – Desculpem-me, com toda essa coisa de mudança
para o porão, eu me esqueci de contar para vocês. Thanatos vai pedir ao Conselho Supremo para interceder junto à polícia de Tulsa, pois ela acha que os humanos estão
ultrapassando os seus limites na investigação. Ela quer que eu vá até lá para contar ao Conselho Supremo sobre a aquela materialização totalmente louca de Neferet
e sobre como o nosso círculo a chutou para fora daqui, que foi o que detonou o fato de ela ter acabado com o prefeito – fiz uma pausa e dei um olhar de desculpas
para Aphrodite. – Sinto muito por ter falado desse jeito.
Ela deu de ombros.
– Você só disse o que aconteceu.
– Bem, ela poderia ter falado de um jeito mais agradável – Stevie Rae franziu os olhos para mim.
– Caipira, eu nunca dei a mínima para jeitos agradáveis. Z. só falou as coisas como elas são.
– Ei, todo mundo sabe que você ficou tão acabada na noite passada que ficou fora do ar na maior parte do dia hoje. Não há razão para fingir que nada pode incomodar
você – Stark afirmou. Ele dirigiu o seu comentário para Aphrodite, mas não estava nem olhando para ela. Ele estava encarando Aurox com ar zangado.
– Stark, três palavras: cala a boca – Aphrodite rebateu. – Ah, e mais duas: muito ciúme?
Deusa, eu estava cansada dessas picuinhas.
– Aphrodite, já que você não tem problemas em falar sobre o seu pai, eu quero que você me acompanhe para falar no Skype com o Conselho Supremo – eu falei rápido,
antes que Stark pudesse fazer algum comentário irritante que ele já tinha se preparado para fazer, seja para Aphrodite ou Aurox. – Stevie Rae, venha comigo também.
– Ok – ela concordou.
– É melhor a gente ir logo. Thanatos mandou Aurox vir buscá-la, então isso significa que você está atrasada – Stark disse, segurando o meu pulso e soando totalmente
babaca.
Levantei as sobrancelhas e puxei o meu braço, desvencilhando-me dele.
– A gente, quero dizer Aphrodite, Stevie Rae e eu, está indo agora. E sim, eu estou atrasada porque tive que ficar apagando um monte de incêndios aqui. Enquanto
a gente estiver falando com o Conselho Supremo, eu preciso que você cuide para que os novatos vermelhos terminem de levar todas as suas coisas para o porão, e depois
ajude Darius e Damien a reunir todo mundo para ir até o funeral. Eu encontro com você lá.
– Mas eu queria...
– Queria o quê? – eu sabia que estava soando como uma pessoa horrível, mas a minha paciência tinha acabado. Era óbvio que o que ele queria era ficar colado em mim
sempre que Aurox estivesse por perto. – Stark, você não viu Neferet se materializar. É sobre isso que o Conselho Supremo quer saber.
– Eu só pensei que você poderia precisar de mim para...
Eu o cortei novamente.
– Eu preciso que você não brigue com Aphrodite nem comigo, e apenas cuide para que o funeral de Erin não acabe virando uma briga idiota de gangues.
Aurox limpou a garganta.
– Eu vou na frente para informar Thanatos que você vai se juntar a ela em alguns instantes.
– Sim, obrigada, Aurox – eu falei distraída quando o garoto foi embora, obviamente satisfeito por escapar da tensão que ele havia causado acidentalmente.
Eu percebi que havia deixado Stark constrangido e provavelmente magoado, mas eu realmente não tinha tempo nem energia para ficar paparicando os sentimentos dele.
Então eu não disse nada. Stark não disse nada. Ninguém disse nada. Até que Stark se curvou formalmente para mim, com a mão em punho sobre o coração, e falou:
– Tudo vai ser como ordena, Sacerdotisa. Espero que a sua conferência com o Conselho Supremo corra bem – então ele saiu andando, seguido por Darius e Damien em silêncio.
– Ok, isso foi embaraçoso – Aphrodite afirmou. – Você sabe que o Stark só está sendo possessivo por causa da história do Aurox barra Heath. Não precisa acabar com
o garoto na frente do menino-touro.
– Eu não acabei com ele!
– Na verdade, Z., você foi bem maldosa – Stevie Rae comentou.
– Vai me dizer que você é sempre superdoce com Rephaim, mesmo quando ele está te irritando loucamente? – eu perguntei, meio arrependida de ter me descontrolado com
Stark, principalmente na frente dos meus amigos, mas também ainda irritada com ele.
– Sim, eu posso dizer que nunca fui maldosa com Rephaim de propósito – Stevie Rae respondeu.
– Isso provavelmente porque ele só é um garoto na metade do tempo. Deve ser difícil ficar brava com um maldito pássaro. Deve ser tipo namorar um cachorro. Aposto
que ele fica feliz e abanando a cauda, como se ele tivesse um rabinho, toda vez que ele volta para ver você. Jesus, fico passada só de pensar nisso! – Aphrodite
exclamou.
– Já estou acostumada com o fato de você ser detestável, então não vou dizer nada sobre como você foi maldosa – Stevie Rae deu as costas para Aphrodite. – Há algo
de errado com você, Z.? Você está nervosa como uma gata em teto de zinco quente.
– Elizabeth Taylor9 era uma deusa – Aphrodite comentou. – Meio louca, mas uma deusa.
– Do que você está falando? – eu perguntei.
– Do filme. Pergunte à Rainha Damien. Tenho certeza de que ele queria ter sido Elizabeth Taylor.
– Aphrodite, às vezes eu acho que você está falando em outra língua. Enfim, aí vai oficialmente o que há de errado comigo: eu estou cansada dessas briguinhas entre
todo mundo. Estou cansada de Stark agindo estranho por causa de Aurox. Estou cansada de não saber como eu devo agir perto de Aurox por causa da coisa do Heath. Estou
cansada de pessoas sendo destruídas. Estou cansada de ficar preocupada com o que Neferet vai aprontar da próxima vez. E eu estou supercansada de ficar aqui na Morada
da Noite como uma prisioneira.
Aphrodite e Stevie Rae olharam para mim como se tivessem crescido asas nas minhas costas.
– Caramba, Z. Você precisa começar a beber – Aphrodite a aconselhou.
– Será que Xanax funciona com novatas? – Stevie Rae perguntou a ela.
– Acho que vale a pena tentar – ela respondeu.
– Ei, eu estou bem aqui. Eu não gosto de beber e não quero um Xanax.
– Eu posso triturar um comprimido para você colocar no refrigerante marrom dela – Aphrodite sugeriu.
– Feito – Stevie Rae disse.
Então as duas começaram a rir.
Eu balancei a cabeça.
– Isso não tem graça e nós estamos atrasadas – eu saí andando e me afastei delas. As duas me seguiram, ainda rindo às minhas custas.
Eu fiquei surpresa ao ver Kalona em pé ao lado de Thanatos, com os braços cruzados sobre o seu peito nu e musculoso, parecendo uma estátua de um anjo vingador.
Por que ele nunca usa uma camisa? Esse pensamento passou rapidamente pela minha cabeça. Então Thanatos fez um gesto para que nós nos juntássemos a ela, dizendo:
– Ah, ótimo. Zoey está aqui. Fico feliz de ver que ela está acompanhada da jovem Grande Sacerdotisa Stevie Rae e da nossa Profetisa, Aphrodite.
Kalona deu um passo para trás, para que nós três pudéssemos ser capturadas pela câmera do computador junto com Thanatos. A tela grande mostrou a Câmara do Conselho
Supremo no templo da Ilha de São Clemente, na costa de Veneza. Sete tronos de pedra, com adornos esculpidos, estavam em uma espécie de palco. Seis tronos estavam
ocupados. Eu sabia que o sétimo pertencia a Thanatos. Eu não sabia o que sentir em relação ao fato de o lugar dela no Conselho Supremo não ter sido preenchido. Eu
gostei de saber que Thanatos estava ali conosco, mas ainda tinha poder suficiente para manter o seu assento no Conselho Supremo. Eu não gostei de pensar que isso
significava que ela poderia ser arrancada da Morada da Noite a qualquer momento.
Percebi que ninguém estava dizendo nada e que todas as vampiras estavam olhando para mim. O meu rosto ficou quente e vermelho, então eu cruzei minha mão em punho
sobre o coração e me curvei rapidamente, dizendo:
– Merry meet, Grande Sacerdotisa. Desculpe o meu atraso. Eu estava, ahn... – fiz uma pausa, esquecendo totalmente a desculpa que eu ia dar.
– Ela está estressada porque nós estamos todos presos aqui – Aphrodite terminou por mim e se curvou apressadamente. – Merry meet. Sou eu, Aphrodite.
– Nós lembramos de quem você é, Profetisa – Duantia falou primeiro. – Seria bem difícil esquecer a nossa primeira Profetisa humana – ela estava sentada no trono
mais decorado e, obviamente, estava liderando o Conselho Supremo. Então Duantia voltou os seus olhos escuros na minha direção e eu pude sentir o seu poder mesmo
a milhares de quilômetros de distância. – Às vezes, o atraso é inevitável. O estresse também é inevitável. Aprender a evitar o primeiro e a lidar com o segundo é
parte de ser uma Grande Sacerdotisa – antes que eu começasse a me desculpar novamente, ela olhou para Stevie Rae. – Merry meet, Stevie Rae. Quando as circunstâncias
permitirem, o Conselho e eu gostaríamos de fazer um convite a você e ao seu Conserte incomum, Rephaim, para visitar a Ilha de São Clemente. Estamos intrigadas com
vocês dois. É verdade que o garoto alterna a sua forma entre humano e corvo diariamente?
– Merry meet – Stevie Rae disse, curvando-se formalmente. Então ela sorriu um pouco tímida, mas respondeu a pergunta de Duantia sem hesitação ou vergonha. – Sim,
senhora, Rephaim é como um garoto normal de noite, mas quando o sol nasce ele se transforma em um corvo.
– Ele não tem nenhuma lembrança de quando é um animal? – outra vampira do Conselho Supremo perguntou.
– Na verdade, não. Ou, se ele tem, não me contou. Rephaim não gosta muito de falar sobre isso.
– Nós conversaremos mais sobre isso quando você e seu Consorte nos visitarem – Duantia afirmou.
– É melhor você arranjar uma daquelas caixas grandes para transportar cachorros em viagem – Aphrodite sussurrou para Stevie Rae.
Eu dei uma cotovelada nela.
– Agora, voltando para o assunto mais urgente – Duantia continuou. – Thanatos resumiu os acontecimentos de ontem à noite. Aphrodite, o Conselho estende as nossas
condolências a você. A morte de um pai nunca é fácil.
– Obrigada.
– Zoey, Stevie Rae e Aphrodite, vocês estavam presentes quando houve a aparição no campus. Thanatos disse que vocês acreditam que era Neferet. Vocês três estão de
acordo quanto a isso?
– Sim, estamos – eu disse. – Aphrodite e eu vimos as aranhas primeiro. Eu sabia que era Neferet. Ela já se manifestou na forma de aranhas antes aqui na Morada da
Noite e, quando ela caiu da varanda, pareceu que o corpo dela se desintegrou todo em um ninho de aranhas.
– Era óbvio desde o começo que as aranhas não eram normais – Aphrodite acrescentou. – E só ficou mais óbvio depois que Z. começou a traçar o círculo.
– Como eu já disse, senti uma mudança na energia da escola antes mesmo de Zoey me ligar para reportar o que estava acontecendo. O meu pensamento inicial era que
eu estava sentindo uma aproximação da morte, e a morte realmente visitou o nosso campus ontem à noite, mas pensando melhor acredito que eu também senti a aproximação
da Tsi Sgili. O poder dela vem da morte e das Trevas; foi isso o que alimentou a sua imortalidade. Eu concordo com Zoey e o seu círculo. Neferet tentou se manifestar.
– Nós a vimos – eu não estava gostando do fato de as vampiras do Conselho parecerem indecisas. – Definitivamente, foi o corpo de Neferet que quase se formou novamente
antes de os elementos a jogarem para fora do campus.
– Mas ela não foi muito longe – Aphrodite completou. – Ela matou meu pai na entrada principal. Provavelmente, foi o máximo que ela conseguiu ir sem drenar alguém.
– Nós também achamos que Neferet pode ser responsável pela rejeição da Transformação da novata ontem – Thanatos disse. – O seu espectro passou pela garota quando
ela escapou do círculo, e a novata morreu apenas minutos depois.
– Sim, a garota com afinidade com água – Duantia falou. – É uma pena perder uma novata que recebeu um dom tão especial da Deusa.
– Embora faça sentido que uma imortal que se alimenta de morte e Trevas possa ter causado a morte de uma novata desse modo – outra vampira membro do Conselho disse.
– Pode ser que isso tenha dado o poder que ela precisava para se manifestar completamente.
– Neferet matou Erin e o pai de Aphrodite – eu disse firmemente. – Nós até tentamos contar isso aos detetives, mas sem chance de nós conseguirmos contar a eles toda
a verdade. Sem chance de eles acreditarem na gente.
– E agora eles estão pedindo para nós começarmos a fazer testes de DNA com os meus professores para comparar com a prova que eles encontraram no corpo do prefeito
– Thanatos contou.
Eu ouvi o tom de surpresa na respiração de Aphrodite e lembrei que eu deveria ter avisado a ela sobre esse detalhe. Droga! Eu realmente deveria começar a organizar
melhor o meu tempo.
– Humanos querem investigar esse assassinato dentro da sua Morada da Noite – Duantia não formulou a sentença como uma pergunta, mas Thanatos respondeu assim mesmo.
– Sim, o que vai completamente contra nossas tradições. Eu não vou dar permissão para invadirem esta escola. É por isso que eu peço que o Conselho interceda – Thanatos
afirmou. – Todas as autoridades humanas precisam entender que a comunidade dos vampiros responsabilizou Neferet pela morte do prefeito e que nós estamos trabalhando
incansavelmente para achá-la e trazê-la à Justiça. Eles podem terminar a sua investigação e retirar as restrições da nossa Morada da Noite. Em troca, daremos nossa
palavra de que temos certeza de que Neferet irá pagar pelos seus crimes.
– E os humanos locais ainda acreditam que ela própria foi vítima da violência – Duantia disse.
– Porque nós não podíamos explicar para eles que ela usou as Trevas para sequestrar minha avó e que nós tivemos que usar magia para salvá-la! – eu não tinha a intenção
de gritar, mas eu estava tão frustrada com toda aquela injustiça!
– Há muitas coisas que não podem ser explicadas para os humanos, Zoey – Duantia falou. – A morte de sua mãe nas mãos de Neferet é outro triste exemplo disso.
Eu concordei com a cabeça, sem poder confiar na minha voz.
– Zoey, se as restrições à Morada da Noite forem retiradas, você e Stevie Rae continuam determinadas a viver fora do campus, separadas da escola? – uma vampira do
Conselho, que havia ficado em silêncio até então, perguntou repentinamente.
– Sim – eu respondi. – Os túneis embaixo da estação são mais confortáveis para os vampiros e novatos vermelhos.
– Mas você não é nenhum dos dois.
Eu franzi a testa.
– Bem, eu também não sou uma novata normal – levantei as mãos, com as palmas voltadas para fora, para que a tatuagem entrelaçada que a Deusa havia colocado ali ficasse
totalmente visível para a câmera.
– E eu não sou uma Profetisa de Nyx normal – Aphrodite acrescentou. – Então, eu vou com eles.
– Eu sou a primeira Grande Sacerdotisa vermelha – Stevie Rae afirmou. – Isso também não é normal, e eu estou com Zoey e Aphrodite. Nós não queremos causar problemas,
mas é assim que as coisas são. Nós vamos ficar todos juntos.
– Eu não entendo por que o fato de a gente morar na estação possa ser um problema. Vocês concordaram com isso antes – eu questionei.
– Sim, isso foi antes de Neferet ser desafiada a ponto de sequestrar a sua avó e de matar uma novata e um humano, trazendo as autoridades locais para a sua Morada
da Noite – a mesma vampira falou.
Eu mal podia acreditar no que ela estava dizendo.
– Isso não foi culpa nossa!
– Ninguém está culpando vocês – Duantia interveio rapidamente. – Nós estamos tentando apenas examinar bem todos esses últimos acontecimentos trágicos – de repente,
ela alterou o seu foco de atenção. – Kalona, você é o único imortal aqui. Qual é a sua opinião? – a pergunta de Duantia pareceu pegar a todos de surpresa.
Thanatos mudou a posição de sua cadeira e Aphrodite e eu nos afastamos um pouco para o lado, para que Kalona pudesse ficar entre nós e encarar o Conselho Supremo.
Ele se curvou, com a mão em punho sobre o coração, antes de responder:
– Eu não vejo problemas em Zoey e o seu grupo, e isso inclui o meu filho Rephaim, viverem na estação. Eles são protegidos por guerreiros fortes e leais, e os túneis
dão segurança a eles. Em relação aos assassinatos, não tenho dúvidas de que aquela criatura, Neferet, manifestou-se e causou as duas mortes. Também não tenho dúvidas
de que os humanos não podem fazê-la pagar por esses crimes.
– Kalona, nós o aceitamos como parte da nossa comunidade por causa do seu Juramento a Thanatos, mas todas nós estamos curiosas com a sua resposta a uma pergunta
em particular que queremos fazer – Duantia disse.
As asas de Kalona farfalharam e o seu corpo ficou tenso, mas a sua voz permaneceu estável.
– Eu vou responder qualquer pergunta que deseje fazer, Grande Sacerdotisa.
– Apesar de você nunca ter admitido ser Erebus de volta a Terra, foi assim que Neferet o apresentou para nós. Ela disse que você a fez acreditar nisso.
– Eu nunca aleguei ser Erebus, e aqui estou, guerreiro sob Juramento de uma vampira membro do seu Conselho, enquanto Neferet está foragida, assassinando jovens e
humanos.
– Sim, é uma reviravolta interessante nos acontecimentos. A nossa pergunta é: quem é você?
Todas, até Thanatos, estavam olhando embasbacadas para Kalona. Será que ele iria contar que era o irmão de Erebus? Caramba!
– Eu já fui muitas coisas: deus, amante, destruidor, salvador. Agora eu sou o guerreiro da Morte – Kalona respondeu. – Também é adequado dizer que eu sou um imortal.
Eu pensei em levantar a voz e contar a todas que ele era o irmão de Erebus, mas será que ele era mesmo? Eu já tinha chegado atrasada, parecendo irresponsável perante
o Conselho, e elas tiveram que saber que eu estava muito irritada. Eu não precisava despejar uma história como essa e depois ver Kalona ficar quieto. Ou pior, negar
tudo. Então, para variar, desta vez eu fiquei de boca fechada.
– Kalona, eu orei para Nyx e pedi para ela me falar sobre você e me contar se você representa um perigo para Thanatos ou para a Morada da Noite – Duantia afirmou.
– E o que a Deusa disse? – Kalona perguntou.
– Nyx ficou em silêncio.
– Eu acho que isso já é uma resposta – Thanatos disse.
Eu achei que Thanatos soou irritada. Ela e Duantia ficaram se encarando em silêncio, até que Duantia desviou o olhar e se dirigiu ao Conselho:
– Sacerdotisas, algo que vocês ouviram hoje mudou a sua decisão anterior sobre o pedido de Thanatos para que nós intercedamos junto aos humanos de Tulsa?
As cinco Grandes Sacerdotisas responderam assustadoramente como se fossem uma só:
– Não.
Duantia nos encarou de novo.
– Então está decidido. O que está acontecendo em Tulsa já causou mal-estar entre os vampiros e os humanos, além de entre novatos e vampiros dentro da própria Morada
da Noite. Parte de vocês se separou do todo, e para nós ficou claro pelos últimos acontecimentos que esse rompimento não é saudável para a comunidade dos vampiros.
Nós já banimos Neferet. Ela não é mais problema nosso. Não é nossa responsabilidade trazê-la à Justiça.
– Mas é Neferet quem está causando os problemas. É ela quem os humanos precisam culpar... é ela quem vocês devem culpar – eu quase me sufoquei tentando não gritar
com elas.
– Ela é imortal. Como Kalona disse, ela não pode ser levada à Justiça pelos humanos – Duantia disse.
– Você espera que nós a levemos à Justiça – Kalona falou.
– Sim, nós esperamos – Duantia concordou. – Por tanto, nós não vamos interceder junto aos humanos locais. Nem vamos mais reconhecer a separação de novatos e vampiros
da sua Morada da Noite.
– Sgiach é uma Grande Sacerdotisa vampira e ela vive separada de vocês, e há séculos vocês permitem isso – eu tentei argumentar.
– Sgiach não está causando mal-estar com os humanos. Sgiach não está vindo até nós para pedir ajuda – Duantia contra-argumentou.
– Quer saber, agora para mim faz todo o sentido o fato de ela viver em uma ilha cheia de armadilhas e ignorar vocês – eu falei.
– Talvez esteja na hora de Tulsa se tornar uma ilha também – Thanatos soou severa e poderosa. – Eu abdico de minha posição no Conselho Supremo imediatamente.
– Thanatos, você não pode pretender liderar a sua Morada da Noite rompendo com o Conselho Supremo! – Duantia se levantou.
O resto das vampiras do Conselho pareciam superchocadas ou superirritadas.
– Eu pretendo mudar e adaptar. Eu pretendo permanecer aqui como Grande Sacerdotisa da Morada da Noite de Tulsa. Eu pretendo apoiar essas duas Grandes Sacerdotisas
e essa Profetisa incomuns em seu desejo de ter um lugar próprio para eles. E, o mais importante, eu pretendo levar Neferet à Justiça sem permitir que a minha escola
seja invadida.
– Mas isso não é...
– Esse é o meu Juramento. Que assim seja!
Então Thanatos clicou o botão para desconectar. O Skype fez aquele barulhinho engraçado de desligar, e a tela ficou em branco.


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                                                    CONTINUA
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10
 Aphrodite
– Que merda. Thanatos, você tem colhões. Bem grandes, aliás – Aphrodite a cumprimentou.
Thanatos ergueu as sobrancelhas.
– Eu vou ignorar a vulgaridade e agradecer o elogio, Profetisa – Thanatos disse.
– Só para você saber, isso foi um elogio enorme – Aphrodite curvou a cabeça respeitosamente para Thanatos.
– Você realmente nos defendeu. Obrigada, Grande Sacerdotisa – Stevie Rae agradeceu.
Kalona e Zoey se olharam.
– Então sobrou para nós lidar sozinhos com Neferet e com as autoridades locais – ele afirmou.
– De novo – Zoey acrescentou. – Não é a primeira vez que o Conselho Supremo nos deixa na pior.
– Elas têm boas intenções – Thanatos soou algo entre triste e cínica. – Elas acham que estão fazendo o melhor para a comunidade dos vampiros como um todo, e foi para isso que o Conselho foi criado éons atrás.
– Elas estão paradas na Idade Média! – Zoey explodiu.
Aphrodite a observou atentamente. Sim, as vampiras do Conselho Supremo tinham sido umas idiotas, mas eles ainda tinham Thanatos, o poder do círculo, duas Profetisas
(apesar de Shaylin ser um pé no saco), um menino-touro e um imortal do lado deles.
– Já vão tarde! Elas são um monte de velhas; sem ofensas, Thanatos – Aphrodite disse. – Z., a única coisa que elas poderiam fazer por nós seria talvez tirar a polícia
de Tulsa dos nossos calcanhares. Nós não precisamos da permissão delas para criar o nosso próprio lugar no mundo. O mundo também é nosso, e nós vamos fazer o nosso próprio lugar.
– É, eu também estou pensando a mesma coisa – Stevie Rae concordou.
Zoey cruzou os braços e falou:
– Então, nós estamos todos presos aqui, sem fazer nada.
– Até nós pegarmos Neferet, temo que precise ser assim – Thanatos afirmou.
– Pegar Neferet? Para quê? – Zoey perguntou.


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Aphrodite percebeu que ela não era a única pessoa observando Zoey atentamente. Thanatos levantou a sobrancelha e inclinou a cabeça para o lado.
– Sacerdotisa, todos nós concordamos que Neferet é responsável pelas mortes da noite passada, não é?
– Sim, Neferet fez isso – Zoey respondeu.
– Então Neferet precisa ser encontrada e entregue às autoridades. Até lá, a verdade é que as autoridades humanas não vão encontrar nenhuma prova que jogue culpa
em nenhum de nós, já que somos inocentes.
– Espere aí. Isso significa que você vai deixar que os nossos professores comecem a fazer testes de DNA? – Zoey quis saber.
– Não. Isso significa que nós vamos encontrar Neferet e conseguir o DNA dela, que vai coincidir com as provas das autoridades humanas.
– Neferet é uma imortal poderosa. Ela não vai deixar que a gente a pegue, muito menos que a entregue aos policiais.
– Zoey, você diz isso, mas você e o seu círculo conseguiram derrotá-la e resgatar a sua avó que estava em poder dela.
– Nós já a derrotamos antes. Vamos derrotá-la de novo – Stevie Rae soou muito mais positiva do que Z.
– Na verdade, a gente só tem que encontrar Neferet. E depois levá-la para um lugar público e começar a constrangê-la com perguntas difíceis. Ela vai perder a calma  e...

 

 

                                                                                                    

 

                                       

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