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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


RUINAS DE GORLAN / John Flanagan
RUINAS DE GORLAN / John Flanagan

 

 

                                                                                                                                                

 

 

 

Morgarath, senhor das Montanhas da Chuva e da Noite, ex-barão de Gorlan no Reino de Araluen, observou, talvez pela milésima vez, o seu domínio árido varrido pela chuva e amaldiçoado.
Aquilo era tudo o que lhe restava no momento: uma mistura de penhascos irregulares de granito de pedras arredondadas caídas e de montanhas geladas com desfiladeiros e gargantas íngremes e estreitas de cascalho e pedras, sem nenhuma planta para quebrar a monotonia.
Embora já tivessem se passado quinze anos desde que fora trazido de volta a esse reino proibido que se tornou sua prisão, ele ainda se lembrava das clareiras verdes e agradáveis, das colinas cobertas de bosques de seu antigo feudo, dos córregos cheios de peixes e dos campos com plantações e caça abundante. Gorlan tinha sido um lugar maravilhoso e animado. As Montanhas da Chuva e da Noite agora estavam mortas e desertas.
Um pelotão de Wargals treinava no pátio do castelo abaixo dele. Morgarath os observou por alguns segundos e escutou a cantilena gutural e ritmada que acompanhava todos os movimentos. Eles eram seres entroncados e deformados, com feições meio humanas, mas com focinhos de bicho e dentes parecidos com os de um urso ou um cachorro grande.
Longe do contato humano, os Wargals viveram e se reproduziram naquelas montanhas remotas desde tempos antigos. Ninguém se lembrava de ter visto um deles, mas boatos e lendas falavam de uma tribo selvagem de bestas semi-inteligentes nas montanhas. Morgarath, ao planejar uma revolta contra o Reino de Araluen, deixou o feudo de Gorlan para procurá-los. Se tais criaturas existissem, elas lhe dariam uma vantagem na guerra que se aproximava.

 

 

 

 

 

 

Passaram-se meses, mas ele os encontrou. Além da cantilena, os Wargals não usavam palavras para se comunicar e eram seres de pouco cérebro. Como resultado, foram facilmente dominados pela inteligência e força de vontade superiores de Morgarath, que os transformou no exército ideal: mais feios do que um pesadelo, extremamente impiedosos e totalmente escravizados por suas ordens mentais.
Agora, olhando para eles, lembrou-se dos cavaleiros bem vestidos com armaduras brilhantes que costumavam competir em torneios no Castelo de Gorlan, enquanto as damas os estimulavam e aplaudiam suas habilidades usando luvas de seda. Ao compará-los mentalmente com essas criaturas deformadas e cobertas por pêlos escuros, ele praguejou novamente.
Os Wargals, sintonizados com o pensamento dele, perceberam a sua perturbação, mexeram-se inquietos e pararam o que estavam fazendo. Zangado, Morgarath os fez voltar ao treinamento, e a cantilena recomeçou.
Morgarath se afastou da janela sem vidros e se aproximou do fogo, que parecia totalmente incapaz de acabar com a umidade e o frio do castelo sombrio. Quinze anos tinham se passado desde que se rebelara contra o recém coroado rei Duncan, um jovem de 20 e poucos anos. Confiando na indecisão e na confusão que dividiriam os outros barões logo após a morte do velho rei, Morgarath, para não perder a oportunidade de se apoderar do trono, tinha planejado tudo com muito cuidado, enquanto a doença do soberano avançava.
Secretamente, treinou o exército de Wargals e os reuniu nas montanhas, prontos para atacar no momento certo. Nos dias de confusão e sofrimento que se seguiram à morte do rei, quando os barões viajaram até o Castelo de Araluen para a cerimônia do funeral, deixando os seus exércitos sem líder, ele tinha atacado e invadido, em questão de dias, a parte sudeste do reino, derrotando as forças confusas e sem controle que tentaram resistir.
Duncan, jovem e inexperiente, nunca poderia enfrentá-lo. O reino estava lá para ser tomado. O trono era seu.
Então, lorde Northolt, chefe do exército do velho rei, reuniu alguns dos barões mais jovens numa aliança leal que apoiou Duncan e aumentou a vacilante coragem dos demais. Os exércitos se encontraram em Hackham Heath, perto do Rio Slipsunder, e a batalha ficou equilibrada durante 5 horas, com ataques, contra-ataques e muitas mortes. O Slipsunder era um rio raso, mas seus trechos traiçoeiros de areia movediça e lama macia formavam uma barreira intransponível que protegia o flanco direito de Morgarath.
Mas então um daqueles agitadores vestidos com capas cinzentas, conhecidos como Arqueiros, conduziu um grupo de cavalaria pesada através de uma passagem secreta, dez quilômetros rio acima. Os cavaleiros, protegidos por armaduras, surgiram num momento crucial da batalha e atacaram a retaguarda do exército de Morgarath.
Os Wargals, treinados no terreno cheio de rochas das montanhas, tinham um ponto fraco. Tinham medo de cavalos e nunca conseguiriam enfrentar a surpresa de um ataque como aquele. Eles se dividiram, recuaram para a passagem estreita de Três Passos e voltaram para as Montanhas da Chuva e da Noite. Morgarath, diante da rebelião derrotada, foi com eles. E ali ficou exilado durante esses quinze anos. Esperando, conspirando, detestando os homens que tinham sido responsáveis por seu destino.
O momento certo tinha chegado. Mais uma vez, ele lideraria os Wargals num ataque, mas agora teria aliados. E, desta vez, primeiro semearia o chão com incerteza e confusão. Nenhum dos que tinham conspirado contra ele seria deixado vivo para ajudar o rei Duncan.
Porque os Wargals não eram as únicas criaturas antigas e aterradoras que tinha encontrado naquelas montanhas sombrias. Ele tinha dois outros aliados ainda mais assustadores: as temíveis bestas conhecidas como Kalkaras.
Chegara o momento de soltá-las.
- Tente comer alguma coisa, Will. Afinal, amanhã é um grande dia.
Jenny, loira, bonita e alegre, fez um gesto na direção do prato quase intocado de Will e sorriu para ele, encorajando-o. Will tentou retribuir o sorriso, mas não conseguiu. Ele remexeu o prato que tinha à sua frente, cheio de suas comidas favoritas. Naquela noite, por causa da tensão e da expectativa, Will quase não conseguia engolir uma garfada.
Ele sabia bem demais que o dia seguinte seria muito especial, o mais importante da sua vida, pois era o Dia da Escolha, que iria determinar como passaria o resto dos seus dias.
- Acho que é o nervosismo - disse George, abaixando o garfo cheio e ajeitando a lapela do casaco com ar de quem sabia o que estava falando.
Ele era um garoto magro, desengonçado e estudioso, fascinado por regras e regulamentações e com inclinação a examinar e discutir os dois lados de qualquer questão, às vezes durante horas.
- O nervosismo é uma coisa assustadora. Ele pode deixar você paralisado e impedi-lo de pensar, comer e falar.
- Não estou nervoso - Will retrucou depressa, notando que Horace tinha levantado a cabeça, pronto para deixar escapar um comentário sarcástico.
George balançou a cabeça várias vezes, pensando na declaração de Will.
- Por outro lado - ele acrescentou -, um pouco de nervosismo pode até melhorar o desempenho. Ele pode aumentar as suas percepções e aguçar suas reações. Assim, pode-se dizer que o fato de você estar preocupado, se é que realmente está, não é, necessariamente, algo com que se preocupar.
Mesmo sem querer, um sorriso irônico surgiu nos lábios de Will. George seria um ótimo advogado. Ele certamente seria escolhido pelo escriba na manhã seguinte. Talvez esse fosse o problema de Will. Ele era o único dos protegidos que tinha receios quanto à Escolha que iria ocorrer dali a doze horas.
- Ele deveria estar nervoso - Horace zombou. - Afinal, que mestre iria querê-lo como aprendiz?
- Tenho certeza de que todos estamos nervosos - Alyss disse, dirigindo um de seus raros sorrisos para Will. - Seria tolice não estar.
- Pois bem, eu não estou - Horace retrucou, corando quando Alyss o olhou com desconfiança e Jenny riu.
"Alyss sempre age assim", Will pensou. Ele sabia que lady Pauline, chefe do Serviço Diplomático do Castelo Redmont, tinha prometido a posição de aprendiz à garota graciosa e alta. O fato de fingir nervosismo por causa do dia seguinte e o tato para não chamar atenção para a gafe de Horace mostravam que ela já tinha algumas habilidades como diplomata.
Jenny, é claro, iria imediatamente para a cozinha, domínio de mestre Chubb, cozinheiro chefe. Ele era um homem famoso em todo o reino pelos banquetes servidos na imensa sala de jantar do castelo, Jenny adorava cozinhar e tudo o que se referia à comida. Sua natureza calma e seu inesgotável bom humor fariam dela um membro valioso para a equipe na agitação das cozinhas do castelo.
A escolha de Horace seria a Escola de Guerra. Will olhou para o colega, que atacava avidamente a pilha de peru assado, presunto e batatas que estava amontoada no prato. Horace era grande para a idade e um atleta nato. As chances de ele ser recusado quase não existiam. Horace era exatamente o tipo de recruta que sir Rodney procurava para aprendiz de guerra: forte, atlético, em boa forma. "E não muito inteligente", Will pensou com certa amargura. A Escola de Guerra era a melhor maneira de se tornar um cavaleiro para garotos como Horace nascidos no povo, mas com habilidades físicas para servir como cavaleiros do Reino.
E aí sobrava Will. Qual seria a sua escolha? Como Horace tinha comentado, o mais importante era saber que mestre de ofício iria aceitá-lo como aprendiz.
O Dia da Escolha era o momento principal na vida dos protegidos do castelo. Eles eram órfãos educados pela generosidade do barão Arald, o senhor do feudo Redmont. A maioria tinha perdido os pais a serviço do feudo, e o barão assumiu a responsabilidade de cuidar das crianças de seus ex-súditos - e de lhes dar a oportunidade de melhorar a vida sempre que possível.
O Dia da Escolha proporcionava essa chance.
Todos os anos, os protegidos que completavam 15 anos podiam se candidatar a aprendizes dos mestres de vários ofícios que serviam o castelo e seus habitantes. Geralmente, os aprendizes eram selecionados de acordo com as ocupações dos pais ou por influência dos mestres de ofício. Os protegidos do castelo normalmente não possuíam tal influência, e aquela era a chance de conquistar um futuro melhor.
Os protegidos que não eram escolhidos ou para quem não havia vagas seriam destinados a fazendeiros na vila próxima para trabalhar nas plantações e cuidar dos animais que alimentavam os habitantes do castelo. Will sabia que isso raramente acontecia. O barão e seus mestres de ofício geralmente faziam de tudo para encaixar os rapazes em alguma profissão. Mas isso talvez não acontecesse, e esse era o destino que ele mais temia.
Horace o estava observando e lhe lançou um olhar presunçoso.
- Você ainda pensa em se candidatar à Escola de Guerra, Will? - ele perguntou com a boca cheia de peru e batatas. - Então é melhor comer alguma coisa. Você precisa desenvolver um pouco esses músculos.
Ele soltou um riso rouco, e Will o olhou irritado. Algumas semanas antes Horace tinha ouvido Will confidenciar a Alyss que queria desesperadamente ser escolhido para a Escola de Guerra e, desde então, tinha tornado a vida dele um inferno, mostrando em todas as ocasiões possíveis que o corpo magro de Will era totalmente inadequado para os rigores do treinamento da escola.
O fato de que Horace provavelmente estava certo só piorava as coisas. Horace era alto e musculoso, enquanto Will era baixo e magro, ele era ágil, rápido e surpreendentemente forte, mas simplesmente não tinha o tamanho exigido para os aprendizes de Escola de Guerra. Apesar de tudo, ele esperou que nos últimos dias tivesse o que as pessoas chamavam de "arrancada no crescimento", antes da chegada do Dia da Escolha. Mas isso não acontecera, e agora o dia estava próximo.
Como Will não respondeu, Horace percebeu que tinha marcado um ponto, o que era uma raridade em sua relação turbulenta. Nos últimos anos, ele e Will tinham entrado em choque várias vezes. Por ser mais forte do que o colega, Horace normalmente se saía melhor, embora algumas poucas vezes a velocidade e agilidade de Will tivessem lhe permitido desferir um chute ou soco surpresa e então escapar antes que Horace pudesse alcançá-lo.
Mas, embora Horace geralmente se saísse melhor nos confrontos físicos, raramente vencia algum de seus embates verbais. A mente de Will era tão ágil quanto o seu corpo, e ele quase sempre conseguia dar a última palavra. Na verdade, era essa tendência que muitas vezes causava problemas entre os dois: Will ainda tinha que aprender que dar a última palavra nem sempre era uma boa idéia. Horace decidiu então se aproveitar da vantagem ganha.
- Você precisa de músculos para entrar na Escola de Guerra, Will. Músculos de verdade - ele afirmou, olhando para os colegas ao redor da mesa para ver se alguém discordava.
Os demais protegidos, pouco à vontade diante da crescente tensão entre os dois, concentraram-se em seus pratos.
- Principalmente entre as orelhas - Will retrucou e, infelizmente, Jenny não conseguiu deixar de rir.
Horace corou e começou a levantar da mesa. Mas Will foi mais rápido e já estava na porta antes que o colega pudesse se livrar da cadeira e soltar um último insulto.
- Isso mesmo! Fuja, Will Sem-nome! Você e um sem-nome e ninguém vai querer você como aprendiz!
Da ante-sala, Will escutou os risos e sentiu o sangue subir ao rosto. Ele detestava esse tipo de zombaria, mas, para não dar mais uma arma para Horace, evitava deixar que o colega percebesse isso.
A verdade era que ninguém sabia o sobrenome de Will nem sabia quem tinham sido seus pais. Ao contrário dos colegas, que tinham vivido no feudo antes da morte dos pais e cuja história familiar era conhecida, Will tinha aparecido ainda recém-nascido, aparentemente do nada. Ele fora encontrado embrulhado em um pequeno cobertor, dentro de um cesto, nas escadas do prédio dos protegidos há quinze anos. Um bilhete estava preso ao cobertor e dizia apenas:
A sua mãe morreu no parto.
O pai morreu como herói.
Por favor, cuidem dele. Seu nome é Will.
Naquele ano, tinha havido somente mais uma protegida. O pai de Alyss era um tenente da cavalaria que morreu na batalha de Hackman Heath, quando o exército de Wargals de Morgarath foi derrotado e expulso para as montanhas. A mãe de Alyss, arrasada pela dor, morreu devido a uma febre algumas semanas depois de dar à luz. Assim, havia bastante espaço para a criança desconhecida, e o barão Arald era, no fundo, um homem generoso. Mesmo que as circunstâncias fossem incomuns, ele tinha dado permissão para que Will fosse aceito como protegido no Castelo Redmont. Parecia lógico pressupor que, se o bilhete era verdadeiro, o pai de Will tinha morrido na guerra contra Morgarath. Como o barão Arald tinha tomado parte importante nessa batalha, sentiu-se no dever de honrar o sacrifício do pai desconhecido.
Assim, Will se tornou um protegido de Redmont e foi criado e educado devido à generosidade do barão. À medida que o tempo passou, outros além de Alyss se juntaram a ele, até que havia cinco crianças da mesma idade. Mas, ao passo que os outros tinham lembranças dos pais ou, no caso de Alyss, havia pessoas que os tinham conhecido e que podiam falar sobre eles, Will nada sabia de seu passado.
Foi por esse motivo que inventou a história que o tinha sustentado durante toda a infância naquela divisão do castelo. E, quando os anos passaram e acrescentou detalhes e cores à história, até ele começou a acreditar nela.
Will sabia que o pai tinha morrido como herói, portanto tinha sentido criar para ele uma imagem de ídolo - um guerreiro dentro de uma armadura brilhante que lutou contra as hordas de Wargals, combatendo-as de todas as formas possíveis até ser derrotado pelo peso da maioria. Tinha imaginado a figura alta do pai várias vezes, visto cada detalhe da armadura e de suas armas, mas sem nunca poder ver o seu rosto.
Como guerreiro, o pai iria querer que ele seguisse os seus passos. Por esse motivo, a seleção para a Escola de Guerra era tão importante para Will e, quanto mais improvável se tornava a sua escolha, mais ele se agarrava à esperança de que seria selecionado.
Ele saiu do prédio dos protegidos para a escuridão do pátio do castelo. O sol já tinha sumido fazia tempo e as tochas colocadas a cada 20 metros nas paredes lançavam uma luz trêmula e irregular. Ele hesitou um momento. Não iria voltar ao edifício e enfrentar os insultos contínuos de Horace. Fazer isso somente provocaria outra briga que Will provavelmente perderia. George certamente tentaria analisar a situação examinando os dois lados da questão. Will sabia que Alyss e Jenny talvez tentassem consolá-lo - principalmente Alyss, já que tinham crescido juntos. Mas naquele momento ele não queria a compreensão delas e não poderia enfrentar as zombarias de Horace, portanto se dirigiu para o único lugar em que poderia ficar sozinho.
A enorme figueira que crescia perto da torre central do castelo tinha lhe oferecido refúgio muitas vezes. Ele não tinha medo de altura e escalou a árvore com tranquilidade, continuando quando outros teriam parado, até chegar ao topo em que os galhos balançavam e se dobravam sob o seu peso. No passado, muitas vezes tinha escapado de Horace ali. O garoto maior não era tão rápido quanto Will e não estava disposto a segui-lo tão alto. Will encontrou uma forquilha conveniente e instalou-se nela, deixando o corpo se acostumar ao movimento da árvore enquanto os galhos balançavam na brisa da noite. Lá embaixo, os vultos diminutos dos vigias cumpriam a sua ronda no pátio do castelo.
Ele ouviu a porta do edifício se abrir e, ao olhar para baixo, viu Alyss procurá-lo, em vão, pelo pátio. A menina alta hesitou alguns instantes e então, parecendo dar de ombros, voltou para dentro. O retângulo de luz alongado que a porta aberta jogou no pátio desapareceu quando ela a fechou devagar. "Que estranho, as pessoas raramente olham para cima", ele pensou.
Houve um leve bater de penas macias, e uma coruja pousou num galho próximo, girando a cabeça para captar os últimos raios da luz fraca com os olhos. Ela estudou o garoto sem preocupação, parecendo saber que não precisava ter medo dele. Era uma caçadora, uma voadora silenciosa, dona da noite.
"Pelo menos você sabe quem é", ele disse baixinho para o pássaro. A coruja virou a cabeça outra vez e se jogou na escuridão, deixando Will sozinho com seus pensamentos.
Gradativamente, enquanto estava ali sentado, as luzes do castelo se apagaram, uma a uma. As tochas queimaram até o fim e foram substituídas à meia-noite na troca da guarda. Por fim, restou somente a luz do gabinete do barão, onde o lorde de Redmont ainda trabalhava, revendo relatórios e documentos. O gabinete estava praticamente no mesmo nível que Will, e ele podia ver o vulto musculoso do barão sentado à mesa. Finalmente, o barão Arald se levantou, espreguiçou-se e se inclinou para a frente para apagar a lamparina ao sair do aposento e se dirigir ao quarto de dormir no andar superior. Agora o castelo estava adormecido, exceto pelos guardas junto das paredes, que mantinham vigília constante.
Will se deu conta de que em menos de nove horas enfrentaria a Escolha. Silenciosamente, sofrendo, temendo o pior, desceu da árvore e dirigiu-se para a sua cama no dormitório escuro dos garotos.
- Vamos, candidatos! Por aqui! Onde está a animação?
O orientador, Martin, secretário do barão Arald, mais gritava que falava. Quando a sua voz ecoou na ante-sala, os cinco protegidos se ergueram hesitantes dos longos bancos de madeira onde estavam sentados. Repentinamente nervosos agora que o dia tinha finalmente chegado, começaram a andar devagar, relutantes em ser o primeiro a passar pela grande porta de ferro que Martin abria para eles.
- Venham, venham! - ele convocava impaciente, quando Alyss finalmente decidiu ser a primeira, como Will imaginara que faria.
Os outros acompanharam a graciosa garota loira. Agora que alguém tinha resolvido dar o primeiro passo, os demais se contentaram em segui-lo.
Ao entrar no gabinete do barão, Will olhou ao redor curioso. Ele nunca tinha estado naquela parte do castelo antes. Aquela torre, que abrigava o setor administrativo e os aposentos particulares do barão, raramente era visitada pelos subordinados, como os protegidos do castelo. O aposento era imenso. O teto parecia dominá-lo, e as paredes eram feitas de blocos de pedra maciça unidos apenas por uma fina camada de argamassa. Na parede leste, havia uma janela enorme com grossas venezianas de madeira que podiam ser fechadas em caso de mau tempo. Will se deu conta de que era a mesma janela que ele tinha visto na noite passada. Naquele dia, o sol entrava por ela e caía na grande mesa de carvalho que o barão Arald usava como escrivaninha.
- Agora, venham! Fiquem em fila! Fiquem em fila!
Martin parecia estar gostando desse momento de autoridade.
O grupo andou lentamente para formar fila, e ele os observou com ar reprovador e a boca retorcida:
- Por ordem de tamanho! O mais alto no começo - ele disse, mostrando onde queria que o mais alto ficasse.
Aos poucos, o grupo se organizou. Horace, é claro, era o mais alto. Depois dele, Alyss tomou sua posição. Em seguida George, meia cabeça mais baixo do que ela e muito magro. Will e Jenny hesitaram. Jenny sorriu para o colega e, com um gesto, pediu que tomasse o lugar antes dela, mesmo que talvez fosse um centímetro mais alta. Aquela era uma atitude típica da Jenny. Ela sabia como Will sofria por ser o menor de todos os protegidos. Quando ele entrou na fila, a voz de Martin o interrompeu.
- Você, não! A menina primeiro.
Jenny deu de ombros num pedido de desculpas e foi para o lugar que Martin havia indicado. Will ficou sendo o último da fila, desejando que Martin não tivesse deixado a sua pouca altura tão evidente.
- Vamos! Animem-se, animem-se! Agora, atenção! - Martin continuou, mas parou assim que uma voz grave o interrompeu.
- Acho que não precisamos de tudo isso, Martin.
Era o barão Arald, que tinha entrado despercebido por uma pequena porta atrás da mesa enorme. Martin colocou-se no que considerava uma posição de sentido, com os cotovelos magros afastados do corpo, os calcanhares juntos fazendo suas pernas tortas ficarem bem separadas na altura dos joelhos e a cabeça atirada para trás.
O barão Arald levantou os olhos para o céu. Às vezes, o zelo do secretário nessas ocasiões era um pouco exagerado. O barão era um homem grande e musculoso de ombros largos e cintura avantajada, como era necessário a um cavaleiro. Sabia-se bem, contudo, que o barão Arald gostava de comer e beber, de modo que o seu tamanho não se devia somente aos músculos.
Ele usava uma barba preta curta e bem aparada que, assim como os cabelos, começava a mostrar alguns fios brancos por causa de seus 42 anos. Seu maxilar era largo; o nariz, grande e escuro; e os olhos, atentos e cheios de humor, alojados debaixo de sobrancelhas espessas. O seu rosto denotava poder, mas também bondade. Will já tinha notado esse detalhe em ocasiões em que Arald tinha feito suas visitas raras aos alojamentos dos protegidos para ver como iam suas lições e seu desenvolvimento pessoal.
- Senhor! - Martin disse em voz alta, fazendo o barão estremecer um pouco. - Os candidatos estão reunidos.
Arald respondeu com paciência:
- Estou vendo. Que tal pedir aos mestres de ofício que se juntem a nós?
- Sim, senhor! - Martin respondeu, tentando bater os calcanhares.
Como usava sapatos de couro macio e flexível, a tentativa não resultou em nada. Ele marchou em direção à porta principal do gabinete, com seus cotovelos e joelhos magros salientes, fazendo Will se lembrar de um galo. Quando Martin colocou a mão na maçaneta, o barão o chamou mais uma vez.
- Martin? - ele disse suavemente.
Quando o secretário se virou e o olhou com curiosidade, o barão prosseguiu no mesmo tom calmo.
- Peça para virem. Sem gritar. Mestres de ofício não gostam disso.
- Sim, senhor - Martin concordou, parecendo um pouco decepcionado.
Ele abriu a porta e, com um esforço evidente para falar baixo, disse:
- Mestres de ofício, o barão está pronto.
Os chefes da escola de ofícios entraram no aposento sem ordem predeterminada. Como um grupo, eles se admiravam e respeitavam e raramente participavam de um procedimento tão formal. Sir Rodney, chefe da Escola de Guerra, entrou primeiro. Alto e de ombros largos como o barão, estava vestido a caráter, com malha de ferro por baixo de um manto branco adornado com a mesma figura do escudo: a cabeça vermelha de um lobo. Ele tinha ganho esse escudo quando jovem, lutando no mar da Escandinávia contra navios piratas que constantemente saqueavam a costa leste do Reino. Usava um cinturão e uma espada. Nenhum cavaleiro podia ser visto em público sem sua espada. Ele tinha mais ou menos a idade do barão, olhos azuis e um rosto que seria extremamente bonito não fosse pelo nariz quebrado.
Ostentava um bigode imenso, mas, ao contrário do barão, não usava barba.
Em seguida veio Ulf, o mestre da Cavalaria, responsável pelo cuidado e treinamento dos fortes cavalos de batalha do castelo. Tinha olhos castanhos cheios de esperteza, braços fortes e musculosos e punhos grossos. Usava um simples colete de couro sobre uma camisa de lã e calças coladas ao corpo. Altas botas de equitação feitas de couro macio cobriam os seus joelhos.
Lady Pauline seguiu-se a Ulf. Magra, elegante e de cabelos grisalhos, ela tinha sido muito bonita na juventude e ainda mostrava graça e estilo capazes de virar a cabeça dos homens. Lady Pauline, que tinha conquistado esse título por seu trabalho na política externa do Reino, era chefe do Serviço Diplomático em Redmont. O barão Arald tinha suas habilidades em alta conta, e ela era uma de suas mais íntimas conselheiras e confidentes. Arald dizia com frequência que meninas eram as melhores recrutas para o serviço diplomático. Elas costumavam ser mais sutis do que os rapazes, que gravitavam naturalmente para a Escola de Guerra. E, enquanto os garotos quase sempre usavam a força física para resolver problemas, as meninas sabiam usar a inteligência.
Talvez fosse apenas uma coincidência que Nigel, o mestre escriba, acompanhasse lady Pauline de perto. Eles discutiam assuntos de interesse mútuo enquanto esperavam o chamado de Martin. Além de colegas de profissão, Nigel e Pauline eram bons amigos. Eram os escribas treinados de Nigel que preparavam os documentos e comunicados oficiais que tantas vezes eram entregues pelos diplomatas de Pauline. Ele também dava conselhos sobre as palavras exatas a serem usadas nesses documentos e tinha profundos conhecimentos em assuntos legais. Nigel era um homem pequeno e magro, com um rosto inteligente e curioso que fazia Will se lembrar de um furão. Seus cabelos eram pretos e brilhantes, suas feições eram finas, e os olhos escuros nunca paravam de observar o aposento.
Mestre Chubb, o cozinheiro chefe, entrou por último. Como não poderia deixar de ser, ele era um homem gordo e barrigudo que usava uma jaqueta branca de cozinheiro e um chapéu alto. Dizia-se que tinha um gênio terrível e que podia se inflamar tão depressa quanto óleo derramado no fogo, portanto a maioria dos protegidos o tratava com muito cuidado. Com o rosto corado e cabelos ruivos que rareavam rapidamente, o mestre Chubb levava uma colher de pau para onde quer que fosse. Era um membro extra-oficial da equipe e também era usada muitas vezes como arma de ataque, aterrissando com um barulho forte na cabeça dos aprendizes mais descuidados, esquecidos e lentos. Entre os protegidos, Jennifer era a única que via Chubb como um tipo de herói. Ela já tinha declarado sua intenção de trabalhar para ele e aprender suas técnicas, com ou sem colher de pau.
Naturalmente, havia outros mestres. O armeiro e o ferreiro eram dois deles, mas somente os mestres de ofício que tinham vagas no momento para novos aprendizes se apresentariam naquele dia.
- Os mestres de ofício estão reunidos, senhor! - Martin anunciou elevando a voz, como se falar alto desse mais importância à ocasião.
Mais uma vez, o barão levantou os olhos para o céu.
- Como se eu não estivesse vendo - ele disse em voz baixa. - Bom-dia, lady Pauline. Bom-dia, senhores - ele acrescentou num tom mais formal.
Os presentes responderam, e o barão se virou mais uma vez para Martin.
- Será que podemos começar?
Martin balançou várias vezes a cabeça, consultou um maço de notas que segurava nas mãos e marchou até a fileira de candidatos.
- Muito bem, o barão está esperando! O barão está esperando! Quem vai ser o primeiro?
Will, de olhos baixos, apoiando o peso do corpo ora num pé, ora noutro, nervoso, de repente teve a estranha sensação de que estava sendo observado. Ele olhou para cima e, com surpresa, encontrou o olhar sombrio e misterioso de Halt, o arqueiro.
Will não o tinha visto e imaginou que ele tivesse usado uma porta lateral para entrar no aposento enquanto a atenção de todos estava voltada para os mestres de ofício. Agora ele estava parado atrás da cadeira do barão, ligeiramente inclinado para o lado, usando as suas roupas comuns, cinza e marrons, e coberto por sua longa túnica verde e cinza de arqueiro. Halt era uma pessoa assustadora que tinha o hábito de se aproximar quando menos se esperava e sem se fazer ouvir. Os moradores supersticiosos da vila acreditavam que os arqueiros praticavam uma forma de magia que os tornava invisíveis às pessoas comuns. Will não sabia se acreditava nisso. Ele se perguntou por que Halt estaria ali naquele dia. O homem não era reconhecido como um dos mestres de ofício e, até onde Will sabia, nunca tinha participado de uma sessão de Escolha antes.
Abruptamente, Halt tirou o olhar de Will, e este teve a impressão de que a luz tinha se apagado. Ele percebeu que Martin estava falando outra vez. O secretário tinha o hábito de repetir as frases como se fosse seguido pelo próprio eco.
- Então, quem será o primeiro? Quem será o primeiro?
- Por que não começamos com o primeiro da fila? - o barão sugeriu suspirando, e Martin acenou várias vezes com a cabeça.
- Claro, senhor. Claro. O primeiro da fila, dê um passo à frente e se aproxime do barão.
Depois de um momento de hesitação, Horace se adiantou e ficou em posição de sentido. O barão o analisou por alguns segundos.
- Seu nome? - ele perguntou, e Horace respondeu, sem saber exatamente como se dirigir ao barão.
- Horace Altman, senhor... meu senhor.
- E você tem alguma preferência, Horace? - o barão perguntou com ar de quem conhece a resposta antes mesmo de ouvi-la.
- Escola de Guerra, senhor! - Horace respondeu com firmeza. O barão acenou afirmativamente com a cabeça. Era o que imaginava. Ele olhou para Rodney, que, pensativo, estava analisando o garoto e avaliando suas qualidades.
- Mestre de guerra? - o barão chamou. Normalmente, ele chamava Rodney pelo primeiro nome, e não pelo título, mas aquela era uma ocasião formal. O mesmo se aplicava a Rodney, que, num dia como aquele, usava a forma "meu senhor".
O grande cavaleiro deu um passo à frente, fazendo a malha de ferro e as esporas tinirem levemente enquanto ele se aproximava de Horace. Olhou o rapaz da cabeça aos pés e então passou por trás dele. A cabeça do garoto começou a acompanhar seu movimento.
- Quieto - sir Rodney ordenou, o menino ficou imóvel e olhou direto para a frente.
- Parece forte o suficiente, meu senhor, e sempre posso usar novos alunos - ele esfregou o queixo com a mão.
- Você sabe cavalgar, Horace?
Por um instante, quando percebeu que esse poderia ser um obstáculo para a sua escolha, Horace ficou sem saber o que dizer.
- Não, senhor, eu...
Ele estava para acrescentar que os protegidos do castelo tinham poucas oportunidades de aprender a cavalgar, mas sir Rodney o interrompeu.
- Não importa, você pode aprender.
O grande cavaleiro olhou para o barão e acenou.
- Muito bem, meu senhor, vou levar o garoto para a Escola de Guerra, onde ficará pelo período de três meses de experiência.
O barão escreveu algo numa folha de papel que se encontrava diante dele e sorriu levemente para o alegre e muito aliviado jovem à sua frente.
- Parabéns, Horace. Apresente-se à Escola de Guerra amanhã cedo, às 8 horas em ponto.
- Sim, senhor! - Horace respondeu com um largo sorriso. Ele se virou para sir Rodney e fez uma pequena reverência.
- Obrigado, senhor.
- Não me agradeça ainda - o cavaleiro respondeu com ar de mistério. - Você não sabe o que o espera.
- Quem é o próximo? - Martin perguntou enquanto Horace, com um grande sorriso, voltava para a fila.
Alyss se adiantou com graça, aborrecendo Martin, que queria indicá-la como a próxima candidata.
- Alyss Mainwaring, meu senhor - ela disse com a voz baixa e uniforme. Então, antes que lhe perguntassem qualquer coisa, continuou:
- Por favor, solicito uma indicação para o Serviço Diplomático, meu senhor.
Arald sorriu para a garota de aspecto solene. Ela tinha um ar de autoconfiança e dignidade que a ajudaria muito no Serviço. Ele olhou para lady Pauline.
- Senhora?
Ela concordou com um gesto de cabeça.
- Já falei com Alyss, meu senhor. Acredito que ela seja uma excelente candidata. Aprovada e aceita.
Alyss curvou levemente a cabeça na direção da mulher que seria a sua mentora. Will pensou em como eram parecidas - as duas eram altas e tinham movimentos elegantes e maneiras reservadas. Ele sentiu uma leve onda de prazer por sua colega mais antiga, pois sabia o quanto ela queria ser escolhida. Alyss voltou para a fila, e Martin, para não ser passado para trás novamente, já apontava para George.
- Muito bem! Você é o próximo! Você é o próximo! Dirija-se ao barão.
George deu um passo à frente. Sua boca abriu e fechou varias vezes, mas nenhum som saiu. Os demais protegidos o observavam surpresos. George, considerado há muito tempo advogado oficial deles para quase tudo, estava dominado pelo nervosismo. Finalmente, conseguiu dizer algo, mas em voz tão baixa que ninguém na sala o ouviu. O barão Arald se inclinou para a frente, com a mão em concha atrás da orelha:
- Desculpe, mas não entendi o que falou.
George olhou para o barão e, com enorme esforço, falou com voz ainda baixa.
- G-George Carter, senhor. Escola de Escribas, senhor.
Martin, sempre um defensor da correção, respirou fundo para repreendê-lo por sua fala truncada, mas, antes que pudesse fazê-lo e para alívio evidente de todos, o barão interferiu.
- Tudo bem, Martin. Deixe para lá.
Martin pareceu um pouco ofendido, mas se calou. O barão olhou para Nigel, o chefe dos escribas e responsável por assuntos legais, que estava com uma sobrancelha erguida, com ar de interrogação.
- Aceitável, meu senhor - Nigel declarou. - Já vi alguns trabalhos de George, e ele realmente tem o dom da caligrafia.
- Ele não impressiona muito como orador, não é mesmo, mestre? - o barão comentou em tom de dúvida. - Isso poderá ser um problema se tiver que oferecer aconselhamento legal no futuro.
- Eu lhe garanto, meu senhor, que com treinamento adequado esse tipo de falha não vai representar problema.
Entusiasmado com o tema, o mestre escriba juntou as mãos debaixo das mangas largas do hábito, parecido com o de um monge.
- Lembro-me de um garoto parecido com ele que esteve conosco há muitos anos. Ele tinha o mesmo hábito de murmurar, mas nós logo lhe mostramos como superar essa dificuldade. Alguns de nossos oradores mais hesitantes acabaram por ficar muito eloquentes, meu senhor, muito eloquentes.
O barão respirou fundo para responder, mas Nigel continuou seu discurso.
- Talvez o senhor fique surpreso em saber que, quando menino, eu sofria de uma terrível gagueira nervosa. Absolutamente terrível, meu senhor. Eu mal conseguia dizer duas palavras uma após a outra.
- Vejo que isso não é mais problema agora - o barão conseguiu comentar secamente, e Nigel sorriu e curvou-se para o barão.
- Exatamente, meu senhor. Nós vamos ajudar George a superar a sua timidez. Nada como a agitação da Escola de Escribas. Sem dúvida.
O barão não conseguiu evitar um sorriso. A Escola de Escribas era um lugar dedicado aos estudos onde raramente as vozes se erguiam e onde o debate lógico e racional reinava supremo. Pessoalmente, em suas visitas, tinha considerado o local extremamente monótono e não conseguia imaginar nada menos agitado.
- Acredito em você - ele retrucou. - Bem, George, pedido aceito. Apresente-se à Escola de Escribas amanhã.
George arrastou os pés desajeitado, resmungou algumas palavras, e o barão se inclinou outra vez, franzindo a testa ao tentar entender o que o rapaz tinha dito.
- O que você disse?
George finalmente olhou para cima.
- Obrigado, meu senhor.
E então voltou rapidamente para a fila.
- Ah! Não foi nada - o barão disse um tanto surpreso. - Agora, o próximo é...
Jenny já se adiantava. Loira e bonita, ela também era, para falar a verdade, um pouco gordinha. Mas os quilos a mais lhe caíam bem e, em qualquer reunião social, a moça era muito solicitada para dançar com os garotos, tanto os colegas dos protegidos, quanto os filhos dos funcionários do castelo.
- Mestre Chubb, senhor! - ela disse, aproximando-se da beira da escrivaninha.
O barão olhou para o rosto redondo da menina, viu a ansiedade brilhando naqueles olhos azuis e não conseguiu evitar sorrir para ela.
- O que tem ele? - o barão perguntou delicadamente e a moça hesitou, percebendo que, em seu entusiasmo, tinha atropelado o protocolo da Escolha.
- Oh! Perdão, senhor... meu... barão... - ela improvisou rapidamente, gaguejando enquanto tentava corrigir o modo de falar.
- Meu senhor! - Martin interrompeu. O barão Arald olhou para ele surpreso.
- Sim, Martin, o que foi?
Martin ficou constrangido, pois percebeu que seu mestre estava entendendo mal o propósito de sua interrupção.
- Eu... simplesmente queria informar que o nome da candidata é Jennifer Dalby, senhor - ele respondeu em tom de desculpas.
O barão assentiu, e Martin, um servo dedicado, viu o olhar de aprovação no rosto de seu patrão.
- Obrigado, Martin. Agora, Jennifer Dalby...
- Jenny, senhor - informou a garota.
- Jenny, então - o barão respondeu, dando de ombros resignado. - Suponho que você esteja se candidatando para ser aprendiz de mestre Chubb.
- Ah, sim, por favor, senhor! - Jenny respondeu sem fôlego, virando os olhos cheios de adoração para o cozinheiro corpulento e ruivo.
Chubb a olhou pensativo e de cara feia.
- Hum... pode ser, pode ser - ele balbuciou, andando de um lado a outro na frente dela.
A garota sorriu para ele simpática, mas Chubb era imune a esses artifícios femininos.
- Vou trabalhar duro, senhor - ela garantiu com seriedade.
- Sei disso! - ele retrucou um tanto divertido. - Eu vou garantir que sim, menina. Ninguém fica à toa conversando na minha cozinha, pode ter certeza.
Temendo que sua oportunidade pudesse estar escorregando por entre os dedos, Jenny usou o seu maior trunfo.
- Eu tenho o corpo ideal para isso - ela afirmou. Chubb tinha que concordar que ela era bem nutrida. Arald, não pela primeira vez naquela manhã, escondeu um sorriso.
- Ela tem razão nesse ponto, Chubb - ele comentou, e o cozinheiro virou-se para o barão, mostrando estar de acordo.
- O corpo é importante, senhor. Todos os grandes cozinheiros costumam ser... um pouco cheios.
Ele se virou para a moça ainda pensativo. Se os outros queriam aceitar seus alunos num piscar de olhos era problema deles, mas cozinhar era uma coisa especial.
- Diga-me - ele pediu à menina ansiosa -, o que você faria com uma torta de peru?
- Eu iria comê-la - Jenny respondeu imediatamente, sorrindo de modo encantador.
Chubb deu uma pancadinha na cabeça dela com a colher de pau.
- Eu estava me referindo ao modo de prepará-la.
Jenny hesitou, pensou e então iniciou uma longa descrição técnica de como assaria a sua obra-prima. Os outros quatro protegidos, o barão, os mestres de ofício e Martin ouviram tudo com certa admiração, porém sem entender nada do que ela dizia. Chubb, entretanto, assentiu várias vezes enquanto ela falava e a interrompeu quando ela deu detalhes sobre como abrir a massa.
- Você disse nove vezes? - ele perguntou curioso, e Jenny concordou, certa do que dizia:
- Minha mãe sempre dizia: "Oito vezes para deixá-la folhada e mais uma vez com um toque de amor."
Chubb assentiu pensativo.
- Interessante. Interessante - ele comentou, olhando então para o barão. - Vou ficar com ela, meu senhor.
- Que surpresa - o barão retrucou com suavidade. - Muito bem, apresente-se na cozinha pela manhã, Jennifer - ele acrescentou.
- Jenny, senhor - a menina corrigiu novamente com um sorriso que iluminou a sala.
O barão Arald sorriu e observou o pequeno grupo diante dele.
- Ainda temos mais um candidato.
Ele consultou a lista e então olhou para Will, que estava inquieto. O barão lhe fez um gesto de encorajamento.
Will deu um passo à frente, sentindo o nervosismo secar sua garganta de repente e fazer que sua voz se transformasse num mero sussurro.
- Will, senhor. O meu nome é Will.
- Will? Will de quê? - Martin perguntou exasperado, examinando as folhas de papel que continham os detalhes sobre os candidatos. Ele era secretário do barão há apenas cinco anos e por isso não conhecia a história de Will. Percebeu então que não havia um sobrenome nos documentos do garoto e ficou aborrecido por achar que tinha deixado passar esse erro.
- Qual é o seu sobrenome, menino? - ele perguntou com severidade.
Will olhou para ele hesitante, odiando aquele momento.
- Eu... não tenho... - ele começou, mas felizmente o barão intercedeu.
- Will é um caso especial, Martin - ele informou com calma e com um olhar que ordenava que o secretário esquecesse o assunto.
Em seguida, virou-se para Will com um sorriso encorajador.
- A que escola quer se candidatar, Will? - ele perguntou.
- Para a Escola de Guerra, por favor, meu senhor. - Will respondeu, tentando parecer confiante em sua escolha.
O barão franziu a testa, e Will sentiu as esperanças desaparecerem.
- Escola de Guerra, Will? Você não acha que é... um pouco pequeno para isso? - o barão perguntou com delicadeza.
Will mordeu o lábio. Ele tinha se convencido de que, se desejasse muito, se acreditasse bastante em si mesmo, seria aceito, mesmo com suas falhas evidentes.
- Eu ainda não passei pela "arrancada no crescimento", senhor. - ele disse desesperado. - Todos dizem isso.
O barão esfregou a barba com o polegar e o indicador ao analisar o garoto parado diante dele e olhou para o mestre de guerra.
- Rodney? - ele chamou.
O alto cavaleiro se adiantou, examinou Will por alguns instantes e lentamente balançou a cabeça.
- Sinto dizer que ele é muito pequeno, meu senhor. - ele disse. Will sentiu um aperto no coração.
- Sou mais forte do que pareço, senhor. - ele garantiu.
Mas o mestre de guerra não se deixou convencer pela afirmação.
Ele olhou para o barão, deixando claro que a situação o desagradava, e balançou a cabeça.
- Alguma outra opção, Will? - o barão perguntou com gentileza e preocupação.
Will hesitou por um longo momento. Ele nunca tinha considerado outra escolha.
- Escola de Cavalaria, senhor? - ele perguntou finalmente.
A Escola de Cavalaria treinava e cuidava dos poderosos cavalos de batalha usados pelos cavaleiros do castelo. Will pensou que, pelo menos, seria uma ligação com a Escola de Guerra. Mas Ulf, o mestre da cavalaria, já estava balançando a cabeça antes mesmo de o barão pedir sua opinião.
- Preciso de aprendizes, meu senhor, mas este é pequeno demais. Ele nunca vai conseguir controlar um de meus cavalos. Vão pisoteá-lo assim que olharem para ele.
Naquele momento, Will só conseguia enxergar o barão através de uma névoa esfumaçada. Ele lutava desesperadamente para evitar que as lágrimas escorressem pelo rosto. Ser rejeitado pela Escola de Guerra, perder o controle e chorar como um bebê na frente do barão, dos mestres de ofício e de seus colegas seria muito humilhante.
- Quais são as suas qualidades, Will? - o barão perguntou. Ele pôs a cabeça para funcionar. Não era bom nas aulas e em línguas como Alysson, não conseguia formar letras bonitas e perfeitas como George nem se interessava por culinária como Jenny.
E, certamente, não tinha os músculos e a força de Horace.
- Sei escalar muito bem, senhor - disse finalmente, percebendo que o barão esperava sua resposta.
Mas logo se deu conta de que tinha cometido um erro, pois Chubb, o cozinheiro, olhou para ele zangado.
- Ele sabe escalar, sim, senhor. Eu lembro quando subiu numa calha na minha cozinha e roubou uma bandeja de bolinhos que estavam esfriando no peitoril da janela.
Will ficou desanimado. Aquilo tinha acontecido há séculos! Ele quis contar que era uma criança na época e que tinha sido apenas uma brincadeira infantil. Mas agora o mestre escriba também estava falando.
- Na última primavera, ele subiu até o nosso gabinete no segundo andar e soltou dois coelhos durante um de nossos debates sobre questões legais. Extremamente lamentável.
- Coelhos, mestre escriba? - o barão perguntou, e Nigel assentiu vigorosamente.
- Um casal, meu senhor, se o senhor me entende - ele respondeu. - Extremamente lamentável!
Sem que Will visse, a muito séria lady Pauline colocou a mão na frente da boca num gesto elegante. Talvez ela estivesse disfarçando um bocejo, mas, quando retirou a mão, ainda foi possível entrever o final de um sorriso.
- Bem, sim - comentou o barão. - Nós todos sabemos como são os coelhos.
- E, como eu disse, era primavera - Nigel continuou, caso o barão não tivesse entendido.
Lady Pauline deixou escapar uma tosse nada feminina. O barão olhou para ela surpreso.
- Acho que compreendemos, mestre escriba - ele disse, voltando a olhar para a figura desesperada à sua frente.
Will manteve o queixo erguido e olhava direto para a frente. O barão sentiu pena do jovem naquele momento. Ele podia ver as lágrimas se formando nos olhos vivos e castanhos, presas somente por uma determinação de ferro. "Força de vontade", pensou. Não lhe agradava fazer o garoto passar por tudo aquilo, mas era assim que tinha que ser. Ele suspirou silenciosamente.
- Há alguém que possa usar esse garoto? - ele perguntou. Contra sua vontade, Will virou a cabeça e olhou suplicante para a fila de mestres de ofício, rezando para que um deles cedesse e o aceitasse. Um por um, em silêncio, eles sacudiram a cabeça negativamente.
Surpreendentemente, foi o arqueiro quem quebrou o desagradável silêncio da sala.
- Há uma coisa que o senhor deve saber sobre este garoto, meu senhor - ele disse com uma voz grave e suave.
Aquela era a primeira vez que Will o ouvia falar. Ele se adiantou e entregou uma folha de papel dobrada ao barão. Arald a abriu, leu as palavras nela escritas e franziu a testa.
- Você tem certeza disso, Halt?
- Absoluta, meu senhor.
O barão dobrou o papel com cuidado e o colocou na mesa. Ele tamborilou os dedos no tampo da mesa e disse:
- Vou ter que pensar nisso durante a noite.
Halt concordou e deu um passo para trás, parecendo desaparecer no fundo. Will o olhou com ansiedade, perguntando-se que informação a figura misteriosa tinha passado ao barão. Como a maioria das pessoas, Will tinha crescido acreditando que era melhor evitar os arqueiros. Eles faziam parte de um grupo secreto e místico, envolto em mistério e incerteza, o que, por sua vez, levava ao medo.
Will não gostou da idéia de que Halt sabia algo a seu respeito - algo que era importante o bastante para chamar a atenção do barão naquele dia. A folha de papel continuava ali, torturantemente perto, no entanto impossível de ser alcançada.
O garoto percebeu um movimento ao seu redor. O barão estava falando com outras pessoas na sala.
- Felicitações aos que foram escolhidos hoje. Este é um grande dia para todos, portanto vocês têm o resto dele livre. Aproveitem. As cozinhas prepararão um banquete no seu alojamento e durante o resto da tarde vocês estão livres para visitar o castelo e a vila. Amanhã cedo, apresentem-se aos seus novos mestres de ofício. E, se quiserem aceitar um conselho, sejam pontuais - ele sorriu para os quatro e então se dirigiu para Will com uma ponta de simpatia na voz.
- Will, amanhã vou dizer o que decidi a seu respeito - ele se virou para Martin e fez um gesto para que conduzisse os aprendizes para fora. - Obrigado a todos - ele disse, saindo do aposento pela porta atrás da mesa.
Os mestres de ofício deixaram a sala e Martin conduziu os protegidos até a saída. Eles conversavam entusiasmados, aliviados e satisfeitos por terem sido aceitos pelos mestres de sua escolha.
Will ficou para trás, hesitando diante da folha de papel ainda na mesa. Ele olhou para ela por um instante como se pudesse, de alguma forma, enxergar as palavras escritas do outro lado. Teve a mesma impressão de que alguém o observava, como antes. E então se defrontou com os olhos escuros do arqueiro, que tinha ficado atrás da cadeira de encosto alto do barão, quase invisível embaixo de seu estranho manto.
Will estremeceu num repentino momento de medo e saiu apressado da sala.
Já tinha passado muito da meia-noite. As tochas trêmulas ao redor do pátio do castelo, já substituídas uma vez, estavam enfraquecendo novamente. Will tinha observado pacientemente o passar das horas, esperando o momento em que a luz estaria fraca e os guardas estariam bocejando na última hora de seu turno.
O dia tinha sido um dos piores de que podia se lembrar. Enquanto os colegas comemoravam, aproveitavam o banquete e se divertiam barulhentamente pelo castelo e pela vila, Will tinha se escondido no silêncio da floresta a cerca de 1 quilômetro dos muros do castelo. Ali, na sombra verde e fresca das árvores, ele tinha passado a tarde refletindo tristemente sobre o que tinha acontecido na Escolha, sofrendo com o desapontamento e imaginando o que o papel do arqueiro dizia.
À medida que o longo dia se arrastava e as sombras começavam a ficar mais compridas nos campos abertos ao lado da floresta, ele tomou uma decisão.
Tinha que saber o que estava escrito no papel. E seria naquela noite.
Quando escureceu, Will voltou, evitando os moradores da vila e do castelo, e se escondeu nos galhos da grande figueira novamente. Antes disso, entrou às escondidas nas cozinhas e se serviu de pão, queijo e maçãs. Ele passou as horas mastigando os alimentos quase sem sentir seu sabor, enquanto o tempo passava e o castelo começava a se preparar para a noite.
Will observou os movimentos dos guardas e os horários das trocas de turno. Além da tropa da guarda, havia um sargento de plantão na porta da torre que levava aos aposentos do barão. Mas ele era gordo e estava sonolento, então havia pouca chance de que pudesse representar risco. Afinal, Will não tinha a intenção de usar a porta ou a escada.
Ao longo dos anos, a sua curiosidade insaciável e a tendência para ir a lugares em que não deveria estar tinham desenvolvido nele a habilidade de atravessar espaços abertos sem ser visto.
O vento balançava os galhos mais altos das árvores, e eles criavam formas agitadas sob a luz da Lua, formas que agora Will sabia usar muito bem. Instintivamente, ele combinava seus movimentos com o ritmo das árvores, misturando-se facilmente às formas criadas pelas sombras no pátio, tornando-se parte delas e se escondendo nelas. De certa forma, a falta de uma cobertura concreta facilitava um pouco a sua tarefa. O sargento gordo não esperava que alguém fosse atravessar o pátio aberto e, assim, por não esperar ver uma pessoa, não via ninguém.
Sem fôlego, Will se achatou contra as pedras ásperas da parede da torre. O sargento estava a menos de 5 metros de distância, e Will podia até ouvir a sua respiração pesada, mas um pilar o escondia do homem. Ele estudou a parede à sua frente e esticou o pescoço para olhar para cima. A janela do gabinete do barão ficava bem no alto, do outro lado da torre. Para chegar até lá, teria que escalar a parede e circundá-la até um ponto além de onde o sargento montava guarda e então subir novamente até a janela. Will molhou os lábios nervoso. Ao contrário das paredes internas lisas da torre, os grandes blocos de pedra que cobriam a parte de fora tinham grandes espaços entre eles. Subir não seria problema, e ele teria vários pontos de apoio para os pés e as mãos em todo o trajeto. Em alguns lugares, a ação do tempo tinha deixado as pedras lisas, e ele teria que se mover com cuidado. Mas tinha escalado todas as outras três torres no passado e não esperava ter dificuldades com essa.
Desta vez, porém, se fosse visto, não poderia alegar que se tratava de uma brincadeira. Ele estaria escalando uma parte do castelo em que não tinha o direito de estar no meio da noite. Afinal, o barão não colocava guardas para vigiar sua torre por diversão. As pessoas deveriam se manter afastadas, a menos que fossem convidadas.
Will esfregou as mãos ansioso. Que castigo poderia receber? Já tinha sido excluído na Escolha, ninguém o queria e já estava condenado a viver nos campos. O que poderia ser pior do que isso?
Mas havia uma dúvida que o perturbava: ele não tinha certeza absoluta de que estava condenado a essa vida. Uma leve centelha de esperança ainda permanecia acesa. Talvez o barão cedesse. Se Will lhe explicasse sobre o pai e dissesse o quanto era importante ser aceito na Escola de Guerra, talvez houvesse uma pequena chance de que seu desejo fosse atendido. E então, depois de aceito, poderia mostrar como seu entusiasmo e dedicação fariam dele um aluno valioso até que se desenvolvesse fisicamente.
Por outro lado, se fosse apanhado nos próximos minutos, não sobraria nem essa pequena chance. Ele não tinha idéia do que lhe fariam se fosse pego, mas estava certo de que não teria nada a ver com sua aceitação na Escola de Guerra.
Ele hesitou, pois precisava apenas de mais uma pequena desculpa para agir. E foi o sargento que a ofereceu. Will escutou o guarda respirar fundo e bater as botas de encontro às pedras enquanto reunia seu equipamento. "Ele vai sair para fazer uma de suas rondas", o garoto pensou. Normalmente, isso significava andar alguns metros ao redor da torre e na entrada e então voltar à posição original. A ronda servia mais para mantê-lo acordado do que outra coisa, mas Will percebeu que eles ficariam cara a cara nos próximos segundos se não fizesse alguma coisa.
Rápida e facilmente, começou a escalar a parede. Ele subiu os primeiros 5 metros em questão de segundos, com braços e pernas estendidos como uma aranha gigante. Então, ao ouvir os passos pesados diretamente abaixo dele, Will ficou paralisado, colado à parede para que nenhum barulho alertasse o guarda.
De fato, parecia que o sargento tinha ouvido algo. Ele parou bem embaixo de Will, espiou para dentro da noite, tentando ver além das sombras criadas pela Lua e das árvores que balançavam. Mas, como Will tinha percebido na noite anterior, as pessoas raramente olham para cima. O sargento, finalmente certo de que não tinha ouvido nada importante, continuou a marchar lentamente ao redor da torre.
Aquela era a oportunidade de que Will precisava. Ela também lhe permitia passar ao outro lado da torre e ficar exatamente embaixo da janela que queria. Ele encontrou apoio para os pés e as mãos com facilidade e se movimentou quase tão depressa quanto se estivesse andando, a cada instante atingindo um ponto mais alto da parede.
Em certo momento, cometeu o erro de olhar para baixo. Apesar de se sentir à vontade em lugares altos, a sua visão oscilou levemente quando viu até onde tinha chegado e o quanto as pedras que revestiam o pátio estavam longe. O sargento, que ele conseguia ver outra vez, era somente uma figura minúscula lá embaixo. Will esforçou-se para dominar a leve tontura e continuou a escalada, talvez agora um pouco mais devagar e com mais cuidado do que antes.
Will ficou um pouco nervoso quando, ao esticar o pé direito em busca de um novo apoio, o pé esquerdo escorregou na borda arredondada dos enormes blocos de pedra e ele ficou pendurado apenas pelas mãos, procurando desesperadamente um local para apoiar os pés. Mas logo em seguida se recuperou e continuou a escalada.
O garoto foi invadido por uma onda de alívio quando as mãos finalmente chegaram ao peitoril da janela e ele impulsionou o corpo para cima, pulando para dentro da sala.
Como era de se esperar, o gabinete do barão estava deserto. A Lua jogava a sua luz pela janela imensa.
E ali, na escrivaninha onde o barão a tinha deixado, estava a folha de papel que continha a resposta sobre o futuro de Will. Inquieto, ele olhou ao redor. A enorme cadeira de encosto alto do barão parecia uma sentinela atrás da mesa. Os outros poucos móveis se erguiam escuros e inertes. Em uma das paredes, o retrato de um dos ancestrais do barão olhava acusador para o menino.
Ele afastou esses pensamentos cheios de imaginação e foi rapidamente até a mesa, os pés se movimentando em silêncio dentro das botas de couro macio. A folha de papel, muito branca sob a luz da Lua, estava a seu alcance. "Olhe, leia e vá embora", ele disse a si mesmo. Aquilo era tudo o que tinha a fazer. Will estendeu a mão em sua direção.
Os seus dedos a tocaram.
E uma mão disparou do nada, segurando seu punho.
Will gritou assustado. Seu coração deu um salto, e ele se deparou com os olhos frios de Halt, o arqueiro.
De onde ele tinha vindo? Will tinha certeza de que não havia mais ninguém na sala e não tinha ouvido o barulho de nenhuma porta se abrindo. Então ele se lembrou de como o arqueiro conseguia se envolver no estranho manto verde-acinzentado e se misturar ao ambiente, escondendo-se nas sombras até ficar invisível.
Não que importasse como Halt tinha conseguido entrar. O verdadeiro problema era que Will tinha sido apanhado ali, no gabinete do barão, e isso significava o fim de todas as suas esperanças.
- Imaginei que você tentaria alguma coisa desse tipo - o arqueiro disse em voz baixa.
Will, com o coração acelerado por causa do susto, não disse nada. Baixou a cabeça envergonhado e desesperado.
- Você não tem nada a dizer? - Halt perguntou.
Ele balançou a cabeça negativamente, sem querer encontrar o olhar sombrio e penetrante do arqueiro. As palavras seguintes de Halt confirmaram os seus temores mais profundos.
- Bem, vamos ver o que o barão vai achar disso.
- Por favor, Halt! Não... - e então Will parou.
Não havia desculpa para a sua atitude, e o mínimo que podia fazer era enfrentar o castigo como um homem. Como um guerreiro. Como o seu pai.
O arqueiro o analisou por um momento, e Will imaginou ter visto o que poderia ser um leve brilho de reconhecimento, mas então o olhar escureceu outra vez.
- O quê? - Halt perguntou ríspido.
- Nada - Will respondeu, balançando a cabeça.
A mão de Halt parecia de ferro quando ele conduziu Will pelo punho para fora da sala até as escadas em curva que levavam aos aposentos do barão. As sentinelas que se encontravam no alto dos degraus olharam surpresas ao verem o rosto zangado do arqueiro e o garoto ao seu lado. A um leve sinal de Halt, afastaram-se e abriram as portas do apartamento do barão.
O aposento estava muito bem iluminado e, por um momento, Will olhou ao redor confuso. Ele estava certo de que tinha visto as luzes se apagarem enquanto vigiava na árvore. Então viu as cortinas grossas na janela e compreendeu. Ao contrário do gabinete de trabalho, com poucos móveis, o quarto era uma confortável combinação de sofás, banquetas, tapeçaria e poltronas. O barão estava sentado em uma delas lendo uma pilha de relatórios.
Ele levantou o olhar da página que segurava quando Halt entrou.
- Então você tinha razão - o barão comentou, e Halt assentiu.
- Exatamente como eu previ, meu senhor. Atravessou o pátio do castelo como uma sombra, passou pela sentinela como se ela não existisse e escalou a torre como uma aranha.
O barão colocou o relatório numa mesa de canto e se inclinou para a frente.
- Você está me dizendo que ele escalou a torre? - ele perguntou quase sem acreditar.
- Sem cordas nem escadas, meu senhor. Escalou com a mesma facilidade com que o senhor monta seu cavalo pela manhã. Com mais facilidade, eu diria - Halt completou com um leve sorriso.
O barão franziu a testa. Ele estava um pouco acima do peso e, às vezes, precisava de ajuda para montar no cavalo depois uma noite maldormida. Estava claro que não tinha achado graça do comentário de Halt.
- Ora, então - ele disse, olhando sério para Will - esse é um assunto grave.
Will não disse nada. Não sabia se deveria ou não concordar. Qualquer uma das alternativas apresentava desvantagens, mas desejou que Halt não tivesse deixado o barão de mau humor ao lembrá-lo de seu excesso de peso. Isso certamente não facilitaria as coisas.
- Então, o que devemos fazer com você, meu jovem Will? - o barão continuou.
Ele levantou da cadeira e começou a andar pelo quarto. Will olhou para ele e tentou avaliar o seu humor. O rosto forte e barbado nada demonstrava. O barão parou de andar e deslizou o dedo pela barba pensativo.
- Diga-me, meu jovem Will, o que você faria no meu lugar? - ele perguntou sem olhar para o garoto angustiado. - O que você faria com um garoto que invade seu gabinete no meio da noite e tenta roubar um documento importante?
- Eu não estava roubando, meu senhor!
A frase escapou da boca de Will antes que pudesse impedir. O barão se virou para ele com uma das sobrancelhas erguidas, parecendo não acreditar no que ouvia.
- Eu só queria... ver o papel, só isso.
- Talvez - o barão replicou ainda com a sobrancelha levantada. Mas você não respondeu minha pergunta. O que faria no meu lugar?
Will abaixou a cabeça outra vez. Ele podia pedir misericórdia, pedir desculpas ou tentar explicar. Mas então endireitou os ombros e tomou uma decisão. Sabia quais seriam as consequências de ser apanhado e tinha escolhido correr o risco. Não tinha o direito de pedir perdão.
- Meu senhor... - ele começou hesitante, sabendo que aquele era um momento decisivo em sua vida.
O barão olhou para ele, ainda um pouco virado para a janela.
- Sim? - ele perguntou e, de algum modo, Will encontrou forças para continuar.
- Meu senhor, não sei o que faria em seu lugar. Sei que não há desculpas para minha atitude e vou aceitar qualquer castigo que decidir me dar.
Enquanto falava, ele ergueu o rosto para olhar nos olhos do barão. E, ao fazer isso, notou quando o nobre olhou rapidamente para Halt. Era estranho: esse olhar parecia ser de aprovação e concordância, mas logo desapareceu.
- Alguma sugestão, Halt? - o barão perguntou num tom cuidadosamente neutro.
Will olhou para o arqueiro. Como sempre, o rosto dele estava sério. A barba grisalha e os cabelos curtos faziam que parecesse ainda mais descontente, mais ameaçador.
- Talvez devêssemos mostrar o papel que ele estava tão ansioso para ver, meu senhor - ele sugeriu, tirando a folha de dentro da manga.
O barão permitiu que um sorriso surgisse em seu rosto.
- Não é má idéia - concordou. - Acho que, de certa forma, ele mostra o seu castigo, não é mesmo?
Will olhou para os dois homens. Estava acontecendo alguma coisa que ele não entendia. O barão parecia pensar que o que ele tinha dito era um tanto divertido. Halt, por outro lado, não estava se divertindo nem um pouco.
- Se essa é a sua opinião, meu senhor... - ele respondeu sem demonstrar emoções.
O barão acenou para ele impaciente.
- Não fique tão sério, Halt! Vamos lá, mostre-lhe o papel.
O arqueiro atravessou o aposento e entregou a Will a folha pela qual ele tinha se arriscado tanto. A mão do garoto tremia ao pegá-la. Seu castigo? Mas como o barão sabia que ele merecia um castigo antes de tudo acontecer?
Ele se deu conta de que o barão o observava ansioso. Halt, como sempre, parecia uma estátua imperturbável. Will desdobrou a folha de papel e leu o que Halt tinha escrito nela.
O garoto Will tem potencial para ser treinado como arqueiro. Vou aceitá-lo como meu aprendiz.
Will leu as palavras escritas no papel e ficou totalmente confuso. Sua primeira reação foi de alívio. Ele não seria condenado a uma vida de trabalho no campo e não seria punido por ter subido ao gabinete do barão. Então, a sensação inicial de alívio deu lugar a uma dúvida repentina e terrível. Além de mitos e superstições, não sabia nada sobre os arqueiros. Ele não sabia nada sobre Halt, além do fato de que o homem sombrio vestido de cinza o deixava nervoso sempre que estava por perto.
Agora, ao que parecia, estava sendo destinado a passar todo o tempo com ele e não tinha certeza de que gostava muito da idéia.
Ele olhou para os dois homens. O barão sorria esperançoso, aparentemente achando que Will devia ficar satisfeito com a idéia. Ele não conseguia ver o rosto de Halt com clareza. O capuz do manto o deixava na sombra.
O sorriso do barão se apagou um pouco, e ele pareceu um tanto confuso com a reação de Will à notícia, ou melhor, com a falta de uma reação visível.
- Bem, o que me diz, Will? - ele perguntou num tom encorajador.
- Obrigado, barão... meu senhor - ele disse hesitante, respirando fundo.
E se a brincadeira que o barão tinha feito antes, sobre o bilhete conter o seu castigo, fosse mais séria do que tinha imaginado? Talvez ser indicado como aprendiz de Halt fosse o pior castigo que ele pudesse receber. Mas o barão não dava essa impressão. Parecia muito satisfeito com a idéia, e Will sabia que ele não era um homem cruel. O barão soltou um leve suspiro de prazer quando se sentou na poltrona, olhou para o arqueiro e fez um gesto na direção da porta.
- Talvez você possa nos dar alguns minutos a sós, Halt? Eu gostaria de trocar uma palavrinha com Will em particular - ele solicitou. O arqueiro curvou-se sério.
- Certamente, meu senhor - o arqueiro retrucou com a voz que saía do fundo do capuz.
Ele passou por Will silenciosamente, como sempre, saiu da sala e foi até o corredor. A porta se fechou atrás dele quase sem nenhum barulho e Will estremeceu. Aquele homem era sinistro!
- Sente-se, Will - o barão convidou, indicando uma das poltronas baixas em frente à dele.
Nervoso, Will sentou-se na beirada do móvel como que preparado para fugir. O barão notou a linguagem corporal e suspirou.
- Você não parece muito satisfeito com minha decisão - ele falou parecendo decepcionado.
A reação confundiu Will, pois jamais imaginou que uma figura poderosa como o barão iria se importar com o que um simples protegido pensasse de suas decisões. Ele não soube o que responder e, assim, ficou sentado em silêncio, até que finalmente o barão continuou.
- Você preferiria trabalhar numa fazenda? - perguntou.
Ele não conseguia acreditar que um garoto cheio de entusiasmo e energia como esse iria querer levar uma vida monótona e tranquila como aquela, mas talvez estivesse enganado. Will rapidamente mostrou que não era esse o caso.
- Não, senhor! - ele disse depressa.
- Bem, então teria preferido que eu encontrasse algum castigo pelo que fez? - o barão retrucou com um leve gesto interrogativo das mãos.
Will começou a falar, mas percebeu que suas palavras talvez fossem ofensivas e parou. Com um gesto, o barão pediu que continuasse.
- É que... Não sei bem se não foi isso o que fez, senhor - ele disse.
Então, notando a expressão séria no rosto do barão, se apressou em continuar.
- Não sei muito sobre os arqueiros, senhor. E as pessoas dizem...
Lentamente, ele parou de falar. Era óbvio que o barão tinha grande consideração por Halt, e Will achou que não seria muito educado revelar que as pessoas comuns temiam os arqueiros e pensavam que eles eram feiticeiros. Ele percebeu que o barão acenava com a cabeça, e um olhar de compreensão substituiu a expressão confusa.
- Entendo. As pessoas dizem que eles praticam magia negra, não é mesmo? - ele comentou e Will assentiu sem mesmo perceber que o fazia.
- Diga-me, Will, você acha Halt uma pessoa assustadora?
- Não, senhor! - Will respondeu depressa e então, quando o barão o olhou com firmeza, acrescentou relutante:
- Bem, talvez um pouquinho.
O barão se recostou na poltrona e juntou os dedos das mãos. Agora que entendia o motivo da relutância do garoto, repreendeu-se mentalmente por não ter previsto essa reação. Afinal, o seu conhecimento sobre o grupo dos arqueiros era melhor do que se poderia esperar de um jovem rapaz que tinha acabado de completar 15 anos e ouvia os comentários supersticiosos habituais dos empregados do castelo.
- Os arqueiros são um grupo de pessoas misteriosas - ele afirmou. - Mas não há motivo para ter medo deles, a menos que você seja inimigo do reino.
Ele percebeu que o menino prestava muita atenção às suas palavras e acrescentou em tom de brincadeira:
- Você não é um inimigo do reino, é, Will?
- Não, senhor! - Will respondeu repentinamente assustado, e o barão suspirou novamente.
Ele detestava quando as pessoas não percebiam que estava brincando. Infelizmente, como senhor do castelo, as suas palavras eram tratadas com grande seriedade por quase todas as pessoas.
- Está bem, está bem - ele disse em tom tranquilizador. - Eu sei que você não é. Mas, acredite, pensei que você ficaria satisfeito com essa indicação. Um rapaz aventureiro como você combina com a vida dos arqueiros como um pato com a água. É uma grande oportunidade para você, Will.
Ele fez uma pausa, analisando o rapaz com atenção, percebendo que ele ainda não estava totalmente convencido.
- Você sabia que poucos rapazes são escolhidos como aprendizes de arqueiros? A oportunidade não costuma aparecer sempre.
Will assentiu ainda hesitante. Ele achou que o seu sonho de entrar na Escola de Guerra merecia mais uma tentativa. Afinal, o barão parecia estar num humor fora do comum naquela madrugada, apesar de Will ter invadido o seu gabinete.
- Eu queria ser um guerreiro, senhor - ele disse hesitante, mas o barão sacudiu a cabeça imediatamente.
- Eu acho que você tem outros talentos. Halt percebeu isso assim que o viu. Foi por isso que ele pediu você.
- Oh!
Will se surpreendeu. Não havia muito mais o que pudesse dizer. Ele sentiu que deveria ficar tranquilo com tudo o que o barão tinha dito e, de certo modo, estava. Mas todos os acontecimentos ainda estavam cercados de muita incerteza.
- É que Halt parece tão sério o tempo todo.
- Ele realmente não é muito divertido - o barão concordou e então, quando Will olhou para ele com um jeito inexpressivo, resmungou algo.
Will não tinha certeza do que tinha feito para aborrecê-lo e achou melhor mudar de assunto.
- Mas... o que um arqueiro faz, meu senhor? - ele perguntou. Mais uma vez, o barão balançou a cabeça.
- Isso é algo que Halt vai lhe dizer. Eles são um grupo diferente e não gostam que outras pessoas falem muito deles. Agora, acho melhor você voltar ao alojamento e dormir um pouco. Deve se apresentar ao chalé de Halt às 6 horas.
- Sim, meu senhor - Will concordou, levantando-se da posição desconfortável na beira da poltrona.
Ele não estava certo de que iria gostar da vida como aprendiz de arqueiro, mas parecia que não tinha escolha. Curvou-se diante do barão, que respondeu com um leve aceno, e então se virou para sair. A voz do barão o interrompeu.
- Will, desta vez use as escadas.
- Sim, meu senhor - ele replicou sério e um pouco confuso pelo jeito como o barão revirou os olhos para o céu e resmungou algo novamente.
Desta vez, Will conseguiu entender algumas palavras. E teve a impressão de que era algo sobre piadas.
Will saiu pela porta. As sentinelas ainda estavam posicionadas no alto das escadas, mas Halt tinha ido embora.
Ou, pelo menos, parecia que sim. Com o arqueiro, nunca se podia ter certeza.

Parecia estranho deixar o castelo depois de todos aqueles anos. Will se virou ao pé do morro com a pequena trouxa de pertences jogada por cima do ombro e olhou para os muros imensos.
O Castelo Redmont dominava a paisagem. Construído no alto de uma pequena colina, voltado para o oeste, ele tinha uma estrutura triangular maciça e uma torre em cada um dos três cantos. No centro, protegido pelos muros altos, estavam o pátio do castelo e a fortaleza, uma quarta torre que se elevava acima das outras e que continha a residência oficial do barão, seus aposentos particulares e os de seus oficiais superiores. O castelo tinha sido construído com minério de ferro - uma pedra quase indestrutível - e, sob o sol fraco da manhã ou da tarde, parecia emitir um brilho interno vermelho. Era essa característica que lhe dava nome: Redmont - Red Mountain (Montanha Vermelha).
Ao pé da colina e do outro lado do Rio Tarbus estava a vila de Wensley, um grupo confuso e alegre de casas, uma pousada e as lojas dos artesãos - uma tonelaria, uma oficina de conserto de rodas, uma ferraria e uma selaria. Parte das terras ao redor tinha sido desmatada para proporcionar áreas de cultivo para os moradores da vila e evitar que os inimigos pudessem se aproximar sem ser vistos. Em épocas de perigo, os moradores conduziam seus rebanhos para o outro lado da ponte de madeira que cruzava o Tarbus e buscavam abrigo atrás dos muros maciços do castelo, protegidos pelos soldados do barão e pelos cavaleiros treinados na Escola de Guerra de Redmont.
Escondido no bosque, o chalé de Halt ficava a certa distância do castelo e da vila. O sol acabava de se levantar acima das árvores quando Will se aproximou da cabana de madeira. Uma fina espiral de fumaça saía pela chaminé, e Will calculou que Halt já tinha acordado. Ele subiu na varanda que havia num dos lados da casa, hesitou um momento e então, respirando fundo, bateu com firmeza na porta.
- Entre - respondeu uma voz vinda de dentro. Will abriu a porta e entrou no chalé.
A cabana era pequena, mas surpreendentemente arrumada e confortável. Ele se viu na sala principal, uma combinação de sala de visitas e de jantar que tinha uma pequena cozinha numa das pontas, separada da área principal por um banco de pinho. Havia poltronas confortáveis dispostas ao redor da lareira, uma mesa de madeira bem limpa e potes e panelas tão polidos que chegavam a brilhar. Havia até um vaso com flores silvestres coloridas no consolo da lareira, e o sol claro da manhã entrava alegremente por uma janela grande. Da sala saía um corredor que levava a dois quartos.
Halt estava sentado em uma das cadeiras com os pés pousados na mesa.
- Pelo menos você chegou na hora - ele resmungou. - Já tomou café?
- Sim, senhor - Will respondeu, olhando fascinado para o arqueiro.
Aquela era a primeira vez que o via sem o casaco e o capuz cinza-esverdeado. O arqueiro usava roupas simples marrons e cinza e botas de couro macio. Ele era mais velho do que Will tinha imaginado. Os cabelos e a barba eram curtos e escuros, mas já apresentavam alguns fios grisalhos. O corte era estranho e parecia ter sido feito pelo próprio Halt com uma faca de caça.
O arqueiro se levantou. Ele era surpreendentemente pequeno, algo que Will nunca tinha percebido. O casaco cinza escondia muito a seu respeito. Ele era magro e, na verdade, muito mais baixo do que a média, mas transmitia uma sensação de poder e força que compensava a sua falta de altura e fazia dele uma figura intimidadora.
- Acabou de olhar? - ele perguntou de repente. Will deu um salto nervoso.
- Sim, senhor. Desculpe, senhor!
Halt resmungou. Ele apontou para um dos pequenos quartos que Will tinha notado quando entrou.
- Aquele é o seu quarto. Pode colocar as suas coisas ali.
Ele se afastou para o fogão na área da cozinha, e Will, hesitante, entrou no quarto que lhe foi mostrado. O aposento era pequeno, mas, como o restante do chalé, também era limpo e de aspecto confortável. Havia uma pequena cama encostada a uma das paredes, um guarda-roupa e uma mesa rústica com uma jarra e uma bacia. Will notou que também havia um vaso de flores silvestres recém-colhidas dando um toque de cor ao aposento. Ele colocou a pequena trouxa de roupas e pertences na cama e voltou para a sala principal.
Halt, de costas, ainda estava ocupado no fogão. Will tossiu para atrair a sua atenção. Halt continuou a mexer o café num pote.
Will tossiu outra vez.
- Pegou um resfriado, garoto? - o arqueiro perguntou sem se virar.
- Ahn... não, senhor.
- Então por que está tossindo? - Halt perguntou, virando-se para olhar para ele.
- Bem, senhor, é que eu queria perguntar... o que é mesmo que um arqueiro faz?
- Ele não faz perguntas sem sentido, garoto! Ele fica de olhos e ouvidos abertos, presta atenção e escuta e, no fim, se não for surdo, aprende alguma coisa!
- Ah! Entendi.
Ele não tinha entendido e, apesar de perceber que não era o momento certo para fazer mais perguntas, não conseguiu evitar repetir, numa atitude um pouco rebelde:
- É que eu fiquei imaginando o que os arqueiros faziam, só isso.
Halt percebeu o tom em sua voz e se virou para ele com um brilho estranho no olhar.
- Bom, então acho melhor eu lhe dizer. Os arqueiros, ou melhor, os aprendizes fazem trabalho doméstico.
Will repetiu desajeitado.
- Trabalho doméstico?
Halt concordou com um gesto, parecendo muito satisfeito consigo mesmo.
- Isso mesmo. Dê uma olhada por aí - ele disse mostrando o interior da cabana. - Está vendo algum empregado?
- Não, senhor - Will respondeu devagar.
- Pois é isso mesmo! Porque este não é um castelo enorme com uma equipe de empregados. Esta é uma cabana modesta, e precisamos buscar água, rachar lenha, varrer o chão e bater os tapetes. E quem você acha que vai fazer tudo isso, garoto?
Will tentou pensar numa resposta diferente da que parecia óbvia.
- Seria eu, senhor? - ele perguntou finalmente.
- Acho que sim! - o arqueiro respondeu, descrevendo em seguida uma lista de tarefas rispidamente. - O balde está aqui; o barril, lá fora, do lado da porta; a água, no rio; a enxada, na varanda; a lenha, atrás da cabana. A vassoura está atrás da porta, e acho que você consegue ver onde está o chão.
- Sim, senhor - Will respondeu, começando a arregaçar as mangas.
Quando chegou, ele tinha visto o barril de água grande o bastante para as necessidades do dia. Calculou que precisaria de uns 20 baldes menores para enchê-lo. Com um suspiro, percebeu que teria uma manhã cheia.
- Eu tinha esquecido como é divertido ter um aprendiz - Will ouviu o arqueiro dizer satisfeito enquanto se servia de uma caneca de café e se sentava de novo.
Will não conseguia acreditar que uma cabana tão pequena e aparentemente bem organizada iria exigir tanta limpeza e trabalho. Depois de encher o barril com 30 baldes de água fresca do rio, ele rachou alguns troncos de madeira atrás da cabana e guardou a lenha numa pilha bem-arrumada. Varreu o chão e, quando Halt decidiu que o tapete da sala devia ser sacudido, ele o enrolou, levou para fora, pendurou sobre uma corda presa entre duas árvores e bateu nele com tanta força que levantou nuvens de poeira. De tempos em tempos, Halt olhava pela janela para animá-lo com comentários como "você esqueceu o lado esquerdo" ou "bata com mais força, garoto".
Depois de colocar o tapete no lugar, Halt resolveu que várias panelas não brilhavam o bastante.
- Vamos ter que esfregar essas panelas um pouco mais - ele murmurou quase que para si mesmo.
Will já tinha entendido que isso queria dizer que era ele quem ia ter que esfregar as panelas um pouco mais. Então, sem dizer nada, levou as panelas para a beira do rio, colocou água e areia nelas e esfregou o metal até ele brilhar.
Enquanto isso, Halt se sentou numa cadeira de lona na varanda e leu uma pilha de comunicados oficiais. Will conseguia ver alguns e notou que vários exibiam timbres e brasões, mas a maioria tinha somente a marca de uma folha de carvalho.
Quando voltou da margem do rio, Will mostrou as panelas para Halt inspecionar. O arqueiro fez uma careta para o reflexo distorcido que viu na superfície brilhante.
- Hum, nada mal. Posso ver o meu rosto nelas - ele disse. - Talvez isso não seja tão bom - acrescentou sem sorrir.
Will não respondeu. Se o comentário tivesse vindo de outra pessoa, diria que tinha sido uma piada, mas com Halt era impossível saber. O arqueiro o analisou por alguns segundos e então deu de ombros, fazendo um gesto para que Will guardasse as panelas na cozinha. Will estava atravessando a porta quando ouviu Halt falar atrás dele.
- Hum, isso é esquisito.
Will parou, achando que Halt estava falando com ele.
- Falou comigo? - ele perguntou desconfiado. Sempre que Halt tinha encontrado uma nova tarefa para ele, tinha começado a ordem com frases do tipo "que estranho, a sala está cheia de pó" ou "acho que o fogão está precisando urgentemente de mais lenha".
Esse era um comportamento que Will estava achando bastante irritante, apesar de Halt parecer muito satisfeito. Desta vez, porém, ele pareceu estar mesmo surpreso com algo que tinha lido num dos relatórios com o timbre da folha de carvalho. E agora olhava espantado porque Will tinha falado com ele.
- O que foi?
- Desculpe, pensei que estivesse falando comigo.
Halt balançou a cabeça várias vezes, ainda com a testa franzida por causa do relatório.
- Não, não - ele respondeu meio distraído. - Eu só estava lendo este...
Ele parou de falar e ficou pensativo. Will, curioso, esperou.
- O que é? - ele finalmente teve a coragem de perguntar. Quando o arqueiro virou os olhos escuros para ele, desejou ter ficado calado.
- Está curioso? - Halt perguntou depois de olhar para o garoto por alguns instantes. - Bem, acho que essa é uma boa oportunidade para um aprendiz. Afinal, foi por isso que o testamos com aquele papel no escritório do barão - ele disse inesperadamente num tom mais suave.
- Vocês me testaram? - Will colocou a chaleira de cobre pesada ao lado da porta. - Vocês esperavam que eu tentasse descobrir o que estava escrito?
- Teríamos ficado desapontados se isso não acontecesse - Halt respondeu, levantando a mão para impedir a série de perguntas que estava para sair da boca do rapaz. - Vamos falar sobre isso depois - ele acrescentou, lançando um olhar significativo para a chaleira e as outras panelas.
Will se inclinou para pegá-las e se virou para a casa de novo, mas a curiosidade ainda era muito forte.
- Então, o que diz aí? - ele perguntou com um gesto na direção do relatório.
Mais uma vez Halt olhou para ele em silêncio como se o estivesse examinando.
- Lorde Northolt morreu. Aparentemente atacado por um urso na semana passada durante uma caçada.
- Lorde Northolt? - Will perguntou.
O nome parecia conhecido, mas não conseguia se lembrar de quem era.
- O antigo comandante do exército do rei - Halt informou. Will assentiu como se soubesse disso. E, já que Halt parecia disposto a responder suas perguntas, ele se encheu de coragem para continuar.
- O que é estranho nesse caso? Afinal, ursos matam pessoas às vezes.
- É verdade, mas eu acho que o feudo Cordom fica muito a oeste para ter ursos. E eu diria que Northolt era um caçador experiente demais para perseguir um urso sozinho - ele deu de ombros, como se quisesse afastar o pensamento. - Mas, por outro lado, a vida é cheia de surpresas e as pessoas cometem erros.
Ele fez outro gesto na direção da cozinha para mostrar que a conversa tinha chegado ao fim.
- Depois de guardar essas panelas, talvez você queira limpar a lareira - ele sugeriu.
Will obedeceu, mas alguns minutos depois, quando passou na frente de uma das janelas perto da grande lareira, que ocupava quase toda a parede, olhou para fora e viu o arqueiro distraído batendo o relatório no queixo, com o pensamento muito longe dali.
No final daquela tarde, Halt finalmente ficou sem tarefas para passar para Will. Ele viu as panelas brilhantes, a lareira muito limpa, o chão bem varrido e o tapete sem poeira. Ao lado da lareira havia uma pilha de lenha, e outra pilha enchia um cesto de vime ao lado do fogão.
- Hum. Nada mal - ele elogiou. - Nada mal mesmo.
Uma onda de prazer encheu Will ao ouvir o elogio moderado.
- Sabe cozinhar, garoto? - Halt perguntou antes que Will pudesse se sentir muito satisfeito.
- Cozinhar, senhor? - Will perguntou hesitante. Impaciente, Halt ergueu os olhos para o teto.
- Por que os jovens sempre respondem uma pergunta com outra pergunta? - ele quis saber. - Sim, cozinhar. Preparar comida para que se possa comer, fazer refeições. Acho que você sabe o que é comida, não é? - ele acrescentou quando Will não disse nada.
- S-sim - Will respondeu com cuidado.
- Bem, como eu disse hoje de manhã, este não é um grande castelo. Se quisermos comer, nós temos que cozinhar - ele explicou.
Lá estava a palavra "nós" de novo. Sempre que Halt dizia "nós precisamos", parecia que a frase podia ser traduzida para "você precisa".
- Não sei cozinhar - Will confessou, e Halt esfregou as mãos.
- Claro que não. A maioria dos garotos não sabe. Vou ter que lhe ensinar. Venha.
Ele seguiu na frente para a cozinha e apresentou Will aos mistérios da culinária: descascar e picar cebolas, escolher uma peça de carne, limpá-la e cortá-la em pedaços iguais, cortar legumes, refogar a carne na panela quente e finalmente acrescentar uma boa dose de vinho tinto e alguns dos "ingredientes secretos" de Halt. O resultado foi um cozido cheiroso.
Enquanto esperavam o jantar ficar pronto, eles se sentaram na varanda para conversar. Era o começo da noite.
- O Grupo dos Arqueiros foi criado há mais de cento e cinquenta anos, durante o reinado do rei Herbert. Você sabe alguma coisa sobre ele? - Halt olhou para o menino sentado ao seu lado e esperou a resposta.
Will hesitou. Ele se lembrava vagamente desse nome, que ouvia nas aulas de História, na ala dos protegidos, mas tinha se esquecido dos detalhes. Mesmo assim, decidiu blefar, pois não queria parecer ignorante no primeiro dia com o novo mestre.
- Ah, sim - ele disse. - Rei Herbert. Aprendemos sobre ele.
- Verdade? - o arqueiro retrucou animado. - Talvez você possa me contar alguma coisa sobre ele - Halt pediu, cruzando as pernas e ficando à vontade.
Desesperado, Will tentou se lembrar de pelo menos algum pequeno detalhe sobre o rei Herbert. Ele tinha feito alguma coisa... mas o quê?
- Ele era... - Will hesitou, fingindo estar organizando os pensamentos -...o rei.
Disso ele tinha certeza e olhou para Halt para ver se já podia parar. Halt simplesmente sorriu e fez um gesto pedindo que continuasse.
- Ele era o rei... cento e cinquenta anos atrás - Will falou, tentando parecer confiante.
O arqueiro sorriu para ele e pediu que continuasse.
- Ahn... bem, acho que foi ele que criou o Grupo dos Arqueiros - o garoto prosseguiu esperançoso, e Halt levantou as sobrancelhas com um olhar zombeteiro.
- É mesmo? Você se lembra disso? - ele disse, e Will, apavorado, percebeu que seu mestre tinha dito que o grupo fora criado durante o reinado, e não necessariamente pelo rei.
- Ahn, bem, quando eu disse que ele criou os arqueiros, quis dizer que ele era o rei nessa época.
- Há cento e cinquenta anos?
- Isso mesmo.
- Puxa, isso é notável, já que lhe contei isso há alguns minutos. - Halt retrucou com o olhar zangado.
Will concluiu que era melhor não dizer nada.
- Menino, se você não sabe alguma coisa, não tente fingir que sabe. Simplesmente diga "eu não sei", está bem? - Halt falou finalmente.
- Sim, Halt - Will respondeu constrangido. - Halt? - ele chamou depois de um curto silêncio.
- Sim?
- Sobre o rei Herbert... Eu não sei nada - Will confessou.
- Puxa, eu nunca teria adivinhado - ele disse. - Mas tenho certeza de que você vai lembrar quando eu lhe contar que foi ele que conduziu os clãs no norte pela fronteira até as Terras Altas.
E, claro, assim que Halt mencionou o fato, Will lembrou, mas achou que seria má idéia dizer isso. O rei Herbert era conhecido como o Pai da Moderna Araluen. Ele reuniu os 50 feudos num grupo poderoso para derrotar os clãs do norte. Will viu uma forma de recuperar um pouco de prestígio aos olhos de Halt. Se mencionasse o título de Pai da Moderna Araluen, talvez o arqueiro fosse...
- Às vezes, ele é chamado de Pai da Moderna Araluen - Halt estava contando, e Will percebeu que tinha esperado demais. - Ele conseguiu a reunião dos 50 feudos que ainda formam a estrutura que seguimos hoje.
- Acho que agora estou lembrando - Will comentou, tentando criar uma boa impressão.
Halt olhou para ele com a sobrancelha erguida e continuou.
- Naquela época, o rei Herbert achou que, para ficar seguro, o reino precisava de uma força de inteligência eficiente.
- Uma força inteligente? - Will perguntou.
- Não, de inteligência, embora seja útil que ela também seja inteligente. Inteligência é saber o que nossos inimigos, ou possíveis inimigos, estão pretendendo. Quando se sabe esse tipo de coisa com antecedência, temos condições de planejar o que fazer para impedi-los. Foi por esse motivo que ele criou os arqueiros, para serem os olhos e os ouvidos do reino e mantê-lo informado.
- E como vocês fazem isso? - Will perguntou agora mais interessado.
Halt notou a mudança de tom, e um rápido brilho de aprovação passou por seus olhos.
- Nós mantemos olhos e ouvidos abertos. Patrulhamos o reino e as fronteiras. Escutamos, observamos, informamos o rei.
Will assentiu pensativo e perguntou:
- É por esse motivo que vocês podem se tornar invisíveis?
Novamente, Halt teve aquele sentimento de aprovação e satisfação, mas garantiu que o menino não percebesse.
- Não podemos ficar invisíveis. As pessoas apenas pensam que podemos, pois fazemos de tudo para que não nos vejam. Para isso precisamos de muitos anos de aprendizado e treinamento para que o resultado seja perfeito, mas você já tem algumas das habilidades necessárias.
- Tenho? - Will perguntou surpreso.
- Quando você atravessou o pátio do castelo na noite passada, usou as sombras e o movimento do vento para se esconder, não foi?
- Sim.
Nunca antes Will tinha encontrado alguém que realmente entendesse sua capacidade de se mover sem ser visto.
- Nós usamos os mesmos princípios: nos misturamos ao cenário, nos escondemos nele, nos tornamos parte dele - Halt continuou.
- Entendi - Will disse devagar.
- O segredo está em garantir que ninguém mais faça isso.
Por um momento, Will pensou que o arqueiro estivesse brincando, mas quando olhou para ele viu que estava sério como sempre.
- Quantos arqueiros existem?
Halt e o barão tinham falado mais de uma vez sobre o Grupo dos Arqueiros, mas Will só tinha visto um, que era o próprio Halt.
- O rei Herbert criou um grupo de 50, um para cada feudo. Eu fico aqui. Os meus colegas estão nos outros 49 castelos em todo o reino. Além de oferecer o serviço de inteligência para proteção contra possíveis inimigos, os arqueiros ajudam a cumprir a lei. Nós patrulhamos o feudo e garantimos que as leis sejam obedecidas.
- Pensei que o barão Arald fizesse isso - Will comentou.
- O barão é um juiz. As pessoas levam suas queixas para ele para que ele as resolva. Os arqueiros fazem que a lei seja cumprida. Nós levamos as leis às pessoas. Se um crime foi cometido, procuramos provas. Somos as pessoas ideais para essa tarefa, pois geralmente passamos despercebidos. Investigamos para descobrir quem é o responsável.
- E o que acontece depois? - Will quis saber.
- Às vezes, comunicamos o que aconteceu ao barão do feudo e ele manda prender e processar o culpado - Halt contou, dando de ombros. - Outras, se é um assunto urgente, nós... precisamos cuidar do assunto.
- O que fazemos? - Will perguntou, e Halt olhou para ele demoradamente.
- Pouca coisa quando somos aprendizes apenas há algumas horas - ele respondeu. - Os que são arqueiros há vinte anos ou mais sabem o que fazer sem perguntar.
- Oh! - Will murmurou, devidamente colocado em seu lugar.
- Então, em tempos de guerra, formamos grupos especiais e orientamos os exércitos, reconhecemos o terreno. Ficamos atrás das linhas inimigas para causar problemas para nossos oponentes e assim por diante - Halt olhou para o menino. - É um pouco mais emocionante do que trabalhar numa fazenda.
Will concordou. Talvez a vida de arqueiro tivesse o seu lado bom, afinal.
- Quem são os inimigos? - ele quis saber, afinal, o castelo Redmont sempre tinha estado em paz.
- Há inimigos internos e externos. Pessoas como os invasores do mar Escândio ou Morgarath e seus Wargals.
Will estremeceu ao se lembrar de algumas histórias terríveis sobre Morgarath, o senhor das Montanhas da Chuva e da Noite. Halt balançou a cabeça sério quando viu a reação do garoto.
- É verdade, Morgarath e seus Wargals são motivos de preocupação. É por isso que os arqueiros ficam de olho neles. Gostamos de saber se estão se reunindo e se preparando para uma guerra.
- Mas, da última vez em que atacaram, os exércitos dos barões fizeram picadinho deles.
- Isso é verdade - Halt concordou. - Mas só porque foram avisados do ataque... - ele fez uma pausa e olhou para Will de um jeito significativo.
- Por um arqueiro? - o menino perguntou.
- Isso mesmo. Foi um arqueiro que informou que os Wargals de Morgarath estavam a caminho... e então guiou a cavalaria por uma passagem secreta para que pudesse surpreender o inimigo.
- Foi uma vitória sensacional - Will comentou.
- Foi mesmo. E tudo por causa da vigilância, da habilidade e do conhecimento dos arqueiros sobre trilhas ocultas e caminhos secretos.
- O meu pai morreu nessa batalha - Will acrescentou em voz baixa, e Halt o olhou com curiosidade.
- Verdade?
- Ele era um herói. Um cavaleiro poderoso - Will continuou.
O arqueiro fez uma pausa, como se estivesse decidindo se ia dizer uma coisa.
- Eu não sabia disso - ele simplesmente respondeu.
Will ficou desapontado, pois por um momento teve a impressão de que Halt sabia alguma coisa sobre o pai, que ele poderia lhe contar a história de sua morte heróica.
- Era por esse motivo que eu estava com tanta vontade de ir para a Escola de Guerra - ele completou finalmente. - Para seguir os passos dele.
- Você tem outros talentos - Halt garantiu, e Will lembrou que o barão tinha dito quase a mesma coisa na noite anterior.
- Halt... - ele disse, e o arqueiro fez sinal para que continuasse. - Eu estava pensando... o barão disse que você me escolheu...
Halt concordou com a cabeça outra vez, mas não disse nada.
- E vocês dois dizem que tenho outras qualidades que fazem de mim a pessoa certa para ser um arqueiro...
- É verdade. - Halt confirmou.
- Bom, e quais são essas qualidades?
Halt reclinou-se para trás e juntou as mãos atrás da cabeça.
- Você é ágil, isso é bom para um arqueiro - ele começou. - E, como já comentamos, sabe se movimentar em silêncio. Isso é muito importante. Você é rápido e curioso...
- Curioso? O que você quer dizer?
- Está sempre fazendo perguntas e querendo saber as respostas. Foi por isso que pedi ao barão para testá-lo com aquela folha de papel.
- Mas quando notou minha existência pela primeira vez? Quer dizer, quando pensou em me escolher? - Will quis saber.
- Ah, acho que foi quando eu o vi roubar aqueles bolos da cozinha do mestre Chubb.
Will olhou para ele surpreso.
- Você me viu? Mas isso foi há séculos! - e então uma idéia lhe ocorreu de repente. - Onde você estava?
- Na cozinha. Você estava ocupado demais para me ver quando entrou.
Will balançou a cabeça pensativo. Ele estava certo de que não tinha ninguém na cozinha, mas então se lembrou de como Halt, envolto na capa, podia ficar quase invisível. Agora ele percebia que a função de um arqueiro não era só cozinhar e limpar.
- Fiquei impressionado com sua habilidade. Mas teve uma coisa que me impressionou ainda mais.
- E o que foi?
- Mais tarde, quando o mestre Chubb o interrogou, vi que hesitou. Você ia negar que tinha pegado os bolos, mas então admitiu o roubo. Lembra? E ele bateu na sua cabeça com a colher de pau.
Will sorriu e coçou a cabeça pensativo. Ainda conseguia ouvir o barulho da colher em sua cabeça.
- Eu me perguntei se devia ter mentido - ele admitiu, e Halt balançou a cabeça devagar.
- Ah, não, Will. Se você tivesse mentido, nunca teria se tornado meu aprendiz.
Ele se levantou, espreguiçou-se e se virou para a cozinha, onde o cozido fervia no fogão.
- Agora vamos comer.
Horace soltou a mochila no chão do dormitório e se jogou na cama, gemendo aliviado.
Todos os músculos de seu corpo doíam. O garoto não tinha idéia de que podia se sentir tão dolorido, tão esgotado, e de que existiam tantos músculos que podiam ficar daquele jeito. Ele se perguntou, não pela primeira vez, se conseguiria atravessar os três anos de treinamento da Escola de Guerra. Era cadete há menos de uma semana e já estava se sentindo um trapo.
Quando se candidatou para a Escola de Guerra, Horace tinha uma imagem vaga de cavaleiros de armaduras brilhantes lutando, enquanto pessoas comuns olhavam admiradas. Várias dessas pessoas eram garotas bonitas; Jenny, sua companheira no prédio dos protegidos, se destacava entre elas. Para ele, a Escola de Guerra era um lugar de aventuras e magia, e os cadetes que dela participavam eram pessoas que os outros respeitavam e invejavam.
A realidade era bem diferente. Até aquele momento, os cadetes da Escola de Guerra se levantavam antes do amanhecer e passavam uma hora antes do café-da-manhã fazendo uma série de exercícios físicos: corriam, levantavam peso, carregavam enormes troncos em grupos de dez. Exaustos depois de tudo isso, voltavam ao alojamento, onde tomavam um banho rápido com água fria antes de deixar os dormitórios e os banheiros totalmente limpos. Uma inspeção cuidadosa era feita depois disso. Sir Karel, o velho e esperto cavaleiro que a realizava, conhecia todos os truques para fazer uma limpeza malfeita, arrumar mal as camas e guardar roupas sem cuidado. O menor erro por parte de um dos 20 meninos do dormitório fazia que todas as roupas fossem espalhadas, as camas fossem desfeitas e o lixo fosse jogado no chão, eles então tinham que fazer tudo de novo no tempo em que deveriam estar tomando café.
Como resultado, os novos cadetes tentavam enganar sir Karel apenas uma vez. O café-da-manhã não era nada especial. Na verdade, na opinião de Horace, era o mínimo que se podia esperar, mas a sua falta significava uma longa manhã até a hora do almoço, que, de acordo com a vida simples na Escola de Guerra, durava somente vinte minutos.
Depois do café, havia aulas de duas horas sobre história militar, teoria de táticas, e assim por diante, e então os cadetes participavam de uma corrida de obstáculos: uma série de barreiras criadas para testar velocidade, agilidade, equilíbrio e força. O percurso deveria ser completado em menos de cinco minutos, e os cadetes que não conseguiam tinham que recomeçar imediatamente. Era difícil alguém conseguir completar o percurso sem cair pelo menos uma vez. O caminho estava repleto de poças de lama, perigos e fossos cheios um líquido irreconhecível e desagradável que Horace não queria saber de onde vinha.
O almoço vinha depois da corrida de obstáculos, mas se alguém tinha caído durante a atividade precisava se lavar antes de entrar no refeitório, o que significava outro banho frio - e gastar metade do tempo destinado para a refeição. Como resultado, as impressões fortes de Horace sobre a primeira semana na Escola de Guerra combinavam músculos doloridos com fome torturante.
Depois do almoço, havia mais aulas e exercícios físicos no pátio do castelo sob a vigilância de um dos cadetes mais velhos. Depois, a classe formava fila e realizava exercícios em grupo até o fim do dia, quando tinha duas horas livres para limpar e consertar o equipamento e preparar lições para as aulas do dia seguinte.
Isso, é claro, se ninguém tinha causado problemas durante o dia ou irritado algum instrutor. Nesse caso, todos eram convidados a encher as mochilas com pedras e partir numa caminhada de 12 quilômetros numa trilha no campo. Essas caminhadas nunca eram realizadas em estradas planas próximas, mas em terrenos acidentados, morros e riachos, trechos fechados por arbustos espinhentos que dificultavam a passagem.
Horace tinha acabado de completar uma dessas caminhadas. No começo daquele dia, um dos colegas tinha sido visto passando um bilhete na aula de tática. Infelizmente, a nota era uma caricatura desrespeitosa do instrutor de nariz comprido. Infelizmente também, o garoto era um desenhista habilidoso e o retrato foi reconhecido imediatamente.
Como resultado, Horace e a classe tinham sido convidados a encher as mochilas e começar a correr.
Lentamente, ele começou a se afastar dos outros garotos enquanto eles subiam a primeira colina com esforço. Depois de alguns dias, o regime rígido da Escola de Guerra estava começando a mostrar resultados em Horace. Além de suas habilidades naturais de atleta, seu preparo físico estava melhor do que nunca. Apesar de não perceber, ele corria com equilíbrio e elegância em ocasiões em que os outros mostravam dificuldades. Pouco tempo depois, Horace já estava bem adiantado e continuava a subir de cabeça erguida, respirando tranquilamente. Até aquele momento não havia tido muitas chances de conhecer os colegas. Ele os tinha visto pelo castelo ou na vila nos anos passados, mas crescer no prédio dos protegidos o havia isolado da vida diária normal do castelo e da vila. As crianças da ala dos protegidos sentiam-se diferentes das outras, e os meninos e meninas que ainda tinham seus pais pensavam da mesma forma.
A cerimônia da Escolha acontecia somente para os protegidos. Horace era um dos 20 novos recrutas daquele ano, e os demais tinham sido escolhidos pelo processo normal, isto é, influência dos pais, apoio ou recomendação de professores. Como resultado, ele era considerado uma curiosidade, e os outros meninos não tinham dado sinais de amizade nem feito nenhuma tentativa de conhecê-lo. "Mesmo assim", ele pensou sorrindo com uma satisfação um pouco triste, "venci todos na corrida". Nenhum dos outros tinha voltado ainda. Tinha mesmo superado todos eles.
A porta no fim do dormitório se abriu com violência e botas pesadas fizeram barulho no piso de madeira. Horace apoiou o corpo num cotovelo e gemeu em silêncio.
Bryn, Alda e Jerome marcharam em sua direção entre as fileiras de camas arrumadas com perfeição. Eles eram cadetes do 2° ano e pareciam ter decidido que sua principal função na vida era atormentar Horace. Depressa, ele girou as pernas para um dos lados da cama e se levantou, mas não foi rápido o bastante.
- O que você está fazendo deitado na cama? - Alda gritou. - Quem disse que é hora de dormir?
Bryn e Jerome sorriram, pois gostavam do jeito de falar do colega. Eles não tinham muita imaginação, mas compensavam a falta de criatividade com uma grande confiança na sua força física.
- Vinte flexões! - Bryn ordenou. - Agora!
Horace hesitou um momento. Ele era bem maior do que qualquer um dos garotos. Se houvesse um confronto, tinha certeza de que poderia vencê-los. Mas eles eram três e, além disso, tinham a autoridade da tradição que os apoiava. Até onde sabia, tratar os cadetes do 1° ano dessa forma era prática normal, e ele podia imaginar a zombaria dos colegas se reclamasse para algum superior. "Ninguém gosta de chorões", disse a si mesmo enquanto se abaixava. Mas Bryn percebeu a hesitação e talvez até um brilho passageiro de revolta em seu olhar.
- Trinta flexões! - ele disparou. - Já!
Com os músculos doloridos, Horace se esticou no chão e começou os exercícios. Imediatamente, sentiu um pé nas costas empurrando-o para baixo quando tentava se erguer.
- Vamos, nenê! - Jerome zombou. - Um pouco mais de força!
Horace conseguiu levantar o corpo, pois Jerome sabia como manter exatamente a quantidade de pressão ideal. Um pouco mais de força, e Horace nunca seria capaz de completar o exercício. Mas o cadete do 2° ano também o empurrou para baixo quando Horace ia reiniciar, o que tornou o exercício ainda mais difícil. Ele teve que fazer força para o alto ao mesmo tempo em que abaixava o corpo, pois do contrário seria jogado no chão. Gemendo, terminou a primeira flexão e começou outra.
- Pare de chorar, bebê! - Alda gritou para ele antes de se aproximar da cama de Horace. - Você fez a cama hoje? - ele gritou.
Horace, lutando contra a pressão do pé de Jerome, só conseguiu grunhir uma resposta.
- O quê? O quê? - Alda se abaixou e aproximou o rosto de Horace.
- O que você disse, bebê? Fale mais alto!
- Sim... senhor! - Horace conseguiu sussurrar. Alda balançou a cabeça de um jeito exagerado.
- Acho que a resposta é "não, senhor" - ele disse, levantando-se.
- Olhe só essa cama! Está uma porcaria!
É claro que as cobertas estavam um pouco amassadas onde Horace tinha se deitado, mas ele poderia arrumá-la num instante. Sorrindo, Bryn resolveu deixar o plano de Alda mais interessante. Ele se aproximou e chutou a cama para o lado, derrubando o colchão, os cobertores e o travesseiro no chão. Alda ajudou, chutando as cobertas pelo quarto.
- Faça a cama de novo! - ele gritou.
Nesse momento, surgiu um brilho em seus olhos. Ele se virou para a cama seguinte, chutou-a também e espalhou o colchão e os lençóis como tinha feito com a de Horace.
- Faça tudo de novo! - ele berrou satisfeito com sua idéia. Bryn se juntou a ele, rindo enquanto os dois reviravam as 20 camas e espalhavam cobertores e travesseiros pelo quarto. Horace, ainda lutando para fazer as 30 flexões, fechou os dentes com força enquanto o suor escorria para os seus olhos, fazendo-os arder e embaralhando sua visão.
- Está chorando, bebê? - ele escutou Jerome perguntar. - Vá para casa chorar no colo da mamãe!
O garoto empurrava as costas de Horace com força, fazendo-o se esparramar no chão.
- O bebê não tem mãe - Alda disse. - O bebê é um protegido. A mamãe fugiu com um marinheiro.
- É verdade, bebê? A mamãe fugiu e abandonou você? - Jerome se abaixou e perguntou.
- A minha mãe morreu! - Horace respondeu irritado. Zangado, começou a se levantar, mas o pé de Jerome estava em seu pescoço e empurrou seu rosto em direção ao chão de madeira. Horace desistiu de levantar.
- Que coisa triste - Alda comentou, fazendo os dois amigos rirem. - Agora arrume essa bagunça, bebezão, ou vamos fazer você refazer a corrida.
Horace ficou deitado exausto. Os três garotos mais velhos saíram do quarto chutando baús e espalhando os pertences dos colegas no chão. Ele fechou os olhos quando o suor salgado os fez arder de novo.
- Detesto este lugar - ele resmungou com a voz abafada pelas tábuas ásperas do chão.
- Está na hora de você conhecer as armas de que vai precisar - Halt informou.
Eles tinham tomado o café-da-manhã muito antes do nascer do sol, e Will acompanhou Halt até a floresta. Andaram por mais ou menos meia hora, e Halt aproveitou para mostrar a Will como deslizar de uma sombra até outra fazendo o menor barulho possível. Will era um bom aluno na arte de se mover sem ser visto, como Halt já tinha observado, mas tinha muito a aprender até reunir todas as habilidades de um arqueiro. Mesmo assim, Halt estava satisfeito com o progresso do garoto, que tinha vontade de aprender, especialmente quando se tratava de aulas em campo como aquelas.
O assunto era um pouco diferente quando se tratava de tarefas menos interessantes, como leitura de mapas e desenho de gráficos, pois Will costumava passar por cima de detalhes que considerava sem importância.
- Você daria mais importância a essas habilidades se estivesse planejando o caminho a ser seguido por um exército e se esquecesse de falar da existência de um córrego no trajeto. - Halt comentou com seriedade.
Eles pararam numa clareira e Halt deixou cair no chão uma pequena sacola que estava escondida debaixo de sua capa.
Will olhou a bolsa desconfiado. Quando falaram em armas, o garoto pensou em espadas e lanças, as armas usadas pelos cavaleiros. Aquele pequeno pacote não tinha nada a ver com o que ele imaginara.
- Que tipos de armas nós usamos? Espadas? - Will perguntou com os olhos grudados na sacola.
- As principais armas de um arqueiro são o segredo, o silêncio e a habilidade de agir sem ser visto. Mas, se elas falharem, talvez você tenha que lutar.
- E então usamos uma espada? - Will perguntou esperançoso. Halt se ajoelhou e abriu a trouxa.
- Não, nós usamos um arco - ele disse, colocando o objeto aos pés do menino.
A primeira reação de Will foi de desapontamento. As pessoas usavam arcos para caçar. Todo mundo tinha um arco. Era mais um instrumento do que uma arma. Quando criança, ele mesmo construíra vários curvando galhos de árvore verdes. Então, como Halt não disse nada, ele olhou o objeto com mais atenção. Aquele não era um galho curvado.
A arma era diferente de tudo o que Will já tinha visto. Quase todo o arco formava uma curva comprida, como todos os outros, mas suas pontas eram viradas na direção contrária. Will, como a maioria das pessoas do reino, estava acostumado aos arcos normais, que se curvavam numa linha contínua, mas esse era bem mais curto.
- Ele se chama arco recurvo - Halt informou, percebendo a curiosidade do garoto. - Você ainda não tem força suficiente para lidar com um arco comum, portanto este vai lhe dar a velocidade e o impulso necessários. Aprendi a fazê-los com os temujais.
- Quem são os temujais? - Will quis saber, desviando o olhar do arco estranho.
- São guerreiros corajosos do leste e também os melhores arqueiros do mundo - Halt contou.
- Você lutou contra eles?
- Contra... e com eles durante algum tempo - Halt disse. - E pare de fazer tantas perguntas.
Outra vez, Will olhou para o arco, que estava na sua mão. Agora que estava se acostumando com seu formato diferente, viu que era uma arma muito bem-feita. Muitas tiras de madeira de grossuras diferentes tinham sido coladas umas às outras, e seus veios corriam em várias direções. Era isso que formava a curva dupla do arco, como se diferentes forças empurrassem uma às outras, dando aos pedaços do objeto uma forma cuidadosamente planejada. Talvez aquela fosse mesmo uma arma, afinal.
- Posso usá-lo?
- Se você acha que é uma boa idéia - Halt concordou com um gesto de cabeça.
Will escolheu uma flecha do estojo que também tinha estado na sacola e a ajustou à corda. Ele puxou a flecha para trás com o polegar e o indicador, mirou o tronco de uma árvore a uns 20 metros de distância e atirou.
A corda pesada do arco bateu na carne macia do lado de dentro de seu braço como um chicote. Will gritou de dor e largou a arma como se estivesse pegando fogo.
Uma marca grossa, vermelha e dolorida estava se formando na pele. Will não tinha idéia de onde o arco tinha ido parar, mas nem se importou com isso.
- Que dor! - ele disse, olhando para o arqueiro de um jeito acusador.
- Você é sempre muito apressado, rapaz - Halt comentou, sacudindo os ombros. - Talvez assim aprenda a esperar um pouco na próxima vez.
Ele se abaixou, tirou da sacola um punho comprido de couro duro e o colocou no braço esquerdo de Will para protegê-lo da corda do arco. Chateado, o menino percebeu que Halt estava usando um punho parecido. Mais chateado ainda, lembrou que o tinha visto antes, mas não se perguntou para que servia.
- Agora, tente outra vez - Halt sugeriu.
Will escolheu outra flecha e a colocou na corda, mas, quando a puxou para trás, Halt o fez parar.
- Não com o polegar - Halt ensinou. - Deixe que a flecha fique apoiada entre o primeiro e o segundo dedos na corda... assim.
Ele mostrou a Will como o entalhe no fim do arco prendia a corda e mantinha a flecha no lugar. Depois Halt demonstrou como fazer que a corda se apoiasse nas juntas dos três primeiros dedos e finalmente como soltar a corda para que a flecha disparasse.
- Assim está melhor - ele disse. - Tente usar os músculos das costas, e não só os seus braços. Procure deixar suas omoplatas juntas... - Halt ensinou quando Will puxou a flecha para trás.
Will fez como Halt sugeriu e teve a impressão de que o arco ficou mais leve e de que podia segurá-lo com mais firmeza. Ele soltou a flecha de novo, mas não conseguiu acertar o tronco da árvore que tinha escolhido como pontaria.
- Você precisa praticar - Halt disse. - Solte o arco por enquanto.
Com cuidado, Will colocou o arco no chão. Ele estava ansioso para ver o que Halt iria tirar da sacola em seguida.
- Estas são as facas usadas pelos arqueiros - Halt lhe entregou um estojo duplo igual ao que ele carregava do lado esquerdo do cinto.
Will o pegou e o examinou. As facas estavam colocadas uma em cima da outra. A primeira era pequena, com um cabo grosso e pesado feito de uma série de discos de couro colados um no outro. Havia uma cruzeta de bronze entre o punho e a lâmina e um botão na ponta que combinava com ela.
- Tire a faca do estojo com cuidado - Halt pediu.
Will tirou a faca curta da bainha e notou que ela tinha um formato diferente. Era estreita no cabo, alargava-se no meio e tornava a se afinar na ponta extremamente afiada. O garoto olhou para Halt curioso.
- Foi feita para ser atirada. A largura dela compensa o peso do cabo, e a combinação do peso dos dois ajuda a fazê-la chegar aonde você quer quando atirada. Olhe.
A mão de Halt se moveu com suavidade e rapidez para a faca de lâmina larga que carregava na cintura. Ele a tirou da bainha e, com um movimento leve, atirou-a numa árvore próxima.
A faca bateu no tronco com um barulho forte. Will olhou para o arqueiro, impressionado com sua habilidade e velocidade.
- Como você aprendeu a fazer isso? - ele perguntou.
- Prática - Halt respondeu, fazendo um gesto para que Will examinasse a outra faca.
A segunda faca era mais comprida. O cabo era feito com os mesmos discos de couro e tinha uma cruzeta curta e firme. A lâmina era pesada e reta, muito afiada num dos lados, grossa e pesada no outro.
- Essa é para o caso em que o inimigo chega muito perto - Halt explicou. - Mas, se você for um arqueiro, isso nunca vai acontecer. Ela serve para ser atirada, mas essa lâmina também pode bloquear o ataque de uma espada. Foi feita pelos melhores ferreiros do reino. Cuide dela e a mantenha afiada.
- Está bem - o aprendiz concordou, admirando a faca que tinha nas mãos.
- Ela é parecida com uma faca usada pelos escandinavos - Halt informou. - Serve como faca e ferramenta. Repare que a qualidade do aço da nossa faca é muito superior ao aço deles.
Will examinou a faca com mais atenção, percebeu a cor azulada da lâmina e sentiu o seu equilíbrio perfeito. O cabo de couro e bronze dava a ela uma aparência simples e útil, mas era uma arma excelente e muito superior às espadas grosseiras usadas pelos guerreiros do castelo Redmont.
Halt mostrou a Will como prender a bainha dupla em seu cinto para que conseguisse pegar as facas com facilidade.
- Agora tudo o que você precisa fazer é aprender a usar as facas. E você sabe o que isso significa, não sabe?
Will sacudiu a cabeça sorrindo.
- Muita prática - ele respondeu.
Sir Rodney inclinou-se na cerca de madeira que rodeava a área de treinamento enquanto observava os novos cadetes da Escola de Guerra, que faziam exercícios com armas. Pensativo, ele esfregou o queixo, olhando com atenção os novos 20 recrutas, mas sempre voltando para um em especial - o garoto alto de ombros largos da ala dos protegidos que tinha selecionado no Dia da Escolha. Ele pensou um instante, tentando se lembrar do nome do garoto.
Horace, era isso.
O exercício era comum. Cada garoto, usando uma malha de ferro, um capacete e carregando um escudo, ficava em frente a um poste de madeira acolchoado da altura de um homem. Sir Rodney achava que só fazia sentido praticar o uso da espada quando se estava usando todo o equipamento pesado, como acontecia numa guerra. Ele achava melhor que os meninos se acostumassem às limitações da armadura e do peso do equipamento desde o começo.
Além do escudo, do capacete e da malha, cada garoto também tinha uma espada para exercícios fabricada pelo armeiro. Essas espadas eram feitas de madeira e, fora o cabo de couro e a cruzeta, se pareciam pouco com uma espada real. Na verdade, eram bastões compridos feitos de nogueira forte. Mas o peso era muito parecido com o das lâminas de aço estreitas, e os cabos eram construídos para se aproximar do peso e do equilíbrio de uma espada de verdade.
No final, os recrutas iriam passar a exercícios com espadas de verdade, mas sem ponta e sem corte. Porém esse momento ainda demoraria alguns meses para chegar e, nessa etapa, os recrutas menos capazes já teriam sido eliminados. Era perfeitamente normal que pelo menos um terço dos alunos da Escola de Guerra abandonasse os duros treinamentos nos primeiros três meses. Às vezes, era o garoto que decidia. Outras, era o instrutor ou, em casos extremos, o próprio sir Rodney. A Escola de Guerra era difícil, e os seus padrões eram rígidos.
No pátio de treinamento, ouviam-se as pancadas fortes da madeira contra o forro dos postes, feito de couro grosso e endurecido pelo sol. Na entrada do pátio, o mestre de exercícios, sir Karel, indicava os movimentos a serem realizados.
Cinco cadetes do 5° ano, orientados por sir Morton, um instrutor assistente, andavam entre os novos aprendizes, atentos aos detalhes dos golpes básicos de espada, corrigindo um movimento errado aqui, mudando o ângulo de um golpe ali, garantindo que os garotos não abaixassem demais os escudos durante o exercício.
Era um trabalho monótono e repetitivo, realizado debaixo do sol quente da tarde, porém necessário. Aqueles eram os movimentos básicos que ajudariam os garotos a viver ou morrer em algum ponto do futuro, e era essencial que eles estivessem muito bem treinados e capazes de agir por instinto.
Foi esse pensamento que fez sir Rodney observar Horace naquele momento. Enquanto Karel ditava os movimentos básicos, Rodney tinha percebido que Horace estava acrescentando golpes extras à sequência sem se atrasar ou perder o ritmo.
Karel tinha acabado de iniciar outra série de exercícios, e sir Rodney se inclinou atento, com os olhos fixos em Horace.
- Ataque! Golpe lateral! Cortada à esquerda! Acima do ombro! - gritava o mestre de exercícios. - Cortada por cima!
Quando Karel mandou realizar a cortada por cima, Horace obedeceu, mas então, quase ao mesmo tempo, passou para uma cortada para o lado, deixando que o primeiro movimento o preparasse instantaneamente para o segundo. O golpe foi dado com tamanha velocidade e força que, num combate real, o resultado seria destruidor. O escudo do oponente, levantado para impedir a cortada, nunca poderia ter reagido com a rapidez necessária para proteger as costelas descobertas do movimento rápido que se seguiu.
Nos últimos minutos, Rodney se dera conta de que o aluno estava acrescentando esses golpes à rotina. Ele os tinha visto primeiro com o canto dos olhos ao perceber uma leve variação no padrão rígido do exercício, uma rápida agitação no movimento extra que surgiu e desapareceu quase depressa demais para ser visto.
- Descansar! - Karel gritou.
Rodney notou que, enquanto a maioria dos outros deixava cair as armas e ficava à vontade, Horace mantinha a posição de sentido, a ponta da espada ligeiramente acima da cintura e movia os dedos do pé durante a pausa como se não quisesse perder o ritmo.
Aparentemente, alguém mais tinha percebido os golpes adicionais de Horace. Sir Morton se inclinou para um dos cadetes mais velhos e falou com ele, fazendo gestos rápidos na direção de Horace. O aluno do 1° ano, ainda atento ao poste de treinamento que era seu inimigo, não notou a conversa. Ele olhou para cima confuso quando o cadete se aproximou e o chamou.
- Ei, você! No poste 14. O que pensa que está fazendo?
Surpresa e preocupação apareceram no rosto de Horace. Nenhum recruta do 1° ano gostava de receber a atenção dos mestres de exercícios ou dos seus assistentes. Todos sabiam muito bem qual a quantidade de alunos que deixava a escola depois de algum tempo.
- Senhor? - ele disse ansioso, sem entender a pergunta.
- Você não está seguindo o padrão. Faça o que sir Karel manda, está bem?
Rodney observou tudo com atenção e ficou convencido de que a surpresa de Horace era verdadeira. O garoto alto fez um pequeno movimento com os ombros. Ele agora estava em posição de sentido, com a espada apoiada no ombro direito e o escudo erguido em posição de desfile.
- Senhor? - ele chamou indeciso. O cadete mais velho estava ficando zangado. Não tinha percebido os movimentos extras de Horace e obviamente supôs que o garoto mais jovem estava simplesmente seguindo uma sequência ao acaso por conta própria. Ele se inclinou para a frente e o seu rosto ficou apenas a alguns centímetros do de Horace.
- Sir Karel indica a sequência que quer que vocês façam! E você obedece! - ele disse em voz bem alta para aquela distância. - Entendeu?
- Senhor, eu... obedeci - Horace respondeu com o rosto muito vermelho.
Ele sabia que não devia discutir com um instrutor, mas também sabia que tinha feito todos os golpes exigidos por Karel.
Rodney viu que o cadete mais velho agora estava em desvantagem. Ele não tinha visto o que Horace tinha feito e disfarçou a incerteza com raiva.
- Ah, obedeceu, hein? Bom, talvez você queira repetir a última sequência para mim. Que sequência sir Karel pediu?
- A sequência número 5, senhor. Ataque, golpe lateral, cortada à esquerda, acima do ombro, cortada por cima - Horace respondeu sem hesitação.
O cadete vacilou. Ele achava que Horace tinha simplesmente feito os exercícios sem atenção e golpeado o poste de qualquer jeito. Mas Horace tinha repetido a sequência com perfeição. Pelo menos era o que parecia. O garoto mais velho não tinha certeza absoluta de qual tinha sido a sequência, mas o aluno tinha respondido sem nenhuma hesitação. Ele percebeu que todos os outros alunos estavam assistindo à cena com muito interesse, o que era natural. Alunos sempre gostavam de ver alguém ser repreendido por um erro, pois desse modo os próprios erros não eram notados.
- O que está acontecendo, Paul? - sir Morton, assistente do mestre de exercícios, perguntou, parecendo aborrecido com a discussão.
Ele tinha mandado o cadete repreender o aluno pela falta de atenção. Essa repreensão já deveria ter sido dada, e o assunto, terminado. Em vez disso, a aula estava sendo atrapalhada. O cadete Paul se aproximou.
- Senhor, o aluno disse que realizou a sequência - ele respondeu.
Horace quis protestar, mas pensou melhor e fechou a boca.
- Um momento.
Paul e sir Morton se viraram um pouco surpresos, pois não tinham percebido a aproximação de sir Rodney. Ao redor deles, os outros alunos também ficaram em posição de sentido. Sir Rodney era admirado por todos os membros da Escola de Guerra, especialmente pelos mais novos. Morton não chegou a ficar em posição de sentido, mas endireitou um pouco o corpo e ajeitou os ombros.
Horace mordeu o lábio de preocupação. Ele sentiu a possibilidade de ser dispensado da Escola de Guerra. Primeiro, os três cadetes do 2° ano tornaram-se seus inimigos e vinham fazendo de sua vida um inferno. Agora, tinha chamado a atenção indesejada do cadete Paul e de sir Morton. E, para terminar, o próprio mestre de guerra estava ali presente. Para piorar as coisas, não tinha idéia de que erro havia cometido. Ele se lembrava claramente de realizar a sequência como tinha sido pedido.
- Você se lembra da sequência, cadete Horace? - o mestre de guerra perguntou.
O cadete assentiu com a cabeça enfático, mas logo percebeu que essa não era considerada uma resposta aceitável para uma pergunta vinda de um oficial superior, então disse:
- Sim, senhor. A sequência número 5, senhor.
Rodney percebeu que aquela era a segunda vez que ele tinha identificado a sequência. Estava inclinado a apostar que nenhum dos outros cadetes seria capaz de dizer que sequência do manual de exercícios tinha acabado de completar. E duvidava também que os cadetes mais velhos estivessem mais bem informados. Sir Morton ia dizer alguma coisa, mas Rodney levantou a mão para impedi-lo.
- Talvez você possa repeti-la para nós - ele disse, a voz séria não mostrando o interesse cada vez maior que sentia por aquele recruta. Rodney fez um gesto na direção do poste de treinamento.
- Tome posição. Diga os nomes dos exercícios e... comece!
Horace realizou a sequência sem errar, gritando os nomes a cada golpe.
- Ataque! Golpe lateral! Cortada à esquerda! Acima do ombro! Cortada por cima!
A espada de exercício batia com movimentos firmes contra o couro que cobria o poste. O ritmo era perfeito. A execução dos golpes era perfeita, mas desta vez Rodney percebeu que não houve nenhum movimento adicional. O golpe lateral rápido como um raio não foi dado. Ele imaginou saber o motivo. Desta vez, Horace estava concentrado em acertar a sequência. Antes, ele tinha agido instintivamente.
Sir Karel, atraído pela intervenção de sir Rodney numa sessão de treinamento comum, passeou entre as fileiras de alunos parados junto dos postes de exercícios. Ele estava com as sobrancelhas erguidas numa pergunta muda para sir Rodney. Como era um cavaleiro antigo, tinha direito a esse tipo de comportamento informal. O mestre de guerra levantou a mão novamente. Não queria que nada atrapalhasse a concentração de Horace naquele momento. Mas estava satisfeito por Karel estar ali para testemunhar o que tinha certeza de que iria acontecer.
- Outra vez - ele disse no mesmo tom de voz sério, e Horace reiniciou a sequência.
Quando terminou, a voz de Rodney soou como um chicote.
- Outra vez!
E novamente Horace executou a quinta sequência.
- Sequência 3! - Rodney disparou quando o rapaz terminou.
- Ataque! Ataque! Passo para trás! Parada cruzada! Bloqueio de escudo! Golpe lateral! - Horace disse enquanto realizava os movimentos.
Rodney notou que o garoto se movimentava com leveza sobre os dedos dos pés, enquanto a espada parecia uma língua que dançava de um lado para outro. Sem perceber, Horace estava anunciando a cadência de movimentos quase tão rápido quanto o mestre de exercícios tinha feito.
Karel olhou para Rodney e acenou com ar de satisfação. Mas Rodney ainda não tinha terminado. Antes que Horace tivesse tempo para pensar, ele anunciou a quinta sequência de novo e o garoto reagiu.
- Ataque! Golpe lateral! Cortada à esquerda! Acima do ombro! Cortada por cima!
- Cortada à esquerda! - Sir Rodney disparou instantaneamente e, em resposta, quase como se tivesse vontade própria, a espada de Horace se movimentou naquele golpe extra e mortal.
Sir Rodney escutou os sons de surpresa de Morton e Karel. Eles perceberam a importância do que tinham visto. O cadete Paul demorou a entender o que tinha acontecido. Para ele, o aluno tinha respondido a uma ordem extra do mestre de guerra. Em sua opinião, Horace tinha realizado o exercício com perfeição, sabia manejar a espada, mas isso era tudo o que tinha visto.
- Descansar! - Sir Rodney ordenou, e Horace apoiou a mão no punho da espada encostada no chão, os pés separados, o cabo da arma na frente da fivela do cinto na posição de descanso de desfile.
- Agora, Horace - o mestre de guerra disse devagar -, você se lembra de ter acrescentado aquela cortada lateral à esquerda à sequência na primeira vez?
Horace franziu a testa e então compreendeu. Ele não tinha certeza, mas agora que o mestre de guerra refrescara sua memória, achou que isso podia ter acontecido.
- Ahn... sim, senhor. Acho que sim. Sinto muito, senhor. Eu não tinha a intenção. É que... simplesmente aconteceu.
Rodney olhou rapidamente para os seus mestres de exercício e viu que eles entendiam a importância do que tinha acontecido ali. Ele fez um gesto com a cabeça para os homens, passando a mensagem silenciosa de que não queria que nada fosse feito a respeito disso... ainda.
- Bem, não aconteceu nada de errado, mas preste atenção no restante do período e só faça os exercícios pedidos por sir Karel, está certo?
- Sim, senhor! - Horace respondeu em posição de sentido. - Desculpe, senhor! - ele disse para o mestre de exercícios, que respondeu com um aceno de mão.
- Preste mais atenção no futuro - Karel fez um gesto de cabeça para sir Rodney ao perceber que o mestre de guerra queria se afastar. - Obrigado, senhor. Podemos continuar?
- Prossiga, mestre - sir Rodney concordou e começou a se virar, mas, como se se lembrasse de algo, voltou e acrescentou como quem não quer nada: - Ah, por falar nisso, posso conversar com você no meu gabinete no fim da tarde, depois que as aulas terminarem?
- Claro, senhor - Karel respondeu no mesmo tom, sabendo que sir Rodney queria discutir aquele fenômeno, mas sem querer que Horace percebesse seu interesse.
Sir Rodney voltou lentamente para a sede da Escola de Guerra. Atrás dele, escutou Karel dando ordens e depois o som repetitivo da madeira batendo no couro.
Halt examinou o alvo no qual Will estivera atirando e assentiu com um gesto de cabeça.
- Nada mal - ele elogiou. - A sua pontaria está mesmo melhorando.
Will não conseguiu evitar um sorriso. Aquele era realmente um grande elogio, vindo de Halt. Este viu a expressão do garoto e imediatamente acrescentou:
- Com mais prática, muito mais prática, você até pode alcançar a mediocridade.

 

 


CONTINUA