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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SERA O FIM DAS AULAS / Tatiana Amaral
SERA O FIM DAS AULAS / Tatiana Amaral

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Senti-me confuso quando os pensamentos perderam força, dando espaço para o reconhecimento da mudança de paisagem. A escuridão e o silêncio da estrada, aos poucos, se tornaram a movimentação cotidiana de uma cidade grande.
Charlotte, adormecida, não compartilhava das minhas apreensões. E eu pensava em tudo.
Quando decidimos nos casar tão rápido, gastei toda minha energia tentando impedir que minha noiva desistisse. Havia muita pressão sobre mim: Peter, a doença da Mary, o medo de perder a mulher da minha vida e o amor que eu não sabia como controlar ou conviver. Chegava a ser sufocante.
Assim, coisas básicas, que, normalmente, seriam planejadas e estruturadas, foram esquecidas, como, por exemplo, saber exatamente o que Charlotte precisaria daquela casa, o que levaria e o que poderíamos fazer para deixá-la pronta para atender a todas as suas necessidades.
Para falar a verdade, eu sabia que teríamos um quarto, e apenas isso bastava. Mas não era o suficiente e, só quando me vi sozinho, casado e voltando para casa, entendi este fato. Nem sabia se Charlotte se contentaria em morar na minha casa ou se desejava algo maior.
Eu não sabia de nada.

 

 

 


 

 

 


Parei o carro na garagem, porém não acordei minha esposa imediatamente. Primeiro, entrei e conferi se estava tudo conforme combinado com a diarista. Era bom não haver nada que fizesse Charlotte se lembrar da tal despedida de solteiro. Só depois voltei para buscar minha esposa, que acordou meio atordoada.

Ela era linda!

– Bem-vinda ao lar – gracejei e ela bocejou se esticando no banco do carro.

– É verdade. Meu mais novo lar.

Percebi certa amargura em sua voz, mas preferi não comentar. Ela saiu do carro, puxando a saia do seu longo vestido de noiva e ajustando o tecido nos ombros, depois bocejou mais uma vez.

– Vamos pegar minha mala.

– Faço isso depois.

Me aproximei, pegando-a no colo. Charlotte deu um gritinho divertido.

– Vamos manter a tradição.

Caminhei com minha noiva nos braços até a porta, e ela brincou quando precisou colocar a mão em meu bolso para pegar a chave de casa, fazendo-me quase derrubá-la. Entramos, ela verificando tudo ao redor, mesmo no escuro, e eu com um sorriso imenso de satisfação.

– Enfim, casados – brinquei.

Ela continuou olhando a casa, como se fosse sua primeira vez ali.

– É. Casados. – E conferiu a aliança no dedo. – Vou tomar um banho.

Charlotte, quando ainda estávamos na estrada, não quis passar na casa dela, ou na que vivia antes de casarmos. Preferiu irmos direto para minha casa. Segundo ela, seu corpo implorava por um banho. Eu bem podia imaginar do que aquele corpo delicioso precisava para implorar tanto.

No entanto, para minha completa surpresa, ela insistiu em tomar aquele banho sozinha. Cacete! Passei a viagem inteira imaginando as coisas que gostaria de fazer com a minha esposa e agradecendo pelo seu fogo sempre crescente e... merda! Eu adorava tomar banho com aquela mulher. Fizemos isso até antes de transarmos realmente, então era meio que um padrão, ou uma necessidade do meu corpo. Mas ela simplesmente me colocou para fora do banheiro e se trancou lá dentro.

Passei um bom tempo encarando a porta do meu banheiro. Quer dizer... do nosso banheiro. Era melhor começar a me acostumar com a ideia. Quanto antes eu entendesse que tudo ali dentro, a partir daquele dia, seria nosso, mais rápido Charlotte ficaria à vontade.

Desisti de aguardá-la. No fundo, eu queria acreditar que minha esposa abriria a porta dando risada, dizendo que estava brincando, e nós dois tomaríamos aquele banho tão desejado. Como não aconteceu, acabei tomando um banho sozinho no quarto de hóspedes.

Quando saí, Charlotte continuava trancada lá dentro. Não havia nenhum som. Fiquei um pouco constrangido por estar encostado à porta, afinal de contas, não era porque éramos casados que eu tinha o direito de invadir sua privacidade, apesar de estar encucado. O que tanto ela fazia?

O jeito foi começar a organizar as coisas no closet. Era importante arrumar minhas roupas de forma a ceder espaço para as da minha esposa. Eu nem sabia se Charlotte era o tipo de mulher que colecionava sapatos e roupas, se precisava de muito espaço. Droga! Eu ainda tinha tanta coisa para conhecer daquela garota.

Consegui liberar uma parte consideravelmente grande, empurrando minhas roupas de uma forma não muito organizada. Talvez, se eu eliminasse a parede que separava os dois quartos, pegando uma parte do outro closet... Por que Charlotte ainda estava no banho?

Voltei para o quarto e fui até a porta do banheiro. Nada. Pensei um milhão de vezes em chamar. Sabe-se lá o que pode acontecer dentro de um banheiro. E o silêncio total só fazia minha nuca pinicar com um monte de pensamentos tenebrosos.

Bati de leve na porta. Nada. Resolvi ser mais incisivo, batendo um pouco mais forte. Silêncio absoluto. Meu coração acelerou, tirando todo o meu controle. Decidi que chamar por ela não seria algo tão inadequado, afinal de contas, Charlotte estava lá há mais de uma hora. Pensando bem, quase duas horas. Estava tarde e nós nem tínhamos jantado.

– Charlotte!

Tentei não parecer desesperado, mas a verdade era que eu estava, e muito. Que coisa mais estranha!

Ela não respondeu. Me aproximei, colando o ouvido na porta. Silêncio. Merda!

– Charlotte? Está tudo bem? – Mais silêncio. Bom, eu arrombaria a porta se fosse necessário. – Meu amor, estou ficando preocupado. Dá para você...

Sem querer, e na ânsia de encontrar uma resposta, meu braço esbarrou na maçaneta e a porta abriu. Que imbecil eu era. Por que não testei a porcaria da maçaneta? Fiquei ainda alguns segundos olhando sem saber se deveria ou não entrar e acabar de uma vez por todas com aquela angústia. No entanto, minha boa educação me impedia de avançar.

– Lottie? – chamei carinhosamente. – Posso entrar?

Ela não respondeu, então achei que era melhor encarar o problema de frente. Eu havia feito a minha parte. Se Charlotte não estivesse com problemas, teria me respondido.

Entrei com o coração acelerado. O que poderia ter acontecido? O primeiro lugar que meus olhos buscaram foi o boxe. Como eu havia pensado, ela não estava lá. Claro, o chuveiro nem estava ligado. O vaso também, lógico! Então corri os olhos pelo ambiente e enxerguei apenas sua mão caída para fora da banheira.

Um segundo pareceu uma eternidade. Foi o suficiente para que meu coração parasse e acelerasse um milhão de vezes. Muitas teorias foram traçadas e desenhadas. Todas as tragédias possíveis desfilaram em minha mente. Minhas pernas vacilaram, meu corpo tremeu e meus pulmões buscaram ar.

Dei um passo inseguro em direção à banheira, que estava cheia, mas com pouca espuma, somente a água esbranquiçada que cobria o corpo pequeno da minha esposa, revelando apenas uma parte do seu joelho. Charlotte estava deitada, a cabeça apoiada no descanso, os olhos fechados, cabelos molhados e penteados para trás, a boca semiaberta e os lábios roxos.

Puta que pariu!


CHARLOTTE


Preferi passar em minha casa depois. Eu queria um pouco mais de tempo para pensar em tudo que apenas quinze dias tinham feito em minha vida. Então fiquei apática. Não tive como resistir. Não me arrependia do casamento. Não. De forma alguma. Mas e agora? O que viria?

Era normal, para uma garota que passou a vida sendo vigiada pelo pai, que nunca sentiu interesse em transgredir as regras, nunca quis namorar, nunca chegou nem mesmo a cometer um pequeno delito. Nada. Era normal surtar depois de sofrer uma desilusão amorosa que simplesmente nunca aconteceu, quase morrer por causa de um temporal, ser resgatada pelo príncipe encantado, perder a virgindade, ser pedida em casamento e casar pouco tempo depois, e tudo isso sem que meu pai ameaçasse me matar ou matar o meu... marido?

Putz!

Eu estava certa de que Alex era o homem da minha vida. Eu o amava. Amava até demais. No entanto, casar exigia de mim coisas que iam muito além do sexo, que, por sinal, era perfeito. O que Alex comia? Como ele gostava que sua cama fosse arrumada? Onde ficavam os copos e as louças na casa dele? Eu não sabia nada.

Não conhecia seus horários, não tinha ideia se ele almoçava em casa, se gostava de ficar trancado no escritório sozinho por horas a fio sem que nenhum barulho o incomodasse. Não sabia como ele reagiria a minha vontade de ficar sozinha por horas a fio sem ser incomodada. Definitivamente, a ideia de estar casada me assustava muito mais do que o próprio casamento.

Por isso corri, para o banheiro e fiquei lá, apesar de seus protestos apaixonados. Alex era mesmo perfeito! Ainda assim, eu precisava me trancar em algum lugar e ficar sozinha. Não dava mais para voltar atrás. Aliás, eu não queria voltar atrás, queria apenas que pulássemos dois anos e estivéssemos completamente adaptados um ao outro.

Andei pelo banheiro, que, de repente, parecia minúsculo, perdida em pensamentos. Primeiro de tudo: Alex já tinha uma casa pronta e não uma casa planejada e construída por nós. Por mais espaçosa que fosse, era realmente uma típica casa de homem solteiro.

Como eu viveria ali a partir daquele momento, o que eu deveria fazer? Poderia mudar o que não fosse do meu agrado? Poderia levar as coisas que eu amava, como o meu som portátil cor-de-rosa que pareceria um alienígena ali naquele ambiente perfeitamente estruturado e planejado?

Segundo ponto: sexo. Ok que eu adorava sexo e Alex adorava me ensinar sobre sexo. Mordi os lábios pensando nisso e meu corpo acendeu. Vamos lá, Charlotte! Concentre-se. Tudo bem, sexo era muito bom, mas será que, agora que estávamos casados e, teoricamente, passaríamos o resto da vida juntos, haveria um momento em que o interesse diminuiria ou acabaria? Será que Alex e eu, mesmo sentindo o tesão que sentíamos um pelo outro, transaríamos tanto que perderia a graça? E quando ele não tivesse mais nada para me ensinar, o que faríamos? Minha dúvida era: eu poderia deixar meu desejo falar tão alto quanto falou no percurso do nosso casamento até a casa?

Terceiro ponto: ser casada exigia também uma vida social juntos. Quem eram os amigos de Alex e o que eles pensariam de mim? Merda, eu sou muito mais nova, recém-formada e com zero de experiência. Tá legal, digamos que 2% de experiência, ainda assim era pouco. Pouquíssimo para interagir com as pessoas interessantes e inteligentes que, com certeza, faziam parte do seu círculo social.

Tive uma pequena prova na reunião organizada na casa da minha cunhada, Lana. Eram pessoas maduras, cheias de intimidades e com histórias engraçadas sobre os anos de amizade com o meu... marido. Eles me acharam infantil? Riram de mim, ou do Alex, pelas costas? Droga!

E a minha? Eu não tinha muitos amigos, no geral, poucos colegas da faculdade e alguns remanescentes do colegial, além de Miranda, que ele visivelmente detestava. Como Alex se comportaria em meu meio? Quanto tempo ele suportaria as infantilidades e as conversas superficiais? Este ponto também me incomodava.

Quarto ponto, e é melhor parar neste ou enlouquecerei: o que ele esperava de mim além de ser uma aluna brilhante que escreveu um livro que o deixava animado? Havia muito mais de mim que ele ainda desconhecia. Não poderia ser só sexo e o livro. Ele não sabia que eu amava filmes românticos e que sempre chorava. Não sabia que minha pipoca era sempre sem sal. Não fazia ideia de que, normalmente, quando começo a sentir sono, eu sinto frio. Estranho, não é? Que eu gostava de colocar os fones de ouvido no máximo e ficar um tempo deitada de olhos fechados apenas idealizando histórias de amores complicados, de conflitos dolorosos e de soluções encantadoras.

Alex não sabia que eu sentia prazer em passar um lençol gelado entre os dedos. Era uma sensação boa! Que eu não gostava de lavar os cabelos todos os dias, pois tirava a oleosidade e os deixava sem graça. Que eu adorava comer besteiras, mesmo morrendo de medo de engordar. Que quando ia ao banheiro, sempre levava um livro. Pode rir, mas a situação era bem mais prazerosa, além do fato de poder desfrutar de mais tempo sem ser incomodada.

Ele não tinha livros no banheiro.

Sem pensar no que estava fazendo, acabei preparando um banho na banheira bem perfumado e atraente. Quando dei por mim, já estava imersa em sua água, relaxando e debatendo todos os meus conflitos.

Viver com Alex era como uma história de amor contada nos mais lindos romances, só que, neles, a intimidade não era descrita. Ninguém escreve sobre coisas que acontecem entre os casais no dia a dia, que são constrangedoras e que, com o tempo, passam a fazer parte da rotina. Eu tinha medo exatamente disso. Da intimidade e da rotina.

E se eu descobrisse que ele era insuportável? E se ele descobrisse que eu era insuportável? Merda! Não queria perdê-lo. Definitivamente, não queria. Piorava muito quando imaginava que o perderia por não usar camisolas sensuais todos os dias. Aliás, eu gostava de usar calcinhas folgadas e camisas masculinas enormes para dormir. Isso quando não dormia completamente nua, disso com certeza Alex não reclamaria, a não ser que eu engordasse... muito.

Eu não era normal.

Por que estava perdendo tanto tempo com perguntas para as quais não encontraria respostas tão cedo, quando havia um problema muito maior para enfrentarmos? Anita era uma realidade incômoda. Tinha certeza de que ela não sossegaria enquanto não conseguisse nos fazer perder tudo. E eu era a única culpada.

Claro que eu era a culpada. Infernizei a vida do meu professor até que ele decidisse tirar minha virgindade. Que loucura! Como uma pessoa em sã consciência podia fazer uma proposta dessas? Mas eu fiz e ele aceitou. E nós nos apaixonamos, casamos e fazíamos amor de uma maneira tão incrível e perfeita que eu não conseguia pensar em problemas, medos e inseguranças. Nada. Eram só seus braços me envolverem que meu mundo se resumia em Alex Frankli, o meu professor.

De olhos fechados, senti o corpo relaxar completamente. Eu estava pronta para enfrentar o mundo e também muito cansada. Precisava passar mais aquele tempo comigo mesma aproveitando a água quentinha que me envolvia.

Então adormeci. E adorei!


ALEX


Minha primeira reação foi chamá-la, mas minha voz estava tão presa na garganta que saiu apenas um murmúrio. Então, tentando conter o pânico, toquei sua mão caída ao lado da banheira. Estava gelada. Puxei o ar com força, tomando coragem, e toquei em seu pescoço, buscando sua pulsação. Foi quando Charlotte gritou.

Esta é a parte em que confesso que meu grito foi tão alto e aterrorizante quanto o dela. Por mais ridículo que seja admitir, é a mais pura verdade. Charlotte simplesmente se exaltou e gritou a plenos pulmões. Enquanto eu me afastava com o susto, vi quando ela, ainda sob o efeito do pânico, se desequilibrou e... Ok! Isso foi demais, no entanto, em se tratando de Charlotte... começou a se afogar na banheira.

Sim. Ela estava se afogando, se debatendo desesperadamente, espalhando água para todos os lados, quando deveria apenas se sentar que estaria tudo bem.

– Charlotte! – gritei assim que percebi que, se não fizesse alguma coisa, ela certamente morreria afogada daquela forma patética.

Sem pensar duas vezes, me atirei na banheira, capturando sua cintura. Ela continuou se debatendo e eu precisei ser mais forte do que seu desespero, segurando-a com força e içando seu corpo até que estivesse totalmente colado ao meu e fora da água. Charlotte respirou com força e começou a tossir.

Eu a mantive firme nos braços até que seu desespero foi cedendo e só então ela se deu conta do ocorrido. Seu rosto exibia uma expressão impagável. Uma mistura de vergonha e incredulidade que me fez rir.

Ri tanto que não consegui mais segurá-la. Precisei soltá-la e ajoelhar na banheira, deixando a água terminar seu serviço e me encharcar por completo. Ri muito. Desculpe, mas foi mesmo muito engraçado olhar Charlotte e ver seu desespero e embaraço por ter quase se afogado em uma banheira que mal cobria seus joelhos.

– Não acredito que você está rindo! – Ela esbravejou ainda com cara de assustada. – Ótimo!

Sentou na borda da banheira e cruzou os braços no peito, fazendo cara de brava. Seu rosto estava tão vermelho que recomecei a rir. Foi ridículo, mas eu ria descontroladamente, incapaz de conseguir parar.

– Alex Frankli, você é um ser desprezível!

Olhei minha esposa totalmente nua, com os braços cruzados e os pés batendo na água como uma criança mimada. Ainda rindo, segurei aquela linda mulher pela cintura, puxando-a para mim. Charlotte tentou se soltar ou me impedir de alcançá-la, eu fui mais rápido e tomei seus lábios, segurando em sua nuca para impedi-la de me afastar. Aquela junção de corpos, o dela despido, o alívio da tensão, aquela carinha linda de quem estava muito aborrecida, foi o suficiente para me enlouquecer.

– Não! – Ela me empurrou, reclamando em meus lábios. Eu a mantive firme em meus braços. – Pare! – Sua voz manhosa já cedia às minhas investidas.

– Quer dizer que você se tranca no banheiro por horas só para tirar um cochilo?

Ela gemeu insatisfeita com a situação e tentou novamente me afastar, sem sucesso.

– Charlotte, eu estava preocupado.

– Estou vendo sua preocupação.

– Foi engraçado, admita!

– Não foi! Eu estava me afogando. – Ri, tentando arduamente controlar minha risada.

– E eu te salvei, meu amor.

Espalmei as mãos em suas costas e beijei seu pescoço. Deslumbrado, vi sua pele arrepiando todinha. Quase perco o foco assistindo aquele espetáculo.

– Você riu de mim, isso, sim.

– Mas te salvei e agora mereço ser recompensado.

Minha excitação já latejava por dentro da bermuda grossa, me incomodando, porém eu não poderia largá-la para me livrar das roupas, pois corria um enorme risco de ela fugir. Então desci uma mão até sua bunda, apalpando-a.

– Estamos em lua de mel – sussurrei em seu pescoço.

Charlotte estremeceu.

– Eu estou com frio, com fome e cansada. – Mais uma vez, ela tentou me afastar, eu me rendi, soltando-a e buscando seus olhos.

– Mesmo? Tudo isso é mais forte do que seu desejo por mim?

Ela mordeu os lábios, me arrancando um risinho que não consegui conter. Charlotte era um poço de excitação. Minha esposa levantou o rosto, me encarando com indignação.

– É, sim, professor Frankli. – Me deu as costas, saindo da banheira.

– Charlotte!

– Preciso colocar uma roupa ou vou congelar.

E ela saiu do banheiro sem me esperar.


CHARLOTTE


Puta que pariu! Paguei o maior mico da face da Terra. Porra! Fui inventar de me afogar justamente na merda da banheira. Eu deveria ter morrido, era melhor do que encarar Alex rindo da minha falta de jeito, da minha falta de coordenação motora, da minha incapacidade de ser graciosa. Senti tanta raiva de mim que não consegui entrar em seu clima de sedução.

Não dava!

Eu queria apenas enfiar a cabeça em algum lugar e sumir. Por isso fugi o mais rápido possível e, com isso, assinei meu atestado de infantilidade com uma tinta que jamais poderia ser apagada. Alex não me suportaria por muito tempo.

Corri para o closet, provavelmente onde ele havia deixado minha pequena mala, a mesma que levei para o rancho com tudo o que precisaria para aquele primeiro momento. Procurei uma calcinha limpa, depois vesti a primeira peça que encontrei: um vestido preto de alça, que não precisava de sutiã. Saí do closet passando as mãos pelos cabelos e encontrei com meu marido entrando, usando apenas uma toalha. Olhei para ele ligeiramente curiosa.

– Eu fiquei ensopado – disse, passando por mim, indo em direção ao closet.

Assim que passou pela porta, arrancou a toalha e a atirou em um canto. A visão daquele lindo corpo nu, daquela bunda que me tirava o fôlego, aquelas costas largas tão em harmonia com as coxas grossas, simplesmente me fez parar para observar.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma cueca e, antes de vesti-la, olhou para mim. Seu sorriso torto demonstrando toda sua safadeza se uniu à sobrancelha estrategicamente arqueada em sinal de deboche.

Alex era lindo, charmoso, delicioso, mas, quando exibia aquela cara debochada, me fazia ter vontade de matá-lo. comecei a sair quando sua voz sedosa me paralisou como cimento prendendo meus pés no chão.

– Achei que estivesse com frio.

Fiquei sem entender a que ele se referia, então meu marido apontou para minha roupa. Hum! O vestido era realmente para um dia quente.

– Eu não tinha mais nada adequado

Ele se abaixou e começou a subir a cueca pelas pernas torneadas.

– Você malha muito?

Fiquei vermelha de imediato. Era constrangedor não saber quase nada da vida do homem com quem eu havia me casado. Alex me olhou com curiosidade e sorriu.

– Às vezes. Gosto mais de correr na praia e surfar, além do basquete com os amigos e dos treinos na academia. – Caminhou até outra gaveta, retirando de lá uma calça de moletom cinza. – E você? Quer dizer... sei que começou a caminhar com Miranda, mas, antes disso, não fazia nenhuma atividade física? Conversamos sobre isso uma vez, não? – Fez uma cara engraçada.

– Hum! – Continuei assistindo ao espetáculo que era aquele corpo sendo vestido. – Sim, quando você me disse que não era apenas cuidar do corpo, mas da saúde também.

– Ah, sim. – Puxou a calça para cima e foi para o outro lado buscar uma camisa. – Você tem uma vida meio sedentária. – E sorriu daquela forma sacana.

– Nem tanto. Para falar a verdade, ando treinando bastante. – Corroborei com o seu sorriso e ele me encarou com desejo.

– É verdade. Para quem não fazia nada, começar a praticar tanta... – Seu sorriso se expandiu. – Só precisamos manter o ritmo, a constância das atividades... Você sabe. Não adianta começar a trabalhar o corpo e diminuir a frequência logo depois. O corpo tende a entender mal estas mudanças. É importante continuar praticando.

De repente, fiquei bastante alerta. Alex era fisicamente perfeito e com certeza convivia com pessoas que seguiam o mesmo padrão, enquanto eu era apenas uma magrela desajeitada que se afogava na banheira no seu primeiro dia de casada.

– Exercícios físicos fazem bem à saúde. Você gosta de patins – afirmou, lembrando-se do dia em que me atropelou. Eu usava os patins enquanto tentava encontrar algum homem interessado em tirar minha virgindade.

Nossa, como eu era absurda!

Corei instantaneamente e tenho certeza de que Alex se regozijou com isso. Fiquei tão envergonhada que não conseguia nem olhá-lo.

– Você pode me acompanhar nas corridas – ele disse com uma voz que queria dizer muitas coisas. – Se não for ruim deixar de caminhar com Miranda.

– Você quer dizer o que com isso? Que estou gorda ou que estou com um corpo horrível?

Mais uma vez ele riu. Bom, eu, na certa, estava em um dia engraçado.

– Você está maravilhosa, Charlotte, e eu amo seu corpo. – Colocou a camisa e veio em minha direção, me alcançando rapidamente. – Eu amo seu corpo – repetiu, passando as mãos em mim, o que, imediatamente, me deixou desconcertada.

– E eu estou faminta. – Pisquei várias vezes para conseguir quebrar o seu encanto. – E exausta.

– E estranha – ele completou. – Qual é o problema desta vez?

O “desta vez” que utilizou me deixou realmente abalada. Ele estava cansado. Claro que estava! Alex era um homem. Não um homem qualquer, mas um homem lindo, bem-sucedido, sexy, experiente, maduro, seguro... e um monte de outros adjetivos que só faziam me deixar mais depressiva. Ele se cansaria facilmente de mim.

Eu estava estranha? Ok! Com certeza estava, afinal de contas, era sempre eu a primeira a exigir sexo e, naquele momento, simplesmente fugia como se fosse alguma coisa ruim. Mas eu realmente estava com um monte de bobagens na cabeça e seria ótimo poder expurgá-las antes de me entregar de corpo e alma ao meu marido.

– Charlotte, o que foi?

Merda! Eu simplesmente precisava mandar aquilo às favas. Não era justo comigo, com ele, com nós dois. Era a nossa lua de mel e ele me amava. E eu o amava. Quantas vezes mais precisaria refletir sobre isso? Era hora de acabar. Respirei fundo. A vida de casada não era nada fácil. Não dava para ficar com aqueles grilos todos na cabeça e depois deitar ao seu lado e dormir como se nada existisse entre nós dois.

– Tá legal – falei por fim. Ele me olhava sem entender nada. – Acho que precisamos ter a nossa primeira DR de casados.

– DR?

– Isso. DR.

Ele sorriu de maneira espetacular, deixando-me ainda mais apaixonada. Alex olhou para os lados, procurando um jeito mais agradável de a conversa acontecer, então passou uma mão pelos cabelos e me olhou, mordendo o lábio inferior.

– Certo. Vamos fazer assim: eu cozinho e você fala.

– Perfeito!


CAPÍTULO 02


“Tão impossível é avivar o lume com neve, como apagar o fogo do amor com palavras.”

William Shakespeare


ALEX


Charlotte estava sentada em um dos bancos altos da cozinha americana enquanto eu pegava os ingredientes necessários para fazer uma salada italiana e grelhar uns pedaços de frango com shoyo e legumes. Ela continuava em silêncio, os cotovelos apoiados na bancada e as mãos no pescoço. Olhava para a madeira como se não soubesse como começar aquela conversa.

DR. Era só o que me faltava. No meu primeiro dia de casado, teríamos uma DR. Eu queria era fazer amor com ela em todos os cantos da casa e esquecer o mundo lá fora. Pedir uma pizza, tomar vinho enrolados no cobertor e fazer mais amor, até que não sobrasse mais nada de nós dois.

– Você não está falando.

Evitei olhar em sua direção. Pelo menos, assim, ela teria mais coragem. Então fui separando as folhas e colocando-as em uma vasilha com água e vinagre.

– Estou tentando encontrar uma forma de começar – admitiu com a voz baixa.

Meu coração acelerou. Larguei as folhas e coloquei os pedaços de frango no tempero de ervas finas que eu tinha pronto na geladeira. Depois sentei diante dela com uma toalha de prato nas mãos. Ela me observou por longos minutos.

– Você está insegura. Eu sei. Também estou, Charlotte. Nós casamos, e eu não estou arrependido, mas mal nos conhecemos. Não é isso que te incomoda? – Ela concordou com os olhos imensos fixos em mim. – Olha, essa coisa de se conhecer pode e deve acontecer aos poucos mesmo. Tenho certeza de que vou amar cada novo detalhe que descobrir a seu respeito e confesso que estou morrendo de medo do que você vai achar de mim agora que estamos casados.

Charlotte riu, ficando bastante encabulada. Ela era tão linda! Encantadora!

– Eu tenho medo de como será nós dois na mesma casa. Tenho as minhas manias e você, com certeza, deve ter as suas. Não sei.

Ela desviou o olhar, ficando cabisbaixa.

– Tenho medo de que se canse de mim. Por enquanto tudo é novidade, Alex. O sexo é novidade, e é fantástico, mas e quando você não tiver mais nada para me ensinar? E quando eu não for mais tão interessante? Não sei... – Puxou os cabelos para trás e depois os soltou, deixando-os cair sobre os ombros. Eu amei esse gesto. Foi tão sensual! – De repente você descobre que gosta deste lance de ensinar. – Sorriu com vergonha. – Que gosta de garotas inexperientes. – Voltou a me olhar e a sua insegurança me atingiu em cheio. – Eu não serei mais inexperiente... com o tempo, deixarei de ser.

Respirei fundo, sentando melhor no banco.

– Eu amo a sua falta de experiência, Charlotte, só que não é um fetiche, acho engraçado e bonitinho, não sei ao certo. Vamos concordar que você não tinha experiência, porém nunca foi uma pessoa crua. Sempre soube o que queria, sabia o que fazia, nunca ficou me aguardando.

Sorri, lembrando-me de quando ela me disse que havia se masturbado e a forma como fiquei excitado. Quase enlouqueci de tanto tesão naquele dia.

– Você sempre foi fantástica, mesmo quando ainda não transávamos. Era maravilhoso ser surpreendido por cada uma das suas investidas.

Ela sorriu, baixando a cabeça para encobrir a forma absurda como corou. Ah, eu amava aquela mulher de tantas formas que me surpreendia como conseguia me apaixonar o tempo todo por cada coisinha que ela fazia.

– Ainda sobre o sexo... – ela continuou de cabeça baixa, como se precisasse disso para tomar coragem. – Nós somos muito intensos.

– Você é muito mais intensa.

Ela riu um pouco.

– Fico preocupada que estejamos indo com muita sede ao pote e acabaremos esgotando tudo o que ainda temos para viver... sexualmente falando.

Fiquei em silêncio, tentando entender do que ela falava e, então, me dei conta.

– Eu não sei responder sobre isso, Charlotte – confessei. – Nunca fui casado. Nunca me apaixonei e nunca tive um relacionamento tão profundo como o nosso, então não sei como funciona. Talvez seja bastante normal no começo, apesar de saber que, na relação de Lana e João Pedro, só aumenta. – Ri sem graça por estar revelando a intimidade da minha irmã com meu amigo. – Vamos descobrir juntos. Deixar as coisas acontecerem e tentar moldá-las conforme a nossa vontade.

Ela concordou com a cabeça e eu fiquei mais aliviado.

– Qual é o próximo entrave?

Minha esposa riu e levantou o rosto, encarando a casa ou o que conseguia ver dela.

– Você gosta de cozinhar? – Seus olhos não deixavam os espaços da casa.

– Gosto, apesar de não fazê-lo com frequência. Existe uma pessoa, eu vou apresentá-la, que vem duas vezes por semana, esta semana ela não virá. – Sorri, pensando no motivo. – Ela tira um dia para fazer a faxina da casa e outro para deixar comida pronta e congelada. Era assim que funcionava para mim, já que eu passava muito tempo fora, agora será como você quiser. O que prefere?

Ela continuou olhando a casa e depois me encarou.

– Eu gosto de cozinhar, só não sei se me acostumo com esta obrigação diária.

Fiquei satisfeito com a sua honestidade.

– Tudo bem. Eu não faço questão de que seja diferente para me agradar, então podemos manter a D. Rosana e cozinhamos quando tivermos vontade.

– Certo.

– O que mais? – Charlotte riu visivelmente mais relaxada.

– Esta casa é sua.

– Agora é nossa.

– Mas foi projetada para você. É linda e eu gosto muito, mas...

– Mude o que quiser. Deixe tudo com a sua cara. Faça dela o seu cantinho também. – Seus olhos brilharam ao me encarar, mas, rapidamente, as sombras voltaram. – O que foi?

– Você vai dizer que eu sou absurda – revelou com pesar na voz.

Coloquei minhas mãos sobre as dela.

– Nós podemos resolver qualquer coisa juntos. Fale! Eu quero saber.

– Alex, eu sempre fui sozinha. Miranda e Johnny eram meus amigos, meus companheiros, no entanto, eles respeitavam minha individualidade porque entendiam que era uma necessidade. – Ela pigarreou e voltou a baixar os olhos. – Eu queria que entendesse que viver com um pai tão controlador fazia-me desejar ter ao menos algum lugar onde eu tivesse o controle, onde tudo fosse como eu queria, e foi assim desde cedo.

Ela se calou. Fiquei sério. Eu sabia o que incomodava minha esposa.

– Você está falando do fato de agora ter que dividir o quarto comigo – afirmei.

Ela concordou sem me encarar. Fiquei mudo. Aquilo, sim, era complicado. Minha mente fervilhava, tentando encontrar uma saída.

– Desculpe, Alex! Eu sou uma garota mimada e idiota.

Deixou-se cair sobre a bancada escondendo o rosto. Acariciei seus cabelos sem deixar de pensar no quanto gostava deles, da sua cor, textura, tamanho, cheiro...

– Eu não quero dormir sem você – admiti com a voz baixa.

Era a primeira vez que me permitia ser egoísta em relação a suas necessidades.

– Eu também não. O problema não é esse.

– E qual é?

Charlotte levantou o rosto, que estava completamente vermelho.

– Charlotte! – gemi de ansiedade.

Ela não podia passar a vida com vergonha de me contar sobre seus problemas.

– Tá certo! Eu vou falar. – Recolheu as mãos e as deixou embaixo do balcão. Seus olhos não me encaravam. – Eu tenho um rádio cor–de-rosa que amo demais. Olhei para ele na loja e fiquei alucinada, mas ele é cor-de-rosa e não combina em nada com o seu quarto. Gosto de ter meus livros bem pertinho, pelo menos os que gosto mais. Eu os guardo em um armário com portas de vidro que mandei fazer para esta finalidade.

Eu me lembrava do móvel que ela falava. Era muito bonito, mas tiraria a harmonia do meu quarto.

– Gosto de ler no banheiro – admitiu com a voz bem baixinha. – Não costumo arrumar a cama quando levanto porque gosto de levantar e ver o dia. Arrumar a cama toma muito tempo.

Isso era um problema. Eu adorava minha cama forrada e arrumada como nas revistas. Sorri, achando aquilo uma loucura total.

– Eu guardo duas bonecas que tenho desde criancinha. Digo que são minhas filhas e elas ficam em cima da minha cama. Não queria me desfazer delas, foram presentes dos meus pais quando precisaram fazer a primeira viagem sem mim para Paris, acho que foi a milionésima lua de mel deles. – Ela revirou os olhos e eu fiquei emocionado. Era triste pensar nos pais dela, sabendo tudo o que eu sabia. – Eu tenho muitas roupas. Ok! Não parece, pois me visto como um moleque, embora goste de tudo o que minha mãe insiste em comprar para mim e acho que agora seria mais apropriado usá-las e... eu amo sapatos. Todos os tipos, formas e cores. Tenho muitos. – Ela sorriu, como se aquele pequeno detalhe fosse o seu tesouro. – Não cabe tudo no seu closet.

– Certo, Charlotte! Eu já entendi. Precisa trazer o seu quarto para dentro desta casa. Olha, por mim você pode trazer tudo, eu não me importo, desde que não tenha que te dizer boa-noite e sair para dormir sozinho.

Ela me olhava com atenção.

– O quarto de hóspedes é tão grande quanto o meu. A parede do closet dele é ligada ao nosso, se a quebrarmos, podemos ter um imenso. Você fica com uma metade e eu com a outra e, com isso, ganhamos também uma passagem entre os dois quartos. Podemos trazer tudo seu e arrumar naquele quarto para você, será o seu cantinho, com tudo o que tiver direito, mas, no final do dia, escolheremos onde queremos dormir. Fica bom assim?

Charlotte me olhava e seus olhos estavam marejados. Sorri para aquela menina tão linda e inocente que, muitas vezes, me deixava encabulado. Ela sorriu de volta e se atirou sobre o balcão até alcançar meu pescoço, puxando-me em sua direção.

– Eu amo você, Alex Frankli!

Eu ria enquanto ela me beijava sem parar. Aquela era a minha Charlotte. Maluca, mimada, empolgada e perfeita.


CHARLOTTE


Eu estava mesmo com fome, afinal de contas, quase não consegui comer durante a cerimônia, e o excesso de atividade física que eu tinha feito durante o dia havia me deixado faminta e sonolenta. Alex comeu sentado ao meu lado, muito próximo a mim, e eu brinquei roubando os legumes do seu prato. Ele ria como uma criança. O tempo todo, trocamos carícias e beijinhos.

Era uma delícia!

Após o jantar, sentamos no sofá e ligamos a TV. Eu estava com sono, mas também sentia muita vontade de ficar com o meu marido e fazer amor com ele. A ideia de nunca termos transado naquela casa, agora sendo a nossa casa, me deixava mais animada. Ele apenas me mantinha em seus braços e acariciava os meus, com os olhos fixos no noticiário.

Comecei a me sentir incomodada. Poxa, ele estava doido para transar e eu amarelei com minha insegurança infeliz! Agora eu queria dar seguimento à nossa lua de mel e ele estava mais interessado em guerras, economia, o diabo a quatro. Assim não tinha como entrarmos em harmonia.

Sem perceber, comecei a me remexer no sofá. Ficava quieta, depois virava para o lado, colocava as pernas sobre as dele, levantava um braço e abaixava logo em seguida, voltava para o outro lado, tirava a perna, cruzava como Buda, no entanto, minha paciência era zero. Alex notou.

Ele olhou para mim como se tivesse acordado de um sonho, depois voltou para a TV, desligando-a, em seguida me puxou para perto e começou a mordiscar meu pescoço.

– Dá para parar de ficar tão agitada? – resmungou, mantendo os lábios em minha pele.

Eu era uma perfeita fraca em se tratando do meu marido. Ri sem graça, reivindicando seus lábios.

O beijo foi tranquilo. Era apenas um beijo no início, e eu cheguei a acreditar que ele o interromperia em breve, pois o noticiário havia mesmo prendido a sua atenção. Porém, quando Alex se afastou de mim e procurou pelo controle, uma música surgiu de algum lugar daquela casa. Era um pouco agitada, nada parecido com o que ouvíamos, que normalmente era lento e relaxante. A batida era excitante.

Ele se voltou para mim e me fez beijá-lo. A voz da cantora era sensual demais, dando-me vontade de me movimentar de maneira mais ousada. Alex também estava diferente. Não sei ao certo, mas havia algo mais forte nele, algo mais sedutor, mais seguro do que o normal. Ele me beijava com tanta propriedade que senti minha calcinha molhar antes mesmo que me tocasse.

Seu corpo se projetou sobre o meu, fazendo-me deitar no sofá. Arrancou a camisa, exibindo aquele peitoral muito bem trabalhado e o abdômen definido. Eu queria tocá-lo, mas ele segurou minhas mãos, levantando-as até estarem acima da cabeça.

Puta merda, igual ao que acontecia em meu livro! Fiquei ainda mais excitada. Como se fosse possível.

Seus lábios me tomaram de forma urgente, sua língua me invadindo e fazendo a minha acompanhá-la. Eu poderia gozar apenas com aquele beijo. Era possível? E então ele segurou meus dois punhos com apenas uma mão e começou a me tocar com a outra. Não foi nada calmo nem delicado. Ele me tocava como se precisasse disso para viver, e foi a situação mais cheia de luxúria que eu já havia vivenciado.

Gemi abertamente quando meu vestido foi puxado para baixo, revelando meus seios. Ele gemeu baixinho, deliciado demais. Alex agia como se aquele momento fosse apenas dele e, estranhamente, eu gostava daquilo. Seu rosto foi descendo pelo meu pescoço enquanto sua mão livre brincava com meus seios conforme a sua vontade. Apertando, puxando, esfregando a palma nele, acariciando o bico e deixando-me alucinada. Então ele sussurrou em meu ouvido, acompanhando a música.

– Agora, se estamos falando de corpo, você tem um perfeito. Então coloque-o em mim. Juro que não vai levar muito tempo. Se me ama de verdade, nós vamos foder para a vida.

Puta. Que. Pariu!

Se eu já me sentia fodidamente excitada com a forma como ele agia, meu sexo pulsou e tudo dentro de mim se contorceu com as palavras cantadas com aquela voz rouca e sussurrada que fazia com que o tesão saísse pelos meus poros. Eu transpirava desejo.

Eu sentia seus lábios e dentes em minha pele, descendo em direção aos meus seios, enquanto a mão descia ainda mais, segurando-me pela cintura e colocando-me na posição que ele queria. Minhas pernas se abriram mais e eu pude sentir seu membro duro que, imediatamente, começou a roçar em mim sem nenhum pudor. O atrito era tão delicioso que fechei os olhos e tive dificuldade para respirar corretamente. Meu corpo se movia, rebolava, roçava nele, sem que eu precisasse enviar um único comando.

Mais uma vez, gemi sem conseguir me controlar quando seus lábios alcançaram meu seio, seus dedos chegaram a minha calcinha, avançando em seu limite e tomando meu sexo molhado como quem toma um brinquedo muito desejado. Alex não se fazia de rogado. Ele estava excitado, ansioso para me fazer sua, para ter a mim por completo. Seus lábios sugavam meus seios, um a um, e seus dedos me invadiam com vontade enquanto seu polegar esfregava meu clitóris.

Uma coisa era fato: ele queria me enlouquecer.

Completamente.

O orgasmo foi chegando, anunciando a sua explosão. Tudo em mim vibrava, pulsava e fervia, então ele parou, retirando os dedos e voltando sua atenção para meus seios. Não se atreveu a voltar a se esfregar em mim. A frustração era avassaladora, porém sentir seus lábios ainda me mantinha conectada.

Alex largou meus punhos. Minhas mãos voaram para seus cabelos enquanto ele descia em direção ao meu sexo. Me contorci embaixo daquele corpo delicioso, ouvindo a música acabar, dando espaço a uma mais calma, com batidas ainda excitantes, em outro contexto. Falava algo sobre amor e dor. Eu não conseguia captar mais nada, pois ele finalmente chegou ao meio das minhas pernas e não me deu tempo de pensar em mais nada. Logo, seus lábios e língua estavam em mim.

O fogo que me atingiu foi alucinante. Eu gemi, fechei as mãos em seus cabelos, forçando-o a permanecer ali, e rebolei descaradamente em seu rosto. Não dava para me conter. Eu estava em chamas, doida para explodir. Ansiosa demais pelos seus lábios, língua, dentes e tudo o mais que ele podia me oferecer. Então senti suas mãos firmes em meus quadris e depois uma força arrebentando minha calcinha.

Oh, Deus! Fiquei em choque e ainda mais excitada. Aquilo era tão... Puta que pariu! Ele rasgou minha calcinha? Rasgou a minha calcinha! Rasgou minha calcinha e me chupava sem parar, sem me deixar raciocinar, bebendo-me como se minha excitação fosse o mais delicioso vinho. Alex fechou os lábios em meu clitóris e o sugou.

Ah, meu pai do céu! Que tortura deliciosa!

Rebolei, saboreando cada segundo. Mais uma vez, meu corpo se preparou, meu ventre se contorceu e eu pude sentir o primeiro espasmo, só que Alex se afastou e levantou, pairando sobre mim, voltando a puxar meus braços para cima.

– Oh, merda! – protestei sem conseguir pensar em nada mais coerente para dizer.

Ele riu, sem se encostar em mim. Apenas passou a mão livre por minha pele, acariciou meus seios, assistindo a minha ansiedade. Tenho certeza de que meus olhos estavam como os de um louco, ansioso demais para o alívio, para o prazer que apenas meu marido poderia me proporcionar. O filho da puta... sim, filho da puta mesmo... olhou para mim e cantarolou.

– E se nessa hora você morder o lábio, quando eu te fizer gemer, você saberá que é real. Pode sentir a pressão entre seus quadris. Farei você sentir como na primeira vez.

Ok! Alex queria foder com o meu juízo. Só podia ser isso. Porque, assim que ele cantarolou sobre a pressão em meus quadris, senti seus dedos me invadindo outra vez. Joguei a cabeça para trás e implorei para que meu corpo aguentasse, pois tinha a certeza de que, mais uma vez, teria meu orgasmo frustrado. Ele não me permitiria gozar com facilidade.

Gemi, sentindo seus dedos tocarem minhas paredes, apertando-as, buscando qualquer botão que ativasse meu prazer. Ao mesmo tempo, seu polegar se esfregava em meu clitóris já completamente sensível. Não demorou muito, aliás, foi até rápido demais e eu já estava ofegante, pulsando e me contraindo para liberar meu prazer. Até que seus dedos me abandonaram novamente.

– Alex! – gritei inconformada.

Ele me olhou com atenção e com aquele sorriso filho da puta nos lábios. Quase me desvencilhei e o segurei com força para obrigá-lo a transar comigo. Quase. Ele foi mais rápido.

– Eu vou comer você agora, Charlotte – avisou com a voz rouca e cheia de autoridade. – E vou te dar um orgasmo delicioso.

Assim que começou a falar, tratou de cumprir a promessa. Eu senti seu sexo me invadindo sem pedir licença. Como ele conseguiu, eu não fazia ideia. Afinal de contas, até onde eu havia prestado atenção, meu marido usava uma calça de moletom. Bom, não sei, apenas sei que seu membro duro foi abrindo espaço pela minha carne e, a cada centímetro que tocava, eu sentia leves choques de prazer percorrendo em minhas veias e fazendo-me gemer tão alto que a música ficou em segundo plano.

Ele entrou completamente, mas não se demorou. Alex ainda estava pairando sobre mim e com uma vista privilegiada dos nossos corpos se unindo. Sua mão segurava as minhas e a outra, como se não bastasse toda a tortura, continuava me estimulando, tocando-me em todas as partes possíveis.

Ele, então, começou a se movimentar. Entrava e saía do meu corpo com tamanha desenvoltura que me deixou fora de mim por alguns segundos. Eu via tudo, observava cada detalhe e, ao mesmo tempo, não via nada, apenas desfrutava do prazer intenso que meu marido me proporcionava. Era tão gostoso! Ele entrava cada vez com mais força, implacável, e eu sentia que não aguentaria mais, era gostoso demais para ser contido dentro de mim. Por isso, simplesmente senti algo que nunca imaginei ser possível.

– Oh, merda! – anunciei, sentindo que meu corpo não aguentaria nem mais um milésimo de segundo.

E o que vinha era tão forte, tão soberano e implacável que eu tive a certeza de que me arrastaria ao limite do seu oceano. Me afogaria sem permitir salvação. Restava-me apenas me entregar.

Explodi em um prazer tão delicioso que foi como se meu espírito fosse jogado para fora do meu corpo. Como se, por alguns míseros segundos, eu me tornasse um conjunto de terminações nervosas, um aglomerado de prazer, desejo, tesão, luxúria, tudo junto, correndo cada pedacinho de mim e deixando o caos por onde passava.

Senti cada músculo meu se contorcer e enrijecer, liberando o desejo que os prendia e, como se não bastasse, meu corpo foi atingido por chamas que esfregavam suas labaredas em minha pele e me lambiam como um gatinho manhoso. Gemi mais uma vez, colocando para fora o que havia nos pulmões. Eu não precisava mais de ar, água, vida... nada. Estava morta.

E feliz!

Ainda consegui vê-lo encostar a cabeça em meu pescoço e gemer pela última vez, liberando seu gozo quente e espesso dentro de mim. Alex rebolou mais um pouco, forçando-se para dentro. Acredito que apenas curtindo um pouco mais daquela sensação deliciosa. Não me importei. Descobri que adorava tê-lo entre minhas pernas. O vai e vem gostoso dos seus quadris, o rebolado sensual, o calor da sua pele em minhas mãos, os cabelos sedosos e bagunçados, o olhar escuro voltando ao normal.

Alex era lindo!

Respirando com dificuldade, ele voltou a me beijar, começando pelo pescoço e alcançando meus lábios. Tudo em câmera lenta, com muita preguiça e carinho. Ele sorriu e eu retribuí o sorriso.

– Você é deliciosa, Charlotte.

Eu amei aquela carinha pós-foda, cheia da preguiça que nossos corpos sentiam, me olhando com carinho e sorrindo como uma criança em dia de natal.

– Você é delicioso, professor.


ALEX


Eu amava quando ela me chamava de professor. Antes me incomodava, depois passou a ser engraçado e, de uns tempos para cá, passou a ser uma delícia. Talvez Charlotte tivesse razão em relação ao fato de me acostumar a ser o professor, no entanto, dentro de mim, eu sabia que só havia espaço para uma única aluna. As demais que me perdoassem, mas minha esposa já era problema demais para uma vida toda. Ri sozinho enquanto me deixava dominar pelos pensamentos.

Ela dormia ao meu lado, em minha cama. Estava completamente nua. A aliança repousava em seu dedo, a mão delicada sobre o travesseiro, deixando que a luz da lua refletisse no anel símbolo da nossa união. Era tão linda! Charlotte era linda, delicada, inteligente, gostosa pra caralho, intrigante, confusa, birrenta, mimada e tudo mais que eu podia amar em uma mulher. E era minha. Somente minha.

Quando fomos para a cama, eu me sentia exausto. Ela adormeceu logo, colada a mim, como se não quisesse me deixar escapar. Eu dormi, no entanto, acordei angustiado no meio da noite. O problema com Anita ainda me preocupava muito. Não me importava o que poderia acontecer comigo, mas, quando eu sabia que aquela merda toda respingaria em Charlotte, simplesmente perdia o chão.

Cansado de ficar aguardando o sono, levantei decidido a trabalhar. Ainda usando a calça de moletom e a camisa que havia separado para aquela noite, saí do quarto, tomando cuidado para que ela não acordasse, e desci as escadas em direção ao escritório.

Não acendi a luz, apenas liguei o computador e acessei meus e-mails. Havia um de Anita. Respirei fundo, pensando em ignorá-la. Após conferir os demais: proposta de livros, e-mails de agentes literários, autores querendo informações; respondi a todos e voltei a encarar o de minha colega de trabalho. O que seria mais prudente? Resolvi abrir logo de uma vez e conferir o que a maluca queria.


“Querido Alex,


Então você casou mesmo? Nem consigo acreditar que preferiu arriscar tudo e dormir com uma aluna do que ter uma vida mais tranquila onde poderia ter tudo de todo mundo. Pensei que você fosse um cara inteligente, mas vejo que me enganei. Espero que o conselho lhe dê o presente de casamento que você merece. Não se preocupe, terá muito tempo para consolar a sua criança.


Com carinho,

Anita”


Ok! Tive muita vontade de matar a filha da puta. Se algum dia eu a encontrasse, ela teria o seu sonho realizado, porque minhas mãos estariam nela, só que não da forma que sempre desejou.

Filha de uma puta!

Fechei o e-mail e tentei me controlar. O que eu iria fazer? Seria a minha palavra contra a dela, e Charlotte estaria completamente vulnerável. Porra! A junta poderia facilmente analisar o trabalho dela e constatar que não havia nada de errado em seu projeto. Sim, um grupo de colegas avaliava o trabalho da minha esposa, buscando comprovar seu potencial. Não seria complicado nem difícil fazer com que acreditassem no seu talento e capacidade, afinal de contas, Charlotte era a melhor aluna da faculdade, se formaria com louvor e aquele semestre era o único em que eu havia lecionado para ela. Era isso. Nós conseguiríamos.

– Trabalhando a esta hora?

Sua voz doce chamou minha atenção. Charlotte estava envolvida em um lençol, parada na porta do escritório e me observando com uma expressão deliciosa de sono. Ela era tão tentadora.

– Perdi o sono e não quis te incomodar.

Chamei-a para junto de mim.

– E o que te fez perder o sono?

Sentou em meu colo, buscando meu olhar.

A luz do computador refletia em seu rosto angelical. Acariciei sua face com a ponta dos dedos. Eu precisava conversar com Charlotte sobre aquilo. Era importante que ela soubesse o risco que corria, mas será que era justo fazer isso no meio da noite? Com certeza ela ficaria nervosa e não conseguiria voltar a dormir. Por isso, apenas beijei seus lábios e continuei as carícias.

Charlotte se rendeu com muita facilidade, como eu havia previsto. Ela era tão entregue, tão cheia de desejo... merecia ser feliz, ter uma vida linda, realizar seus sonhos. E eu devia isso a ela.

– Alex! – Suspirou, abrindo os olhos para me encarar. – Você não me respondeu.

– Não quero conversar sobre problemas agora. – Puxei-a para mais perto. Não podia manter Charlotte na ignorância, então apenas fui verdadeiro. – Quero fazer amor com você.

– Você sempre quer fazer amor comigo.

Ela sorriu e acariciou meu peitoral por cima da camisa. Com o movimento, o lençol se desvencilhou do seu corpo e eu pude ver seus seios firmes, apontando em minha direção. Estavam durinhos, implorando por meus carinhos. Ah, Charlotte! Eu a desejo tanto!

– Você tem razão, minha esposa. – Passei as mãos por baixo do lençol e me levantei, levando-a comigo. – Eu sempre quero fazer amor com você. – Beijei seus lábios com cuidado. – Só que agora quero, finalmente, fazer em nossa cama.

Eu havia perdido o sono, mas não o tesão.


CAPÍTULO 03

 

“O amor dos jovens não está no coração, mas nos olhos.”

William Shakespeare


ALEX


– Você entendeu o que eu disse?

Olhei para Charlotte, que continuava imóvel sentada no sofá. O mesmo que havíamos feito amor na noite anterior e que, naquele momento, servia de apoio para aquela conversa tão complicada.

Resolvi ser claro, franco e honesto com minha esposa. Não dava para mantê-la na ignorância por muito tempo, sem contar que seria uma traição não informá-la dos fatos reais. A guerra contra Charlotte estava acontecendo, e ela deveria saber o que enfrentaria.

– Charlotte? Você está bem?

Ela estava pálida e muito quieta, encarando as próprias mãos sobre as pernas. Fiquei mais tenso ainda. Se minha esposa entrasse em transe, ou simplesmente não suportasse o peso, eu não conseguiria deixar de me culpar por tudo o que lhe aconteceria.

– Eu estou bem. – Ela me encarou com olhos penetrantes. – Então meu trabalho e conclusão do curso podem ser recusados?

– Vou lutar contra isso, amor. Prometo...

Ela levantou a mão, me impedindo de continuar.

– Eu sei, Alex. Tenho certeza de que fará o possível. Temos muitas formas de reverter o quadro e, se for necessário, a justiça pode ser acionada, mesmo que ganhemos um escândalo como bônus.

– Charlotte!

– Anita tinha me alertado. Ela me falou naquele dia que... quando... eu a encontrei na última vez que estive na faculdade. Pensei que ela estivesse tentando me assustar ou que não fosse tão grave assim, mas...

– Amor... – Segurei suas mãos para tentar confortá-la.

– Eu não me importo – ela afirmou decidida. – Alex, não me importo. Não cheguei até aqui para me desfazer em lágrimas e lamentações. Principalmente porque não lamento nada. Se você não tivesse me desafiado, se eu não insistisse naquela proposta, nós não estaríamos aqui hoje, casados e felizes. E eu faria tudo outra vez ou até mais para estar com você. Lógico que ter meu trabalho anulado altera muita coisa, mas posso recomeçar. Vai ficar tudo bem.

– Meu Deus, Charlotte! – Soltei o ar dos pulmões, sentindo-me cem quilos mais leve. – Definitivamente, não sei o que fazer com você.

Ela sorriu daquela maneira meiga e ousada que tanto mexia comigo.

– Eu amo você, minha menina!

Tomado pela emoção, agarrei minha esposa em um beijo cheio de amor. Charlotte era incrível! Quando eu pensava que teria que ser forte o suficiente por nós dois para aguentar o peso das nossas decisões, ela simplesmente se apresentava ainda mais forte do que eu conseguia ser. Era impossível não amar ainda mais aquela menina-mulher.

– Alex! – Charlotte ria e me beijava ao mesmo tempo em que tentava me impedir de irmos além. – Pare com isso!

– Eu amo você! Não se preocupe, tenho certeza de que o corpo docente vai estar do meu lado. Eles podem até tentar nos desmoralizar, porém não irão conseguir anular seu trabalho.

– Confio em você, amor! Meu herói! – brincou, lançando os braços em meu pescoço e me puxando para mais um beijo delicioso.

Lógico que fiquei excitado. Havíamos transado pela manhã, assim que acordamos e nossos corpos preguiçosos buscavam calor e contato. Foi impossível resistir e foi maravilhoso, entretanto, naquele momento, eu desejava minha mulher com tanta ânsia que precisava estar dentro dela para ter certeza de que tudo seguiria de acordo com as nossas promessas. Queria preenchê-la e manter aquela segurança que ela demonstrava sentir. Não sei, mas parecia que todas as vezes que eu queria que algo fosse certificado entre nós, o sexo era o bater final do martelo. Não tinha como ser de outra maneira.

– Amor? – Ela se desvencilhou. Não deixei que saísse do sofá, então a segurei firme pela cintura, mantendo-a presa a mim. – Você tem uma reunião importante agora, esqueceu?

– Não esqueci.

Olhei o relógio, me certificando que dava tempo.

– Então vamos parar por aqui. – Charlotte me soltou, levantando-se rapidamente. – Vou passar lá em casa... digo, na minha outra casa. – Sorriu, corando. Tão linda! Tão deliciosa! Levantei e segurei suas pernas, colando meu rosto em sua barriga. – Vou buscar algumas coisas, verificar o que quero trazer, pegar meu carro...

– Ainda tempos um tempinho.

Subi as mãos provocantemente pelas suas coxas, passando por dentro do seu vestido, quase alcançando sua bunda, mas minha esposa me impediu.

– Alex! Até parece que não fizemos amor há alguns minutos.

– Quase três horas, Charlotte.

Ela riu.

– Que seja! É pouco tempo, e você tem uma reunião importante. Deveria estar tenso como estava agora há pouco.

– Você tem o dom de dissolver toda minha tensão e transformá-la em tesão puro.

– Nada disso!

Charlotte se afastou ainda mais, saindo da sala.

Puta merda! Será que ela não entendia que aquela era a única maneira de eu sair em paz para a maldita reunião?


CHARLOTTE


Ok! Eu estava apavorada, só que Alex não precisava saber disso.

Já bastava ele ter aceitado viver aquela loucura toda por mim, ter que abrir mão de coisas que levou muito tempo para construir, ainda teria que viver se culpando pelo meu fracasso? Não. As escolhas foram nossas, mas eu comecei com aquilo. Teria que ser forte e ir até o fim.

Tudo o que disse não foi mentira. Eu não me arrependia de nada. Talvez me sentisse mal pelo fato de ele estar deixando o cargo de professor, e Alex era mesmo um excelente e conceituado professor, sem contar o fato de ele entregar à Lana o cargo de editor-chefe, o que o reduziria e muito como profissional, porém nada disso me fazia lamentar ter feito o que fiz. Ele nunca olharia para mim se tivesse acontecido de outra forma e éramos felizes, não éramos?

Eu estava realmente com medo e, naquele momento, minha única vontade era correr para casa, para o colo dos meus amigos, para ser mais exata, e colocar para fora tudo o que eu sentia. Além de aguardar a sentença que ele traria após a reunião com o reitor.

Eu estava tensa. Mais do que tensa. Estava emocionalmente exausta e não dava para pensar em sexo sabendo que algo muito ruim poderia acontecer logo em seguida. Quer dizer... pensar eu até pensava. Meu cérebro nunca funcionou muito bem mesmo, uma prova disso foi a proposta absurda que fiz ao meu professor e bem... todo mundo sabe como terminou, então... eu pensava em sexo.

As lembranças do amor calmo e delicioso que fizemos ao acordar ainda estavam bem fresquinhas, e ter suas mãos, cheias de más intenções, subindo pelas minhas coxas, com certeza reavivava alguma coisa entre meu umbigo e meus joelhos. Por outro lado, eu estava tensa, como já disse, e sexo não era a melhor solução. Não naquele momento e, definitivamente, não para aquele tipo de problema.

Pensando assim, me apressei em direção às escadas para começar a me arrumar, quando Alex conseguiu me alcançar e me impediu de fazer tudo o que eu pretendia, inclusive de ficar longe de sexo. Sim, meu marido sabia ser muito persuasivo quando queria.

– Charlotte! – sussurrou com aquela voz que indicava perfeitamente o que acontecia entre as suas pernas e que, com certeza, era capaz de atiçar meus hormônios, fazendo-me perder o controle apenas por ouvi-la.

– Por que está fugindo de mim?

– Eu? – Pisquei inúmeras vezes. Meu cérebro, que já não funcionava muito bem, estava se dissolvendo. – Eu só ia...

– Fugir de mim. – Ele me abraçou pela cintura e colou nossos corpos.

Bingo! Aquela pequena junção de corpos deixou muito claro o que eu apenas acreditava ser verdade. Alex estava muito excitado.

– Não. – Suspirei, sentindo sua barba por fazer roçar meu pescoço com más intenções. – Eu só... ah! – gemi incapaz de me controlar.

Sabe aquele gemido que é uma mistura de suspiro e arrepio? Aquele que escapa vindo bem de dentro, que faz seu corpo estremecer, que demonstra, sem deixar dúvidas, o que você realmente está sentindo? Foi exatamente este. Alex riu. Aquela risadinha safada de homem que sabe do seu poder de sedução e se vangloria por isso.

– Alex, não!

Tentei afastá-lo, mas fui impedida.

– Não pode me deixar assim, amor!

Segurou minha mão e a conduziu para aquele local, quase arrancando de mim outro suspiro só em conferir seu estado. Estava real, surpreendente, deliciosa e fodidamente, com o perdão da palavra, duro. Claro que eu estava excitada, no entanto, fiquei ainda mais só de conferir o nível do tesão dele.

– Oh, Deus, Alex! Isso não vai dar certo.

Fechei os olhos, me entregando à sensação deliciosa que era conferir sua excitação.

– Por quê?

– Porque vai se atrasar.

– Você já ouviu falar em “rapidinhas”?

Abri os olhos e sorri.

Alex me imprensou contra a parede da escada. Uma das minhas pernas estava no degrau de cima, uma das dele no degrau logo abaixo, depois a minha outra e logo em seguida a dele, ou seja, estávamos encaixados. Perfeitamente encaixados, bastava apenas...

– Oh, Deus! – gemi ao sentir seus dedos ousados conferirem a minha excitação. Alex não gastava conversa. Seria uma rapidinha realmente e eu estava megaexcitada por isso. – Alex, aqui?

– Hum-hum! – ronronou em meu pescoço com as mãos cada vez mais ousadas e exploradoras. Foi impossível não rebolar naqueles dedos cheios de promessas. – Tire a roupa – sussurrou a ordem, fazendo meu ventre se contorcer.

– Aqui?

Tenho consciência de que meus olhos ficaram imensos e meu rosto tão vermelho quanto um tomate, no entanto, admito que me senti extasiada com toda aquela urgência e ânsia.

– Alex...

– Quero você nua, Charlotte. Preciso ver o seu corpo enquanto estiver dentro de você.

Suas mãos já levantavam meu vestido praticamente arrancando-o de mim.

Não criei nenhum obstáculo. Obedeci como a aluna disciplinada que era. Senti o sangue aquecendo minhas orelhas e pescoço, nem isso foi capaz de me impedir de continuar me permitindo aplacar todos os desejos do homem maravilhoso com quem eu havia me casado.

Alex se abaixou e minha calcinha foi descendo por minhas pernas deixando-me completamente exposta. Inclinou-se em direção ao meu sexo. Eu pensei que ele me beijaria ou qualquer outra coisa que já tínhamos experimentado, contudo, fiquei surpresa quando ele simplesmente me lambeu.

Sim, ele me lambeu como quem lambe um sorvete. Passou a língua por toda a minha extensão, mantendo-a firme e decidida. Minha reação foi gemer abertamente e me encostar na parede para suportar meu peso. Aquilo foi excitante demais.

Ele levantou rapidamente e só então percebi o que fazia. Eu estava nua, completamente nua, conforme a sua vontade, mas Alex estava vestido. Todo. Completamente vestido, apenas sua calça de moletom estava meio abaixada na frente, dando passagem para o seu sexo duro e imponente.

Puta que pariu! O que aquela imagem foi capaz de fazer comigo? Minha mente imediatamente projetou a imagem, como se eu estivesse do lado de fora, observando, e confesso que fiquei ainda mais excitada.

Ele segurou minhas mãos, levando-as para cima da minha cabeça e seus olhos me percorreram de maneira selvagem, carregada de desejo e sem nenhum pingo de pudor. Queimei gloriosamente por dentro. Minha respiração ficou pesada e meu corpo cheio de expectativa.

– Puta merda, Charlotte, como você é gostosa! – rosnou.

Alex era tudo o que uma mulher poderia sonhar. Era meigo, gentil, romântico, carinhoso, sexy, gostoso e muitas outras coisas que ele sempre fazia questão de demonstrar, mas nunca havia sido tão cafajeste. Deliciosamente cafajeste. A forma como me olhou e falou simplesmente rompeu qualquer barreira que poderia existir naquela entrega. Eu nem me importava de ser a garotinha frágil e inexperiente à mercê daquele homem forte e dominador diante de mim.

– Abra as pernas – ordenou, mantendo minhas mãos presas.

Obedeci, subindo mais um degrau, e achei que meu rosto não suportaria tanto rubor quando ele baixou os olhos e me observou com volúpia e desejo. Pensei que minha excitação fosse capaz de gotejar. Meu sexo pulsava e vibrava, implorando para ser preenchido. E foi o que meu marido fez.

Sem utilizar as mãos, ele encontrou o caminho certo para me penetrar. Senti a familiar dor do primeiro momento, mas minha excitação facilitou o processo. Ele gemeu deleitado com a pressão que minha carne fazia ao recebê-lo.

Alex foi até meu limite, sem utilizar força ou pressa. Ele foi e voltou, testando-me. Fechei os olhos e encostei a cabeça na parede enquanto ele me observava recebê-lo e expulsá-lo, lentamente.

– Adoro isso, Charlotte! – gemeu, encostando os lábios em meu pescoço. – Agora seja boazinha. Abra um pouco mais a perna. – Puta que pariu! Como assim? – Eu quero gozar logo e, para isso, preciso escorregar para dentro de você com intensidade.

Gemi descaradamente, abrindo mais as pernas.

– Isso! – rosnou, e este rosnado reverberou em meu ventre. – Você vai me deixar gozar bem gostoso. Vai me dar todo o prazer que quero para que eu possa sair com a segurança que preciso e resolver aquela merda de uma vez por todas. – Começou a estocar com mais velocidade. – Certo, Charlotte?

Concordei sem conseguir raciocinar direito. Ali, sentindo-o entrar e sair de mim tocando em cada centímetro das minhas paredes, eu concordaria até em ir ao inferno.

Porra! Eu amava ser tratada com amor e carinho. Amava todo o cuidado que ele tinha comigo, mas... merda! Eu estava louca com a forma que ele estava agindo. Variar era essencial para o relacionamento, não era? Então que ele agisse assim, como quem estava me usando. E eu nem me importava.

– Rebole, meu bem. – Aquela voz rouca, aqueles lábios descendo em direção aos meus seios, as investidas mais firmes e rápidas, tudo me levou a corresponder às suas ordens. – Assim, Charlotte!

Ele acelerava o ritmo e eu sentia meu corpo inteiro correspondendo. Enquanto seus lábios brincavam com meus seios, Alex mexia os quadris em movimentos certeiros recepcionados pelos meus rebolados causando um atrito delicioso demais. Os sons do choque dos nossos corpos se misturavam com os gemidos que escapavam com facilidade.

Eu rapidamente estava pronta, sentindo meu corpo se partindo em pequenos pedaços que começavam de dentro para fora, cada vez em proporções maiores. Uma delícia!

– Alex, eu vou... – Senti as pernas fraquejando, a boca ficar seca e meus olhos perderem o foco.

Ele largou meus braços, que pesaram para baixo, fazendo-me desacelerar um pouco, porém não o suficiente para impedir meu momento. Uma mão sua foi direto para minha bunda, mantendo-me firme enquanto ele estocava com mais força, e a outra se fechou em meus cabelos, forçando meu rosto para trás. Minhas paredes foram se fechando cada vez mais em seu membro duro, causando a deliciosa sensação de libertação que apenas o orgasmo era capaz de proporcionar.

– Oh, merda! Goze, meu amor.

E eu já estava gozando, ciente de que seus olhos não abandonaram meu rosto durante os extensos e intensos segundos de prazer.

Ele continuou investindo, sem diminuir o ritmo, e eu senti meu sexo latejar em protesto, mas não o impediria de continuar por nada neste mundo. Então Alex saiu tão rápido de dentro de mim quanto me girou, deixando-me de costas para si e voltando a me penetrar com força. Gritei com a investida que me jogou para frente, colando-me à parede. Meu marido espalmou uma mão em meu quadril, segurando-me com força, e a outra subiu por baixo do meu braço, passando pelos meus seios e se alojando em meu pescoço, imobilizando-me.

Minha bunda ficou completamente empinada, meu corpo rígido, com pouquíssima liberdade de movimento, e meu rosto inclinado em seu peito. Foi neste instante que ele se projetou, colando-me na parede, sua mão deixando meu quadril para se alojar no meio das minhas pernas.

Sem nenhum aviso ou cuidado, Alex apertou meu clitóris, chamando-me de volta. A sensação era de que eu estava com uma ligeira vontade de fazer xixi, eu bem sabia o que era, meu corpo já se preparava.

– Outra vez – ele gemeu, espremendo-me na parede. – Goze mais uma vez, Charlotte!

Seus dedos se esfregavam em mim com força, impondo a sua vontade enquanto seu sexo me invadia com movimentos curtos e rápidos. Choraminguei. Alex queria uma rapidinha e eu sabia que ele estava no limite, meu corpo não conseguiria acompanhá-lo, eu precisava de um pouco mais de tempo.

– Alex, não! – sussurrei minha lamentação, mas ele não recuou.

– Sim!

A palavra saiu com força dos seus lábios, como se ele não quisesse discutir o assunto. Senti meu marido se abaixar ligeiramente e seu rebolado às minhas costas ficou ainda mais gostoso. Era uma fricção prazerosa demais.

– Vamos. Eu quero mais um. Você consegue.

– Eu não consigo – gemi. Estava muito bom, só não para fazer como ele queria, precisava de mais alguns minutos. – Eu não... – Que porra era aquela? – Alex... – choraminguei ao entender o que me acontecia.

Porra, lá estava eu. Gozando novamente. Era uma pequena pressão, não o formigamento selvagem que me atingia da primeira vez, e sim como a lambida que ele havia me dado minutos antes, algo que simplesmente chegava e me dominava.

Minha respiração estava totalmente acelerada, minhas pernas fracas e meu sexo começou a ficar dormente, então o senti arquejar, diminuindo o ritmo, se entregando e, como se as coisas realmente acontecessem em um passe de mágica, me vi gozando deliciosamente em seus dedos.


ALEX


Estacionei, verificando os poucos carros que ali estavam. Quase nenhum aluno perambulava pela faculdade, com exceção de um ou outro que possuía pendências e precisava saná-las. No entanto, não pude deixar de notar o carro dela: Anita. Merda! Não imaginava que iria encontrá-la naquela reunião. Seria mais difícil do que imaginava.

Fechei os olhos e pensei em Charlotte. Seu jeito meigo, a forma como corava, o corpo macio, o desejo ardente, a maneira madura como encarava os problemas. Nossa! Eu amava a minha esposa. E estava louco para voltar para casa, abraçá-la e dar-lhe boas notícias. Era o que eu precisava naquele momento.

Preferia mil vezes encarar o problema dos quartos, do som portátil cor-de-rosa, da mobília que não combinava, as inseguranças da minha esposa, do que aquela reunião. Era absurdo, mas, na minha idade, mesmo sendo um homem independente e, principalmente por não me arrepender de nada, eu me encontrava completamente envergonhado por ser obrigado a admitir que havia sucumbido ao charme de uma aluna muito mais nova.

Puta que pariu!

Charlotte nunca poderia saber da minha fraqueza, mas, naquele momento, eu me sentia um completo covarde. Não havia como negar nosso envolvimento, afinal de contas, estávamos casados, porém eu precisava enfeitar a história e não simplesmente contar que nos apaixonamos enquanto eu lhe ensinava a transar.

Claro que não! Nunca revelaria esta parte. Ok! Hora de editar os fatos. O que exatamente eu poderia contar? Como escrever uma história de amor, tendo como base o fato de sermos professor e aluna?

– Alex! – Praticamente pulei dentro do carro ao ouvir a batida forte no vidro e uma voz masculina me chamando. Olhei para fora e vi Johnny rindo de maneira debochada. – Pensei que estivesse em lua de mel. ]

Abri a porta, saindo em seguida. Era melhor encarar tudo de uma vez.

– Tenho um problema para resolver.

Ele parou de sorrir e me encarou com firmeza.

– Algum problema? Charlotte...

– Ela está bem. – Fiz uma careta que deixava claro o quanto Charlotte poderia não estar realmente bem. – Estamos encrencados, Johnny. Anita me denunciou ao conselho e agora eu tenho que confirmar a história para o reitor Carvalho, o que pode prejudicar Charlotte.

– Anita os denunciou?

Confirmei, passando as mãos pelos cabelos, sentindo toda a minha covardia voltar. Meu coração ficou acelerado.

– Exatamente pelo quê? – Johnny se aproximou mais, evitando que a conversa fosse ouvida por quem quer que passasse por nós.

– Você sabe... eu era o orientador de Charlotte. Eticamente, não deveríamos nos envolver. Ela quer levar este fato ao conselho, mesmo com a minha demissão e com João Pedro assumindo o trabalho de conclusão. Pelo que entendi, Anita vai tentar convencer nossos colegas de que ajudei mais do que o recomendado na construção do livro, favorecendo minha protegida. Para piorar tudo, existe o contrato com a minha editora, o que só demonstra meu interesse em fazer deste trabalho um sucesso.

Johnny me encarava, absorvendo o máximo de informações que podia. Mordendo o lábio inferior, um gesto igual ao de Charlotte, ele encarou o chão e depois olhou para os lados, como se procurasse alguém.

– Você sabe o que eu acho disso tudo, não é? Realmente, o fato de ser o professor dela torna esta história mais complicada, no entanto, não acredito que no século em que estamos o envolvimento de um professor com a sua aluna seja um problema que mereça tamanha importância. – Mais uma vez, ele encarou o chão e ficou desconcertado. – Você não vai deixar que todos saibam que... essa coisa de aula de sexo...

Puta merda! Ouvindo o melhor amigo da minha esposa falar em voz alta o que havíamos feito era realmente vergonhoso.

– Não! Claro que não. Pelo amor de Deus! O que eu quero é livrar Charlote dessa merda, e não fazê-la atolar ainda mais nela.

– Certo. É melhor assim.

– Com certeza! – Encostei-me ao carro sem saber qual deveria ser o primeiro passo. – Não sei o que Anita será capaz de alegar e estou com medo de que ela exponha demais Charlotte.

– Ela não fará isso.

A certeza que Johnny demonstrou me surpreendeu. O que ele sabia e estava escondendo de mim?

– Como pode saber?

– Ele soltou o ar com força e ficou visivelmente agitado.

– Anita está ofendida com a minha recusa e completamente incomodada com o casamento.

– Eu sei. Mesmo assim, acho que ela também tem muito a perder.

– Como assim? O que você está sabendo que eu não sei?

– Olha... – Voltou a olhar para os lados e deu um passo para trás. – Digamos que sei uma coisa que pode impedi-la de levar isso adiante, tá?

– Johnny...

– Só me dê um tempo, Alex. Vou tentar ajustar alguns pontos. Encontro você depois.

E saiu sem acrescentar mais nada.

Ainda fiquei olhando em sua direção sem acreditar no que havia acontecido. O que Johnny poderia fazer para nos ajudar eu realmente não sabia, apesar disso, naquele momento, implorei aos céus para que ele conseguisse.

Caminhei em direção ao prédio principal, determinado a acabar de vez com aquela angústia. Não dava para ficar protelando. O ideal era pelo menos tentar descobrir o que encontraríamos pela frente, o que só aconteceria quando eu iniciasse aquela bendita reunião.

O frio que castigou meu corpo não era nenhuma mudança súbita de temperatura, e sim a minha insegurança tentando me fazer acovardar mais uma vez.

– Bom dia, professor Frankli.

Bianca, uma das secretárias do professor Carvalho, levantou-se para me cumprimentar adequadamente. Eu sabia que, além da sua extrema necessidade de ser educada, ela também queria se insinuar para mim. Quase revirei os olhos.

– Como foi o seu fim de semana?

– Perfeito! Tenho uma reunião com Arthur. Ele deve estar me aguardando.

– Sim, já esperávamos pelo senhor. Fim de semana perfeito? Alguma coisa em especial?

Piscou seus cílios carregados de maquiagem enquanto arrumava o vestido colado ao corpo perfeito e torneado.

Bianca era uma linda mulher e todos diziam que existia um caso entre ela e o reitor, provavelmente para justificar sua permanência naquele cargo, já que ela era totalmente inadequada. Porém, apesar da provável existência de um romance extraconjugal e nada ético, ela não deixava de demonstrar seu interesse por mim, e muitas vezes por João Pedro, que dizia evitar os encontros como o diabo foge da cruz. Pudera, Bianca era a tentação e Lana não era o tipo de mulher que poderia ser passada para trás.

– Foi o meu casamento.

Sorri, saboreando seu sorriso se desfazer e seus olhos se voltarem para qualquer outro lugar que não fosse a minha direção.

– Casamento? Eu nem sabia que o senhor era comprometido.

– Eu sou. Posso entrar?

– Claro...

Ela me avaliou mais uma vez, encontrando minha aliança e suspirando pesadamente. Como se o fato de eu estar casado fosse o suficiente para mantê-la longe de mim, ou de qualquer outro homem.

– Bianca?

– Claro, professor! Por aqui.

Com duas batidas leves, Bianca abriu a porta, anunciando-me para então me dar passagem. Assim que entrei, encontrei Arthur sentado com os braços sobre a mesa e, ao lado, Anita. Ela sorriu quando a secretária deixou a sala, levantando-se, e trancou a porta. Percebi que seria uma guerra.


CAPÍTULO 04

 

“As mais belas joias, sem defeito, com o uso, o encanto perdem.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


– Puta que pariu, Charlotte! Como você pode estar tão calma?

Miranda andava de um lado para outro sem conseguir parar. Eu encarava o celular, mesmo sabendo que não era hora de Alex me ligar anunciando o veredito. A porta do quarto, o meu antigo quarto, estava fechada, dando-nos privacidade. Graças a Deus, meus pais estavam fora, em mais uma visita ao hospital, o que não significava que não apareceriam quando menos esperássemos, nos surpreendendo no meio de alguma informação que não deveriam saber.

– O que eu posso fazer? Me desesperar não vai mudar nada.

– Eles não podem anular a sua formatura porque se casou com seu professor. Isso é um absurdo! Em que século estamos?

– No século onde tudo de anormal pode acontecer. – Johnny entrou no quarto sem bater, o que fez o meu coração acelerar. Poderia ser a minha mãe, ou pior, o meu pai. – Sem desespero, Charlotte. O padrinho ainda está no hospital e eu acabei de encontrar o seu querido e amado marido.

– Alex? Então ele...

– Foi para a fatídica reunião.

Ele sentou-se ao meu lado, me encarando. Havia a preocupação natural de amigo e também uma tranquilidade que não poderia deixar de ser notada, como se Johnny soubesse de algo que não sabíamos.

– Como ele estava?

– Nervoso.

Sorriu e desviou o olhar.

– Aquela cobra da Anita! Eu deveria tê-la afogado na piscina quando tive a oportunidade. Ou empurrado-a da escada quando a encontrei no quarto do Alex naquela noite... – Miranda deixou a frase morrer, ciente de que o assunto ainda me machucava. – Alex deveria ter dado queixa dela, assim teríamos prova de que estamos tratando de frustração e não de uma excessiva e ultrapassada moralidade. Aquela malcomida – esbravejou, continuando a sua caminhada incansável pelo curto espaço do meu quarto. Johnny riu e eu fiquei tensa.

Ainda não havia conseguido me recuperar completamente daquela tão fatídica despedida de solteiro, quando encontrei Alex preso à cama e Anita e Tiffany abusando do meu marido. Estremeci. Não, a imagem continuava sendo um pesadelo para mim.

– Calma, Miranda! Vai dar tudo certo. – Foi só o que consegui dizer, conferindo mais uma vez o meu celular e suspirando ao constatar que poucos minutos haviam se passado. Seria um dia longo.

– Vai, sim. – Johnny também olhou para o seu aparelho, demonstrando ansiedade. Ao perceber que eu o analisava, endireitou as costas e sorriu. – Eu... preciso fazer uma ligação.

Ele se levantou e saiu do quarto. Pensei em segui-lo. Johnny estava muito estranho.

– Nós deveríamos denunciá-la por perseguição a uma aluna. Aquela mulher só pode ser louca. – Miranda continuou ganhando a minha atenção. – Você vai se formar, Charlotte. Nem que eu tenha que matar um.

Sorri mais uma vez. Aquela era a minha amiga.

– É melhor terminarmos logo com isso aqui. – Coloquei mais um conjunto de camisas dentro da mala. – Quero estar com tudo pronto quando Alex chegar.

– Tem certeza de que não quer levar tudo? Quer dizer... você tem que se adaptar ao fato de que agora a sua casa é lá.

Minha amiga não me olhou quando falou e eu sabia o motivo. Era difícil não ter a mim em casa quando ela precisasse, principalmente na situação em que se encontrava.

– Tenho. – Tentei parecer tranquila. – Alex vai mandar reformar o closet, então ainda não tenho espaço para tudo. Vou levar apenas o que preciso de imediato.

Ela colocou mais algumas roupas na mala que arrumava e voltou ao closet.

– E o Patrício?

– O que tem ele? – Miranda demorou mais do que o normal para responder.

– Como vocês estão?

Ela voltou, colocou algumas calças sobre a cama e começou a separá-las.

– Não estamos. – Ficou calada por um tempo, mas eu sabia que ela acabaria falando. – Eu não sei se seria legal voltarmos. Depois de tantas coisas, não tenho mais certeza do que quero.

– Eu acho que você o quer, apesar de achar meu cunhado um imbecil. – Ela riu. – Esteja segura antes de se decidir. Patrício parece não saber o que quer, e isso pode acabar te machucando.

– Eu sei – disse com pesar. – Não vou fazer o jogo dele, Charlotte. Vou seguir em frente e deixar a vida me mostrar no que vai dar.

– Isso mesmo. Acho que já tenho tudo de que preciso.

Fechei a mala e Miranda levantou da cama.

– Tem certeza? – Ela levantou minha boneca, debochando da minha paixão pelo brinquedo.

– Doroteia tem lugar garantido em minha nova casa.

Peguei a boneca da mão da minha amiga e fingi protegê-la. Miranda riu e colocou as últimas peças na outra mala, fechando-a.

– Me ajuda a colocar tudo no carro? Ainda quero passar no mercado para comprar algumas coisas. Quero fazer o almoço para Alex.

– Ai, meu Deus! Teremos divórcio antes do tempo.

Ela riu quando joguei Doroteia nela.


ALEX


Olhei mais uma vez para Anita, que me encarava com olhos atentos e, de tempos em tempos, sorria. Eu ainda sentia arrepios quando me lembrava dela em minha cama, quase chupando meu... foi assustador. Sim, foi completamente aterrorizante.

E agora ela estava ali, sorrindo como se não tivesse tentado acabar com a minha vida poucos dias antes. Maldita!

Professor Carvalho conversou comigo calmamente, como se o problema não o incomodasse, e de fato não deveria incomodar, era como se estivesse apenas cumprindo o papel de reitor e investigando uma denúncia vinda de uma professora respeitada.

– Eu entendo a sua preocupação, Arthur, mas acredito que a faculdade deva levar em consideração os anos de trabalho que dediquei à instituição sem que nada pudesse denegrir meu nome. Aliás, o fato de eu ter me apaixonado por uma aluna não pode invalidar minha competência e seriedade como profissional, muito menos questionar o trabalho de Charlotte que, pelo que me consta, foi, durante toda a sua permanência nesta faculdade, a melhor aluna de todos os cursos, com notas admiráveis. Muitos professores podem atestar que minha esposa tem competência para desenvolver o trabalho apresentado.

– Ele vai lançar o livro dela, Arthur. É do interesse do professor Frankli que o trabalho da aluna esteja impecável, o que nos leva a questionar o quanto de influência dele há na qualidade do material – Anita atacou.

Professor Carvalho olhou para ela e depois para mim, por cima dos óculos. Ficou claro que ele sabia os motivos reais de a colega agir daquela forma. Quem não imaginaria? Era muito nítido o interesse de Anita por mim.

– O trabalho entregue por Charlotte teve apenas minha orientação como professor e responsável pelo seu desenvolvimento. A minha editora não trabalhou o original em nenhum momento, muito pelo contrário, somente após a entrega do material à instituição, e após a minha aprovação e, consequentemente, a do professor João Pedro, nos sentimos livres para iniciar os preparativos para lançá-lo como livro. Nem mesmo a crítica dos meus profissionais foi repassada para Charlotte.

Olhei para Anita, que revirou os olhos e cruzou os braços.

– Todos conhecem o nosso código de ética e ele prevê o não envolvimento entre professores e alunos.

– Ora, Anita, você está sendo muito maldosa – o professor Carvalho a repreendeu. – O professor Frankli não é nenhum leviano. Não existe histórico de envolvimento dele com alunas, funcionárias ou até mesmo colegas de trabalho, e todos sabemos o quanto muitas de suas colegas gostariam de estar no lugar desta aluna. – Ele sorriu amigavelmente para mim. – Nunca tivemos motivo para olhá-lo de maneira diferente, então não posso levar em consideração o fato de ele ter se apaixonado e se casado com nossa melhor aluna. Eu mesmo, quando professor da casa, me envolvi com uma ex-aluna, que é a mãe dos meus filhos, minha esposa até os dias atuais.

Ela fez muxoxo e se agitou enquanto o professor Carvalho folheava o material que identifiquei como o trabalho de Charlotte.

– Alex, eu precisei conversar com os outros dois professores da banca examinadora de Charlotte para saber o que eles podiam me dizer sobre o material apresentado, para que não pairasse mais nenhuma dúvida sobre o seu envolvimento, apesar de eu aceitar que, nos dias de hoje, haja vista a falta de interesse dos jovens pelos seus cursos, há a necessidade de uma participação cada vez mais efetiva dos seus orientadores.

– Não por um interesse pessoal – novamente ela rebateu.

– O trabalho de Charlotte foi analisado e seguiu o curso correto dentro da minha editora. Todos aqui sabem que uma profissional como a minha esposa não pode ser desprezada. Se não fosse minha editora, seria a concorrência. Agi exatamente como faria com qualquer outro livro em potencial que encontrasse.

– Eu te entendo. – Arthur levantou a mão, impedindo que Anita falasse. – Acredito que você já esteja munido de toda a questão legal para defender a formatura da sua esposa.

Confirmei com a cabeça e os olhos fixos em minha colega de trabalho. Foi quando o seu telefone tocou. Ela olhou o visor, fez uma careta e ignorou a ligação. Como eu estava atento, percebi o quanto ela ficou incomodada.

– Também tenho o parecer emitido por alguns colegas que acompanharam o desenvolvimento dela no decorrer do curso. Eles avaliaram o material e confirmaram se tratar de um trabalho construído apenas pela minha ex-orientanda.

– E vou reunir o conselho e pedir que revogue qualquer parecer encomendado por você, caro colega. – Anita estava mais agitada do que antes e o seu telefone voltou a tocar, irritando-a.

– Neste caso, você estará acusando nossos colegas de estarem colaborando com uma farsa, professora Anita? – provoquei e Arthur sorriu satisfeito.

– Estou dizendo que todos vão se esforçar para encobrir a sua atitude leviana, Alex.

Mais uma vez, o telefone tocou, porém minha colega continuou ignorando a ligação.

– Vejamos aqui. – Peguei o e-mail que imprimi logo cedo, contendo o parecer dos professores. – Ah, sim! A professora Helena Lacerda escreveu: um trabalho incrível, digno de uma aluna incrível. O livro, apesar de não ser do meu gosto literário, tem a assinatura óbvia de Charlotte Middleton, seguindo o padrão de todos os trabalhos apresentados em minha matéria. Texto bem escrito e conciso, português impecável, apesar da necessidade do linguajar popular... Devo continuar?

Encarei Anita, que fez uma careta ao receber mais uma ligação.

– Por que não sai e atende logo de uma vez, professora? – O reitor se moveu em sua cadeira, demonstrando sua contrariedade com as interrupções.

– Com licença. – Ela me fuzilou com os olhos, deixando a sala.

– Eu sinto muito, Alex! Está difícil domar a fera. Se a professora Anita resolver realmente levar o fato ao conselho, não sei como faremos para Charlotte se formar em alguns dias. Com certeza, vocês irão conseguir reverter a situação, comprovar que ela merece os méritos, mas em quanto tempo? Charlotte será impedida de acompanhar os colegas na cerimônia...

– Eu entendo todos os riscos. Anita está apenas...

– Sendo invejosa. – Ele sorriu ao me encarar. – Lógico que eu percebo o motivo desta tempestade toda. – Recostou-se na cadeira e entrelaçou os dedos. – Acredito que este será o menor dos problemas de vocês.

– Como assim?

– Anita não vai ficar calada. Não vai aceitar se o conselho favorecer a vocês. Eu prevejo um escândalo de grandes proporções.

Puxei o ar com força e me encostei na cadeira, olhando o professor Carvalho. Minha vontade era sair e dar uns bons tapas em minha colega de trabalho. Forcei minhas mãos a se agarrarem nos braços da cadeira para me impedir de levantar. Eu sabia do que Anita era capaz e ela faria de tudo para desestruturar Charlotte. Com o aval da prima, então... seria realmente complicado.

– Talvez... – Professor Carvalho começou a falar, então Anita abriu a porta e entrou. Quando olhei para ela, fiquei preocupado. Estava pálida, tremia um pouco e quase esmagava o celular em uma das mãos. – Aconteceu alguma coisa, professora?

– Eu... É... – Ela me olhou com raiva, depois olhou para Arthur e, em seguida, desviou a atenção. – Eu preciso sair. – Pegou a bolsa e virou em direção à porta.

– Professora... – Professor Carvalho levantou para impedi-la.

– Preciso ir. Desculpe!

Não sei por quê, mas tive quase certeza de que aquela desculpa foi direcionada diretamente para mim. Como se estivesse se desculpando pelos transtornos. Fiquei sem palavras ao assisti-la sair e fechar a porta.


CHARLOTTE


– Como é que é? – Miranda gritou me olhando como se eu tivesse três olhos, quatro braços e cinco pernas. – Eu não acredito!

Estávamos paradas na sala, as malas aguardavam ao lado da porta. Paramos para tomar um suco, que a Sra. Odete ofereceu e iniciamos uma conversa que nos levou para um caminho um tanto quanto constrangedor. Passei as mãos no rosto, tentando afugentar o vermelho que, com certeza, tingia meu rosto com toda a sua potência.

– Fale baixo, pelo amor de Deus! – implorei.

– Pelo amor de Deus digo eu. Você é uma mulher casada e conversar sobre... acessórios é perfeitamente normal.

– Acessório? – Ri sem graça. – Ok! É muito melhor do que vibrador. Chama menos atenção.

Ela gargalhou.

– Eu não consigo acreditar que você, você, Charlotte Middleton, a garota que até pouco tempo era virgem, tem um vibrador.

– Céus! Eu ganhei. Nunca usei, tá legal?

– Não sabe o que está perdendo. – Ela se jogou do meu lado no sofá e fez uma expressão engraçada. – Se nunca usou... pelo menos pretende usar?

– A ideia é essa.

Ela riu novamente.

– Porra, Lottie! Você está mandando muito bem, menina!

– Para com isso. – Empurrei minha amiga com o ombro e bebi um gole do meu suco.

– Então Alex te presenteou com um vibrador?

– Dentre outras coisas – revelei, me sentindo ainda mais envergonhada.

– É. Alex está saindo melhor do que encomenda – provocou.

– Você tem um? – Tomei coragem para olhá-la diretamente e vi Miranda sorrir amplamente.

– Com certeza!

Abaixei a cabeça e ri baixinho.

– Eu não consigo me imaginar... você sabe... não sei. É estranho.

– Você se acostuma. Considerando que foi um presente do Alex, não acredito que seja para usar sozinha.

– Não... quer dizer... ele disse que eu posso usar como quiser, mas que... porra, não posso falar sobre essas coisas com você.

– E com quem mais falaria? Charlotte, eu ainda sou a sua melhor amiga e não vai ser um professor babaca que vai mudar esse fato.

– Ele não é babaca.

Ri e ela revirou os olhos.

– Um babaca gostoso que tem fantasias maravilhosas com a esposa. Ok! Ponto para o Alex. Não fique com todos esses preconceitos na cabeça. Homens são curiosos. Eles gostam de observar a mulher usando um... – Me olhou divertida. – Ou usar nelas. – Piscou um olho e estalou a língua.

– Você já fez isso com algum carinha?

Ela engoliu o suco demoradamente e confirmou, balançando a cabeça. Não havia mais divertimento em seu rosto.

– Patrício?

Mais uma vez ela confirmou.

– Foi o único que me fez desejar não ter limites – falou com tristeza.

– Ele também te presenteou com um ou você...

Ela me olhou sem entender, rapidamente percebeu para onde meus pensamentos seguiam.

– Caralho, Charlotte! – E riu, bebendo o restante do seu suco.


ALEX


Parei o carro em frente à minha casa sem saber como dizer a Charlotte que Anita poderia tornar tudo muito mais difícil. Com as mãos ainda firmes no volante, eu buscava uma maneira de suavizar a situação e nada vinha em minha mente que pudesse me ajudar. Quando o telefone tocou, quase pulei de susto. Mais uma hora vivendo aquela tensão e eu não suportaria.

– Diga, João Pedro.

– Atrapalho a lua de mel dos pombinhos? – Ele riu como se aquela fosse realmente a sua intenção.

– Sim, Charlotte está me fazendo um boquete, então pode falar que eu vou ouvindo enquanto não gozo.

– Vá se foder, seu escroto, filho de uma puta! – E começou a rir.

– Se eu estivesse fazendo alguma coisa mais interessante, nem atenderia esta ligação. Diga logo o que você quer.

– Saber das coisas, se por acaso você já pegou uma fraqueza, se Charlotte já detonou a casa, se você já broxou...

– Vá à merda! – Meu cunhado riu alto, fazendo-me rir também.

– Agora, sério, eu só queria saber como foi com o professor Carvalho.

– Ah, cara! Foi bem complicado. Anita estava presente, acredita?

– Bom, devo dizer que já esperava por isso. Aquela mulher precisa de uma boa foda.

– Desde que não seja comigo.

– Bem que poderia ser. Evitaria muitos problemas.

Riu, deixando-me irritado.

– Nem que ela fosse a última mulher do universo.

– Não acredito que você iria preferir ficar de punheta a comer Anita.

– Eu disse que ela seria a última mulher e não que a sua bunda deixaria de existir.

– Vá se foder, sua bicha enrustida.

Gargalhei, relaxando um pouco.

– E o que o professor Carvalho resolveu?

– Parece que ele entende o meu lado e confia em meu profissionalismo, só que Anita não vai deixar barato. Ela vai levar o caso ao conselho.

– Que merda!

– É, sim. Estou com o parecer dos professores aos quais pedi ajuda e ele foi favorável. Acho que levarão isso em consideração.

Olhei para fora, buscando algum sinal de que Charlotte já havia chegado, então me dei conta de que seu carro não estava do lado de fora. Confesso que pela, primeira vez em anos, eu me senti só. E foi ruim.

– Mas estou contando com o bom senso do Arthur para me ajudar a colocar Charlotte naquela formatura. Ela será a aluna homenageada, se formará com louvor, não pode ficar de fora por causa das loucuras de Anita.

– Eu acho que vai dar tudo certo. Ninguém quer se envolver em escândalos.

– Anita quer.

– Anita quer outra coisa, tão grande quanto um escândalo.

– É? Você fica de olho para ter esta certeza toda? Vou começar a me preocupar quando entrarmos juntos em um sanitário.

Ri ansioso para rever a minha esposa.

– Alex alguém já te disse que você é um imbecil?

– Não, mas muitas vezes me falaram sobre um amigo meu que...

– Vá tomar no...

– Tchau, João Pedro! Tenho coisas mais importantes para fazer agora.

– Não me deixe sem notícias.

– Combinado.

Abri a porta do carro quando meu telefone tocou outra vez. Achei que fosse João Pedro de novo e me surpreendi ao verificar o número da faculdade, o que me deixou ainda mais nervoso, então fiz o caminho contrário, voltando ao carro, e atendi.

– Sim?

– Alex, é o Arthur.

– Aconteceu alguma coisa?

Fiquei tenso e encostei ao banco, tentando manter a mente aberta para ouvir a bomba.

– Aconteceu e você nem vai acreditar.

– O que Anita aprontou desta vez?

– Ela retirou a queixa.

– Como? – Me inclinei sobre o volante, me concentrando para não fazer nenhuma besteira. – Mas ela falou...

– Sim, ela falou, pelo que parece a professora Anita voltou atrás em sua decisão.

– Ela não vai levar o caso ao conselho?

– Não.

– E Charlotte vai poder se formar sem problemas?

– Pelo visto, sim. O caso ficará entre a gente e ninguém mais precisará se envolver, o que me leva a acreditar que não existe mais motivo para o seu afastamento. A universidade ficará honrada em continuar tendo você como professor da casa.

– Reitor, eu fico agradecido, contudo, é muita coisa para digerir. Por que Anita desistiu de tentar me prejudicar?

– Não sei dizer, algo me leva a crer que está relacionado à ligação que ela recebeu, não consigo pensar em mais nada. Ela parecia bastante determinada.

– Exatamente. Ela estava muito determinada, o que me deixa ainda mais alerta e apreensivo.

– O importante é Charlotte se formar, depois da formatura, ela nada mais poderá fazer. E quanto à proposta de esquecermos a sua demissão?

– Não acredito que trabalhar ao lado da professora Anita seja uma opção saudável, Arthur.

– Posso manter vocês afastados o máximo possível. Rever os horários dela, não sei ainda, farei qualquer coisa para que você permaneça conosco.

– Vou pensar, Arthur. Agora preciso desligar. Ligue se tiver alguma novidade.

– Com certeza.

Liguei o carro outra vez. Não dava para contar aquela novidade a Charlotte sem comemorarmos da forma correta, se é que já poderíamos comemorar, afinal de contas, o que havia acontecido com Anita para que ela desistisse de prosseguir? Mesmo assim, a ideia já existia, então eu precisava apenas levar o plano adiante.


CAPÍTULO 05


“Há pessoas que entram por acaso em nossas vidas... mas não é por acaso que elas têm o privilégio de permanecer.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


Ouvi o barulho do carro e o portão da garagem se fechando. Alex estava em casa. Pensei em mil formas de iniciar a conversa, mas a verdade era que eu estava frustrada, ansiosa e nervosa, sem contar que cortar cebolas era realmente irritante.

Alex demorou a entrar, o que aumentou minha apreensão. Cheguei a olhar pela janela algumas vezes, me certificando do seu carro, porém não da sua presença. Olhei para a panela a minha frente, o fio de azeite dourando o alho e a cebola. Os tomates frescos aguardavam em um prato, assim como os camarões.

– Arroz soltinho – resmunguei. – Como inferno alguém consegue fazer isso?

– Falando sozinha? – Ele apareceu do nada, pegando-me de surpresa.

Estremeci, pulando para longe do fogão.

– O que está fazendo? Cozinhando?

Meu marido... Alex, com aqueles olhos que me afogavam, com aquele sorriso torto que me fazia esquecer como respirar, se aproximou do fogão e olhou dentro da panela.

– Acho que está queimando. – E o sorriso antes tão sexy me pareceu mais debochado do que nunca.

– Merda! – Empurrei Alex, passando rapidamente a colher na panela e desligando o fogo. – Merda! – Ele riu, pegando um pedaço de tomate, levando-o à boca.

– Cozinhando para mim?

– Tentando descobrir a ciência por trás de um estrogonofe de camarão.

– Hum! – Pegou outro tomate e me deu espaço na bancada para continuar preparando o almoço.

– Por que não descongelou alguma coisa que D. Rosana deixou?

– A sugestão é uma tentativa de me dissuadir de continuar tentando incendiar a casa ou uma preocupação para que eu não continue cheirando a alho e cebola?

Ele riu e me abraçou por trás, colocando o rosto em meu pescoço desprotegido devido ao cabelo preso.

– Pare. Eu estou com cheiro de comida.

– Uma comida deliciosa – ronronou.

– Alex!

Com uma mão, ele me prendeu pela cintura, puxando-me em sua direção e, com a outra, ultrapassou o tecido da camisa, indo direto ao meu seio.

– Pare, Alex! Eu preciso terminar aqui e tomar um banho.

Para conseguir afastá-lo, peguei os tomates e os joguei na panela, reacendendo o fogo. Alex não desistiu. Ele se manteve preso a mim, acariciando minha pele e beijando meu pescoço.

– Eu vou acabar tocando fogo nesta cozinha – resmunguei.

– A ideia é essa.

Roçou sua ereção em minha bunda e mordeu o lóbulo da minha orelha.

– Deus!

Fechei os olhos por um instante, permitindo-me apenas sentir. Aquelas mãos... ah, aquelas mãos! Elas me seguravam com tanta firmeza, tanta certeza do que queriam que era impossível não confiar. E os lábios? Porra, os lábios do meu marido eram mágicos. Eles me faziam flutuar, entrar em um espiral de cores e sentidos, perder qualquer noção do tempo, e isso tudo apenas com o toque em minha pele.

O chiado da panela me alertou que eu colocaria tudo a perder.

– Droga!

Peguei rapidamente os camarões já descascados e tratados e os joguei na panela, que enfumaçou e praticamente gritou para que eu prestasse atenção ao que fazia.

– Desligue isso, Charlotte.

Sua voz rouca em minha orelha fez minha pele inteira arrepiar.

Apoiei os dois braços na bancada e dei um pequeno passo para frente para me desvencilhar dele.

– Você está tentando me fazer desistir de cozinhar? Acha mesmo que vou arruinar o almoço? Que falta de fé em mim!

Alex riu e me imprensou contra o balcão.

– Eu estou louco para saber como vai ficar isso aqui, mas antes...

Suas mãos desceram para minhas coxas, com movimentos largos e expansivos. Ca-ra-lho. Bom demais!

– Pare, pare e pare, Alex! – Consegui fazê-lo me soltar. – Eu quero realmente fazer este almoço.

Nos encaramos e eu percebi que ele perdia um pouco do brilho dos olhos. – Além do mais – voltei a mexer a panela –, não quero você me cheirando quando o meu perfume agora é o de tempero.

Abri a embalagem de molho para estrogonofe e joguei sem nenhum cuidado na panela, misturando todo o conteúdo. Aquilo estava uma porcaria.

– Charlotte temperada. Hummm!

Girei sem conseguir entender como aquilo aconteceu, porém, em um segundo, eu estava diminuindo o fogo e, no outro, estava sobre a pia, com Alex entre as minhas pernas e suas mãos em todos os lugares ao mesmo tempo.

– Alex...

– Shhhh! – Ele me calou, colocando um dedo em meus lábios. – Vamos comemorar.

– Comemorar? Comemorar o quê? Então... a reunião...

– Depois eu explico.

Seus lábios tocaram levemente os meus, em um beijo rápido, então escorreram pelo meu rosto, descendo pelo pescoço, ao mesmo tempo que suas mãos subiam, levando junto a camiseta que eu usava.

– Vem cá. – Ele me puxou, deixando-me de pé e de costas, os braços apoiados no balcão. – Preciso tirar a sua roupa.

Suas mãos foram direto para o botão dos meus shorts.

– Alex! A janela... a gente.

O botão abriu, o zíper desceu e seus dedos passaram para dentro, calando-me mais uma vez.

– Porra, Charlotte! – rosnou ao sentir a minha excitação.

– Ai, meu Deus! – Implorei mentalmente para que nossa aventura não trouxesse consequências irreversíveis.

– As maravilhas do casamento!

E ele se afundou em mim sem nenhum pudor. Arfei, jogando meu corpo para frente, proporcionando que seu membro ganhasse mais espaço em meu íntimo. Porra, as maravilhas de um casamento! Nada como poder transar onde, quando e sempre que quiser.

Uma mão afobada encontrou meu seio, puxando a camisa para baixo e deixando-o livre para o seu bel-prazer. A outra, como não podia deixar de ser, manteve-me firme, pronta para suas estocadas que certamente chegariam sem nenhum preparo.

E foi exatamente o que Alex fez. Ele se afundou em mim, gemendo pelo primeiro contato, parando apenas os parcos segundos em que seu corpo reconhecia o meu, para, em seguida, estocar, a princípio lento, com cuidado, até ter certeza de que não encontraria obstáculos.

Meu sexo completamente molhado facilitava suas investidas, fazendo com que meu marido se perdesse em mim. E eu amava a forma como ele se movimentava, a graciosidade do seu rebolado, o jeito delicioso como seu membro roçava a minha carne, alcançando todos os espaços, atiçando cada terminação nervosa, provocando meus neurônios... sim, eu amava transar com Alex e não importava se estávamos no meio do dia, na cozinha e não em uma cama de casal, se eu cheirava a cebola, alho e condimentos... nada importava, meu eterno professor me chamava e eu prontamente atendia.

Rebolei quando ele me penetrou mais uma vez e ouvi o gemido delicioso do meu marido. Ele aprovava minha iniciativa, então inclinei sobre a bancada e abri um pouco mais as pernas. Eu podia senti-lo alcançar o meu limite, forçando ao máximo, seu quadril se chocando contra minha bunda em investidas fortes e decididas. Eu o sentia todo e completamente dentro de mim, até não haver mais nada para me oferecer, até que não restasse mais espaço, que estivesse completamente enterrado em mim.

E era bom. Era delicioso!

– Ah, Charlotte! – Ele rosnou ao se inclinar sobre meu corpo, encurtando as estocadas, a mão apalpando meu seio.

Estávamos ambos sobre a bancada, ele roçando em mim com todo o seu desejo, seu membro entrando e saindo em movimentos curtos e eficazes, pois o delicioso movimento estava me levando ao êxtase, fazendo-me sair da capacidade raciocinar, deixando meu lado animal falar por mim.

Gemi alto e forte. O gozo já lambendo minhas veias, vibrando em meu sexo. Alex passou a mão em minhas costas, fazendo-me deitar sobre o balcão e levantou, ganhando uma visão ampla do que fazia comigo. Eu sabia o quanto meu marido gostava de nos assistir. Ele se excitava vendo seu pau inchado entrar e sair do meu sexo molhado, e eu? Eu me excitava ainda mais sabendo o quanto o enlouquecia com aquela exposição.

Eu me deixava ver, me permitia ser assistida e me exibia para que ele se deliciasse. Por isso empinei a bunda, mantive as pernas afastadas e o corpo inclinado enquanto ele gemia atrás de mim, os olhos vidrados no que fazíamos.

– Que delícia! – gemia tão entregue que me perguntei se ele ainda estava ali comigo ou perdido em seu mundo particular.

– Hum! – Estirei a coluna, empurrando o quadril contra ele no momento em que meu marido se enfiava mais uma vez em mim, e o senti no meu limite. – Assim! – sussurrei extasiada com a sensação de ser completamente preenchida.

Alex passou a se mover um pouco mais rápido, mas não com estocadas fortes, era como se ele entrasse saboreando cada partícula alcançada e nossas peles trocassem a experiência do gozo. Eu sabia o que ele sentia, porque podia sentir minha própria carne inchar e formigar, anunciando o que se aproximava.

Inclinado sobre mim, seus lábios alcançaram meu pescoço e ele gemeu ao me morder levemente. A mão que me segurava no quadril correu para o meio entre as minhas pernas e, sem qualquer aviso, apertou meu clitóris, não com força, mas na medida certa para fazer minhas pernas tremerem.

– Meu Deus, Charlotte! Goze!

E assim eu soube que meu marido estava perdendo a guerra contra o controle, mas nunca contra o cavalheirismo, primeiro as damas, esta era a sua regra e eu a obedecia.

O prazer me rasgou de dentro para fora, com labaredas de fogo que incendiavam minhas veias, fazendo tudo pulsar, minha mente ganhar uma camada espessa de névoa e perder completamente a capacidade de raciocínio. Alex gozou gemendo alto, se forçando contra mim como se quisesse me transpassar, despejando em meu íntimo o seu gozo, como uma lembrança do quanto havia sido prazeroso.

Aos poucos, fui percebendo que o chiado que ouvia não saía de mim, não era nenhum resquício do meu orgasmo avassalador, muito menos qualquer som emitido pelo meu marido. Minha respiração foi voltando ao normal, assim como a capacidade de raciocínio que logo inundou minhas narinas com aquele cheiro que ligou rapidamente os pontos.

– Merda! – reclamei quando Alex levantou rapidamente e desligou o fogo. – Droga, Alex!

Ele riu baixinho enquanto saía de dentro de mim.

– Queimou tudo.

– Não.

Meu marido abriu a torneira e lavou as mãos. Seus gestos e atitudes nem lembravam que há poucos segundos ele estava dentro de mim gozando como se nada no mundo importasse. E eu? Bom, eu estava descabelada, com os shorts no meio das pernas, as coxas melecadas com o gozo recente que escorria, lógico! Cheirando a cebola, alho, tempero, luxúria e suor, o rosto vermelho e a respiração irregular.

Por que nos romances nunca era desse jeito? Neles, a mocinha cheirava sempre bem, o gozo do seu parceiro não escorria pelas pernas, nem ficava um bom tempo molhando a calcinha da protagonista, lembrando-a das safadezas que havia feito. Nos romances, a garota vestia a roupa, servia a comida, que ficara fantástica por sinal e ainda tinha ânimo para trocar olhares sensuais com o parceiro.

Pois é. Eram romances, por isso eram perfeitos. Subi a calcinha e os shorts desejando me livrar do suor que grudava em minha pele junto com o vapor da comida queimada, além do cheiro que já começava a me irritar. E, devo confessar, não era nada agradável sentir as coxas grudando e a calcinha molhada, imprensada pelo jeans em um sexo recém... usado.

Tive que rir deste último pensamento.

– Pode deixar, amor. Eu cuido de tudo por aqui – ele disse sem parecer querer livrar a cozinha de alguém como eu. Alex me cercou com seus braços e me deu um beijo leve nos lábios. – Acho que você precisa de um banho.

Fiz uma careta. Não era nada legal ouvir do marido que você fedia. Ele riu ao perceber o meu desconforto.

– Eu sei o quanto você fica incomodada após transarmos. – Beijou levemente meu pescoço. – E não quero minha esposa andando sem calcinha por aí.

Ah, claro! Ele não esquecia o episódio do apartamento de Lana. Homens!

– Certo. O almoço está arruinado, eu estou uma catástrofe e é muito chato sentir você escorrendo entre as minhas pernas, melecando minha roupa.

Me afastei, percebendo o divertimento em seus olhos.

– É excitante saber que “eu” escorro entre as suas pernas.

– Imagino que muitas coisas sejam excitantes para você, professor Alex.

– Com você? – Meu marido, muito inocentemente, pegou uma colher e começou a mexer na panela. – Com toda certeza. – E me lançou aquele sorriso torto, carregado de promessas e safadezas que conseguiam tirar meu fôlego.


ALEX


Eu tinha conseguido tirar a papa que formou o que deveria ser um estrogonofe de camarão, sem deixar a colher raspar o fundo da panela, evitando que o gosto de comida queimada imperasse. O arroz ganhou a mesma atenção, apesar de que eu achava ser impossível salvar o seu gosto.

Enquanto Charlotte tomava banho, coloquei algumas folhas de molho, separei uns talos de rúcula e salsa, preparei um misto de azeite e vinagre com algumas pitadas de alecrim, quem sabe, assim, tivéssemos pelo menos um almoço “comível”.

Charlotte e todas as suas surpresas.

Vasculhei o armário em busca de batata palha. Não que fosse a melhor pedida, mas... qualquer coisa que ajudasse a melhorar o sabor.

– Eu esqueci que tinha que colocar um pouco de mostarda para...

Charlotte apareceu na cozinha, os cabelos molhados, ainda um pouco bagunçados. Usava shorts soltos e uma regata cinza, sem sutiã, o que realmente ganhou minha atenção.

Porra, eu ainda conseguia pensar em sexo suado na cozinha, com aquela mulher incrível, mesmo pouco tempo após gozar deliciosamente dentro dela. Sorri e percebi quando ela corou e desviou o olhar.

– Você conseguiu salvar o almoço?

– Não exatamente. Apenas tirei da panela o que não pegou no fundo. Não mexi na sua receita, juro!

Charlotte mordeu o lábio inferior e sorriu com doçura.

– E... está bom?

– Ah... – Desviei minha atenção dela, fingindo interesse no jogo americano. – Achei que você não gostaria que eu fizesse isso.

Ela fez biquinho, sem se atrever a tecer nenhum comentário sobre minha falta de coragem para provar sua comida.

– Vou ajudar com os pratos. – Minha esposa passou por mim se ocupando em dispor os acessórios para o almoço. – Hum! Onde ficam os guardanapos?

– De pano, na terceira gaveta a sua direita. De papel, no armário de cima, primeira porta.

Sequei as folhas, arrumando-as na saladeira e me descobri curtindo aquele momento.

Realmente, o casamento foi uma boa escolha.

– Posso tomar um banho antes? – arrisquei enquanto assistia a minha esposa abrir todas as portas e gavetas em busca de alguma coisa.

– Ah... sim. Acho que consigo me virar por aqui.

Ela abaixou, remexendo nas panelas, fazendo um barulho irritante.

– O que está procurando?

– Condimentos. Pimenta, sal... essas coisas que colocamos sobre a mesa para que cada um possa se servir.

Tive que rir.

– Condimentos no paneleiro?

Charlotte me olhou incrédula.

– E como espera que eu saiba que aqui ficam as panelas se eu não abrir tudo?

– Tem razão, então, por via das dúvidas, vou deixar o banho para depois do almoço. Aqui. – Passei o moedor de pimenta. – Já preparei um molho para a salada e temos batata palha. – Entreguei o saquinho que havia encontrado no armário.

– Ótimo! Onde encontro uma vasilha?

– Aqui.

Charlotte pegou da minha mão e sorriu, voltando a corar.

– Desculpe pela bagunça. Prometo que vou me adaptar a sua cozinha.

E eu nem queria imaginar a minha esposa voltando a se aventurar na cozinha. Não que eu acreditasse que aquele fosse um ambiente que, aos poucos, com persistência, ela conseguisse dominar. Claro que não era isso. Para ser honesto, experiências como almoçar o que quer que Charlotte se aventurasse a cozinhar precisavam de espaço de tempo entre uma e outra.

Assisti a minha esposa pegar meu prato e me servir aquele arroz grudado e empapado, sem contar a cor e o sabor duvidoso, acrescentar o que deveria ser um saboroso estrogonofe de camarão, que, no entanto, não passava de uma papa estranha, e colocar diante de mim. Depois, com a mesma graciosidade – e esta parte não é ironia, ela conseguia mesmo dar leveza e graça a gestos que deveriam estar tensos e ansiosos –, serviu o seu prato com porções menores, mas com a mesma coragem que acreditou que eu teria para comer.

Sentados um de frente para o outro, ela se serviu da salada e de um pouco de batata palha e aguardou por mim. Certo. Era hora do sacrifício. Enquanto colocava a salada no prato, eu pensava no quanto aquela comida deveria estar horrível e até que ponto eu poderia ser honesto com a mulher da minha vida.

Segurei o garfo, encarando-a apenas para me certificar do brilho ansioso dos seus olhos e da sua necessidade de que, mesmo contra todas as possibilidades, aquele almoço estivesse à altura da sua vontade de me agradar. Merda! Era para ser um almoço especial. O primeiro que ela fazia para mim, mesmo sendo a minha esposa uma garota rica e mimada, cercada de cuidados que a impediram de ser tornar uma “mestre-cuca”.

Sim, eu poderia fazer aquele sacrifício sem atormentá-la. Eu faria aquilo pela mulher da minha vida.

Ela continuou me encarando, desviando o olhar às vezes para a própria mão, passando o garfo pela comida, sem se aventurar por ela, me aguardando. Corajosamente, juntei um pouco de cada coisa e levei à boca, fazendo o maior esforço para não demonstrar meu medo.

A primeira coisa que senti foi a consistência errada do estrogonofe. Parecia de fato um pudim fora do ponto, e o arroz não ajudava. Outra coisa que logo me atingiu foi o sabor estranho. Sim, havia aquele leve ardor queimado, que já prejudicava e muito o sabor, mas também havia... não sei explicar... estava salgado demais, o camarão borrachudo e o molho em nada parecia com o adequado para um verdadeiro estrogonofe.

Mantendo a comida na boca e pensando se seria muito indelicado cuspir, encarei minha esposa, que agora estava com uma careta estranha. Forcei o bolo para baixo e, sem demonstrar ansiedade, tomei um longo gole da água que ela tinha acabado de colocar a minha frente.

– Tá tão ruim assim? – Sua voz decepcionada fez meu coração diminuir.

Bebi mais um pouco de água, lavando a boca, e me preparei para continuar a guerra.

– Não – disse com convicção. – Queimou um pouco, mas eu assumo a culpa. Se tivesse deixado você em paz, com certeza não passaríamos por isso. – Sorri, tentando ser convincente.

Ela sorriu mais aliviada. Quando, finalmente, levei mais uma garfada daquela “gororoba” à boca, ela teve coragem de começar a comer. E foi quando percebeu a minha mentira.

– Meu Deus!

Charlotte fez uma careta horrível, pegando rapidamente o guardanapo para cuspir tudo nele. Depois, com muita ansiedade, pegou o copo com água, bebendo-a rapidamente até que não restasse mais nada.

– Puta merda! Está horrível! – Ela me encarou com olhos acusatórios, com uma indignação que me fez rir. – Como pôde me incentivar a comer? Como pôde mentir tão descaradamente?

– Não está tão ruim assim – tentei manter a mentira, apenas para não aumentar seu desapontamento. – Só... queimou...

Seus olhos se estreitaram, o que me fez pensar se Charlotte me atacaria, caso eu continuasse mentindo.

– Certo. Está horrível – confessei pronto para aguentar o seu sofrimento.

– Horrível? Não existe uma palavra para descrever isso aqui melhor do que “uma merda”.

– É. Eu não imaginaria você se expressando de outra maneira. – Recostei na cadeira para observá-la com mais atenção.

– Porra, fala sério. Não dá para comer esta merda!

– Charlotte... – Voltei a encostar no balcão, encarando-a. – A comida está mesmo uma porcaria, no entanto, você não precisa usar a sua boca suja para demonstrar toda sua indignação.

Ela me encarou séria, depois sorriu, a princípio timidamente, para logo em seguida se expandir, ganhando toda minha atenção. Foi impossível não sorrir de volta.

– O que quer fazer?

Ela piscou divertida e passou uma mão pelo pescoço, fazendo meus olhos acompanhá-la.

– Eu estou faminta. Acho que consigo preparar um sanduíche.

– Ou eu posso descongelar alguma coisa.

Ela não gostou muito da ideia.

– Ou podemos sair para almoçar. Vai ser bem mais divertido.

– Tipo um encontro?

Aquela menina sabia mesmo me divertir. O sorriso inocente e o brilho cheio de expectativa em seu olhar me fascinavam.

– Tipo um encontro, menina linda. – Acariciei a mão que estava sobre o balcão. – O que quer comer? – Levantei, levando nossos pratos para despachar a comida no lixo, onde era o seu devido lugar.

– Podemos comer hambúrguer?

Olhei em direção a minha esposa sem acreditar naquele pedido. Charlotte não tinha mesmo nenhuma noção do que era uma boa alimentação.

– Batata-frita, milk shake, hummmmm! – Ela parecia uma criança saltitando no banco da cozinha.

– E onde fica sua noção de comida saudável? – provoquei.

– Depois desta mer... porcaria de comida, só muita gordura para desfazer o meu trauma.

Ri, tirando o excesso de comida dos pratos para levá-los à máquina de lavar pratos.

– Vamos, Alex!

Agora, sim, ela parecia realmente uma menininha ansiosa para dar um passeio com o pai. Eu sorri e fingi pensar no assunto enquanto ajeitava toda a bagunça de pratos e panelas.

– E... eu tenho que te acompanhar no parquinho também ou posso só ficar sentado olhando?

Charlotte nada respondeu, o que me fez olhá-la. Minha esposa estava com os olhos vidrados em mim, o rosto corado e os dentes segurando o lábio inferior. Não sei por que gostei daquela expressão, como se ela estivesse constrangida e tímida, e, ao mesmo tempo, como se estivesse decidida o suficiente para não ceder ao meu comentário.

– Bom... normalmente, os pais ficam sentados apenas monitorando os filhos. – Sua voz baixinha e doce deixava claro que seu comentário não tinha nada de inocente. Charlotte tentava me provocar.

– Então quer dizer que eu terei que entrar no parquinho se quiser um pouco da sua atenção? – Enxuguei as mãos na toalha de prato e caminhei em direção a minha aluna.

– Se você conseguir me encontrar na piscina de bolinha. – Deu de ombros, me fazendo rir.

– Eu sou ótimo em encontrar garotinhas atrevidas em uma piscina de bolinhas. – Inclinei-me sobre ela e dei um beijo rápido em seus lábios. – Só preciso de um banho. Rápido – acrescentei antes que ela protestasse. – E você deveria aproveitar para trocar de roupa... quer dizer...

Charlotte estreitou os olhos.

– Pelo menos colocar um sutiã, amor. Ou então vamos ter problemas caso eu pegue algum palhaço babando em você.

– Até parece – gracejou, saltando do banco, os seios pulando, o que mexeu com a minha imaginação.

– Está duvidando da minha capacidade em defender o que é meu?

– Não. – Ela ficou nas pontas dos pés para me beijar. – Duvido que algum garoto realmente fique interessado em peitos como os meus.

– O que tem de errado com os seus seios? Eles são fantásticos! – Passei as mãos para dentro da camisa dela, subindo em direção ao ponto de meu interesse.

Charlotte riu e se encolheu, forçando o afastamento.

– Tá legal, Alex! Nada de gracinha. Eu estou morrendo de fome, então... – Ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços na frente dos seios. – Vou colocar o sutiã.


CAPÍTULO 06


“É muito melhor viver sem felicidade do que sem amor.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


Colocar a chave na fechadura da minha antiga casa foi estranho. Não era a primeira vez que eu aparecia desde o casamento, aliás, eu estava lá quase todos os dias, sempre que Alex precisava resolver alguma coisa na rua ou passar longas horas na editora. Mesmo assim, fugir para casa sempre que me sentia sozinha demais ou assustada demais com o dia a dia do casamento não era algo que me deixasse orgulhosa.

Assim que girei a chave e abri a porta, dei de cara com Patrício. Patrício. Como assim?

– Charlotte? – ele disse sem esconder o susto.

– Charlotte! – Miranda se encolheu atrás dele.

– Hum! – Parei na soleira sem saber se deveria ou não entrar.

– Patrício está de saída... – Miranda começou a falar.

– Sim. Eu estou... Como estão as coisas? E Alex?

Era impressão minha ou aquele babaca estava querendo puxar conversa, ser agradável, tentando ganhar a minha aprovação. Vá sonhando!

– Miranda, eu vim apenas buscar mais algumas coisas e...

– Pelo amor de Deus, Charlotte! A casa ainda é sua. A madrinha e o padrinho...

– Vão passar o dia em Belo Horizonte. Eu estou sabendo. Eles me ligaram ontem à noite.

Ela sorriu sem graça.

– E Johnny? – Olhei sugestivamente para Patrício, que estava visivelmente envergonhado.

– Eu tenho mesmo que ir. Marquei uma reunião... – meu cunhado se justificava, mas eu não estava muito amistosa.

– Com Alex. Sei. Aliás, se eu não me engano, ele já deve estar na editora há mais ou menos... – Olhei o relógio e fiz uma careta. – Uma hora e meia.

– Droga! – Patrício resmungou e saiu da minha frente, me dando passagem. – Vejo você depois. – Muito sem jeito ele olhou para Miranda, como se pedisse desculpas já que, provavelmente, ele não poderia se despedir como deveria, ou como ela esperava. – Tchau, Charlotte.

– Tchau. – Dei um passo à frente e bati a porta atrás de mim, ignorando a cara de censura da minha amiga. – E Johnny? – Ela me encarou com a boca aberta, sem acreditar no que eu estava fazendo.

– Não faço a mínima ideia. Você sabia que Patrício é irmão do seu marido?

– Que azar, não?

Ela revirou os olhos irritada.

– Olha, Miranda, Patrício é um problema seu. Eu não sei nem por que ainda fico aborrecida com toda esta merda se, no final das contas, você já cedeu.

– Alex também era um problema seu e nem por isso deixei de te apoiar.

– Não se trata de apoio. Você nem precisa da minha aprovação – disparei indignada. – Eu só acho que este babaca...

Ela me deu aquele olhar que indicava tudo, o que me fez recuar.

– O Patrício não sabe muito bem o que quer. Quando ele tinha você completamente entregue à relação, recuou e, agora que não tem mais, quer avançar. Pelo amor de Deus!

– Eu o amo, Charlotte – rebateu sem me deixar reagir. – Patrício é uma criança crescida, é um idiota, prefere fugir do que encarar seus medos, mas o que posso fazer? – Andou até o centro da sala e sentou no sofá com uma almofada no colo. – Eu o amo! Não sei como fugir desse sentimento. Ele ficou com medo de toda pressão do meu tio, achou que Alex foi forçado a se casar e que aconteceria o mesmo com a gente. Foi isso. Patrício não quer se amarrar agora, nem eu, então está tudo certo.

– E como vocês ficam se nenhum dos dois quer compromisso? O que vai ser? Ficantes eternos? Amantes?

Sentei ao seu lado sem forças para contestar qualquer argumento dela. Miranda amava Patrício, e quem era eu para persuadi-la a esquecê-lo?

– Namorados. Apenas namorados. Sem pressão para noivado, casamento ou qualquer outra coisa que torne tudo mais sério do que deve ser.

Concordei com a cabeça.

– Tudo bem. – Levantei as mãos, me rendendo. – Não vou mais implicar com ele. – Suspirei – Vou tentar não implicar.

– Acho bom. O nosso baile de formatura está aí. Vai ser superchato a família toda reunida e você neste clima ruim com o seu cunhado.

– Primeiro lugar: eu pouco me importo com o que os outros acham. Segundo lugar: tenho certeza de que qualquer pessoa concordaria comigo se eu contasse o motivo do meu climão com o irmão do meu marido.

– Nossa, Charlotte, você sabe mesmo ser chata!

– Sei, sim. – Sorri, tentando suavizar o clima. – Olha, estou tentando falar com o Johnny desde ontem e não consigo. Aconteceu uma coisa muito estranha e eu preciso contar a vocês dois.

Rapidamente, Miranda saiu do modo defensivo e se endireitou no sofá para prestar atenção ao que eu dizia.

– A última vez que o vi foi ontem quando conversávamos sobre o problema da neurótica da Anita. Ele simplesmente saiu correndo depois disso e não me atendeu mais. Tentei ligar várias vezes ontem, o padrinho também, mas Johnny está incomunicável. E sabe como é estranho ele não atender nem as ligações do padrinho. O que você tem para contar?

– Como assim ele não atende? Para onde foi que nem se despediu? Sem ao menos avisar o que estava pretendendo? Isso é muito estranho!

A casa se tornou tão pequena e sufocante que minha vontade era sair correndo até conseguir encontrar Johnny e descobrir o que ele estava aprontando. Algo me dizia que seu sumiço estava diretamente ligado à minha situação. Em que merda ele estava metido?

Saquei o telefone e tentei mais uma vez. Nada. A ligação sempre caía na caixa-postal. Mandei mais uma mensagem, só que ele não visualizava. Comecei a ficar preocupada.

– Ele nunca sumiu por tanto tempo – pensei alto.

Miranda levantou-se do sofá, indo em direção à escada.

– Com certeza está atrás de algum rabo de saia. Até parece que não conhece Johnny. Vai me contar ou não? Preciso da sua ajuda com a fantasia.

Suspirei. Era melhor acompanhar Miranda e esquecer temporariamente o meu amigo do que ficar tentando adivinhar o que ele estava aprontando. E minha amiga tinha razão. Normalmente, os sumiços de Johnny estavam ligados a alguma mulher.

– Vou contar. – Subi os degraus atrás dela, que parecia mais animada com a história das fantasias do que com qualquer coisa que eu pudesse contar. – Anita retirou a queixa.

– O quê? – Ela se voltou para me encarar. A princípio, parecia não entender, mas depois sorriu, adorando a novidade. – Então a vaca ficou com medo do que Alex poderia fazer com aquela safadeza toda da despedida de solteiro? Ele a ameaçou? O que ele fez? Como foi?

– Não foi nada disso.

Subitamente, fiquei desanimada. Não, Alex não havia ameaçado Anita, muito menos Tiffany, nem tinha tomado nenhuma providência quanto ao ocorrido naquela fatídica noite. E claro que eu me incomodava com isso. Lógico! Qual motivo ele teria para não reagir contra ela, quando a própria Anita estava atirando em nós dois?

– Ela estava disposta a ir até o final. Não se sentiu intimidada em nenhum momento. Disse que queria o conselho envolvido. O que Alex me contou foi que ela recebeu uma ligação e ficou nervosa, precisando sair rapidamente, depois o reitor Carvalho telefonou avisando que a maluca tinha desistido de levar sua acusação adiante.

– Que estranho, não? – Ela voltou a subir as escadas, perdendo outra vez o interesse.

– Mais estranho ainda foi Alex ter encontrado Johnny pouco antes e ele ter dito que daria um jeito naquela confusão.

– Ele disse isso? Como alguém como Johnny poderia resolver um problema como o seu? – Ela riu sem acreditar naquela possibilidade.

– Pois é, mas você tem que concordar comigo que foi estranho Johnny sair daqui daquela forma e simplesmente desaparecer, para, logo em seguida, Anita retirar a queixa,

Chegamos ao seu quarto.

A cama estava desarrumada, deixando claro que ela e Patrício estiveram ali e sabe Deus que tipo de coisas fizeram. Rapidamente senti meu rosto esquentar com tanta força que minhas orelhas arderam. Engoli em seco e preferi sentar no pufe. Ela foi para o closet e voltou com várias peças de roupas nas mãos, despejando-as sobre a cama.

– Pense bem, Charlotte. Que tipo de ligação pode ter a professora Anita com Johnny? Nenhuma. Aliás, eu nunca nem poderia imaginá-la em outro ambiente com ele que não fosse a sala de aula. O tempo que passamos juntos no rancho não foi pela necessidade de ela de estar ao lado dos seus alunos para melhor conhecê-los. Você sabe o quanto aquela mulherzinha é pernóstica, e o real interesse da permanência dela no rancho foi pura e simplesmente para esperar uma oportunidade para agarrar Alex.

Concordei sem nada dizer, sentindo o gosto amargo daquela verdade.

– Tudo bem. Não há como ligá-los. Só acho estranho demais a Anita ter desistido quando estava tão decidida a me arruinar. Você tem razão, Johnny deve estar ocupado demais com alguma nova conquista e eu aqui quebrando a cabeça com essa história toda.

– Charlotte, o que importa é que acabou – ela disse animada. – Você vai se formar com honras, está casada com o homem que ama e Anita está, definitivamente, fora do seu caminho.

Será?

– Então, qual dos dois? – Miranda suspendeu os vestidos, alternando-os em frente ao corpo para que eu pudesse opinar. Suspirei.

– O preto.

– Preto? – Olhou-se mais uma vez no espelho, mantendo o vestido à frente do corpo. – Tem certeza? Você não está prestando atenção ao que eu estou falando este tempo todo.

– Estou, sim. Você não está pensando naquela personagem lá daquele filme antigo com o coelho?

– Uma cilada para Roger Rabbit. Eu vou de Jéssica Rabbit e o vestido dela é vermelho.

– Então por que estava em dúvida entre um preto e um vermelho?

– Porque eu ainda não tenho certeza.

Ela bufou e sentou na poltrona me encarando incrédula com minha pouca disposição para acompanhar seu entusiasmo em relação à fantasia que usaríamos no baile de formatura. Na verdade, o motivo que levou Anita a desistir de tentar me impedir de formar continuava sendo uma incógnita, e este fato estava ocupando boa parte dos meus pensamentos.

– E Patrício, o que ele acha de tudo isso? Não consigo imaginá-lo fantasiado do que quer que seja.

– Ele está amando se fantasiar de investigador.

Ela continuava animada. Realmente, o relacionamento deles estava voltando aos eixos e, para Miranda, parecia que o tempo longe um do outro nunca tinha existido. Preferi não voltar a este assunto.

– O par de Jessica Rabbit é o coelho, não?

– Sim, mas Patrício se recusa a se fantasiar de coelho, então vai de Eddie Valiant mesmo. Por mim, tudo bem, desde que ele esteja comigo. – Passou alguns segundos perdida em pensamentos até que retornou à realidade dando um pulo da poltrona. – E você? Meu Deus! Não pensamos em você.

– Ah, tudo bem! Eu ainda não me decidi. No meio desta confusão toda, me esqueci de conversar com Alex sobre o assunto. Acredito que ele já saiba como quer se fantasiar. Vou simplesmente tentar segui-lo.

– Que horror! Com a criatividade do nosso professor, eu até consigo imaginar do que irão se fantasiar.

Olhei para a minha amiga e sorri largamente.

– Você nem faz ideia da criatividade do meu marido. Se formos levar por este lado, acredito que vamos fantasiados de Sr. Grey e Anastácia.

Miranda arregalou os olhos, sua boca fazendo um “oh” que quase me fez gargalhar.

– O quê? Ele te bate? Ele te prende naquelas algemas e usa o chicote... Meu Deus! Não pensei que a história do vibrador...

– Não! – respondi agitada. Conhecendo a minha amiga como conheço, eu nunca deveria ter feito uma brincadeira como aquela. – Pelo amor de Deus! – Ri meio sem graça, já sentindo meu rosto esquentar consideravelmente. – Quer dizer... já fizemos algumas brincadeirinhas... nada que se compare ao livro. Esqueça. Eu quis apenas brincar com você sobre a capacidade do Alex de ser criativo. Esqueça!

– Como você pode saber? Nunca teve ninguém, nem uns amassos no corredor da escola enquanto todos estavam na aula. Nada de amassos no sofá de casa, mão boba no carro...

– Ok! Já entendi. O que importa é que Alex é um homem incrível e isso é suficiente para mim. Aliás, antes que você venha com mais gracinhas: ele é mais do que suficiente. Ele é perfeito. Maravilhoso! Sem comparação com qualquer personagem que eu já tenha imaginado em toda a minha humilde vida inexperiente.

– Se sonhos eróticos com personagens fictícios contarem, você já é mais experiente do que eu. – E começou a rir.

Eu não conseguia ficar aborrecida com Miranda por muito tempo, muito menos quando ela me distraía de uma situação muito pior do que a minha falta de experiência sexual antes de Alex entrar em minha vida, então ri junto, me deixando levar pela conversa sobre fantasias, baile de formatura e tudo o mais que ela quisesse falar, mas, lá no fundo, bem lá no fundo, Anita ainda me consumia.


***


Meu celular tocou no momento em que eu me despedia de Miranda. Achei que fosse Johnny querendo me explicar o que estava acontecendo, quando olhei o visor verificando ser Alex. Um misto de sentimentos me dominou. Uma parte muito feliz e quente por ser meu marido maravilhoso a me ligar, o que indicava que ele já estava livre para mim, a outra angustiada e ansiosa.

Sim, eu não conseguia superar aquela história. Porra! Ou Alex estava me escondendo alguma informação, ou Anita estava aprontando alguma. E nenhuma das duas hipóteses me deixava confortável.

– Oi, amor! – Tentei continuar leve, já que havia dito que, independentemente do que acontecesse, nós ficaríamos bem, e eu estava determinada a fazer com que realmente fosse assim.

– Já está em casa?

– Não, chego em alguns minutos. – Coloquei a mala na cabine, deixando que Miranda colocasse outra enquanto eu voltava para buscar mais uma. – Quer alguma coisa da rua?

– A minha esposa. De preferência nua, deitada em nossa cama e aguardando por mim.

Dei risada, sentindo o quanto aquelas palavras me deixavam quente.

Alex estava se mostrando insaciável, o que me animava um pouco, afinal de contas, estávamos em lua de mel.

– Onde você está? Como foi a reunião? Trabalhou muito hoje? Tem alguma novidade, algo que queira me contar?

Eu sabia que não poderia pressionar Alex, nem acusá-lo de estar omitindo alguma informação, muito menos demonstrar o quanto aquele assunto mexia comigo.

– Conto tudo depois que te beijar, amor.

Eu não sabia se ele tentava me enrolar para amenizar minha dor ou se estava realmente feliz com o problema resolvido.

– Então acho que vou dirigir o mais rápido possível.

– Tudo isso para saber como foi a reunião ou para me cercar de perguntas?

– Não. Tudo isso para poder tomar um banho, deitar nua em minha cama e beijar o meu professor da maneira como imaginei o dia todo – falei baixinho para que minha amiga não me ouvisse, aproveitando que ela estava debruçada sobre a mala do carro.

– Imaginou? E posso saber como foi?

– Quente! – Sorri enquanto Miranda se aproximava para tirar a mala de minha mão e levá-la para o carro.

Ela revirou os olhos ao ver o meu rosto corado e meu sorriso bobo.

– Posso imaginar como deve ter sido essa sua imaginação fértil. – A voz rouca do meu marido me deixava ainda mais ansiosa.

– Você vai demorar muito ainda?

– Só o tempo do seu banho, amor.

– Tá certo. – Abracei mais uma vez Miranda e entrei no carro. – Vou ser breve.

– Nada de banheira – o tom debochado de sua voz me alertou.

– Por quê?

– Nada de cochilo na hora do banho, Charlotte. – Ele riu e eu tive vontade de me trancar no banheiro só por causa da sua brincadeira.

– Não tem graça, professor Frankli.

– Charlotte, amor! – ele gemeu meu nome, deixando-me acesa. – Sabe o quanto eu adoro quando me chama assim?

– Assim como? – Tomei cuidado para manter a atenção necessária para dirigir e continuei levando o carro a uma velocidade mínima.

– Como minha aluna predileta.

– Ah, é? – Mordi os lábios deleitada com aquela conversa, apesar de que, lá no fundinho da minha mente, eu sabia que Alex tentava me enrolar.

– Você tem dúvidas?

– A respeito de eu ainda ser a sua aluna predileta? Algumas.

– Charlotte! – Ele continuava com a voz rouca, repleta de desejo. Até a sua advertência me deixava excitada.

– Teremos aula hoje, professor?

– Vai depender do que a minha aluna tem para me oferecer.

– E o que você quer como pagamento? Eu não tenho nada além do meu humilde corpo, será que dá para pagar por algumas horas de aula particular?

– Seu corpo? – Ele fez silêncio e eu podia visualizar aqueles olhos penetrantes queimando em mim. Uma delícia! – Ah, Charlotte! Seu corpo é um excelente pagamento.

– Então acho que posso exigir um pouco mais do meu professor.

– Tudo o que você quiser, amor. Tenho que desligar porque não dá para estar em um lugar público tentando conter uma ereção.

– Onde você está?

– Logo, logo, chego para cobrar o meu pagamento. Amo você! – E desligou.

Sorri mesmo sabendo que o que viria após a minha aula particular poderia colocar tudo a perder, mas quem conseguia pensar em problemas sabendo que, em alguns minutos, estaria com Alex, fazendo amor e aprendendo um pouco mais? Sempre um pouco mais.


ALEX


– Charlotte? – Fechei a porta, sentindo-me completamente leve. – Amor, já estou em casa.

Falei para o lado da cozinha e, como não recebi resposta, fui em direção à sala. Um sorriso brincou em meus lábios ao imaginá-la exatamente como havia sugerido: nua, em nossa cama, me aguardando.

– Charlotte? Estou subindo! – brinquei enquanto alcançava os degraus da escada que me levaria ao seu encontro.

Cheguei ao quarto e não a encontrei. O carro dela estava na porta de casa, o que me levava a crer que minha esposa deveria estar em algum lugar ali dentro. Fui até o banheiro, abrindo a porta. Vazio. Caminhei até o closet, lá ela também não estava.

– Charlotte? – Fiquei mais preocupado do que deveria, afinal de contas, se algo tivesse acontecido, ela teria me avisado.

Entrei no quarto ao lado, o que eu utilizava quando minha esposa começou a frequentar aquela casa, e reconheci ali algumas coisas que provavelmente faziam parte do que ela havia buscado na sua antiga casa, como o aparelho de som cor-de-rosa. Sorri.

– Amor, onde você está? – Cortei o corredor, conferindo o outro quarto e a pequena sala que ficava ao sul da casa e não a encontrei. – Aonde você se meteu? – sussurrei mais para mim do que para ela onde quer que estivesse.

Peguei o celular para conferir que não havia nenhuma mensagem.

Desci de volta à sala e migrei em direção ao escritório. Como não a encontrei, fui à cozinha, conferindo ali algumas compras recentes. Abri as portas que levavam à área externa e saí olhando para todos os lados.

– Deixe de ser exagerado, Alex! Ela pode ter esquecido de comprar alguma coisa ou ter ido à farmácia... Logo, Charlotte estará de volta.

Fechei as portas e voltei ao nosso quarto decidido a não enlouquecer com o sumiço da minha esposa. Aproveitei para tomar banho e colocar roupas limpas e confortáveis. Quando deixei o closet, vi minhas esperanças morrerem ao conferir o silêncio da casa. Peguei o celular determinado a acabar com aquele mistério.

– Pode até me chamar de neurótico, mas não vou me conformar com um sumiço como este e ficar aqui de braços cruzados.

Enquanto discava o número, desci ao térreo em busca de um copo com água. Foi quando ouvi o trinco da porta sendo destravado. Pode parecer estranho, mas a simples forma como ela abriu a porta me deixou alerta. Alguma coisa estava errada.


CHARLOTTE


O que eles estavam escondendo, eu não consegui descobrir. Minhas pernas ainda tremiam e minha cabeça era pura confusão quando finalmente Miranda me deixou na porta da minha nova casa, prometendo tentar descobrir alguma coisa. Olhando do lado de fora, nenhuma movimentação era percebida, mas o carro do meu marido, acomodado na garagem, denunciava sua presença, o que me fez lembrar que eu ainda não tinha a chave da garagem... ou tinha?

Não conseguia lembrar se Alex havia comentado alguma coisa sobre uma daquelas chaves, que me entregara logo na nossa primeira manhã, era a que me daria acesso ao local onde eu deveria guardar o carro dali em diante. Abri a porta ainda tentando organizar meus pensamentos, quando ele me surpreendeu.

– Charlotte? Onde esteve?

Pisquei algumas vezes com a luz antes inexistente, machucando meus olhos. Alex havia acendido a lâmpada da primeira sala, assustando-me.

Olhei meu marido e senti que toda a tensão de antes me dominaria por completo, pois era nele que eu encontrava a força necessária para continuar, no entanto, era com ele que eu me sentia melhor para ser frágil e era o que eu precisava naquele momento.

– Alex! – Suspirei, passando as mãos pelos cabelos embaraçados. Mordi os lábios sem saber por onde começar e como relatar uma situação tão confusa. – Eu... minha mãe... – Puxei o ar e ele me lançou um olhar de quem sabia o que acontecia. Mas como? – Lana te ligou? Patrício?

Suas sobrancelhas se juntaram, revelando sua confusão. Pudera, eu não conseguia ser nada além de confusa.

– Não. O que houve? – Com poucos passos, ele me alcançou, tomando-me em seus braços. – Você está bem? Onde estava? Por que saiu sem o carro?

Encostei o rosto em seu peito, sentindo o cheiro delicioso do seu perfume. Alex estava fresco, recém-saído do banho, pele levemente fria, cabelos molhados... seus braços ao meu redor como se pudesse me proteger do mundo, sem saber que, naquele momento, eu precisava me proteger de mim mesma. Antes que conseguisse conter, as lágrimas caíram.

– Charlotte! – Levantou meu rosto para constatar o choro e então este chegou com tudo o que tinha direito. Sem saber o motivo para tanto desespero, apenas chorei o medo que senti naquele final de dia. – Amor! – Alex voltou a me segurar em seu peito, acariciando meus cabelos. – O que aconteceu?

– Eu estava aqui quando Miranda me ligou. – Funguei, tentando encontrar equilíbrio para continuar. – Parece que foi tudo um mal-entendido, mesmo assim, eu fiquei muito assustada e agora eles simplesmente avisaram que precisaram viajar, assim, sem mais nem menos, outra vez. Dá para entender? Eles deveriam estar longe e só voltar amanhã, só que voltaram mais cedo e vão viajar outra vez. Papai disse que foi uma emergência, que não foi possível evitar, pois alguma coisa aconteceu em outra unidade, eu não sei ao certo, eles foram no avião do hospital. Quando perguntei por mamãe, ele disse que ela estava dormindo, mas não consegui me sentir melhor, sei que é bobagem, porém, depois do que aconteceu, precisava falar com ela e ter certeza de que estava tudo bem...

– Calma! Você está falando rápido demais e misturando as coisas. Seus pais viajaram sem avisar e isso a deixou nervosa?

– Não. Eu estava aqui quando Miranda ligou...não consegui dirigir, estava muito nervosa e, quando chegamos lá, não os encontramos.

– Charlotte, você está confusa. Por que Miranda ligou e você ficou nervosa?

– Patrício tinha acabado de chegar quando Lana ligou contando que estava no hospital porque precisou levar uma funcionária da editora que entrou em trabalho de parto antes da hora. Ela entrou pela emergência e aguardou até que tudo estivesse resolvido. Quando estava saindo, já quase em seu carro, avistou outro carro chegando apressadamente e viu quando meu pai saiu dele pedindo ajuda, logo depois, dois enfermeiros chegaram com uma maca para retirar minha mãe desacordada. Quando ela os reconheceu, tentou se aproximar, mas foi tudo rápido demais e eles entraram correndo sem que ela tivesse chance de entender o que estava acontecendo.

Alex puxou o ar com força e seu rosto ficou tenso, seus olhos eram puro sofrimento. Eu não sabia se ele se preocupava comigo ou com minha mãe, como não queria parar para pensar, continuei.

– Lana ligou para Patrício e comentou com ele e foi assim que Miranda ficou sabendo. Eu não consegui dirigir, minhas mãos tremiam muito, então ela veio me buscar, só que, quando chegamos ao hospital, não os encontramos, não havia registro de entrada, nem nada que alguém pudesse me esclarecer. Conversei com o Dr. Marconi, o diretor, ele me disse que não viu papai por lá.

– Lana tem certeza de que eram eles?

– Sim. Ela disse que não havia como confundir e que, inclusive, um dos enfermeiros falou o nome do meu pai.

– E você não os encontrou no hospital – afirmou, me olhando atentamente nos olhos, como se estivesse conferindo alguma coisa ou me escondendo algum detalhe importante.

– Não.

Alex soltou o ar dos pulmões como se tal informação lhe trouxesse alívio.

– Então eu liguei para papai e ele me informou que precisaram viajar e não conseguiram me avisar a tempo. Disse que era bobagem, apenas um problema para resolver e que não queria atrapalhar a nossa lua de mel.

– Então? – Ele correu suas mãos pelas laterais dos meus braços. – Amor, no momento, a única coisa que podemos fazer é acreditar em seu pai. Se ele disse que nada está acontecendo, deve ter um motivo muito bom para isso.

– O quê? Você acha...

– Charlotte, eu não acho nada. Aliás, acho, sim. Acho que você precisa de um banho, uma comida gostosa e assistir a um filme comigo, sei lá, qualquer coisa que a tire deste estado – Sem poder impedir, algumas lágrimas voltaram a cair. – Contra algumas coisas da vida, nós nada podemos fazer além de aceitar.

E eu soube, pela forma como ele me olhou, que alguma coisa estava mesmo errada, porém eu nada saberia até que chegasse a hora.

– Tudo bem.

Levantei o braço para limpar as lágrimas, Alex foi mais rápido, com as mãos carinhosas, secou meu rosto e depois beijou meus lábios com doçura. Não havia como não me sentir protegida e amada.

– Quer que eu prepare seu banho?

Eu ia negar, até porque não era certo que ele se ocupasse de mim quando, mais uma vez, eu precisaria tentar encontrar a maturidade, no entanto, novamente, ele conseguiu evitar qualquer reação minha.

– Posso te ajudar com as costas. – Beijou levemente meu rosto. – E cuidar de você para que não caia no sono de novo.

Sorri. Alex era divino no quesito “ludibriar a esposa”.

– Certo. – Sorri timidamente e me deixei ser conduzida até nosso banheiro.

Alex me deixou sentada na pequena escada de três degraus que dava acesso à banheira e tratou de providenciar o necessário para o banho. Enquanto aguardava que a água fosse suficiente e estivesse na temperatura certa, parou diante de mim, começando a desabotoar os botões da minha camisa, lentamente e um por um, até deixá-la escorrer pelos meus ombros. Depois abaixou e soltou o laço do cadarço do tênis, auxiliando com a mão em minha panturrilha, para que eu ficasse descalça.

Sem demonstrar segundas intenções, escorregou meu jeans pelas pernas, seus dedos longos me causando calafrios e me deixando constrangida, afinal de contas, há poucos minutos, eu estava chorando por não saber o que estava acontecendo com a minha mãe, então, pensar nos dedos quentes do meu marido em minha pele sensível era algo inapropriado para o momento.

Como se pudesse ler meus pensamentos, ele olhou para mim, me presenteando com um sorriso discreto, o mais safado de todos que já vi, até porque seus olhos eram inocentes e seus gestos apenas carinhosos, sem malícia. Sua única representatividade era aquele sorriso de quem sabia o que fazia e, principalmente, que conhecia a minha reação mesmo que disfarçada.

– Está com frio?

Levantou sem desviar os olhos dos meus. Senti que a vermelhidão, antes concentrada em minhas bochechas, se expandia em direção às orelhas e pescoço, pois minha pele estava completamente arrepiada, apesar de o frio ser inexistente.

– Um pouco. – Engoli em seco ciente de que a mentira fora desmascarada em seu primeiro milésimo de segundo.

Ele sorriu ainda mais e passou um dedo de cada mão pelas alças do sutiã, como se brincasse. Correndo-os pelas minhas costas, logo iniciaram o trabalho de desprendê-lo do meu corpo, deixando-me seminua e ainda mais envergonhada, o que deveria ser uma piada, já que aquele homem era o meu marido e ficar nua na presença dele já era algo corriqueiro.

Quebrando o contato visual, Alex se abaixou e começou a retirar minha calcinha. Mordi o lábio inferior contendo um gemido. Realmente, todo o problema de outrora ficou esquecido em algum lugar da minha mente. Se esta era a intenção do meu marido, ele conseguiu. Merecia aplausos.

– Venha – sussurrou, segurando minha mão e me levando até a banheira, onde entrei prontamente.

Alex retirou a camisa e a calça de moletom que usava, depois, como se não estivesse fazendo nada de mais, deixou a cueca no chão e entrou na banheira para me acompanhar, sentando-se às minhas costas. Evitei olhar em sua direção, então mantive as vistas na água.

– Relaxe! – A voz era baixa, então me puxou de encontro a seu peito me envolvendo com seus braços. – Vou cuidar de você.

Era uma promessa velada, como se, com aquelas palavras, Alex estivesse me dizendo que o mal nos alcançaria, porém ele permaneceria ao meu lado. Estremeci. Não mais de desejo e sim de medo. O que ele sabia que eu não podia saber?

– Talvez eu devesse ligar de novo. Quem sabe mamãe já acordou?

– Depois do banho, Charlotte. – Com voz suave e tranquila, ele tentou me fazer esquecer. Era possível? – Apenas relaxe e me deixe cuidar de você.

Pegando uma esponja, ele despejou um pouco de sabonete líquido e esfregou em meus braços. Fechei os olhos, permitindo que ele me lavasse, sem resistir ou me deixar levar pela suave carícia, apenas deixando que o movimento ritmado e a água conseguissem levar de mim qualquer angústia e tornasse tudo mais plácido, mais terno.

Afinal de contas, era para ser como ele sugeriu, deveríamos confiar e acreditar no que meu pai havia dito. Tudo podia ser mais uma fantasia da minha cabeça infantil agravada pela tensão dos últimos dias. Era muita coisa para uma cabeça só.

Alex cumpriu sua promessa e cuidou de mim, sem ultrapassar as barreiras, apesar de em muitos momentos eu desejar que ele o fizesse. Esfregou minha pele, massageou meus ombros, lavou meus cabelos e me deu muitos beijos que cumpriram seu papel amnésico. Tudo acabou rápido demais e ele logo levantou e me envolveu com um roupão aveludado, não antes de enrolar uma toalha em sua cintura, escondendo, ou tentando esconder, o quanto ele também não queria que aquele banho acabasse daquela forma.

Suspirei alto o suficiente para fazê-lo sorrir e me fazer corar.

– O que quer vestir?

Pegou uma toalha para me ajudar a secar os cabelos, como se não tivesse me lançado um olhar absurdamente lascivo, segundos antes.

– Posso vestir meu pijama cor-de-rosa e minhas pantufas?

Ele riu atrás de mim e me deu um beijo no pescoço, mantendo meus cabelos presos em sua mão.

– Não.

– Por quê? São confortáveis.

Sua negativa fez com que o meu próprio corpo rejeitasse a ideia, já que significava que meu marido tinha outros planos para nós dois.

– Porque... – Suspirou e depois riu. – Porque eu não quero, Charlotte. Vista um vestido leve.

– Se não posso escolher, por que perguntou?

Ele depositou outro beijo em meu pescoço e depois mordeu a pele sem fazer pressão de fato, apenas o suficiente para deixar seu recado.

– Porque eu quis.

– Você é um chato – brinquei, me desprendendo do seu domínio e tomando a toalha para finalizar seu trabalho.

– Sou?

– É, sim.

Meus olhos traidores vagaram pelo seu peitoral e abdômen tão bem definidos. Mordi o lábio inferior desejando que, naquele momento, ele apenas quisesse me punir.

– Então serei um cara legal.

Deu um passo em minha direção, me encarando daquela maneira safada que apenas o meu professor sabia fazer. A mesma que me enlouquecia fazendo-me esquecer do mundo.

– Vou deixá-la escolher a calcinha. – E piscou divertido, saindo do banheiro.

Ainda fiquei parada, perplexa, sem acreditar no quanto Alex conseguia me distrair. Naquele momento, eu apenas pensava no que ele estava pretendendo e, antes que pudesse me recriminar, me vi pensando no que eu teria para usar que o incentivaria a continuar.

Quando, finalmente, tomei coragem para sair do banheiro, depois de desembaraçar os cabelos molhados, secá-los apenas para não facilitar com a saúde, passar hidratante no corpo e me olhar atentamente, decidindo se já estava na hora de iniciar o antirrugas, ele não estava mais em nenhum lugar do quarto.

Fiquei um pouco desapontada, pois esperava que Alex estivesse na cama, prontinho para o bote, como havia sugerido mais cedo, antes de tudo acontecer. Que droga! Eu não devia pensar neste detalhe. Foi o suficiente para me esmaecer outra vez.


CAPÍTULO 07

 

“O maior erro que você pode cometer é o de ficar o tempo todo com medo de cometer algum.”

William Shakespeare


ALEX


Fechei a porta do quarto apenas para ter algum indicativo da sua presença quando Charlotte resolvesse descer. Com o celular na mão, eu me perguntava até quando seria justo mantê-la desinformada?

Quando Peter me procurou para confidenciar o estado de saúde da sua esposa, eu concordei em manter segredo e até mesmo em colaborar para que Mary tivesse dias perfeitos ao lado da filha. Claro que também havia o meu próprio interesse em ter Charlotte para mim, no entanto, nunca parei para pensar em como aquilo tudo a afetaria quando descobrisse.

De verdade, só entendi a profundidade daquela situação para a minha esposa quando a vi parada a minha frente, pálida e trêmula, assustada com o que poderia ser uma mentira. Infelizmente, não era. E eu sabia.

Piorou muito a minha apreensão quando a vi chamá-los de “papai” e “mamãe”, como uma criança perdida, abandonada e amedrontada. Não eram mais “meu pai” e “minha mãe”, ou “Peter” e “Mary”, como dizia em seus momentos mais maduros, e ali, naquele instante, eu soube que Charlotte não estava pronta para perder a mãe.

E eu estava colaborando com a farsa. Ajudando a esconder dela algo tão sério e grave. Merda!

– Alô?

– Peter? É Alex.

– Como vai? – Ele mantinha a voz firme, como se temesse revelar alguma coisa.

– Nada bem. Charlotte está muito nervosa. Quero saber a real situação de Mary.

Ele hesitou.

– Charlotte está com você?

– Não. Mas logo estará, então seja rápido e objetivo.

– Temos pouco tempo agora.

Por um segundo, pensei que a sala foi tomada pela penumbra da noite. Minhas vistas escureceram e voltaram à claridade. Encostei-me na parede buscando apoio.

– Quanto tempo?

– Não sei precisar, estaremos na formatura. Conseguiu resolver tudo?

– Sim. – Olhei para a escada, sentindo-me miseravelmente egoísta. Seria justo tirar de Charlotte aqueles poucos dias? – Onde vocês estão?

– Fazendo alguns exames. Vamos modificar a medicação, algo para ajudá-la a suportar a dor. – Sua voz sofrida fazia com que meu coração batesse fraco.

Aquela era uma situação que eu esperava nunca precisar passar. A angústia de perder quem se ama, de lutar e ser derrotado pela morte. Engoli em seco.

– Charlotte precisa saber, Peter.

– Ainda não. – Não foi uma ordem, somente um pedido de um pai sofrido e amedrontado. – Dê-me só mais um tempo, Alex. Até a formatura. Ela precisa ter este momento, depois contamos.

– E se Mary não... – Não tive coragem para completar a frase. Era triste demais.

– Ela vai conseguir. Nós estaremos aí e então contaremos a verdade a Charlotte.

Suspirei e ouvi a porta abrindo.

– Tenho que desligar agora. Por favor, me mantenha informado.

– Pode deixar.

Seus passos leves pela escada foram o suficiente para me fazer desligar e atirar o aparelho no sofá. Então Charlotte entrou na sala, usava um vestido azul curto e solto, que ficava incrível em sua pele tão clara. Os cabelos úmidos desciam pelos ombros e finalizavam na cintura fina e bem feita. Ela me olhou expectante e eu senti o coração afundar por ter que continuar sustentando aquela mentira.

– O que quer comer? – perguntei mais para me distrair do que pela necessidade de comer.

– Não sinto fome – ela murmurou sem se aproximar. – Com quem estava falando?

Fiquei meio alarmado, porém consegui manter a postura.

– O agente da Tiffany. Pedi para ele procurar Lana.

Ela estreitou os olhos desconfiada da veracidade, ou incomodada pela minha relação, mesmo que profissional, com Tiffany. Encarei minha esposa, tentando não deixar transparecer a farsa.

– E então, o que vai ser?

– Como eu disse, não tenho fome. – Charlotte suspirou, desviando o olhar. – Mas, como sei que não vai me deixar ficar sem comer, pode escolher por mim.

– Charlotte? – Fui até ela, tomando-a nos braços. O aperto em meu peito era grande e esmagador. – Amor, só quero que fique bem.

Ela me envolveu com seus braços e descansou a cabeça em meu peito.

– Eu sei. Desculpe! Vou ser uma boa menina. – Ergueu o rosto, me oferecendo os lábios que tomei de bom gosto.

– Acho que sei exatamente o que posso fazer para mudar seu humor.

Coloquei Charlotte sentada no sofá, liguei o som, deixando uma música lenta preencher o ambiente e, com um beijo terno, saí para a cozinha, onde encontraria tudo o que precisávamos para aquela noite.

Em uma panela com água, despejei batatas ainda com a casca e coloquei para cozinhar. Escolhi um vinho branco, um Fendant do Valais, da minha pequena adega, peguei duas taças e servi para levar a minha esposa. Ela estava onde a deixei, o rosto continuava preocupado, mas sorriu quando me aproximei.

– Vamos jantar vinho?

– Não. Vamos começar com o vinho. Vá aproveitando. Já volto.

Encontrei o raclette no armário, assim como todos os acessórios necessários. O queijo, de mesmo nome, estava cortado na geladeira, acrescentei algumas azeitonas, tomate, cebola, picles, pimenta calabresa, pepino em conserva, páprica doce e picante, retirei da geladeira uma bandeja de frios, já preparada, e comecei a levar tudo para a mesinha de centro que havia diante da minha esposa. Ela me olhou com curiosidade ao ver as vasilhas que espalhei pelo tampo de vidro.

– Já volto – informei, colocando uma azeitona em sua boca e saindo para buscar o restante das coisas.

Voltei com o raclette, equilibrando mais algumas vasilhas, os pratos e talheres. Arrumei tudo na pequena mesa sob o olhar atento da minha esposa, que sorria levemente, verificando tudo o que eu fazia.

– Só falta mais uma coisinha.

Pisquei, voltando para buscar minha taça.

– Estou ficando curiosa. O que é isso aqui? – Apontou o aparelho sobre a mesa.

Sorri largamente.

– Sério que uma garota viajada, herdeira de um superpatrimônio, não sabe o que é um raclette?

– Mandei mal?

Fez uma careta engraçada, colocando uma mecha para trás da orelha e encarando a taça em sua outra mão. Ficava linda vermelha como estava.

– Não! Só achei estranho. Pensei que não seria nenhuma novidade. Você conhece a Suíça, não?

– Passei alguns dias lá.

Tomou um gole do vinho visivelmente envergonhada.

– Então... – Sentei no chão, ajustando o raclette para ligá-lo. – Não aproveitou a culinária suíça? Eu estive três vezes no país e confesso que fiz tudo que um bom turista deve fazer. – Sorri para animá-la. – Também é normal encontrar na França e em outros lugares.

– Eu nunca fui muito de me inserir no mundo glamouroso dos milionários. – Baixou o olhar como se tal fato fosse absurdo. – Eu gosto de viajar, conhecer lugares diferentes, culturas diferentes, nunca lugares muito badalados ou onde pudesse ser o centro das atenções. Nunca gostei de ser reconhecida pelo que tenho, e sim pelo que sou. Na verdade... – Olhou para os lados e tomou mais um gole de vinho. – Sempre tive medo das relações que eu poderia ter por causa do dinheiro da minha família e, por isso, sempre evitei me expor em lugares onde eu seria vista assim. Claro que estive, muitas vezes, em lugares refinados, a posição do meu pai exige isto de mim, sempre quando era realmente necessário. Não conheço o racle...

– Raclette – completei.

– Isso. O raclette. Desculpe! Quando estive na Suíça, me acabei no fondue.

Sorriu tão lindamente que me deixou ainda mais apaixonado.

– Eu gosto de fondue também, mas o raclette tem um charme especial. Posso começar a preparar?

– E o que é?

– Queijo e batata... Hum, esqueci as batatas.

Ri e Charlotte me acompanhou divertida. Beijei minha esposa e saí em busca das batatas.

Despejei em uma vasilha com água fria, apenas para quebrar a temperatura, depois retirei e coloquei em um prato, levando até onde estava minha esposa. Ela já comia um pouco do que estava disposto na mesa.

– E então? Como comemos?

– É fácil. Coloque uns pedaços de queijo nestas pás e leve até o raclette, assim. – Fiz como indiquei e Charlotte me imitou. – Enquanto esperamos o queijo derreter, podemos descascar uma batata. – Peguei a minha, fazendo o processo depositando a casca em outro pratinho. – Pode escolher o que achar melhor para acompanhar. Eu gosto de cebolas em conserva, picles, azeitonas e pimenta, mas vale experimentar com um pouco de tudo.

– Deve ser gostoso. – Ela sorriu, pegando presunto, azeitonas, pepino em conserva e tomate. – Tem que esperar muito para derreter?

– Na verdade, ele vai esquentando e, quando chegar na segunda ou terceira porção, fica mais rápido. Sente-se aqui comigo.

Segurei sua taça para que ela pudesse se sentar ao meu lado e bebemos mais um pouco de vinho.

– Está parecendo um programa de namorados – ela disse, acomodando-se em meu peito.

– E é. Não foi você quem disse que queria viver essa experiência? Que queria ser a namorada, a noiva e depois a esposa? Então... só invertemos a ordem.

Minha esposa riu, um som infantil e maravilhoso para meus ouvidos.

– Vamos fazer amor aqui no chão como dois adolescentes apaixonados?

Eu ri, puxando-a para um beijo quente.

– Vamos fazer amor onde você quiser, linda! – Voltamos a nos beijar, mas foi preciso interromper. – Antes, precisamos comer.

Retirei as duas pás com o queijo já derretido e despejei em meu prato e no de Charlotte.

Ela cortou um pedaço, misturou com alguns complementos que já estavam em seu prato e, sem nenhum medo, levou uma quantidade à boca. Fechou os olhos e sua expressão foi de puro prazer, sentindo a mistura de sabores. Eu, particularmente, adorava queijo e o raclette era um dos meus favoritos, por isso fazia questão de ter sempre um pedaço em casa.

– Muito bom, Alex! O queijo é excelente!

Buscou mais um pouco da comida em seu prato.

– Um dos melhores.

Comemos conversando sobre o sabor, o vinho, a música, namoramos com muito carinho e ela logo estava completamente esquecida da situação dos pais. Tanto melhor, afinal de contas, o que enfrentaria em futuro próximo não seria nada fácil.


CHARLOTTE


– Espere, Alex!

Estávamos nos beijando daquela maneira que dizia muito do que aconteceria, com suas mãos me percorrendo, tentando subir meu vestido e fazer de mim o que bem quisesse. O vinho tinha o poder de me deixar confortável até demais, no entanto, eu precisava saber o que o destino me reservava.

– Amor. – Ri quando tentei afastá-lo e ele resmungou, correndo os lábios pelo meu pescoço. – Você ainda não me falou se tem alguma novidade sobre o problema com a faculdade.

Alex levantou o rosto e sorriu.

– Já contei tudo. – Acariciou meu rosto sem perder aquele olhar apaixonado. – Está tudo bem. Anita retirou a queixa e você vai se formar. Pronto. Resumido e com um final feliz. Podemos continuar?

Ri da facilidade com que ele tratava um assunto tão sério.

– Alex! – Forcei para que se afastasse e consegui sair de debaixo do seu corpo. – Como assim Anita retirou a queixa? Isso não o deixou perturbado? Ela estava tão rancorosa, o que a fez voltar atrás? Tenho até medo de imaginar o que mais ela pode estar aprontando.

Ele me olhou e, por breves segundos, uma situação se formou em minha mente.

– Você não... Alex? – Me afastei ainda mais, sentindo meu corpo tremer. – O que você fez? Você...

– Deixa de ser maluca, Charlotte! – Riu, me segurando com força para não permitir que eu escapulisse. – Eu jamais faria qualquer bobagem para persuadir Anita.

Encarei seus olhos para tentar pegar qualquer resquício de mentira. Não havia.

– Amor, eu amo você! Só desejo você. – Mais uma vez, conseguiu ficar por cima me forçando a deitar e alcançando meu pescoço para me dar mais um pouco de sua tortura deliciosa. – Só quero você, Charlotte Frankli.

Charlotte Frankli. O nome brincou em minha mente, me distraindo por breves segundos. Sim, eu era a senhora Frankli. A esposa do lindo, maravilhoso e bem-sucedido Alex Frankli. Apesar de sempre me sentir orgulhosa por ser uma Middleton, eu me sentia completa e realizada por ser uma Frankli.

– Acho bom! – Não havia mais raiva, nem dúvidas, só a vergonha por ter pensado aquilo dele. – Não quero ninguém colocando as mãos no que é meu.

– Isso mesmo. Defenda o que é seu, meu amor. Porque é o que eu sou, um homem a seus pés. Um escravo das suas vontades. Um servo que te seguirá para onde for e um amante cheio de desejo. Faça amor comigo, Charlotte – sussurrou sua súplica e meu corpo incendiou. – Vamos conversar sobre este ou qualquer outro assunto depois. – Recomeçou as carícias, subindo as mãos pelo meu vestido.

– Tem certeza de que não teremos mais problemas?

Minha voz rouca indicava que estávamos bem perto de deixar o assunto morrer, se não fosse pela sensação estranha de sentir meu marido retesar em minhas mãos que vagavam pelas suas costas.

– Ou teremos?

Alex levantou o rosto e me encarou.

– Acho que somos jovens demais para acreditarmos que não teremos mais problemas. – E sorriu lindamente. – Só posso garantir que estarei aqui para lutar por você, Charlotte. E também para acalentá-la, confortá-la, ser o que você precisar.

– Obrigada! – Um nó em minha garganta me incomodava, porque era lindo ouvi-lo falar daquele jeito e algo dentro de mim dizia que estávamos cada vez mais perto daquela realidade que ele traçava. – Eu também estarei aqui por você.

– Eu sei. Quer mais vinho?

Também entendi que o clima modificou e que precisaríamos recomeçar. Por isso, sinalizei com a cabeça confirmando desejar o vinho oferecido e me ajeitei no chão quando ele se afastou para buscá-lo. Alex serviu as taças e me entregou a minha. Bebemos em silêncio enquanto eu pensava em como salvar nossa noite.

Eu podia encerrar tudo e dormir pensando nos problemas que não encontraria respostas, em como Alex conseguiu fazer com que Anita desistisse de me destruir, em como poderíamos nos manter longe das loucuras de Tiffany, nas mentiras dos meus pais, do que o meu marido tanto me escondia. Eu podia simplesmente passar a noite pensando naquilo tudo e, no final, quando o sol voltasse, eu estaria na mesma ou até pior.

Ou poderia, simplesmente, não pensar. Esquecer o que deveria ser temporariamente esquecido e aproveitar a noite maravilhosa que Alex me oferecia. Deixar que ele me proporcionasse o melhor de nós dois. Afinal de contas, eu queria que tudo desse certo. Queria fazer amor, senti-lo em mim e desfrutar de tudo o que seu corpo poderia me proporcionar.

Foi pensando assim que decidi. Eu esqueceria e faria amor com meu marido. Engatinhei na direção dele, que parou para me observar. Subi em seu colo, me acomodando em seus quadris. Logo, sua mão livre estava em minhas costas, descendo até a bunda e se ocupando em acariciá-la.

– Faça amor comigo, Alex – sussurrei bem próxima a sua boca a mesma súplica, com o acréscimo do meu sexo roçando levemente o dele.

Ele bebeu um longo gole do seu vinho, sem tirar os olhos de mim e depois colocou a taça mais afastada de nós dois para então me dar toda sua atenção. Com o polegar, acarinhou meus lábios, contornando-os com desejo. A outra mão foi até minha coxa, acompanhando meus movimentos leves e sensuais.

– Sempre, Charlotte!

A afirmação chegou repleta de devoção, como se não houvesse dúvidas a respeito da sua promessa. Alex estaria sempre ali por mim, para atender às minhas vontades e aplacar meus anseios.

Nossos lábios se juntaram em um beijo orquestrado. Delicioso! Todos os nossos movimentos eram ritmados. Suas mãos em minhas coxas, avançando pelo vestido, nossos quadris se encontrando, se apertando em luxúria, e nossa língua bailando maravilhosamente, enchendo-me de desejo.

Passei as mãos pelo seu peitoral, levando comigo sua camisa. Alex não se opôs, pelo contrário, assim que se viu livre do tecido, tratou de retirar meu vestido, deixando-me apenas com a calcinha minúscula. Seus olhos focaram em meus seios ao mesmo tempo em que sua mão se apossou de um deles, pressionando o monte macio enquanto seus lábios cuidavam do outro.

Gemi. Era impossível pensar em me conter tendo a boca de Alex em mim, sugando o bico endurecido pelo prazer e brincando com a ponta da língua, fazendo com que meu juízo acabasse de vez. Deixei que ele brincasse com meu corpo e me concentrei em tocá-lo, descendo a mão pelo seu abdômen até chegar ao limite da sua calça de moletom.

Acariciei o pé da barriga e desci com as pontas dos dedos até ultrapassar o tecido e encontrar os pelos lisos e baixos que antecipavam o contato que eu tanto desejava. Alex gemeu em meus seios e se movimentou para melhor adequar o roçar delicioso entre nossos sexos, deixando que uma mão abandonasse o seio e corresse para a minha bunda, apertando-me com vontade.

– Quer mais vinho?

Sua voz rouca acompanhada de toques tão sensuais me deixou confusa a respeito da sua pergunta. Ele realmente precisava de mais uma pausa? Antes que eu pudesse questioná-lo, Alex pegou sua taça levando-a aos meus lábios. Bebi desajeitadamente, sob o seu olhar atento. Quando achou que era o suficiente, liberou-me, então colocou dois dedos no conteúdo da taça e depois, com pingos da deliciosa bebida escorrendo, molhou o bico já sensível e rijo do meu seio, para, logo em seguida, abocanhá-lo com vontade. Gemi alto e forte.

– Mais vinho?

Derramou uma pequena quantidade no outro seio e rapidamente lambeu o líquido que escorria pela minha pele, provando-me com fervor. Peguei a taça de sua mão, levando-a à boca. Reservei uma quantidade da bebida e, com os lábios, comecei a espalhar em seu tórax. Alex arqueou o corpo ao contato com o líquido frio e soltou o ar com força quando minha boca fez o trabalho de capturar o vinho de volta, lambendo cada centímetro do seu peitoral tão bem trabalhado, ouvindo seus gemidos baixinhos, enquanto suas mãos acariciavam minhas coxas e bunda. Foi quando tive uma ideia.

Saí de cima do meu marido e peguei a garrafa que continha um pouco menos da metade do seu conteúdo. Aquele homem lindo, que roubava meu sono e que conseguia o que quisesse de mim, continuou me acariciando como podia, bem atento ao que eu planejava fazer e sem entender ao certo o que seria.

– Fique de joelhos – falei já puxando seu braço para que me atendesse. Alex fez como pedi, seu sorriso demonstrava o quanto ele não tinha ideia do que eu faria.

– O que vai fazer, Charlotte?

Sorri, encarando meu marido, e mordi os lábios, provocantemente, ciente do quanto aquele gesto mexia com a sua libido, ao mesmo tempo em que, com as duas mãos, abaixei sua calça juntamente com a cueca, revelando sua ereção espetacular.

– Charlotte!

Sua voz rouca me advertia que estava migrando para um caminho perigoso, ao mesmo passo, delicioso, onde, quando o provocasse não haveria mais volta. Era exatamente o que eu queria. Segurei seu membro rígido, manipulando-o vagarosamente, enquanto levava a garrafa à boca, deixando que o vinho escorresse pelos cantos. Alex me segurou pela nuca, soltando um gemido cheio de malícia, e lambeu o líquido que descia, fazendo o mesmo processo em meus lábios.

Sem deixar de manipulá-lo, apertando seu sexo em minha mão como uma forma de lembrá-lo como seria quando estivesse realmente em mim, encostei o gargalo em seu peitoral e deixei que um fio de vinho vertesse, escorrendo lentamente, completando o seu caminho da perdição. E que perdição!

– O que vai fazer, mocinha?

Sorri para o “mocinha”, pois este apelido me levava de volta ao tempo em que éramos aluna e professor. Bom... O discípulo sempre supera o mestre.

Encarando seus olhos, levei os lábios ao tórax, bem no centro, e acompanhei o rastro da bebida, até que minha língua estivesse quase em seu sexo. Então sorri e passei a língua nos lábios, ciente dos seus olhos escuros e da sua respiração suspensa pela excitação. Com a garrafa devidamente posicionada e minhas mãos ainda o masturbando, permiti que um pouco do vinho descesse pelo seu membro, causando um calafrio estimulante em meu eterno professor.

– Vou tomar vinho de canudinho.

E, antes que ele conseguisse dizer qualquer coisa, desci os lábios por toda sua extensão, afundando-o em minha boca enquanto iniciava a sucção que capturava o sabor incomum de Alex, sexo e vinho.


ALEX


– Puta que pariu!

O xingamento escapuliu antes que eu conseguisse evitá-lo. Charlotte era tão frágil, pequena, infantil na maioria das vezes, que, quando demonstrava ser a mulher ousada e destemida que verdadeiramente era, conseguia me desarmar e dominar completamente.

Meus olhos continuaram fixos naquela imagem, vendo-a de quatro, o corpo ostentando apenas uma calcinha tão pequena e devassa, tanto quanto a sua boca que me sugava avidamente sem interrupção e sua mão que me mantinha cativo daquela prisão de prazer sem fim.

Sua bunda empinada, exposta, movimentando conforme sua boca faminta me devorava, deixava-me ansioso para tocá-la. Eu queria me curvar e roçar meu dedo bem ali, no meio, sentindo o quanto também sabia enlouquecê-la. Queria detê-la, segurá-la de quatro e me enfiar nela, punindo-a por me deixar tão entregue, mas não podia.

Eu estava simplesmente preso àquela imagem: Charlotte de quatro, me chupando de maneira a me manter encarcerado, rendido a suas vontades, meu único pensamento era que eu queria, acima de tudo, gozar naquela boca libertina, fazê-la beber cada gota da sua provocação, vertida pura e exclusivamente, em sua devoção.

Por este motivo, minha única reação foi movimentar-me lentamente, auxiliando seus lábios, ganhando espaço ao entrar e sair de sua boca e me perdendo em sensações com o roçar absurdamente luxurioso, da sua língua em minha carne e no movimento das suas bochechas, apertando-me em sua quentura e sugando-me sem piedade.

– Charlotte, eu vou gozar, mas não quero que pare.

Seus olhos levantaram para os meus, gulosos, ansiosos e satisfeitos. Gemi consciente de que era o que ela queria. Seus anseios correspondiam aos meus e minha esposa me dizia, sem palavras, que essa era exatamente a sua intenção: fazer-me gozar em sua boca.

Com um sugar mais forte e sua mão posicionada para melhor me apoiar, mantendo-me firme em sua boca, ela me colocou todo para dentro, enroscando a língua em minha extensão, como uma serpente pronta para o bote, retirou lentamente, centímetro por centímetro. Um espasmo fez minhas pernas tremerem e meus olhos se fecharem, então sua língua brincou com a cabeça do meu pau e seus lábios se fecharam chupando apenas aquela parte, ao mesmo tempo que acelerou os movimentos com a mão.

Incapaz de me conter por muito mais tempo, segurei em seus cabelos, guiando sua cabeça até que ela me tivesse completamente em sua boca. Minha excitação era tanta que não consegui repetir o processo mais do que duas vezes e me vi gozando, esvaindo-me em um prazer incontrolável, que se cercava não somente do meu sexo latejante, mas de todo o meu corpo, levando-me a uma satisfação só alcançada com ela: a minha melhor aluna.

Charlotte ficou quietinha, recebendo os resquícios dos meus movimentos, enquanto eu ainda gemia e expelia o final do meu prazer. Ela tinha o “time” perfeito. Talvez por ser uma escritora, sabia observar, absorver e aprender, para colocar em prática com perfeição. E foi por isso que ela soube exatamente a hora de parar e esperar, sem forçar nada, apenas receber o que eu podia lhe ofertar.

Quando voltou a me olhar, seu rosto corado, com resquícios de suor, demonstrava o quanto estava excitada. E eu amava vê-la com aqueles olhos suplicantes, com aquele aspecto de quem ansiava sempre por mais. Por isso agi pelo instinto. Naquele momento, eu era apenas um escravo, pronto para atender a todas as suas ordens.

– Vem cá. – Notei minha voz rouca e o quanto minhas palavras fundidas aos pensamentos repletos de luxúria faziam meu corpo reagir. Mas eu a queria de forma diferente.

Charlotte se levantou enquanto eu me sentava e estirava as pernas no chão, encostando-me ao sofá. Entreguei-lhe a garrafa do vinho enquanto ela me olhava com expectativa e ansiedade, parada, em pé, de frente para mim. Sem pensar duas vezes, segurei sua calcinha, retirando-a. O brilho da sua excitação provocando-me mais do que eu imaginava ser capaz.

– Derrame um pouco de vinho em seu corpo.

Ela não questionou, apenas obedeceu e, posicionando a garrafa um pouco acima dos seios, deixou que o líquido escorresse até alcançar o meu objetivo. Segurei minha esposa pela bunda e a trouxe até mim. Ainda pude ouvir seu suspiro, deliciado com o que eu faria, então minha boca provou o que tanto desejava.

O sabor da uva completava o sabor de Charlotte e fazia com que minha língua passeasse pelo seu sexo molhado, forçando-me a chupá-lo com sofreguidão. As pernas dela fraquejaram e a contive com os braços. Minha esposa, em segundos, conseguiu recuperar o domínio do seu corpo, firmando-se e, para a minha surpresa, seus dedos adentraram em meus cabelos, pela nuca, auxiliando meus movimentos, curvando os quadris para a frente, me oferecendo um pouco mais da sua intimidade e me aprisionando com seu olhar lascivo.

Senti o quanto cada pedaço do meu corpo reagia àquela situação. Charlotte me guiava com as mãos, enquanto rebolava em minha língua, determinando o ritmo de acordo com sua vontade. Eu apenas a seguia, dando-lhe o prazer que ela precisava sem desconectar nossos olhos, assistindo, assim, o quanto cada investida dos meus lábios, cada avançar e carícia da minha língua, a deixava entregue.

Sem pensar duas vezes, subi uma das mãos até sua bunda e brinquei, roçando meus dedos em sua segunda entrada tão provocante. Ela gemeu e rebolou com mais intensidade, para frente e para trás, recebendo o que havia de melhor dos dois mundos.

Quando pensei que o quadro estava completo, sentindo o pulsar delicioso do seu clitóris em minha língua, indicando que Charlotte não tinha mais muito tempo, eu vi o que nunca imaginei ser possível com a minha esposa. Dominada pelo prazer, ela levou uma mão ao próprio corpo, subindo pelos seios e os estimulando como eu mesmo faria.

Charlotte se tocava, mordia os lábios em uma entrega única, me presenteando com o mais puro desejo. Senti meu pau rígido em poucos segundos e tive vontade de me masturbar enquanto a assistia apertando os seios, um a um, prendendo o bico entre os dedos e esticando, fazendo-os reagir e estremecendo com o contato.

Um gemido animal escapou da minha garganta, então, com a mão que brincava com a sua bunda deliciosa, puxei-a com mais força e aprofundei os dois lados, minha boca em seu sexo e meu dedo em sua entrada deliciosamente apertada, devorando seus lábios íntimos com uma fome indescritível. Ela gemeu cheia de manha e apertou um seio com força. Porra! Eu poderia fodê-la repetidas vezes só vendo-a se manipular. Charlotte era a minha perdição, o desestabilizar da minha cabeça.

– Alex...

Sua boca se abriu em prazer e minha vontade era ordenar que ela gozasse. Contudo, eu não podia, não queria interromper o que fazíamos, então segurei meu pau e iniciei um masturbar lento, tendo a certeza de que ela não via o que eu fazia, mas já me preparando para o que viria a seguir.

Então senti minha esposa tremer e gemer mais alto e o sabor do pecado se acentuou em minha língua enquanto seus movimentos diminuíam e ficavam mais intensos, fortes. Charlotte gozava em minha boca e eu enlouquecia aos poucos, sentindo meu próprio sexo vibrar em minha mão, ansioso para se afundar naquela carne com que minha boca brincava.

Ela gemeu mais uma vez, se apertou em mim e abriu os olhos para sorrir lindamente. Vi seus dentes prenderem os lábios ao perceber que minha sede não fora aplacada e eu entendi que me dava consentimento para continuarmos. Foi o que fiz. Sem pedir permissão, puxei minha esposa para baixo e beijei seus lábios tão logo consegui alcançá-los.

Antes que eu pudesse me saciar nela, Charlotte se afastou e girou o corpo, pondo-se de costas para mim, sentou em meu colo, deixando meu pau invadir seu corpo profundamente. Segurei em seus quadris, dominado pelo prazer, deixei que minha cabeça caísse para trás, apoiando-a no sofá e gemi abertamente.

– Porra, Charlotte! – Minha voz esganiçada fazia com que eu precisasse de um esforço maior para pronunciar cada palavra. – Você é o inferno, garota!

Ela riu e se encostou em mim, deitando-se e permitindo que meu pau se movesse em sua carne apertada.

– Se isso é o inferno, por favor, não me deixe entrar no céu – sussurrou.

Minha esposa começou a rebolar com a cabeça jogada para trás. Sem pestanejar, corri as mãos pelo seu ventre liso e, segurando-a com garras de ferro, ditei seu rebolado, nossos gemidos ecoaram.

– Toque-se, Charlotte. Faça como antes, brinque com meu juízo, gostosa.

Ela entendeu o recado. Enquanto suas mãos subiam em busca dos seios macios e delicados, eu deixei que as minhas chegassem a seu centro, as duas ao mesmo tempo. Ela arquejou e apertou os dois seios. Esfreguei os dedos em sua umidade quente e forcei suas pernas a se abrirem mais, deixando-a completamente exposta.

Brinquei com seu clitóris e vi minha esposa, aos poucos, recuperar a volúpia, se entregando às nossas necessidades prementes. Em instantes, nossas mãos se misturavam, tocando seu corpo em todas as partes, com uma mão ela se estimulava saboreando seus próprios dedos junto com meu pau que a possuía sem descanso, enquanto, com a outra, brincava com o bico do peito.

Em outro momento, nossos dedos se misturavam em seu sexo, estimulando e brincando em uma batalha deliciosa, onde sua excitação banhava-os, ao mesmo tempo em que apertávamos os seios, juntos, cada mão em um, repetindo os movimentos e esfregando pele com pele, até que eu finalmente a senti arfar e pulsar, aprisionando meu pau em sua entrada, que já gritava pela satisfação.

Com força, arremeti com movimentos curtos e rápidos fazendo nossos corpos se chocarem. Ela gemeu e intensificou a masturbação e então gozou divinamente, gritando meu nome e me apertando até que eu não aguentasse mais. Sentando afoitamente, prendi seu corpo ao meu e gozei, esmagando o seio que ainda estava em minha mão e enterrando meu rosto em sua nuca, que abafava os gemidos que eu não conseguia impedir de sair. Ela riu levemente.

Depois deixei-me cair, levando-a comigo. Nos enroscamos desajeitadamente, trocando beijos leves e carícias sem malícia, até que ela, sorrindo e com um brilho nos olhos de pura satisfação, deitou em meu peito, permitindo-se relaxar.

– Eu acho que misturarmos sexo e vinho será sempre um caminho sem volta, professor.

Gemi, adorando ouvi-la me chamar de professor.

– Ótimo! Eu não tenho mesmo para onde ir.


CAPÍTULO 08


“Se as paixões aconselham por vezes mais ousadamente do que a reflexão, isso deve-se a que elas dão mais força para executar.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


– Tem certeza disso?

Eu estava na praia. Sim. Eu, Charlotte Frankli, estava devidamente acomodada embaixo de um sombreiro, banhada com bloqueador solar, exigência do meu marido atencioso, usando um chapéu enorme, um biquíni indecente, também palavras dele, com algumas páginas do meu novo livro em mãos, contendo as observações do meu professor e agora agente, e no celular com a minha melhor amiga: Miranda.

– Tenho. Vai ficar perfeito!

– Alex pode não gostar muito da insinuação.

Olhei para o mar, identificando aquele corpo perfeito, coberto pela roupa preta colada, se equilibrando majestosamente em uma prancha.

E era todo meu.

– Ele disse que vai de professor, não é? Então? Vamos transformar o fato de seu marido ser um chato antiquado em uma brincadeira muito legal.

– Ele não é chato, muito menos antiquado. E até onde eu me lembro, ainda não insultei o seu “namorado”, ou será “rolo”?

– Ah, claro! E o que foi aquela conversa sobre o seu biquíni esta manhã. Se não queria que eu tivesse esta imagem, não deveria me contar os absurdos que ele fala.

Tive que rir. Alex realmente me surpreendia.

– Não sei, não, Miranda. Não é melhor pensarmos em outra coisa?

– Deixe comigo e não conte nada a ele. Vai dar tudo certo. Estou tão ansiosa.

– Por quê?

– Quero ver a cara de algumas pessoas, apenas isso.

Franzi o cenho. Como assim ela queria ver a cara de algumas pessoas?

– Tenho que desligar. Curta o seu “não sol” por mim. Beijos.

– Beijos.

Ri mais uma vez me lembrando do quanto Alex era absurdo com suas ideias de proteção.

Estava quente, apesar de ainda ser muito cedo para que a temperatura realmente incomodasse. O mar brilhava em um convite que eu teria que recusar. Não apenas porque tinha trabalho a fazer, também porque eu não tinha muito interesse em me aventurar na água sendo tão desajeitada. Certamente me afogaria no primeiro mergulho.

Lana havia enviado a última prova do livro e eu já tinha aprovado toda a revisão, além de ter deixado claro que eu precisava entregar a continuação o quanto antes. Por recomendação de Alex, eu estava trabalhando neste material.

Eu desconfiava que a insegurança quanto ao texto nunca me abandonaria. Olhando as observações do meu professor, sentia meu rosto arder. Eu tinha tentado ser mais ousada, seguindo a escrita de algumas autoras e, com isso, modifiquei um pouco o vocabulário antes trabalhado, o que, pelo visto, não agradou tanto ao meu marido. Este fator me deixava extremamente envergonhada.

Quando Alex insistiu em ler o que eu escrevia antes de estar finalizado, não consegui persuadi-lo a aguardar. Ele queria fazer parte do projeto, talvez acreditando que, assim, estaria me incentivando e apoiando, e eu não queria desestimulá-lo.

Suspirei, voltando ao início do material para começar a fazer as anotações necessárias, conforme as recomendações de Alex contidas naqueles papéis. Muitas páginas depois, senti uma movimentação ao meu lado, distraindo-me.

– Bom dia! Com licença.

Levantei a cabeça para encontrar um par de pernas cabeludas que seguiam até os shorts do macacão. Um homem alto, que se abaixava para conseguir ser visto devido ao guarda-sol, segurando uma prancha, cabelos curtos, escuros, lábios grossos, olhos negros e penetrantes e um sorriso que queria dizer muito mais do que realmente dizia, me olhava atentamente.

– Bom dia! – respondi completamente intrigada.

Olhei para os lados, conferindo a praia praticamente vazia e estremeci. O que aquele homem queria comigo? E por que sorria daquele jeito desconcertante, sem esconder a forma como seus olhos varreram meu corpo?

– Posso ajudá-lo?

Deixei os papéis de lado, tomando cuidado para colocar o protetor solar sobre as páginas para não perdê-las. Também preferi ficar com as mãos livres para o caso de ele ser um psicopata, um ladrão, um assassino... Santa imaginação! O cara era um surfista e, certamente, queria uma informação. Tentei não rir de mim mesma e mantive a expressão firme.

– Eu poderia deixar minha toalha com você? A praia está vazia, mas nunca se sabe, não é? – E continuou sorrindo, aguardando minha resposta. – Me sentiria mais seguro se pudesse voltar e encontrá-las aqui, me aguardando.

Encontrá-las. Não encontrá-la, referindo-se apenas à toalha. Ele usou o plural, inferindo que eu e a toalha estaríamos aguardando o seu retorno. Ansiosamente. Que idiota!

– É... Bom...

– Ela já está de saída.

Sobressaltei-me ao ouvir aquela voz forte, que facilmente dominava todas as minhas ações e sensações.

– Ops!

O rapaz levantou rapidamente e só então conferi as pernas cobertas pelo macacão preto que pertenciam ao meu marido. Levantei rapidamente colocando-me fora do guarda-sol.

– Perdão! Eu não sabia que já estavam de saída. Vou entrar no mar agora. – E seus olhos me percorreram descaradamente. Tive vontade de me cobrir com as mãos, principalmente quando vi o olhar do meu marido direcionado ao estranho. – Como estão as ondas?

– Perigosas – Alex respondeu em tom intimidador.

Estremeci. A ameaça estava explícita.

– Acho que vou arriscar.

O estranho piscou para mim e saiu. Achei que meu marido seria capaz de se voltar no mesmo passo para afogar o rapaz abusado. Então ele olhou para mim com olhos estreitos.

– Viu que eu te disse? – rosnou, fincando a prancha na areia.

– O que eu fiz?

Ele colocou a mão para trás para abrir o macacão, despindo-se sem deixar de me olhar com olhos acusadores.

– Alex, eu estava aqui lendo, quando ele se aproximou para me pedir...

– Para guardar a toalha. Eu ouvi. – Continuou carrancudo enquanto vasculhava minha bolsa em busca da sua própria toalha. – Não sei se existem muitos ladrões arriscando tudo por uma toalha e, se isso acontecesse, ele não passaria por nenhuma situação embaraçosa pela falta dela – ele falava e agia, demonstrando a sua raiva.

Suspirei.

– Eu falei que este biquíni era indecente.

Revirei os olhos e recebi uma carranca em troca.

– Ele mal cobre você, Charlotte!

– A ideia é esta. Biquínis devem ser pequenos. Aposto que você olhava, comentava e até paquerava as garotas que desfilavam seus biquínis mínimos aqui na praia, quando era solteiro.

– É muito diferente.

– Claro que é! – Comecei a arrumar as coisas, uma vez que Alex estava disposto a me manter escondida do mundo. – Eu não tenho culpa de ser o que sou. – Sorri, dando-lhe as costas. – Não provoquei ninguém, apenas fiquei aqui trabalhando em meu material. Se ele achou que podia tomar liberdades...

Ele me enlaçou pela cintura, colando-se a mim. A pele fria e úmida me fez estremecer.

Eu estava aborrecida, no entanto, preciso admitir que ser paquerada por outro homem, tão bonito quanto Alex, levantava minha autoestima e me fortalecia como mulher.

– Você não tem culpa de ser a delícia que é. – Beijou meu pescoço com seus lábios gelados. – Desculpe! Eu preciso aprender a domar meu ciúme. Esse cara deve ser um idiota para não enxergar a sua aliança.

Ri sem querer debochar dele. Minha aliança era mesmo algo gritante.

– Vai ver este foi o detalhe que o instigou.

Suas mãos me apertaram e eu ri com vontade.

– O que foi? Vocês não se gabam afirmando que as mulheres adoram homens de aliança? Vai ver o mundo está realmente mudando e agora os homens também preferem mulheres de aliança.

– Eu prefiro. – Sua mão fria em minha cintura fez uma pressão um pouco mais forte. – Prefiro uma aliança no seu dedo esquerdo com o meu nome grafado nela. Com certeza, você fica muito melhor com ela.

– Hum! – Fingi avaliar o anel em meu dedo. – Se eu soubesse disso antes, teria casado logo.

– E você hoje está cheia de gracinha. Venha, vamos dar uma olhada no que você anotou.

– Não.

Tentei passar à frente dele. Alex foi mais rápido, pegando os papéis e sentando na canga para avaliá-los.

– Você não pode sentir vergonha de me mostrar o seu material, Charlotte, afinal de contas, eu a estimulei a escrever mais profundamente todas as sacanagens que a sua mente pervertida criava.

Meu rosto esquentou consideravelmente e minha garganta ficou seca. Alex nem se atreveu a me olhar, simplesmente jogou aquelas palavras para cima de mim sem tirar os olhos do papel. Sentei-me ao seu lado, pegando a garrafa com água para aliviar meu estado.

– Você continua tendo dúvidas quanto ao vocabulário – ressaltou ainda sem me olhar.

– Mais ou menos. Na verdade, eu queria que você me explicasse por que não?

– Simples. – Deixou as folhas sobre o colo e me encarou. – Seu texto é mais sutil, mais romântico. Você fala de putaria sem perder a leveza.

Desviei os olhos dos dele e encarei minha mão.

– Viu? Você cora só com este meu argumento.

– Mas o texto não tem que ser necessariamente o que eu sou.

– Vá por mim, ganha muito mais sendo o que você é. Pelo menos para esta personagem. – E voltou a analisar o material.

– E quanto a ele? Homens não são tão sutis, tão leves.

Ele abriu um imenso sorriso.

– Fala sério, Alex! Você tem os seus momentos e eu sei que sempre está se segurando para não baixar o nível quando está comigo.

Ele riu baixinho.

– É diferente.

– Não, não é!

Ele voltou a me olhar e eu senti que havia um leve constrangimento em seu olhar.

– Mas o seu público é basicamente feminino. As mulheres normalmente idealizam o homem perfeito.

– E o homem perfeito não diz palavras como boceta e pau? – provoquei, sem conseguir evitar o rubor que só crescia.

Alex me encarou assustado, mas acabou rindo.

– Eu não sei, Charlotte. Homens reais dizem até coisas piores.

– Exatamente!

– Mas não para o seu público. – Ele ria e balançava a cabeça incrédulo.

– Você é um homem real ou um homem idealizado?

– Como assim?

– Bom... – Encarei o mar, com medo de perder a coragem. – Você não diz algumas palavras. Não quando está comigo. Mas pensa, tenho certeza.

– Penso – admitiu sem rodeios.

– Mas não diz – continuei provocando.

– Não, não digo. Não para você.

Por alguns segundos, ficamos apenas encarando o mar e deixando o silêncio criar uma parede entre nós dois.

– Por que não?

Ele se remexeu incomodado.

– Não sei. Não acho que você precise disso.

– De ouvir coisas como: vou comer a sua bocetinha?

– Puta merda, Charlotte! – Outra vez se remexeu incomodado.

Tomei coragem e olhei para o meu marido. Ele fez uma careta e não me olhou.

– Não tenho problema em dizer que quero chupar o seu pau.

Ele riu, passou a mãos pelos cabelos molhados e colocou os papéis de lado, tomando cuidado para colocar as sandálias sobre eles.

– Ou de pedir para você me comer todinha.

– Todinha?

Mordi o lábio inferior, entendendo a sua provocação. Nos encaramos. O azul daqueles olhos, que me sugava para um lago sem fundo, não me deixou escapatória. Sim, eu queria ser comida todinha. Ser fodida de todas as formas e em todas as intensidades. E tudo isso eu queria com aquele homem lindo que estava diante de mim.

– Sim, todinha – minhas palavras saíram lentamente e sussurradas. – Eu queria poder ouvir seus pensamentos quando você está dentro de mim. – Encarei a areia com vergonha de ter deixado aquele pensamento escapar pelos meus lábios.

– Você ficaria assustada – ele confessou sem quebrar o clima.

– Ou em êxtase.

Não tinha como voltar atrás. A conversa já tinha iniciado e nós precisávamos ir até o final.

Outra vez, o silêncio ocupou seu lugar, formando uma barreira palpável. Eu não gostava. Não queria que silêncio ou constrangimento nos impedisse de conversar. No entanto, foi Alex quem o quebrou.

– Neste momento, eu não paro de pensar em começarmos a utilizar os brinquedinhos novos.

Engoli em seco. Aqueles brinquedinhos. Os que derrubariam os tabus de uma vez por todas. Porra!

Meu sexo ficou úmido e, ao ter este pensamento, percebi que realmente eu era leve e suave, como Alex tinha me definido. Eu nunca pensava ou dizia que minha boceta estava molhada, que latejava de desejo, mesmo depois do amor delicioso que fizemos ao acordarmos. Para falar a verdade, eu corava só de pensar nas palavras.

Realmente, aquela não era eu.

Era bom, até sexy, imaginar o que ele pensava sobre mim, sobre nós, quando estávamos de maneira mais íntima. Esquentava meu corpo ter a certeza de que Alex tinha os pensamentos mais obscenos comigo quando sentia desejo. E eu queria saber o que era, queria conhecer os seus pensamentos, dividir, compartilhar aquela forma mais ousada de ele falar, nem que fosse por um instante, uma única vez.

Sim, era o que eu queria.

Olhei para Alex sem conseguir dizer nada. Seus olhos intensos descarregavam em mim todo o tesão daquela nossa conversa. Eu me sentia tocada da maneira mais íntima possível, com o mais puro desejo e luxúria, que era o que predominava naquele momento.

Deus! O que Alex faria comigo? E o mais importante: o que eu permitiria que ele fizesse?

Bom, sob aquele olhar tão forte e dominador, eu nunca conseguiria me negar a nada. Seria dele amplamente, de todas as formas e maneiras possíveis. Sorri timidamente. Porra, Padre Messias e a sua fiel carola jamais seriam capazes de imaginar o que a tímida e obediente ovelha do seu rebanho era capaz de fazer por aquele homem.

Eu seria expulsa do céu, com certeza, mas... valeria a pena.

Alex levantou, tirou a areia que cobria o macacão que ainda vestia as suas pernas, discretamente olhou ao redor e puxou a peça para fora do seu corpo, revelando uma sunga azul, que, por sinal, ficava fantástica nele.

– E eu estou com uma puta ereção. Ansioso para chegar em casa e te foder gostoso.

Seu olhar lascivo percorreu meu corpo, fazendo meu ar faltar. Sem conseguir evitar, conferi a veracidade das suas palavras e estava lá: uma imensa ereção, gloriosa, mal cabendo em sua sunga, cheia de promessas tentadoras. Meu rosto esquentou muitos graus acima da temperatura ambiente. Nem assim eu recuei.

Alex pegou sua bermuda. Um sorriso sacana brincou em seus lábios. Ele vestiu a peça, disfarçando a ereção vibrante e escandalosa, escondendo sua existência. Então me estendeu a mão, a qual aceitei sem nem pensar no assunto e, com isso, fui puxada para cima e esmagada em seu peito. Um grito assustado escapou dos meus lábios, Alex sorriu ainda mais.

– Assustada ou excitada?

Não consegui desviar os olhos dos seus, nem sorrir para amenizar o clima ou sustentar a brincadeira.

– Assustada – revelei com a voz fraca. – Excitada – completei, acompanhando a forma como seus lábios brincavam com o meu juízo quando se esticavam tão luxuriosamente. – E ansiosa.

Sua mão, que estava na base da minha coluna, me apertou mais, fazendo-me sentir o quanto meu marido me desejava.

Pensei que ele me arrastaria para casa imediatamente sem me dar alternativas. Aparentemente, essa não era sua intenção. Ele me beijou com volúpia, mãos, lábios, língua e pele demonstrando o quanto estava excitado, pronto para me derrubar naquela areia e me tomar para si sem nenhuma preocupação com o possível público.

Meu corpo inteiro correspondeu. Minha pele arrepiou, meus lábios se abriram em uma entrega atrevida, minha língua o seguiu como se não tivesse vontade própria, meu corpo amoleceu, esquentando sob aquelas mãos ágeis e habilidosas, minha mente deu um nó e eu já não sabia mais onde estávamos.

Ele afastou os lábios dos meus. Involuntariamente, gemi um protesto. Logo senti o calor da sua boca queimando meu pescoço, chegando a minha clavícula, alcançando meus ombros... uma tortura.

Porra, era, sim, uma tortura! Porque, ao abrir os olhos, me deparei com um mar imenso a nossa frente, pessoas andando, passeando com os filhos ou com os cachorros, casais mais bem-comportados do que nós dois, e eu só conseguia pensar em ignorá-los totalmente e continuar de onde paramos. Pouco importava se, no dia seguinte, saíssemos nos tabloides ou estivéssemos em um vídeo viral na internet.

Nossa! Deus me livre! Pensando assim, me forcei a parar. No fundo, eu ainda me importava com minha imagem e intimidade. Aliás, no raso, bem no raso.

E Alex continuava ali, as mãos quentes em meu corpo, os lábios sensuais em meu ombro, insinuando querer alcançar muito além, a respiração pesada, cortada e ansiosa.

– Alex! – gemi baixinho, lutando contra meu corpo.

– Hum?

Ele não se afastava. Pelo contrário, senti dedos firmes forçarem um contato maior, um roçar leve e discreto da sua ereção em minha barriga, os lábios voltando em busca da minha boca...

– Vamos para casa – consegui dizer, sentindo-me mais ousada do que o habitual.

– Não.

O quê? Eu não conseguia pensar direito e, definitivamente, aquela resposta não correspondia a nada do que eu imaginava.

– Mas...

Ele se afastou para me olhar nos olhos. Uma mão firme em minha nuca e um azul profundo e penetrante que me hipnotizava.

– Eu vou te levar para casa, Charlotte, mas com uma condição. – Ele permanecia sério, sem me libertar daqueles olhos que comandavam as minhas ações.

– Uma... – Engoli em seco. – Condição? – Percebi que meu ar faltava, ou eu não respirava corretamente por estar tão bêbada do seu olhar.

– Uma condição. – Ele aguardou até que eu ficasse bem quietinha para ouvir. – Vou te levar para casa porque estou fodidamente duro. Porque meu pau está latejando implorando por alívio e eu sei, e você sabe, que toda a minha ânsia só será saciada de um jeito.

– Um... jeito? – repeti automaticamente.

Eu parecia uma boba com os olhos arregalados, a boca semiaberta, falando como se fosse incapaz de compreender suas palavras.

– Eu quero te foder de várias maneiras.

Meu coração perdeu uma batida e o arrepio em minha espinha me alertou que aquilo poderia ser assustador. Alex passou o polegar em meus lábios, seus olhos me libertando por breves segundos enquanto acompanhavam seu dedo.

– O que... o que... – Forcei minha coragem. – O que pretende fazer?

Ele sorriu. Caralho! Era o sorriso mais lascivo que meu marido já conseguiu dar. Aquilo me desestruturou totalmente. Se eu já era dele, depois daquele sorriso, eu não tinha mais escapatória.

– Você quer saber como eu penso – concordei lentamente. – Bom... – Ele me soltou e se afastou minimamente. – Primeiro eu vou... – Umedeceu os lábios e olhou para os lados. – Não... vamos andando.

Frustração, ansiedade, tesão, uma necessidade sem tamanho me invadiu. Eu queria saber. Precisava saber, ao mesmo tempo, o mistério que nos envolveu, a vontade de ser surpreendida cercava a minha mente me conduzindo de acordo com os comandos do meu professor.

E eu realizaria todos os seus desejos.

Sempre.

– Vamos dar um mergulho?

Pisquei diversas vezes, me sentindo tonta pela mudança drástica de assunto. Um mergulho poderia ser uma promessa, porém eu sabia que algo tão público não condizia com a personalidade do meu marido... ou eu estava errada?

– Um mergulho?

E aquele sorriso estava lá outra vez.

Juro que, quando Alex sorria, os lábios esticados mais para um lado, os olhos azuis se fechando levemente, eu conseguia enxergar a porta do inferno, e ela nunca foi tão atraente.

– Você está bastante confusa hoje, amor.

Pigarreei, tendo certeza de que ele tinha razão, contudo, como não ficar quando protagonizava uma situação tão... excitante?

– Você me confunde.

– Eu? – Ele continuava sorrindo.

Naquele momento, se Alex me pedisse para eu ficar de quatro na areia, eu atenderia o pedido sem pensar duas vezes. Porra, como um simples sorriso conseguia ter um domínio tão forte sobre mim?

– A água está gelada – argumentei.

Ele revirou os olhos.

– Aposto que você nem vai perceber este detalhe.

Voltei a olhar ao redor. Não tínhamos um público tão ameaçador, somente algumas pessoas caminhavam pela areia.

– Alex! – Suspirei. Eu queria entrar naquela água e fazer tudo o que ele intencionava, mas... – As ondas estão fortes.

– Vai entrar ou não?

– Vamos molhar os bancos do carro e...

Ele me puxou pela mão e começou a andar me rebocando, como se eu fosse uma criança perdida.

– As nossas coisas... não é arriscado?

– Com certeza é. – E suas palavras demonstravam que ele estava pouco se importando com este detalhe.

– Ai, meu Deus, Alex! – gemi de expectativa e medo quando nossos pés encontraram a água gelada.

Parei por reflexo e, então, ele me carregou em seus braços e entrou no mar comigo sem fazer nenhum esforço.

Gritei me encolhendo em seus braços, sentindo nossas peles expostas coladas. Ri baixinho, me divertindo com a sua empolgação, e ele também riu, avançando sem parar até que ultrapassássemos as ondas e estivéssemos em um local mais profundo e calmo, balançado apenas por uma ou outra onda.

Alex me soltou e eu percebi que quase não alcançava o chão. Precisei me apoiar em seus ombros e suas mãos me envolveram rapidamente. Nossos lábios se colaram misturando os sabores ao sal do mar. Havia um pouco de cada coisa naquele beijo, a entrega, o amor, o desejo, o medo, a vontade de se deixar levar.

– Meu Deus, menina! – ele gemeu ao libertar minha boca. – Por que eu não consigo parar de pensar em te comer?

Seus dedos ultrapassaram a barreira do meu biquíni através da minha bunda, chegando bem perto do ponto, onde, eu tenho certeza, me levaria a não pensar mais em nada

– Porque você é um tarado incorrigível?

Ele riu e me beijou novamente, dessa vez sem a mesma profundidade de sentimentos ou prolongamento do desejo.

– Porque eu estou louca para ser comida? – arrisquei quando seus lábios se afastaram dos meus.

– Da forma como eu quiser?

Encarei o meu marido.

No mar, seus olhos ficavam ainda mais encantadores, sua pele bronzeada coberta por gotículas que escorriam dos cabelos molhados. Seus dedos experientes se aprofundando um pouco mais, fazendo-me puxar o ar com força. Ele roçou aquele ponto cheio de mistérios e expectativas e eu sabia o que Alex estava me propondo. Eu não seria capaz de responder.

Então ele mordeu meu lábio inferior e o chupou. Simultaneamente, seu dedo fez uma leve pressão em minha bunda e seu quadril se projetou para frente, esfregando sua ereção em mim. Involuntária ou voluntariamente, mas sem coragem para admitir tal fato, levantei uma perna, apoiando-a em seu corpo, dando a Alex mais liberdade para abusar de mim.

Excitada e ansiosa, me vi correspondendo àquele roçar leve e delicioso, friccionando meu sexo no dele e recebendo a carícia ousada dos seus dedos. Ah, merda! Será que de onde estávamos alguém conseguiria nos ver tão íntimos? Eu esperava que não, pois não queria quebrar aquele momento.

Alex me beijava com tanta voracidade que me fazia ter consciência de que estávamos em uma posição muito escandalosa sem me importar nem um pouco com isso.

– Não podemos transar aqui – eu disse mais tentando me convencer do que convencê-lo a se afastar. Ele afastou um pouco o rosto e sorriu. Um sorriso escandaloso.

– Não vamos – afirmou naturalmente, como se eu tivesse acabado de falar uma besteira. – Mas eu vou te fazer gozar aqui, Charlotte. Assim. Coladinha em mim.

Ele me virou, ficando de costas para o público e me deixando contra as poucas ondas que ainda nos alcançavam, o que só aumentava o nosso roçar indecente.

– Alex!

Porra, eu estava assustada, mas também, e principalmente, excitada. Mais excitada do que assustada, tanto que, em momento algum, hesitei, contestei ou me neguei. Eu queria que o mundo deixasse de existir apenas para que eu pudesse ter aquele orgasmo prometido pelo meu professor.

E, como se ele acreditasse que eu poderia realmente recuar, sua mão me puxou com força pela bunda, forçando um maior atrito entre os nossos sexos, enquanto a outra mantinha minha coxa suspensa e encoberta pelas águas, que, naquele momento, eram o nosso maior expectador, além de guardião daquele imenso segredo.

No mesmo instante em que fechei os olhos, recebendo da maneira mais plena possível os seus lábios nos meus, fui acometida pela comichão em minha pele, fruto de um toque mais íntimo e ousado dos seus dedos entre a minha bunda.

Caralho! Nos últimos tempos, ele se satisfazia em brincar daquela forma comigo. Até então, era apenas uma brincadeira mais ousada, um flerte entre o real e o imaginário, no entanto, à medida que intensificávamos nossa intimidade, aquela brincadeira se tornava cada vez mais séria e real. Uma promessa de ser atirada ao inferno ou levada ao céu.

Sentindo seu dedo me explorar ao mesmo tempo que sua mão me forçava a roçar em seu sexo duro, friccionando meu clitóris já sensível, nada me assustava, nem mesmo a ideia de ultrapassar uma barreira tão bem erguida e até então sólida. Quando Alex me tomava em seus braços e me conduzia ao prazer, eu acreditava fielmente que qualquer maneira apresentada por ele seria sempre a correta. E assim eu o seguia cegamente, como um discípulo segue o seu mestre.

Nossos lábios se devoravam e sua língua me impedia de pensar coerentemente. Com o balanço das ondas, o movimento do mar e sua mão me conduzindo, me permiti aproveitar aquele corpo incrível. Rebolei, me permitindo apenas sentir, e foi o que aconteceu, nossos sexos se esfregavam suavemente, mas com a pressão exata para me deixar ansiosa, minha bunda, sem que eu tivesse pudor, se abria e aceitava o toque, recebendo choques de prazer que me deixavam em êxtase.

Uma delícia!

– Charlotte! – ele gemeu ao desgrudar os lábios dos meus. – Eu quero que você goze assim. – Sua voz rouca me fazia avançar, me fazia aceitar e cumprir as suas ordens. – Preciso entrar aqui em você.

Seu dedo se afundou um pouco mais, indicando onde exatamente ele desejava estar. Senti a leve pressão em minha mente que tentava me fazer recuar sem conseguir grandes avanços, pois minha reação foi empinar um pouco a bunda e depois voltar a me esfregar em seu sexo rígido, mantendo seu dedo preso a mim.

– Ah, você vai gostar, amor.

Seu dedo se aprofundou mais e eu soltei um gritinho de prazer que não consegui conter. De olhos fechados, eu me entregava e sentia meu corpo ceder, conduzido pela voz forte e rouca de Alex, pelo delicioso roçar do seu membro no meio das minhas pernas. Meu corpo enviava ondas que me faziam arfar, eu sentia tudo esquentar, minha pele ser lambida pelo fogo do desejo, meu ar ficar rarefeito, meu coração acelerar.

Abri os olhos e me vi presa aos dele. Alex me encarava, os lábios semiabertos, as pupilas dilatadas, a expectativa presa em seu pulmão. Então, sem ter como evitar, eu gozei, jogando a cabeça para trás, deixando o prazer me consumir.


CAPÍTULO 09


“As palavras estão cheias de falsidade ou de arte. O olhar é a linguagem do coração.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


– Charlotte, seu pai já ligou três vezes! – Alex gritou pela enésima vez desde que eu me tranquei no closet para experimentar minha fantasia.

Sinceramente? Eu não conseguia pensar em como Miranda acreditou que eu usaria uma saia tão curta e meias tão indecentes, sem contar que aquele conjunto de calcinha e sutiã que ela, cuidadosamente, escolheu para mim era mais do que eu poderia imaginar ser necessário.

Quanto tempo eu tinha de casada para precisar ser tão ousada? No momento, estávamos na fase “nada de roupas” ou “transando o tempo todo”, então pensar em roupas íntimas ocupava um espaço muito pequeno da minha mente. Aquilo que minha amiga escolheu estava fora da realidade.

Sem contar que eu passaria toda a festa de formatura usando aquilo. E aquela calcinha certamente ficaria entrando em minha bunda e me incomodando mais do que eu poderia suportar. Se precisasse retirá-la no meio da festa, Alex morreria, ou me mataria.

No dia anterior, eu dei a Alex o seu primeiro momento frustração relacionado à nossa vida sexual. Sim, amarelei, e sim, tenho vergonha disso.

Quando voltamos da praia, eu parcialmente satisfeita e envergonhada pelo ato público, e ele ansioso para continuarmos, cheguei em casa receosa e, definitivamente, dei para trás em sua proposta. Lógico que ele tentou me persuadir de todas as maneiras, mas não teve jeito, eu não quis. Tive medo, receio, vergonha e todas as outras desculpas que uma mulher pode ter em um momento como este.

No entanto, não fechei todas as portas. Prometi que tentaria, que ele poderia, aos poucos, conquistar tal terreno ainda pouco explorado e assim, em outro momento, estando mais segura, poderíamos concretizar o ato.

Deus, tenho certeza de que toda mulher pensa um milhão de vezes antes de dar... antes de aceitar o sexo anal. Assim como sei que todas as que acabaram cedendo, por fim, gostam do que acontece. Mas ainda não era a hora, não para mim.

– Ele passou um dia inteiro sem se importar em como eu me senti com esta viagem fora de hora, então alguns minutos a mais ou a menos não vão matá-lo. Eu preciso de um tempo, Alex! – gritei respirando fundo para conter o rubor que tomava o meu rosto.

Certo. Eu não deveria ficar tão constrangida ao pensar em sexo anal com o meu marido. Porra, é o meu marido! Mulheres casadas fazem coisas para apimentar a relação, não? Sim, claro, se bem que, levando-se em conta o tempo que tínhamos de casados, aprofundando um pouco mais e pensando no tempo em que tínhamos de vida sexual é de, no mínimo, imaginar que muita coisa ainda poderia ser feita antes de chegarmos a este ponto, não é mesmo?

Meu problema era que eu queria. Não sei. Quer dizer... sei, sim. Eu queria quando ele me estimulava, quando me conduzia de modo a não me fazer temer ou recuar, quando meu corpo já estava quente e mole, entregue aos seus comandos, e não quando estávamos frente a frente discutindo o assunto.

Não dava para simplesmente dizer: tudo bem. E virar de costas para deixá-lo fazer o que bem quisesse do meu corpo. Se bem que... bom... a ideia de, sem mais nem menos, ser virada de costas e simplesmente... cacete, sim, assim eu aceitaria, mas sem precisar olhar em seus olhos e concordar. Era constrangedor demais.

– Vamos chegar atrasados para a sua própria formatura, amor! Eu sou professor da casa e devo incorporar o corpo docente. Não dá para chegar tarde.

– Já estou quase acabando.

Olhei-me mais uma vez no espelho e decidi deixar a camisa solta. Seria menos provocativo. Joguei a beca por cima, rezando para que meu marido não fosse muito curioso. Eu ainda precisava de um tempo para me acostumar à ideia de usar algo tão depravado.

Aliás, eu ainda precisava de algum tempo para muitas coisas, como aceitar o sexo anal, por exemplo. Também, e com menos importância, seria bem aceito um pouco mais de tempo para encarar meus colegas de faculdade, dentre tantas outras pessoas que estariam presentes, como esposa de Alex.

Céus! Ninguém nem fazia ideia. Eu era apenas uma aluna brilhante, uma garotinha rica, e assim poderia continuar se não fosse este detalhe. Eu chegaria naquela festa acompanhada do professor mais desejado por todas as turmas, por todas as garotas que já cruzaram o seu caminho naqueles corredores. E não apenas como a sua mais nova namorada. Porra, eu entraria metendo o pé na porta, porque estava casada com aquele homem e não tinha como voltar atrás nem esconder nada.

Não que eu quisesse, mas... última olhada no espelho e... tudo bem, minha fantasia não era tão depravada assim e, levando-se em consideração as minhas colegas de curso, certamente muitas estariam no mesmo nível. O problema era que eu não estava acostumada a me expor tanto. Minhas roupas sempre foram confortáveis e sempre, sempre mesmo, buscavam apenas a minha aprovação, nunca a dos outros. Por isso, saber que naquela noite eu seria alvo da atenção de outras pessoas, além de mim e do meu marido, me deixava incrivelmente envergonhada.

Eu devia estar louca quando concordei com Miranda.

Abri a porta e o encontrei com uma cara contrariada. Seus olhos percorreram meu corpo, deixando claro o fato de não entender o motivo de tanta demora, afinal de contas, era apenas a roupa tradicional de formatura. Permiti-me observar meu marido com mais atenção. Ele vestia um terno completo, cinza-escuro. Sobre ele estava um guarda-pó, típico dos antigos professores. Levava no bolso duas canetas e óculos de grau, que eu sabia não serem de nenhuma utilidade, mas que combinavam perfeitamente com sua fantasia.

– Pronta?

Olhou para minha maquiagem muito bem feita depois de longas horas em um salão de beleza, também recomendado pela minha amiga. Seu sorriso tímido suavizou a expressão preocupada e eu pude ver o brilho de satisfação em seu olhar.

Eu tinha me submetido a uma hidratação completa e, quando digo completa, é completa mesmo, então cada parte do meu corpo estava mais macia, gostosa e com certo brilho. Até mesmo meus cabelos se comportavam e os grossos cachos, artificialmente projetados e endurecidos, que desciam pelas minhas costas, estavam em seu devido lugar.

– Você está linda, Charlotte! – Aproximou-se, sem me tocar, nem ousou me beijar. – Estou muito orgulhoso, amor! E feliz por poder comemorar este dia ao seu lado.

Estendeu para mim uma caixinha de veludo na cor preta. Sorri, aceitando o presente e provoquei meu marido.

– Uma caneta dourada com o meu nome gravado?

– Hum! – Ele fez uma carinha linda. – É um pouco mais do que isso.

– Que pena! Eu realmente precisava de mais uma caneta dourada.

A caixinha preta continuava em minha mão e eu podia sentir a ansiedade do meu marido. Avaliei o peso e o tamanho. Poderia ser uma joia, afinal de contas, era um presente de formatura. Desisti de adiar, já que estávamos mesmo atrasados, mas, quando abri, não consegui acreditar. Tenho certeza de que meu rosto demonstrou toda minha confusão. Era um chaveiro. Um lindo chaveiro, a bem da verdade, mas, definitivamente, não era o que eu esperava.

Com cuidado, retirei o pequeno objeto da caixa para melhor avaliá-lo. Era em formato de livro, não de uma forma qualquer, era um pequeno livro, com entradas que davam a entender serem as páginas começando a se abrir e, cada uma, em sua mínima dimensão, possuía um brilho discreto, perceptível apenas quando movimentada, onde pequeninas pedras, muito pequenas mesmo, adornavam a sua lateral.

Segurei o chaveiro pela ponta, no espaço onde seria colocada a chave, e vi que havia algo escrito na capa. Aproximei o objeto do rosto e lá estava gravado o título do meu livro, o mesmo que tinha me levado àquela loucura toda, que tinha colocado Alex em meu caminho e que, naquele momento, me levaria a minha realização profissional, ao sonho de uma vida. Estava o título, e um acréscimo. No final, em letras cursivas, estava “Por toda a vida. Amor, Alex”. Respirei fundo para evitar as lágrimas.

– Alex, é lindo! Obrigada!

Ele sorriu como se meu comentário tivesse sido inocente demais.

– Falta só uma parte – comentou sem alterar a voz ou o semblante.

– Uma parte?

– Sim. Já está pronta? Falta mais alguma coisa? – Olhou para os lados procurando algum detalhe. – Sua bolsa...

– Na cama – respondi confusa.

O que meu marido estava aprontando?

– Então vamos. Sua mãe está eufórica e todos já chegaram, se demorarmos mais um pouco, vamos perder a entrada dos formandos.

Segurando-me pela mão, ele conseguiu me tirar do quarto, descemos as escadas e seguimos em direção à porta, sem nada falarmos e sem parar. Alex olhava em frente, como se quisesse evitar me olhar ou dizer alguma coisa e eu continuava me perguntando o que tanto ele escondia.

Assim que trancamos a porta, eu pude ver o imenso carro preto. Ele era do tipo que eu gostava, alto, com muito espaço, vidros esverdeados, que talvez não fossem os mais seguros, mas que davam certo charme ao carro e me agradavam demais. Os bancos de couro claro, do lado de fora não dava para saber exatamente a cor, deixavam tudo mais bonito. Ele era lindo!

Ele virou em minha direção e sorriu. Aquele mesmo sorriso que me acusava de ser inocente demais e me deixava envergonhada. Não tive como evitar a pontada de saudade que sentia do meu velho carro, que já estava na oficina há dois dias, deixando-me de carona com Alex o tempo todo. Uma verdadeira humilhação.

Johnny havia dito que estava complicado conseguir a bendita peça e que o melhor a fazer era vender para o ferro-velho, e claro, ele levou um belo soco no braço. Eu podia desistir de fazer o estilo garota que não se importa com o dinheiro do pai, comprar um carro mais moderno, como aquele novo do meu marido, e deixar a velha mania de lado.

No entanto, eu amava o meu carro, amava o orgulho que sentia todas as vezes que o ligava e me lembrava de que ralei em trabalhos secundários para juntar a grana e comprar, pelo menos uma vez na vida, alguma coisa com o meu próprio dinheiro. E eu tinha comprado logo um carro, o sonho de qualquer jovem.

– Trocou de carro? – Desviei meus pensamentos na tentativa de entender o motivo de Alex precisar trocar de carro quando o dele ainda estava em perfeito estado.

– Eu não – continuou sorrindo enquanto procurava alguma coisa no bolso do paletó. – Você. Feliz formatura! – E levantou a chave em minha direção.

Sem entender o porquê, dei um passo para trás, me afastando dele.

– Alex!

– É seu. É um presente, Charlotte.

– Por quê?

Ele me olhou sem entender e abaixou a mão que estendia a chave em minha direção.

– Qual é o problema? É apenas um presente.

– Não é apenas um presente, é um carro. Um carro muito caro.

– E daí?

– E daí que não era necessário!

Ok! Eu sabia que estava sendo dramática demais, afinal de contas, dinheiro não era problema para nenhum de nós dois e Alex não era um louco que saía gastando o que não tinha, então, se ele estava me dando aquele carro de presente, era porque podia fazer isso sem maiores sacrifícios. O que me afligia era o fato de tudo acontecer rápido demais. Namoramos rápido demais, casamos mais rápido e agora ele trocava o meu carro com apenas poucos dias de casados.

Eu poderia ter um pouco mais de dignidade neste relacionamento, não?

– Charlotte. – Ele respirou fundo, buscando paciência.

Eu detestava isso nele. Saber que eu era infantil o suficiente para fazê-lo precisar respirar fundo me atingia de uma forma impossível de controlar.

– Seu carro precisa de descanso. – Sorriu de maneira contida, como se quisesse controlar a piada. Fechei a cara.

– Eu comprei o meu carro com meu próprio dinheiro e me orgulho muito disso.

Alex ficou sério e me encarou.

– Você é... estranha.

Engoli em seco. Como assim estranha? Alex balançou a cabeça para reorganizar os pensamentos e, muito rápido, me envolveu com seus braços, me apertando junto a ele.

– Você me deixa confuso, Charlotte. Não sei como agir nem o que fazer. Uma garota, filha única, amada exageradamente pelos pais, mimada ao extremo, herdeira de uma enorme fortuna, agindo de uma forma tão simples, desprovida de luxo, com valores que não condizem com a sua realidade, me deixa extremamente confuso. Eu só queria... não sei... sinto um orgulho imenso em saber que você é assim, que luta pelo que quer sem se aproveitar da sua posição, que não acredita no que o dinheiro pode nos proporcionar apenas porque seu único desejo é ser você mesma e isso é tão lindo e incrível e sensível da sua parte que me confunde cada vez mais. Eu não sei... só quero poder cuidar de você, amor. Te dar uma vida confortável, mesmo sabendo que você mesma pode se proporcionar isso, então... só... me deixe cuidar de você, como o marido que eu quero ser, o companheiro que você precisa. Por favor! Pelo menos enquanto o seu carro estiver impossibilitado de transitar.

Fiz uma careta sem me preocupar em parecer feia. Meu carro não transitaria tão cedo e ele sabia muito bem.

– Encare como um substituto temporário, somente para quando o seu carro quebrar.

Só então percebi que minha respiração ficou suspensa durante aqueles segundos em que Alex se declarava. A sua intensidade e necessidade de ser algo que realmente valesse a pena para mim me comoveu profundamente. O que importava se ele estava me dando um carro caro enquanto o meu ainda poderia ser útil para minhas necessidades? O que importava se o que eu possuía em apenas uma das minhas contas, das inúmeras que meu pai insistentemente abriu para mim, daria para comprar até cinco daquele mesmo modelo? O que importava se eu tinha um limite rígido de gastos socialmente correto e que aquele carro ia contra todos os meus princípios? Ele só queria cuidar de mim, então por que não? Era apenas um carro caro.

– Ele é lindo, Alex! Obrigada!

Enlacei seu pescoço com meus braços e o puxei para o meu melhor beijo, deixando transparecer o quanto ele me fazia feliz. Era apenas um carro caro. Repeti insistentemente em minha mente até que meu corpo começasse a se esquecer do problema e apenas se concentrasse naquelas mãos quentes que seguravam a minha cintura.

– Eu amo você! – ele sussurrou assim que nossos lábios se desgrudaram.

– E eu amei o carro novo.

Sorri, acompanhando o seu sorriso de homem orgulhoso.

– Imaginei que isso aconteceria. Não vá se acostumando. Onde está o chaveiro?

Entreguei a ele enquanto me aproximava mais do veículo. Alex tratou de colocar a chave e, sem muita conversa, me entregou para que eu pudesse guiar até o local da cerimônia.

– Onde está a sua fantasia?

Colocou o cinto de segurança e ficou me observando ligar o carro.

– Aqui mesmo.

Apontei para mim e, depois de um breve segundo de silêncio, ele falou.

– Vai se fantasiar de formanda?

– Mais ou menos. O senhor precisará esperar, professor Frankli.

Então entendi que aquela fantasia fazia todo sentido.


ALEX


Por um instante, pensei que teríamos mais desentendimentos. Charlotte era uma incógnita. Eu não conseguia adivinhar se minhas atitudes causariam um momento de maturidade ou simplesmente uma ofensa capaz de estragar a nossa noite. Mas ela estava lá, dirigindo seu carro novo, sorrindo de tempos em tempos e demonstrando satisfação com cada avanço na estrada.

Claro que minha esposa não precisava saber que o carro era blindado, muito menos que esta foi uma exigência de Peter, e pago por ele também, o que era uma droga sem tamanho. Com certeza, este detalhe poderia ficar para outro momento, afinal de contas, nós já tivéramos o suficiente de sua intempestividade.

– Eu estava pensando... – ela disse sem tirar os olhos da pista.

– Ah é?

Sorri e Charlotte me olhou rapidamente com aquela cara de ofendida. Desviei os olhos, segurando o riso.

– Vamos chegar juntos?

– Acho que agora é um pouco tarde para pensar sobre isso, amor.

Meu sorriso ficou ainda maior enquanto ela se encolhia no banco.

– Nós somos casados, Charlotte, e eu não pretendo esconder de ninguém. – Coloquei minha mão em sua coxa, sentindo um volume de tecidos por baixo da sua roupa de formatura. Minha esposa ficou tensa. – O que você tem aí embaixo?

Ela retirou minha mão rapidamente.

– Muito ansioso, professor! Por enquanto, apenas mantenha essas mãos bobas longe de mim.

– Tudo isso só para que eu não descubra qual é a sua fantasia?

– Não. É para que eu não perca a cabeça e estrague tudo antes da hora.

Ri, saboreando a expectativa.

– Se a sua ideia era me deixar louco, conseguiu. Nem sei o que tem escondido aí embaixo, embora saiba exatamente o que este mistério está fazendo comigo.

Peguei a mão da minha esposa e coloquei em meu pau já desperto.

– Alex! – ela me censurou com um misto de gemido e repreensão que me animou ainda mais.

– Até eu saber o que você está vestindo, vou ficar assim.

– O que será um tanto quanto embaraçoso.

– Então você poderia facilitar meu lado.

Ela abriu um sorriso lindo e depois mordeu o lábio inferior.

– Não acho que o que eu estou vestindo irá ajudá-lo, professor.

– Isso não é nem um pouco justo, aluna. – Voltei a colocar a mão em sua coxa, subindo em direção ao meio das suas pernas.

Charlotte me deu um tapa na mão e me afastou novamente.

– Paciência, esta é a maior virtude de um bom professor.

Respirei fundo e tentei mudar o rumo dos meus pensamentos.

Droga! Eu estava tão animado com todas as nossas possibilidades que nem a frustração da negativa da minha esposa diminuiu minha excitação, só de pensar em um possível sim, um dia, no futuro, me deixava aceso. Era melhor desviar meus pensamentos para outra coisa. Me ajeitei no banco, sentindo meu pau protestar, e me concentrei na estrada.

– Estou louco para encontrar João Pedro, ele disse que eu nem conseguiria imaginar a fantasia que vai usar.

– Lana me disse que ia de princesa.

Fiquei sem entender. Por que João Pedro ficaria tão empolgado com uma fantasia de príncipe?

– Bom... vai ver ele acha que ser príncipe é algo muito legal.

Ri e troquei a música que estava tocando.

– Ser príncipe é bem legal – ela me repreendeu, mas também deu risada.

– Nem consigo imaginar o que ele está aprontando.

Chegamos ao local da formatura e muitas pessoas já desfilavam pela frente, ostentando fantasias de todos os tipos. Os formandos, com certeza, já estavam organizados do lado de dentro, ensaiando os últimos detalhes para a cerimônia. Charlotte manobrou, entrando em um estacionamento privativo onde um manobrista já aguardava. Ela desligou o carro, sem descer de imediato.

– Não precisa ficar nervosa, amor. Vai dar tudo certo.

– Nós praticamente não fomos nem namorados, como podemos aparecer como marido e mulher? As pessoas vão ser maldosas. Não sei como agir.

– Como a mulher corajosa que você é. Vamos, o manobrista já está impaciente.

Ela me olhou por um tempo, logo concordou e, me puxando para um beijo onde procurava segurança, se armou de coragem e desceu.

Nos encontramos em frente ao veículo e, de mãos dadas, saímos para o evento. Charlotte não demonstrou medo ou arrependimento, nem mesmo quando alguns grupos de alunos de outros cursos ou semestre se viravam para nos encarar. Ela se manteve firme, a mão na minha, sorrindo para todos os que se atreviam a nos cumprimentar.

Tenho que confessar que fiquei orgulhoso da minha esposa. Ela era incrível!

Assim que entramos no salão principal, Miranda surgiu, ansiosa demais, com aquele olhar de quem me mataria se eu tentasse impedi-la de levar a minha esposa para longe. Charlotte ainda me lançou um olhar de súplica, infelizmente, eu nada poderia fazer. Ela precisava realmente se juntar ao grupo.

– Vejo você em breve.

E nem deu tempo de beijá-la. Rapidamente, minha esposa foi levada pela mão, comigo apenas admirando-a.

– Ela está linda – Peter chegou por trás, sobressaltando-me. – Como estão as coisas?

Apertamos as mãos sem que eu deixasse de notar o seu smoking elegante e a máscara que levava, seguindo o mesmo padrão negro.

– Está tudo bem. Ela passou o dia mais preocupada com a formatura do que com o sumiço de vocês. Como está Mary?

– Melhor. Achei melhor que ela poupasse energia, por isso a deixei sentada junto com seus pais.

Corri os olhos pelo auditório procurando-os.

– Professor? – Por um segundo, não entendi o que Peter falava até que me dei conta da minha fantasia. – Muito original. – Ele riu e eu me perguntei se estava realmente fazendo uma piada.

– Não gosto muito dessas coisas.

Seu sorriso ficou ainda maior, chamando a minha atenção.

– Pelo menos você não está vestido de sapo.

– E por que diabos alguém se fantasiaria de sapo?

Foi quando eu entendi o motivo da sua risada. Junto ao grupo em que nossa família formava, estava o ser inacreditavelmente ridículo. Não. Ridículo era pouco. O que João Pedro pretendia vestindo aquela roupa absurdamente esquisita?

– Graças a Deus, Charlotte casou com você.

Peter riu livremente fazendo-me rir também.

Caminhamos na direção deles e meu amigo fez questão de me receber esbanjando alegria por ser o centro das atenções, sem contar que, com certeza, era a fantasia mais brega da festa.

– Sapo?

Ri ao apertar a sua mão, sem conseguir tirar os olhos daquele capacete verde que sustentava olhos grandes e redondos, onde uma boca imensa se abria para dar passagem ao rosto do meu amigo. Era muito estranho! Notei que minha irmã, devidamente vestida de princesa e, diga-se de passagem, ela estava linda naquela fantasia, de cara emburrada e braços cruzados enquanto fingia ouvir a conversa entre minha mãe e minha sogra.

– Ah, cara, esta é “a fantasia”. Vá por mim.

E seus olhos correram o auditório para parar em um grupo de alunas que sorriam e acenavam em sua direção.

– Por que Lana está tão chateada?

Ele voltou a me encarar e logo parou de sorrir.

– Algumas alunas adoraram minha fantasia.

Entendi. Lana estava com ciúme.

– Três perguntaram se eu queria um beijo para desencantar.

– Não! – Fiz uma careta. – Sério que alguém ainda pensa em te beijar vestido assim? É muito mau gosto.

Ele me deu um soco no braço e olhou para a esposa.

– Ela está linda, não está? Minha eterna princesa. – Sorri. João Pedro ainda era o mesmo bobão apaixonado que só tinha olhos para a minha irmã. Ainda bem! – E Charlotte?

– Já está com o grupo de formandos.

– Ela está fantasiada de quê? Por falar nisso, sua fantasia está ridícula!

– Ah, eu não tenho o mesmo bom gosto que você, príncipe do brejo.

– Eu jamais seria previsível, Alex. Professor é tudo o que você é, e em tempo integral. – Sorriu, insinuando a minha situação com Charlotte.

Foi a minha vez de socá-lo no braço.

– Onde está Patrício?

Fui até a minha mãe, que me olhava ansiosa demais. João Pedro resolveu que era hora de ficar com a esposa e acalmá-la.

– Ainda não chegou. – Ela me deu um beijo no rosto e sorriu. – Você está ótimo!

– Mary, como está?

Foi impossível não notar o quanto minha sogra estava debilitada. Ela permanecia sentada e o semblante era de cansaço. Como Peter tinha dito: havia pouco tempo agora. Não consegui evitar a tristeza.

– Estou ótima! – Sua voz fraca indicava o contrário. – Como não estar bem quando sua única filha consegue se formar no curso que sonhou a vida inteira? A realização dela é a minha.

– E a minha.

Mary sorriu com brilho nos olhos. Ela era uma mulher linda, apesar de estar magra e abatida.

– Onde ela está? – Procurou a filha com os olhos cansados.

– Já se juntou aos colegas.

Sentei-me ao seu lado decidido também a fazer de tudo para que a sua noite fosse perfeita.

Por ela e, principalmente, por Charlotte.


CAPÍTULO 10

 

“O rosto enganador deve ocultar o que o falso coração sabe.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


Arrumei minha beca pela milionésima vez. Percebi que aquela era a única maneira de fingir que não estava percebendo os olhares curiosos que, de tempos em tempos, caíam sobre mim. Olhar para cima, fingir impaciência e saltitar também ajudavam um pouco, mas não o suficiente para evitar o questionamento que logo me atingiria.

– Vocês estão namorando?

Respirei fundo. Estava começando e não havia como voltar atrás.

Cinco garotas que estavam na minha frente na fila para subir ao palco se viraram em minha direção assim que Cristina, a garota que estava atrás de mim, se atreveu a me fazer a pergunta de um milhão de dólares. Engoli em seco ao me sentir fuzilada por olhos ansiosos e invejosos.

– Nunca os vi juntos, pelo contrário.

Uma delas, para quem não me atrevi olhar, começou a falar o que eu tanto temia. Procurei Miranda, mas ela estava longe, conversando com dois professores e cuidando dos últimos preparativos para a nossa entrada.

– Ele é um gato!

Virei em direção a Michely, uma garota que adorava usar roupas decotadas e se insinuar para os professores. Ela me media de cima a baixo sem nem tentar disfarçar.

– Nunca imaginei que qualquer aluno pudesse ter uma chance com o professor Delícia. – E passou a língua nos lábios como se estivesse saboreando meu marido.

Senti o sangue ferver.

– É bom saber que ele não é tão rígido assim.

Elas riram enquanto Cristina deixava claro que tentaria a vez dela naquela fila.

– Ele foi o seu orientador, não? – Rafaela, uma garota ruiva que mais parecia uma cenoura ambulante, se intrometeu.

– Foi, sim – Michely respondeu por mim, me deixando ainda mais irritada. – Foi assim que conseguiu se aproximar?

– Essa coisa de professor não poder se envolver com alunas é realmente muito ultrapassada. Eu mesma já fiquei com um professor quando estava no colegial – Cristina revelou, fazendo-as rir. – Foi muito bom!

– Ele é bom de cama? – Rafaela me provocou e eu pensei que iria explodir. – O cara deve ter uma pegada de tirar o fôlego de qualquer uma. Já viu como seus braços são musculosos?

– Uma vez o encontrei na praia. Ele estava surfando. Que corpo! – Gabriela, a que até então estava calada só observando as amigas enxeridas, resolveu se manifestar.

Então Alex podia se exibir na praia para as suas alunas, mas se achava no direito de brigar por causa do meu biquíni. Nós teríamos “aquela” conversa. Com certeza. Piorava muito quando a aluna em questão era Gabriela, uma morena dona de um corpo incrível. Eu mataria Alex!

– E, então, é namoro mesmo ou vocês são só ficantes? – Rafaela não deixaria barato e não dava mais para ignorar.

– Ficantes com toda a certeza – Michely afirmou, como se eu não fosse capaz de conquistar alguém como o meu marido.

Fazer o quê? Até pouco tempo atrás, eu mesma não acreditava que poderia.

– O professor Frankli não é homem de uma mulher só. – E me encarou zombeteiramente.

– Na verdade... – comecei a falar e elas rapidamente se calaram para prestar atenção ao que eu diria.

Foi ridículo, mas, naquele momento, me sentia tão forte, tão maravilhosa e perfeita, por que não dizer, superior, que achei o máximo esfregar a minha aliança na cara de cada uma delas.

– Nós estamos casados.

Quase ri quando o queixo de Rafaela caiu. Levantei a mão e mostrei minha enorme aliança.

– Não! – Cristina falou alto demais segurando minha mão e aproximando a aliança do rosto. – Tem o nome dele gravado?

– Claro! – Retirei a joia e, sem deixar que saísse da minha mão, virei-a para mostrar o nome do meu marido gravado em letra cursiva. – E hoje ele me deu um carro de presente de formatura, não é lindo? Meu marido é mesmo muito atencioso.

Ergui a sobrancelha, desafiando-as a continuar.

– Ele te deu um carro de presente? Há quanto tempo vocês estão juntos? – Rafaela cruzou os braços me encarando sem acreditar.

– Tempo o suficiente para fazê-lo implorar pelo casamento.

Miranda chegou sem que eu tivesse percebido e, como não podia deixar de ser, minha amiga conseguiu calar todas as que ainda ousavam se aventurar por aquele assunto.

– Alex é perdidamente apaixonado pela Charlotte, uma prova disso é ele estar, neste momento, se dobrando em atenções com a sogra, além de, é claro, presentear minha amiga com um supercarro e se deixar ser conduzido por ela sem se importar com as línguas afiadas e os olhares invejosos que ele, com certeza, sabia que encontrariam por aqui. Agora, vamos nos organizar porque iremos ser chamadas dentro de alguns instantes. Cada uma tomando conta da sua vida e cuidando para não tropeçar na própria língua e quebrar a cara antes da formatura. Normalmente eu não me importaria com isso, afinal de contas, muitas pessoas precisam ter a cara quebrada para aprender certas coisas. No entanto, hoje, exclusivamente hoje, eu quero que tudo esteja impecável, pois é o meu baile de formatura e quero que tudo saia perfeito.

– Por falar nisso, Miranda, qual foi o seu trabalho de conclusão de curso? – Rafaela continuou provocando.

– Foi aquele chamado “não é da conta de ninguém”, conhece? Trate de voltar para a fila ou vou te expulsar do baile por desacato.

Segurei o riso e me comportei para dar o exemplo, mas minha vontade era de aplaudir a minha amiga.

Com cara de quem não estava gostando nem um pouco, Rafaela e todas as suas amigas enxeridas se posicionaram na fila sem acrescentar mais nada. Sorri satisfeita. Elas não perdiam por esperar.

Rapidamente, o reitor e mais dois professores subiram para anunciar o espetáculo que seria a nossa formatura. Eu não conseguia me imaginar como alguém com ativa participação, mas gostava da ideia de ter chegado até ali. Era a realização de um sonho e eu sabia que este estava cada dia mais completo. Eu tinha uma editora, um marido apaixonado, uma família que amava. O que mais poderia querer? Nada.

Foi pensando assim que consegui sustentar um imenso sorriso durante toda a cerimônia. Falei os textos ensaiados para serem ditos em conjunto no momento em que solicitado, aplaudi cada pessoa homenageada, levantei e sentei todas as vezes necessárias e, o tempo inteiro, encontrei os olhos marejados da minha mãe, os orgulhosos do meu pai e os apaixonados do meu marido.

Aguardei pacientemente o momento em que meu nome foi chamado, fiz o meu juramento, recebi o anel de bacharel, ergui o canudo na direção dos meus familiares e sorri largamente tentando conter as lágrimas. Eu tinha sobrevivido. Apesar de toda a tempestade que havia se instalado em minha vida nos últimos meses, como o medo de não ter meu projeto aprovado, a proposta escandalosa que me vi obrigada a fazer ao homem que se tornou o amor da minha vida e à perseguição de Anita, eu tinha vencido.

Talvez tenha sido pela emoção do momento, enquanto olhava de tempos em tempos para a minha amiga Miranda, que também sorria emocionada, que não prestei atenção quando meu nome foi chamado novamente. Sem conseguir entender, fui retirada do banco por mãos que não consegui identificar e colocada de pé, só então entendi que deveria caminhar até o reitor e, ainda sem conseguir me situar sobre o que deveria fazer, recebi de suas mãos uma placa dourada e todos levantaram aplaudindo.

– É um orgulho, para esta instituição, ter uma aluna como você, Charlotte Middleton. Coroamos a sua formatura com Honra ao Mérito.

Senti uma lágrima solitária escapar quando ele saiu da frente do microfone, dando-me passagem. Paralisei.

Não estava acostumada a falar em público, aliás, este era o meu grande problema. Adorava escrever, amava criar situações fascinantes, saber que provocaria o público, mas, falar para uma plateia não estava em meus planos. Por isso, olhei na direção em que a minha família estava e busquei aqueles olhos que sempre me faziam esquecer o restante do mundo. Foi para ele que eu falei.

– Boa noite – comecei timidamente. – É uma surpresa esta homenagem. – Sorri sem saber o que seria importante dizer. – Nunca pensei que poderia assumir uma profissão diferente. Desde cedo, eu soube que escrever era a minha vocação. O curso que escolhi me deu todas as bases, além de me iniciar nos sabores do caminho que escolhi trilhar. Foram anos que aproveitei com muita intensidade, me realizando a cada semestre e concretizando o que sempre acreditei, porém nada do que aconteceu no meu último semestre estava previsto. Eu nunca esperaria por tantos acontecimentos. – Sorri para Alex, que sorriu de volta com cumplicidade. – Hoje encerro minha participação nesta instituição sentindo-me completa. Segura da minha capacidade. Seria injusto agradecer a uma única pessoa. Cada professor foi um tijolo, cada amigo o cimento e a minha família a mão necessária para a construção desta realidade. Eu preciso agradecer especialmente a minha mãe, por nunca duvidar, nunca olhar para mim como se fosse apenas um capricho, por me entender e estar ao meu lado, lutando comigo para que este sonho se tornasse realidade. Ela representa a minha família. Minha amiga Miranda, por entrar neste curso junto comigo, somente para garantir que tudo daria certo. – Olhei para a minha amiga, que, discretamente, enxugou uma lágrima. Seu sorriso estava imenso. – E deu. Ela representa cada colega que esteve comigo ao longo destes anos. E devo agradecer ao meu marido, professor Alex Frankli, por ter me desafiado, me torcido até conseguir extrair de mim o que havia de melhor. Sem você, eu até conseguiria, só que não de maneira tão perfeita. Obrigada por representar tão bem o corpo docente desta universidade e por nos engrandecer com a sua tão honrada presença. Obrigada!

Afastei-me do microfone recebendo os aplausos da plateia. Ainda consegui ver a emoção da minha mãe, porém nada se igualou ao sorriso orgulhoso do meu marido, que, de pé, me aplaudia sem parar. Sorri e acenei antes de me juntar aos meus colegas.

Ainda aguardamos por vinte e cinco minutos até que todos os funcionários fossem homenageados, ouvindo todos os agradecimentos e cantando o hino escolhido para o encerramento do nosso curso, até que, finalmente, pudemos jogar os chapéus para cima, festejando o final daquela etapa.

Assim que fomos liberados, pudemos sair para nos arrumarmos para o baile. Todos os convidados foram encaminhados para o salão principal, onde as mesas estavam dispostas e o cerimonial já começava o seu serviço. Miranda conseguiu me interceptar e fomos juntas para as salas reservadas especialmente para que as fantasias fossem trocadas, ou para os seus ajustes finais.

– E aí? Deu tudo certo?

Ela estava mais animada do que o normal.

– Sim, mas achei que a fantasia está muito provocante. Alex pode não gostar muito – sussurrei com medo de alimentar a fofoca causada pelo meu casamento com um professor.

– Deixe de bobagem, ele vai adorar! – Piscou, me ajudando a levantar a beca.

Olhei para os lados, sentindo-me constrangida pelas meias brancas que subiam até um pouco acima dos joelhos.

– Eu trouxe duas coisinhas que vão apimentar a sua fantasia, antes...

Ela parou um pouco e levantou a própria beca, revelando um vestido vermelho idêntico ao da personagem que ela queria representar junto ao seu namorado. Seu corpo, devassamente desenhado naquela peça, deixava-a ainda mais linda. Miranda retirou uma sacola de um dos armários, dispostos para armazenar o que os alunos precisassem, e encontrou as luvas que cobriam quase todo o braço. O penteado escolhido completou o visual. Ela seria, com toda certeza, o centro das atenções da festa.

– Prontinho. Eu já estou completa, quanto a você... – Me observou, fazendo uma careta. – A ideia é ser sensual, Charlotte!

– Não posso ousar tanto estando na frente dos meus sogros e meus pais.

Porém, ela já estava com as mãos em mim, puxando a camisa branca para cima, abrindo os botões de baixo e fazendo um nó acima da minha cintura, revelando demais.

– Perfeito! – Riu empolgada. – Eu sabia que você ficaria divina com esta fantasia. Esse seu ar inocente, apimentado com uma safadeza quase que totalmente encoberta...

– Miranda!

Minha amiga riu abertamente.

– Agora deixe-me ajeitar este cabelo.

– Meu penteado está lindo!

Tentei fugir dela, foi impossível.

– Você vai estragar tudo! Pela primeira vez na vida, consigo ter cachos – choraminguei.

– Deixa de ser boba, logo os cachos não vão existir mais, já estão até cedendo. – Fiz muxoxo, mas cedi. – Precisamos de um penteado adequado. Confie em mim.

Olhei ao redor, percebendo que quase todos os alunos já tinham saído. Menos mal. Miranda pegou duas marias-chiquinhas, enfeitadas com laços no mesmo xadrez da minha saia e prendeu duas pequenas mechas acima das orelhas. Tive que rir. Miranda tinha uma imaginação louvável.

– Podemos ir? Alex deve estar ansioso.

– Ele vai superar. – Voltando sua atenção à sacola, retirou um pequeno embrulho e me mostrou.

Tive vontade de rir e chorar ao mesmo tempo.

– Não espera que eu entre com isso, não é?

– Por que não? – Sua expressão deixava claro que não aceitaria uma recusa.

Suspirei derrotada.


ALEX


– E elas nunca chegam.

Patrício se agitou ao meu lado com seu sobretudo amarelo e chapéu esquisito. O charuto que completava a sua fantasia, que o deixava incrivelmente parecido com um gângster, já tinha entrado e saído tantas vezes do seu bolso que eu me vi perguntando por que ele resistia tanto.

Claro que entendi o nervosismo do meu irmão. Ele estava oficialmente reatando o namoro com Miranda, passando por cima de tudo o que afirmou não querer e se submetendo à morena que tinha roubado o seu coração. Claro que ela não era o que eu escolheria para ele, no entanto, quem era eu para escolher qualquer pessoa para Patrício?

– Acho que vou buscar mais um copo de refrigerante para as garotas. – Sorri para minha sogra e minha mãe, que não saíam do meu lado.

– Você também deveria se importar, afinal, a sua esposa, de uma maneira muito misteriosa, sumiu com a minha namorada.

Vi minha mãe e Mary se entreolharem e depois minha sogra olhar discretamente na direção do meu sogro, com um sorriso tranquilo no rosto. Sim, elas também aprovavam o retorno do namoro daqueles dois. Peter caminhava em nossa direção, já quase nos alcançando.

Patrício ficou mais agitado, obviamente ainda envergonhado depois da sua demonstração patética de irresponsabilidade. Pelo visto, este não era um problema com o qual meu sogro gostaria de se ocupar.

– Elas devem estar retocando a maquiagem – Peter riu, sentando-se ao meu lado e batendo em meu ombro. – Com o tempo, ele aprende que mulheres sempre se atrasam.

– Eu aprendi bem rápido. – E levantei o braço para chamar um garçom que passava próximo a nossa mesa. – Só acho que Charlotte já extrapolou sua quota de atrasos antes da cerimônia. Quase tive que arrombar a porta e tirá-la daquele closet à força.

– O que já é muito estranho, afinal de contas, nossa menina nunca foi de perder tanto tempo com essas coisas – Mary me alertou.

– Vou procurá-las então.

Levantei determinado a encontrar a minha esposa e descobrir o que ela estava aprontando. Assim que minhas vistas alcançaram a pista de dança, vi alguns alunos que se aglomeravam no local abrirem passagem para duas figuras deslumbrantes passarem entre eles.

Elas caminhavam lentamente, ou meu cérebro diminuiu a velocidade, permitindo que meus olhos captassem cada detalhe da minha esposa. Ela desfilava em saltos altíssimos, que torneavam suas pernas, cobertas por meias de estudante, brancas, que subiam até quase as coxas. Uma saia xadrez, mínima, e cheia de pregas, começavam muito acima de onde deveria começar e terminavam antes da cintura bem torneada e que também estava à mostra, já que a camisa de mangas curtas e de botões, que deveria esconder a sua barriga, estava enrolada em um laço que revelava seus seios, mais fartos naquele decote indecoroso.

Confesso que fui atingido por tantos sentimentos que fiquei atordoado e confuso sobre como deveria me sentir de fato. Seu corpo tão exposto, chamando a atenção dos garotos que dançavam muito próximos, prendia minha atenção, deixando-me extasiado e excitado. Devo admitir, no entanto, que saber que aquilo tudo que até então apenas eu pude colocar os olhos e as mãos estava ali, à disposição, andando como em uma cena de filme, com um molejo digno das melhores divas do cinema, deixou-me irritado.

E ela tinha se negado a me deixar pular mais uma etapa. Que diaba!

A cereja do bolo não estava em seu corpo muito bem desenhado, nem no seu rebolado sensual, muito menos no fetiche que era a sua fantasia de estudante, que mexia consideravelmente comigo, devido à nossa história, e sim naquelas marias-chiquinhas, que prendiam duas mechas dos seus cabelos, deixando seu rosto ainda mais inocente, apesar do batom vermelho. E, finalmente, aquele pirulito de ponta redonda e vermelha, que ela colocava e tirava da boca em chupadas que atiçavam a imaginação de quem quer que a estivesse olhando.

– Puta que pariu!

Foi impossível guardar para mim a minha reação. Eu estava perdido com Charlotte. Não sabia se a visão me deixava mais apaixonado ou mais puto da vida por não tê-la forçado a me contar o que estava planejando para aquela noite. Ou a me dar o que eu tanto desejava.

Definitivamente, seria uma longa noite.


CHARLOTTE


Tive todo o cuidado em me concentrar nos meus pés e não cair no meio da pista, como provavelmente aconteceria se eu apenas andasse normalmente para encurtar o caminho. Não sei onde estava com a cabeça quando deixei Miranda me convencer de que não haveria mal algum. Ledo engano! Assim que colocamos os pés naquele salão, as atenções se voltaram para nós duas.

Eu estava vestida de estudante. Uma estudante muito safada, a bem da verdade e, devo confessar que a fantasia combinava perfeitamente bem comigo, por aquela ser uma realidade da qual eu estava me despedindo e que, no entanto, em minha vida íntima, ainda ansiava em permanecer.

E a forma como eu a sustentava, permitindo que tão pouco dela ficasse em meu corpo, aliás, na minha concepção, minha fantasia era apenas o meu corpo e alguns pedaços de pano que sugeriam o uniforme de uma estudante, revelava o que eu era na intimidade. Tive vontade de rir. Alex, com certeza, concordaria comigo.

Era constrangedor!

– Só mais alguns passos – repeti para mim mesma, como um mantra, e mantive meus olhos fixos em meus pés.

Foi impossível ignorar todas as gracinhas, como o garoto do penúltimo semestre que soltou um sonoro “a menina do Frankli” acompanhado de um nada discreto “hummmmmmm!” que quase me fez correr em busca de uma toalha de mesa para me cobrir.

O pirulito sabor morango me distraía consideravelmente. Ele era gostoso. Brinquei com a guloseima enquanto tentava identificar alguém que pudesse me salvar daquela situação embaraçosa, até que encontrei seus olhos e não tive mais tanta certeza de que queria ser encontrada. Alex não deixava de me encarar e, pelo que conhecia daquele olhar, eu estava em maus lençóis.

– Patrício está lindo! Ele conseguiu, Charlotte. A fantasia ficou perfeita!

Eu não conseguia olhar para minha amiga, nem sorrir e nem expressar nenhuma opinião. Naquele momento, eu me sentia ridícula naquela roupa absurda.

Uma droga!

Miranda adiantou os passos enquanto eu pensava somente em dar a volta e me esconder. Se Alex reagiria mal, eu nem queria saber como seria a reação do meu pai. Eu sabia que o confronto seria inevitável e precisava me armar de alguma forma para que ele deixasse a repreensão para depois. Foi assim que, munida de coragem, parei em frente ao meu marido, sustentando o seu olhar, e aguardei.

– Estudante?

Não deixou nenhum sentimento transparecer.

– Deu para perceber, professor? – Sorri inocentemente, e foi neste momento que vi uma chama quente em seus olhos duros.

No fundo, Alex havia gostado da minha ousadia.

– O que você pretende, Charlotte?

Pisquei algumas vezes indecisa se deveria provocar mais ou recuar.

– Sabe o que é conter uma ereção na frente dos seus pais? Sabe o quanto é difícil para mim ficar te olhando sem nem ao menos poder colocar as mãos em você como eu gostaria? Tem alguma ideia de como estou me sentindo vendo aqueles “alunos” – ele rosnou o “alunos” e eu me senti temerosa – olhando para a minha esposa como se ela fosse algo comestível? E, pelo amor de Deus, pare de chupar esta droga de pirulito como se ele fosse...

Meus olhos ficaram imensos, então Alex se calou e eu entendi que alguém se aproximava de nós dois.

– Charlotte! Você está linda! – Lana me abraçou sorridente. – Vocês dois são inacreditáveis, professor e aluna. – E começou a rir. – Eu adorei. Principalmente com Alex sendo um professor antiquado e você uma aluna tão moderna, para frente, ousada. – Piscou, pegando em uma das minhas mechas.

– Obrigada! Foi ideia da Miranda – informei timidamente ainda sem conseguir definir como deveria me comportar.

Afinal de contas, ele gostou ou não?

– Ela sempre tem as melhores ideias. Parabéns pela formatura e pela homenagem. Não é todo dia que temos uma autora se formando com honra.

Sorri e tenho certeza de que corei, não sabia que eles iriam perceber em meio àquele jogo de luz alucinante e embaixo da meia tonelada de maquiagem que Mirada me obrigou a usar.

– Obrigada! Onde está João Pedro?

Minha cunhada ficou um pouco mais séria.

– Foi votar na melhor fantasia. – E aquilo parecia que incomodava a minha cunhada.

– Você já votou?

– Não, acho que vou votar em vocês dois. – Seu sorriso ficou maior. – Quem sabe assim estrago os planos do meu marido? – E saiu como se me deixar olhando para o nada fosse normal.

– Pare de chupar este pirulito – meu marido rosnou às minhas costas, fazendo-me perceber que eu repetia aquele gesto mecanicamente.

– Sim, senhor, professor Frankli.

Virei em sua direção e, mais uma vez, coloquei o pirulito na boca e o retirei bem maldosamente. Seus olhos ficaram fixos em minha boca.

– Mais algum pedido...

Ele umedeceu os lábios e depois me encarou.

– Não me provoque – parecia mais uma súplica do que uma ameaça.

Sorri amplamente.

– Não estou fazendo isso.

– Sim, você está!

– Posso abraçar a minha filha?

Meu pai surgiu para me tomar em seus braços. Seu sorriso era tão perfeito que, por um instante, me esqueci do quanto Alex estava furioso e me concentrei apenas naquele homem que havia sido o primeiro amor da minha vida.

– Parabéns, Charlotte! Estou muito orgulhoso.

Verifiquei que seus olhos estavam marejados, mas resolvi não tocar no assunto.

– Minha filha se formou com honra, então acho que posso tirá-la um pouco do marido esta noite, não posso?

Minha mãe me cercou com seus braços e eu me senti tentada a olhar para Alex, porém não o fiz. Não queria me sentir tentada a recusar o pedido de minha mãe e ficar ao lado do meu marido para assegurá-lo de que eu não o estava provocando.

– Claro, Mary! Vou dar uma volta e parabenizar alguns alunos. Com licença.

Alex saiu e me senti sozinha. Era injusto me sentir assim, estando eu com pessoas que amava e que me amavam também. Na verdade, eu começava a me sentir mal por ter permitido que Miranda me convencesse a usar algo tão indiscreto e, com isso, acabar decepcionando o meu marido. Merda!

Todos me abraçaram, inclusive meu sogro e minha sogra, que demonstravam sua felicidade pela formatura e a homenagem. Patrício não largava Miranda um só segundo e, assim que me cumprimentou, a arrastou para a pista de dança como dois namorados apaixonados.

A parte mais engraçada foi quando João Pedro se aproximou. Sua fantasia de sapo era tão ridícula que eu não conseguia parar de rir. Ele adorou a minha reação e levou um bom tempo me convencendo das vantagens de ser um sapo. Claro que ele tentava era convencer a esposa, já que afirmava com muita ênfase que, no meio da noite, receberia o beijo da princesa mais preciosa daquele baile e aí, sim, se transformaria em príncipe.

Só João Pedro para acreditar naquelas bobagens!

Quando eu já tinha bebido duas taças de champanhe e estava com a terceira nas mãos, Johnny apareceu com uma alegria extasiante. Me abraçando com força pela cintura e me levantando para rodopiar, ele ria e me parabenizava. Ri junto.

– Você é a aluna mais gostosa desta faculdade. Este é o comentário que ouvi por aí.

– É? E onde você estava? Posso saber?

Ele fez uma careta e depois deu risada.

– Finalizando o meu projeto. – Fez o maior esforço para ficar sério.

– Projeto? Como assim? Estava estudando na noite da minha festa de formatura? Sumiu por vários dias e não me atendeu, e isso tudo por causa de um projeto? Quando ficou tão responsável?

Johnny, então, explodiu em risada, deixando-me sem graça.

– Eu estava finalizando meu projeto para hoje mais tarde, entendeu? – Piscou um olho e voltou a rir.

– Você é muito cretino! – Dei um tapa em seu braço e ri junto.

– Eu já volto. Vou pegar a minha taça.

Ele saiu de perto e eu continuei rindo, porém fiquei imediatamente tensa, assim que identifiquei a figura que se aproximava.

– Estudante? Não acha que é muita provocação?

Saco! Uma coisa era meu marido se sentir provocado, outra era a imbecil da Anita achar que poderia criticar a minha fantasia. Ela nem era mais minha professora!

– Não acha que é muita arrogância da sua parte esfregar na cara dos dirigentes desta faculdade a pouca vergonha que você e seu marido fizeram? Jogando o nome da instituição na lama.

Dei um longo gole do meu champanhe antes de formular uma resposta sem que isso se tornasse um escândalo de nível internacional.

– Eu acho que isso não é da sua conta, Anita. Por que não vai infernizar outra pessoa?

Ela riu alto.

– Isso não vai ficar assim, Charlotte. Está pensando que a vida é linda, que isso é um livro com final feliz? Caia na real, garota. Ninguém ganha o tempo todo e eu estarei esperando para ver você perder cada vez mais, pouco a pouco. Alex é um homem, não um menino que se contenta com tão pouco. – Fez uma cara de desprezo que me atingiu em cheio. – Um dia ele vai perceber o erro que cometeu, então a sua queda vai ser drástica, escritora mimadinha.

Seu sorriso arrogante quase tirou o meu ar e me aborreceu com a mesma potência. Somado à raiva que eu sentia, havia a quantidade considerável de álcool no meu sangue, que me deixava mais segura, na medida do possível. A prova maior foi quando ela começou a se virar para me deixar e eu a segurei pelo braço, impedindo que se afastasse.

– Escuta, você está fazendo isso só porque o meu marido não quis te comer? Você é tão mal-amada assim? Precisa descer tão baixo para mostrar a um homem que ele não pode te recusar? Tenha um pouco de amor-próprio, Anita! Alex não te quer, e isso acontece não porque eu existo, e sim porque ele não tem desejo por você, nunca teve. Ele comeu metade desta cidade, dividiu a cama com muitas outras mulheres. O mais engraçado é que, mesmo quando ele não amava ninguém, quando não havia uma namorada ou um ex-relacionamento para se lamentar, mesmo quando ele saía, bebia e se envolvia com as mais variadas mulheres, ele não quis você, então bola pra frente! Tenha mais amor-próprio, se dê um pouco de valor e simplesmente esqueça que meu marido existe. Não que o meu casamento agradeça, afinal de contas, as suas ameaças possuem o peso de uma pena em nosso relacionamento. Alex prefere morrer, passar as maiores humilhações, perder tudo, a ter você na cama dele. – Fiz biquinho encarando a minha rival, que me olhava com fogo nos olhos. – Agora me dê licença porque o meu marido me aguarda na pista de dança.

Percebi quando Alex nos viu no canto do salão e sabia que permitir que ele se aproximasse poderia dificultar ainda mais as coisas, então preferi encerrar a conversa. Johnny se aproximava, nos encarando. Ele parecia seguro, como se Anita não fosse nenhuma ameaça.

– Atrapalho?

Ela, que ainda me encarava pronta para rebater, se assustou com a sua presença.

– Não. A professora Anita só estava me parabenizando. – Ergui uma sobrancelha, aguardando a reação dela.

– Isso – respondeu com raiva, que imediatamente evaporou quando resolveu encarar meu amigo. – Eu estava me despedindo de Charlotte. Com Alex fora da faculdade, não teremos mais por que nos encontrar.

– Acho que vocês duas ainda poderão se encontrar mais algumas vezes. – Ele sondou a professora com olhos sensuais, deixando que estes descessem até os lábios dela. Depois, sorrindo lindamente, acrescentou: – Quem sabe o que a vida nos reserva?

Não acreditei quando um sorriso mínimo brotou nos lábios dela e como ela ficou desconcertada, por isso bebi de um gole só o champanhe. Johnny teria que me explicar exatamente o que estava acontecendo entre eles dois.

– Alex ainda não definiu como ficará a situação dele com a faculdade. – Nem sei por que resolvi explicar aquele ponto, talvez porque eu estivesse realmente desconcertada com o que estava vendo.

– Não? – Rapidamente, a atenção de Anita se voltou para mim.

– Não. Com licença. Meu marido está me procurando. – Resolvi que era hora de interceptar Alex, que já se aproximava de nós três.

– Algum problema? O que ela queria? – ele perguntou assim que o alcancei, impedindo- o de ir até a lacraia traiçoeira.

– Onde você estava, professor?

Ergui o rosto, encarando meu marido e forçando uma expressão desconfiada.

– Conversando com alguns amigos, parabenizando os professores e ouvindo piadinhas.

– Piadinhas?

– Sim. – Ele se inclinou em minha direção, igualando a altura dos nossos olhos. – Minha esposa está dando o que falar.

– E isso é bom ou ruim?

Sorri, baixando o olhar e mexendo em uma mecha do meu cabelo. Confesso que meu nervosismo era muito maior do que qualquer outro sentimento.

– Vamos deixar para falar sobre este assunto quando chegarmos em casa. Agora eu quero aproveitar a minha esposa gostosa e mostrar para estes “garotos babacas” quem é que manda.

Suas mãos correram minha cintura, puxando-me para perto em uma atitude de posse que arrepiou todos os meus pelos.

– Hum! Esposa gostosa?

Ele me beijou de forma provocante, roçando a língua na minha.

– Muito gostosa!

Suas mãos quentes subiram ligeiramente em minhas costas seminuas.

– Garotos babacas? – provoquei, agarrando seus cabelos pela nuca e deixando meus braços em seus ombros.

– Muito babacas. – Ele afastou nossas bocas e me olhou aborrecido. – Os mais babacas que já conheci.

– Você tem noção que “babaca” é uma expressão ultrapassada, não é?

– Eu sou um homem ultrapassado, Charlotte. E um idiota, dominado e apaixonado por uma diabinha...

– Estudante, professor Frankli!

– Uma estudante deliciosa, saída do inferno para me tentar.

– Eu sabia que você tinha gostado. – Sorri em seus lábios, provocando-o ainda mais. – E meu marido nem imagina o que tenho por baixo desta saia.

– Graças a Deus, Charlotte! Levei uma boa parte da noite imaginando que você não teria nada por baixo e não consegui definir se te mataria ou não, se isso realmente fosse verdade.

Ri, colando meu corpo ao dele.

– Ainda bem que sobrou um pouco de decência neste corpo, depois de ter a mente dominada por uma libertina. – Ele inclinou a cabeça e suas mãos desceram provocantemente em direção a minha bunda. Um sorriso sacana brincou em seus lábios. – Ou... quase libertina.

– Libertina também é ultrapassado.

Meu rosto queimou à medida que minha mente me lembrava do motivo para o seu comentário.

– Eu sou um idiota mesmo.

Ele me apertou em seus braços e aprofundou nosso beijo, deixando-me extasiada.

– Esqueceu-se de quem é que manda aqui, professor Frankli?

– Acho que você não está se comportando de maneira satisfatória, cara aluna. Vamos ter que ficar depois da aula para uma conversa muito promissora.

– Uma aula extra? – Fiquei animada e ao mesmo tempo temerosa.

– Não sei se seria uma aula extra. – Fez uma careta linda e sorriu torto.

– E o que seria então?

– Vou te mostrar o que acontece quando alunas como você provocam professores ultrapassados como eu.


CAPÍTULO 11


“Os ciumentos não precisam de motivo para ter ciúme. São ciumentos porque são. O ciúme é um monstro que a si mesmo se gera e de si mesmo nasce.”

William Shakespeare


ALEX


Ao som de Amy Winehouse, nós dançávamos Know him is to love him. A melodia doce e a batida sensual, a letra cativante que ela, de tempos em tempos, sussurrava olhando em meus olhos. Uma promessa de amor que me abalava e emocionava na mesma proporção.

Charlotte dançava em meus braços, movimentando-se sensualmente, deixando-me ainda mais excitado. Era uma música lenta, mas só o fato de poder abraçá-la em público, segurá-la na segurança do meu corpo, deixar claro que aquela menina espetacular me pertencia, me fazia ganhar a noite.

Eu sentia raiva dos idiotas que a olhavam sem nenhum pudor ou receio por tentarem flertar com a esposa de um professor. Ao mesmo tempo, sentia prazer em poder me exibir com aquela linda e deliciosa mulher, mostrando a todos que era minha. E o pior, ou melhor, ela adorava me pertencer.

E eu que pensei que nunca mais sentiria aquela sensação gostosa de conquistar a melhor da noite, deixando meus amigos com inveja. Não porque Charlotte não fosse linda, nem gostosa, nem nada disso, era apenas porque este não era o seu perfil e, por mais incrível que pareça, minha esposa se tornou a mulher mais sensual e interessante que eu já havia conhecido.

A melodia lenta perdeu força e outra mais agitada ocupou o seu lugar. Charlotte sorriu com malícia, se afastando para dançar mais livre da minha proteção, porém não distante o suficiente para que minhas mãos não a alcançassem.

– Pare de chupar este pirulito, Charlotte! – alertei quando ela encostou as costas em mim, rebolando provocantemente enquanto segurava o maldito pirulito em sua boca.

– Ele é gostoso! – Riu brincalhona.

Tive vontade de tomar o doce de sua mão e lhe mostrar o que acontecia quando ela decidia me torturar com algo tão sugestivo.

– Pare!

Minha esposa tirou a guloseima da boca e se virou para me olhar. Havia um sorriso perturbador em seus lábios e ela dançava sem deixar de me encarar.

– O que foi?

– Gosto de você assim. Lembra daquela noite em que me salvou na boate?

Claro que eu lembrava. Aquela noite foi decisiva para nós dois. Foi o começo de tudo.

– Nós dançamos. – Ela se aproximou mais, alcançando meus lábios.

– E tomamos uma decisão.

– A melhor de todas.

Porra! Charlotte me enlouquecia com poucas palavras. Eu amava saber que ela gostava da nossa história. Era gratificante.

– Eu amo você, professor Frankli – sussurrou em meus lábios e, mesmo com o barulho do som estridente, consegui entender o que ela dizia.

Eu ia responder, quando os gritos no salão despertaram a minha atenção.

Seguindo o som, identifiquei que a algazarra era devido a algum acontecimento até então ocultado pelos inúmeros alunos que gritavam e aplaudiam. No meio de tudo consegui identificar os meus pais, que dançavam um pouco afastados de mim, mas muito próximos de Lana e João Pedro, como se quisessem incentivar minha irmã a desamarrar a cara que ela sustentara a noite toda. Curioso com o sorriso dos meus pais, forcei a passagem e logo consegui identificar o que causava tanta algazarra.

João Pedro dançava com Lana, se declarando ao som da música Accidentally in Love. Minha irmã sorria apaixonadamente e tentava esconder a emoção, enquanto ele fazia uma coreografia engraçada que arrancava risos e gritinhos de todos. Então, quando pensávamos que não passaria disso, a música foi acabando e o DJ incrementou com When a Man Loves a Woman. Todos gritaram quando João Pedro se ajoelhou como um príncipe e Lana, orgulhosamente, se curvou para beijá-lo. Foi quando tudo aconteceu.

Ao som apaixonado da melodia, ele levantou e começou a tirar a fantasia. No momento, não entendemos, mas, quando realmente conseguimos identificar o que ele fazia, foi impossível não sorrir. Por baixo da roupa de sapo, João Pedro vestia um smoking, digno de príncipes. O sapo se transformava em príncipe pelo amor da sua princesa. Eu não conseguia imaginar outra pessoa capaz de fazer algo tão ridículo e ao mesmo tempo tão romântico, somente o meu amigo.

Naquele momento, eu me senti feliz. Minha irmã merecia um homem que a encantasse e era isso o que João Pedro fazia da vida deles dois. Ele a encantava e deixava claro, a cada dia, que tinha tomado a decisão certa.

Olhei para Charlotte, que aplaudia emocionada. Ela sorria de maneira espontânea e natural. Linda! Era o que eu queria para a nossa vida. Dias de paz, onde eu sempre pudesse reafirmar que, independentemente da forma louca como tudo começou, eu sempre a escolheria. A minha aluna.

– O que foi? – Ela me olhou ainda sorrindo, me avaliando com aqueles olhos que me transportavam para um mundo lindo e encantado. Um reino de faz de contas.

– Eu amo você!

E puxei minha esposa para um beijo apaixonado.


CHARLOTTE


– Por que tão cedo?

Meu pai não tinha gostado nada da ideia de eu ir embora mais cedo com Alex. Por várias vezes, enquanto o ouvia argumentar, me perguntava se ele tinha se esquecido de que eu já era uma mulher, madura e casada, dona do meu próprio nariz.

– Eu não gosto muito de festas, pai! O senhor sabe disso.

– É a sua formatura! Sua família está aqui, seus amigos... Lana e João Pedro ganharam o concurso e nós queremos festejar.

– Deixe Charlotte decidir o que é melhor para ela, Peter! – Minha mãe, como sempre, interferiu a meu favor. Tive vontade de abraçá-la e beijá-la como agradecimento. – Não esqueça que eles ainda estão em lua de mel – falou de maneira discreta, fazendo o meu pai corar um pouco.

Ri.

– Ela deveria passar mais tempo com você, quer dizer... com nós dois.

Minha mãe colocou um dedo nos lábios do meu pai, impedindo-o de continuar. Achei estranho. Como ela sorria, não me preocupei.

– Vocês vão viajar outra vez? – Fiquei alerta. – Já estão pensando em ir embora?

E aquele pensamento me entristeceu profundamente. Alex se aproximou, colocando as mãos em meus ombros. Meu pai ficou tenso.

– Talvez. Já estamos há tempo demais aqui e você sabe que prefiro estar em casa – meu pai respondeu sem conseguir me encarar direito.

– Vocês poderiam demorar mais um pouco. Mãe, eu ainda preciso de você!

A forma como ela me olhou fez meu coração perder uma batida. Ela sofria.

– Não seja infantil, Charlotte! – meu pai me repreendeu. – Você é uma mulher, adulta...

E eu me perguntei por que isso não contava há poucos segundos. O que estava acontecendo?

– Eu não vou a lugar nenhum, meu amor! – minha mãe se manifestou, pegando minha mão e levando-a ao rosto. – Estarei sempre aqui. Vá para casa, filha. E fique tranquila que eu cuido desta fera.

Meu pai resmungou novamente e então, por fim, apertou a mão de Alex e nos liberou.

Após a longa despedida, afinal de contas, Alex precisava falar com inúmeros professores, alunos, funcionários, até que, finalmente, estávamos liberados e conseguimos seguir para nossa casa. Deixei que ele dirigisse, pois estava muito cansada para desfrutar das maravilhas do meu presente.

Ele estava um pouco sério, apesar de relaxado. Olhava para a frente, nunca para mim, no entanto, sua mão estava, sempre que possível, em minhas coxas, fazendo uma carícia delicada e cheia de promessas. De tempos em tempos, cantarolava a música que tocava no rádio, e eu sempre achava que aquelas escassas palavras revelavam um pouco do que ele estava sentindo.

– Feliz?

Ele me olhou pela primeira vez enquanto manobrava para entrar na garagem de casa. Alex pegou minha mão e levou-a aos lábios, beijando carinhosamente os meus dedos.

– Muito! Estou feliz com a sua formatura, com o seu sucesso, com o nosso casamento, com você... – E sorriu, parando o carro.

Tive que sorrir de volta, sentindo-me subitamente feliz. Era contagiante.

– Fique bem aí onde está.

Ele saiu correndo do carro, deixando-me sem saber o que pretendia. Rapidamente, Alex deu a volta e abriu a porta do carona, estendendo-me a mão para me auxiliar a sair. Achei lindo e engraçado. Ele sorria e fazia galanteios. Assim que fechou a porta do carro, me imprensou contra a lataria, colando-se a mim.

– Pronta para pagar por suas travessuras? – sussurrou, roçando os lábios em meu pescoço.

– Eu me comportei, professor.

Alex riu, jogando seu hálito quente em minha pele, aquecendo todo meu corpo.

– Não acho que usar meias como estas possa ser classificado como bom comportamento, Sra. Frankli.

Seu polegar levantou ligeiramente minha saia e acariciou minha coxa, forçando a meia para baixo. Minha pele inteira se aqueceu.

– O que tem de errado com as minhas meias, professor?

Deslizou a mão, puxando minha perna para cima, acomodando-me em sua cintura. Depois acariciou do meu tornozelo até o limite da coxa.

– Ela termina cedo demais. – A outra mão se fechou com força em minha nuca. – Pior ainda é esta saia curta, começando muito tarde e terminando muito cedo.

– Isso te incomoda?

Gemi ao sentir seus dedos trilhando para dentro da minha saia até alcançarem a calcinha de renda branca. Seus dedos brincaram por cima do tecido, até que começasse a ficar molhado.

– Só quando preciso perder muito tempo imaginando o que tem por baixo.

– Então acho que estou perdoada. O senhor não precisa mais perder tempo com imaginação, é só pedir que a calcinha será toda sua.

Ele correu a ponta do nariz da minha orelha até o queixo, aspirando meu cheiro e demonstrando sua ansiedade.

– Tire a calcinha – ordenou, me deixando de repente.

Fiquei confusa e precisei respirar várias vezes para coordenar as ideias.

– Tire a calcinha, Charlotte.

Olhei para os lados. Mesmo excitada como eu estava, não dava para ignorar o fato de estarmos expostos demais.

– Alex, nós estamos na rua.

Seus olhos quentes pareceram perder o foco. Ele me olhou de cima a baixo e depois desviou sua atenção para a rua.

– Está tarde. Ninguém está nos observando.

Corei significativamente e engoli em seco.

– Eu não vi este pudor todo quando você desfilou na pista de dança chupando aquele doce provocante.

Baixei o olhar ciente de que merecia aquela cobrança e temi que ele exigisse uma reparação. Então ri. Exigir uma reparação era mesmo algo ultrapassado em se tratando de sexo.

– Qual é a graça?

– Exatamente a de eu adorar te provocar, embora deteste o fato de estarmos tão expostos.

Ele revirou os olhos e me segurou pelo braço, puxando-me em direção à casa. Nem tive tempo de protestar, Alex andava a passos largos, decidido a alcançar o interior do nosso lar o mais rápido possível. Destrancando a porta, ele simplesmente me fez entrar e a fechou. Seus olhos exigentes me varreram. Minha respiração ficou presa com a intensidade daquele olhar.

– Agora, Charlotte. – Ele puxou o ar com força. – Vai ser exatamente do jeito que eu quero. Como eu quero – advertiu, inclinando a cabeça para o lado.

Estremeci, pois sabia que naquela afirmação existia muito mais do que eu poderia concordar. Ou não?

– Vire-se de costas.

Obedeci prontamente, sem deixar de perceber o frio que percorreu a minha espinha. Eu estava tensa e ansiosa... mais ansiosa do que tensa.

– Isso – rosnou, lançando calor por todo o meu corpo. – Agora, lentamente, retire a calcinha.

Ouvi quando ele deu dois passos para trás, quase que se encostando à porta. Respirei fundo e percebi que eu podia participar daquela brincadeira também. Passando a mão para dentro da saia, segurei dos dois lados da calcinha, porém, antes de começar a retirá-la, inclinei-me, empinando a bunda, e só depois que acreditei estar em um ângulo que pudesse atiçar ainda mais o meu professor, iniciei a sua retirada, bem lentamente, como ele tinha solicitado, afinal de contas, eu era a sua melhor aluna.

– Está bom assim? – provoquei mais.

– Está ótimo!

E sua mão me atingiu com um tapa não muito forte, apenas o suficiente para atiçar a minha imaginação. Soltei um gritinho e depois ri.

– Isso é para você aprender a não me provocar em lugares públicos.

– Não acho que devo ser punida por tal fato, professor, afinal de contas, o senhor mesmo tentou me persuadir a fazer atos ilícitos, agora há pouco, em um local um tanto quanto público.

Recebi outro tapa como reprimenda, em seguida, sua mão, de baixo para cima, me acariciou de maneira indecorosa. Mordi os lábios para não me entregar tão rapidamente à tentação.

– Eu posso puni-la como quiser, Charlotte.

Não respondi, pois tive medo de gemer descaradamente e não queria estragar a brincadeira deliciosa que estava apenas no início.

– Onde está aquele pirulito?

– Ri.

– Achei que o senhor odiasse o doce, professor.

Seus dedos acariciaram o centro entre as minhas pernas, descaradamente exposto para o meu marido, estando eu em uma posição tão indecorosa.

– Ele estava recebendo uma atenção que deveria ser só minha. – E gemeu de uma maneira absurdamente desavergonhada ao deixar que seus dedos brincassem com meu corpo.

– Posso arrumar uma maneira de me redimir. É só...

Ele me impediu de levantar, mantendo-me naquela posição, com a bunda empinada.

– Outra hora, Charlotte. Teremos uma noite inteira de punição.

Puta. Merda!

– Agora eu quero outra coisa.

Puta merda um milhão de vezes!

Outra coisa seria... Oh, droga!

Sem entender o que ele pretendia fazer, não consegui me preparar para o que aconteceria. Alex ficou de joelhos e, imediatamente, seus lábios e língua exploravam meu sexo, sem nenhuma compaixão. Involuntariamente, comecei a gemer. Não eram gemidos tímidos, eu simplesmente perdi o controle e, quando dei por mim, já rebolava, sentindo sua língua me acariciando, e gemia inebriada pelo prazer.

Não posso mensurar quanto tempo ficamos assim, ele me experimentando e eu me permitindo ser experimentada. O fato é que cheguei rapidamente ao meu limite, sentindo que não suportaria mais.

Mas Alex sempre sabia o que fazer.

Claro que ele poderia me dar prazer naquele instante, afinal de contas, nunca chegaria o dia em que meu professor me deixaria na mão. Sem contar que ele sabia, e eu também, que bastavam apenas mais alguns toques para que meu corpo voltasse a corresponder e, então, nossa brincadeira só teria fim quando fosse a sua vontade. No entanto, a ideia era me punir por provocá-lo e, no quesito punição, o alívio rápido seria inadequado. Por isso, ele parou.

Suspirei resignada. Eu aceitava minha punição, e de muito bom grado.

Como se eu já não estivesse excitada o suficiente, no momento em que seus lábios deixaram meu sexo, subiram inesperadamente, e sua língua passou pelo... bom... ele passou a língua bem ali, naquele lugar que tanto me deixava apreensiva. E, porra, minhas pernas cederam na mesma hora. Um misto de prazer e ansiedade percorreu minhas veias, fazendo tudo a minha frente escurecer.

Caralho! Eu gostei daquilo. Era sujo, de uma maneira pervertida. Era pecado, ao menos para alguém como eu. Era inesperado, inapropriado, errado... era quebrar todas as regras, atirar ao fogo tudo o que eu tinha de princípio, tudo o que eu imaginava ser correto e aceitável. Mesmo assim, naquele momento, eu não queria nada menos do que isso.

Sem nada acrescentar, simplesmente recomeçou as carícias com os dedos, instigando-me a manter o controle, mas consciente de que era uma batalha perdida. Que mulher resistiria às mãos de Alex Frankli, roçando o seu sexo com a destreza dos grandes mestres? Quem manteria o autocontrole, sentindo sua carne umedecida ser tocada em seus pontos mais sensíveis com a intenção de ser levada ao êxtase? E como tentar entender cada detalhe do que se passava lá embaixo quando sua outra mão subia, buscando, incansavelmente, encontrar meus seios para completar a sua tortura? Bom... eu não conseguia.

Empinei ainda mais a bunda, implorando para que meu orgasmo não fosse tão teimoso quanto eu e resolvesse que já era hora de se exibir. Alex entendeu o meu pedido e, assim que sua mão se fechou em meu seio, forçando-me para trás, seus dedos adentraram em meu sexo, iniciando o movimento avassalador de entrar e sair.

– Alex! – gemi, implorando.

Não dava para prolongar muito aquela brincadeira, estando eu tão excitada.

– Cansou de brincar, Charlotte?

Ele era um filho da puta, miseravelmente delicioso, que preferia me provocar a aliviar a própria tensão, já que eu podia ter a certeza de que sua ereção estava absurdamente dura e implorando por alívio.

– Cansei de ser punida, professor. Acredito que já estamos prontos para que o senhor me aplique um corretivo mais incisivo.

Com isso, assinei minha confissão de que nada faria para impedi-lo. Alex riu e abandonou meu sexo, não sem acariciar minha bunda e espalhar a minha excitação. Gemi despudoradamente. Céus! Como eu podia mudar de opinião tão rápido quando ele me tocava daquela forma? Como eu podia simplesmente fechar os olhos e me entregar ao seu bel-prazer sem pensar nas consequências?

– Vamos ver o que posso fazer.

Alex saiu sem nada me dizer. Respirei fundo. Meu coração estava acelerado e meu sexo pulsava tanto que, por um breve segundo, pensei em acabar com aquela angústia que não me deixava raciocinar direito. Era uma boa solução antes que não me restasse saída.

Meu marido voltou tão rápido quanto o meu pensamento. Ainda completamente vestido, e na mão... porra! Ele não teve o cuidado nem de esconder de mim. Senti o ar ficar preso em meus pulmões.

Merda, eu ia amarelar outra vez. Eu ia. Com certeza. Podia sentir o pânico e a vergonha me dominando, ganhando força em minha mente. Piorou e muito quando ele levantou o objeto, deixando-me ter certeza do que pretendia.

Santo Deus, me proteja!

– Alex...

– Shhh – meu marido me calou, segurando meu queixo com uma mão. – Vai ser como eu quero.

E me calou com seus lábios cheios de desejo, antes que eu pudesse protestar.

Alex me beijou com tanta vontade que não encontrei forças para reprimi-lo. Sua mão, a que ainda segurava aquela coisa, me puxou pela cintura, colando nossos corpos, e a outra... ah, a outra brincou com a minha pele, queimando meu pescoço e todo o restante do caminho até encontrar meus seios.

Senti os botões cederem, o sutiã ser afastado até que, finalmente, meu mamilo estivesse entre seus dedos. Gemi deliciada, esquecida de qualquer medo, deixando a ansiedade voltar aos poucos para minhas veias, fazendo meu sangue correr mais rápido.

Ele puxou o bico já duro e pressionou na intensidade certa. A mão de Alex em minha pele era sempre uma sensação inacreditável. Eu não conseguia encontrar coerência entre a forma como o meu corpo reagia e a minha mente trabalhava. Eram apenas toques. Tudo bem que eram toques ousados, mesmo assim, era apenas a mão dele em meu seio, e... era delicioso.

Seus lábios deixaram os meus, fazendo-me suspirar. Alex não perdeu nem um pouco da sua intensidade. Sua respiração pesada, as pupilas dilatadas, a necessidade de estar tão próximo que poderia se fundir a mim, tudo indicava o seu nível de tesão e, claro, o meu. Afinal, eu correspondia a Alex, como o mar ao vento, como o sol ao céu, como as estrelas e os romances, eu correspondia àquele homem, seguia os seus passos e encontrava a felicidade neles.

– Vai ser como você quer também, Charlotte – sussurrou, deixando os lábios roçarem minha clavícula. – Porque você também quer, amor. Confie em mim.

E sua mão correu para meu centro de prazer. O suspiro que escapou dos seus lábios, quando seus dedos ousados encontraram meu sexo molhado e pronto para recebê-lo, fez minha mente girar. Alex agia como um pervertido, como um homem incapaz de se conter perto de uma mulher, como se ali, naquele momento, o que havia entre as minhas pernas fosse a sua única preocupação.

Ele me acariciou, deixando os dedos deslizarem para cima e para baixo em minha carne, sem pressa, apenas aproveitando a liberdade de poder me tocar como quisesse, na hora que quisesse, e eu estava adorando.

Involuntariamente, minhas pernas se abriram, permitindo que ele se aproveitasse ainda mais de mim. Fechei os olhos e pensei em nós dois. Eu vestida de aluna, com uma saia curta, sem calcinha, meias e saltos ousados, sendo bolinada pelo meu professor, completamente vestido, ansioso para se enfiar e se perder em mim.

Minha carne formigou. A sensação de ser masturbada por Alex, meu marido, meu eterno professor, era de me tirar o fôlego. Mais uma vez, acreditei que gozaria ali, sendo assistida por ele, presa à atenção e profundidade dos seus olhos, então ele parou e eu nem tive tempo de pensar.

Rapidamente, Alex me girou de costas, deitando-me sobre o banco próximo à bancada da cozinha. Minha saia logo foi suspensa, revelando minha bunda e meu sexo. Fechei os olhos, tentando não pensar no que estava por vir, sem querer amarelar.

Novamente, seus dedos me tocaram, desta vez eles se afundaram aos poucos em minha carne. Primeiro um dedo, lento, calmo, depois outro e, por fim, outro. Ele me testou, abrindo-me, se afundando até chegar ao limite. Posicionado atrás de mim, Alex povoava minha mente de possibilidades. Eu não sabia como seria, nem sabia se ele realmente faria, não tinha ideia de como reagiria, mas de uma coisa eu estava certa, não havia como voltar atrás.

Foi quando senti seu pau em minha entrada. Por um breve segundo, me perguntei como ele conseguiu fazer aquilo sem ganhar a minha atenção; no segundo seguinte, eu já não conseguia pensar em mais nada. À medida que Alex se afundava em mim, seu dedo, não sei qual deles, se enterrou em minha bunda seguindo o mesmo movimento.

Engasguei de prazer e de medo. Porra, ele estava com um dedo todo dentro de mim. Todo. Paramos. Eu não sabia se Alex não continuava porque queria a minha permissão ou se estava me testando. Fiquei bem quietinha, aguardando o que mais ele exigiria de mim e o que mais eu seria capaz de fazer por aquele homem.

Então ele começou a se movimentar, bem lentamente e, ao mesmo tempo que seu pau entrava em minha vagina, acariciando as paredes, alcançando todas as terminações nervosas, seu dedo seguia o mesmo movimento, entrando e saindo, empurrando-me para um conjunto de sensações que eu não conseguia identificar.

Só sei dizer que eu estava adorando. Sim, eu recriminava. Sim, eu tinha um conceito antiquado e, principalmente, sim, aquilo era um tabu para mim, mas... droga! Eu gostava quando Alex me tocava daquela forma. Porra, eu gostava!

Ele retirou o dedo e seus movimentos ficaram mais fortes, mais intensos, forçando-me para a frente e para trás, segurando-me ora pela cintura, ora por um seio que estava à mostra. Ah, Deus! Aquilo me partiria ao meio, me faria evaporar. Não poderia haver mais tesão acumulado em um corpo como o que havia em mim.

Alex parou abruptamente, interrompendo o meu devaneio e o fluxo de prazer que acariciava o meu corpo e lambia meu sexo com a volúpia necessária para me tirar de qualquer realidade. Eu me senti perdida. Abandonada. E completamente necessitada dele.

– Alex...

Ele me virou outra vez, segurando-me com força. Levantei as pernas, envolvendo a sua cintura quando meus lábios foram tomados. Céus! Eu sentia seu membro rígido contra o meu sexo inchado, sem me penetrar, apenas me provocando, se impondo e me fazendo lembrar de tudo o que ele era capaz de fazer comigo.

Na posição em que estávamos, eu abraçando o corpo do meu marido com as pernas, minha bunda ficou outra vez a sua disposição, e Alex não se fez de rogado. Segurando-me com força com uma mão em cada nádega, ele me abriu e roçou a ponta dos dedos, ora um, ora outro, sem se afundar, só instigando, me fazendo desejar, sonhar, ansiar.

Ele andou sem deixar de me beijar. Eu sentia seus lábios exigindo os meus enquanto sua língua me incentivava a acompanhá-lo. Logo em seguida, ele me deitou no sofá da sala e levantou, ficando entre as minhas pernas. Eu não o beijava mais, porém podia assistir seus olhos famintos me cobiçando.

Alex esfregou uma mão em meu sexo, sem muito cuidado ou como se estivesse estudando o que estava fazendo, ele só me tocou, refletindo o seu desejo. E então seus olhos encontraram os meus. Eram quentes, intensos, tão cheios de tesão quanto os meus.

Sem deixar de me olhar, segurou o pau e o manipulou, bem pertinho da minha entrada, sem me penetrar. Ele se masturbava sem pudor, sem que parecesse algo errado, ou fora do contexto, e era lindo, forte, poderoso.

A vontade de acompanhá-lo foi mais forte do que o rubor que aquecia meu rosto, por isso, sem me permitir pensar duas vezes, deixei minha mão se guiar até o centro entre as minhas pernas e meus dedos me acariciarem, buscando alimentar a chama que já me consumia. Alex gemeu, aprovando minha atitude. Seu gemido foi algo carnal, que me dizia exatamente o que ele estava pensando, e o quanto apreciava o que estávamos fazendo.

Após um período masturbatório, tempo no qual nos permitimos buscar o prazer sem desconectar nossos olhos, ele largou o membro e segurou minha mão. Não percebi o que fazia, mas Alex segurou meus dois punhos e os elevou até acima da minha cabeça.

Ele não disse nada, mas eu sabia que seria diferente daquela vez.

Senti o que aconteceria e consegui conter uma leve tensão que ameaçou me acometer. Porque seu pau inchado e já lubrificado, assim como o meu sexo, estava em minha entrada, enquanto outro corpo, um pouco menor, e mais fino, se posicionava na abertura um pouco abaixo, lá, na minha outra entrada, aquele lugar tão temido.

Respirei fundo, me preparando.

Merda! Por que o medo? Eu havia gostado quando seu dedo se afundou em mim, não foi? Qual era a diferença? Bom, havia diferença e esta era gritante. Primeiro que um dedo era infinitamente menor. Segundo que eu seria penetrada por um pênis. Não um de verdade, nem nada parecido com o de Alex, mesmo assim, era um pênis, e só de pensar eu já podia sentir a tensão arrastando suas garras em minha direção.

Alex, devidamente posicionado, abriu minhas pernas para ter um ângulo melhor, e conferiu o trabalho que fazia em mim. Sim, ele gostava do que via, estava extasiado com o que aconteceria, ansioso para me penetrar nos dois lugares ao mesmo tempo.

E seus olhos eram tão quentes e decididos que senti o calor voltar ao meu corpo, a excitação lubrificar meu sexo e o desejo do proibido me impulsionar. O ar ficou preso em meus pulmões em um misto de expectativa e temor, contudo, mesmo com o medo que me rondava sem conseguir colocar suas garras outra vez em mim, eu sentia meu corpo se entregar à novidade e ansiar por ela.

Foi quando, sem nenhum aviso, ele me penetrou. Eu o senti, das duas formas, dentro, me abrindo, me explorando. Meus olhos se fecharam, permitindo que apenas minha mente vagasse e buscasse respostas que eu jurava impossíveis de serem encontradas.

Tenho que ser bastante sincera neste quesito. Eu estava extremamente excitada. Muito mesmo. E, naquele momento, entendi que era ótimo estar excitada o suficiente para ignorar alguns incômodos.

A princípio, havia a estranheza e a falta de familiaridade, embora facilitasse e muito o fato de não ser um pênis com proporções reais, com isso, eu não me sentia invadida de uma forma mais rude, apenas o suficiente para me fazer senti-lo. E eu o sentia. Também havia a questão do constrangimento do ato, o medo de que alguma coisa desse errado, afinal de contas, quem era eu para filosofar sobre o sexo anal? Por esse motivo, muitos temores e fantasias povoavam meus pensamentos.

Mas tenho também que admitir que a sensação era boa, depois de afugentados os demônios, claro.

Eu adorava a maneira como meu corpo reagia à penetração. Podia senti-lo recusando-se a aceitar o membro que o invadia, depois pulsando para, logo em seguida, iniciar a contração e o relaxamento, onde, a cada investida, eu saboreava Alex em cada pedaço da minha carne. E posso jurar que ele tocava em cada ponto de prazer, transformando aquele momento em um espetáculo particular.

E Alex... Ah, Alex! Ele era tão maravilhoso que, em pouco tempo, me fez esquecer e ignorar qualquer confusão que se formava em minha mente. No momento em que me penetrou, ele gemeu, e vou contar, foi um gemido que veio de dentro mesmo, um que antes de sair passou por todas as suas terminações nervosas e acionou as minhas no momento em que encontrou expressão.

Aquele gemido despertou em mim um lado desconhecido. Minhas pernas se abriram um pouco mais, recebendo-o com mais facilidade, dando-lhe espaço. Ele não se deitou sobre mim, acredito que por não possuir um ângulo muito favorável para as duas penetrações, então ficou ali, entre as minhas pernas, o peitoral todo escondido pela sua fantasia, os movimentos lentos e completamente exibidos para mim, uma mão segurando uma coxa minha e a outra buscando, em meu corpo, todos os pontos de prazer possíveis.

Logo, o prazer já era a parte mais forte daquela relação. Eu o sentia entrar e sair, e o seu auxiliar seguindo os seus movimentos, me penetrando com calma, mas completamente. Alex sentou sobre os calcanhares, abaixando-se e se afundando em mim. Então ele desceu, com cuidado para que nada me abandonasse, e seus lábios alcançaram meus seios, um e depois o outro, chupando, mordendo e acariciando, o que me fez delirar de prazer.

Gemi alto, segurando-o com força nos quadris para que a sensação magnífica não se findasse. Eu queria que ele continuasse, estava extasiada com a sensação que me dominava, amortecendo meus pensamentos e me fazendo apenas agir. Assim, com Alex preso em minhas mãos, seus gemidos um pouco mais contidos, ou cedendo lugar aos meus, eu rebolei, saboreando a delícia de tê-los de uma forma tão completa.

E foi gostoso, não posso mentir. O membro do meu marido me preenchia, roçando minhas paredes, tocando-me em todos os mínimos pontos que me fariam arfar. Ao mesmo tempo, aquele membro auxiliar conseguia me mostrar outro lado do prazer, completando, me dominando, causando-me uma sensação tão familiar e ao mesmo tempo tão nova, por ser recheada de horizontes nunca antes visitados.

Meu marido se mantinha firme em sua posição, seus dedos brincando com meus seios, suas mãos apalpando minha carne de todas as formas possíveis, e eu fui me perdendo, me permitindo afundar naquele mar sem fim, minha pele formigando, a mente longe, muito longe...

– Em que você pensava quando estava chupando aquele pirulito?

Ele rosnou, tentando controlar a voz sem denunciar o quanto também estava deliciado. Despertei do devaneio como se estivesse acordando de um sonho, sendo sugada pela realidade, porém sem perder nada da deliciosa sensação. Abri os olhos e o encontrei me encarando. Lindo!

– Em me enlouquecer?

Ele se movimentou com mais firmeza, me preenchendo até o limite e repetindo o movimento com mais força.

– Porra, Alex! Oh, meu Deus!

– Essa boca suja serve para muitas outras coisas além de xingar e provocar as pessoas com doces.

– Você adorou – provoquei e o senti mais fundo, nos dois pontos. – Oh, droga!

– Adorei, sua safada! Mas muitos idiotas também adoraram e eu não gosto de ninguém imaginando coisas com a minha esposa. Diga, Charlotte, em que estava pensando?

– Em você – admiti excitada demais com seus quadris chocando-se em minha bunda em movimentos cada vez mais rápidos.

Porra, aquilo era fantástico!

– Ah, droga! – ele gemeu com a minha confissão.

Suas mãos seguraram a camisa da fantasia dos dois lados e puxaram, arrebentando os botões, assim meus seios ficaram mais expostos, então, sua palma quente e ansiosa encontrou meu monte volumoso e se fechou nele com desejo. Arqueando-se, voltou a me penetrar, indo até o fundo. Não havia mais espaço, nem no meu corpo nem na minha mente.

– Alex... – o que eu ia dizer se perdeu no ar no instante em que meu bico foi apertado pelos seus dedos, puxando-o até arrancar o ar de mim.

– Você é muito safada, Charlotte! Esta carinha de anjo, de menina ingênua. – Deu uma risadinha abafada. – Posso imaginar seus pensamentos ao chupar aquele pirulito.

– Eu sei que pode, assim como tenho certeza de que está cem por cento certo quanto ao conteúdo desses pensamentos...

E me perdi com as estocadas mais profundas e rápidas.

– Puta que pariu, Charlotte!

Pelo seu tom, tive a confirmação de que não suportaríamos mais. Sem pensar duas vezes, empinei mais a bunda e me permiti sentir seu corpo duro entrando e saindo do meu.

– Alex, eu vou... Oh, droga! Eu vou...

– Eu também.

E ele explodiu antes de mim, me forçando para frente e se apertando em mim até que meu corpo não suportasse e se entregasse ao orgasmo delicioso que lambeu minhas pernas, se alojou em meu ventre e incendiou meu corpo.

Com a respiração pesada e entrecortada, ele me abraçou e testou nossos corpos, ainda envolvidos pelo prazer extasiante, saindo demoradamente e voltando a entrar até que se sentisse realmente satisfeito.

– Gostei desta fantasia – revelou ao me puxar para me colar mais adequadamente a ele.

Minha coluna protestou e eu me vi pensando que talvez fosse a hora de fazer alguma atividade física para ficar mais bem preparada para os momentos com o meu marido.

– Posso providenciar outras – brinquei e ele riu baixinho. Senti meu rosto esquentando quando revelei: – E gostei da novidade.

Ele riu mais uma vez e levantou o corpo para me encarar. Alex acariciou meu rosto com cuidado e avaliou minha expressão.

– Eu tinha certeza.

– Eu sei.

Mordi o lábio inferior, sentindo-me envergonhada. Ele beijou meus lábios de uma maneira casta e seus dedos percorreram meu couro cabeludo.

– Foi maravilhoso – disse baixinho. – Obrigado!

Deixei-me ser beijada, aceitando todo o carinho que ele me dava como recompensa pelo que nos permiti viver.

– Vamos tomar um banho?

Aquela pergunta estava tão repleta de promessas que logo meu corpo correspondeu. No entanto, com a ausência do calor que me impulsionava a continuar, da volúpia que tirava de mim todo o desconforto, impedindo-me de pensar nas consequências daquele ato, eu me vi perdida no temor de não saber como funcionaria o meu corpo dali em diante. O que mudaria? O que poderia ou não acontecer? Eu não sabia. Mordi o lábio mais uma vez e meu rosto esquentou consideravelmente.

– Vá na frente, eu preciso...

Ele me olhou com curiosidade e, logo, um sorriso travesso brincou em seus lábios, se esticando de um dos lados.

Para não me constranger ainda mais, Alex se levantou retirando aquele troço que estava dentro de mim e se abaixou me dando um selinho.

– Encontro você no quarto.

E saiu, deixando-me sozinha com as minhas dúvidas.


CAPÍTULO 12


“As ideias das pessoas são pedaços da sua felicidade.”

William Shakespeare

 

CHARLOTTE


Certo. Não preciso ter medo. Não preciso ter medo.

Mas eu estava com medo.

Vamos ser realistas. Um lugar utilizado para saída não responde muito bem às entradas, entendeu? Porra! Lógico que eu estava com medo. O que eu poderia esperar?

Calma, Charlotte! Que coisa mais ridícula e absurda!

Mesmo assim, não fiz força para levantar, vai que... puta que pariu! Onde eu estava com a cabeça? Sem contar que, no momento, eu não pensei muito bem no que seria o depois, e eu, com o sangue mais frio, as ideias fervilhando na cabeça e o corpo não tão entregue, sabia que alguma consequência nossa brincadeira causaria. Até já podia sentir uma delas: assadura.

– Tudo bem. Você consegue. – Minha voz ecoou na sala vazia e pouco iluminada.

Levantei cuidadosamente, conferindo meu corpo, as suas reações e possíveis incidentes.

– Incidentes improváveis, Charlotte! Deus do céu!

Eu estava uma pilha. Lógico que estava. Bastou ficar de pé para que o resquício de lubrificação, e as paredes, outra vez mais próximas uma da outra, começassem a apresentar certa ardência, típica de um corpo desvirginado. Ri sozinha. Deus, eu era mesmo muito louca com os meus pensamentos.

Mas que estava ardendo estava. Não muito. Não o suficiente para me fazer arrepender, apenas para me lembrar do que aconteceu e do que ainda poderia acontecer. Eu daria tudo para conferir de perto a espessura daquele brinquedinho. Aliás, eu faria isso tão logo Alex me deixasse sozinha. Era um direito meu avaliar o objeto de perto, não? Acredito que sim, afinal de contas, era em mim que ele havia entrado.

Porra! Que pensamento ridículo! Não consegui deixar de rir ao me imaginar dizendo a Alex que eu queria saber a grossura daquilo que estava em meu... bom, em meu corpo.

Ok, hora de andar. Senti um calafrio e aquele azedume que dá no estômago. Cara, eu nem conseguia acreditar que estava fazendo tanto drama para aquilo... sério, e se... porra, seria muita sacanagem comigo. Mas andar não poderia... ok, vamos testar.

Um passo, outro, tudo bem. Só o ardor devido à fricção das nádegas. Então... olhei para os lados e minha preocupação se voltou para o sofá, e se... não, está tudo limpinho, tudo no seu devido lugar. E Alex não me deitaria ali se soubesse que poderia... não, ele saberia e não permitiria que acontecesse.

Um sorriso brincalhão estava estampado em meu rosto. Era divertido estar tão insegura e sozinha, podendo brincar com os meus medos sem o seu olhar de “que menina boba e inocente”.

Bom, se eu ainda precisaria enfrentar as escadas, era melhor me apressar, ou Alex apareceria para checar o que estava acontecendo e aí, sim, seria constrangedor. Andei em um ritmo lento. Não, para falar a verdade, eu andei que nem uma lesma. Não dava para evitar. Qualquer movimento a mais em meu estômago, qualquer diferença sentida em minha barriga, me fazia apertar as nádegas e parar de andar.

Caralho! Não dava para passar um dia inteiro assim. E eu realmente precisava daquele banho. Sozinha, de preferência. Aliás, eu precisava de um pouco de privacidade por um tempo. Nada de sexo matinal, nem nada que me fizesse abrir as pernas facilitando... puta que pariu!

Respirei fundo quando cheguei ao primeiro degrau. Testei, retesei, relaxei, subi. Um processo longo e estressante. Ah, Deus, por que não poderia ser apenas prazeroso? Por que tinha que ter a parte ruim? E nós nem tínhamos feito de verdade. Eu até já podia imaginar quando Alex resolvesse que era a vez de ele entrar na festa. Eu passaria um dia inteiro na cama.

No meio da escada, ouvi a voz do meu marido me chamando. Droga!

– Já estou indo. É que... estava procurando o meu celular.

Ele apareceu na porta do quarto, o corpo envolto parcialmente em uma toalha, os cabelos molhados, gotículas descendo pelo seu peitoral tão bem trabalhado.

Ah, Alex!

– Você o deixou no bolso da minha calça.

Ele encostou na soleira e ficou me observando.

Droga! Não dava para subir a escada com tanto cuidado. Alex não me deixaria em paz nunca mais na vida se pudesse imaginar o meu drama. Ele me avaliou com certa satisfação, como se estivesse... Porra, ele estava conferindo como eu estava lidando com as consequências. Filho da puta!

– Vai ficar parada aí?

Merda! Ele brincava comigo.

– Não.

Meu lado infantil falou mais alto. Ele sempre falava. Não havia como evitar. Levantei a cabeça, encarando o meu marido, e comecei a subir os degraus, me esforçando ao máximo para não demonstrar dor ou angústia pelos movimentos bruscos para quem tinha acabado de... era demais para uma noite só.

Os lábios do meu marido se repuxaram para o canto em um sorriso irônico e seus olhos se estreitaram, me observando com atenção.

– Algum problema? – disse quando cheguei ao topo e precisei parar para me certificar de que nada aconteceria.

Confesso que meu olhar de raiva poderia matá-lo, só que eu não lhe daria aquele gostinho.

– Nenhum. Por quê?

Ele cruzou os braços e continuou me olhando daquele jeito constrangedor.

– Porque você está estranha.

– Estranha? – Apoiei o braço no corrimão e aproveitei para travar mais uma vez as nádegas, garantindo a minha segurança e assegurando a voz firme. – Eu estou apenas cansada. Posso tomar meu banho ou você tem mais algumas perguntas?

Ele riu baixinho e saiu da frente da porta, dando-me passagem. Com orgulho, juntei o que restava da minha dignidade e passei pelo meu marido, alcançando o banheiro e me trancando lá sem lhe dar chance de me intercalar outra vez.


ALEX


Arrumei a cama, observando Charlotte fingir que estava tudo bem, mas eu sabia que não estava e, cada vez que a observava lutando para esquecer das suas angústias e tentar sentar voltando rapidamente, eu tinha vontade de rir.

Claro que não dava para saber quais reações cada corpo tem ao sexo anal, como nós tínhamos apenas brincado, então não houve um estrago a ponto de causar dor. Eu estava apenas tentando fazê-la se acostumar à ideia. O que estava acontecendo era somente Charlotte sendo Charlotte, dramática e infantil, e saber disso me fazia sorrir todas as vezes que olhava tentando fingir que estava bem.

Eu nada dizia. Deixava a minha esposa se enrolar em seus pensamentos confusos e a cada instante ficar ainda mais engraçada e desejável. Foi engraçado quando a abracei pela manhã, sentindo-a se entregar as minhas carícias para logo em seguida se dar conta e se afastar com a desculpa mais esfarrapada possível.

E eu suportaria, permitiria que ela se angustiasse por quanto tempo achasse necessário até que criasse coragem e conversasse sobre o assunto comigo. Eu pagava para ter esta conversa. Seria, no mínimo, interessante.

Durante o café, ela apenas pegou uma xícara e andou até o jardim, o que quase nunca acontecia, mas ficou por lá e justificou dizendo que o dia estava lindo e merecia a sua atenção. Eu queria rir e dizer que ela não tinha motivos para se preocupar tanto, em vez disso, fazia a minha melhor cara de marido compreensivo e deixava que ela continuasse se torturando.

Não entendia por que ela ficou tão ensimesmada. É bem verdade que a única pessoa com quem eu tive uma primeira vez anal foi Tiffany, e ela não ficou muito tempo depois para eu verificar sua reação. As demais garotas já eram rodadas e até gostavam. Pediam. Sem traumas e sem consequências. No entanto, eu podia jurar que aquele excesso de cuidados e temores da minha esposa era um pouco mais do seu jeito dramático de ser.

Revirei os olhos, vendo-a levantar rapidamente quando pretendia sentar no banco da varanda, e preferi dar mais atenção ao jornal e deixá-la em paz para remoer suas angústias. Afinal de contas, um pouco de sofrimento até que ela conseguisse chegar a suas próprias conclusões, sem precisar ser conduzida por outras pessoas, não fazia mal a ninguém.

Charlotte precisava amadurecer, apesar de eu me divertir com as suas infantilidades. Era de suma importância que ela estivesse mais forte e segura para o que provavelmente aconteceria em pouco tempo. E seria uma droga.

No caminho para o escritório de casa, porque, mesmo sendo um dia de folga, eu precisava checar alguns documentos e dar andamento ao meu projeto, a encontrei andando com cautela e quase ri, porém preferi manter a farsa fingindo não ver seu desconforto.

– Está tudo bem, amor?

Rapidamente ela endireitou a coluna e seu rosto ficou vermelho.

– Tudo ótimo! Esta é a terceira vez que me pergunta, Alex. – E a sua postura defensiva já dizia tudo.

Sorri porque fui incapaz de conter a vontade dos meus lábios.

– Porque estou começando a acreditar que te machuquei ontem à noite.

Com essa, eu já sabia que minha esposa surtaria. Precisei de um esforço extraordinário para não gargalhar quando a vermelhidão do seu rosto começou a tingir as orelhas e pescoço.

– Ora, Alex! De onde tirou esta ideia?

Deixei minha cabeça pender para o lado, observando-a melhor e sabendo que isso a deixaria ainda mais sem graça.

– Quer conversar sobre ontem?

Os olhos de Charlotte ficaram imensos.

– Eu estou ótima! Não vejo motivos para acreditar que... – Seus olhos desviaram dos meus. – Que possa ter me machucado se só o que demonstrei foi prazer, então não vejo motivo para ficar me olhando assim e...

– Tudo bem. Eu só pensei que não estivesse legal. Você bebeu muito ontem, pode estar com ressaca, mal-estar... qualquer coisa. Se está me dizendo que está tudo bem... – Dei de ombros e ela relaxou. – Eu vou trabalhar um pouco no escritório. Quer sair para almoçar em algum lugar?

– Não.

Sua resposta muito rápida e a forma como voltou a ficar tensa me fizeram voltar a sorrir. Charlotte era inacreditável. Não resisti à vontade de provocá-la mais. Me aproximei, deixando-a entender o que eu queria.

– Vamos ficar em casa o dia todo?

Ela tentou recuar, mas minha mão rapidamente foi para a sua cintura, mantendo-a junto de mim.

– Então vamos aproveitar porque amanhã volto a trabalhar normalmente. – Deitei meu rosto em seu pescoço, uma tentativa de esconder meu sorriso imenso, e colei meus lábios em sua pele.

Charlotte retesou.

Deixei minhas mãos brincarem com o tecido do seu vestido solto, como se quisesse levantá-lo, ela se encolheu. Lógico que estava excitada, mas seu medo era muito maior que o desejo. Brinquei em sua clavícula, rocei os lábios de leve pela pele alva e, propositalmente, deixei minha esposa sentir minha ereção, que evidentemente estaria presente. Não sou de ferro e Charlotte é a minha fraqueza em qualquer momento.

– Eu preciso trabalhar no livro, Alex. – Sua voz fraca foi um divertimento à parte.

– Não pode esperar? – Não me afastei nenhum centímetro. Queria saber até onde ela iria com aquela loucura. – Nós poderíamos testar mais alguns brinquedinhos.

A tensão dos seus ombros chamou minha atenção. Provoquei.

– Já que você gostou tanto, poderíamos pular algumas etapas. – E não deu para impedir o divertimento em minha voz.

– Eu preciso... resolver algumas coisas... e... – Ela começava a se enrolar com as palavras.

– Tem certeza? – Me afastei para olhar em seus olhos e vi quando Charlotte titubeou. – Está tudo bem, não está?

Ela piscou algumas vezes e eu vi quando seu medo foi mais forte do que o desejo.

– Está tudo ótimo, Alex! Por que não vai trabalhar um pouco enquanto eu resolvo as minhas coisas?

Desisti de pirraçar a minha esposa e, com um beijo casto, me despedi dela e fui para o escritório, onde passei a maior parte da manhã e início da tarde. Respondi a alguns e-mails, fiz algumas ligações, uma delas para Peter, que me certificou de que o estado de Mary continuava o mesmo, nenhuma melhora, nenhuma piora também, o que já me deixava mais animado.

Lana, como era de imaginar, também estava trabalhando e me enviou alguns pareceres sobre originais. Conversamos um pouco sobre o livro da Charlotte e ela me passou um roteiro que iniciaríamos em breve para divulgar seu trabalho. Talvez devêssemos postar algo em plataformas gratuitas, apenas para que ela começasse a se tornar conhecida pelo público. Em breve, receberíamos o planejamento da equipe de marketing e publicidade.

Senti cheiro de comida e me peguei pensando no que Charlotte estava aprontando. Fui até a cozinha e a encontrei montando uma salada de verduras cozidas. Seu computador estava aberto no balcão, a tela escura. Ela me olhou com receio, no entanto, tentou disfarçar sorrindo.

– Se aventurando na cozinha outra vez? – Sentei no banco alto e me apoiei no balcão para observá-la melhor.

– Só uma salada e frango grelhado. Usei o que já estava temperado no congelador. Não achei molho para salada.

Dei a volta no balcão, abri a porta do armário que estava na outra extremidade e peguei uma garrafinha com molho de salada. Não era o mais saudável, mas serviria. Deixei sobre a pia e encarei a minha esposa.

– Está mais disposta?

Um rosinha quase suave tomou conta das suas bochechas e ela sorriu.

– Não acho que só porque estamos juntos devemos usar todo o nosso tempo livre para transar, Professor Frankli.

Sorri. Amava quando ela me atiçava me chamando de professor.

– Levando-se em consideração nossa tão recente vida sexual e a sua recusa, começo a acreditar que eu fiz alguma coisa de errado.

Ela ficou séria e desviou o olhar.

– Você sabe que eu adoro transar com você – revelou com os olhos na salada. – Não sei de onde tira essas coisas. – Tentou rir, o que soou falso.

– Talvez do fato de você estar evitando conversar comigo sobre ontem ou sobre como está se sentindo.

Charlotte parou de ajeitar a salada, mas seus olhos não se voltaram para mim. Eu estava cansado de fingir não estar percebendo e, analisando melhor, não havia motivo para tanto alarde, então, se ela estava mesmo com tantas angústias, era melhor que soubesse que eu estava disposto a ajudá-la. Até me arrependi de brincar tanto com a sua situação.

– Alex...

– Eu te machuquei?

Ela suspirou.

– Olhe para mim.

– Por favor, eu me sinto melhor se não olhar.

Comecei a ficar com medo do que poderia estar realmente acontecendo. Vi suas orelhas ficarem vermelhas e ela engoliu com dificuldade. Merda! Por que brinquei tanto com a situação e não me coloquei à disposição para ajudá-la? De onde eu tirei que Charlotte amadureceria se eu a deixasse chegar a suas próprias conclusões quando o que mais a deixava perdida era o sexo?

– Certo. Eu te machuquei? – repeti para que a pergunta não se perdesse no meio do seu constrangimento.

– Não – ela disse com firmeza, aliviando um pouco o meu temor. – Pelo amor de Deus!

– Charlotte, você não pode sentir vergonha de conversar comigo sobre isso.

– Claro que eu posso – rebateu, demonstrando o quanto a conversa a aborrecia. – Eu já disse um milhão de vezes, eu estou bem, você não me machucou, está tudo certo.

– Então por que está agindo como se estivesse com algum problema?

Ela fechou os olhos e virou o rosto para o outro lado. Sorri achando graça da sua relutância em conversar.

– Porque... – Ela parou por alguns segundos, provavelmente se perguntando se deveria ou não revelar alguma coisa.

– Charlotte...

– Eu estou assada, apenas isso. Satisfeito? Que droga!

Aproveitei que ela não me olhava e ampliei o meu sorriso. Lógico que ela estaria assada, como não?

– Muito? – Minha voz estava mais relaxada, o que poderia lhe transmitir confiança.

– Um pouco. Só o suficiente para incomodar. Podemos mudar de assunto? – Desta vez, ela me olhou e conseguiu me flagrar sorrindo. – Você está adorando, não é?

Levantei as mãos me rendendo e ri sem conseguir evitar.

– Não tenho como dizer que não. Sua ingenuidade me encanta.

– Ingenuidade?

– Charlotte, sexo anal é um assunto normal para ser debatido entre um casal. Não entendo a sua relutância e me divirto com ela.

– Sexo anal, até onde eu sei, é um tabu para muitos casais, principalmente casais recentes, como nós dois. – Seu olhar se tornou atrevido.

– Em que mundo você vive? – provoquei, assistindo a vermelhidão do seu rosto se intensificar.

Como minha esposa não respondeu, resolvi continuar.

– Então devo deduzir que este assunto virou um tabu para você.

Ela mordeu o lábio inferior e baixou o olhar.

– Charlotte?

– Não – disse baixinho.

– Não?

Ela negou com a cabeça.

– Por mim ou por você?

Ela suspirou e voltou a me olhar.

– Eu... gostei. – Minha satisfação escapou pelos meus lábios, formando um sorriso amplo. Ela sorriu sem graça e abaixou mais uma vez o olhar. – Só fiquei um pouco incomodada depois, mas gostaria de guardar esta parte para mim.

– Você gostou?

Ela concordou com a cabeça, me olhando vez ou outra através dos cabelos que desciam como uma cortina a sua frente.

– Então podemos continuar...

– Eu preciso de um tempo – disse rapidamente. – Para me restabelecer.

Mordi os lábios evitando o riso que certamente a constrangeria ainda mais.

– Claro! Ainda estou tentando fazer você se acostumar com a ideia, ficar mais à vontade.

– Obrigada!

Soltei o ar e ri abertamente.

– Às vezes você parece uma menininha, Charlotte. Puta merda! Eu me sinto um canalha aliciando uma garota.

Ela sorriu e relaxou visivelmente.

– Bom, eu estou sendo aliciada.

– Está?

Sua língua umedeceu o lábio inferior e meu pau reagiu na mesma hora.

– Se não está disposta a expor essa bunda deliciosa, é melhor não me provocar.

– Eu não estou fazendo nada. – Virou outra vez em direção à salada e recomeçou o seu trabalho. – Vamos almoçar?

– Se é só o que eu posso comer...

E fui atingido no rosto por uma vagem cozida.


CHARLOTTE


Trabalhei em meu texto uma boa parte da tarde, quando fiquei entediada e parei. Alex estava no escritório e não mais me atormentava com a minha cautela quanto a andar, sentar... optei por trabalhar na cama, onde era bem mais confortável, o que me rendeu uma dorzinha na coluna.

Desci, conferindo o silêncio da casa e a pouca luminosidade, já que o dia começava a se despedir. A luz que vinha do escritório me fez querer conferir o que Alex fazia.

Ele estava concentrado, digitando rapidamente no teclado e olhando para a tela com atenção. Mesmo assim, quando me aproximei, ele fechou a tela e me encarou. Fiquei envergonhada e minhas mãos foram diretamente para os meus óculos.

– Ainda trabalhando? – perguntei sem jeito por ter atrapalhado o que ele fazia.

– Escrevendo. – E cruzou as mãos sobre a mesa. – E você?

– Escrevi um pouco também. Não posso ler o que escreveu? Até hoje você não me contou nada sobre o seu projeto.

– Não. – Ele sorriu daquela forma escrota e permaneceu me encarando. – Quer debater comigo sobre o seu livro?

– Não – fui birrenta. O que havia de tão absurdo em me mostrar o seu livro? Não era o que eu fazia?

– Sou seu agente, Charlotte. Preciso saber como está conduzindo o livro.

– Não temos contrato, professor.

Ele sorriu com mais propriedade. Eu odiava quando Alex me fazia lembrar do quanto eu era infantil. Estreitei os olhos.

– Por que não posso saber sobre o que escreve?

– Porque eu não quero. – Continuou relaxado e sorrindo. Filho da puta!

– Ok. – Virei para ir embora quando ele falou.

– Está se sentindo melhor? Digo... a assadura. – Puta merda!

– Estou bem. – Parei com a mão na porta e de costas para ele.

– Sente aqui comigo. – Havia tanta ironia em sua voz que minha vontade foi levantar o dedo do meio para ele; como seria infantil, desisti.

– Eu almocei sentada.

– Parcialmente sentada.

– Alex, por que você não vai...

– Eu tenho pomada para assaduras.

Parei sem acreditar no que ele me dizia.

– Mais precisamente. – Deixou que o corpo se projetasse um pouco mais sobre a mesa e me encarou com olhos estreitos. – Para este tipo de assadura. Se me deixar...

– Eu estou bem. – Minha voz saiu irritada.

– Eu posso ajudar a melhorar. É só uma pomada, Charlotte, não seja infantil.

– Não estou muito certa se quero andar pela casa com algo melado e grudento na minha bunda.

Ele me encarou e depois explodiu em uma gargalhada gostosa. Acabei acompanhando.

– Você poderia parar de pegar no meu pé? Vai acabar me fazendo desistir de aceitar uma nova rodada, desta vez de maneira mais real. – Assisti quando seus olhos ficaram mais selvagens e a tensão sexual tomou conta do meu marido.

– Está certo. Não está mais aqui quem falou. Vou deixar você se recuperar e depois cobrar esta promessa.

– Que promessa? – Ri da forma como ele recuava. – Eu não prometi nada.

– Mesmo assim, sei que vai cumprir. Aliás... por que mesmo não podemos ficar juntos agora?

– Porque eu preciso de um tempo.

Ele levantou e andou em minha direção. Senti medo e, ao mesmo tempo, uma vontade imensa de estar com o meu marido. Era uma droga ter tanto receio.

– Vamos ficar um pouco no sofá. – Sua voz rouca indicava a sua real intenção.

– Alex...

– Só ficar juntos.

Ele não me deu chance de recusar. Simplesmente segurou em meus ombros e me conduziu para fora.

– Você desenvolveu algum tipo de fetiche pelo sofá?

Ele riu.

– Se eu te levar para a cama, vou exigir muito mais do que alguns momentos.

– Até parece que um sofá te impediria de alguma coisa.

– Não impediria.

Ele me sentou no sofá e puxou minhas pernas para cima, fazendo-me deitar. Depois virou-me de lado, como se eu fosse uma boneca de pano e deitou-se colado a mim.

– Agora, vamos fazer o que os casais que não podem transar fazem.

– Assistem filmes antigos e repetidos, tomando sorvete? – provoquei.

– Não. Dão uns amassos no sofá da sala.

Ri enquanto ele se ajeitava, apoiando-se no braço para que seu rosto ficasse acima do meu. Alex me olhou com aquela admiração que, normalmente, roubava meu ar. Ele era tão lindo, e me encarava como se eu fosse realmente a coisa mais maravilhosa do universo.

Eu era tão sortuda!

– Que sorriso lindo é este? – ele disse, passando os dedos em meus lábios, contornando o sorriso imenso que eu nem tinha reparado que estava ostentando. – O que você pensou para que esse sorriso encantador aparecesse?

Meu rosto ficou quente e ele percebeu, porque seus dedos alisaram minha bochecha e ele também sorriu.

– No quanto eu tenho sorte – admiti.

Ele arqueou uma sobrancelha.

– Casei com um homem lindo, apaixonado, que cuida de mim, mesmo tentando me fazer ficar constrangida sempre que pode.

– Porque eu amo suas bochechas rosadas.

– E ama me colocar em situações embaraçosas.

– Amo tudo em você, Charlotte, até as situações embaraçosas, como perguntar como está a sua bunda neste exato momento, com meu corpo pressionando o seu.

E seu sorriso se ampliou. Ele era lindo, delicioso e escroto pra caramba.

– Está ótima, professor Frankli. Pode parar de tentar me sacanear.

– Eu posso te mostrar as vantagens de ter um marido cuidadoso. É só me deixar passar aquela pomada...

– Alex! – Dei um tapa em seu braço e ele riu com vontade. – Fique longe da minha bunda.

– Isso vai ser impossível, Charlotte. Impossível!

Seus lábios tomaram os meus e, logo, eu não conseguia mais pensar em nada que não fosse a sua língua, seus toques, seu corpo se apertando ao meu... Cara, Alex era o máximo no quesito “faça sua esposa calar a boca e esquecer os problemas”.

Meu sangue ferveu, minha pele arrepiou, meus seios ficaram rijos e meu sexo, molhado, o que me lembrou... ah, não, eu queria esquecer isso também. Alex me apalpou, subindo a mão pela minha barriga, alcançando meus seios, ainda por cima do vestido. Sua língua brincava com a minha, provocando e instigando-me a segui-lo, seus lábios se alimentavam dos meus, relaxando meu corpo e me entregando o seu desejo, seu corpo, completamente aceso, roçava com cuidado o meu, e eu fui entrando naquela onda, sendo levada, aceitando que seria muito mais do que um simples amasso no sofá quando...

– Puta que pariu! – Alex rosnou quando a campainha tocou nos arrancando do nosso momento.

Ele olhou em direção àa porta e depois para mim, então resolveu ignorá-la.

– Correio.

E voltou a me beijar com voracidade.

A campainha tocou outra vez e, em seguida, uma série de socos na porta.

– Puta merda! – ele resmungou e levantou. – Eu vou matar você, Patrício!

Patrício? Merda!

Levantei correndo e rapidamente me arrependi, sentindo o familiar desconforto que insistia em me lembrar as travessuras da noite anterior. Piorava e muito quando meu sexo ficava úmido o suficiente para tornar tudo ainda mais difícil.

Outra vez a porta foi esmurrada. Passei a mão no vestido e arrumei as alças, enquanto Alex abria a porta resmungando.

– Que parte do “eu estou em lua de mel” você não entendeu?

– Estou lhe fazendo um favor. Transar demais enfraquece. – Ouvi Patrício rebater com ironia enquanto passava pela porta aberta.

Logo em seguida, a risada de João Pedro ganhou a minha atenção. Meu cunhado me olhou e sorriu.

– Ainda bem que a bunda branca de Charlotte está coberta.

Alex acertou a cabeça do irmão com um tapa e este riu.

– Charlotte, você ainda consegue ficar de pé? – João Pedro brincou e eu senti meu rosto esquentar até o último grau.

– É só dizer que eu os coloco para fora em dois tempos, amor.

João fez cara de ofendido.

– Viu só o que um homem dominado faz, Patrício? Antes, tínhamos passe livre.

– Cala a boca, João – meu marido resmungou, dando uma cutucada no amigo. – Parece uma mulher traída. – E seu sorriso era real. Alex estava feliz em tê-los ali.

– Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a...

– À merda – cortei Patrício, que me encarou sem reação.

Alex riu alto e João piscou para mim, aprovando a minha provocação. Meu cunhado estreitou os olhos e sorriu diabolicamente.

– O que uma interrupção sexual não causa em uma mulher.

Levantou uma sacola para o meu marido e, pelo tilintar das garrafas, deduzi ser cerveja. Eles pretendiam esticar o fim da tarde.

Frustração me definia.

– Cala a boca, Paty! – Alex me defendeu. – E deixe Charlotte em paz ou então será a sua bunda que eu vou comer.

João estava andando em minha direção, quase me alcançando, quando ouviu a merda que Alex falou e virou fazendo uma cara que eu sabia que me colocaria no inferno.

Puta. Merda.

– Epa! Quem aqui tocou no assunto “comer bunda de alguém”? – Patrício riu alto. – Ninguém chegou aqui com este assunto, então eu preciso saber por que Alex levantou o tema.

Percebi o olhar de desculpas do meu marido e fiz a minha melhor cara de “nunca vou te perdoar”, ele suspirou.

– Não inventa assunto, João. Amor, esses idiotas vão ficar um pouco.

João me avaliava e sorriu, fazendo-me encolher como um bicho acuado. Que grande merda!

– Tá, eu vou...

– Calma aí, calma aí – João me interrompeu com seu tom irônico, me dando a certeza de que não seria uma conversa muito agradável. – Deixe-me ver você, Charlotte.

– João, vá se foder, cara. – Alex entrou na minha frente, tentando sorrir para manter o clima de zoação. – Pode tirar seus olhos da minha esposa. Se quiser beber, é melhor começar agora ou então vou desistir.

– Eu só ia dizer que o casamento não fez muito bem à garota. Você está com uma cara péssima, Charlotte. Noites maldormidas? – Aquele sorriso brincalhão estava lá para me aterrorizar.

– Estou em lua de mel, professor João. Uma pena você não ter feito o mesmo por Lana.

Alex e Patrício riram e João sorriu largamente, sem se importar com a ofensa.

– Eu disse que ela era uma diabinha – Patrício brincou, fazendo-me recuar.

O idiota ainda acreditava que eu voltaria a considerá-lo como alguém com quem eu gostaria de socializar.

– Vou continuar trabalhando no livro – anunciei.

– Vá. Nós vamos beber e embebedar o bunda-mole do meu cunhado. Opa? Eu falei bunda? – João brincou, fazendo Patrício gargalhar. – Entrego-o de volta quando Alex não conseguir mais manter o pau erguido.

Meu rosto queimou e Alex colocou um braço em meus ombros.

– Vou levar você lá em cima.

João e Patrício foram para a cozinha e Alex me acompanhou. Não falei nada, pois não queria chamar atenção dos outros dois, mas, quando chegamos no primeiro degrau, ele me pegou no colo e subiu correndo as escadas. Gritei, porque não poderia haver outra reação para o que ele estava fazendo.

– O que...

Ele me deitou na cama e se deitou sobre mim.

– Para, Alex!

– Desculpe, eu não fazia ideia de que eles apareceriam. Ontem mesmo eu disse que não.

– E aquela conversa de bunda foi constrangedora – protestei e Alex sorriu largamente.

– Bobagem. João falou aquilo para te deixar sem graça. Não tem como ele saber sobre o seu... – Ele me olhou e sorriu. – Desconforto.

Bati em Alex, exigindo que ele saísse de cima de mim.

– Você é um idiota, Alex Frankli!

– Deixe de bobagem, amor. – Ele riu enquanto saía de cima de mim. – João estava te provocando porque sabe que sexo anal é tabu para a maioria das mulheres.

– Sério? Em que mundo você vive, garoto?

E o sorriso de triunfo foi todo meu.


CAPÍTULO 13


“Nada encoraja tanto ao pecador como o perdão. ”

William Shakespeare

 

ALEX

 

– Caralho! É sério mesmo que já aconteceu?

Olhei de soslaio para João Pedro, incomodado com o fato de ele não desistir do assunto. Não era confortável conversar sobre Charlotte, principalmente sobre algo tão íntimo, e o que era pior, quando ela estava em casa. João era realmente muito sem noção.

– Não acredito que você não vai me contar – ele continuou.

– Larga de ser idiota, João. Não vou ficar falando sobre a minha vida sexual que nem um adolescente – rebati. – E pare de pensar besteira. A compulsão de Lana pelo sexo já está afetando a sua mente.

– E, mesmo assim, Lana nunca aceitou fazer anal. Você é um filho da puta sortudo.

Patrício riu do nosso cunhado e se serviu de um pouco do amendoim que eu tinha disposto sobre o balcão.

– Você é um imbecil, João. Por isso ela nunca te deu a bunda – brincou meu irmão e eu fiquei mais incomodado.

– Vocês dois já pararam para pensar que estão falando da minha irmã? Nem sei por que ainda me dou ao trabalho de beber com vocês – esbravejei.

– Corrigindo: estamos falando de Charlotte e do fato de vocês, em tão pouco tempo de vida sexual, devo ressaltar, já terem feito sexo anal – João me cortou e Patrício explodiu em risadas.

– Não sei de onde você tirou isso, João. Aliás, sei, sim, da sua mente pervertida e doentia.

– Ou do fato de você ter ficado completamente sem graça quando iniciei a brincadeira e eu nem vou dizer que o rosto da Charlotte parecia um tomate. Conta logo, Alex. Rolou ou não?

– Porra! – Passei a mão no rosto e observei que o céu estava carregado. Teríamos chuva aquela noite. – Pela última vez: não vou conversar sobre a minha vida sexual, João Pedro.

– Rolou – Patrício afirmou e bebeu mais um gole da sua cerveja. – Claro que rolou.

– Por que não conversamos sobre Miranda e a reconciliação de vocês? – provoquei e João arqueou uma sobrancelha, encarando o meu irmão.

– Porque não tem nada para ser dito sobre isso. Nós conversamos e reatamos, é assim que funciona.

– Então me explica por que você estava com aquele cartão?

João encostou-se no balcão, encarando o meu irmão, que ficou realmente sem graça.

– Que cartão? – Fiquei curioso.

– Nenhum. Não foi nada de mais, só João Pedro, idiota profissional, inventando história.

– Inventando história? Sei! – João deu um gole em sua cerveja. – Eu entrei na sala dele há uns quatro dias...

– Cala a boca, João! – Patrício tentou fazê-lo parar de contar.

– Você não disse que era mentira? Vamos deixar Alex decidir se é suspeito ou não.

– Porra, eu quero saber que conversa é essa – entrei na brincadeira, agradecendo por terem esquecido minha situação com Charlotte.

– Continuando... – João olhou para Patrício, desafiando–o, então deu andamento à conversa. – Patrício estava ao telefone, em pé, afastado da mesa. – Ele levantou para demonstrar como foi, gesticulando com empolgação. – Eu só precisava dar um recado, então fiquei em sua mesa.

– Porque é um filho da puta curioso – Paty completou, ainda ansioso com a revelação.

– Não importa – João continuou. – Eu estava lá, sentado naquela cadeira de magnata que ele fez questão de comprar.

Ri porque João nunca deixaria de sacanear Patrício por causa daquela cadeira.

– E vi que, sobre os vários papéis que estavam na mesa, que ele insiste em manter desorganizada, havia um cartão, todo preto, com apenas um nome escrito em dourado e um telefone no verso.

– E daí? – falei impaciente com todo o teatro de João Pedro.

– E daí que não te diz nada um cartão todo preto, com apenas um nome em dourado e um número de telefone no verso?

Busquei em minha mente algo que pudesse me lembrar um cartão assim e não encontrei nada, mesmo assim provoquei.

– Alguma prostituta?

– Puta merda! – João riu alto. – Muito mais do que uma prostituta.

– Fala logo – insisti, querendo acabar com todo aquele mistério.

– Era do Harém – Patrício revelou. – Ele descobriu um cartão de acesso ao Harém.

Senti meu sangue gelar. Merda!

– Entendeu? Ele recebeu um convite para passar uma noite no Harém.

Como eu nada disse, nem continuei com a brincadeira, João brincou.

– Vai dizer que Alex Frankli nunca recebeu um convite para a maior casa de suingue do Rio de Janeiro?

Engoli em seco. O que eu poderia dizer?

– Você recebeu um convite? Quem te deu? – falei diretamente com Patrício. Não era possível que Miranda tivesse coragem.

– Sinto muito, conto o milagre e não o santo – Patrício brincou. Foi impossível relaxar e continuar brincando.

– Então você foi ou não? – João insistia para que eu falasse.

– Duas vezes – revelei, analisando a reação do meu irmão. – Mas não curti muito.

– Você é um idiota – João gritou animado com a minha revelação. – E nunca me contou nada. Com quem você foi?

– Uma vez com Tiffany.

Ele deu outro grito.

– Ela não gostava muito dessas coisas, pelo menos era o que eu achava.

– Tiffany foi a revelação do ano – Patrício brincou. – Quem foi a outra?

– Rafaela. – Eu não queria entrar em detalhes, porque foi justamente na noite em que aceitei aquele convite que comecei a ter problemas.

– Rafaela? Quem diabos é Rafaela? A Dórea?

– Não. Vocês não conhecem – desconversei. – Nos conhecemos em um almoço e nos encontramos alguns dias depois, mas isso não vem ao caso. Quem conseguiu o convite para você?

– Isso não vem ao caso. – Paty se afastou do balcão e levou a sua bebida. – Eu ainda nem sei se vou ou não.

– E Miranda? – Eu estava realmente tenso com aquela conversa. – Ela sabe sobre o convite?

– Sabe – ele respondeu naturalmente, como se fosse algo normal para se propor para a namorada.

– E ela aceitou? Porra, só eu não dou sorte com essas coisas – João disse desanimado.

– Você é casado com a minha irmã, João! Dê um tempo nas suas lamentações.

Ele sorriu ironicamente e se calou com mais cerveja.

– Miranda ainda não decidiu sobre o assunto. Pensei em ir só para conhecermos. Ela está com um pouco de receio.

Sei! Desviei o olhar, tentando não ser irônico com o meu irmão e acabar chamando a sua atenção para o que tinha acontecido. Droga! Seria um inferno se todos descobrissem.

– Não é um lugar para levar a namorada, Patrício.

Falei apenas por falar. Cada casal decidia o que era melhor para sua relação, no entanto, se eu conseguisse convencer meu irmão a não ir, ou não levar Miranda, estaria poupando-os de maiores problemas.

– Você é um cretino, Alex – João protestou. – Levou a Tiffany.

– Fale baixo. – E só Deus poderia saber o que seria da minha vida se Charlotte descobrisse esta parte do meu passado. – Tiffany não era minha namorada.

– Não era o que parecia – ele disse, rindo da minha cara. – Miranda pode gostar. Quem sabe? Se Lana quisesse, eu iria numa boa.

– E eu mataria você por levar minha irmã a um lugar como aquele. – Eu sabia que não poderia jamais me meter nas escolhas deles, mas... Caralho! Ali não era lugar para Lana. Não mesmo.

– Lana é maior de idade – ele alertou. – Casada. Muito bem resolvida. – Arqueou uma sobrancelha, me desafiando.

– E eu acho que você realmente adoraria ver outro cara comendo a bunda da sua mulher – Patrício provocou e eu ri, ainda nervoso.

– Não, mas isso pode acontecer com a sua bunda, quando você for com Miranda Dominatrix, ou acha mesmo que eu acredito que ela vá aceitar ser apenas a garota boazinha? Conte outra, Paty! – João sempre tinha as melhores tiradas, por isso ri de verdade. Ele mal sabia do que Miranda era capaz.

– Paty é a puta que te pariu!

Meu celular tocou e eu o peguei apenas para conferir. Não pretendia atender nenhuma ligação relacionada a trabalho e, como os dois patetas estavam comigo, poucas pessoas estavam na minha lista de ligação pessoal.

Era Peter. Franzi o cenho sem saber o motivo daquela ligação, afinal de contas, havíamos nos falado à tarde e estava tudo bem. Mesmo assim, não tive como evitar o frio que praticamente congelou minha espinha. Levantei e me afastei, ouvindo o celular de Patrício tocar.

– Peter?

– Alex, começou.

Meu sangue correu mais lentamente. Sem conseguir responder, virei em direção aos passos leves que eu ouvia e vi Charlotte parada na cozinha, a pele pálida, os olhos esbugalhados e o pânico estampado em sua face.

Que merda!


***


Charlotte tremia e estava muito pálida, no entanto, aceitou tomar um banho antes de sairmos para o hospital. Tenho que contar que, no momento em que o celular tocou e identifiquei ser Peter, tive medo de receber aquela notícia e mais ainda de comunicá-la a Charlotte, por isso apenas confirmei que Mary não havia se sentido bem e estava na emergência.

Claro que Miranda conseguiu ligar antes, também ligou para Patrício assim que desligou com Charlotte. A minha sorte, ou azar, foi que ela também não sabia a gravidade da situação, então minha esposa, mesmo nervosa e com muito medo, não fazia ideia do que a aguardava.

O pior de tudo foi constatar que ela não estava preparada para passar por aquela situação. Quer dizer... quem na verdade está preparado para perder alguém tão próximo? Seja ele pai, mãe, irmão, filho... Mas a verdade é que Charlotte não teria tempo para se acostumar à ideia, ou escolher como viveria este tempo restante com a mãe. Em uma atitude que talvez possa ser considerada egoísta, se é que tenho o direito de julgar a escolha deles, esta possibilidade lhe foi tirada, restando apenas a alternativa de se conformar, aceitar.

E o que restaria depois?

Tive pena da minha esposa e do que ela precisaria enfrentar, também tive dúvidas se ela seria forte o suficiente para seguir em frente. Só de uma coisa eu tinha certeza, um pedaço de Charlotte morreria junto com a mãe e esta parte nunca mais seria recuperada.

– Estou pronta.

Sua voz doce e fraca preencheu a escuridão do quarto. Olhei em direção ao closet e a vi em contraste com a luz que saía do ambiente. Não tive coragem de falar nada. Todos os meus gestos pareciam pesados demais, como se, naquele momento, as minhas escolhas pesassem uma tonelada. Foi horrível perceber que eu nunca deveria ter concordado em manter aquela mentira e, naquele instante, entendi que o peso da verdade cairia sobre o meu relacionamento.

Descemos juntos. Desta vez, fomos em meu carro. Charlotte não reagia, apenas olhava a fina chuva que começara a cair pouco antes, como se o céu estivesse precipitando as lágrimas que certamente fariam parte do nosso cenário por muito tempo.

Eu não queria falar. O que eu poderia dizer? Que daria tudo certo? Que Mary ficaria bem? Não. Não seria justo com Charlotte continuar mentindo. Eu já pagaria um preço alto por ter ocultado a verdade, não precisava continuar sustentando a farsa.

– Você está muito calado.

Não consegui evitar a careta que se formou em meu rosto.

Eu me conhecia o suficiente para saber que, em qualquer outra situação, estaria tentando animá-la, sendo mais otimista. O pior era que Charlotte também sabia disso. Seria assim tão rápido? Ela descobriria que menti sem ao menos me dar a chance de tentar encontrar uma desculpa? Apertei as mãos no volante.

– Eu não sei o que dizer – admiti sem querer olhá-la.

– O caso é tão ruim assim?

Engoli em seco.

– Charlotte, vamos aguardar até que seu pai possa esclarecer tudo, ok? No momento, só precisamos chegar ao hospital.

Os longos segundos que ela permaneceu me encarando, e que eu, covardemente, evitei olhá-la, apesar de sentir seus olhos acusadores me queimarem, me pareceram intermináveis. Então minha esposa se calou e voltou a observar a chuva. Me amaldiçoei um milhão de vezes por não ter uma palavra de conforto para ela.

Estacionamos na primeira vaga encontrada. A chuva tinha aumentado e o frio que nos cercava certamente não era devido a uma mudança súbita de temperatura, e sim o temor existente dentro de nós dois. Tomei coragem e encarei minha esposa. Tive certeza de que meus olhos disseram muito, pois vi seu rosto ficar cada vez mais triste enquanto ela lutava bravamente para não se entregar.

– Charlotte...

– O que você sabe, Alex? – Sua voz estava rouca e continha a acusação que eu sabia merecer.

– Talvez seja melhor conversarmos antes de você entrar.

E as lágrimas dela já desciam antes mesmo que eu continuasse.


CHARLOTTE


A dor que eu sentia parecia me rasgar de dentro para fora, mas eu me mantinha de pé, firme, mesmo com as lágrimas incessantes e os soluços que insistiam em escapar.

Alex falou tudo o que sabia. Contou-me a verdade que concordara em me esconder. Ele também havia tirado de mim o direito de escolha, como se eu fosse uma criança incapaz de tomar as decisões corretas. Arrancou o meu direito de escolher o melhor para ela, para mim, para nós duas.

Se eu soubesse... O que teria feito? Sofreria? Com certeza! Mas mudaria todas as minhas escolhas. Teria dado um tempo da faculdade para estar com ela o máximo possível. Certamente, nem teria mudado de estado para conquistar a independência tão sonhada pelos jovens. Eu teria ficado ao seu lado. Dividiria a sua dor e, talvez, quando chegasse a hora da despedida, eu estivesse mais preparada... será?

Não sei dizer, mas a verdade era que eles não podiam ter me escondido a verdade. Era meu direito saber, meu direito escolher! Suspirei, limpando o rosto, apesar de saber que as lágrimas continuariam caindo. Alex permanecia ao meu lado, sem me tocar. Aceitava minha necessidade de espaço até que eu finalmente absorvesse e digerisse toda aquela história.

E então chorei ainda mais. Entendi os meus pais tentarem me poupar daquela dor, porque era tão forte e absurda que eu não conseguia acreditar como continuava de pé e respirando. Mas Alex... as lembranças me invadiam mesmo com a minha mente pedindo um tempo até que eu me adaptasse. Elas não paravam de gritar a nossa conversa no chalé antes do nosso casamento. A história que ele me contou sobre o amigo que perderia o amor da sua vida... meu pai perderia a minha mãe, e foi apenas por isso que ele teve aquela ideia louca de casar tão rapidamente. Foi tudo apenas para que minha mãe tivesse paz? Eu não sabia.

Não tive coragem de entrar no quarto. Não tive coragem de dar um passo em sua direção. Fiquei afastada, observando enfermeiras entrarem, Miranda sair para atender uma ligação, chorar um pouco e entrar novamente. Johnny chegar atordoado e também se trancar lá. Eu apenas observava escondida entre as escadas e a recepção do terceiro andar.

– Charlotte...

Alex estendeu a mão para me tocar e eu recuei. Sabia que não era o mais correto a ser feito, mas, no momento, a minha mágoa era tanta que eu apenas queria ficar sozinha.

– Você precisa entrar. – Deixou a mão cair ao lado do corpo.

– Para quê? Para vê-la morrer? Para constatar o que eu não quis enxergar? O que vocês não me deixaram ver?

– Amor...

– Não, Alex! – rosnei, me afastando ainda mais.

– Eles quiseram apenas protegê-la.

– E você? O que você queria?

Ele se encolheu com a minha acusação. Não era justo aquilo tudo que vivíamos.

Por mais infantil que fosse, meu único pensamento era que tudo não passava de uma mentira. Eu não tinha dúvida do seu amor por mim, não havia como ser mentira, mas tudo o que fizemos, o casamento, ele ter aberto mão de tudo, da faculdade, da editora, para impedir que a minha formatura fosse sabotada, tudo em função da sua vontade de colaborar com os planos do meu pai de tornar os últimos dias da minha mãe inesquecíveis. Era louvável, mesmo assim, uma mentira.

E eu me vi me perguntando insistentemente se teria sido diferente se ele não soubesse a verdade? Se antes ele havia concordado em deixar as coisas acontecerem normalmente, provavelmente a sua decisão de se casar de qualquer jeito foi única e exclusivamente baseada em tornar possível a realização do plano do meu pai.

Era tudo uma mentira.

E doía terrivelmente.

Sufocava.

– Charlotte? – Ele se aproximou de novo. – Amor, você não está bem. Por que não senta um pouco?

– Foi por isso que insistiu em casar tão rápido, não foi?

– O quê? Não! – Ele levantou mais uma vez a mão para me alcançar e, novamente, eu recuei.

– Foi tudo uma mentira – acusei sem me importar se chamaríamos a atenção dos outros.

– Charlotte, não foi uma mentira. Você está confusa. Amor...

– Não me chame assim!

– Certo. – Ele me olhava atentamente e eu podia ver a dor causada por minhas acusações. – Fique calma, Charlotte. Sua mãe precisa de você agora, não é hora para discutirmos...

– Este casamento foi uma mentira!

E, sem querer, a dor já me sufocava e nublava minha mente. Eu não conseguia raciocinar, nem distinguir o que era certo ou errado, apenas queria esquecer tudo o que acontecia ao meu redor, tentar não pensar que o meu “faz de contas” estava desmoronando, e eu não tinha forças para mantê-lo de pé.

Por isso corri. Foi a única coisa que consegui fazer. Desci as escadas o mais rápido possível, ciente de que Alex tentava me alcançar, mas eu sabia que precisava sair dali e, se isso significava ficar longe dele, era assim que seria.

Passei pela entrada da emergência ouvindo seus gritos me chamando de volta e saí para a chuva forte. O motorista do táxi parado diante do hospital não entendeu muito bem quando entrei apressada, gritando para que desse partida, mas obedeceu automaticamente e eu vi meu marido ficando para trás, cada vez mais longe, como um passado que não mais voltaria.


ALEX


Charlotte havia desaparecido. Ela simplesmente correu, fugiu de mim, foi embora, me deixando para trás.

Fazia vinte e quatro horas e ninguém tinha a mínima ideia de onde ela poderia estar. Eu já havia procurado em todos os lugares e começava a cogitar a ideia de procurar em hospitais, delegacias, necrotérios... Puta que pariu! Já era difícil saber que Mary piorava consideravelmente a cada minuto, sem a minha esposa, tudo parecia ganhar uma amplitude ainda maior.

Eu não sabia o que fazer.

– Amor, sou eu mais uma vez. Por favor, retorne minhas ligações, nós estamos muito preocupados e... – Olhei para a minha imagem no espelho, assustando-me com as olheiras e a barba já apontando. – Sua mãe precisa de você. Apareça. – Desliguei a milésima ligação do dia para a minha esposa. Cada segundo de silêncio ampliava o buraco em meu peito, como pode?

– Nada ainda? – Miranda parou ao meu lado. Ela também não estava bem, pelos dois motivos.

– Nada. Charlotte não retorna as ligações.

– Aonde será que ela se meteu? – Passou a mão pelos cachos, sentou e suspirou cansada. – A madrinha está cada vez pior.

– Eu sei. É estranho, não? Mary parecia bem até duas semanas atrás. Como a doença pôde evoluir tão rapidamente?

– Eu não sei. O padrinho não contou direito, apenas explicou que era um câncer muito agressivo e que eles já tinham tentado de tudo para salvá-la. – Ela desviou o olhar, deixando algumas lágrimas escaparem e eu fui ficando cada vez mais apreensivo.

Charlotte estava em algum lugar, sofrendo ainda mais do que Miranda, e sem ninguém para apoiá-la. Droga! Eu precisava encontrá-la, mas onde? Não havia mais nenhum lugar em que ela pudesse se esconder. Eu já tinha, inclusive, ligado para todos os hotéis previsíveis, para saber se estava hospedada.

– Ela deveria estar aqui – Miranda falou com voz chorosa. – Eu tenho que ir. Patrício está chegando e nós vamos passar lá em casa para buscar algumas coisas para o padrinho.

– Tudo bem. Eu vou aguardar mais um pouco.

Assim que ela saiu, Johnny entrou na sala onde eu estava. Ele parecia meio atordoado e parou ao me encontrar. Alguma coisa na forma como me olhou me fez ter certeza de que ele sabia de alguma coisa. Confirmei a suspeita quando fez uma careta e sentou em uma das poltronas.

– O que aconteceu?

Fui direto ao assunto. Não dava para enrolar em uma situação como aquela.

– Eu não deveria estar te contando isso, mas...

– Onde Charlotte está? – Ele fez mais uma careta e se mexeu incomodado.

– Eu não deveria te contar.

– Onde?

– Ela não quer te ver – falou com cautela, aguardando minha explosão.

– Pois ela deveria esquecer este problema neste momento e se concentrar em um muito maior. Charlotte está agindo como uma criança mimada enquanto sua mãe definha naquela cama.

Ele arqueou uma sobrancelha, me lembrando de que não era nenhuma novidade minha esposa ser infantil e mimada e que eu sabia muito bem o que estava levando para casa quando decidi me casar.

Eu não sabia por que estava com tanta raiva. Charlotte ter sumido, ter escolhido ficar longe de mim, me culpar por tudo, era, sim, o meu motivo, mas eu estava mais ansioso do que magoado. Aliás, eu nem me sentia no direito de ter mágoas, afinal de contas, realmente colaborei com aquela farsa, apesar de ter um bom motivo, que era ajudar a mãe dela.

No fundo, toda aquela história havia sido um disfarce utilizado para encobrir os meus reais motivos, pelos quais eu queria que Charlotte aparecesse, não porque a mãe dela precisava, e sim porque eu necessitava dela. Era egoísta, sim. Não dava para esconder. Minhas últimas horas foram as piores, um inferno para ser mais exato, então, se a única forma de tê-la por perto de novo era usando a desculpa da doença da Mary, eu o faria.

– Ela está magoada, Alex. – Ele levantou, rebatendo com determinação. – Eu acho que nem você nem o padrinho tinham o direito de tomar a decisão que tomaram.

– Nós tomamos? Peter tomou esta decisão em comum acordo com Mary. Eu apenas fui jogado nesta confusão.

Ele me olhou, puxando o ar com força.

– Isso tudo é uma droga! Charlotte está maluca. Não quer te ver e não tem coragem de encarar os pais, ao mesmo tempo está morrendo de medo de não dar tempo para... você deve imaginar.

– Onde. Ela. Está?

– Na minha casa. – Foi inevitável não desviar a atenção para a saída daquela sala, mas Johnny foi mais rápido. – Não vá até lá, Alex! Charlotte não quer te ver e, neste momento, eu sou a única pessoa em quem ela confia. Não vamos perder este elo.

Estanquei imediatamente. Era uma merda admitir que Johnny estava com a razão. Se Charlotte só o havia procurado, então era prudente não forçar demais. Controlando a minha ansiedade, andei para o fundo da sala, olhando pela janela que me mostrava o estacionamento. O mesmo que tinha permitido que ela escapasse de mim.

– O que eu faço? – Quando olhei para Johnny, ele me olhava como se eu estivesse dizendo algum absurdo.

– Você está realmente me perguntando isso?

Ri. Era um momento ruim. Tão ruim que eu precisava pedir conselho para o Johnny. Eu estava mesmo fodido.

– Estou desesperado, Johnny! Charlotte fugiu de mim, não me atende, nem retorna minhas ligações, não aparece para acompanhar os últimos momentos da mãe. Não sei mais o que fazer.

– Não quero me meter nisso, Alex. Não seria muito justo se eu passasse informações. Ela confia em mim, entenda. A coisa não está muito boa para o seu lado, tenho que ser justo. Charlotte está com a ideia fixa de que você só antecipou o casamento por problemas de consciência. A madrinha queria ver a filha bem e um casamento a deixaria convencida disso, então você aceitou, não pela sua vontade, e sim pela vontade deles.

– Isso é uma bobagem! Charlotte sabe que a amo, sempre deixei bem claro. Como ela pode duvidar do meu amor?

– É assim que ela está se sentindo. São muitos problemas de uma vez só e está tendo dificuldades para assimilar, por isso acho que você deveria dar este tempo a ela.

– Um tempo? Um tempo como? Separados? Ela vai embora, é isso? Foi o que ela te disse?

– Nossa! – Ele riu, deixando-me ainda mais irritado. – Ela nem sabe o que vai fazer da vida, Alex! Não tem nada definido. Charlotte está confusa e magoada, além de desesperada por estar perdendo a mãe e não saber o que poderia fazer para mudar esta realidade.

– Droga!

– Ela está sofrendo muito. – Seu sorriso se desfez. – Nunca imaginei que encontraria Charlotte naquele estado. Ela... ela não fala coisa com coisa. Fica se perguntando como seria, falando sobre o que não deveria ter feito... – Ele me olhou com apreensão. – Ela fala muito de você. Descansou pouco, não comeu nada... eu queria encontrar uma maneira de ajudá-la, mas não consigo, porque sinto a mesma dor que ela e tudo o que faço é tentar acalentá-la. Só que sofrendo também, acho que acabo prejudicando. Estou na mesma que você, sem saber o que fazer.

– Eu preciso vê-la, Johnny. Preciso me explicar. Mostrar que não é como ela está pensando.

– Alex, se ela não quer ouvir as explicações do pai, imagine as suas. Dê um tempo. Charlotte vai pensar melhor, vai conseguir acalmar a turbulência dentro dela e enxergar as coisas mais claramente. Se você forçar a barra, só vai piorar a situação.

Fiz um esforço imenso para conseguir continuar onde estava. Ele tinha razão, minha única opção seria aguardar.

– Quer um conselho? Vá para casa, descanse. Ela não vai aparecer por agora. – Ele olhou para os lados, como se estivesse sendo observado. – Charlotte vai me matar por isso, mas... ela pretende aparecer nesta madrugada. Acha que é melhor

– Certo. Obrigado!

Johnny me deu um tapinha no ombro e saiu em direção ao quarto da Mary.

Ainda fiquei algum tempo na sala, vi quando meus pais chegaram e só então voltei a entrar no quarto. Fui me despedir, dando a desculpa de que precisava resolver algumas pendências. A verdade era que eu faria o que Johnny aconselhou, descansaria para poder voltar no horário que ela ficou de aparecer. Para isso, era importante estar forte. Eu não sabia o que esperar.


CAPÍTULO 14

 

“A sabedoria superior tolera, a inferior julga. A superior perdoa, a inferior condena. Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar!”

William Shakespeare


CHARLOTTE


Os corredores do hospital durante a madrugada eram ainda mais fantasmagóricos do que costumavam ser. Eu nunca gostei deste ambiente. A ideia de doença, desespero e morte sempre foi mais forte do que a de vida e alegria das maternidades. Naquele momento, eu apenas sentia dor e solidão.

Mesmo assim, me forcei a continuar. Johnny estava certo. Minha mãe estava morrendo e eu não poderia ser tão infantil a ponto de me trancar em minha dor, perdendo os seus últimos momentos. A porta fechada indicava que ninguém mais estava por lá, como meu amigo havia dito.

Parei, pensando em como eu poderia ou deveria reagir. Não queria entrar em clima de guerra com o meu pai, mesmo ainda me sentindo extremamente traída. Ele também sofria e não me cabia julgá-lo. Não enquanto precisávamos ser fortes para proporcionar o melhor para a minha mãe. Respirei fundo e bati levemente na porta. No fundo, eu queria que eles estivessem dormindo, assim eu ganharia um tempo para ver, analisar e me recuperar.

Não foi o que aconteceu.

Assim que abri a porta, vi meu pai deitado desajeitadamente em um sofá que, provavelmente, se reclinaria para ficar mais confortável, porém ele não havia ajustado o móvel e sua coluna pendia para o lado, enquanto sua cabeça tentava encontrar um ângulo melhor. Do lado oposto, estava ela. Muitos fios ligados ao seu corpo que, só naquele momento, percebi o quanto estava debilitado. Um respirador em seu nariz e os olhos verdes, abertos, me observando.

– Oi! – Minha voz quase não saiu. Eu não esperava encontrá-la acordada. Definitivamente, não estava preparada para aquele encontro. Por isso, chorei, incapaz de controlar o meu sofrimento.

– Filha! Vem aqui. – Estendeu os braços, me oferecendo seu colo.

Tive medo de machucá-la, de fazer alguma coisa errada e acabar atrapalhando o seu tratamento.

– Está tudo bem.

Fui até minha mãe e, a cada passo, eu sentia como se estivesse entrando em uma caverna sem fim, adentrando em uma escuridão sufocante, que me cercava e aprisionava, me deixando sem escapatória.

– Vai ficar tudo bem – ela repetia baixinho e, muito lentamente, acariciava meus cabelos.

Enquanto sua voz, que parecia uma melodia, invadia meus ouvidos, meu cérebro só conseguia registrar o fato de que não a teria por muito mais tempo. Que eu deveria memorizá-la o máximo possível antes que não pudesse mais escutá-la. Foi o suficiente para me deixar desesperada.

– Não. Não está tudo bem. Não está nada bem. – Me afastei, evitando machucá-la com a minha agitação. – Por que esconderam de mim? Eu tinha o direito...

– Justamente para evitar que ficasse assim antes da hora. – Ela não parecia assustada, muito menos aborrecida com a minha reação. Muito pelo contrário. Minha mãe me olhava com tanta ternura que me desarmou. – Filha, a morte faz parte da vida. Pelo menos, estamos seguindo o curso natural das coisas: os pais sempre devem ir antes dos filhos. Eu tive tudo o que desejei, uma filha linda, que me deu as minhas maiores alegrias. Pude ver todas as suas realizações, seu casamento, sua formatura, sua primeira oportunidade como escritora...

– Mãe, isso não muda nada. Eu tinha o direito de saber.

– Para quê? Para que ficasse desse jeito? Para que estragasse todas as suas conquistas? Charlotte, você sabe que desistiria de tudo, me diga, valeria a pena?

Não consegui responder. Eu sabia que, em uma situação como aquela, com certeza eu adiaria todos os planos. Com certeza nem me permitiria viver tudo o que vivi com Alex. Droga!

– Você desistiria de tudo e, no final das contas, nada impediria o avanço da doença, nem a minha morte. Sabe o que aconteceria? Eu partiria sem vê-la formada no que ama, sem conhecer o seu olhar apaixonado, sem assistir ao seu casamento, sem compartilharmos diversos momentos de alegria. Você pode dizer que fomos egoístas, Charlotte, mas eu não me arrependo de nenhuma decisão. Foi justamente por causa delas que hoje sinto-me tranquila, com a certeza de ter cumprido a minha missão.

Solucei. Era tão correto e sensato e ao mesmo tempo tão egoísta e absurdo, que só me confundia cada vez mais. Apenas uma coisa me fazia repensar: tínhamos pouco tempo e não poderíamos desperdiçá-lo com brigas ou cobranças. Isso poderia ficar para depois.

– Eu queria que pudesse ser diferente – confessei, sentindo-me frágil, uma criança indefesa.

– Meu amor. – Ela sorriu, me chamando para perto. – Eu também queria, mas quem pode controlar a vida? Tenho medo do que vou deixar para trás. – E olhou para meu pai todo torto na poltrona. – Ele vai precisar muito de você. Charlotte, sua força sempre foi a sua maior qualidade. É hora de exercê-la.

– Eu não vou conseguir. – E as lágrimas continuaram caindo. – Não sou forte o suficiente, mãe. Não sei viver sem você. – Engasguei ao constatar aquela realidade.

– As pessoas morrem, Charlotte, e todos aprendem a continuar, querendo ou não. Você vai conseguir, eu sei disso. Vai ter uma vida linda, ao lado do homem que você ama, e vai me dar netos. – Sorriu, mas eu não consegui acompanhá-la.

Alex era outro problema que, mais cedo ou mais tarde, eu precisaria enfrentar.

Precisei me afastar um pouco e, como desculpa, fui até meu pai para verificar se ele sentia frio. Pelo visto, não. Voltei a encarar minha mãe, que me olhava impassível. Suspirei e senti vontade de deitar. Dormir era uma ótima maneira de escapulir daquela loucura toda.

– Alex não tem culpa – ela disse por fim. – Seu pai precisou envolvê-lo e só o fez porque me viu muito empolgada com o seu casamento. Ele sabia que não tínhamos muito tempo... – Sua voz me pareceu cansada demais.

Conferi o horário e me surpreendi ao perceber como o tempo corria quando eu mais precisava que ele parasse.

– Era a mim que ele devia esta história. Não podemos construir uma vida baseada em mentiras.

– Filha!

– Se não fosse por este motivo, nós teríamos nos casado? Não, mãe. Alex tinha concordado em esperar. O tempo que eu precisava poderia mudar tudo, inclusive a forma de enxergarmos um ao outro. Se tivéssemos aguardado, poderíamos decidir até mesmo não nos casarmos.

– Mas ele queria casar com você.

– Queria? Quem pode ter esta certeza? Quem pode me garantir que Alex não agiu pela vontade de fazer um bem maior? Ele nunca escondeu de ninguém a culpa que sentia pelo nosso relacionamento.

– Por Deus, Charlotte! Não fale assim. Alex ama você, e o que ele fez, em momento algum, foi por mim ou por seu pai. Não estrague tudo, filha.

Voltei a dar as costas a minha mãe. Aquele não era o momento certo para aquela conversa. Se eu teria que perder a minha mãe, se meu pai preferiu construir um mundo lindo, de sonhos e realizações, não seria eu quem colocaria tudo a perder. Alex ficaria para depois.

– Por que não dorme um pouco, mãe?

– Estou muito cansada.

Tentei sorrir, contudo, tenho certeza de que minha mãe não acreditou em meu sorriso.

– Você parece cansada. – Me aproximei do seu leito, verificando o seu lençol. – Descanse um pouco. Precisa de alguma coisa?

– Não. – Ela fechou os olhos e, por alguns segundos, me lembrou uma criança. Ela estava tão frágil! – Só preciso que fique aqui comigo.

– Eu vou ficar. Durma.


ALEX


Foi impossível ficar em casa depois da dica do Johnny. Eu sabia que aquele seria o único jeito de encontrá-la, só não podia projetar qual seria a sua reação. Eu não queria me impor. Claro que não. Era necessário respeitar o momento dela. No entanto, eu queria deixar claro que, independentemente de como ela estava enxergando aquela confusão, eu estaria lá para apoiá-la, mesmo que fosse apenas como amigo.

Merda!

Pensar nisso agravava a minha dor. Não queria pensar em Charlotte como amiga. Eu a amava! Amava aquela garota mimada e birrenta mais do que consegui me imaginar amando algum dia. Ela tinha se transformado em meu centro, meu foco, e ficar afastado me desestabilizava.

Entrar no hospital foi muito fácil, os funcionários já me conheciam, afinal de contas, estive presente em quase todos os horários desde que precisei contar a verdade a minha esposa.

Como encontrei a porta fechada, preferi aguardar do lado de fora. Eu não tinha certeza, embora imaginasse que Charlotte já estivesse lá. Por isso, fiquei quieto, encostado na parede, meu corpo todo tenso e atento a cada movimento minimamente percebido atrás daquela porta. Eu ansiava pelo reencontro e, ao mesmo tempo, temia revê-la e constatar que tinha realmente acabado.

Eu suportaria?

Não havia como saber.

Foi quando a porta se abriu. A princípio, a escuridão do lado de dentro, quebrada apenas pela pequena claridade dos aparelhos e a discreta luz do leito, logo em seguida eu pude vê-la.

Charlotte não notou a minha presença. Ela olhava ainda para a direção onde a mãe deveria estar e seu rosto demonstrava toda a sua tristeza. Tive vontade de abraçá-la, protegê-la e dizer que estava tudo bem, infelizmente, eu não podia. Era importante respeitar os limites dela, aguardar sua decisão.

Quando minha esposa saiu e fechou a porta, levantou os olhos em minha direção. Eu pensei que ela ficaria surpresa ou que teria mais um ataque, saindo de lá às pressas para ficar o mais longe possível de mim. Porém, ela me encarou e caminhou em minha direção. Passos firmes e olhos decididos.

– Alex. – Parou a dois passos. Talvez uma tentativa de manter tudo como estava ou simplesmente se defender de nós dois, do que poderia acontecer caso, por um acidente, nos tocássemos. – Como vai?

Tive que sorrir. Como podia tentar impor uma formalidade entre nós dois depois de tudo o que vivemos? Mas aquela era a minha Charlotte, absurda, confusa e perdida, o que apenas reforçava a minha ideia sobre o tamanho do seu sofrimento. Minha vontade era abraçá-la, só que eu não podia. Ainda não.

– Não estou nada bem, Charlotte, apesar de acreditar que o meu sofrimento nem se compara ao seu, então por que não nos focamos em você?

Ela abriu a boca e fechou, sem conseguir encontrar uma resposta. No entanto, desviou os olhos, encarando o chão, como se dividir comigo a sua tristeza fosse a última coisa que gostaria de fazer. Impulsivamente, dei um pequeno passo em sua direção e ela não se afastou.

– Como ela está? – Charlotte pareceu perdida com a minha pergunta.

Tenho que ser franco e admitir que meu medo de ouvi-la me dizer que acabou me impedia de iniciar a conversa que tanto necessitávamos, por isso preferi ser vago e tirar o foco de nós dois. Mary era o melhor assunto que poderíamos ter e, quem sabe, até nos reaproximar.

– Me diga você, afinal de contas, esteve aqui por mais tempo do que eu. Esteve por trás desta mentira toda, foi quem mais recebeu informações a respeito do estado de saúde dela, não é verdade?

– Charlotte!

– Ela está morrendo, Alex! O que espera que eu diga?

– Eu... – contive a vontade de me explicar. De nada adiantaria repetir que não tive escolha, quando eu sabia perfeitamente que a escolha foi toda minha. – Se pensa que me confrontar fará com que eu me arrependa de alguma coisa, Charlotte, está muito enganada. Eu posso ter errado ao concordar em mantê-la na ignorância dos fatos, embora não me arrependa de nenhuma das minhas decisões. Eu fui feliz, mesmo que por poucos dias, e você também.

– O que não muda nada.

– Muda tudo – falei um pouco mais alto e aproveitei para me aproximar ainda mais. – Você queria aguardar, mas eu sabia que sua mãe não teria este tempo. Como seria depois? Como seria, para você, saber que ela não pôde compartilhar um momento tão incrível como o nosso casamento? E a sua formatura? Você se lamentaria, Charlotte. Sofreria com a ausência de Mary em todos estes momentos importantes.

– Ela vai morrer e não poderá estar presente em muitos outros momentos.

– Eu fiz o que pude. Tentei fazer o meu melhor.

– Claro! Você fez um favor aos meus pais casando-se comigo, fazendo, assim, a felicidade de uma moribunda. Foi um incrível ato de caridade.

– Do que está falando?

– Você tinha concordado em esperar.

– Por você! A minha vontade era adiantar o casamento, eu te disse isso, desisti somente porque queria a sua felicidade, queria que fosse como você desejava.

– Pelo visto, não foi.

– Não foi. – Fiquei com raiva e isso fez com que eu me afastasse. Era melhor do que explodir com a minha esposa em um momento em que ela estava tão fragilizada. – Merda, Charlotte! Eu posso ser acusado de tudo o que quiser, exceto de ter me casado por caridade. Eu nunca faria isso. Sei que, neste momento, sua tristeza e mágoa não permitirão que veja com clareza, mas, se fizer um esforço, vai se lembrar da nossa noite na cabana. Naquele dia, eu nada sabia a respeito de sua mãe, nem tinha ideia de como seria com o seu pai. Eu estava desesperado, aterrorizado com a ideia de te perder antes que pudesse dizer como me sentia. E eu disse, não foi?

Olhei minha esposa e vi seus olhos marejados. Ela sentiu o impacto das minhas palavras, mas não era o que eu queria para aquele momento. Fazer com que Charlotte entendesse que eu a amava era bom, também poderia ser um tiro no pé. Conhecendo Charlotte como conheço, ir de encontro ao seu orgulho ferido era o mesmo que desejar que ela fosse embora.

– Olha, Alex... – Ela parecia meio perdida, como se não soubesse o que dizer depois de tudo o que falei. – Este não é um bom momento. Eu...

– Tem razão. Não é o melhor momento.

– Eu não vou voltar para casa – ela disse, torcendo as mãos e com o olhar baixo. – Não posso, Alex! Sinto muito.

– Eu sei. – E me amaldiçoava profundamente por isso. Minha única vontade, naquele momento, era pegá-la à força e levá-la para casa. Não dava para acreditar que Charlotte estava desistindo de nós dois.

– Sabe?

– Eu sei, Charlotte!

E toda a minha raiva se dissipou. Ela era tão jovem... tão menina ainda e já carregava tanto sofrimento e dúvidas. Não dava para confrontá-la quando tudo que eu queria era acalentá-la.

– Mas ainda tenho esperança de que um dia volte. Hoje está mais difícil do que você pode suportar, então não vou ser egoísta pedindo que pense em nós dois. Tenha o tempo que precisar. Eu estarei por perto, esperando a minha vez.

– Alex!

– Eu amo você! Não me arrependo do nosso casamento, nem de tudo o que precisei passar para tê-la comigo. Não me arrependo dos dias em que precisei esconder de você a verdade, pois pude te ver verdadeiramente feliz. Pude vislumbrar o seu sorriso, a sua vontade de vencer. Não sei quando e se tudo voltará a ser como antes, então não acredito que tenha errado ao proporcionar a você momentos felizes antes de todo esse sofrimento. Sinto muito, mas não vou me arrepender.

Ela concordou com a cabeça e se abraçou, como se esta atitude pudesse lhe trazer força. Chegava a ser incrível Charlotte ser tão fraca e permanecer tão forte diante de tudo o que estava vivendo. O esforço que fiz foi imenso para conter a vontade de confortá-la, de dizer que tudo ficaria bem.

– Vou passar a noite aqui – ela informou. – Quer dizer... o resto da noite... já está bem tarde.

– Eu posso ficar? Aqui fora, quero dizer. Só para o caso...

– Vai ser ruim para você.

– Não. Não vai. Eu posso ficar na salinha ao lado, assim você poderá me chamar se precisar.

– Alex, não é necessário. Vai ficar desconfortável naquele sofá.

– E você? Onde vai ficar?

Ela deu de ombros, olhando ao redor.

– Não estou com sono. Tem uma cadeira ao lado da cama da minha mãe.

– Uma cadeira? E está reclamando do sofá?

Ela sorriu e, pela primeira vez desde que minha esposa havia sumido, eu me senti feliz. O seu sorriso era incrível.

– Tudo bem. Podemos ficar um tempo na salinha, assim acompanhamos tudo o que acontece no quarto.

– Posso buscar um café. – Sorri ao senti-la mais relaxada. – Ou um chocolate quente, o que prefere?

– Café, obrigada!


CHARLOTTE


Meu corpo inteiro doía e eu sentia como se o sono não quisesse me abandonar. Uma mão grossa me fazia despertar e eu me sentia péssima, como se o despertar fosse um lobo faminto, pronto para me atacar e me levar de volta para a tortura que era a minha realidade. Foi impossível fugir.

– Filha – ele disse e eu abri os olhos.

Imediatamente, senti meu pescoço doer, mas, assim que verifiquei em que eu me apoiava, meu coração acelerou, aqueceu e uma confusão de sentimentos se instalou em minha mente.

Alex.

– Está tudo bem? – Meu pai parecia constrangido e eu podia imaginar o motivo.

Eu não estava completamente confortável com o que havia acontecido. E também não me sentia capaz de fingir. Alex entendeu a minha situação. Claro. Ele sempre entendia. Sempre me enxergava melhor do que qualquer outra pessoa, e nos conhecíamos há tão pouco tempo. Como era possível?

– Como está Mary? – Alex perguntou, dando-me tempo para organizar meus pensamentos.

– As enfermeiras estão cuidando dela agora.

Ele continuava me olhando, como se estivesse esperando minha reação. Respirei fundo.

– Eu posso entrar?

Levantei, arrumando a roupa e me sentindo incrivelmente constrangida por ter sido flagrada dormindo com o meu marido, mesmo que em uma saleta do hospital.

– Claro que sim! Elas estão fazendo os procedimentos padrão, acredito que não haverá problemas.

Concordei com a cabeça e já ia saindo, ele me segurou pelo braço, forçando-me a olhá-lo.

– Charlotte, eu vou levar a sua mãe para casa.

– Mas...

– Não há mais nada a fazer, o que fazem aqui poderá ser feito em casa, conversei com os médicos e achamos melhor...

– Vai desistir dela?

– Charlotte... – Alex colocou as mãos em meus ombros, como se quisesse me conter.

– Deixe-me, Alex. – Me desvencilhei facilmente do meu marido, no entanto, meu pai conseguiu me conter.

– Não seja infantil. Sua mãe não precisa de mais aborrecimentos agora – ele disse com firmeza.

Encarei-o sem conseguir evitar.

– Ela precisa de cuidados. E é o que terá.

– Em casa? E o que acha que vamos fazer? Sentar e esperar pelo suspiro final?

– Ela está morrendo, Charlotte! Não há mais nada que possamos fazer. Eu passei os últimos anos lutando contra esta droga de câncer.

– Se não tivesse me tirado do caminho, eu poderia ter lutado também.

– Não seja infantil! Foi a vontade dela. A última vontade, e eu não poderia contrariá-la, então deixe de ser egoísta e compreenda que não podemos nos focar em você e em suas mágoas. Existe algo muito maior agora e não se trata de você, Charlotte.

– Charlotte... amor. – Alex, mais uma vez, se aproximou para ajudar. – Em casa, ela se sentirá melhor. Vocês ficarão melhor. Seu pai é médico, ele sabe o que faz.

– Droga! – Não conseguia conter a minha mágoa e ficar contra o meu pai era inevitável sendo eu realmente infantil e egoísta.

– Vai ficar tudo bem, Charlotte. – A voz do meu pai ficou outra vez doce e aveludada. Reconfortante. – Eu sei que não é fácil. Não está sendo para ninguém, mas, acredite em mim, ela vai ter uma qualidade melhor de vida.

– De morte, pai! – E comecei a chorar, como uma criança perdida. Meu pai me abraçou com carinho, passando a mão em minhas costas. Droga! – Não consigo acreditar que ela vai morrer. Não consigo acreditar que ela pode me deixar a qualquer momento.

– Eu sei – ele dizia sem deixar de me acolher. – Por que não vai para casa e descansa um pouco? Tenho certeza de que Alex...

– Não! – O olhar dos dois me deixou constrangida. Merda! Alex poderia esperar. Eu não estava pronta para aquela conversa. – Vou ficar aqui. Quero acompanhá-la.

– Você precisa de um banho, comer alguma coisa – Alex se intrometeu.

– Tenho tudo de que preciso. Obrigada! – Me afastei um pouco mais. Não queria ser convencida do contrário. – Vou ver como ela está. – E saí como uma covarde, deixando meu pai e meu marido para trás.

Entrei no quarto quando as enfermeiras finalizavam os cuidados a minha mãe. Ela estava mais pálida, parecia sentir dor, mesmo assim, sorriu quando me viu.

– Filha!

– Oi! Eu estava lá fora. – Me aproximei chocada com a piora do seu estado em tão pouco tempo. – Como está se sentindo?

– Cansada. Acho que, de agora em diante, será assim.

– Papai quer levá-la para casa. – Fixei meus olhos em seu rosto. Queria saber o que ela pensava a respeito.

– Será melhor para todo mundo.

– Tem que ser o melhor para a senhora.

– Sim. Com certeza será o melhor para mim, filha. Ficar em casa, no conforto do lar, cercada pelos que eu amo... nada pode ser melhor.

– Mas aqui você tem tudo de que precisa para... – O que eu poderia dizer? Para melhorar? Para morrer melhor? Droga! Eu nem sabia o que falar.

– Terei tudo em casa. Seu pai jamais permitiria que fosse diferente, meu amor. Ele já solicitou home care e, assim que eu chegar, terei toda a assistência.

– Tudo bem – concordei vencida.

Realmente, ela poderia ser assistida em casa sem que precisasse se desgastar com o ambiente triste e doentio de um hospital, sem a ansiedade no olhar de cada pessoa. Em casa, seríamos apenas nós, a sua família, os únicos que poderiam dar o amor que ela tanto necessitava naquele momento.

– Vou usar o banheiro e já volto.

Graças a Deus, eu tive o bom senso de levar alguns acessórios de primeira necessidade, como minha escova de dentes, por exemplo, e lenços íntimos umedecidos, o que não era algo muito legal, mas quebrava um galho temporário. Lavei o rosto, troquei a calcinha, coloquei um pouco de batom, apenas para não ficar com aquela cara de enterro... pensar nisso era uma droga, afinal de contas, aquela seria a minha cara por muito tempo.

Enterro.

Não dava para manter um nível de sanidade mental com esta palavra dançando na cabeça.

Bom... eu não tinha como.

Quando saí, meu pai estava lá, sentado ao lado da minha mãe e tentando fazê-la comer alguma coisa. Ela estava com uma cor horrível, mais verde do que a papa que meu pai carinhosamente lhe servia. Fiquei alguns segundos observando-os e finalmente entendi que ele tinha razão, o foco jamais poderia estar em mim. Ali, diante de mim, estava uma história de amor com hora marcada para o final. Imediatamente, pensei em Alex, expulsei o pensamento. Não era hora dele ainda.

– Alex foi para casa. Disse que precisava resolver alguns problemas e que logo estaria de volta.

Não consegui falar, apenas concordei.

– Pedi para Jaina fazer o favor de trazer o nosso desjejum. Se vai ficar, é bom colocar alguma coisa no estômago.

Assim que ele se calou, minha mãe colocou tudo para fora. Que ironia. Um time perfeito. Eu até riria, se a situação não fosse tão trágica. Ver minha mãe vomitando, com aquele aspecto tão doentio, o corpo magro e frágil, fez meu coração perder uma batida.

Como se aquela fosse a sua rotina, meu pai ajudou-a a se recompor e acionou as enfermeiras que trataram de cuidar dela. Eu fiquei observando tudo, como se não estivesse presente. Era tudo novo demais e eu não sabia como e nem se deveria agir. Estava bastante assustada. Outra vez, minha mente me levou a Alex.

– Não precisamos aumentar a dose – ele informou a uma enfermeira que estava do seu lado. – Está tudo exatamente como deveria, não se preocupe. Vamos aguardar um pouco e fazê-la beber água – ele falava e ajudava a retirar o lençol, assim como auxiliava minha mãe para que fosse trocada a sua camisola.

Johnny foi impedido de entrar por uma das enfermeiras. Aproveitei a deixa e saí. Eu estava tonta. Precisava de ar.

– Oi! Como estão as coisas? – ele disse assim que me viu sair do quarto.

– Eu... – Olhei para a porta e me perguntei se não estava sendo muito covarde. – Não sei. Ela... Acabou de vomitar tudo.

Ele fez uma careta de nojo, o que me fez sorrir.

– Deve ter sido uma cena e tanto.

– Você nem faz ideia. – Segurei em seu braço e comecei a me afastar. Precisava me sentir normal outra vez e nada como Johnny para me ajudar.

– Já comeu alguma coisa? – Ele me levou até o elevador e acionou o andar do restaurante.

– Não acredito que eu consiga comer alguma coisa depois do que vi.

– Eu estou faminto, então vamos comer.

Acompanhei meu amigo ao restaurante e me forcei a comer um misto quente com um suco de laranja. Precisei aguardar Johnny acabar com o estoque da cozinha.

– E Alex? – ele perguntou entre uma garfada e outra.

– Mamãe vai voltar para casa.

Ele revirou os olhos.

Johnny sabia que eu não queria conversar sobre aquele assunto. Tinha sido assim desde que apareci na casa dele na madrugada, totalmente molhada e chorando, como se minha vida tivesse perdido o sentido. E perdeu.

– Ah, vai? Bom, o padrinho sabe o que faz. Como vai ser?

Suspirei.

– Não sei, mas vou providenciar a minha mudança para lá. Não posso ficar longe da minha mãe agora.

– Isso é ruim.

– Não. Eles me convenceram de que é realmente o melhor.

– Eu falo de você se mudar para lá.

Encarei minhas mãos sobre a mesa e tentei ignorar o meu amigo.

– Alex já sabe?

– Johnny, você sabe que não quero falar sobre Alex.

– Você tem alguns dias de casada, o cara pediu demissão para ficar com você e agora vai desistir de tudo? Charlotte, não acha que está exagerando? Tudo bem que ele escondeu a verdade e tal, mas daí a se separar... pensei que ele fosse o homem de sua vida.

– Eu não sei se vou me separar realmente, ok? Só preciso deste tempo.

– Você está sendo infantil.

– Eu estou cansada das pessoas me dizendo que estou sendo infantil. Se tivessem me dado a oportunidade de decidir o que era melhor para mim, eu poderia ser ou não infantil, mas estaria tomando as minhas próprias decisões. Não estou dizendo que estou cortando Alex da minha vida, só que, neste momento, tenho outras prioridades. Não posso simplesmente voltar para casa e fingir que nada aconteceu quando minha única vontade é ficar perto da minha mãe o máximo possível.

Quando acabei de falar, Johnny me encarava de uma forma estranha.

– O que foi?

– Nada. – E voltou a dar atenção para sua comida.

– Johnny!

– Só acho que você realmente tem o direito de escolher, e de ficar ao lado da sua mãe em um momento tão crítico quanto este, também acho que afastar Alex é como jogar tudo o que fez a sua mãe feliz nos últimos dias no lixo.

– Não se trata da felicidade dela.

– Claro que não. Eu estou realmente preocupado com a sua.

Não consegui responder. Por algum motivo especial, senti meu sangue gelar.

– A madrinha vai morrer e não há nada que possamos fazer. Pense bem, quando tudo isso acabar, Alex continuará sendo parte da sua realidade, mas será que ele estará aqui?

Não quis responder. Na verdade, eu nem poderia. Foi como se todos os meus músculos estivessem congelados. Confesso que senti um medo impossível de ser descrito.


ALEX


Passei a manhã na editora. Lana estava ansiosa, não conseguia contato com Charlotte e precisava resolver algumas coisas relacionadas ao livro da minha ex-aluna. Sentei em minha cadeira e não consegui me concentrar.

– Ela ainda está na casa do Johnny?

– Acho que sim. Peter quer levar Mary para casa, então acredito que Charlotte vá preferir ficar lá.

– Dê este tempo a ela, Alex.

– É o que estou fazendo. – Segurei a caneta, rodando-a entre os dedos.

– Isso o incomoda, não?

– Como não? Se ela tivesse conversado comigo e decidíssemos juntos, eu aceitaria sem nenhum problema, mas ela simplesmente foi embora. Charlotte está com raiva de mim, Lana, e eu nem sei o que posso fazer para mudar esta situação.

– Você está fazendo a coisa certa. Está presente e ao mesmo tempo dando a ela o espaço de que necessita.

– Até quando? Nós acabamos de casar!

– A mãe dela está morrendo e você já sabia que seria assim.

Ouvimos uma batida na porta e, logo, minha secretária entrava com alguns documentos. Precisávamos trabalhar, então dedicaria minha atenção ao trabalho.

Após o almoço, decidi voltar ao hospital, contudo, não encontrei Charlotte. Ela tinha ido para casa e não voltaria. Mary seria transferida, então sua presença não era necessária. Conversei com Peter, ele estava arrasado. Pudera. Fiz questão de acompanhar todo o processo de transferência, auxiliando no que fosse possível e, ao final do dia, a ambulância levou minha sogra para morrer em casa.

Era dramático, sofrido e desesperador assistir a sua calma. A sua resignação. Ver aquela mulher sorrir para a morte, disfarçar a dor que castigava o seu corpo, ser forte quando todos ao seu redor desistiam de lutar contra o abatimento. Era como se uma parte de mim, da minha história, estivesse de volta, fazendo-me relembrar do quanto era difícil e, sobretudo, do quanto eu precisava estar ao lado da mulher que tanto amava.

Na verdade, a morte é sempre mais difícil e dolorosa para quem fica. Mary parecia entender muito bem esta teoria.

Fui para casa, porém não aguentei ficar no silêncio sufocante que passou a residir no lugar de Charlotte. Ela fazia falta. Muita falta. Quanto tempo mais? Peguei a prancha, mesmo sem vontade de fazer mais nada, aliás, eu tinha, sim, uma vontade que precisaria ser sufocada. No hospital, era mais fácil, na casa deles seria muito mais difícil. Charlotte não aceitaria minha presença com tanta facilidade.

Na praia, eu não consegui entrar na água. O final do dia estava frio, ameaçava chover, o vento forte agitava as ondas. Sentei na areia e me limitei a observar. João Pedro ligou várias vezes até entender que eu não queria conversa e desistir, deixando uma mensagem que eu só verificaria depois, quando a tempestade que se formava dentro de mim estivesse mais calma, controlada.

Eu me sentia péssimo. Arrasado como nunca me senti antes. Nem quando... Bom, quando aquilo aconteceu eu estava preparado, mas eu não estava preparado para perdê-la, não depois de tudo o que vivemos, tudo o que enfrentamos para ficarmos juntos.

Claro que isso poderia não acontecer. Eu queria acreditar que Charlotte me amava e, no final das contas, iria ponderar e ver que eu não tive muita escolha. Eu queria realmente acreditar nisso, só não conseguia. A forma como ela me evitava parecia confirmar a sua vontade de permanecer longe, como se a nossa relação fosse um erro, um equívoco.

Que ironia!

Quantas vezes eu pensei assim? Quantas vezes me recusei a enxergar a verdade que estava bem na minha frente? Quantas vezes desisti dela? Eu, um homem maduro, vivido, experiente, me dei o direito de pensar isso, então o que impediria Charlotte, uma jovem inexperiente, sem grandes histórias de vida, confusa com seus sentimentos conflitantes, de pensar exatamente a mesma coisa? Como se tudo tivesse sido um erro.

As gotas caíram e nem assim eu tive vontade de levantar, contudo, me forcei a fazê-lo. Apesar da minha tristeza, não era um suicida. E, como um bom surfista, conhecia todos os riscos de pegar ondas em dia de chuva. Peguei minha prancha e voltei ao carro.

A escuridão já estava quase completa, ajudada pelas nuvens carregadas. Mesmo assim, consegui chegar rápido em casa e não precisei de mais do que dois segundos para entender a minha nova situação. O carro estava lá.

A princípio, pensei que Charlotte tivesse voltado, pois o seu carro, o mesmo que eu havia lhe dado de presente, e que ela tinha levado na madrugada em que foi embora, estava na garagem, mas... Puta que pariu! Eu sabia que não seria bem assim.

Abri a porta, implorando mentalmente para que tudo não passasse de um engano. A casa imersa na escuridão e tão vazia quanto na noite anterior. O silêncio continuava irritante e sufocante demais. Acendi a luz do corredor, subindo rapidamente para o nosso quarto. No fundo, eu queria acreditar que ela estava lá.

Não estava.

Como se eu precisasse de provas, senti seu perfume e todo o meu corpo ficou em alerta. Charlotte não estava mais lá. O closet remexido era a prova de que ela tinha apenas passado para buscar algumas coisas, as primeiras que levaria embora. Um recado colado ao espelho me fez parar.


“Alex,

Desculpe ter vindo sem avisar, mas eu precisava de algumas coisas. Sinto-me na obrigação de comunicar, pois não vou agir como o ladrão que entra na surdina e leva embora as riquezas sem que o dono, de olhos fechados, perceba a ação. Sei que não estou sendo muito madura, mas acredite, para mim, é a única forma de agir diante das circunstâncias. Não quero pensar em nada além dela neste momento. Nós dois podemos esperar. Sinto muito!

Charlotte.”


Reli o recado inúmeras vezes até assimilar que seria daquela forma. Charlotte não voltaria. Pelo menos, enquanto não resolvesse o seu inferno particular. Derrotado, sentei no chão do closet e me permiti chorar. Não foi um choro desesperado, e sim um que me permitiu colocar toda a minha tristeza para fora. Eu havia segurado demais.

Ouvia o barulho da chuva castigando a noite e não tinha vontade de me mover. Era como se o tempo tivesse parado. Agradeci por isso. Eu precisava que as horas ficassem suspensas, que me fizessem esquecer o tempo e que apenas me permitissem extravasar meus sentimentos até que nada mais restasse além da esperança.

E, assim, adormeci, cansado de lutar ou esperar. Cansado de ser forte. Adormeci sem sonhos, sem o familiar aperto no coração, mas ainda com o seu cheiro nos lençóis, o que era reconfortante.

Acordei no meio da noite com o celular tocando sem parar. Meio atordoado, procurei o aparelho que estava dentro do bolso da minha bermuda jogada no canto do quarto, não sei quando nem como a ligação parou e recomeçou. Sem olhar no visor, atendi rapidamente.

– Alô? – Pigarreei para que minha voz ficasse ao menos audível.

– Alex?

– Charlotte? O que houve?

Minha esposa chorava, mas estava controlada.

– Você pode...

– Estou indo.

E sem deixá-la terminar, desliguei, procurando minhas roupas. Charlotte precisava de mim e eu estaria lá para ela.


CAPÍTULO 15


“Ria e o mundo rirá com você. Chore e você chorará sozinho.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


Eu pensei que teria mais tempo.

Não foi o que aconteceu.

– Você está bem? – meu pai falou com ela, acariciando seus cabelos que insistiam em colar na testa, devido ao esforço gigantesco para esconder a dor que todos nós sabíamos que ela sentia naquele momento. – Está confortável?

Minha mãe apenas sinalizou com a cabeça. Vi quando os nós dos dedos do meu pai se esbranquiçaram assim que ele fechou a mão na beirada do colchão. Uma tentativa de esconder de nós duas o seu sofrimento. Minha única reação foi colocar as mãos nos bolsos do meu jeans e puxar o ar o máximo que pude.

Apesar de tudo, confesso que pensei que teríamos mais tempo.

Mesmo que fosse mais tempo de dor, incertezas, inseguranças... Tempo para assisti-la dormir ou esconder o que realmente sentia. Tempo para vê-la definhar, morrer aos poucos e, mesmo vivenciando cada detalhe mórbido daquela situação, eu ansiava por mais tempo.

Entretanto, não foi o que aconteceu.

– Por que não descansa um pouco? – ela disse com a voz fraca e os lábios sem cor, sorrindo com tamanha doçura que, por um segundo, me permiti acreditar.

– Vou aguardar Rosemeire chegar.

Desviei a atenção dos dois, sentindo-me uma intrusa. Olhei o quarto equipado para mantê-la viva o máximo de tempo possível. Era sufocante. Meu pai escolheu o que ficava no andar de baixo, pela facilidade de locomoção, também facilitaria o acesso, no caso de necessitarmos de uma ajuda extra.

Não era bem um quarto, e sim uma sala onde poderíamos ver televisão e ouvir música, mas tudo fora retirado e preparado para melhor receber a minha mãe.

– Charlotte pode ficar comigo.

Voltei a olhar para a minha mãe. Eles se olhavam daquela forma, como sempre faziam quando não precisavam utilizar palavras e, então, meu pai concordou.

– Vou tomar um banho rápido.

– Eu ficarei bem.

Ele a beijou e saiu, antes, tocou meu ombro, como se me pedisse para ter forças. Eu teria?

Quando voltei a olhar a minha mãe, parecia que uma eternidade havia se passado. Bastou meu pai sair do quarto para aquele brilho mudar. Seu rosto ficou mais escuro, seu semblante mais abatido. Ela fechou os olhos e gemeu baixinho, cansada de lutar. Meu corpo inteiro tremeu. A pele levemente suada, apesar do ambiente climatizado, revelava a sua febre alta, alta demais por sinal.

– Espero que ele durma um pouco – sussurrou com a voz incrivelmente fraca. – Seu pai precisa descansar.

– Acho que esta é uma missão impossível. – Tentei sorrir, o sorriso não apareceu. – Ele está muito preocupado.

– Eu sei, por isso pedi que ele saísse. – Ela arqueou um pouco o corpo e fez uma careta de dor.

– Está tudo bem? – Me aproximei mais.

Minha mãe respirava com dificuldade, mesmo com a ajuda do respirador.

– Eu estou cansada, filha. Meu corpo não responde mais.

– Está acontecendo rápido demais – lamentei em voz alta e ela sorriu. – Como o seu quadro se agravou tão rápido?

Pelo olhar dela, eu soube que nunca teria aquela resposta . Minha mãe tinha escolhido esconder a verdade de mim e levaria aquela decisão até o final.

– E Alex?

Estremeci.

– Vou ficar aqui um tempo. Não brigue comigo – me antecipei, impedindo-a de falar. – Alex compreendeu que agora preciso estar com você, ao seu lado.

Ela fechou os olhos e mordeu os lábios.

– Você poderia fazer as duas coisas, Charlotte. Não deixe que a minha doença te afaste do seu marido.

– Eu sei o que estou fazendo, mãe. Não se preocupe com isso, por favor!

– Seu pai levou alguns anos para voltar para casa – ela sussurrou, como se estivesse perdida em um sonho. – Ele me pediu em casamento, fugimos para que um padre nos abençoasse, depois disso, ele foi embora. Peter se envolveu em todas as missões possíveis só para conseguir alcançar o seu objetivo. Muitas vezes, não concordei com as escolhas dele. O que eu tinha? Eu era jovem, estava sozinha, vivendo um relacionamento a distância e, naquela época, não existia e-mail. – Riu baixinho e começou a engasgar, mas logo se recuperou e continuou. – Mesmo assim, nunca pensei em desistir. Confiava em seu pai. Sabia que ele faria o melhor por nós. Eu apenas esperei, mais até do que acreditava ser capaz de suportar.

– Eu sei, mãe. Vocês dois são perfeitos juntos.

– Você e Alex também.

Engoli em seco.

O que ela poderia saber a respeito do meu relacionamento com o meu marido? Minha mãe nem fazia ideia de que aquilo começou com a minha loucura em insistir que ele me ensinasse sobre sexo. Não. Ela não tinha noção do quanto o meu relacionamento com Alex era raso e frágil.

– Ele não vai te esperar para sempre, Charlotte.

– E eu não quero que seja assim. – Minha única vontade era que aquela conversa acabasse logo.

– Eu nunca me arrependi das escolhas que fiz para ficar com o seu pai. Foram os melhores anos da minha vida.

– Imagino que sim. Papai faz tudo por você. Construiu um mundo encantado, o seu faz de conta.

Novamente, ela sorriu e suspirou, como se aquelas lembranças fossem o seu melhor remédio.

– Eu me casei com ele cinco dias após nos conhecermos.

Parei sem reação. Como assim? Aquela não era a história que eu conhecia.

– Eu namorava um rapaz que morava em uma rua próxima da minha. Meu pai estava satisfeito com o nosso relacionamento, gostava do meu futuro marido, então conheci seu pai quando caminhava para a casa de uma amiga e, naquele momento, eu soube que não poderia passar a vida ao lado de outra pessoa. Foi por esse motivo que esperei, que não abri mão do que ainda tínhamos que viver, e é por isso que posso partir em paz, com a certeza de que vivi tudo o que poderia, aliás. – Ela abriu os olhos e me encarou. – Eu vivi tudo de uma maneira muito melhor, porque amei e aceitei o homem que escolhi. Não perca a sua oportunidade.

Como se suas últimas forças tivessem se juntado para dizer aquelas palavras, assim que acabou de falar, fechou os olhos e dormiu. Suas feições imediatamente ficaram mais serenas, eu até podia encontrar um pouco de brilho em seu rosto e me questionei se ela, naquele momento, sonhava com meu pai.

Senti uma vontade imensa de ligar para Alex, mas eu não podia. Precisávamos de uma conversa, uma que esclarecesse, que tornasse possível expurgar toda a minha dor e indignação... Com certeza, não conseguiríamos enquanto minha mãe estivesse sobre uma cama, definhando e levando de mim todos os momentos que não me permiti viver com ela.

– Ela dormiu? – meu pai perguntou logo atrás de mim.

Só então me dei conta de que a olhava fixamente, encarando-a como se encarasse a minha própria vida. Senti medo. Mas o que eu poderia fazer? Era muito fácil olhar a minha vida e me achar infantil demais. Achar que eu não tinha maturidade para encarar e enfrentar os problemas, não era exatamente o que eu estava demonstrando?

As pessoas certamente nunca me compreenderiam. Nunca ninguém seria capaz de entender o que eu sentia naquele momento, não só em relação a minha mãe, mas em relação a toda a minha vida. O que eu fiz? Fui a filha certinha, que seguiu todas as regras, que se rebelou apenas quando teve que decidir entre seguir o sonho do meu pai ou o meu. Excetuando isso, nunca saí da linha.

Então tudo mudou, as coisas perderam o rumo, eu me vi apaixonada e envolvida em um relacionamento incomum, incerta sobre o que era ou não adequado, o que eu poderia ou não viver quando, na verdade, eu nunca tinha vivido nada. Foi tudo rápido demais, intenso demais e descarrilhou, perdeu a direção, indo de encontro a um muro forte e sólido.

Minha vida mudou, não com a sutileza das brisas, e sim com a força dos tsunamis. Então eu pergunto: como alguém consegue se manter firme diante disso? Eu amava Alex? Sim, eu amava. Mas estava preparada para viver aquilo tudo? Com certeza, não. Não houve tempo para me preparar. Nada seguiu o curso normal e eu era somente uma garota inexperiente, de 21 anos, que não teve forças para lutar contra a correnteza e se deixou levar pelas decisões dos outros.

Por isso, eu acho que ser infantil, ter medo, errar, recuar e desistir, são direitos meus e não dava mais para permitir que outros decidissem por mim. Era hora de tomar as rédeas da minha vida. Como, se eu mesma não encontrava ou sabia o caminho certo? Se a cada segundo ficava mais difícil, se a cada respiração as coisas se transformavam, modificavam e desmoronavam a minha frente?

– Charlotte?

Pisquei, sendo arrancada do meu devaneio. Meu coração encolheu, me impedindo de agir. Os pulmões não encontravam o ar e nada reagia como eu pensava que deveria.

– Você está bem?

Senti sua mão em meu ombro e me encolhi.

Eu me senti tão nada. Egoísta, mesquinha, infantil e ao mesmo tempo tão repleta de razão, magoada, insegura... definitivamente, eu não sabia o que fazer.

– Acho que preciso de um banho.

Ele concordou, deixando-me escapar.

Subi para o meu quarto e encontrei meu celular desligado ao lado da minha mala, a mesma que eu tinha ido buscar na casa que dividi por tão poucos dias com Alex. A casa que não era minha e que, mesmo assim, havia me acolhido de uma maneira única.

Depois do banho, não tive coragem para descer, nem fome para comer nada, então deitei e encarei o teto, esperando que o sono chegasse.

Acordei, sentindo uma movimentação estranha na casa. Meu quarto estava escuro, a porta fechada, mesmo assim, as vozes me alcançavam. Forcei o corpo para levantar e senti uma dor que me persuadia a voltar para a cama. Minha boca estava seca e havia um gosto estranho em minha garganta, como um presságio de que a amargura seria minha companheira por muito tempo.

Foi quando minha porta abriu.

– Charlotte...

Miranda estava parada lá. Eu não conseguia ver o seu rosto, mas o tom empregado quando chamou o meu nome foi o suficiente para que eu entendesse que algo não estava bem, ou que havia piorado consideravelmente.

– O que houve? – Rapidamente fiquei alerta. Levantei, fechando o roupão e tentando arrumar a bagunça em meu cabelo.

– Ela... – Miranda não conseguia falar, o que tirou o meu chão.

– Não! – Minha voz foi abafada pelo desespero.

Tentei passar, mas Johnny surgiu diante de mim e me segurou pelos ombros.

– Fique calma – ele disse, me levando para dentro outra vez.

– O que aconteceu? Eu preciso descer – continuei agitada sem conseguir formular nada coerente em minha mente.

– Ela piorou – ele disse, mantendo-se firme.

Miranda chorava baixinho enquanto nosso amigo tentava me conter.

– A madrinha teve algumas complicações, Charlotte.

– Que complicações? Como ela está? Por favor, Johnny... – E as lágrimas já me impediam de enxergar qualquer coisa.

– Fique calma – ele repetiu sem alterar a voz. – O coração está muito fraco e eles precisaram entubá-la, o que já sabíamos que poderia acontecer.

– Eu preciso vê-la.

– Charlotte... – Ele me segurou com força pelos ombros, forçando-me a encará-lo. – Ela está em coma. Não reage mais. Os médicos disseram que agora é só uma questão de tempo.

– Oh, Deus!

E fui invadida por soluços. Um choro forte demais para ser contido.

Não conseguia acreditar que foi tudo tão rápido. Há poucos dias, ela estava bem, feliz, comemorando o meu casamento, para logo em seguida não conseguir mais se manter viva, perder os sentidos, ser dominada e destruída pela doença. Como podia?

Johnny me abraçou com força. Eu sabia que meu amigo fazia um esforço enorme para que aquele momento fosse só meu, para que o seu próprio sofrimento não o impedisse de me apoiar. Abracei-o, deixando que o choro ganhasse força, até acreditar que me partiria ao meio.

Miranda ficou ao meu lado. Ela chorava muito também e eu compreendia sua dor. Minha mãe foi seu maior exemplo materno, havia sido o seu centro de amor. Era tão difícil aceitar!

Quando, finalmente, consegui me controlar, pelo menos o suficiente para encarar meu pai, Johnny liberou a minha passagem. Desci cada degrau como se estivesse caminhando de encontro à própria morte. Não sabia como reagiria ao ver minha mãe em um estado tão crítico. Não sabia como consolar meu pai.

Já na porta do quarto, encontrei o Dr. Frankli, ele me olhou de uma maneira estranha, porém não fez nenhum comentário que não coubesse no momento.

– Como ela está?

Senti vergonha por estar tratando de um assunto tão pessoal com o pai do meu marido, mesmo sabendo que ele estava ali profissionalmente. Eu havia abandonado o filho dele, algo do qual ele com certeza já tinha conhecimento, o que me tirava toda a disposição para encará-lo.

– Conseguimos estabilizá-la, Charlotte, mas, como já deve saber, agora é só uma questão de tempo. – Ele passou a mão no cabelo e me olhou sem graça.

Concordei com as palavras dele e nada acrescentei. Olhar para o meu sogro era constrangedor. Ele era mais um dos que nunca entenderiam a minha dor, nem os meus motivos.

– Você pode vê-la – ele falou ainda sem jeito. – As enfermeiras vão continuar ministrando as medicações. Preferimos mantê-la sedada, por causa das dores fortes. Será melhor assim, acredite.

Suspirei pesadamente. Poderia ser o melhor para ela, mas... e se não fosse? Como saberíamos? E para nós?

– Ela não vai reagir mais, Charlotte. Sinto muito.

Mordi os lábios e, mais uma vez, concordei balançando a cabeça. Era um peso tão grande para ser carregado!

– Eu sei. Só não... – Respirei fundo para que as lágrimas não continuassem caindo. – Não imaginei que seria assim tão rápido. Eu nem tive tempo...

– Sei como você se sente, e acredite, você teve mais tempo do que muitas pessoas. Sei que não se conforma por eles terem optado por esconder a verdade. Tente ver por outro lado, o fato de não saber permitiu que vivesse momentos verdadeiros ao lado dela, sem dor, sem sofrimento e sem desespero.

Fiquei longos minutos encarando meu sogro, pensando no quanto suas palavras faziam sentido. Eu estava tão arrasada! Saber antes ou depois não mudaria a minha reação, eu ficaria destruída e todos os momentos que passamos sem que eu soubesse o que realmente acontecia permitiram que fôssemos verdadeiramente felizes.

– Você tem razão – admiti, sentindo-me ridícula.

– Você também tem. Em uma hora como esta, não dá para sabermos quem está mais certo. O que passou não volta mais. As decisões tomadas não podem trazer o passado de volta, então, agora é apenas aceitar e utilizar tudo da melhor maneira possível.

– Eu sei.

– Não vai entrar?

– Ela pode me ouvir?

– Não sei. Alguns estudos dizem que sim, no entanto, não posso garantir que seja verdade. Entre, fique um pouco com seu pai, ele está precisando de você.

E foi o que fiz.

Ele estava de costas, a cabeça deitada sobre a cama dela e as mãos entrelaçadas, como dois amantes. Me senti triste. Incrivelmente triste e, mais uma vez, Alex voltou aos meus pensamentos.

– Como o senhor está? – Minha voz fraca invadiu o quarto que só repetia o barulho dos aparelhos ligados ao corpo dela.

– Como alguém que perdeu os dois braços e as duas pernas – ele disse sem medo de demonstrar a sua fraqueza.

Eu nunca havia visto meu pai tão triste e devastado.

– Sinto muito.

Ele segurou minha mão e levou-a aos lábios.

– Eu amo você, filha.

– Eu também o amo, papai.


ALEX


Estacionei defronte ao flat onde Charlotte tinha voltado a morar. Era estranho estar lá por ela quando tudo já tinha ficado muito bem definido, mas eu não conseguia agir de forma diferente. Charlotte precisava de mim e eu precisava estar ao seu lado, então estava tudo tão certo que minha mente não me permitia questionar.

Antes mesmo que eu conseguisse tocar a campainha, Johnny abriu a porta, me encarando. Apesar da escuridão, pude notar seus olhos vermelhos e levemente inchados. Ele soltou o ar e me deu passagem.

– Ela está lá em cima.

– O que aconteceu? – Não tive coragem de encontrá-la sem estar preparado, embora no fundo eu já esperasse pelo pior.

– A madrinha está em coma. Seu pai esteve aqui, mais cedo, quando ela piorou tanto que pensamos que fosse o fim. Ele conseguiu estabilizá-la, porém não há mais nada que possamos fazer.

– Droga!

Olhei para as escadas, Eu tinha estado lá tantas vezes. Muitos momentos bons, estranhos, engraçados e constrangedores. Eu tinha vivido coisas com Charlotte que nunca abandonariam a minha memória. Naquele momento, tudo ali era tão estranho e complicado que parecia ser outra casa.

– Legal você ter vindo. – Ele bateu em meu ombro, me conduzindo até a escada. – Eu sei o quanto Charlotte está sendo difícil.

– É o momento dela.

Ele me olhou com admiração e sorriu complacente.

– Sim, é o momento dela. Só espero que este momento não dure o suficiente para que o arrependimento a destrua depois.

– Charlotte é muito nova ainda, Johnny. Conheceu pouco dos sentimentos, foi muito mimada, e nós temos que levar em consideração que ela foi jogada no meio desta confusão toda sem nem ter tempo para pensar no assunto.

– É verdade. Eu nunca toparia casar tão rápido.

– Ainda bem que ela topou. Não me arrependo nem um pouco.

– Eu sei que não. – Ele parou no primeiro degrau, dando a entender que eu deveria seguir sozinho.

– E Peter?

– Ele está com a madrinha. Não sai de lá. Você já sabe qual é o quarto dela.

Balancei a cabeça, concordando, e Johnny saiu deixando-me seguir em direção a minha esposa.

A porta do quarto estava encostada. Dentro, a escuridão era quebrada pela luz fraca do abajur. Abri a porta bem devagar. Não queria assustá-la, mesmo sabendo que ela me aguardava. Charlotte estava deitada, segurando um travesseiro entre as pernas e outro na cabeça. Ela encarava o nada.

Nunca, em toda a minha vida, vi Charlotte tão menina. Uma criança perdida em uma imensidão de dor. Não dava para pensar em mim quando ela precisava tanto de alguém para pensar nela.

– Charlotte? – Minha esposa se virou rapidamente em minha direção.

Apesar de imersos na penumbra do quarto, conseguimos nos encarar. Ela ainda chorava, também parecia constrangida, como se tivesse se arrependido em ter me ligado. Dei um passo à frente sem fazer menção de tocá-la. Era melhor dar um passo de cada vez e ganhar a sua confiança.

– Desculpe ter ligado tão tarde – ela disse com a voz baixa, desviando o olhar e abraçando o próprio corpo. – Eu acho que...

– Tudo bem. – Dei mais um pequeno passo e parei. – Foi bom você ter me ligado, Charlotte. Eu estarei sempre aqui por você.

– Obrigada. – A voz ficou ainda mais baixa. – Ela está...

– Eu sei. – Sentei ao seu lado na cama sob o seu olhar atento. – Sinto muito!

Então, Charlotte se jogou em meus braços, como uma criança, e chorou até que não tivesse mais lágrimas. Permaneci com ela, afagando as suas costas, permitindo que minha esposa colocasse para fora todo o seu sofrimento. Não me importei com a posição incômoda, nem com o longo tempo em que tive que mantê-la. Naquele momento, meu pensamento era dela, e no conforto que era tê-la novamente em meus braços.

– Se você nunca tivesse me contado, será que eu acreditaria que todos foram pegos de surpresa?

Engoli em seco. Aquele era o melhor momento para conversarmos sobre este assunto?

– Não sei, Charlotte. Por que não descansa um pouco? Foi um dia muito difícil para você.

– Eu acho que sim. Sempre aceitei tudo o que as pessoas me contavam, então acho que, se vocês tivessem dito que foram surpreendidos, eu acreditaria.

Ela continuou com a voz fraca e baixa, o rosto colado em meu peito. Eu conhecia Charlotte o suficiente para saber que ela não desistiria facilmente daquela conversa, por isso não resisti, nem tentei dissuadi-la. Apenas aceitei que deveria ser assim.

– Eu acho... – Me ajeitei na cama, sem permitir que Charlotte se levantasse, e continuei acariciando seus cabelos. – Acho que você acreditaria.

– Então por que escolheu me contar?

– Você preferia que eu não tivesse contado?

Ela se encolheu em meus braços e eu aproveitei para abraçá-la mais forte.

– Não sei.

– Posso te dizer o que eu acho?

Ela se moveu, concordando.

– Nunca acreditei que esconder a verdade de você fosse a melhor opção, mas eu não te conhecia direito, e continuo não conhecendo, Charlotte. Pelo pouco que vivemos, tenho certeza de que seu sofrimento seria muito maior se pudesse acompanhar tudo desde o início, porque não existe ninguém que esteja preparado para perder quem ama, seja para a morte ou para a vida. No seu caso, seus sentimentos são muito intensos.

– E por isso você acredita que tomou a melhor decisão.

A sua afirmação me fez recuar ligeiramente. Estávamos entrando em um campo minado, então era prudente controlar o avanço.

– Não. Não acredito que alguém tenha conseguido tomar a decisão certa nesta situação. A verdade era que ninguém poderia prever que tudo acabaria assim, não é? Seus pais tentaram te proteger.

– E você?

– Eu tentei te dar amor e felicidade antes de a tristeza chegar. Quis que você conseguisse dar orgulho aos seus pais, que fortalecesse a sua vida, para que conseguisse passar pelo pior sem ter que destruir nada.

– Você fala como se soubesse exatamente o que me aguarda, quando...

– Não tem como saber o que te aguarda, Charlotte Frankli. – Sorri ao pronunciar o seu nome de casada, me fazia bem pensar nela como minha esposa.

Ela suspirou e se aconchegou um pouco mais. Inclinei-me, acomodando minhas costas nas almofadas que decoravam a sua cama. Ela me acompanhou continuando deitada em meu peito.

– Eu sei o que é perder alguém, então posso adiantar que não será nada fácil – sussurrei, percebendo que Charlotte estava quase dormindo.

– Vai ficar aqui? – Ela bocejou, colando seu corpo ao meu.

– Eu posso?

Ela consentiu sem nada dizer, então continuei acariciando suas costas, até que senti seu corpo totalmente relaxado.

Então fechei os olhos e adormeci junto com ela, com a consciência de que o dia seguinte seria muito difícil.


CHARLOTTE


– Você vai ficar bem?

Alex estava sentado junto de mim, ao pé da escada, observando o movimento de entrada e saída no quarto em que minha mãe estava. Havíamos sentado ali quando eu decidi que não conseguiria entrar. Não ainda.

Ele permaneceu comigo, sem reclamar, apenas sentado, as mãos apoiadas no cotovelo, imitando a minha própria posição, que, aliás, não combinava em nada com ele. Alex era um homem, tinha porte de homem e não se assemelhava em nada à menina que eu era e que se acentuava ainda mais devido à minha pequena capacidade de ser adulta em um momento como aquele.

– Vou ficar bem – respondi tarde demais.

Ele suspirou sem me olhar diretamente.

– Eu posso voltar?

E lá estava a insegurança outra vez, demonstrando que aquele homem não parecia com quem eu havia me casado. O que eu estava fazendo conosco?

– Claro, Alex – tentei fazer minha voz parecer suave, embora ela estivesse áspera pelo choro que eu tentava, a todo custo, segurar. – Minha mãe te adora. – E me vi pensando se eu deveria pensar nela no presente ou já me acostumar com o passado.

– Eu também gosto muito da Mary, mas quero voltar por você.

Olhei para o meu marido, que me olhava atentamente, tentando esconder o desespero que lhe abatia.

– Claro, volte. – Mas não tive como ser amável. Eu continuava me sentindo confusa e perdida com a forma como ele escolheu para iniciar a nossa vida.

– Eu só preciso resolver algumas coisas. Volto assim que conseguir passar tudo para Lana.

– Não se preocupe. – Voltei a encarar a porta, assistindo uma enfermeira sair com a roupa de cama nas mãos. – Eu não vou a lugar nenhum.

– Você deveria comer.

Seus dedos frios acariciaram meu rosto, retirando o cabelo que o impedia de me ver direito e colocando-o atrás da orelha. Estremeci. Ele logo retirou a mão.

– Mary não iria gostar...

– Mary não iria gostar de muitas coisas, só acho que ela não está em posição de exigir nada agora, não é mesmo?

A acidez em minhas palavras me machucou mais do que ao meu marido. Droga! Por que eu não conseguia simplesmente esquecer os nossos problemas ou deixá-los para depois? A resposta eu já sabia. Era tudo recente demais e, apesar da minha necessidade de tê-lo ao meu lado, me apoiando, eu sabia que era exatamente a convivência que me afastava, pois me impedia de pensar corretamente.

– Desculpe!

– Tudo bem. Você ainda está muito abalada – ele disse com a sua condescendência habitual, justificando todas as minhas infantilidades.

– Será que algum dia eu deixarei de estar? – Escondi o rosto entre as mãos e fechei os olhos.

– Com o tempo, com certeza.

– E como pode estar tão certo disso?

Alex suspirou e se mexeu desconfortável.

– Eu apenas sei. – E havia mais naquelas palavras do que ele realmente estava me dizendo. – Vou ficar com o telefone o tempo todo. Pode me ligar quando quiser. Tem alguma coisa que gostaria que eu trouxesse de casa para você? – Se pôs de pé e me encarou, aguardando minha resposta.

– Por enquanto, não.

Alex consentiu e já estava saindo quando eu o interrompi, segurando a sua mão.

– Obrigada por ter vindo. Por estar aqui comigo.

– E onde mais eu poderia estar, amor? – Sua voz cheia de carinho e cuidado me desarmou. Sim, ele sempre estaria lá por mim, restava saber se eu seria capaz de estar sempre lá por ele.


CAPÍTULO 16

 

“Quando a dor cortante o coração maltrata e tristes gemidos ferem nossa alma, apenas a música e seus sons de prata rápido nos trazem outra vez a calma!”

William Shakespeare

 

CHARLOTTE


Uma semana se passou e as mudanças eram sempre para pior. Ela nunca melhorava, apesar de todas as minhas promessas e orações. Aos poucos, a tristeza cedia lugar ao desespero e eu já não fazia ideia se minhas preces eram para que ela partisse logo, amenizando o seu possível sofrimento, ou se, ainda assim, tendo constante contato com tudo o que a afligia, eu ainda a queria ali, ligada a aparelhos e ao alcance dos meus olhos.

Meu pai não saía de casa. Nunca. Por nenhum motivo ou necessidade. Ele ficava no quarto com ela, acompanhava tudo de perto, sofria sem dizer uma palavra e, se em algum momento derrubou qualquer lágrima, não foi na minha presença.

Alex cumpriu a promessa de estar ao meu lado. Ele saía pouco, trabalhava em seu notebook, às vezes em meu quarto, e outras, quando possível, na sala. Normalmente ele ficava onde eu estivesse, me apoiando e me lembrando de que sua mão estaria ao meu alcance quando eu, finalmente, desistisse e desabasse de uma vez por todas.

Cada dia era mais difícil do que o outro. Primeiro, foram os rins, eles já estavam prejudicados e logo apresentaram problemas. Ela precisaria de hemodiálise, o que eles não sabiam era se o coração suportaria. Arrumaram tudo em casa mesmo. Meu pai jamais a levaria de volta para um hospital, então o hospital foi até minha mãe.

Como previsto e, para o meu total desespero, na primeira sessão de hemodiálise o coração dela fraquejou e ameaçou não suportar. Foi uma loucura este dia. Cheguei a pensar que seria o fim, um grande coração parado por rins fracos.

Dr. Frankli, juntamente com os demais médicos que formavam uma junta exclusiva para atender minha mãe, resolveram que segurariam ao máximo a necessidade de fazer outra sessão. Assim, medicamentos fortes começaram a ser ministrados, mesmo tendo eles a absoluta certeza de que seria só mais um paliativo.

Era doloroso assistir cada passo, cada movimento para tentar adiar o que era inadiável, mas quem ali entregaria os pontos primeiro? Ninguém. Nenhum de nós estava disposto a abrir mão de tê-la, nem que fosse por mais um dia, mais algumas horas.

No dia em que o coração da minha mãe quase parou, eu pensei que o meu morreria junto. Foi quase impossível me manter do lado de fora do quarto estrategicamente elaborado para atendê-la. Meu pai, como não podia deixar de ser, ficou do lado de dentro, e Alex assumiu o papel de me segurar do lado de fora, aguentando meu choro incessante, o tremor do meu corpo e a minha incapacidade mental em elaborar qualquer pensamento mais maduro.

Eu só conseguia pensar em conseguir mais tempo.

É incrível como as lembranças, antes arquivadas ou esquecidas, voltam com tamanha força em situações como esta. Enquanto Alex me mantinha firme em seus braços, oferecendo seu ombro para que eu pudesse chorar sem medo, eu lembrei quando, uma vez, ainda na Inglaterra, em mais uma das travessuras de Johnny e Miranda, a porta do jardim acabou passando por cima do meu dedão, e a unha, de uma forma que eu nunca consegui entender, enrolou completamente para cima, como uma lata de sardinha, deixando apenas a carne viva e sangue.

Lembrei que Miranda e Johnny ficaram horrorizados. Do jardineiro – como era mesmo o nome dele? –, eu não me lembrava, mas ele me carregou até a mesa da cozinha, enquanto outros empregados corriam para avisar a minha mãe. Ela chegou, o rosto pálido, os olhos agitados buscando por mim e, assim que viu a minha situação, pegou um pedaço de algodão, sorriu, me passando confiança e, mesmo com os meus protestos, segurou a unha, desdobrando-a até que estivesse em seu devido lugar.

Claro que fui levada para o hospital, meu pai nunca permitiria que fosse diferente, e ninguém conseguiu impedir as injeções que tomei, só que a força e a determinação da minha mãe ficaram no meu pensamento por muito tempo, como se eu tivesse sido salva da morte por ela. O pior de tudo era que eu nunca poderia retribuir o favor.

Após o episódio do coração, fomos mais uma vez alertados que o dia estava chegando e que precisávamos nos preparar. Desde então, tão quanto meu pai que montava guarda do lado de dentro, eu montava do lado de fora, sentada nos degraus da escada, os olhos fixos na porta e a certeza de que poderia ser a qualquer momento.

E foi assim que Alex me encontrou naquela noite. Ele precisou participar de uma reunião importante. Eu tomei sopa, só um pouco, e ainda assim porque meu pai insistiu muito, depois voltei para o degrau e ali fiquei sem perceber o tempo passar.

Ele se aproximou sem nada dizer. Não desviei os olhos da porta do quarto em que minha mãe estava. Sabia que era Alex sem precisar olhá-lo. O coração tem dessas coisas, não é? Você sabe porque reconhece os passos, o barulho da chave do carro junto ao movimento do seu corpo, a forma como respira. Definitivamente, ninguém precisa de anos de convivência para identificar estes pequenos detalhes na pessoa que ama. Eu era assim com Alex. Sabia e pronto.

Senti suas mãos levantarem meus óculos e depois enxugarem as lágrimas que caíam e que se tornaram tão habituais que, se não fosse pela visão borrada, eu nem as perceberia mais.

– Comeu alguma coisa?

Confirmei com a cabeça e pigarreei para que minha voz não ficasse tão ruim quanto o meu semblante.

– E você?

– Passei na casa dos meus pais e jantei com eles. Tentei ligar, mas seu celular está dando caixa de mensagem.

Fiz uma careta. Há dias eu não me lembrava de carregá-lo. Alex se encarregava disso quando percebia que não havia mais bateria.

– Tudo bem.

– Falei com seu pai mais cedo e ele me informou sobre a situação de Mary.

– Os rins estão no limite.

– Eu sei. – Seus dedos acariciaram meu couro cabeludo. – Por que não subimos? Eles vão avisar se alguma coisa acontecer.

Estremeci só de imaginar o que poderia acontecer ao ponto de precisarem me chamar. Olhei para a sala e vi Mirada sentada no sofá, Patrício ao seu lado, e me perguntei quando ele havia chegado. Eu nem tinha notado.

– Vamos. Você toma um banho eu massageio os seus pés.

Ele sorriu lindamente, tentando me animar.

– Eu queria... – Engoli em seco. – Eu quero dar boa-noite a ela.

– Certo. Venha, eu vou com você.

Andamos em silêncio, ele segurando a minha mão. Abri a porta e meu pai levantou a cabeça. Seus olhos vermelhos indicavam o tamanho do seu desespero. Meu coração acelerou.

– Como ela está? – Minha voz quase falhou.

– Partindo. – Ele desviou o olhar e acariciou a mão da minha mãe.

Olhei para ela. Minha mãe não era aquela pessoa ali, ligada a aparelhos, respirando artificialmente, sem a sua habitual alegria, sem o seu brilho. Não. A minha mãe já tinha partido há muito tempo, ali restava apenas o que nos mantinha de pé, a casca, a ideia hipócrita de que ela ainda estava ali.

A que custo?

Meu pai se afastou quando eu me aproximei, cedendo-me a mão dela. Segurei com cuidado, sentindo a sua frieza. Respirei fundo, me inclinei e beijei a sua testa.

– Boa noite, mamãe. –Eu me esforçarei para ser o que você sempre sonhou. Me tornarei a mulher pela qual você escondeu a sua verdade, a que a fez abdicar da própria vida. Descanse. Ficaremos todos bem.

Não consegui expressar meus pensamentos em palavras. Então deixei Alex me levar. O que eu poderia fazer sentada ali, como um cão de guarda? Nada. Eu não poderia fazer mais nada. No entanto, cada passo que me levava para o meu quarto aumentava o buraco já imenso no meu peito.


***


Minha cama estava tão vazia que cheguei a pensar que Alex tinha sido um sonho. A luz fraca do dia tentava avançar e vencer a cortina totalmente fechada. No primeiro instante, não percebi nada. A movimentação, o choro, a conversa sem moderação não me alcançaram tão rapidamente. Eu ainda tive os últimos minutos de paz, até que fui jogada de volta à minha realidade.

Primeiro congelei. Fiquei completamente paralisada enquanto os sons chegavam aos meus ouvidos. O choro de Miranda, a voz de Patrício. Talvez este tenha sido o detalhe que mais me alertou. O que Patrício fazia ali tão cedo? E com quem ele conversava? Depois outras vozes, todas estranhas, mais choros.

Levantei, percebendo que não estava com minhas roupas e, rapidamente, as lembranças da noite anterior me invadiram. Alex me dando banho, seu jeito carinhoso de me tratar, a massagem que me fez adormecer... mais choro, vozes estranhas se distanciando. Alcancei minha calça pendurada na poltrona, tive o cuidado de colocar um sutiã, já que a camisa clara revelava demais, e saí do quarto descalça, sem lavar o rosto, escovar os dentes ou até mesmo pentear o cabelo.

Meu coração acelerado ficou ainda pior quando abri a porta e vi Alex subindo as escadas. Ele falava baixo ao telefone, o tom que empregava deixava claro que algo de muito ruim tinha acontecido. E então nossos olhos se encontraram e eu entendi.

Minha mãe havia partido.

Eu, sinceramente, pensei que toda dor já havia se esvaído do meu corpo. Estava enganada. Naquele momento, naquele mísero segundo em que entendi minha realidade, me pareceu que o mundo deixou de fazer sentido, que minha mente havia dissolvido e meu corpo se fragmentado em milhares de pedacinhos que doíam sem parar, formando uma massa sólida de dor, apenas dor.

– Charlotte!

Meus olhos não fixavam, eu ouvia a voz de Alex e sentia suas mãos em mim. Parecia que ele me carregava, mas eu não tenho certeza se foi real ou só mais uma travessura da minha mente. Eu sentia a dor que parecia aumentar cada vez mais.

– Droga! Johnny! – gritou enquanto sentia meu corpo flutuar. – Merda, Charlotte! Fale comigo.

Ele estava tão próximo e distante ao mesmo tempo. Era estranho. A única parte que coordenava os pensamentos mais coerentes do meu cérebro, se assim posso chamar, parecia estar bem perto de se fundir ao restante e se perder em loucura e dor, porque eu pensava em correr escada abaixo e avisar às enfermeiras, médicos, quem quer que estivesse lá, que minha mãe estava morrendo e que eles precisavam fazer alguma coisa, como se ainda tivéssemos tempo para tentativas.

Eu sabia, só não conseguia me conectar à realidade, minha mente entendia que minha mãe estava morrendo e não que ela já estava morta, que mais nada poderia ser feito.

Era estranho!

Como alguém tão vivo pode não estar mais vivo? Como simplesmente entender e aceitar que aquela presença tão constante não permaneceria? Como retirar da sua realidade a figura de uma pessoa que, com certeza, eu continuaria esperando chegar ou pensaria com esperança quando precisasse de apoio?

Não. Não era possível entender e encarar esta realidade.

Decerto, a vida continuaria, o sol brilharia, a chuva cairia, as plantas cresceriam, porque tudo seguiria o seu curso. Pode parecer bobagem o que vou dizer: era injusto com os que sofrem a perda de alguém tão amado. Não dava para acreditar que a dor que me paralisava e roubava de mim todas as minhas faculdades, incapacitando-me, não seria sentida ou respeitada por todos. Que seria um dia lindo, mesmo eu estando tão morta por dentro. Que chegaria a noite e o dia outra vez, empurrando a vida a continuar e forçando tudo e todos a seguirem em frente quando meu único desejo era parar, congelar e me perder no tempo.

– Charlotte, amor, fale comigo! O que você está sentindo?

– Charlotte? Droga! Ela parece estar em choque. Está gelada demais.

Johnny também estava perto e parecia desesperado.

– Não faça isso, Lottie, por favor! O padrinho precisa de você

E bastou este argumento para que algo em mim se rasgasse. Uma lufada de ar invadiu meus pulmões, queimando e me forçando a entender que continuava viva e que, apesar de tanta dor, eu precisava continuar. Então, como se eu estivesse presenciando o meu nascimento, enxerguei o ambiente ao meu redor, lutando para ganhar vida, respirando com dificuldade... um parto real. Por isso, assim que percebi que estava de volta, me permiti chorar como uma criança recém-saída do ventre.

– Ah, amor! – Alex me abraçou carinhosamente, mantendo-me em seus braços com a cabeça apoiada em seu peito.

– Ela está bem?

Johnny segurou minha mão, conferindo a temperatura. Ninguém respondeu, mas acho que Alex fez algum gesto para que meu amigo entendesse que eu apenas sofria a perda da minha mãe, porque ele beijou minha mão e ficou ao meu lado em silêncio.

Estávamos sentados no chão, provavelmente eu caí, ou ameacei cair e ali foi o lugar onde eles conseguiram me amparar. Permanecemos no mesmo lugar, em silêncio. Eu chorando, olhos fechados, cabeça no peito do meu marido, que mantinha as mãos em mim, acariciando minhas costas e cabelos, enquanto meu amigo segurava firme em minha mão.

– Preciso vê-la – avisei com a voz tão fraca que nem acreditei ser a minha.

– Charlotte...

– Preciso me despedir, Alex.

Ele resmungou, mas começou a se ajeitar para levantar e me auxiliou quando fiz o mesmo. Senti as pernas fraquejarem, meu corpo cobrando o desgaste, minha mente lenta.

– O padrinho está lá. Acho que ainda não desligaram os aparelhos. Vão levá-la ao necrotério, não poderão salvar nada para a doação... você sabe... – E ele se calou.

O câncer havia destruído a minha mãe por dentro. O que restou foi apenas a sua doçura, sua força e capacidade de encarar a vida e a própria morte de uma maneira calma e natural. Ela não se dobrou. Não foi vencida. Ela venceu, porque escolheu como seria.

Esta seria a minha fantasia eterna. O conto de fadas que eu levaria comigo. A ideia frágil e infantil de que minha mãe escolheu partir depois de completar a sua missão aqui na terra, que foi viver intensamente ao lado do homem que escolheu e amou, e que vivenciou os melhores momentos da sua filha, como tinha planejado. De que não se rendeu à doença, que não foi derrotada, que não sofreu. Que partiu com dignidade, levando o melhor da vida.

Mas o fato era que nunca descobriríamos a verdade.


ALEX


Charlotte estava trancada no quarto há bastante tempo. Ela e Peter se juntaram em uma espécie de despedida íntima, que pertenceria apenas aos dois. Todos respeitaram o momento, inclusive Miranda e Johnny, que, apesar de fazerem parte daquela família, entenderam que aquela era a hora de pai e filha acertarem as contas e, finalmente, deixarem que a vida seguisse o seu curso. Nada mais poderia ser feito.

Um pouco antes de entrar, Charlotte me disse uma coisa que martelava a minha cabeça e na qual eu não conseguia parar de pensar. Ela disse: foi assim que ela escolheu. Como se Mary tivesse escolhido que seu corpo deixaria de lutar na noite de formatura e que, quando sua mente se cansasse, ela partiria, sem sofrimento, sem desgaste, sem dor. Isso era possível? Eu não sabia no que acreditar.

A minha experiência de perda não havia sido nada fácil e, definitivamente, não foi como estava sendo para Charlotte. Em muitos aspectos, devo ressaltar. Mas não era hora para relembrar o meu passado, e sim de me preparar para ampará-la. Seja lá qual fosse a sua decisão.

Quando a porta abriu, apenas a minha esposa saiu de lá. Pudemos ver Peter, sentado ao lado do corpo da esposa, a cabeça baixa, como se fosse parte do acordo deles, ele permanecer ao lado dela, até que não pudessem mais ficar juntos. Era triste. Melancólico.

Charlotte caminhou na direção de Johnny e levantou a mão para Miranda, amparando a amiga. Eles se olharam com cumplicidade e eu me senti um “peixe fora d’água”, como se não fizesse parte da família, e a verdade era que eu realmente não fazia. Há quanto tempo estávamos juntos? Parcos dias. Como eu poderia almejar um lugar naquela pintura de família? Não havia espaço para mim ali e isso me incomodou profundamente. O precipício entre nós dois aumentava cada vez mais.

– Vamos voltar para a Inglaterra – ela anunciou sem titubear. Estavam decididos. – Vamos enterrá-la em casa. Esta era a sua vontade e nós iremos cumpri-la.

Eles concordaram. Eu e Patrício nos olhamos. Eu sabia muito bem o que o meu irmão pensava: e nós? Pois é, Patrício. Perdemos.

Tudo já estava arranjado. Peter tinha secretárias eficientes, por isso todos da minha família foram contatados para confirmar a presença no enterro, assim como fomos informados de que o Sr. Middleton fazia questão de nos hospedar em sua casa. Pelo menos, assim, eu estaria perto dela.

Iríamos no avião particular da família. Só a ideia já me deixava constrangido. Sempre trabalhei muito e me considerava uma pessoa com uma vida financeira confortável. Pelo menos era assim que me sentia quando saía com outras mulheres. Minha casa era boa, em um ótimo bairro e tinha a decoração perfeita, de uma profissional, é claro. Os lugares que eu frequentava também eram os melhores e eu sempre paguei a conta, pois gostava de cuidar das mulheres com quem me relacionava. Isso nunca foi um sacrifício.

Talvez, por este motivo, me inserir no mundo de Charlotte me causasse certo desconforto. Obviamente, eu viajava de primeira classe, sempre que podia, daí a ter um avião particular era uma distância muito grande. Sem contar que acomodar todos nós em uma única casa já me fazia imaginar em que tipo de mansão ela morava.

Tudo bem que não ser tão ou mais rico do que a minha esposa não deveria me incomodar, só que incomodava e eu não sei dizer ao certo o porquê. O fato era que, daquele momento em diante, eu não me sentia mais um marido apaixonado que tentava recuperar a esposa. Eu me sentia o pobre marido que precisava bajular a esposa rica. Pelo menos era como minha mente me dizia que as pessoas me veriam.

Merda!

Por que eu estava me preocupando com o que as pessoas diriam? Já não tinha problemas demais para pensar? Por que não esquecia esta bobagem e me concentrava em Charlotte e no que eu poderia fazer para ajudá-la?

– Por que não tenta descansar um pouco? Vamos demorar a embarcar. – tentei puxar conversa.

Charlotte estava muito calada, funcionando no automático. Ela simplesmente fazia o que deveria ser feito, apaticamente, como se sua alma não estivesse mais lá. Johnny assumiu as rédeas e me pediu para cuidar dela enquanto ele cuidava de todo o resto. Claro que concordei. Nada me daria mais prazer do que cuidar da minha esposa. Restava apenas saber se ela queria ser cuidada por mim.

– Eu estou bem – ela disse com a voz suave e baixa.

Acariciei seu braço enquanto me lembrava das suas malas. Eram inúmeras, como se Charlotte estivesse realmente indo embora. Preferi não comentar sobre o assunto. Não era o momento.

– O caixão dela já chegou?

Charlotte segurava um casaco grosso e uma bolsa estilosa. Não parecia em nada com a minha Charlotte. Aparentemente, aquela era a Charlotte Middleton inglesa, de família nobre, por isso o vestido composto e alinhado, combinando com os sapatos clássicos.

– Não sei, Charlotte, com certeza saberemos quando chegar a hora.

– Eu não gosto da ideia de esperar chegar a hora, Alex – ela respondeu de uma maneira estranha.

Estava fria, havia certa agressividade na maneira como colocou o fato. Suspirei. O que eu esperava? Que ela não me culpasse mais por termos escondido a verdade? Acorde, Alex. Você fez merda!

– Vou perguntar a Johnny.

Peguei o celular para ligar, mas Johnny entrou na sala já caminhando para encontrá-la.

– Onde está meu pai? – Charlotte se adiantou visivelmente angustiada.

– Foi acompanhar o caixão. – E a palavra parecia feri-lo mais do que deveria. – Nós vamos embarcar agora.

Ele abriu espaço para que pudéssemos passar, e minha esposa seguiu em frente sem me aguardar. Ainda vi um olhar terno do meu pai em minha direção. Era constrangedor.

Quando entrei e me deparei com o luxo do avião, quase pensei em me recusar a embarcar. Droga! Ela tinha que ser tão rica?

– Boa tarde, senhor! Posso ajudá-lo?

Uma comissária muito bonita e bem arrumada se ofereceu para me ajudar com a pequena bagagem. Olhei para Charlotte, que já estava muito bem acomodada em uma das poltronas confortáveis, de frente para uma pequena mesa. Ela não me olhou.

– O senhor pode colocá-la no compartimento acima das poltronas.

– Obrigado.

Fui em direção a minha esposa. Pelo menos a poltrona ao lado dela estava vazia, assim como as duas a sua frente. Ela me olhou quando me aproximei.

– Posso sentar aqui? – perguntei bem baixo, sentindo-me envergonhado por precisar fazer aquilo na frente de toda a minha família.

– Claro!

Charlotte me olhou de uma maneira curiosa, como se fosse absurdo fazer aquela pergunta. Fiquei ainda mais constrangido, mesmo assim, sentei ao seu lado.

– Pensei que seu pai...

– Ele vai na cabine.

Concordei sem nada dizer.

– Minha mãe irá no compartimento de carga, como se não pudéssemos mais tê-la como uma pessoa – continuou mantendo a voz baixa, assim como os olhos.

– Não tem como manter um caixão seguro aqui, Charlotte. Tem a decolagem, e...

– Eu sei. Apenas não gosto de pensar nela sozinha lá embaixo, como se fosse uma bagagem, descartável... – Ela suspirou e deitou a cabeça em meu ombro. – Desculpe-me, Alex! Sei que estou sendo difícil.

– Tudo bem. Este é o seu momento. – Passei a mão em seu rosto e beijei o topo da cabeça.

– Obrigada!

– Pelo quê?

– Por estar aqui.

– E onde mais eu poderia estar?

Onde mais eu poderia estar senão ao lado dela? Aquela garota triste e fria podia não se parecer em nada com a Charlotte Middleton com quem me casei. Suas roupas caras e formais não deixavam que a Charlotte jovem e leve aparecesse, ainda assim, era a mulher mais incrível que já conheci e isso nunca mudaria. Nem mesmo com um avião, uma mansão ou qualquer outra coisa que o dinheiro pudesse comprar. Ela era Charlotte Frankli, minha esposa, a mulher da minha vida.


CAPÍTULO 17

 

“Nenhuma herança é tão rica quanto a honestidade.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


A sala estava repleta de amigos e conhecidos, mas eu não queria interagir. Minha mãe quis um enterro rápido, uma cerimônia simples e nada de velar o corpo mais do que o necessário, não importava quem não conseguisse chegar. Ordens dela. Minha mãe era incrível!

Enquanto o padre dizia aquelas palavras que apenas nos jogavam mais para baixo, eu encarava o caixão sem acreditar que, em poucos minutos, não mais veria o rosto dela. Era desesperador.

Alex estava comigo. Ele cumpria a promessa de estar sempre lá, pronto para me amparar. Lana e Miranda se revezavam, tentando me fazer reagir. Eu permanecia ali, parada, olhando fixamente o caixão, sem entender o mecanismo da vida.

Meu pai permanecia ao lado dela. Sua companheira, esposa, amante... Ele ficaria com ela até o último momento. Até que não fosse mais possível. Ele estava firme, apesar de sofrer e não fazer questão de esconder. Meu pai era forte e assim continuava, sem nada falar, sem sequer desgrudar a sua atenção daquele corpo sem vida.

Senti a mão de Alex apertar a minha e então entendi. Era a hora da despedida. Eu não queria. Minha mão gelou e os dedos dele pressionaram com mais firmeza. Levantei, ainda mantendo meu marido próximo, e nos acercamos do caixão.

Olhei minha mãe ali deitada. Serena, ela parecia dormir, como se fosse acordar a qualquer momento. E eu queria que ela acordasse. Meu pai se inclinou e beijou a sua testa. Uma lágrima escorreu e desceu pela face gelada e dura da minha mãe. Então ele se afastou e tocou em meu ombro, dando-me passagem.

Eu não sabia o que fazer, nem o que dizer. Apenas queria acordar daquele pesadelo. Alex colocou as mãos em meus ombros e se posicionou atrás de mim.

– Vou sentir a sua falta, mamãe – sussurrei e peguei em sua mão. A rigidez do corpo ia de encontro à suavidade do seu rosto. A morte era algo estranho. – Obrigada por tudo.

Eu me afastei antes que o choro me dominasse outra vez. Concentrei toda a energia em sentir a mão de Alex na minha e encarei um ponto ao fundo, evitando assistir o fechamento do caixão.

O que aconteceu depois, eu não sei explicar. Talvez quem já tenha passado por algo parecido me entenda. Sei que fui levada de um ponto a outro. Que muitas pessoas me cumprimentaram, muitas palavras foram ditas, que ela foi enterrada. Mas eu não vi nada. Minha mente se fechou em um mundo só meu, deixando-me incapaz de conseguir sair dele.

Como cheguei em casa? Não faço a mínima ideia. Eu comi? Não tenho como responder. De que forma troquei de roupa? E eu troquei de roupa? Era bem isso mesmo. Todos entraram, saíram, falaram, tentaram me ajudar. Eu apenas olhava, concordava e voltava a me trancar dentro de mim.

Lembro vagamente de Thomas, meu primo de segundo grau, amigo de infância, me visitando dois dias depois. Eu estava sentada no sofá, a roupa adequada, a postura correta, como ela sempre sonhou, mas tão morta por dentro que não consigo descrever o que exatamente conversamos.

Alex estava lá, mas ele pouco falou. Thomas me deu um beijo no rosto e eu lembro deste fato porque pude sentir o quanto Alex ficou incomodado, fechando seus dedos com mais força nos meus. Minha outra mão ficou um bom tempo presa nas mãos do meu primo, não me recordo de ficar aborrecida ou de me sentir invadida. Era como se nada importasse ou fizesse sentido.

– Você sabe que pode contar comigo, Lottie. Estivemos juntos durante muitos anos e tenho por você uma grande admiração – ele falava em nossa língua natal, o que quase dava um nó em minha mente.

Me concentrar em algo que deveria ser trivial me ajudava a esquecer um pouco a dor aguda que penetrava cada vez mais fundo em meu peito.

Como ou quando ele foi embora ficou perdido em algum lugar da minha memória. Era assim que eu ficava, sóbria em alguns momentos e perdida na maior parte do tempo. Como isso era possível? Não sei explicar. O fato era que eu podia estar em um lugar, ouvindo atentamente alguém discursando sobre as maravilhas feitas por minha mãe, e então me perder em pensamentos apenas por olhar um objeto que me trazia alguma recordação, uma lembrança que fosse.

Às vezes, eu fechava os olhos e ainda podia ouvir com exatidão a sua voz. Às vezes, eu sorria quando pensava no quanto ela me recriminaria por não responder em tempo hábil as perguntas das visitas intermináveis e, às vezes, eu apenas a assistia, como um filme antigo, entrando pela porta de casa e me procurando, como fazia sempre que voltava de viagem.

Eu sentia falta dos seus abraços, e fazia tão pouco tempo.

E assim foram duas semanas.

A família do meu marido foi embora dois dias depois. Não sem antes Lana me ameaçar de todas as formas para que eu levantasse da cama. Obedeci, voltando a me deitar tão logo ela passou pela porta da minha casa. Aliás, não havia prazer em estar lá, naquela mesma casa que eu amava tanto e que foi tudo para mim um dia. Nada mais seria como antes.

Miranda ficou, mas Johnny precisou voltar. Ele ainda estava na faculdade e, mesmo em férias, era necessário resolver sua matrícula e justificar suas faltas no curso de férias. Sem contar que já estagiava na administração do hospital. Meu pai achou melhor assim.

Por falar em meu pai, ele levantava todos os dias no mesmo horário. Regava as flores que minha mãe plantou. Na certa, mais uma promessa. Tomava café em silêncio, resolvia alguns problemas por telefone, cuidava da organização da casa e fingia muito bem que estava forte para seguir em frente.

Um belo mentiroso.

Alex ficou. Aliás, Alex foi o principal personagem nas minhas últimas semanas. Enquanto eu continuava presa em meu mundo, onde as lembranças me invadiam e machucavam impiedosamente, ele cuidava para que eu me levantasse, me ajudava a tomar banho, me forçava a comer e deitava ao meu lado quando eu precisava chorar.

Ele foi perfeito!

Tenho consciência de que não consegui ser nada para ele, mesmo ciente de que ele estava se desdobrando por mim. Existia, dentro de mim, um precipício. Algo que me afastava, me impedindo de trazê-lo de volta para a minha vida. Eu me sentia tão perdida!

E foi assim por longas semanas. Alex cuidava de mim e eu não fazia nada para melhorar. Até que um dia acordei sozinha na cama. Não que isso fosse um problema, eu dormia mais do que qualquer outro ser humano atualmente. Os antidepressivos ajudavam. Mas acordei diferente. Havia a angústia habitual, no entanto, mais alguma coisa estava lá. Uma certeza dentro de mim de que tudo iria piorar.

Imediatamente, senti a falta dele. Levantei sozinha, tomei meu banho me sentindo desamparada. Alex estava sempre lá. Nunca me olhava de uma maneira mais ousada, nunca tentava uma reaproximação, ele apenas cumpria o seu papel de marido e de bom amigo.

Amigo.

Puta merda!

O que mais eu poderia fazer?

Escolhi minha roupa, me sentindo uma colegial em seu primeiro dia de aula. Queria uma camisa de algodão, jeans e tênis, mas, desde que minha mãe partiu, sentia vontade de ser um pouco mais do que ela queria que eu fosse, então optei por um vestido de manga curta, meio solto e justo na cintura. Coloquei uma sapatilha, penteei os cabelos ainda molhados, escolhi o mesmo perfume de sempre e desci.

Não sentia fome, mesmo assim, sentei à mesa, que estava vazia àquela hora, e deixei que Shirley me servisse. Ela era uma das empregadas mais antigas entre os inúmeros empregados daquela casa. Mesmo sem apetite, me forcei a tomar uma xícara de café e comer um pedaço de bolo.

– E meu pai?

– Saiu logo cedo, Lottie. Seu esposo está no jardim, deseja que eu comunique a sua presença?

– Não. Eu vou encontrá-lo. Obrigada!

Assim que saí em direção ao jardim, vi Alex ao telefone, andando de um lado para o outro, sem muita pressa, bastante concentrado na ligação. Diminuí meu ritmo, evitando constrangê-lo, ou pelo menos que ele me visse a tempo para que eu não interrompesse nada.

Meu marido me viu e deixou de andar, me encarando. Ainda consegui ouvir o final da sua conversa.

– Tudo bem. Faça isso. Vou tentar resolver por aqui. Falo com você depois. – Ele desligou sem tirar os olhos de mim.

Senti quando ele percebeu que eu havia feito todo o seu trabalho, tomado banho, escolhido a roupa... tudo o que ele vinha fazendo quando eu não tinha controle da minha vida. Suspirei, sentindo-me uma garotinha.

– Bom dia. – Sua voz estava firme, mas não empolgada.

– Bom dia, Alex. – E a minha fraca, sem muita vontade.

– Como está se sentindo?

Pensei no assunto. Eu estava bem? Sim, eu estava. A dor, a mesma que eu sabia que me acompanharia pelo resto da vida, ganhando mais força nos momentos em que tudo seria perfeito se minha mãe ainda estivesse entre nós, mas ocupando um lugar seguro nos demais momentos, estava presente. Mesmo assim, eu me sentia bem, e alguma coisa me incomodava nisso.

Quando parei para pensar, percebi uma coisa que até então me parecia bem distante. Eu estava reagindo. A morte era algo mesmo estranho e a vida... ela nos forçava a continuar.

Meu rosto esquentou consideravelmente. Era correto se sentir bem com tão pouco tempo que ela havia partido? Era justo perceber de bom grado que o aperto no coração perdia a sua força? Realmente me envergonhava disso. Não era justo com ela.

– Charlotte? – ele repetiu, me observando com a mesma expressão de sempre, aquela que demonstrava entender o meu momento, e que sabia que eu ficaria fora do ar durante muito tempo. Era uma droga.

– Estou bem, Alex.

– Precisei fazer alguns telefonemas, mas já estava voltando para o quarto. Não pensei que acordaria tão cedo.

Mais uma vez, fiquei constrangida. Os remédios me mantinham desacordada e eu não estava muito atenta ao tempo.

– Já tomou banho. – Tocou em meu cabelo e, pela primeira vez, senti o brilho diferente dos seus olhos em mim.

– Como eu disse, estou me sentindo melhor hoje.

– Estou percebendo. – Um leve sorriso brincou em seus lábios.

Tive vontade de retribuir, porém alguma coisa me impediu.

Não havia como negar a existência da imensa barreira que se ergueu entre nós dois desde que descobri a verdade sobre a saúde da minha mãe. Ela estava lá, nítida e sólida, tão forte que parecia indestrutível. O que eu não conseguia definir dentro de mim era o porquê de aquilo estar acontecendo.

No fundo, eu sabia que a mentira me machucava muito. Entendia que a aceitação pela decisão dos meus pais estava encontrando o seu lugar. Era como se eu esperasse isso deles, esperasse que minha mãe quisesse limitar o meu sofrimento e que meu pai acataria qualquer que fosse a sua decisão.

Também tinha consciência de que eles tinham razão. Eu jamais conseguiria me manter sóbria, independentemente do momento em que eles revelassem a verdade. Eu nunca aceitaria nem conseguiria passar por aquela situação sem me destruir.

Da mesma forma, eu aceitaria a mentira se partisse dos meus amigos, Johnny e Miranda, afinal de contas, quantas vezes eles já haviam mentido para mim? Além de imaginar que eles sempre aceitariam qualquer que fosse a determinação dos meus pais.

Mas Alex... não. Alex era diferente. Era meu parceiro na luta contra as normas que meu pai instituiu em minha vida. Ele era o meu quebrar de regras, a minha anarquia, o que pularia comigo independentemente da altura. Alex era aquele cara que eu acreditava que seguraria em minha mão e me faria entrar em um carro sem rumo definido.

E ele me fez acreditar nisso quando me convenceu de que deveríamos casar porque ele me queria sem regras, sem impedimentos, sem meu pai entre nós dois. No fundo, era tudo mentira. Ele quis casar porque assim meu pai pediu. Mais um que seguia as suas regras e imposições. E acreditei nele.

Acreditei que aquela loucura de casamento, mesmo sem nem termos ideia de quem éramos, era realmente a nossa melhor opção. Não era.

E eu também poderia entender, se conseguisse desvincular a decepção e a mágoa e levar tudo pelo lado racional, que, mesmo não sendo a melhor maneira de conduzir uma situação tão delicada, meu marido acabou proporcionando a minha mãe os momentos que sei que me feririam caso ocorressem sem a sua presença.

Sim, eu podia ser grata por este detalhe, no entanto, tal fato não anulava a minha dúvida sobre o casamento. Sobre a profundidade do seu amor, sobre o tipo de alicerce que erguêramos para sustentar aquele relacionamento.

Eu não acreditava mais em nada.

Alex colocou as mãos nos bolsos da calça e puxou o ar com força. Seu olhar perdeu o brilho de antes e eu vi a decepção em seu rosto antes mesmo que conseguisse prever o seu comentário.

– Você nunca vai me perdoar, não é?

Confesso que senti o ar preso em meus pulmões. Eu seria capaz? Havia o que ser perdoado ou era apenas incompatibilidade de opiniões? E quanto ao papel de Alex em minha vida quando nem eu sabia para que lado ela seguiria?

Seus olhos intensos exigiam uma resposta, mas sua gentileza o impedia de me pressionar ainda mais. Desviei o olhar e, assim como ele, puxei o ar, sentindo-me sufocar.

– Não acredito que seja uma questão de perdoar ou não. Você precisava fazer uma escolha, e foi o que fez.

– Uma escolha que, para você, foi a errada.

Fechei os olhos sem querer deixar que cada palavra escapasse dos meus lábios. Eu nunca poderia discutir aquele assunto sem antes colocar em ordem a confusão dentro de mim. Sentei na grama, sem me preocupar com a roupa ou a com a delicadeza que Mary sempre me cobrava e que eu sabia não existir em mim.

– Foi uma escolha, Alex. E não sei se foi certa ou errada.

– Mas, mesmo assim, essa escolha rompeu algo muito forte entre a gente, não foi?

Ele se abaixou, ficando no mesmo nível que eu. Não consegui responder, então mordi os lábios e olhei para minhas mãos caídas sobre minhas pernas cruzadas. Alex aguardou, aguardou e o silêncio passou a ser constrangedor.

– Charlotte? – ele sussurrou, fazendo-me olhá-lo.

Lógico que meus olhos estavam lacrimejados, este era o seu habitual, entretanto, eu lutava para não chorar. Não mais.

– Eu amo você. – Seus dedos correram em meu cabelo, segurando uma mecha e acariciando de leve o meu rosto. – Não quis te magoar. – Sua voz baixa continuava me atingindo. – Sinto saudade de você.

Porra, eu também sentia. Meu coração afundou e meus lábios desejaram os dele, nem que fosse um breve segundo, um consolo, qualquer coisa que me lembrasse de que era a ele que eu pertencia.

– Alex, eu...

– Charlotte?

Ouvimos a voz de Thomas e eu não pude deixar de notar que a careta que o meu marido fez não foi pela minha falta de resposta. Alex era um homem doce, educado e gentil, mas, desde o enterro da minha mãe, ele não conseguia esconder o quanto Thomas o aborrecia.

Eu não via motivos para isso, uma vez que não dava espaço para que meu amigo de infância se aproximasse mais do que o necessário. Mesmo assim, Alex não gostava do garoto. Eu até poderia entender o fato de Thomas demonstrar ser mais íntimo do que era de fato, da sua família fazer questão de estar muito presente e do meu marido não se sentir à vontade em um país que não era o dele, convivendo com pessoas que não tinham interesse nele. Era frustrante.

Mas o incômodo dele era mais do que isso. Era como se ele visse em Thomas um concorrente, o que era patético. Meu marido levantou e estendeu a mão para me ajudar a ficar de pé. Levantei, endireitando a roupa.

– Thomas, bom dia.

– Bom dia, princesa – ele brincou, se aproximando para me dar um beijo no rosto, o que achei completamente desnecessário. – Alex. – E estendeu a mão para o meu marido, que, lógico, aceitou.

– Como vai, Thomas? – ele disse em inglês, um ponto que me deixava mais confortável.

– Estou bem, apesar de passar horas do meu dia pensando em coisas que possam ajudar Charlotte a superar a morte da mãe.

Alex se moveu incomodado com a facilidade com que ele falava de um assunto tão delicado, no entanto, estranhamente, eu me senti melhor com a forma clara e descuidada que ele utilizava, muito melhor do que a delicadeza e o medo de falar tão abertamente sobre o assunto comigo, como todos estavam fazendo.

– Eu pensei em umas coisas interessantes, Lottie. – E ele se voltou exclusivamente para mim, como vinha fazendo quando Alex estava por perto. – Fiz algumas pesquisas sobre superação da perda e vi que algumas pessoas se dedicam a cuidar de pacientes com o mesmo problema, como se quisessem fazer pelo próximo o que não fizeram pelo ente querido.

Alex apertou minha mão e, discretamente, me puxou para perto. Doía o que Thomas me dizia, mesmo assim, eu preferia que ele dissesse tudo o que pensava do que esconder a verdade de mim.

– Não entendi. O que está sugerindo? – dei corda, ciente de que aquilo tudo desagradava o meu marido.

– Bom, você já tem o hospital, com uma ala imensa voltada para o tratamento do câncer. Pensei em trabalho voluntário, com certeza já existe um grupo fazendo isso por lá, é só se integrar e pronto.

– Que bobagem – Alex disse baixinho e em português.

Meu rosto ficou vermelho. Era a primeira indelicadeza dele desde que chegamos.

– Não sei se estou preparada para algo deste porte – revelei.

– Só vai saber se tentar. De qualquer forma, existem inúmeros projetos. Enviei algumas sugestões para o seu e-mail e tomei a liberdade de me informar sobre os projetos já existentes dentro do hospital da sua família, talvez algum te interesse.

– Sim, claro – Alex falou em inglês e com a voz controlada, até gentil. – Mas nós voltaremos para o Brasil em breve e Charlotte possui o projeto do sonho dela aguardando pelo seu retorno. Um trabalho voluntário deste porte deve ser tratado com seriedade, então não acredito que ela deva se inteirar para abandoná-lo logo em seguida.

Senti minhas costas ficarem tensas, meus ombros rígidos, o calor subindo para o meu rosto e me dominado sem que eu conseguisse impedi-lo. Droga! Aquele era um assunto que eu não queria discutir tão cedo. Voltar ao Brasil não estava em meus planos. Não nos imediatos.

Droga!

E lógico que Alex percebeu. Senti na forma como seus dedos apertaram os meus, e a certeza desaparecia dos seus olhos. Merda!

– Você não vai embora e deixar seu pai com todos os problemas para resolver sozinho, não é? Porque eu entendo aquele lance de escritora, mas, vamos ser sinceros, Charlotte, seu pai tem uma fortuna, um pequeno império do qual você é a única herdeira, não dá para ignorar algo assim.

Thomas não se abalava com o meu marido e isso incomodava ainda mais Alex.

– Este é um assunto que já ficou muito bem definido, Thomas. Peter e Charlotte têm tudo sobre controle. Obrigado pela preocupação. – E, com isso, meu marido achou que encerraria o assunto.

– Hum! De qualquer forma, o trabalho de escritor não exige que você esteja em um ou outro continente, não? Pode ficar e continuar com o seu sonho. – le colocou as mãos nos bolsos e sorriu, como se tivesse me dado a melhor de todas as ideias.

Olhei para Alex, que, com o maxilar travado, encarava meu amigo, tentando manter a calma. Droga! Como resolver aquela situação? Como dizer a Alex que eu realmente precisava de mais um tempo? Como fazê-lo entender que eu não poderia virar as costas para tudo tão rápido?

– De qualquer forma – comecei fazendo com que os dois focassem apenas em mim –, não me sinto preparada para trabalhos sociais. Pelo menos não os que envolvam câncer ou perda de familiares. Obrigada pelo interesse!

– Vocês estão aqui. – Meu pai se aproximou com passos rápidos. – Está frio, por que não entram?

– Estamos bem, pai. Como o senhor está? Já comeu alguma coisa? O que foi fazer tão cedo na rua?

Meu pai olhou para as duas figuras paradas ao meu lado e sorriu.

– Não invertemos os papéis ainda, querida, mas, sim, eu já comi, e não é mais tão cedo, você que está dormindo demais.

Baixei o olhar, envergonhada. Ele tinha razão, eu não precisava cuidar dele como se fosse uma criança. Pelo menos não na frente dos outros.

– Thomas, estive com o seu pai ontem. Ele está muito satisfeito com o trabalho que você vem fazendo nas empresas da família. Isso é ótimo!

– Eu não sirvo para escritor. – Thomas deu de ombros e sorriu, me olhando de soslaio. Ele não perdia a chance de ser irritante. – Minha única opção é cuidar do que vou herdar.

Meu pai riu.

– Charlotte sabe o caminho dela. Não criamos os filhos para seguir os nossos sonhos e eu tenho Jonathan, que é um garoto exemplar.

– Com certeza, Peter.

Mas eu sabia que Thomas achava um absurdo um garoto sem berço ser o responsável pela gestão de uma fortuna que não lhe pertencia. Azar o dele.

– Eu preciso ir. Foi ótimo te ver hoje, Charlotte. Você está muito melhor, até está voltando a parecer a garota infantil e mimada que conhecemos.

Mordi a língua para que não precisasse mostrá-la e senti a tensão do meu marido.

– Não posso dizer que foi um prazer, já que você não tem me dado oportunidade para sentir a sua falta – assinei meu atestado de mal-educada e infantil.

– Charlotte! – meu pai me repreendeu da mesma forma como minha mãe fazia, o que fez meu peito doer de uma forma familiar.

– Eu... preciso deitar um pouco. Desculpe.

– Eu te acompanho. – Alex me tirou de lá tão rápido que me deixou confusa.

Entramos em casa em silêncio, ele segurando a minha mão sem demonstrar nenhum interesse em soltar. Sem contar conversa, me conduziu ao quarto com passos firmes, abriu a porta, me levou para dentro e nos fechou para o restante do mundo. Engoli em seco quando virei de frente para o meu marido. Ele estava possesso.

– Você está bem? – ele perguntou, tentando melhorar o humor. – Precisa de alguma coisa?

– Não. Eu só... Thomas às vezes me tira do sério.

Ele soltou o ar e passou a mão pelos cabelos. Acompanhei seu gesto, recordando o quanto gostava dele.

– Sei como é.

Ele caminhou até a outra extremidade, como se manter distância de mim naquele momento fosse o mais apropriado.

– Não esquente com ele, Alex. Thomas acha que o mundo pertence a ele, mas não é uma pessoa ruim.

Ele riu com sarcasmo.

– Vou deixar de me incomodar com ele quando voltarmos para casa. – Droga! Eu deveria imaginar que ele não deixaria passar aquela conversa. – Por falar nisso...

– Ainda não, Alex. Por favor! – Sentei na cama, me sentindo péssima por enganá-lo.

– Charlotte, eu sei o quanto é difícil para você, mas precisamos ao menos começar a pensar no assunto.

– Ainda não – eu disse com mais determinação e vi o quanto frustrava o meu marido.

Ele ficou em silêncio por um tempo, deixando-me ainda mais tensa.

– Lana pediu que você dê uma olhada no trabalho final. Era para recebermos o boneco, mas não voltamos a tempo... – Ele deixou morrer a frase.

– Vou olhar – respondi sem vontade.

Não conseguia pensar no livro, nem no lançamento, nem em nada naquele momento.

– Charlotte... amor... – Alex se aproximou com cuidado. – Eu entendo todo o seu sofrimento, entendo o quanto é difícil, mas você precisa começar a reagir.

– Eu estou fazendo isso.

Evitei os olhos dele.

Alex não entendia. Ele nunca poderia entender. Tão cedo não saberia o que era conviver com um buraco no peito que nunca se fecharia. E, com certeza, não seria pego de surpresa, envolvido em uma mentira onde seria o último a saber a verdade.

– Por favor, não me pressione.

Ele suspirou outra vez e se abaixou diante de mim.

– Eu não estou te pressionando. – Segurou meu rosto, forçando-me a encará-lo. – Estou tentando te fazer seguir em frente.

– Como? Me explique como, Alex. Me entregando a projetos que envolvem pessoas que certamente perderei também? Voltando para casa e ignorando o fato de que meu pai também precisa de mim? – Fiquei exaltada e meus olhos marejaram. Eu não queria chorar. Não queria ser tão fraca. – Droga, Alex! Agora não é o momento. Me dê mais um tempo.

– São quinze dias já, Charlotte, mas tudo bem. Vamos... – Ele levantou, soltando o ar e olhando para o quarto, como se estivesse deixando claro que não servia para nós dois. – Vamos ficar e tentar ajeitar as coisas.

– Obrigada. – Deitei e abracei uma almofada.

– Vai dormir?

Fechei os olhos. Era o que eu queria. Não sei explicar o que havia de errado comigo, só sei dizer que aquele início de manhã havia me esgotado.

– Estou cansada.

– Você acabou de acordar.

Tive vontade de responder de maneira bem rebelde, mas preferi esconder meu rosto no travesseiro e ignorá-lo.

– Amor, por que não levanta, tenta trabalhar um pouco, liga para Miranda, sei lá... faça alguma coisa, Charlotte, só, por favor, não volte ao estado vegetativo, pelo amor de Deus!

Levantei o rosto, encarando o meu marido. Ele estava preocupado, mas eu realmente me sentia cansada demais para continuar conversando ou até mesmo para descer e fingir que a vida seguiria normalmente. Não queria sequer pensar no livro. No fundo, eu sabia que tinha medo que este dia chegasse, que eu conseguisse passar uma hora que fosse sem me lembrar dela.

– Por que não deita aqui comigo?

Vi o quanto o meu convite surpreendeu o meu marido.

– Porque não posso deixar você passar o dia todo na cama. – ele respondeu relutante e eu sabia o porquê de Alex estar naquela posição.

Já haviam se passado muitos dias desde que estivemos de fato um com o outro. Só que, naquele momento, eu queria apenas me abraçar a ele e, outra vez, esquecer o mundo. Toparia qualquer caminho que me levasse a isso.

– Houve um tempo em que você insistia para ficarmos o dia inteiro na cama.

Mais uma vez, senti os olhos dele queimarem em mim, no entanto, Alex continuava resistente.

– Charlotte... – Ele recuou ligeiramente. – Lana está me pressionando. Nós saímos de repente, não pensei que passaria tanto tempo afastado. Trabalhar a distância é complicado, pelo menos no meu caso, que ainda assino pela editora.

Me ajeitei na cama e voltei a esconder o rosto no travesseiro. Em parte, eu estava cansada daquele assunto, já que, no momento, não havia como solucioná-lo. Além disso, eu estava envergonhada. Pela primeira vez, em dias, eu estava permitindo que meu marido ficasse comigo de forma mais ousada, mesmo que não fosse a minha real necessidade, e mesmo assim ele recuava, resistia.

Não dava para ficar pior.

Senti seus dedos em meus cabelos e o colchão afundando com o seu peso. Alex sentou no espaço mínimo que eu deixara, suas carícias desceram até minhas costas, dando-me afago. Meus olhos ficaram marejados. Não era o que eu esperava dele.

– Tudo bem. Chegue um pouco para lá.

Respirei fundo e obedeci, deixando espaço suficiente para o meu marido. Ele deitou e me puxou para perto, ficando de frente para mim, me encarando e acariciando meu rosto. Alex estava sério, concentrado, me observando, como se estivesse aguardando pelo momento em que eu desmoronaria.

– Eu queria poder acabar com o seu sofrimento. – Seus olhos continuavam me observando.

E, com essas palavras, ele acabou com o que restava de determinação em mim. Alex, sem perceber, havia acabado com as minhas barreiras, com a minha tentativa de colocar as coisas em seus devidos lugares. O nó em minha garganta me impedia de falar.

– Charlotte, acredite em mim, com o tempo fica mais fácil, você só precisa tentar.

Desviei os olhos, mas ele segurou em meu queixo, fazendo-me encará-lo.

– Você sempre foi forte, amor. Era isso o que a sua mãe esperava de você.

– Alex, não! – As primeiras lágrimas começaram a se apresentar sem que eu conseguisse contê-las.

– Charlotte, todos nós a estamos aguardando. Seu pai, Miranda, Johnny, eu... todo mundo está deixando a vida continuar, menos você.

– Que droga! – explodi, me afastando dele. As lágrimas ficaram mais densas e embaçavam a minha visão – Você quer que eu coloque a minha vida para frente, só que quer saber de uma coisa? Era para estarmos transando agora e o que você fez? Nada – falei um pouco mais alto, as palavras arranhando a garganta que tentava, sem sucesso, resistir ao choro copioso.

– Pelo amor de Deus! – Alex resmungou, passou a mão no cabelo e encarou o teto.

– Pois é. Você quer que eu supere a morte repentina da minha mãe. Quer que eu volte a trabalhar nos livros, que eu tome decisões, mas não tem feito nada além de me apoiar na mesmice. Quando, finalmente, eu resolvo fazer alguma coisa normal, habitual, você decide me pressionar.

– Eu não estou te pressionando – rosnou.

– Você não transou comigo quando teve oportunidade. – Levantei para melhor olhá-lo.

Meu nariz começava a entupir devido ao choro. Os óculos há muito estavam largados sobre o colchão. Alex abriu a boca, fechou, abriu outra vez, soltou o ar preso nos pulmões e levantou também, ficando de frente para mim.

– Você não está em condições para... não é o seu momento, Charlotte. Enlouqueceu?

– Não era só o que fazíamos?

– O quê? – ele também falou alto, surpreso com a minha reação.

– Transávamos. Era só o que fazíamos, Alex. Quer ter a nossa vida de volta? Não vejo nada de diferente para fazermos.

– Você só pode estar... – Ele tentou não falar, mas estava exasperado demais. – Não é um bom momento, está legal? Não vou brigar com você, Charlotte.

– E quem está brigando?

Alex estreitou os olhos, me encarando.

Ok. Eu estava brigando e era absurdo. Sem sentido. Fiquei imediatamente envergonhada. Os soluços faziam meu peito vibrar, meu nariz escorria e eu continuava chorando, incapaz de me conter.

Alex suspirou, mais uma vez passou a mãos nos cabelos para se acalmar, voltou a sentar na cama e depois de alguns segundos, que me pareceram uma eternidade, fez um gesto para que eu me sentasse ao seu lado, o que fiz imediatamente.

Assim que sentei, sua mão foi para meus cabelos, afagando minhas costas com carinho.

– Desculpe – ele disse baixinho. – Podemos recomeçar o nosso dia?

Ri sem vontade.

Primeiro, eu nem conseguia conter o choro, segundo, eu não fazia ideia de como recomeçar o dia, como esquecer minhas palavras ou as dele, ou qualquer coisa acontecida desde que descobri a doença da minha mãe. Mesmo assim, fiquei ali.

– Venha, deite aqui comigo – ele disse, já me conduzindo para deitar na cama. Resisti.

– Você disse que eu não deveria passar o dia na cama e...

– Charlotte, esqueça. Vamos apenas deitar.

Ele limpou as lágrimas que ainda molhavam meu rosto e continuou me encarando sem desviar o olhar do meu. Deitei, sentindo todo o meu corpo tenso. Alex me envolveu em seus braços. Com o rosto em seu peito, pude ouvir seu coração acelerado.

– O que quer fazer? – suas palavras saíram baixinhas, cautelosas.

Eu sabia que meu marido tinha medo da minha resposta; o que ele não sabia era que eu não mais o atordoaria com aquela ideia absurda.

– Não sei – funguei sem delicadeza.

Ele riu baixinho.

Como Alex conseguia rir depois daquela minha exibição de infantilidade, eu não sabia dizer. Só sei que ele riu e, com isso, meu coração ficou menos pesado. Não tinha sido tão ruim assim.

– Então vamos ficar apenas abraçados – ele sussurrou, me envolvendo com seus braços protetores.

Fechei os olhos buscando conforto e me assustei quando senti seus lábios tocando os meus. Eu não sabia dizer quando fora o nosso último beijo, não fazia ideia se mantínhamos a tradição dos casais de chegadas e despedidas com pequenos beijos. Eu apenas sabia que aquele beijo, não mais recatado, cumprindo com a obrigação dos casais, mas que dizia que o amor continuava ali, foi como bálsamo para o meu coração.


CAPÍTULO 18


“Eu aprendi... que sempre posso fazer uma prece por alguém, quando não tenho forças para ajudá-lo de alguma outra forma.”

William Shakespeare


ALEX


Todos os dias, desde a morte de Mary, eu me perguntava quando Charlotte voltaria à vida. Era como assistir um cadáver que continuava andando, comendo, dormindo... essa era a minha esposa nas últimas semanas. Às vezes, eu achava que ela nunca mais voltaria, e era desesperador.

Eu me sentia péssimo, como se estivesse cuidando de um paciente em estado terminal, o que me arremessava em lembranças enterradas há muito tempo. Mesmo assim, eu lutava contra todos os meus temores e fazia o que era possível para estar junto dela, mas confesso que, um dia após o outro, eu me sentia cada vez mais cansado.

Não sou o homem perfeito, nem a pessoa ideal. Eu precisava lutar contra mim mesmo todos os dias para não sacudir Charlotte pelos ombros e gritar para ela acordar. Todo mundo estava sofrendo, Peter, Miranda, Johnny e até mesmo eu, porém todos seguiam com a vida enquanto ela morria aos poucos sem fazer nada para mudar a situação.

Era um teste de paciência contínuo e paciência nunca foi o meu forte, nem eu estava habituado a conviver com ela. Charlotte foi o meu primeiro teste e, desde então, eu vinha exercendo, explodindo em alguns momentos, me desmotivando em outros, mas no geral eu conseguia.

O que eu não sabia era se conseguiria continuar tão passivo. Esperando e esperando sem ultrapassar a linha quase inexistente que me impedia de dar um choque de realidade na minha esposa.

Eu me sentia pressionado por todos os lados. Peter não me cobrava diretamente, mas estava aborrecido e preocupado com a forma como Charlotte estava reagindo e não me poupava de seus comentários. Minha vida profissional estava uma bagunça. Precisei sair do Brasil às pressas e não imaginei que este seria mais um problema, então eu estava sendo cobrado por Lana, que ainda não podia tocar o barco sozinha. Para piorar, surgiram mais problemas, como a queda das vendas, a falha na plataforma que estávamos criando para combater a pirataria e o custo de produção que havia subido consideravelmente, levando-nos a questionar até quando seria viável a manutenção da gráfica em nosso prédio.

Eu podia fazer muito pouco estando do outro lado do oceano, a não ser ter longas conversas pelo celular, que geralmente não eram suficientes. E, quando percebia que mais um dia estava indo embora e que Charlotte continuava uma morta-viva, eu fechava os olhos e pedia a Deus para me ajudar, porque a minha vontade era gritar para ela acordar.

E eu sabia que ela não merecia isso. Droga, ela não merecia. Charlotte sempre foi a garotinha mimada e infantil, a que foi criada em uma redoma, a que tinha o mundo aos seus pés, mesmo sem se dar conta disso. Como esperar que ela reagisse de forma diferente?

Meu medo era que aquela situação se estendesse mais do que eu seria capaz de aguentar, mais do que eu poderia suportar. Porque, uma hora, a corda teria que partir e eu teria que escolher entre seguir a minha esposa, uma casca ambulante do que ela fora um dia, e com isso destruir a empresa que lutei arduamente para criar e, consequentemente, a minha família, ou desistir de Charlotte e assumir a responsabilidade que me cabia e gritava por mim.

Eu poderia dizer com todas as letras que eram dias fodidos.

Para piorar, existia o babaca do Thomas. O cara era um idiota de carteirinha que vivia rondando a minha esposa com piadas toscas e tentativas de animá-la que não passavam de inconveniências de mau gosto e má educação. O cara era um mala. Nessas horas, eu sentia uma falta absurda de João Pedro e Patrício.

Thomas vinha todos os dias, agia com cordialidade, mas sua atenção era sempre voltada para Charlotte, e chegava a ser descarada a maneira como ele deixava claro que não respeitava o meu casamento. Se minha esposa não estivesse tão alheia, eu sentiria medo; como ela estava morta por dentro, nada do que aquele idiota fizesse poderia mudar a situação.

Peter me pedia para ter paciência. Mais? Eu deveria ser canonizado. A vida me testava a cada segundo e tudo o que eu fazia era ter paciência.

Piorava, e muito, quando a única reação que havia conseguido de Charlotte após tantas semanas vendo-a acordar, dormir, comer e tomar banho mecanicamente, como se fosse um robô, foi justamente uma reação explosiva e infantil. Depois se debulhou em lágrimas, fazendo eu me sentir um merda de um insensível.

Com ela deitada em meus braços, já mais calma, aceitando o que eu poderia lhe dar de carinho naquele momento, eu apenas me perguntava até quando seria assim.

As pessoas, normalmente, choravam, passavam alguns dias atordoadas pelo impacto, questionavam o mundo, mas levantavam todos os dias, trabalhavam, comiam e, com o tempo, voltavam ao normal. Com Charlotte, era tudo diferente. E eu não conseguia acreditar que ela queria transar.

Porra, era lógico que eu queria transar. Não sou santo. Todos os dias, despir a minha esposa, lhe dar banho, vestir e dormir agarrado a ela era mesmo uma situação que fodia com o meu corpo, porém eu sequer me imaginava tendo relações com ela em um estado tão crítico.

Charlotte era mesmo um caso a ser estudado.

E lógico que eu transaria com ela, que a desejava, mas, para que acontecesse, ela deveria ao menos começar a viver, estar acordada de verdade, ciente do que estava fazendo e, principalmente, querendo tanto quanto eu. O que não era o caso. Charlotte estava em um momento de desespero, querendo arrumar uma forma de sair do fundo do poço, se agarrando a qualquer coisa que a fizesse esquecer.

Mesmo assim, não tive como evitar que meu pau ficasse tão duro que quase assumia o controle da situação. Eu era mesmo um miserável, contudo, humano, tenho que ser franco e admitir que sentia falta de sexo. Com a minha esposa, evidentemente.

Respirei fundo, deitei, conseguindo finalmente acalmar Charlotte. Ficamos em silêncio, minhas mãos acariciando ora as suas costas, ora seu cabelo e rosto. Ela ficou de olhos fechados, recebendo meus beijos castos, cuidadosos, sem muito se aprofundar.

Às vezes, ela abria os lábios e deixava sua língua quente e tímida tocar os meus. Minha pele ficava arrepiada, mesmo assim eu me mantinha distante. Só Deus sabia o que poderia acontecer caso eu cedesse aos apelos dela. E, depois de ocorrido, só Ele poderia conter uma Charlotte desesperada por não ter encontrado o alívio que buscava, e apenas Ele poderia me dar a paciência necessária para lidar com tudo.

Complicado mesmo era quando ela gemia baixinho enquanto nos beijávamos, porque isso, sim, fazia meu pau reagir e minha mente anuviar. Minha esposa se aproximou ainda mais, deixando nossos corpos colados. Ela agia como se não quisesse ser a que determinaria o rumo das coisas, embora deixasse claro que esperava que eu determinasse.

E Deus deveria ter piedade de mim. Tinha que ser muito forte para resistir a uma Charlotte quentinha, entregue, desejosa, mesmo que perdida, me beijando com tanta doçura que eu me deixava levar e, quando caía em mim, precisava de um esforço descomunal para me afastar.

Sempre que eu tentava, ela investia, segurava a minha camisa como um aviso para que eu não me afastasse, os meus lábios eram prensados contra os dela, sua língua brincava com o meu juízo e sua coxa subia na minha, fazendo-me acreditar de que ela seria capaz de seguir em frente.

Mas eu sabia que não seria.

– Seu pai está em casa – sussurrei quando ela tentava mais uma vez me cercar com as suas carícias.

– Meu pai sabe o que recém-casados fazem quando estão em um quarto – provocou, me impedindo de recuar.

– Tenho certeza de que sim.

Deixei–a me beijar um pouco mais e, outra vez, me esforcei para me afastar.

– Alex!

– Não me sinto bem sabendo que os empregados, seu pai, qualquer visita inesperada pode nos surpreender, ou até mesmo nos ouvir.

– O quarto é imenso, a porta está fechada, ninguém pode entrar sem a nossa permissão, e eu tenho o direito de passar o dia na cama.

– Não é educado, Charlotte. – Segurei sua mão quando ela tentou colocá-la por dentro da minha calça. – E seu pai pode estar precisando de mim.

Ok. Usar o pai dela era tão infantil quanto covarde. Além de injusto. Eu sabia que, naquele momento, a única coisa que impediria minha esposa seria o sofrimento do pai. Charlotte respirou fundo e virou para encarar o teto.

– Eu me tornei um estorvo para você.

– Claro que não! – Pela primeira vez, senti vergonha pela minha recusa. – Você nunca será um peso para mim. É só uma fase.

– Que, de acordo com as suas próprias palavras, está demorando muito para passar.

Ri sem graça. O pior de tudo era o fato de ser realmente verdade.

– E, mesmo querendo que nossa vida volte ao normal, se recusa a transar comigo.

– Você não está pronta ainda, Charlotte.

Foi a vez de ela rir, desdenhando das minhas palavras.

– Olha, eu preciso que você esteja realmente bem. Não buscando uma fuga ou um jeito de esquecer temporariamente o que está te consumindo. Acredite em mim, ou vai ser uma merda para você desde o início, ou vai ser depois, mas será assim.

– Alex, eu...– Ela suspirou pesadamente. – Já pensou se isso nunca acabar? Já imaginou como será se eu não superar a... – Engoliu as palavras com dificuldade.

– Você vai conseguir.

– Eu não penso mais em minha vida como antes. Não consigo me imaginar naquela vida sem ela. Não consigo imaginar a vida sem ela. – Uma lágrima escorreu do seu olho.

Não era para eu me sentir assim, mas fiquei feliz por pelo menos ela estar falando sobre o assunto com alguém. Charlotte passou dias vivendo mecanicamente. Mal falava, mal ouvia, mal vivia. Não trocou uma palavra com ninguém sobre como se sentia, nem mesmo antes de Mary nos deixar. Ela simplesmente se fechou, deixando que as coisas acontecessem. Então, ouvi-la falar sobre seus temores, receios, dificuldades, me deixava mais tranquilo.

– Você tem direito de se sentir assim. – Ela fechou os olhos e cobriu o rosto com o braço. Sua respiração estava mais acelerada. – Charlotte, se você me disser o que deseja, como quer fazer, fica mais fácil.

Ela sorriu, o rosto ainda molhado, e mordeu o lábio.

– Eu quero transar com você – disse sem titubear.

– Não, você não quer.

Ela riu sem vontade.

– E nós sempre estamos voltando para os primeiros dias, não? Você se recusa a transar porque eu sou virgem, se recusa a transar porque não quero casar e se recusa a transar porque perdi a minha mãe. Realmente não sei aonde este casamento vai dar.

– Amor, é isso mesmo o que você quer? Tem certeza de que está se entregando a mim por causa do amor e do desejo que sente? Que quando acabar não vai desabar? Porque a nossa realidade não vai mudar depois de um orgasmo. Ainda estaremos aqui, na Inglaterra, nesta casa repleta de lembranças. Ela continuará fora das nossas vidas, Charlotte.

Minha esposa se recusou a me olhar.

– Se for o que realmente deseja, se eu estiver enganado, posso esquecer as minhas dúvidas e... – Acariciei seu rosto, sentindo Charlotte estremecer.

– Agora eu não quero mais – fez birra, juntando os lábios em um beicinho.

– Estou deixando em suas mãos. Você decide.

Ela levantou aborrecida. Eu havia atingido o meu objetivo.

– Vou ver se meu pai precisa de alguma coisa.


CHARLOTTE


Alex conseguiu matar qualquer tentativa de fuga. Pelo menos qualquer uma ligada a sexo. Suas palavras martelavam em minha mente: “ela continuará fora das nossas vidas”. E era isso mesmo. Ou eu conseguia aceitar esta realidade ou me perderia em um mundo de lamentações.

Então, nos dois dias seguintes, voltamos a erguer a muralha que nos separava. Quer dizer... apesar de fingirmos que não, sabíamos que estava lá, sólida, firme e intransponível.

Alex não mais tentou cuidar da minha rotina, ele sabia que eu poderia me cuidar e eu realmente queria fazer isso. Depois que voltei a conseguir prestar atenção na vida, passei a me sentir envergonhada por ter deixado acontecer por tanto tempo.

Ocorreram algumas mudanças, ou eu passei a perceber suas atitudes depois que tirei a nuvem que cegava meus olhos e me adormecia para a vida. O fato é que fiquei mais consciente de Alex. Sentia seus braços me segurando com firmeza a noite inteira. Percebia seu corpo reagir ao meu todas as manhãs e a sua luta para se manter distante. Ele não queria invadir o meu espaço, estava respeitando o meu momento.

E eu não sabia mais o que acontecia comigo. Pensava que, talvez, sexo fosse a solução, ao mesmo tempo, era difícil seguir em frente quando eu tinha acabado de enterrar a minha mãe, principalmente quando a vida que seguiria seria a sexual. Então, não. Alex tinha razão, eu não estava pronta. No entanto, saber que ele se afastava me deixava insegura e magoada. E isso eu não sei explicar.

O problema era que as minhas dúvidas, medos e culpas me faziam ficar estagnada. Eu não seguia, não andava, ficava apenas ali, no mesmo lugar sem conseguir dar um passo à frente. Enquanto Alex... ele seguia. Claro que sim. Mesmo a distância ele estava acompanhando a sua empresa. Passava muito tempo se dedicando ao seu livro e, muitas vezes, ainda acompanhava meu pai em algum compromisso.

Ele seguia e eu ficava para trás.

Só que esta distância, ao invés de me despertar, me deixou com um sentimento enorme de solidão e abandono. Era como se ele não estivesse ali, até porque, não queria estar mesmo.

Foi como me senti naquela manhã. Alex acordou muito cedo, se despediu de mim ainda na cama. Tinha um compromisso com o meu pai que não poderia adiar. Minha presença não chegou a ser cogitada, como vinha acontecendo nos últimos dias, e eu, orgulhosa, não me atrevia a me incluir nos planos deles.

Levantei, dei continuidade à rotina que havia estabelecido para me sentir viva outra vez e, depois de uma hora, não havia mais nada que eu tivesse vontade de fazer. Poderia trabalhar, me empenhar em continuar escrevendo, mas não me senti bem para escrever algo que não sentia realmente.

Zanzei pela sala, demorei mais tempo do que o necessário no jardim da minha mãe e me senti péssima ao ser invadida pelas recordações. Talvez, Alex tivesse razão. Aquela casa estava repleta de lembranças e sofrimento e eu nunca melhoraria enquanto estivesse no passado.

Miranda mandou uma mensagem. Propôs uma viagem, apenas nós duas. Lógico que neguei, eu ainda era casada e, se Alex não aceitava muito bem o fato de eu não querer deixar a Inglaterra, imagine se aceitaria que eu ficasse, sabe Deus quantos dias, rodando o mundo com a minha melhor amiga.

Então ela teve a ideia terrível de viajarmos os quatro, eu, Alex, ela e Patrício. Definitivamente, aquela não era uma boa opção. Chegava a ser mais animador passar a manhã inteira naquele jardim.

Bom, ela estava apenas tentando. E eu... eu estava evitando. Me agarrando a qualquer desculpa para permanecer ali.

– Charlotte!

Thomas estava na porta larga que dava acesso ao jardim. Ele sorria. Vestia roupas informais, apesar de estarmos no meio da semana e de ele levar a sério o seu trabalho. Mas Thomas estava ali, sorrindo como se fosse um dia lindo de verão.

– Pensei que te encontraria na cama. – Arqueou uma sobrancelha e deixou os olhos me percorrerem o corpo.

Fiquei incomodada, apertando o casaco ainda mais.

– O que faz aqui?

– Ora, não me trate como se eu não fosse bem-vindo. Mary não gostaria nada disso.

Encarei Thomas, esperando a alfinetada perfurar o meu coração, o que não aconteceu. O jeito destemido como ele falava sobre a minha mãe, sem cuidados ou receios, fazia com que eu me sentisse melhor do que quando as pessoas ficavam constrangidas em falar da minha mãe na minha presença.

– Mary não está em condições de reclamar.

Ele riu, eu não.

– Vamos lá, Charlotte. Você costumava ser mais divertida. O que este casamento está fazendo com o seu bom humor?

Suspirei.

– O que você quer, Thomas?

Ele se aproximou um passo, me olhando nos olhos com intensidade.

– Você.

Foi inevitável a minha reação. Meus olhos ficaram imensos e minha respiração, pesada. Ele sorriu, me observando.

– Sequestrar você, Charlotte. Lembra quando sentávamos no alto dos prédios para observar a vida de cima?

As imagens chegaram rapidamente. Eu, Johnny, Miranda, Thomas e mais um ou dois amigos que se uniam a nossas aventuras, nos juntávamos para beber escondido, subindo no alto de alguns prédios antigos, sem nenhuma permissão, usando as escadas de incêndio. Era engraçado, apesar de eu nunca ser a mais ativa nesses encontros, ia apenas para ficar com os meus amigos, e Thomas se juntava porque era quem conseguia as bebidas.

– West End? – brincou, se aproximando, como se quisesse me incentivar a aceitar.

– Não somos mais crianças, Thomas!

Mas a ideia já estava incutida. Me aventurar em lugares que há muito não faziam mais parte da minha rotina, com lembranças já quase esquecidas, e poder beber um pouco, era realmente uma forma de conseguir fugir da minha realidade.

– Estão te forçando a amadurecer rápido demais, Charlotte! Quantos anos você tem? Vinte e um? Trinta? Quarenta?

Ri pela primeira vez depois de muito tempo.

– Não deixe que eles te transformem em uma velha rabugenta.

Mordi o lábio receosa da decisão que se formava em minha cabeça.

– E eu tenho vodca – provocou.

– Ok! Mas não vamos demorar, certo?

– Como quiser, milady!


ALEX


– Se ela continuar com esta ideia, fixa não sei como será, Peter. Eu realmente estou prejudicando o andamento da editora permanecendo aqui por tanto tempo.

– Eu estou fazendo o possível. Tenho saído de casa muitas vezes para que ela entenda que não precisa ficar comigo. Charlotte precisa compreender que já é uma mulher, que está casada e que possui responsabilidades das quais não pode abrir mão por minha causa.

Suspirei pesadamente. Eu não queria deixar Peter sozinho, inclusive tinha sugerido que ele voltasse conosco, mas ele estava firme em permanecer um tempo na Inglaterra e depois dar seguimento às suas viagens de negócios. Voltar ao Brasil não estava em seus planos imediatos.

Além do mais, tínhamos certeza de que, se ele voltasse, Charlotte permaneceria em sua antiga casa, com a desculpa de que precisaria estar ao seu lado. Seria demais para a minha sanidade mental.

– Seja mais firme, Alex. Charlotte não vai preferir perdê-lo. – Ele sorriu enquanto entrávamos em casa.

Exceto por um ou outro barulho que indicavam o trabalho dos empregados que preparavam o jantar e cuidavam dos seus afazeres, a casa estava como deixamos, silenciosa e sem vida. Era incrível a transformação da minha esposa, tão espirituosa, cheia de energia, em uma pessoa completamente invisível.

Outro suspiro escapou dos meus lábios. Eu estava realmente cansado daquilo tudo. Disposto a qualquer coisa para tomar outra vez as rédeas da minha vida , a me sentir de volta ao meu mundo.

Eu havia ligado algumas vezes para Charlotte, mesmo sabendo da sua displicência em relação ao celular desde que Mary adoeceu e, novamente, não consegui encontrá-la. Paciência, aquela estava se tornando a nossa rotina.

Uma das empregadas da casa se aproximou para nos recepcionar, recebendo de nossas mãos os casacos e a pasta de trabalho do Peter. Era como um filme antigo e eu me sentia cada vez mais perdido.

– E Charlotte? – Peter perguntou, seguindo para a sala.

– Saiu ainda cedo com o Sr. Thomas.

Fiquei tenso imediatamente.

– Saiu? Como assim, saiu? Para onde? – questionei confuso demais para entender.

Durante dias, Charlotte se recusou a sair. Não quis fazer nenhum tipo de passeio e mal recepcionava corretamente as visitas. Então por que saiu sem dar explicações e logo com aquele... moleque metido a executivo?

– Ela só disse que estava de saída, Sr. Frankli.

Saquei imediatamente o celular, embora soubesse que de nada adiantaria. Merda!

– Vamos tentar falar com o Thomas – Peter se adiantou, pegando o celular dele.

Não foi necessário. Tão logo ele iniciou a ligação, ouvimos as risadas na direção da entrada da casa. E eram de Charlotte, mesmo alterada, eu sabia. Olhei para a porta um pouco alarmado, quando ela abriu, entrando praticamente carregada por um Thomas que aparentava ser ainda mais jovem.

Eles riam descontroladamente. O garoto segurava a minha esposa pela cintura, enquanto esta, alheia à nossa presença, se encaminhava, quase caindo, para o sofá.

– Charlotte! – falei chocado demais para ser cuidadoso.

Ela me olhou por breves segundos, ficando séria, então explodiu em uma nova onda de risos.

Eles estavam bêbados, não havia como negar.

– Você bebeu? – Peter se aproximou, fazendo com que Thomas procurasse se recompor. – O que está acontecendo, Thomas? – foi mais firme.

– Bem... – Ele se ajeitou no sofá e passou a mão no rosto, procurando clarear as ideias. – Nós demos um passeio. Visitamos alguns lugares que costumávamos frequentar e bebemos um pouco, sim. Charlotte precisava disso.

– O quê? – Não me contive. Estava prestes a colocar aquele moleque em seu devido lugar.

– Charlotte é maior de idade – ele rebateu, me encarado com firmeza. Pelo visto, não estava tão bêbado quanto aparentava. – Ela tem plenas condições de saber o que deve ou não fazer. Pode tomar as próprias decisões.

– Você só pode ser idiota! Como pode acreditar que embebedar a minha esposa é algo justificável? – Minha voz estava cada vez mais alta.

Peter colocou uma mão em meu ombro enquanto Charlotte ria cada vez mais.

– É melhor você ir para casa, Thomas – disse, me contendo ainda com a mão em meu ombro. Eu queria matar aquele imbecil. – Nós cuidaremos de Charlotte.

– Tudo bem. – Thomas se levantou sem nenhuma dificuldade. – Vejo você amanhã, Charlotte. – Ele já começava a se abaixar para se despedir com um beijo. Foi demais para mim.

– Fique longe dela. – Empurrei o garoto para longe, surpreendendo a todos, inclusive Charlotte.

– Ela não é sua propriedade – ele gritou em resposta me desafiando.

– Ela é minha esposa – falei mais alto sem me deixar intimidar.

– Que saco! – Charlotte gritou, levantando, mas seu estado não era dos melhores e, logo em seguida, ela fechou os olhos e caiu de volta no sofá.

– Charlotte! – falamos todos juntos, socorrendo-a.

Minha esposa respirou fundo, sem abrir os olhos, gemendo um pouco, provavelmente por causa da bebedeira.

– Merda! – Peguei Charlotte nos braços, levantando-a imediatamente. – Mande este merdinha embora, Peter. E não quero te ver por aqui outra vez.

– A casa não é sua. Aliás, o que você é mesmo? Ah, sim, o marido. Apenas o marido da milionária Charlotte Middleton.

Se Charlotte não estivesse em meus braços, eu juro que o acertaria com meu punho.

– E você? Claro, você é o garoto rico que brinca de executivo. Saia das fraldas, pentelho. E deixe que da minha esposa cuido eu. – Dei as costas, vendo Peter se colocar entre nós dois, evitando que o garoto me seguisse. – E, se eu te pegar rondando a minha mulher mais uma vez, juro que quebro o seu nariz. Quem sabe, assim, sua carinha de boneca se desfaz e você parecerá mais com um homem de verdade.

Charlotte gemeu, tentando levantar a cabeça.

Subi as escadas enquanto Peter tentava levar Thomas até a porta. Não olhei para trás, mas não posso negar a raiva que sentia. Charlotte estava tão bêbada que mal conseguia reagir. Como pôde se deixar levar pelas ideias daquele garoto?

Abri a porta com o pé sem saber se deveria deitá-la na cama ou levá-la para um banho. Foi quando Charlotte repentinamente reagiu. Ela levantou a cabeça e tentou se afastar.

– Fique quieta, Charlotte, ou vamos acabar caindo. – Fiz esforço para segurá-la.

– O que está fazendo? – Ela continuou tentando se afastar. – O que você fez?

– O que você fez – rebati sem paciência para as suas infantilidades. – O que estava pensando quando decidiu se embebedar?

– Não me dê sermão. – Ela conseguiu se desvencilhar e deitou na cama, fechando os olhos. – Foi você quem me largou em casa o dia inteiro. Foi você que preferiu os seus compromissos, a sua moral, a mim.

– Você está bêbada, Charlotte. Não sabe o que está falando. Não vou discutir com você neste estado.

Caminhei pelo quarto, tentando recuperar a calma. O que acontecia dentro de mim era forte demais para ser ignorado. O que incentivou Charlotte a sair de casa e se divertir com aquele moleque? O quanto ela havia permitido que acontecesse?

Droga! Eu estava mortificado pelo ciúme. Ela ainda não havia me perdoado por ter participado daquela mentira. Nosso casamento estava por um fio. O amor dela estava em teste, e... porra! Eu estava morrendo por dentro devido à incerteza.

Ela continuava deitada, olhos fechados, respirando lentamente. Resolvi despi-la. Era melhor do que deixá-la na cama com roupas sujas. Me aproximei e ela nada fez. Quando comecei a retirar o seu casaco, ela gemeu e tentou tirar minhas mãos dela.

– Deixe-me em paz, Thomas – gemeu perdida em seu delírio e meu sangue ferveu.

Respirei fundo para não sacudi-la, exigindo explicações.

– Deixe–me.

– Sou eu, Charlotte. Alex.

– Alex. – Ela suspirou, relaxando completamente.

Tentei esquecer as dúvidas e a raiva. A vontade de sair atrás do filho da puta era maior do que a de cuidar da minha esposa, mas eu sabia que não poderia fazer isso. Teria que aguardar, saber de Charlotte a verdadeira versão dos acontecimentos.

Tirei seu casaco, logo em seguida, a camisa, a calça e as botas. Ela ficou só de calcinha e se encolheu de frio. Cobri seu corpo com a manta grossa, separando suas roupas para descartá-las nas roupas sujas, porém não resisti e senti o perfume que exalava delas, em busca de qualquer indício.

– Puta que pariu! Eu pareço um putinha ciumento – resmunguei, me sentindo mais leve ao constatar o perfume dela, ainda que fraco, misturado apenas ao cheiro da bebida.

Joguei a roupa junto às demais, pensando em me deitar com ela, contudo, de repente, uma ideia me assolou, então resolvi procurar o meu sogro. Só ele poderia me ajudar.

Saí do quarto com uma decisão tomada e entreguei meu casamento nas mãos de Deus.


CAPÍTULO 19


“A sabedoria e a ignorância se transmitem como doenças; daí a necessidade de se saber escolher as companhias.”

William Shakespeare


CHARLOTTE


A primeira sensação foi a de não saber onde eu estava. Era como se estar acordando com o dia claro me fizesse perceber que eu perdi alguma coisa. Uma parte da minha memória estava apagada e eu estava confusa.

Logo em seguida, um enjoo que revirou o meu estômago, secou minha garganta e me fez gemer. Ah, sim, eu havia bebido. Talvez até mais do que deveria. Com certeza muito mais do que costumo beber. Droga!

Só então me dei conta do vazio em minha cama, que de repente se tornou imensa e fria. Alex! Puta merda!

Alguns flashes pipocavam em minha mente. Thomas muito próximo, nós dois achando tudo muito engraçado, ele me dizendo que as pessoas não me entendiam e eu concordando como se ele fosse o meu salvador. A bebida que nunca era interrompida, um senhor subindo ao terraço para brigar por estarmos ali e a nossa fuga que se transformou em mais uma crise de risos.

O beijo roubado que me trouxe de volta à realidade e me fez entender que não fora uma boa ideia. E agora eu desconhecia o que Alex sabia a respeito da noite anterior. E se eu contei? E se Thomas contou? Não foi um beijo com todas as propriedades de um beijo. Eu sequer retribuí, fui pega de surpresa e o repreendi imediatamente, então não pode ser considerado traição, pode?

Alex também tinha passado por situações semelhantes, então, caso eu tivesse contado, ou ele tivesse descoberto, não poderia significar um problema de grandes dimensões. Poderia?

Cacete!

Levantei, sentindo meu corpo protestar. Onde ele estaria? O que estava pensando? Fui ao banheiro, conferindo meu rosto horrível, digno de uma bebedeira. Resolvi tomar um banho e tentar parecer o máximo normal possível, quem sabe, assim, Alex pegasse mais leve comigo.

Porque certamente ele me repreenderia.

Que droga!

Devidamente arrumada, com uma roupa que deixaria minha mãe orgulhosa, um pouco de maquiagem para parecer mais saudável, um olhar que demonstrava reconhecer o erro cometido, mas também a sabedoria e maturidade para superar e aprender, desci, sentindo meu estômago protestar.

Eu não queria, mas, se ficasse sem comer, seria com certeza mais um ponto negativo com Alex e eu precisava de todos os pontos extras possíveis.

Encontrei mais uma vez a mesa ainda posta, contudo, vazia. Sentei, me servi com café preto, forcei um pedaço de pão para dentro, fingi comer o bolo, tomar meio copo de suco e saí em busca do meu marido, com a certeza de que ele estava em algum lugar naquela casa ou, caso contrário, teria dado um jeito de me avisar.

Assim que cheguei ao jardim, vi Alex caminhando pela grama verde e muito bem tratada. Ele estava lindo! Foi como se meus olhos encontrassem a luz depois de muitos anos na escuridão. Usava jeans, tênis e uma camisa de algodão branca. Era como estar em casa. Ele falava ao celular e não percebeu quando me aproximei, por isso consegui ouvir parte da sua conversa.

– Tudo bem, Lana. Deixe este problema pendente até amanhã. Vou tentar chegar o mais rápido possível. – Ele ficou calado e deu um passo bem lentamente. – Não. Ela está na mesma... eu sei... temos muitos profissionais que podem fazer esta parte por ela... eu sei, Lana, mas o que você quer que eu faça? Não, ainda não conversamos sobre...

Ele se virou e me viu um pouco atrás, perto o suficiente para escutar a conversa. Alex pigarreou.

– Certo. Eu ligo assim que conseguir acertar tudo por aqui. Amo você também. – Desligou e me encarou, analisando minhas feições.

– Desculpe, eu não sabia que já tinha acordado. – Olhou para mim com atenção, tentando encontrar algum resquício da bebedeira. – Como está se sentindo?

– Bem... eu acho. Vai viajar? – fui direto ao ponto.

O foco daquela conversa deveria ser o meu deslize da noite anterior. Foi para este embate que eu havia me preparado, estava cheia de argumentos, com todas as colocações devidamente estruturadas, porém ouvir a conversa dele com Lana me fez perder a linha. Não dava para ignorar o que eu tinha acabado de escutar.

Alex colocou as mãos nos bolsos desajeitadamente, em seguida me encarou. E então eu soube que a bebedeira não seria nada perto do que do que viria.

– Eu preciso voltar, Charlotte.

Meu coração perdeu uma batida. Então seria assim? Engoli em seco, mas minha angústia foi percebida.

– Você pode voltar comigo. – Pelo seu tom de voz, eu soube que ele também sabia que isso não aconteceria.

Eu não podia voltar. Alex pigarreou e se mexeu incomodado.

– Preciso voltar para a editora, estou longe há muito tempo e Lana ainda está meio perdida em sua nova função. Nestas últimas semanas, ela acumulou as duas funções, então...

– Você vai embora. – Mordi o lábio inferior, sentindo-me incapaz de encará-lo.

– Charlotte, eu...

Vi quando Alex se afastou e respirei fundo.

Eu não queria chorar. Não podia chorar. Não era justo. Ele precisava seguir em frente, e segurá-lo ao meu lado apenas para que eu pudesse me sentir segura, quando nem eu mesma sabia que destino teria aquele casamento, era errado. Pelo menos alguma coisa certa teria que acontecer naquilo tudo.

– Eu não posso, Alex. Meu pai precisa de mim. Não posso voltar e deixá-lo sozinho.

Ele ficou em silêncio. Quando levantei os olhos, vi que ele me encarava fixamente.

– Desculpe! Não tenho sido a melhor pessoa para você. Eu...

– Você está sofrendo, Charlotte, e isso não torna você uma pessoa ruim para mim.

– E o que faz então?

Ele voltou a ficar em silêncio, me encarando, eu sabia que ele conhecia a resposta. O pior era que eu também conhecia. Eu não era mulher para Alex Frankli.

– Quando você vai?

– Charlotte...

Ele deu um passo em minha direção e eu recuei. Estava aflita demais para aceitar ser envolvida por seus braços só para não me quebrar na sua frente.

– Do que você precisa?

– Droga, Charlotte! – Ele segurou a explosão e respirou fundo para se conter. Alex sempre seria Alex e nunca seria capaz de me magoar.

Engoli em seco.

– Eu não preciso de nada. Só vou verificar os voos e avisar a Lana – concordei com a cabeça sem voltar a encará-lo.

Ficamos em silêncio até que se tornasse um momento bastante constrangedor.

– Então eu vou... Acho que...

Respirei fundo e virei para sair, Alex me segurou pelo braço e me puxou de encontro ao seu corpo.

– Eu amo você, Charlotte!

E me beijou como há muito tempo não beijava. Eu não sabia como me sentir ou como tinha o direito de me sentir. Minha mente trabalhava a ideia de luto, no entanto, meu corpo aceitava apenas a ideia de saudade. Por isso, não resisti e me entreguei àquele beijo como quem se entrega à luz depois de séculos na escuridão.

Foi impossível não pensar em como recuei, mesmo estando fora do meu estado normal, quando Thomas me beijou, e na forma como eu me entregava ao beijo de Alex. Não havia dúvidas a quem eu pertencia.

Nossos corpos se colaram, nossas mãos se buscavam e, em determinado momento, não deu mais para conter a ansiedade. Minhas pernas fraquejaram e nosso beijo foi interrompido. Ele me manteve junto a ele, colando sua testa a minha.

– Venha comigo! – A súplica me pegou de surpresa. Meu coração estava tão fragilizado e tudo estava tão confuso que simplesmente chorei. – Charlotte?

– Eu não posso. Sinto muito! Não posso ir com você.

– Charlotte, como poderemos continuar juntos se você vai morar em outro país? Do outro lado do oceano. Eu entendo o seu sofrimento, entendo as suas dúvidas, mas, amor, a vida precisa continuar, e você agora tem uma vida comigo. Nós precisamos resolver nossas diferenças e fazer este casamento dar certo. Eu sinto a sua falta, Charlotte!

Oh, merda!

Lógico que eu sentia a falta dele também, mas o que eu podia fazer? Não dava para dar as costas ao meu pai e ir embora. A própria Miranda arranjou uma desculpa e foi embora atrás de Patrício. Johnny teria que assumir as empresas tão logo tivesse oportunidade e meu pai... Ele estava sozinho naquela casa imensa, cheia de lembranças. Eu não podia. E não queria.

Não queria abrir mão de Alex, e também não podia abrir mão de meu pai. Então seria assim. Era o fim para nós dois. Novas lágrimas caíram.

– Você não vem mesmo, não é? – Alex segurou meu rosto, fazendo-me olhá-lo. – Charlotte?

– Desculpe! – Foi só o que consegui dizer.

Eu quis sair e deixá-lo sozinho, no entanto, me vi em seus braços em uma despedida muda e sofrida.

– Eu amo você, Charlotte! Sempre vou amar. – ele sussurrou, então a dor e a tristeza ampliaram seu espaço em meu coração.


***


O dia demorou mais do que o normal para passar. Alex se manteve afastado o tempo todo. Conversou com meu pai durante muito tempo, trancados no escritório e, depois, ambos saíram com uma cara que deu mais vontade de ficar distante.

Eu não fiz nada de mais. O assunto da noite anterior havia morrido. Nenhuma palavra foi dita, como se o desejo fosse realmente esquecer o ocorrido.

Andei pela casa, ajudei as empregadas a dobrarem as roupas da minha mãe; mais um pedido dela, doar todas as suas coisas para instituições de caridade. Separamos o que iria para cada lugar, fiquei com um vestido e um par de sapatos, apenas como uma recordação.

O jantar foi estranho, meu pai e Alex conversaram sobre diversos assuntos, nenhum dos dois falou comigo, pelo menos nada que fosse relevante ou interessante. Tive vontade de gritar, mas não o fiz. Eu entendia o fato de meu pai estar aborrecido por eu não acompanhar o meu marido. Ele nunca admitiria que precisava dos meus cuidados, assim como eu nunca admitiria que estava ficando por não ter força suficiente para seguir em frente.

Eu perderia Alex e nada faria para mudar a nossa situação. Por isso, escolhi um livro, me tranquei na biblioteca ficando sozinha com os personagens, até que as horas passaram e me vi obrigada a voltar para o quarto.

Assim que entrei, vi as malas próximas à porta. Foi estranho. Meu coração acelerou, meus olhos se encheram de lágrimas e minhas pernas tremeram. Alex saiu do banheiro, tinha acabado de tomar banho e ainda estava sem camisa, usando só uma calça de pijama e secava o cabelo com a toalha. Nossos olhos ficaram presos uns nos outros e era possível enxergar nosso sofrimento.

– Desculpe, pensei que você não subiria tão cedo – ele começou, jogando a toalha para dentro do banheiro e voltando para buscar a camisa.

– Você já está indo? – Minha voz denunciava a minha emoção. O choro travado na minha garganta, tentando sair.

– Não. Mas, como tenho que embarcar muito cedo – ele me olhou com dúvida e receio –, vou dormir no quarto de hóspedes... para não te acordar quando eu levantar.

– Alex... – Eu fazia um esforço tremendo para segurar o choro e me manter firme, era impossível. – Eu...

– Está tudo bem, Charlotte. – Ele vestiu a camisa. – Lana está tentando falar com você. Precisa resolver algumas coisas relacionadas ao livro.

– Falo com ela depois.

Ele caminhou em minha direção, a sua intenção era alcançar a porta para fugir de mim e não me envolver nos braços.

– Alex...

Ele beijou minha testa, demorando mais tempo do que o habitual.

– Boa noite, Charlotte! Eu ligo amanhã para saber como você está.

E saiu, levando as duas bagagens. Não sei descrever como me senti. Meu estômago embrulhou, meu peito ficou mais apertado do que costumava ficar nas últimas semanas. As lágrimas desceram e eu comecei a sufocar.

O que faria? O que poderia fazer? Nada. Eu não podia deixar meu pai sozinho para viver ao lado de Alex quando eu não tinha ideia do que seria viver com ele. Eu tinha medo. Morria de medo, simplesmente porque sabia que não era, nunca seria, o suficiente para ele.

Eu não superava as minhas dores, não amadurecia, não conseguia deixar de ser a filhinha para ser a esposa de um homem tão forte, corajoso e decidido como Alex. Eu sabia que, se me entregasse àquela relação naquele momento, sem resolver dentro de mim todos os meus traumas, fantasmas e inseguranças, criaria uma dependência doentia daquele homem incrível que me amava.

Tinha consciência da fragilidade do nosso sentimento, da insegurança das nossas atitudes e, principalmente, tinha certeza de que, se eu me tornasse a figura frágil e dependente, ele deixaria de me amar. Contudo, como poderia fazer acontecer de forma diferente? Como simplesmente esquecer e me deixar ser conduzida quando eu não tinha mais forças para ditar meu caminho, se este seria o tiro de misericórdia mais certeiro que eu daria em nossa relação já agonizante?

Não. Eu destruiria tudo.

Faria com que Alex me visse como um peso, como um fardo. Nunca mais conseguiria voltar ao meu íntimo simplesmente porque teria medo de ser eu mesma. Não. Eu não poderia voltar com ele. Mas ele poderia ficar por mim.

Era isso! Alex poderia ficar por mim. Poderíamos fazer aquilo juntos, no meu mundo, onde eu sabia que poderia me reencontrar, onde eu poderia cuidar de meu pai e do meu casamento sem precisar abrir mão de nada.

Sim, esta era uma boa solução.


ALEX


– E acha que isso vai dar certo?

João Pedro fazia um esforço imenso para continuar conversando comigo sem chamar a atenção de Lana. Eu precisava desabafar com alguém depois de tudo o que decidi junto com Peter.

– Não sei. Charlotte é imprevisível, estou deixando as coisas acontecerem conforme a vontade de Deus.

– Peter foi realmente um grande mestre nesta conversa com você – ele disse, rindo, sem intenção de me irritar.

– Ele é experiente. E conhece Charlotte como ninguém.

– E se não der certo?

– Então vou seguir em frente, João Pedro. Estou cansado. Tenho tentado ser paciente, ter cuidado com ela, entender seu sofrimento, mas, se Charlotte quiser realmente abrir mão de nós dois por causa da sua infantilidade, então não me resta outra saída. Quero acabar com esta agonia que já me cerca há muito tempo. Não posso parar a minha vida porque ela não quer continuar comigo.

– Alex, pense bem, mano. Você pode dar mais um tempo aí, ganhar a confiança dela.

– Não. Eu vou embora, João! Charlotte não quer ceder, então que seja feita a vontade dela. – retruquei impaciente.

Foi quando ouvi uma batida leve na porta. Com certeza, não seria Peter, nem nenhuma empregada da casa. Apenas uma pessoa poderia bater a minha porta àquela hora da noite. Meu corpo inteiro se agitou.

– Preciso desligar. Acho que ela está batendo na porta.

– Cara! Vá com calma. Lembre-se de tudo o que Peter te disse. Seja firme.

– Eu serei. Falo com você quando chegar. – Desliguei, levantando para abrir a porta.

Primeiro, parei com a mão na maçaneta. Respirei fundo, procurando força para ser firme e duro com ela, quando todo o meu corpo já reagia à possibilidade de ela estar ali, por mim, por nós dois. Uma energia estranha correu minhas veias, acelerando meu sangue. E, de repente, me vi ansioso demais, temeroso demais e com raiva demais. Merda!

Por que um homem como eu, experiente, conhecedor dos sentimentos, das curvas da vida, de todas as intrigas possíveis, não conseguia simplesmente se desvencilhar daquela garota?

– Alex? – ela sussurrou, chamando meu nome enquanto meu corpo se dividia entre corresponder com toda a força que sua voz era capaz de provocar em minhas células, e a raiva, que só a rejeição poderia conduzir.

Abri a porta. Charlotte estava lá. Um cobertor pesado em suas mãos e com uma expressão que não me permitia decifrar o que ela realmente desejava. Fiquei confuso.

– Está frio – ela disse, estendendo o cobertor em minha direção.

– Obrigado! – Peguei-o.

Ela ficou sem graça, suas bochechas ficaram vermelhas e seus olhos desviaram dos meus.

– Não consegue dormir?

Suspirei. Aonde ela queria chegar? Virei de costas e andei em direção à cama, onde depositei o cobertor. Depois virei para ela, que ainda me aguardava com a porta aberta.

– O que exatamente você deseja, Charlotte?

Não era para ser assim. Ser mais invasivo me traria resultados mais positivos, no entanto, eu não conseguia agir de forma diferente. Ela recuou com a agressividade das minhas palavras e pareceu desistir do que pretendia dizer.

– Apenas pensei que este quarto não estava bem equipado para recebê-lo. As empregadas...

– O que você quer?

Dei um passo em sua direção e ela não recuou. Seu rosto corou um pouco mais, mas ela manteve-se firme, me encarando. A respiração pesada denunciava a sua ansiedade.

– Alex, eu...

Não tive mais paciência, muito menos controle sobre as minhas ações. Charlotte parecia desarmada, vestia uma camisola fina, contradizendo o frio daquela noite, que moldava absurdamente o seu corpo, mais magro e, definitivamente, mais frágil, no entanto, este detalhe não me impediu de desejá-la. Puxei Charlotte em minha direção e a beijei como há muito não fazia.


CHARLOTTE


Eu não sabia o que estava fazendo quando peguei aquele cobertor e bati à porta dele. Aliás, eu sabia o que deveria fazer, só não sabia como. Minha vontade era conversarmos como dois adultos civilizados, afinal de contas, éramos casados. Não foi nada disso o que aconteceu.

Primeiro ele me beijou. Não foi somente um beijo apaixonado. Foi um beijo repleto de todos os sentimentos que nos consumiram durante todos aqueles dias que estivemos separados. Foi um beijo cheio de propriedade, rebeldia, que deixava claro quem ele era e o que queria.

Confesso que, como tudo em minha vida, eu me deixei levar, ainda insegura se era mesmo o certo a ser feito, afinal, estávamos de luto, mas Alex era tão intenso, tão forte e perfeito, sabia a fórmula certa para me conduzir, de me fazer não pensar em mais nada.

E eu o amava. Sim. Eu o amava como nunca havia amado homem algum em minha vida. Por isso o queria ao meu lado, ali, na Inglaterra, lutando comigo e por mim, para que eu, finalmente, superasse aquele momento tão triste e difícil.

Então, me entregar aos carinhos do meu marido não seria uma transgressão das regras. Era justo, certo, adequado e necessário. Todo o meu corpo acendia e ganhava vida quando ele me tocava, e só assim eu entendia que não dava para esperar, não dava simplesmente para assisti-lo partir sem fazer nada.

– Às vezes, eu detesto a sua infantilidade – bradou ao descolar seus lábios dos meus.

Eu me senti ofendida e até incomodada, então uma mão dele se fechou em meus cabelos, mantendo-me firme para que pudesse fazer o que bem quisesse de mim, e a outra, sem pedir permissão ou tomar qualquer cuidado, avançou sobre a camisola, se apossando da minha bunda. Gemi, sem conseguir evitar.

– O que pensa que está fazendo?

– Alex... – Pisquei sem saber como ter aquela conversa com as mãos dele tão incisivas em mim. – Eu...

– Você não é mais nenhuma criança, Charlotte.

Puxou meus cabelos, levando minha cabeça para trás. Encarei seus olhos carregados de raiva e desejo. A outra mão não deu conversa e invadiu minha calcinha, conferindo a minha excitação.

– Cresça!

E me jogou na cama, fazendo-me arfar. O barulho, com certeza, foi ouvido em outros cômodos daquela casa, nem isso me fez desejar menos o meu marido. Ele estava tão feroz! Arrancou a camisa e se debruçou sobre mim, segurando em minhas pernas, afastando-as e puxando-me em sua direção.

– Tenho tido paciência... – Arrancou a calça do seu pijama, deixando sua ereção ganhar toda a minha atenção. O que ele faria? Aliás, o que eu implorava para que ele fizesse? – Tenho sido o seu companheiro de todas as horas. – Se acomodou entre as minhas pernas, se inclinando em minha direção. – Por um acaso você tem ideia do inferno que está causando na minha cabeça?

Segurou meus braços para cima e, com a mão, afastou a minha calcinha. Tenho certeza de que corei absurdamente. Sem contar que minha mente se apegava em apenas um detalhe: ele me tomaria e eu não desejava mais nada.

– Você é egoísta, mimada... – Levantou minha coxa para melhor se encaixar entre as minhas pernas.

– Alex!

Suspirei ansiosa demais para impedi-lo.

– Eu sou o seu marido, Charlotte! Não o seu brinquedo.

– Eu não...

– Não?

Ele voltou a beijar meus lábios. Não tive nenhuma vontade de resistir, mas ele não me tomava, não entrava em mim e me mostrava o que eu deveria fazer, não dominava a minha vida e me impedia de decidir qualquer que fosse o meu próximo passo. Ele me beijava como se me possuir fosse algo errado, como se não tivesse este direito sobre mim. Mas ele tinha e eu queria que ele tivesse.

– Alex! – gemi, me entregando de vez. Se era de permissão que ele precisava, então ele a tinha. – Por favor!

– Por favor, o quê?

– Faça amor comigo.

Ele gemeu enternecido com o meu pedido e beijou meu pescoço com desejo. Sua mão livre vasculhou meu corpo até se apossar do meu seio. Ele apertou sem delicadeza, eu estava tão excitada que só consegui gemer e me movimentar, buscando mais do seu corpo em mim.

– Por favor!

– Você não pode ter tudo o que deseja, Charlotte.

Ele não estava aborrecido, só adorava estar no controle novamente. Puta merda! Eu abriria mão de toda a minha liberdade, apenas para tê-lo dentro de mim. Alex sorriu.

– Por que não assume de uma vez que você não quer ficar longe?

E entrou em mim sem nenhum aviso. Gememos alto e juntos, sem pudor, sem limites e sem vergonha de estarmos sendo ouvidos. Senti como se meu corpo estivesse voltando à vida, como se finalmente eu estivesse forte, inteira, completa.

– Eu não quero ficar longe – admiti. Não havia nenhuma parte do meu corpo que conseguiria esconder aquela verdade.

– Então não fique.

Com uma mão na base da minha coluna, ele me puxou com mais força e se afundou em mim, roubando-me toda a capacidade de raciocinar.

– Alex!

Gemi incapaz de me conter, mordendo os lábios, fechei os olhos para que tudo o que havia dentro de mim não explodisse antes da hora. Eu o queria por todos os minutos e segundos que ele pudesse me manter em seus braços.

– Você é uma menina mimada... – Ele arremeteu com força, afundando-se em mim.

Gemi, arqueando o corpo e jogando a cabeça para trás.

– É infantil, cheia de vontade... – Mais uma vez, saiu e entrou com tudo. – É irritante... – Mordeu meu pescoço e desceu em direção aos meus seios.

Neste momento, tive consciência de que meus gemidos com certeza alcançariam todos os cômodos daquela casa.

– Mas chega, Charlotte! – E seu ritmo acelerou, fazendo-me sacudir com as suas investidas. Alex levantou uma coxa minha e se enterrou profundamente em minha carne quente e úmida. E então parou.

– Não, Alex!

Me agarrei a ele, impedindo-o de me deixar. Eu não sabia se aquela era a sua intenção, mas, dentro de mim, havia um desespero que me fazia agir. Não podia deixar que ele me abandonasse. Não daquele jeito, não naquela hora. Ele precisava saber o que eu pensava, o que tinha planejado.

– Não vou ficar nesta luta sozinho – ele avisou, voltando a entrar com vontade. – Ou você vai amadurecer ou eu vou desistir.

– Alex... Não...

Lágrimas caíram dos meus olhos, provocando uma confusão de sentimentos dentro de mim. Estávamos fazendo amor, ele estava dentro de mim, então por que simplesmente não me amava e esquecia tudo? Por que me punia?

– Eu amo você – eu disse por fim.

– Mas vai abrir mão de mim – ele rebateu.

– Não vou.

Seu ritmo diminuiu e Alex beijou meus lábios com o amor que há muito eu não me deixava sentir. Ele diminuiu a distância entre nós dois sem interromper nosso beijo, permitindo que nossos corpos se unissem e se completassem.

O prazer voltou com força total. A sensação de entrega e de certezas nos dominava, a ansiedade nos fazia buscar cada vez mais um ao outro e então eu senti o meu mundo voltando para o seu eixo. Nas mãos do meu marido, eu me sentia segura, como se nenhum mal pudesse me alcançar. Ele era o meu caminho, eu tinha certeza. Só precisávamos ajustar os detalhes, acertar alguns pontos.

Alex me compreenderia, ele estaria ao meu lado e eu voltaria a ser a Charlotte de sempre. Eu amadureceria por ele, pela nossa história, pelo nosso casamento.

– Charlotte! – meu nome saiu de seus lábios com devoção.

– Alex! – retribuí com a mesma intensidade.

E, juntos, chegamos ao orgasmo de uma maneira leve, romântica, deixando que o nosso amor derrubasse todas as barreiras, entregues ao que existia de melhor entre nós dois.


ALEX


Ela estava tão linda! Relaxada, entregue em meus braços, e eu não podia desejar mais nada. Nos beijamos enquanto o calor do prazer ainda percorria nossas veias. Acariciei seu rosto, beijei suas bochechas e, depois, me acomodei às suas costas, puxando-a para junto de mim.

– Como você é confusa, Charlotte! – resmunguei, beijando seu ombro.

Alguma coisa dentro de mim me alertava de que a batalha não havia terminado, por isso rapidamente voltei a ficar na defensiva.

– Desculpe! Sei que não tenho sido fácil, Alex. Eu nem consegui absorver a doença da minha mãe e já tenho que digerir a sua morte. Não dá para voltar ao normal tão rápido.

– Eu te entendo. Mesmo assim, não posso ficar aqui assistindo você se vitimando e deixando que tudo ao seu redor se destrua.

Ela se mexeu incomodada. Segurei-a mais forte para impedi-la de sair.

– É o que você está fazendo.

– Não. Não é. Eu estou sofrendo. Sei que não estou conseguindo conviver com a dor da maneira como todos esperavam, mas ninguém vai saber como é para mim, simplesmente porque nenhum de vocês passou pelo que eu passei.

– Não seja infantil, Charlotte. Todo mundo perdeu com a morte de Mary, você não foi a única.

– E todo mundo aceitou muito rápido, seguindo a sua vida, como se ela não tivesse existido, como se sua morte não significasse nada.

– Que absurdo!

Soltei Charlotte e me virei na cama, deitando de costas para encarar o teto.

– Meu pai está sofrendo, Alex. E ele está sozinho.

– Seu pai é muito mais maduro e forte do que você pensa. E sabe muito bem o que fazer da vida dele. Ele fez as escolhas que pôde, arrumou a vida para depois que Mary partisse. Você está se preocupando sem necessidade.

Ela levantou o corpo e puxou o cobertor para esconder a sua nudez. Tive vontade de revirar os olhos, mas mantive-me firme, encarando-a.

– Não vou discutir isso com você. Não existe como você entender o que é perder uma mãe, um pai...

– Será? O que sabe da minha vida, Charlotte? O que conhece da minha história para afirmar com tanta veemência?

Ela me olhou com dúvida e receio, depois desviou os olhos e, ainda mantendo o cobertor firme em seus braços, sentou-se na cama, como se fosse partir.

– Você tem razão. Eu nada sei sobre você, da mesma forma que nada sabe sobre mim.

– Sei o suficiente para ter certeza do que quero.

– E o que você quer? Você vai embora, Alex...

– Você pode vir junto.

– Não posso abandonar meu pai.

Suspirei pesadamente. Aquela conversa estava me cansando, sem nos levar a lugar nenhum. Peter tinha razão. Ele sempre tinha. Aquela carapuça de pai durão, de homem antiquado, era, na verdade, o jeito que ele encontrou para controlar Charlotte, uma menina que desde cedo mostrou que seria complicada, difícil e cheia de vontades. Ter medo era a única coisa que a fazia mudar de ideia. E eu seria um idiota em suas mãos se meu sogro não me alertasse sobre este detalhe.

– Tudo bem. Já tivemos esta conversa antes e eu não quero brigar com você na minha última noite aqui.

– Alex, por favor!

Ela me olhou suplicante.

Como eu era um idiota, um imbecil apaixonado que daria o mundo para aquela mulher que a cada dia se mostrava mais infantil. Senti meu coração ceder. No entanto, era imprescindível ser forte.

– Venha aqui, Charlotte. – Minha voz saiu mais rouca do que o normal. Se realmente acontecesse como Peter previa, passaríamos um tempo afastados e eu já sentia saudade daquela garota birrenta. – Deite aqui comigo.

– Não. Não quero ficar neste clima de despedida.

Ela limpou discretamente uma lágrima.

– Então não fique. – Mantive a voz baixa e calma. – A escolha é sua.

Ela fez birra e me deu as costas. Sorri. Charlotte era uma criança, uma garota mimada, cheia de vontade, egoísta ao extremo, que só olhava para a sua vida, porque foi assim que aprendeu a ser, ao mesmo tempo, ela ainda era a minha Charlotte, a garota que virou a minha vida de cabeça para baixo, que, em vez de me irritar com as suas criancices, me encantava cada vez mais.

Porque não existia só aquele lado dela. Charlotte estava ferida, machucada, seu castelinho tinha desmoronado e ela não sabia como seguir em frente. Estava fragilizada e perdida. Sabia que era hora de amadurecer e, em alguns momentos, eu a via bem forte neste quesito, mas era tudo muito recente e era muito mais cômodo se esconder atrás da dor do que encarar o novo.

Não dava para julgá-la quando eu mesmo já tivera a minha cota de rebeldia. Levantei ligeiramente e passei a mão em suas costas. Ela estremeceu, se afastando. Ri. Como ela podia ser tão boba? Tirei seus cabelos dos ombros e me aproximei mais. Quando Charlotte fez menção de se afastar, segurei-a com força, puxando-a para mim, forçando-a a se deitar do meu lado.

– Basta de infantilidades por hoje.

Girei sobre ela e beijei seus lábios, envolvendo-a mais uma vez em nossa bolha.


CHARLOTTE


Alex era envolvente, forte, decidido e sabia a fórmula certa para simplesmente me fazer esquecer do mundo e me entregar a ele. Fizemos amor outra vez. Com cuidado, carinho... Com entrega e desejo. Trocamos juras de amor, não tivemos pressa, também não tentamos fazer o tempo parar, seguimos o nosso curso, o nosso ritmo, e foi encantador.

Depois nos beijamos, trocamos carícias e meu corpo inteiro se entregou a um relaxamento que há muito esqueci que existia. Ele passava os dedos pelos meus cabelos enquanto beijava meu rosto e, rapidamente, me senti envolvida em uma atmosfera tranquila que me puxava para um sono delicioso.

– Charlotte? – ele me chamou bem baixinho. Senti seus dedos em meus cabelos e seus lábios em minha pele. – Charlotte?

Abri os olhos e vi o quarto ainda escuro. Alex acariciou minha cintura e beijou meu ombro.

– Está na hora. Eu preciso ir.

Abri os olhos assustada. Como assim ele precisava ir? Merda! Não tínhamos conversado. Eu não contei a ele o que eu queria, o que precisava. Não desfiz aquela confusão. Não pedi para que ele ficasse. Alex me encarava com curiosidade e um pequeno sorriso brotou em seus lábios enquanto ele arrumava meu cabelo, colocando-o atrás da orelha.

– Então, você não vem – ele afirmou sem demonstrar dor ou contrariedade.

Era isso. Alex estava desistindo, como disse que faria. Não. Não. Não. Ele não podia ir.

– Alex... – Avancei sobre ele com uma intensidade que me assustou. Uma paixão desesperadora. – Fique! – supliquei com ardor. – Fique, por favor! Eu sei que é complicado, que você precisa trabalhar, retomar a sua vida, eu entendo, mas, por favor, fique só mais um pouco. Eu preciso de mais um tempo.

– Um tempo?

Ele arqueou a sobrancelha.

Mantinha o corpo suspenso e apoiado em um dos cotovelos e me encarava como se não houvesse mais dúvida. Como se a sua decisão fosse aquela e não tivesse como voltar atrás.

– Só um tempo. Eu prometo. Vou melhorar, vou amadurecer como você quer... Por favor, não vá!

Vi um brilho em seus olhos e, por um segundo, achei que conseguiria virar o jogo a meu favor, no entanto, este brilho desapareceu assim como o seu sorriso e, naquele momento, entendi que não havia mais chance.

– Eu tenho que ir, Charlotte. Minha vida está lá, tudo o que construí.

– Você pode construir uma vida aqui também. Comigo!

Ele riu e levantou para sentar na cama e me encarar.

– Não. Eu não quero uma vida aqui. Quero a vida que construí para mim. Quero tudo pelo que lutei. Aqui não é a minha casa, não é onde eu trabalho e, definitivamente, não é o meu mundo.

– O quê?

– Não quero viver na Inglaterra, Charlotte. Não quero ser apenas o seu marido, quero ser Alex Frankli, o editor, professor, escritor... Quero ser o que lutei para ser, o que sonhei, o que construí. E isso deveria acontecer para você também. Este mundo de faz de contas, onde a sua vida se resume ao espaço limitado pelos muros da sua mansão, ao luxo que o dinheiro de seu pai pode proporcionar, não é o que você quer. Você decidiu a sua carreira, burlou todas as regras, lutou pelo que queria, por mim...

Solucei, deixando o choro chegar. Não dava para lutar contra os argumentos dele. Alex tinha razão em tudo, mesmo assim, eu não me sentia forte o suficiente. Sentia-me frágil, amedrontada, esta era a minha verdade. Naquele mundo que meus pais criaram para mim, nada me machucava. As coisas podiam dar errado, mas eu teria sempre para onde voltar. Não era o que aconteceria se eu fosse embora.

Seria um passo muito maior do que eu conseguiria dar naquele momento. E minha covardia me impedia de tentar. Alex alisou meus cabelos como um pai faz com a filha quando ela cai. Ele passou uma mão em meu rosto e limpou as lágrimas. Quando nos olhamos, ele sorriu.

– Você quer um tempo. Posso te dar isso. Mas eu vou embora, Charlotte. Vou seguir a minha vida. Então você não tem “todo” o tempo. Arrume sua cabeça, organize suas ideias.

– Não! – Chorei como uma criança, como não acreditei ser capaz de voltar a chorar após a morte da minha mãe. – Não me deixe, Alex! Eu preciso de você.

– E eu de você. – Ele colou a testa na minha.

Eu não conseguia parar de chorar.

– Só não posso mais lutar contra a sua vontade.

– Eu quero ficar com você. Eu te amo!

Ele sorriu e mordeu os lábios.

– Então venha comigo. Nós daremos um jeito com as passagens.

– Eu não posso. Não agora. Meu pai...

– Seu tempo acabou, Charlotte. Eu realmente preciso levantar.

Meu coração descompassou e a respiração ficou pesada. Alex voltou a ficar sério e frio. Ele saiu da cama e entrou no banheiro. Em pouco minutos, ouvi o barulho do chuveiro e cada segundo que passava a vida caminhava para afastá-lo de mim também.

Eu não queria perdê-lo, mas era covarde demais para dar aquele passo.


ALEX


Saí do banho depois de conseguir acalmar meu corpo. Aquele plano poderia dar certo ou poderia realmente pôr um ponto final em nosso relacionamento. Peter foi incisivo. Ele disse: “Vá! Charlotte precisa te perder para ter pelo que lutar”. Era o que eu faria. Minha única dúvida era se aquele era mesmo o momento. Ela ainda estava frágil e poderia achar que eu não fui justo, que a abandonei quando mais precisou...

Também sabia que não dava mais para esperar, que, se Charlotte não tivesse um tratamento de choque, poderíamos perdê-la para sempre. Ela se acomodaria àquela dor, a sua posição de vítima, e nunca mais voltaria ser a mulher que eu tanto amava.

E ainda havia Thomas e as suas investidas. Não conversamos sobre o assunto, mas ele não morreu para mim e eu sabia que para ela também não. No entanto, preferi aguardar. Já estava pressionando demais, precisava seguir com o plano e deixá-la pensar sobre o assunto.

Ela ainda estava lá, enrolada no cobertor, sentada na cama. Não tinha se movido nenhum centímetro. Desviei o olhar pegando minhas roupas e vestindo-as. Ela permaneceu quieta, olhando para o nada, como se estivesse em choque. Sorri. Charlotte sempre reagia muito mal ao que não podia ter. Foi assim mesmo quando decidiu que seria eu quem tiraria a sua virgindade e quando me neguei, fez todas as loucuras que pôde até conseguir o que queria de mim.

– Preciso ir – alertei quando terminava de calçar os sapatos.

Meu coração também estava triste. Eu estava partindo sem a certeza de que ela voltaria algum dia. Mesmo assim, estava decidido a seguir até o final. Charlotte que me perdoasse, mas infantilidade tem limites e ela conseguiu ultrapassar todos os que podia.

– Alex! – ela gemeu e outras lágrimas desceram pelo seu rosto.

Me aproximei, limpando-as.

– A decisão é sua – sussurrei. – Eu amo você, Charlotte, e você me ama.

– Eu não posso...

Coloquei um dedo em seus lábios para que ela não continuasse afirmando aquela bobagem.

– Você sabe onde me encontrar. Não demore.

Beijei seus lábios salgados pelas lágrimas e levantei, impedindo-a de me segurar.

Eu não sabia se resistiria, se me manteria forte. Odiava ter que me despedir dela. Abri a porta do quarto, peguei minhas duas malas, coloquei uma sobre os ombros e saí. A casa estava silenciosa, o dia estava nascendo e meu voo seria em duas horas, tempo suficiente para me fazer desistir.

– Alex? – ela chamou da porta do quarto.

O cabelo bagunçado, o lençol preso no corpo magro, o rosto marcado pelas lágrimas e o olhar desesperado. Meu coração acelerou. Por que Charlotte tinha que ser tão teimosa? Por que não cedia e voltava comigo? Estava fazendo exatamente o que Peter tinha dito que faria. Ela não cederia facilmente. Coloquei as bagagens no chão e fui em sua direção. Abracei minha esposa com paixão e tomei seus lábios já com a saudade que eu sabia que me castigaria pelo longo tempo que passaríamos separados.

– Encontro você em casa – sussurrei, tentando manter a dor distante das minhas palavras.

– Alex... – ela soluçou.

– Shhh! Vou te esperar. Não demore.

Peguei minhas malas de volta, deixando Charlotte para trás. Tentei ignorar seu choro, ou sua voz me chamando. Tentei ignorar a minha própria dor que me implorava para voltar, temendo que fosse realmente o fim. Me mantive firme. Peter estava do lado de fora, o que me assustou.

– Não se preocupe – ele disse com um sorriso no rosto. – Se ela não tiver coragem de tomar esta decisão, eu tomo por ela. – E deu um tapinha em meu ombro. – Você precisa aprender a ser firme com esta garota, ou ela vai dominá-lo. – Olhou para o horizonte e sorriu. – Assim como a mãe dela fez comigo.

Eu sorri. Sabia do que Peter falava. Não importava o quanto eu tivesse que ser firme com Charlotte, nem o quanto tivesse que fazê-la aprender a ser menos infantil, no final, tudo se resumiria a ela, e eu não estava nem um pouco incomodado com a minha nova condição.

 

 

 


CONTINUA