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ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
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— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
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Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
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Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
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Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
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Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
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Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/2aThe_Edge_of_Always.jpg
— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.
CONTINUA
ALGUNS MESES ATRÁS, quando eu estava deitado naquela cama de hospital, não achava que estaria vivo hoje, muito menos esperando um bebê e noivo de um anjo de boca suja. Mas aqui estou. Aqui estamos, Camryn e eu, enfrentando o mundo... de uma forma diferente. As coisas não aconteceram exatamente conforme planejamos, mas também isso raramente é o caso. E nenhum dos dois mudaria o modo como elas aconteceram, mesmo se pudesse.
Adoro esta poltrona. Era a favorita do meu pai, e a única coisa que eu queria dentre tudo o que ele me deixou. Claro que herdei um cheque gordo que sustentará a mim e a Camryn por um tempo, e claro que herdei o Chevelle, mas a poltrona também tinha um valor sentimental para mim. Camryn a odeia, mas não diz isso em voz alta, porque pertenceu ao meu pai. Não posso culpá-la; a poltrona é velha, fede e tem um buraco no estofamento da época que meu pai fumava. Prometi pra ela que contrataria alguém pra pelo menos limpar a poltrona. E vou fazer isso. Assim que ela decidir se vamos ficar em Galveston ou mudar pra Carolina do Norte. Topo qualquer uma das opções, mas algo me diz que ela está escondendo o que quer de verdade por minha causa.
Ouço a água do chuveiro sendo fechada, e segundos depois um bang alto atravessa a parede. Salto da poltrona, derrubando o controle remoto no chão ao correr para o banheiro. A borda da mesinha de centro arranca um bife da minha canela no caminho.
Eu escancaro a porta do banheiro.
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— O que aconteceu?
Camryn balança a cabeça para mim e sorri enquanto se abaixa para pegar o secador de cabelo do chão ao lado da privada.
Eu suspiro aliviado.
— Você é mais paranoico do que eu — ela diz rindo.
Ela olha de relance para a minha perna, que esfrego com as pontas dos dedos. Deixando o secador no balcão da pia, ela se aproxima e beija o canto da minha boca.
— Pelo jeito, não sou eu que preciso me preocupar com uma tendência a sofrer acidentes. — Ela sorri.
Seguro seus ombros e a puxo mais para perto, deixando uma mão escorregar para sua barriguinha saliente. Mal se percebe que ela está grávida. No quarto mês, achei que ela estaria do tamanho de um bebê hipopótamo, mas eu lá entendo dessas coisas?
— Pode ser — digo, tentando esconder o rubor do meu rosto. — Você deve ter feito isso de propósito, só pra ver quanto tempo eu levaria pra entrar aqui.
Ela beija o outro canto da minha boca e aí apela, me beijando completa e profundamente enquanto aperta seu corpo úmido e nu contra o meu. Eu gemo em sua boca, envolvendo-a em meus braços.
Mas então me afasto antes de cair em sua armadilha ardilosa.
— Caramba, mulher, você tem que parar com isso.
Ela retribui meu sorriso.
— Quer mesmo que eu pare? — ela pergunta, com aquele seu sorriso de quem está pensando no que não presta.
Fico apavorado quando ela faz isso. Uma vez, depois de uma conversa que terminou com esse sorriso, ela ficou sem fazer sexo comigo por três dias inteiros. Os piores três dias da minha vida.
— Bem, não — respondo nervosamente. — Só agora, quero dizer. Temos exatamente trinta minutos pra chegar no consultório.
Só espero que ela tenha tesão assim a gravidez inteira. Ouvi histórias de terror de mulheres que antes queriam o tempo todo e depois ficaram imensas, e se você as tocasse, viravam dragões cuspidores de fogo.
Trinta minutos. Caramba. Eu podia encostá-la no balcão rapidinho...
Camryn sorri docemente, puxa a toalha do trilho da cortina do chuveiro e começa a se enxugar.
— Fico pronta em dez minutos — ela me informa, me mandando sair com um gesto. — Não se esqueça de regar Georgia. Achou seu celular?
— Ainda não — respondo, enquanto vou saindo, mas então paro e acrescento, com um sorriso sexualmente sugestivo: — Hãã, a gente podia...
Ela fecha a porta na minha cara. Eu saio rindo.
Corro pelo apartamento, procurando minhas chaves debaixo de almofadas e em lugares estranhos, finalmente encontrando-as escondidas sob uma pilha de malas diretas no balcão da cozinha. Paro por um momento e pego uma das cartas. Camryn não me deixa jogá-la fora, porque foi desse envelope que ela leu meu endereço à atendente do serviço de emergência, na manhã em que tive a convulsão. Acho que ela sente que aquele pedaço de papel ajudou a salvar minha vida, mas na verdade a ajudou a acabar descobrindo o que estava acontecendo comigo. A convulsão era inofensiva. Tive várias. Caramba, tive uma naquele hotel em Nova Orleans, antes de ficarmos no mesmo quarto. Quando finalmente contei isso pra ela, nem preciso dizer que ela não ficou nada feliz comigo.
Camryn vive com medo de que o tumor volte. Acho que se preocupa com isso mais do que eu.
Se voltar, voltou. Vamos enfrentá-lo juntos. Sempre vamos enfrentar tudo juntos.
— Hora de ir, amor! — grito da sala de estar.
Ela sai do quarto usando um jeans um tanto apertado e uma camiseta igualmente justa. E salto alto. Mesmo? Salto alto?
— Você vai espremer a nossa filha com esse jeans — comento.
— Não, não vou espremer nossa filha ou filho — ela retruca, pegando a bolsa do sofá e jogando-a sobre o ombro. — Você tem certeza demais, mas a gente vai ver. — Ela pega a minha mão e eu a puxo para fora, girando a chave na fechadura antes de fechar a porta com força atrás de nós.
— Eu sei que é menina — digo com confiança.
— Quer apostar? — ela me olha e sorri.
Saímos no ar morno de novembro e abro a porta do carro para ela, indicando o interior com a palma para cima.
— Apostar o quê? — pergunto. — Você sabe que adoro apostas.
Camryn desliza no banco, enquanto dou a volta e entro. Apoiando os pulsos no alto do volante, olho para ela e espero.
Ela sorri e mastiga de leve o lábio inferior, pensativa por um momento. Seu longo cabelo louro cai sobre os ombros, e os olhos azuis brilham de empolgação.
— É você que parece ter tanta certeza — ela diz finalmente. — Então você diz o que vamos apostar, e eu decido se concordo ou não. — Ela para abruptamente e aponta para mim. — Mas nada sexual. Acho que nessa área você já tem tudo. Pense em alguma coisa... — ela agita a mão diante do rosto — ...não sei... ousada ou importante.
Hmmm. Agora ela me quebrou. Enfio a chave na ignição, mas paro antes de virá-la.
— Tá, então, se for menina, eu escolho o nome — digo com um sorriso suave e orgulhoso.
As sobrancelhas dela tremem um pouco e ela vira o queixo para o lado.
— Não gostei dessa aposta. Isso é uma coisa na qual nós dois devemos participar, não acha?
— Bem, sim, mas você não confia em mim?
Ela hesita.
— Sim... confio em você, mas...
— Mas não pra dar nome a um bebê. — Ergo uma sobrancelha interrogativamente para ela, mas na verdade só a estou provocando.
Ela não consegue mais fitar meus olhos e parece pouco à vontade.
— E então? — instigo.
Camryn cruza os braços e diz:
— Que nome, exatamente, você tem em mente?
— Por que acha que já escolhi um nome? — Viro a chave e o Chevelle ganha vida.
Ela dá um sorrisinho, inclinando a cabeça para o lado.
— Ora, por favor. Obviamente você já escolheu, ou não teria tanta certeza de que é menina e nem estaria apostando comigo enquanto estamos indo fazer um ultrassom.
Desvio o olhar, sorrindo, e engato a ré.
— Lily — digo, e mal olho para Camryn enquanto saímos do estacionamento. — Lily Marybeth Parrish.
Um sorrisinho ergue os cantos de sua boca.
— Na verdade, eu gostei — ela diz, e seu sorriso fica cada vez maior. — Admito que fiquei um pouco preocupada... por que Lily?
— Motivo nenhum. Eu gosto, só isso.
Ela não parece convencida. Estreita um pouco os olhos para mim, com ar brincalhão.
— É sério! — digo, rindo baixinho. — Estou pensando em nomes desde o dia em que você me contou.
O sorriso de Camryn fica mais meigo e, se eu não fosse tão macho, me derreteria todo e me permitiria corar feito um idiota.
— Tá pensando em nomes há tanto tempo? — Ela parece agradavelmente surpresa.
Tudo bem, eu corei mesmo assim.
— Tô — admito. — Ainda não escolhi um nome masculino legal, mas ainda temos vários meses.
Camryn está me olhando com um sorrisão. Não sei o que se passa na cabeça dela, mas percebo que meu rosto fica mais e mais vermelho quanto mais ela me olha assim.
— Que foi? — pergunto, soltando uma risada.
Ela inclina o corpo e levanta a mão para o meu rosto, puxando meu queixo para o lado com os dedos. E então me beija.
— Meu Deus, eu te amo — ela sussurra.
Levo um segundo para perceber que estou sorrindo tanto que quase fico com cãibra no rosto.
— Também te amo. Agora põe o cinto de segurança — aponto para o cinto.
Ela se ajeita no seu lado e afivela o cinto.
No caminho para o consultório, ambos ficamos olhando para o relógio do painel. Mais oito minutos. Cinco. Três. Acho que a ficha cai para ela ao mesmo tempo que para mim quando paramos no estacionamento do prédio. Daqui a pouquinho, poderemos ver nosso filho ou filha pela primeira vez.
É, alguns meses atrás, eu não achava que estaria vivo...
~~~
— Essa espera tá me matando — Camryn se curva e cochicha para mim.
É tão estranho. Ficar sentado na sala de espera dessa médica, com garotas grávidas pra todos os lados. Tenho um certo medo de cruzar olhares com elas. Algumas parecem putas da vida. Todas as revistas parecem ter um homem na capa, num barco, segurando um peixe pela boca com o polegar. Finjo que estou lendo um artigo.
— Só estamos esperando há uns dez minutos — cochicho em resposta, passando a palma da mão na sua perna, largando a revista no meu colo.
— Eu sei, só tô nervosa.
Quando pego a mão dela, uma enfermeira de jaleco rosa sai de uma porta lateral e chama o nome de Camryn, e nós a seguimos.
Eu me sento contra a parede enquanto Camryn se despe e coloca uma daquelas camisolas de hospital. Tiro sarro dela por estar de bunda de fora e ela finge ficar ofendida, mas o rubor da face a denuncia. E ficamos sentados ali, esperando. E esperando mais um pouco, até que outra enfermeira entra e recebe toda a nossa atenção. Ela lava as mãos numa pia próxima.
— Tomou bastante água uma hora antes da consulta? — a enfermeira pergunta, depois dos cumprimentos.
— Sim, senhora — responde Camryn.
Posso ver que ela teme que haja algum problema com o bebê e que o ultrassom revele isso. Tentei lhe dizer que tudo vai dar certo, mas ela se preocupa mesmo assim.
Ela olha do outro lado da sala para mim, e não posso deixar de me levantar e ir até ela. A enfermeira faz uma série de perguntas e calça um par de luvas de látex. Ajudo a responder as perguntas quando posso, porque Camryn parece mais preocupada a cada segundo que passa e não fala muito. Aperto a mão dela, tentando aliviar a tensão.
Depois que a enfermeira espreme aquele gel sobre a barriga de Camryn, minha mulher respira fundo.
— Nossa, que tatuagem legal você tem — a enfermeira diz. — Deve ser muito especial, pra aguentar fazer uma assim tão grande nas costelas.
— É, é especial com certeza — Camryn diz, e sorri para mim. — É de Orfeu. Andrew tem a outra metade. Eurídice. Mas é uma longa história.
Levanto orgulhosamente a camisa até acima das costelas para mostrar à enfermeira a minha metade.
— Impressionante — a mulher diz, olhando de uma para outra tatuagem. — Não se vê algo assim aqui todo dia.
A enfermeira deixa o assunto de lado e move o sensor sobre o gel, apontando a cabeça, os cotovelos e as várias outras partes do bebê. E eu sinto o aperto de Camryn na minha mão afrouxar aos poucos quanto mais a enfermeira fala e sorri enquanto explica que “tudo parece bem”. Vejo o rosto de Camryn passar de nervoso e tenso a aliviado e feliz, e isso me faz sorrir.
— Então tem certeza de que não há nada com que se preocupar? — Camryn pergunta. — Certeza absoluta?
A enfermeira faz que sim e me olha de relance.
— Sim. Até agora não vi nada preocupante. O desenvolvimento está exatamente como o esperado. O movimento e os batimentos cardíacos estão normais. Acho que vocês podem relaxar.
Camryn olha para mim, e sinto que estamos pensando a mesma coisa.
Ela confirma isso quando a enfermeira diz:
— Então, parece que vocês estão curiosos quanto ao sexo. — E nós dois ficamos parados, olhando um para o outro. Ela é tão linda, cacete. Não consigo acreditar que ela é minha. Não consigo acreditar que está grávida do meu bebê.
— Aceito a aposta — Camryn finalmente concorda, pegando-me desprevenido. Ela abre um sorriso radiante e puxa a minha mão, e ambos olhamos para a enfermeira.
— Sim — Camryn responde. — Se for possível agora.
A enfermeira move o sensor para uma área específica e parece estar verificando seus achados pela última vez antes de anunciar.
— Bem, ainda é meio cedo, mas... até agora, me parece uma menina — a enfermeira diz finalmente. — Lá pela vigésima semana, no seu próximo ultrassom, vamos poder determinar o sexo oficialmente.
Camryn
2
SINCERAMENTE, ACHO QUE nunca vi Andrew sorrir daquele jeito. Talvez naquela noite em que cantei com ele pela primeira vez em Nova Orleans, quando ele ficou tão orgulhoso de mim, mas mesmo assim não sei se alguma coisa poderia se igualar à cara que ele está fazendo agora. Meu coração está batendo nas costelas de empolgação, especialmente com a reação de Andrew. Percebo o quanto ele queria uma menininha e juro que ele está fazendo tudo o que pode para não cair no choro na frente da enfermeira. Ou na minha frente, aliás.
Para mim, nunca importou se seria menino ou menina. Sou como qualquer outra futura mamãe do mundo, que só quer que ele seja saudável. Não que Andrew ache que a saúde do nosso bebê seja menos importante do que o sexo. Sei que não acha.
Ele se curva e me beija de leve nos lábios, seus olhos verdes brilhantes iluminados com tudo de bom.
— Então é Lily — digo, concordando completamente, e beijo-o mais uma vez antes que ele se afaste, passando meus dedos pelo seu cabelo castanho curto.
— Lindo nome — comenta a enfermeira. — Mas é melhor vocês escolherem um nome de menino também, só por segurança. — Ela afasta o sensor e nos deixa curtir um pouco o momento.
Andrew diz à enfermeira de repente:
— Bom, se você ainda não viu um belo pacote no meu bebê, com certeza é menina.
Sufoco uma risadinha e reviro os olhos para a enfermeira. O mais engraçado de tudo é que Andrew falou a sério. Ele inclina a cabeça quando nota a minha expressão divertida.
Passamos o resto do dia fazendo compras. Nenhum dos dois conseguiu resistir. Ficamos olhando coisas de bebê em outras ocasiões, mas nunca compramos muita coisa, porque não sabíamos se devia ser rosa ou azul e não queríamos acabar com um quarto todo amarelo. E, embora ainda haja uma possibilidade de ser menino, acho que Andrew está mais convencido do que nunca de que é menina, por isso entro na onda dele e acredito também. Mesmo assim, ele não me deixa gastar muito!
— Espera — ele insiste, quando vou comprar mais um vestidinho na seção de roupas de bebê. — Você sabe que minha mãe está planejando um chá de bebê, não?
— Sim, mas podemos comprar mais algumas coisas agora. — Eu ponho o vestido no carrinho assim mesmo.
Andrew olha para o carrinho e depois para mim de novo, com a boca cerrada, em contemplação.
— Acho que você já passou de algumas, amor.
Ele tem razão. Já pus uns noventa dólares de roupinhas no carrinho. Bom, na pior das hipóteses, se acabar sendo um menino, posso trocar tudo.
E assim se vai o resto do dia, até que passamos na casa da mãe dele para dar a notícia.
— Que maravilha! — Marna diz, me puxando para um abraço. — Eu tinha certeza de que ia ser menino!
Minhas mãos deslizam pelos braços da minha sogra e me sento à mesa da cozinha com Andrew, enquanto ela vai até a geladeira. Pega uma jarra de chá e começa a nos servir.
— O chá de bebê vai ser em fevereiro — Marna diz do balcão. — Já planejei tudo. Você só precisa aparecer. — Ela sorri para mim e guarda a jarra de chá.
— Obrigada.
Ela põe os copos diante de nós e puxa uma cadeira.
Sinto muita falta de casa. Mas adoro estar aqui também, e Marna é como uma segunda mãe para mim. Ainda não consegui tomar coragem para dizer a Andrew o quanto sinto falta da minha mãe e de Natalie, de ter uma amiga com quem conversar. Você pode estar apaixonada pelo cara mais incrível do planeta — e, de fato, eu estou —, mas isso não significa que às vezes não seja meio difícil não ter outras amigas. Conheci uma garota da minha idade aqui, Alana, que mora no andar de cima com o marido, mas não consegui me identificar com ela em nenhum aspecto. Acho que, se já estou mentindo para não sair com ela quando ela liga, é porque talvez nunca consiga me entrosar.
Mas acho mesmo que minha tristeza secreta e a saudade de casa e tudo mais são por causa da gravidez. Meus hormônios estão todos alterados. E acho que isso tem muito a ver com as minhas preocupações. Eu me preocupo com tudo, agora. Quero dizer, eu já me preocupava muito antes de conhecer Andrew, mas agora que estou grávida minhas preocupações se multiplicaram: o bebê vai ser saudável? Eu vou ser uma boa mãe? Será que ferrei com minha vida... Tô fazendo isso de novo. Porra. Sou uma pessoa horrível. Cada vez que penso algo assim, me sinto tão culpada. Amo nosso bebê e não mudaria como as coisas estão nem se eu pudesse, mas não consigo deixar de me perguntar se eu... se nós não fizemos merda engravidando tão rápido.
— Camryn? — Ouço a voz de Andrew e acordo dos meus pensamentos profundos. — Você tá bem?
Forço um sorriso convincente.
— Tô, tô bem. Só tava sonhando acordada. Sabe, prefiro violeta em vez de rosa.
— Eu vou escolher o nome dela — Andrew diz —, então você pode escolher as cores que quiser. — Ele põe a mão por cima da minha sobre a mesa. Tenho vontade de sorrir só de saber que ele se importa com coisas assim.
Marna afasta o copo dos lábios e o deixa sobre a mesa, diante de si.
— É? — ela pergunta, intrigada. — Vocês já escolheram um nome?
Andrew balança a cabeça.
— Lily Marybeth. O segundo nome de Camryn é Marybeth. Ela deve ter o nome da mãe.
Meu Deus, ele acaba de derreter meu coração. Eu não mereço ele.
Marna sorri para mim, seu rosto cheio de felicidade e de todas as emoções que se possa imaginar que alguém como a mãe de Andrew sinta. Não só seu filho venceu a doença e voltou mais forte, depois de estar à beira da morte, mas agora ela tem uma neta a caminho.
— Bem, é um lindo nome — ela elogia. — Pensei que Aidan e Michelle teriam filhos primeiro, mas a vida é cheia de surpresas. — Algo no modo como ela disse isso parecia ter um significado oculto, e Andrew nota.
— Tá acontecendo alguma coisa com Aidan e Michelle? — Andrew pergunta, tomando um gole rápido de chá.
— Só coisas de casal — ela responde. — Nunca vi nenhum casamento sem algum tipo de dificuldade, e eles estão juntos há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Casados, só há cinco anos — Marna nos conta. — Mas estão juntos há uns nove, acho. — Ela balança a cabeça pensando mais um pouco, satisfeita com sua memória.
— Deve ser culpa de Aidan — comenta Andrew. — Eu não iria querer ser casado com ele. — Ele ri.
— É, seria esquisito — concordo, franzindo o nariz para ele.
— Bem, Michelle não poderá vir para o chá de bebê — avisa Marna. — Ela tem que ir a alguns congressos em dezembro e sua agenda não permite, especialmente por ela estar tão longe. Mas provavelmente vai mandar os melhores presentes de todos. — Ela sorri docemente para mim.
Retribuo o sorriso e tomo mais um gole, mas minha mente está vagando de novo e não consigo evitar. Só consigo pensar no que ela disse algumas frases antes, sobre não conhecer nenhum casamento sem dificuldades. E imediatamente volto para o modo de preocupação.
— Você faz aniversário dia 8 de dezembro, certo, Camryn?
Pisco os olhos e volto para o presente.
— Oh... sim. O grande dia. Vinte e um anos.
— Bem, então pelo jeito vou precisar planejar uma festa de aniversário também.
— Ah, não, não precisa.
Ela rejeita meu apelo como se fosse ridículo, e Andrew fica lá sentado, sorrindo com cara de bobo.
Eu me rendo porque sei que com Marna nem adianta tentar.
Voltamos para casa depois de uma hora, e já está escurecendo. Estou tão cansada pela correria do dia e pela empolgação com Lily.
Lily. Não consigo acreditar que vou ser mãe. Um sorriso se espalha pelo meu rosto quando entro na sala. Deixo a bolsa na mesinha de centro e desabo na almofada do meio do sofá, jogando os sapatos longe. Mas logo Andrew está sentado ao meu lado, com aquele ar de entendimento em seu lindo rosto.
Consegui enganar Marna, mas devia imaginar que não conseguiria enganá-lo.
Andrew
3
ERGO CAMRYN EM meus braços e a puxo para o meu colo. Ficamos sentados juntos, meus braços ao redor dela e meu queixo aninhado na curva do seu pescoço. Sei que algo a está incomodando. Posso sentir isso, mas parte de mim tem medo de perguntar o que é.
— O que foi? — pergunto mesmo assim e prendo a respiração.
Ela se vira para me fitar, e os olhos dela estão cheios de preocupação.
— Tô com medo, só isso.
— Tá com medo de quê?
Ela faz uma pausa, correndo os olhos pela sala até ficar olhando diretamente à sua frente.
— De tudo — ela diz.
Estendo a mão e viro o queixo dela na minha direção.
— Você pode me contar qualquer coisa, Camryn. Sabe disso, não sabe?
Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, mas ela não deixa que caiam.
— Eu... bom, não quero que a gente acabe como... bom, como muita gente.
Ah, sei onde isso vai dar. Eu a pego pela cintura e viro seu corpo para que fique de frente para mim, a cavalo no meu colo.
— Olha pra mim — peço, segurando as mãos dela. — Não vamos acabar como todo mundo. Quer saber como eu sei disso?
Ela não responde, mas nem precisa. Eu sei que ela quer que eu continue. Uma lágrima sai de um olho, e eu a enxugo com o meu polegar.
— Não vamos porque ambos temos consciência disso — começo. — Porque era destino que nos encontrássemos naquele ônibus no Kansas, e porque ambos sabemos o que queremos da vida. Podemos não ter os detalhes traçados, e não precisamos ter, mas ambos sabemos em que direção não queremos seguir.
Eu paro e continuo em seguida:
— Ainda podemos viajar pelo mundo. Só vamos precisar adiar um pouco mais. E enquanto isso, viveremos do jeito que queremos viver. Nada daquela bosta de rotina diária.
Consigo arrancar um sorrisinho dela.
— Bem, como, exatamente, vamos evitar isso? — ela pergunta, cruzando os braços com um sorriso irônico.
Aí está a Camryn brincalhona e metida que eu conheço e adoro.
Esfrego as mãos rapidamente nas coxas dela e digo:
— Se você quiser trabalhar, pode trabalhar. Não me importa se você quer ser chapeira numa lanchonete ou catar merda no zoológico, faça o que quiser. Mas assim que cansar ou sentir que aquilo tá se tornando a sua vida, mande tudo se foder. E, se você prefere relaxar e não fazer nada, pode fazer isso também, como eu já te falei. Sabe que vou cuidar de você do mesmo jeito.
Eu sei o que vem a seguir e me preparo. E, de fato, Camryn rosna para mim e argumenta: — De jeito nenhum vou sentar minha bunda no sofá e deixar você cuidar de mim.
Ela fica tão gostosa quando banca a independente.
— Tudo bem, então. Tanto faz — concordo, erguendo as mãos e me rendendo. — Mas quero que você entenda que não me importa o que você fizer, contanto que esteja feliz.
— E você, Andrew? Não pode me dizer pra não me preocupar com “a monotonia da vida” enquanto você a enfrenta sozinho porque temos um bebê pra sustentar. Não é justo.
— Parece o que você disse naquela primeira noite em que enfiei a cabeça entre as suas coxas. Isso foi problema pra mim quando fiz aquilo?
Ela fica bem vermelha. Mesmo depois de tanto tempo e de tudo o que passamos juntos, ainda consigo deixá-la vermelha.
Eu me curvo, seguro seu rosto com as duas mãos e a puxo para um beijo.
— Enquanto eu tiver você, Lily e a minha música, não preciso de mais nada.
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto macio, mas desta vez ela está sorrindo.
— Jura? — ela pergunta.
— Juro, sim — afirmo com determinação, apertando as mãos dela. Desfaço a expressão séria e sorrio para ela de novo.
— Desculpa — ela diz, soltando um suspiro derrotado. — Não sei o que tá me dando ultimamente. Um dia tô toda sorrisos, me sentindo ótima, e depois, do nada, fico tão deprimida que é patético.
Eu rio baixinho.
— Tá levando uma surra das mudanças de humor. Trate de se acostumar.
Ela fica um pouco boquiaberta e ri também.
— Bom, acho que essa é uma maneira de descrever.
Ela para de repente.
— Ouviu isso? — Seus olhos se estreitam enquanto ela aproxima o ouvido da fonte do som. Eu ouço, mas finjo não ouvir.
— Que legal — comento. — Não me diga que a gravidez também causa esquizofrenia.
Ela bate de leve no meu peito e desce do meu colo.
— Não, é o seu celular — ela insiste, dando a volta no sofá. — Achei que estivesse sem bateria.
Não... só pus no silencioso e escondi pra você pensar isso. Ao menos eu acho que pus no silencioso.
— Acho que você tá sentado em cima do seu celular — ela diz.
Eu me levanto e dou uma de sonso, fuçando debaixo da almofada. Finalmente, puxo o aparelho e vejo a imagem de Natalie (tecnicamente, é o desenho de uma hiena que achei que a representa muito bem) nos olhando da tela. Droga. Que sinuca de bico.
Camryn tenta pegar o celular e nota o nome de Natalie.
— Desde quando Natalie começou a te ligar? — ela pergunta, arrancando o celular da minha mão.
Bota sinuca de bico nisso, porque ela não parece nem um pouco enciumada. Abriu um sorrisão!
Coço a nuca nervosamente, evitando encará-la, mas em seguida tento pegar o aparelho de volta.
— Ah, mas de jeito nenhum — ela ri, afastando-se do sofá.
— Vai, me dá o celular.
Ela me provoca com o telefone e eu salto sobre o encosto do sofá para ir atrás dela.
Ela ergue a mão aberta para mim.
— Cuidado! Eu tô grávida, você pode me machucar! — diz, sorrindo.
Ah, agora resolveu bancar a fragilzinha. Que peste.
Ela corre o dedo pela tela para atender e encosta o celular no ouvido, sorrindo o tempo todo de orelha a orelha.
Desisto. Não sou bom nesse tipo de coisa.
— Ora, olá, Natalie — Camryn atende, sem tirar o olhar brincalhão de mim. — Tá se encontrando com meu homem escondido de mim?
Ela balança a cabeça para a resposta de Natalie, seja qual for. É óbvio que Camryn sabe o que está acontecendo, ou ao menos tem uma boa noção, porque sabe que eu jamais a trairia, especialmente com sua melhor amiga. A garota é bonita, mas parece um cruzamento de desastre de trem com reality show.
Camryn põe o celular no viva-voz.
— Confessem, vocês dois — ela exige.
— Hããã... uhhh... — Natalie consegue dizer do outro lado.
— Pela primeira vez na vida, Natalie não tem nada a dizer. Tô chocada! — Camryn olha para mim, esperando respostas.
— Desculpa, Andrew! — Natalie grita.
— Não é culpa sua — admito. — Esqueci de pôr no silencioso.
Camryn pigarreia, impaciente.
— Era pra ser surpresa — reclamo, franzindo o cenho.
— É! Juro que ele não tá me comendo!
Eu me retorço escancaradamente com o comentário de Natalie, e Camryn se esforça ao máximo para conter o riso. Mas, sendo Camryn, ela não perde a oportunidade de torturar as pessoas que ama, embora com a mais inocente das intenções.
— Não acredito, Nat — ela diz com voz grave.
— Hã? — Natalie parece completamente surpresa.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? — Camryn continua, numa interpretação convincente. Ela anda de um lado para outro, deixa o telefone sobre a mesinha de centro e cruza os braços.
— Cam... juro por Deus que não é nada disso. Meu Deus, eu nunca, nunca, nunca faria uma coisa dessas com você. Tipo, Andrew é gato demais, claro, não vou negar, e eu grudaria nele feito chiclete no cabelo se vocês dois não estivessem juntos, mas...
— Já entendi, Nat — Camryn a interrompe, felizmente, antes que ela comece o que Camryn chama de Monólogo de Natalie.
— Entendeu? — Natalie pergunta cautelosamente, ainda confusa, o que não me surpreende.
Camryn pega o telefone de novo, me mostra a tela e fala, sem emitir som: Sério? Aparentemente, a respeito do desenho da hiena.
Eu dou de ombros.
— Então, o que tá realmente acontecendo? — Camryn pergunta para nós dois, deixando as brincadeiras de lado.
— Camryn — começo a explicar, indo na direção dela —, sei que você sente falta de casa. Já tô sabendo há algum tempo, por isso, há algumas semanas, peguei o número da Natalie do seu celular e decidi ligar pra ela.
Camryn estreita os olhos. Eu a levo de volta para se sentar no sofá comigo.
— É, ele me ligou, disse o dia do seu ultrassom e achou que eu poderia querer... — A voz de Natalie some, esperando que seja eu a estragar a surpresa.
— Imaginei que ela iria querer organizar um chá de bebê pra você quando ficássemos sabendo se era menino ou menina, tentei ligar pra sua mãe primeiro, mas acho que ela ainda estava em Cozumel.
Camryn balança a cabeça.
— É, acho que ela estava, sim.
— Mas sua mãe tá completamente envolvida, agora — chega a voz de Natalie do pequeno alto-falante. — Ela e eu íamos organizar tudo juntas sem você saber. Hoje não consegui esperar mais que seu gato me ligasse pra dar a notícia, por isso liguei, e agora você descobriu tudo e a surpresa tá estragada!
— Não, não, Nat, não tá estragada — Camryn diz, pegando o telefone e aproximando-o mais da boca ao se encostar no sofá. — Na verdade, foi melhor eu ter descoberto agora, porque assim vou ficar empolgada desde já, sabendo que vou voltar pra Carolina do Norte logo.
— Bem, você não vai ter que esperar muito — digo ao lado dela —, porque a gente vai partir sexta à tarde.
Camryn arregala os olhos e seu sorriso se alarga ainda mais.
Acho que era disso que ela precisava. Foi como se em dois segundos uma garota feliz saísse de dentro daquela que estava com saudade de casa. Adoro vê-la assim. Já deveria ter feito isso antes.
— Mas o quarto mês é meio cedo pra um chá de bebê — Camryn argumenta. — Não que eu esteja reclamando!
— Pode até ser — Natalie concorda. — Mas e daí? Você vai voltar pra casa!
Eu digo:
— É, a gente resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só.
— Bom, eu tô empolgada. Obrigada aos dois — Camryn diz, com um sorrisão.
— Então... qual é a grande notícia? — Natalie pergunta.
Camryn se segura por alguns segundos longos e torturantes, sabendo que está deixando Natalie maluca, e então diz: — É menina!
Natalie grita tão alto do outro lado que eu me encolho todo.
— Eu sabia! — ela berra.
Normalmente, isso seria motivo suficiente para eu sair daquela atmosfera de salão de beleza e ir fazer um sanduíche, tomar banho ou algo assim, mas não consegui me desvencilhar tão facilmente, dessa vez. Eu fazia parte do “grande segredo”, então acho que preciso ficar durante o resto da conversa.
— Tô tão emocionada, Cam. É sério, você não faz ideia.
— Na verdade, hãã, ela faz ideia, sim — digo.
Camryn olha para mim com ternura.
— Obrigada, Nat. Também tô emocionada. E nós já escolhemos um nome. Bom, tecnicamente, Andrew escolheu o nome.
— Quê? — Natalie diz, com voz desanimada. — Tá querendo me dizer que ele... realmente escolheu o nome? — Ela diz isso como se fosse algo muito perigoso.
O que é, toda mulher acha que homem não sabe escolher nome de criança? Que porra é essa?
— Lily Marybeth Parrish — Camryn diz, orgulhosa.
Me sinto muito melhor vendo que minha garota parece adorar mesmo o nome tanto quanto eu, e não está fingindo só pra não me magoar.
— Ai meu Deus, até que eu gostei, Cam. Boa, Andrew!
Não que eu precisasse do selo de aprovação de Natalie, mas sorrio feito um menininho vendo que até ela gostou.
Camryn
4
ONTEM FOI UM dia exaustivo. De um jeito bom. Boas notícias pareciam chegar de todos os lados, e ainda estou pilhada com tudo. Isso só vai deixar ainda mais empolgante a noite no nosso bar favorito em Houston.
Andrew e eu começamos a nos apresentar em alguns bares aqui e ali há pouco mais de um mês, e eu adoro. Antes de Andrew, jamais na minha vida me imaginei cantando ao vivo em bares. Cantando ao vivo em qualquer lugar, aliás. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o gosto que adquiri pela coisa em Nova Orleans abriu um novo mundo para mim. Claro, a presença de Andrew teve uma importância enorme para que eu curtisse tudo, e isso continua valendo até hoje. Duvido que conseguiria continuar fazendo isso, se não fosse por ele.
Mas cantar em público não é o que eu realmente gosto; cantar em público com ele é o que eu adoro.
Falo um pouco com minha mãe sobre minha volta para casa daqui a uns dias, e ela está superempolgada em me ver. Ela e Roger se casaram no México! Fiquei meio puta por não poder estar presente, mas agora que pensei mais nisso, não ligo. Eles estavam sendo espontâneos. Fizeram o que sentiram que seus corações queriam e foram fundo. Aprendi, no meu tempo com Andrew, que ser espontâneo e se libertar das convenções muitas vezes é uma coisa boa. Afinal, nós não estaríamos juntos hoje se eu mesma não tivesse alguma experiência pessoal em ser espontânea.
E quanto à data do nosso casamento, bem, ainda não marcamos. Falamos disso uma noite e concordamos que vamos nos casar quando e onde acharmos que é certo. Nada de datas. Nada de planejamento. Nada de vestido de 5 mil dólares que só vou usar uma vez. Nada de buquê combinando com a decoração. Nada de padrinhos ou madrinhas. Tudo isso estressa a gente só de pensar.
Vamos nos casar quando estivermos prontos, e ambos sabemos que a espera não tem nada a ver com não termos certeza. É o que ambos queremos, não há como negar.
Ouço Andrew enfiando a chave na porta do apartamento e vou encontrá-lo na entrada. Salto em cima dele, cruzando as pernas apertado em sua cintura, e o beijo com força na boca. Ele fecha a porta com o pé e me abraça, mantendo os lábios grudados nos meus.
— Por que isso tudo? — ele pergunta, se desvencilhando.
— Só tô empolgada.
Suas covinhas ficam mais fundas.
Me agarro a ele com os braços ao redor do pescoço enquanto ele me carrega pela sala de estar até a cozinha.
— Queria ter levado você pra casa mais cedo — ele diz, pondo-me em cima do balcão. Ele fica no meio das minhas pernas erguidas e joga as chaves na bancada.
— Nada de culpa — retruco, dando-lhe um selinho nos lábios. — Vou sentir falta do Texas se ficar na Carolina do Norte tempo demais, tenho certeza.
Ele sorri, mas não parece convencido disso.
— Não precisa decidir nada agora, mas quero que você escolha onde vamos morar, e não quero que seja o Texas só por minha causa. Adoro minha mãe, mas não vou ficar com tanta saudade quanto você.
— Por que acha isso?
— Porque já moro sozinho há um tempo — ele explica. — Você não teve a oportunidade de fazer isso antes de partir de Raleigh.
Ele sorri, se afastando um pouco, e acrescenta:
— Além disso, você tá saturada dessas porras de hormônios e doida, por isso vou fazer tudo o que você quiser sem discutir.
Eu lhe dou um pontapé de brincadeira, mas erro de propósito.
Ele se debruça entre as minhas pernas, levanta a barra da minha camiseta e aperta seus lábios quentes na minha barriga.
— E Billy Frank? — pergunto quando ele se endireita. — Se você deixá-lo de novo, talvez ele não te contrate mais.
Andrew ri e dá a volta no balcão, rumo aos armários. Giro sobre o balcão para ficar de frente para ele, jogando as pernas do outro lado.
— Billy Frank é meu chefe ocasional desde meus 16 anos — ele conta, pegando uma caixa de cereal. — Somos quase parentes, portanto, não é um emprego normal de mecânico. Preciso dele mais do que ele precisa de mim.
— Por que você continua fazendo isso? — pergunto.
— O que, consertando carros?
Balanço a cabeça.
Ele serve o leite no prato de cereal que acaba de fazer e o coloca de volta na geladeira.
— Gosto de mexer em carros — Andrew explica, dando uma colherada monstruosa. Com a boca cheia, continua: — Acho que é meio que um passatempo. Além disso, gosto de sempre ter dinheiro no banco.
Eu me sinto um pouco diminuída por ainda não ter um emprego. Ele sente isso, como parece sentir praticamente tudo. Engole a comida e me aponta com a colher.
— Não faz isso.
Olho para ele, curiosa, fingindo não entender que ele captou tão rapidamente o que eu sentia.
Ele se senta num banco perto de mim, apoiando os sapatos na base.
— Você se dá conta de que trabalha, certo? — ele pergunta, me olhando de lado. — Semana passada a gente ganhou quatrocentos paus, na noite em que tocamos no Levy’s. Quatrocentos numa noite não é pouco.
— Eu sei — admito —, mas não parece um emprego.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Não parece um emprego simplesmente porque você gosta de fazer. E porque não tá batendo ponto.
Ele tem razão, mas eu ainda não terminei de explicar.
— Se a gente estivesse sempre na estrada, sem aluguel, contas pra pagar e um bebê a caminho, seria diferente. — Respiro fundo e vou direto ao assunto. — Quero ter um emprego que seja um passatempo. Como o seu.
Ele balança a cabeça.
— Maravilha — Andrew responde e dá mais uma colherada, o tempo todo sentado casualmente, com os braços apoiados no balcão, ao redor de sua tigela. — O que você gostaria de fazer? — Ele aponta para mim: — Note a palavra-chave da pergunta: gostaria.
Penso por um momento, apertando os lábios em contemplação.
— Bom, gosto de fazer faxina, então talvez pudesse trabalhar num hotel — começo. — Ou seria legal trabalhar no Starbucks ou algo assim.
Ele balança a cabeça.
— Duvido que você vá gostar de limpar quartos. Minha mãe fazia isso antes de o meu pai ter o negócio dele. As pessoas deixam umas merdas bem nojentas em quarto de hotel.
Eu faço uma careta.
— Bom, vou pensar em alguma coisa. Assim que a gente chegar em Raleigh, vou procurar emprego.
A colher de Andrew para acima da tigela.
— Então você decidiu se mudar de volta pra casa?
Andrew
5
EU NÃO QUERIA deixá-la com essa cara tensa. Tiro a tigela do caminho e a puxo para mim, deslizando-a sobre o balcão. Apoio os braços sobre suas coxas nuas e a olho com o sorriso mais sincero.
— Por mim tudo bem, de verdade, amor.
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. — Eu me curvo e beijo sua coxa esquerda, depois a outra. — Vamos pra lá pro chá de bebê neste fim de semana, depois voltamos pra cá e começamos a fazer as malas.
Ela segura minhas mãos.
— Mas depois que a gente se mudar, vamos ter que voltar pra cá em fevereiro pro chá de bebê que sua mãe tá planejando.
Abro um sorriso ainda maior.
— Combinado, então — concordo, mas sem ficar surpreso por ela levar em consideração também os sentimentos da minha mãe. — Tudo certo. Raleigh vai ser nosso novo lar. Pelo menos até a gente se cansar de lá.
Camryn, mais feliz agora do que estava quando foi me cumprimentar na porta, se pendura no meu pescoço. Eu me levanto e a ergo em meus braços, sua bunda bonitinha nas minhas mãos.
— Desculpa pelo cereal — ela fala.
— Hã?
Camryn baixa os olhos, constrangida.
— Aposto que quando você sonhava em se casar, imaginava sua esposa fazendo refeições de macho pra deixar qualquer chef da TV arrepiado.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Não, nunca pensei nada disso — asseguro, nossos rostos separados por centímetros. — Quanto a me deixar arrepiado, isso você faz muito bem.
Camryn aperta as coxas ao redor da minha cintura e seu rosto fica mais vermelho. Eu a beijo no nariz e depois olho em seus lindos olhos azuis. Fecho os olhos e sinto o calor mentolado de seu hálito perto de mim. Sua língua toca de leve meu lábio inferior, instigando minha boca a se abrir para a dela. Eu cedo muito facilmente, tocando o lado de sua língua com a minha antes de beijá-la com força, apertando seu corpo em meus braços. Eu a carrego para o quarto, sem interromper o beijo, e faço o que quero com ela por uma hora antes de irmos para Houston para nos apresentar.
~~~
Chegamos ao aeroporto na Carolina do Norte ao meio-dia de sexta, e eu já percebo o brilho nos olhos de Camryn. É só a segunda vez que ela volta para cá em quatro meses. Pegamos nossas malas e saímos ao sol para encontrar Natalie e Blake à nossa espera. E, como na primeira vez que a encontrei, me preparo para ficar cara a cara com aquela hiena da melhor amiga de Camryn.
— Fiquei com tanta saudade de você, Cam! — Natalie a sufoca num abraço.
Blake — posso começar a chamá-lo de Lourinho, só pra curtir — está de pé atrás de Natalie, com as mãos enfiadas fundo nos bolsos, os ombros caídos e um grande sorriso bobo em seu rosto bronzeado. Vejo logo quem é que está no comando. Ela deve manter o cara na coleira. Eu rio por dentro. Que bom pra ele. Cacete, eu também não posso falar muito...
— Andrew! — Natalie se aproxima de mim, em seguida, e eu ativo meu escudo invisível à prova de doidos ao retribuir o abraço que não pedi.
Tá, a verdade é que não gosto muito de Natalie. Não a odeio, mas é o tipo de garota com quem eu nem pensaria em falar de novo se Camryn não estivesse envolvida. E o que Natalie fez com Camryn antes que ela embarcasse naquele ônibus deixou um gosto ruim pra caramba na minha boca. Sou totalmente a favor do perdão, mas só o fato de Natalie ser capaz de fazer algo assim já é motivo pra ter um pé atrás com ela o tempo todo. Foi difícil, para mim, tomar a iniciativa de ligar para ela naquele dia, há duas semanas, para dar a data do ultrassom de Camryn e tudo mais. Mas estava fazendo isso por Camryn, e é só isso que importa.
— Bom te ver de novo, Blake — Camryn diz, abraçando-o amigavelmente.
Sei tudo sobre Blake também, sobre como ele se interessou por Camryn antes de ficar com Natalie. E apesar de sua atração por Camryn antes que nos conhecêssemos, eu o considero um cara legal.
Nós trocamos um aperto de mão.
— Meu Deus, deixa eu ver! — Natalie diz. Ela levanta a camiseta de Camryn, coloca as duas mãos cuidadosamente sobre a barriga dela e abre um sorrisão. Uma espécie de gemido abafado reverbera pela garganta de Natalie, e eu fico me perguntando como um corpo humano pode produzir sons assim.
— Posso ser a Tia Natalie, ou a Dinda Natalie!
Hãã, só que não?
Camryn sorri, balançando rapidamente a cabeça, e tomo cuidado para não emanar nenhuma energia ruim que ela possa detectar. A última coisa que quero é estragar sua volta para casa deixando que ela perceba que só tolero sua melhor amiga para não contrariá-la.
Camryn
6
Carolina do Norte
O CHÁ DE bebê que minha mãe e Natalie organizaram foi ótimo. Ganhei um berço novinho, um andador, um balanço, um cadeirão, duas banheiras — uma rosa e outra azul, só pra garantir — umas 984 fraldas — bom, parecem muitas fraldas —, vários frascos de xampu e talco infantil, e umas coisas chamadas Anti-Bunda de Macaco e Pomada pro Bumbum, o que é muito perturbador, e... não me lembro de tudo, e tem umas coisas que nem faço ideia do que sejam.
Depois de um tempo sentada na sala, cercada por todas, começo a me sentir oprimida, mas estou pronta pra encerrar a reunião e ficar de molho num banho quente e demorado.
Mais duas horas se passam e todas já foram embora, menos Natalie, que me encontra de molho naquele banho tão necessário, rodeada por espuma.
— Cam? — ouço a voz de Natalie do outro lado da porta do banheiro. Ela bate de leve algumas vezes.
— Pode entrar.
A porta range e Natalie dá uma espiada. Não seria a primeira vez que ela me vê pelada.
Ela se senta na tampa da privada.
— Bom, agora é oficial — ela declara com um sorrisão —, a gravidez deixa mesmo os peitos maiores.
Como sempre, ela está exagerando.
Tiro a mão da água e borrifo algumas gotas nela.
— Tá se sentindo bem? — ela pergunta, dando um tempo nas brincadeiras. — Parece exausta.
— Tô grávida — respondo secamente.
— É sério, Cam, você tá com uma cara horrível.
— Obrigada. — Eu mexo na presilha que pus no cabelo para não molhá-lo, depois relaxo o braço sobre a borda da banheira.
— Bom, você não devia estar radiante? É assim que dizem que as grávidas ficam.
Dou de ombros e balanço a cabeça sobre a borda da banheira.
Uma onda de dor atravessa a base da minha espinha e passa tão rápido quanto surgiu. Eu faço uma careta e ajeito o corpo.
— Tem certeza de que você tá bem? — Nat parece mais preocupada que o necessário.
— Dores e pontadas. Nada preocupante. Imagino que vá piorar daqui pra frente. As dores e pontadas, quero dizer. — Não sei por que senti necessidade de esclarecer essa última parte, a não ser pelo fato de que eu mesma queria ter certeza de que não estava me referindo a nada além disso.
— Ainda não tá vomitando pela manhã? — Nat pergunta. — Pessoalmente, prefiro uma dorzinha nas costas a botar os bofes pra fora.
— Ainda não. Bate na madeira, Nat.
Admito que se fosse mesmo pra escolher, eu também preferiria a dor e não o vômito. E até agora, parece que é isso que eu vou ter. Acho que sou uma daquelas sortudas que o enjoo matinal não atinge. E também não tive nenhum desejo esquisito. Portanto, ou eu sou uma aberração ou aquele papo de picles com sorvete é uma tremenda bobagem.
Saio da banheira e enrolo uma toalha no corpo antes de abraçar Natalie para me despedir.
Em seguida, deito na cama, lembrando como ela é confortável. Mas não sinto tanta falta deste quarto, nem vontade de voltar para a minha vida de antes. Não. A “vida de antes” eu ainda quero evitar, e este é o primeiro motivo de eu estar tão dividida a respeito de voltar ou não para casa. Senti falta de minha mãe e de Natalie, e também da Carolina do Norte como um todo, admito. Mas não a ponto de querer voltar para cá e fazer as mesmas coisas que eu estava fazendo antes. Eu fugi desse estilo de vida por um motivo, e não estou a fim de correr de volta para ele.
Em vez de sair com Natalie e Blake, mais tarde naquela noite, decido ficar em casa e ir dormir mais cedo. Me sinto absurdamente exausta, como se meu corpo estivesse sendo drenado de sua energia mais rápido do que o normal, e a dor nas costas também não sumiu de verdade. Ela vai e volta há horas.
Andrew deita na cama comigo, apoiando-se no cotovelo.
— Sinto que tô fazendo o que não devo, ficando aqui no seu quarto de criança com você assim. — Ele sorri.
Dou um sorriso fraco e afundo mais meu corpo sob o cobertor. Só está fresquinho lá fora, mas eu estou congelando. Puxo o cobertor até o queixo, apertando o tecido felpudo com os dedos.
— Se meu pai estivesse aqui — respondo, rindo —, você ia dormir no quarto de Cole.
Ele se aproxima de mim e passa o braço pela minha cintura. De início, parece que ele vai tirar vantagem total do fato de estarmos finalmente a sós, mas sua expressão fica mais séria, ele tira o braço da minha cintura e passa os dedos pelo meu cabelo.
— Tudo bem, tô começando a ficar preocupado com você. Você tá estranha desde que voltei pra cá com Blake. O que tá acontecendo?
Aproximo meu corpo do dele e digo:
— Já não basta Natalie, agora vem você também. — Olho para ele com meu rosto a centímetros do dele.
— Ah, então ela também notou? — Andrew pergunta.
Balanço a cabeça.
— Só tô com dor nas costas e me sentindo péssima de maneira geral, mas vocês dois se esquecem do motivo.
Ele mal sorri para mim.
— Talvez você devesse marcar uma consulta médica.
Balanço a cabeça fracamente.
— Não vou ser uma dessas paranoicas que correm pro hospital por qualquer coisinha. Fiz uma consulta semana passada. Tá tudo bem. Até ela confirmou. — Eu me aproximo dele, beijo suavemente seus lábios e sorrio um pouco mais, esperando tranquilizá-lo.
Andrew também sorri e afasta o cobertor para poder se aninhar perto de mim. Levanto o corpo e viro de lado, dando-lhe as costas, e ele encosta seu corpo quente no meu, me abraçando por trás. Ele é tão quentinho que me derreto nele, sabendo que em poucos minutos estarei dormindo profundamente. Sinto sua respiração no meu pescoço quando ele me beija ali. Fecho os olhos e o absorvo por inteiro, seu cheiro natural que sempre desejo, a firmeza de seus braços e pernas, o calor que emana de sua pele. Duvido sinceramente que um dia consiga de novo pegar no sono sem ele ao meu lado.
— Se piorar — Andrew fala baixinho atrás de mim —, é melhor você me contar. Também não quero que você seja uma dessas pessoas teimosas que não vão ao médico quando sabem que podem ter algum problema.
Viro a cabeça um pouco na direção dele, com um ar levemente divertido.
— Ah, tipo alguém que conheço, que se recusou a ir ao médico por oito meses porque tinha certeza de que seu tumor no cérebro era inoperável?
Ele suspira e eu sinto o calor de seu hálito no meu ombro. Minha intenção era fazê-lo rir, mas pelo visto ele não acha isso engraçado.
— Me promete e pronto — ele insiste, me apertando de leve com o braço. — Se sentir mais dor ou qualquer coisa esquisita, me avisa e a gente vai pro hospital.
Eu cedo, não por querer apaziguá-lo, mas porque ele tem razão. Nunca fiquei grávida antes, então sei tão pouco sobre o que é normal e o que não é quanto qualquer outra mãe de primeira viagem.
7
É DOMINGO À tarde, e acho que ontem eu só precisava de uma boa noite de sono. Me sinto um pouco melhor hoje, e a dor nas costas sumiu. Eu me visto e faço minhas malas para que tudo esteja pronto quando Andrew e eu partirmos hoje à noite para pegar o avião de volta para o Texas. Mas antes de a gente voltar, preciso passar um dia de mulherzinha com Natalie, e estou ansiosa por isso.
— Tem certeza de que não se importa de sair com Blake? — pergunto, enquanto Andrew veste uma camiseta azul-marinho. Ele está de pé diante do espelho ajeitando o cabelo, se é que “passar os dedos uma vez” pode ser chamado de ajeitar. Ele nunca se importou muito com o cabelo, contanto que não fique espetado onde não deve.
Andrew se vira para me encarar.
— Não ligo não. Blake é um cara bem legal. A gente vai pra um salão de bilhar jogar um pouco. — Ele passa os braços pela minha cintura. — Não se preocupe comigo. Divirta-se com Natalie.
Eu rio de leve.
— Sabe, se ela descobrir aquele desenho que você associou ao número dela no teu telefone, vai te matar.
O sorriso de Andrew aumenta.
— Você é muito corajosa, Camryn Bennett. — Ele me segura pelos ombros e balança a cabeça dramaticamente para mim. — Eu morreria esmagado pelo peso da personalidade daquela garota se tivesse que passar mais de uma hora no mesmo ambiente com ela. Ou isso, ou furaria meus tímpanos com um lápis, o que fosse mais rápido.
Eu sufoco uma risada e aperto as mãos com força no peito dele.
— Você é tão malvado.
— Ora, eu sou, sou sim — ele diz com um sorrisão.
Andrew se curva e aperta os lábios na minha testa. Faço melhor e seguro de leve a frente da camiseta dele, puxando-o para mim e beijando-o nos lábios.
— Não é tarde demais pra dar uma rapidinha aqui, só pra você saber. — Seus olhos verdes semicerrados sondam meu rosto e meus lábios antes de me beijar de novo, puxando meu lábio inferior com os dentes.
— É tarde demais sim — ouço Natalie dizer da porta do meu quarto.
O beijo é interrompido e ambos nos viramos ao mesmo tempo para vê-la de pé ali, de braços cruzados e com um sorrisinho no canto da boca. Seu cabelo longo e preto lhe cobre os dois ombros. A primeira coisa que me pergunto é o quanto ela ouviu.
Andrew revira os olhos discretamente com a intrusão. Pobrezinho. Cada coisa que ele faz por mim.
Natalie marcha para dentro do quarto e se joga no pé da minha cama. Obviamente, não ouviu nada comprometedor, senão já estaríamos sabendo. Ela bate palmas com um estalo e diz:
— Anda! Anda! Vamos à pedicure, manicure e todo tipo de cure hoje.
Pelo semblante de Andrew, sei que ele gostaria muito de deixar claro que ela tropeçou na própria língua. Olho para ele intensamente, avisando-o para não dizer uma palavra, e ele apenas sorri, de lábios cerrados e tudo.
— Tá se sentindo melhor hoje? — Natalie pergunta.
Enfio os pés nos meus mocassins Rocket Dog — ou, como Andrew diz, os sapatos mais feios que ele já viu — e começo a escovar o cabelo.
— Tô me sentindo melhor, sim — digo, olhando-a pelo reflexo do espelho. — Ainda um pouco esquisita, mas melhor do que ontem.
— Faz um favor pra mim, fica de olho nela — Andrew diz para Natalie. — Se ela começar a se queixar de dor ou qualquer outra coisa, me liga, tá?
Natalie balança a cabeça.
— Pode deixar. Não ia ser a primeira vez que ela ignora um problema de saúde. Ano passado, ela ficou dois dias gemendo e grunhindo com dor de dente, foi tão chato... Até que finalmente foi pro dentista.
— Eu tô bem aqui — digo, parando com a escova no cabelo.
Natalie faz um gesto de desprezo e volta a falar com Andrew.
— Eu te ligo se ela espirrar mais de quatro vezes seguidas.
— Ótimo — Andrew conclui, e volta a falar comigo. — Ouviu isso? — ele diz, sério. — Agora tenho reforços.
Quando foi que Andrew virou parceirão da Natalie? Há alguns segundos, ele era 100% anti-Natalie. Balanço a cabeça e volto a escovar o cabelo, enrolando-o com os dedos numa trança e prendendo a ponta com um elástico.
Andrew se despede de mim e de Lily com um beijo e sai sei lá pra onde com Blake. E eu saio com Natalie logo depois, esperando chegar ao fim do dia sem dores nas costas ou qualquer outra coisa que faça Natalie ligar para Andrew e me arrastar para o pronto-socorro mais próximo.
Primeiro ficamos algum tempo no nosso Starbucks de sempre, depois vamos para o shopping, para a Bath and Body Works, onde Natalie está trabalhando há um mês. Ela me apresenta à sua gerente e às duas garotas que trabalham com ela. Esqueço os nomes logo depois que elas me dizem. A gerente é legal, até me diz para voltar e preencher uma ficha, se eu quiser. Natalie entra no meio da conversa para explicar que logo vou voltar para o Texas, e quando não confirmo o que ela diz imediatamente, Natalie percebe que estou escondendo algo e mal consegue se aguentar. Sorrio e agradeço à gerente, e quando dou por mim, Natalie está praticamente me arrastando para fora da loja e me pressionando.
— Desembucha! — ela exclama, de olhos arregalados.
Vou até o parapeito e me apoio nele. Ela me segue, deixando a bolsa e uma sacola de compras no chão, perto dos pés.
Penso na minha resposta, porque realmente não sei o que dizer. Não posso dizer que sim, que vou me mudar de volta para Raleigh, porque Natalie vai entender como: Vou me mudar de volta pra cá e tudo vai ser exatamente como era antes. Na verdade, o que isso significa é que sinto falta de Natalie e da minha mãe, e que o Texas e eu não fomos feitos um para o outro.
A verdade surge de repente enquanto meu olhar se perde pelo shopping. Todos aqueles dias em que fiquei deitada, olhando para o teto, enquanto Andrew trabalhava na oficina com Billy Frank, fiquei tentando entender qual era o meu problema, por que eu sentia tanta saudade e ao mesmo tempo não queria realmente voltar pra casa. Lembro quando cheguei ao Texas com Andrew pela primeira vez. Caramba, lembro quando estávamos na estrada juntos, pouco antes de cruzar a divisa com o Texas. Eu não queria ir pra lá. Tinha medo de que tudo fosse terminar no Texas, que a vida empolgante que eu estava levando com Andrew na estrada se tornasse nada mais do que uma lembrança quando chegássemos ao nosso destino final.
E de certa forma... isso aconteceu...
Engulo um grande nó que se formou na minha garganta e recupero o fôlego mentalmente.
Não é por causa de Lily. Eu a amo muito e jamais poderia culpá-la. Porque a verdade é que a vida não acaba com uma gravidez. Muita gente parece achar isso, mas acredito sinceramente que tudo depende de como você escolhe vivê-la. Claro, ter um bebê é uma das coisas mais difíceis, mas não é o fim do mundo. Não precisa ser a destruição dos sonhos da pessoa. O que Andrew e eu estamos fazendo aos poucos, sem perceber, é que destrói os sonhos: estamos nos acomodando demais. O tipo de acomodação que te pega de surpresa anos depois, te dá um tapa na nossa nuca e diz: Ei, babaca! Já percebeu que tá fazendo a mesma merda todo dia há dez anos?
Mantenho os olhos fixos à minha frente.
— Não sei ao certo o que estamos fazendo, Nat — respondo, e então finalmente olho para ela. — Quero dizer, sim, vou me mudar de volta pra casa, mas...
Suas sobrancelhas escuras se juntam com ar interrogador.
— Mas o quê?
Desvio o olhar, e quando não respondo imediatamente, ela diz:
— Oh, não, não me diga que Andrew não vem com você. Garota, tem algo acontecendo com vocês dois?
Eu volto a encará-la.
— Não, Nat, não é nada disso, e sim, ele vem comigo, com certeza... não sei. É difícil explicar.
Ela aperta os lábios, erguendo um canto da boca, e me segura pelo cotovelo.
— Temos a tarde toda pra você descobrir, então vamos pro salão de beleza e você pode pensar muito nisso no caminho. — Ela se abaixa, pega a bolsa e a sacola, pendurando-as no pulso livre, enquanto anda comigo até a saída mais próxima.
Chegamos ao salão de beleza em minutos, e o lugar está lotado, que é exatamente como lembro de lá nos fins de semana. Natalie e eu estamos aboletadas em cadeiras de pedicure, com duas garotas cuidando dos nossos pés. Passou muito tempo desde a última vez que fiz os pés, então espero que meus dedos não estejam horrorosos demais.
— Sabe, Cam, você nunca me contou por que foi embora. — Natalie olha para mim. — Por favor, me diz que não foi por minha culpa.
— Não foi culpa de ninguém em particular — explico. — Eu só precisava me afastar por um tempo. Não conseguia respirar.
— Bom, eu jamais faria algo tão ousado, mas admito que o resultado não foi nada menos que espetacular.
Isso me faz sorrir.
— Foi, não foi?
— Com certeza — ela diz, sorrindo, com os olhos castanhos brilhando. — Você acabou conquistando um deus do sexo — a garota que está fazendo os pés dela olha rapidamente para cima —, ficou noiva e tem um bebê lindinho a caminho — Natalie ri. — Tô com inveja, porra!
Eu rio também, mas não tão alto.
— Primeiro, por que ter inveja de mim quando você tem Blake? E segundo, como sabe que meu bebê vai ser lindo?
Natalie aperta os lábios e me olha como se eu fosse retardada.
— Fala sério, né? Pra vocês dois seria impossível gerar um bebê feio. — A garota que está me atendendo revira os olhos para a outra garota. — E não tô com inveja de você por causa de Andrew, tô com inveja porque provavelmente vou acabar como a minha mãe, que não saiu quase nunca da Carolina do Norte. Por mim, tudo bem. Não sou, tipo, viciada em viajar de ônibus, e sinto claustrofobia quando alguém respira muito perto de mim, mas de certa forma invejo você.
Reflito um pouco sobre o que ela disse, mas não estendo o assunto.
Minhas costas estão começando a doer de novo, e tento me ajeitar na cadeira sem mexer muito os pés. Meu quadril também dói um pouco, mas tenho certeza de que é porque andei muito hoje.
— Então, já descobriu? — Natalie pergunta.
— O quê?
Ela pisca, surpresa com a rapidez com que pareço ter esquecido nossa conversa no shopping. Não esqueci, na verdade; só estava tentando evitar o assunto.
— A verdade — começo, desviando o olhar e imaginando Andrew — é que não quero nem me mudar de volta pra cá, nem ficar no Texas. Tipo, eu quero estar aqui, mas morro de medo de também acabar como a sua mãe. — Eu jamais usaria a mãe dela como exemplo, mas é realmente a maneira mais fácil de fazer Natalie entender, especialmente considerando que ela acabou de fazer a mesma comparação, então nem pensei muito a respeito.
— É, te entendo totalmente — Natalie concorda, balançando a cabeça. — Mas o que mais você poderia fazer? Você não tem outras opções, especialmente com um bebê a caminho.
Meu Deus, por que Nat tinha que dizer isso? Suspiro baixinho e tento não olhar para ela, para que não veja a decepção estampada no meu rosto. Natalie é minha melhor amiga, mas eu sempre soube que ela seria uma dessas pessoas que passam a vida toda numa bolha sem cor e só caem na real para se arrepender quando é tarde demais para mudar. Ela acabou de provar isso com seu comentário sobre como ter um bebê praticamente significa o fim da linha para uma vida divertida e gratificante. E porque ela nunca vai entender. Também não respondo a isso.
— Cam? Tem certeza que você tá bem?
Prendo a respiração e olho para ela. Mais uma pontada atravessa meu quadril, e de repente sinto que estou começando a suar um pouco. Sem pensar na pedicure, retiro o pé de suas mãos e me seguro nos braços da cadeira para me levantar.
— Preciso ir ao banheiro.
— Camryn?
— Eu tô bem, Nat — asseguro, levantando da cadeira. — Desculpa — digo para a garota, desvio dela e me dirijo para o curto corredor sob a placa que indica o toalete. Tento não demonstrar que estou sentindo dor ao andar, porque não quero que Natalie me siga, mas sei que ela vai me seguir assim mesmo.
Me apoiando na cabine, eu abro a porta e me tranco lá dentro, podendo finalmente manifestar a verdadeira dimensão do meu desconforto. Gotículas de suor cobrem minha testa e a região sob as minhas narinas. Tem mesmo alguma coisa errada. Pode ser minha primeira gravidez, mas sou capaz de saber mesmo assim que o que estou sentindo agora não é normal. Uso o banheiro rapidinho, saio do pequeno cubículo, que só está piorando meu desconforto, e vou até o balcão da pia.
Isso não pode estar acontecendo...
Minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Não, meu corpo todo está tremendo. Levanto a mão para pegar sabonete líquido no recipiente da parede e lavar as mãos, mas não chego nem a enxugá-las antes de o que está acontecendo me atingir com força total. Eu desabo e começo a chorar, me apoiando na borda do balcão. A dor física sumiu por ora, mas... talvez eu só esteja sendo paranoica. Sim, é só isso. Paranoia. A dor se foi, então com certeza estou bem.
Respiro fundo várias vezes antes de erguer a cabeça acima dos meus ombros curvados e me olhar no espelho. Com uma mão molhada, limpo o suor do rosto e as lágrimas das bochechas. Me sinto até bem o suficiente para ficar com nojo ao perceber que estou de pé num banheiro público, descalça.
A porta se abre e Natalie marcha para dentro.
— Sério, você tá bem? Não, nem precisa responder, obviamente não tá, então me fala, o que tá acontecendo? Vou ligar pro Andrew. E é já. — Ela começa a sair do banheiro e voltar para o salão, onde seu celular está, mas eu a impeço.
— Nat, não, espera.
— Porra nenhuma — ela disse. — Vou ligar pra ele exatamente daqui a sessenta segundos, então você tem menos tempo que isso pra se explicar.
Eu cedo porque, por mais que eu queira me convencer de que estou bem, no fundo sei que não estou. Especialmente depois do que vi antes de sair do cubículo.
— Tô sentindo pontadas nas costas e no quadril e tô com manchas na calcinha.
— Manchas? — Ela faz uma cara levemente enojada, mas disfarça bem e está claramente mais preocupada do que com nojo. — Quer dizer... de sangue? — Ela me olha de lado, desconfiada, e não desvia o olhar até que respondo.
— Sim.
Sem mais uma palavra, a porta do banheiro se fecha atrás dela quando ela sai.
Sabe, existe um momento na vida em que é preciso encarar algo tão horrível que você sente que nunca mais vai voltar a ser a mesma pessoa. É como se algo tenebroso desse um rasante, vindo de cima, e roubasse cada migalha de felicidade que você já sentiu, e você só pode ficar olhando, sentir aquilo indo embora, sabendo que não importa o que você faça na vida, nunca mais poderá tê-la de volta. Todos passam por isso ao menos uma vez. Ninguém está imune. Mas o que não consigo entender é como uma pessoa pode passar por isso o bastante para cinco pessoas e em tão pouco tempo.
~~~
Estou deitada numa cama de pronto-socorro, encolhida debaixo de um cobertor. Natalie está sentada na cadeira à minha esquerda. Não consigo falar. Estou apavorada demais.
— Por que estão demorando tanto, porra? — Natalie reclama, falando dos médicos. Ela se levanta e começa a andar pelo quarto, seus saltos altos estalando suavemente no chão de ladrilhos brancos e brilhantes.
Então ela muda o discurso.
Ela para, olha para mim e diz, com uma expressão esperançosa:
— Talvez estejam demorando tanto tempo pra te examinar porque acham que não é nada preocupante.
Não acredito nisso, mas não consigo dizer em voz alta. É a segunda vez que estou num pronto-socorro. Na minha primeira vez, quando quase morri afogada depois de mergulhar de umas pedras no lago, pareceu que fiquei ali por seis horas. E foi principalmente para dar pontos no corte que sofri no quadril ao bater nas pedras.
Eu me viro e fico deitada de lado, olhando para a parede. Segundos depois, a porta de vidro deslizante se abre. Acho que finalmente é um médico, mas meu coração falha algumas vezes quando Andrew entra no quarto. Ele e Natalie trocam algumas palavras em voz baixa, que eu finjo não ouvir.
— Eles nem entraram aqui ainda, a não ser pra fazer algumas perguntas pra ela e trazer um cobertor.
Os olhos de Andrew encontram os meus rapidamente, e leio a preocupação em seu rosto, embora ele esteja se esforçando muito para não parecer tão óbvio. Ele sabe o que está acontecendo tanto quanto eu, mas também como eu não vai falar disso ou se permitir acreditar enquanto um médico não confirmar.
Eles conversam por mais alguns segundos, e então Natalie se aproxima da cama e se curva para me abraçar.
— Só deixam uma pessoa por vez ficar aqui com você — ela diz ao se afastar. — Vou ficar na sala de espera com Blake. — Nat força um sorriso para mim. — Você vai ficar bem. E se eles não fizerem alguma coisa logo, vou surtar e armar um barraco nessa porra.
Sorrio um pouco também, grata pela capacidade de Natalie de fazer isso acontecer até na minha hora mais negra.
Ela para na porta e cochicha para Andrew:
— Por favor, me avisa assim que você souber — e sai do quarto, fechando a porta de vidro atrás de si.
Meu coração afunda quando Andrew me olha de novo, porque desta vez tenho toda a atenção dele. Ele puxa a cadeira vazia e a coloca perto da minha cama. Pega na minha mão e a aperta com ternura.
— Sei que você tá se sentindo péssima — ele começa —, então não vou nem perguntar.
Tento sorrir, mas não consigo.
Ficamos apenas nos olhando por um tempo. É como se soubéssemos o que o médico vai dizer. Nenhum dos dois se permite acreditar que talvez, quem sabe, tudo irá dar certo. Porque não vai dar. Mas Andrew, fazendo tudo o que pode para me reconfortar, não se permite chorar nem parecer preocupado demais. Mas eu sei que ele está usando essa máscara por minha causa. Sei que o coração dele está sofrendo.
Pouco depois, um médico entra com uma enfermeira, e num estado estranho, de sonho, acabo ouvindo-o dizer que não há batimentos. Acho que o mundo sumiu debaixo de mim, mas não tenho certeza. Vejo os olhos de Andrew, cobertos por um fino véu de lágrimas, enquanto ele olha para o médico, que diz palavras que somem no fundo da minha mente.
O coração de Lily não está mais batendo.
E eu penso... é, e o meu também não...
Andrew
8
JÁ ESTAMOS EM Raleigh há duas semanas. Não vou nem falar do inferno que a gente — Camryn — atravessou nesse tempo. Me recuso a dar detalhes. Lily se foi, e Camryn e eu estamos arrasados. Não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta e estou tentando enfrentar isso da maneira que posso, mas Camryn não é mais a mesma desde aquele dia, e estou começando a me perguntar se voltará a ser como foi um dia. Ela não fala com ninguém. Nem comigo, nem com a mãe, nem com Natalie. Ela até fala, só não daquilo que aconteceu. Não aguento vê-la assim porque é óbvio que por baixo daquela fachada de “tô ótima” ela está sofrendo muito. E eu me sinto impotente para ajudá-la.
Camryn está no chuveiro há muito tempo, enquanto estou deitado no quarto dela, olhando para o teto. Meu celular toca ao meu lado no criado-mudo.
— Alô? — atendo.
É Natalie.
— Preciso falar com você. Você tá sozinho?
Pego de surpresa, levo um tempo para responder.
— Por quê? Sim, Camryn está no chuveiro.
Olho para a porta para verificar se ninguém está ouvindo. A água do chuveiro continua correndo, por isso sei que Camryn ainda está lá.
— A mãe dela falou alguma coisa sobre... qualquer coisa? — Natalie pergunta em tom suspeito, e isso me causa a sensação mais estranha.
— Você precisa ser um pouco mais específica — respondo. Essa conversa mal começou e já está me torrando o saco.
Ela suspira profundamente ao telefone e eu fico impaciente.
— Tá, escuta. Cam obviamente tá diferente — ela começa (ah, vá! É mesmo?) —, e você precisa convencê-la a voltar pra psiquiatra dela. Logo.
A psiquiatra dela?
Ouço a água sendo desligada e olho novamente para a porta fechada.
— Que história é essa de psiquiatra? — pergunto em voz baixa.
— É, ela fazia terapia e...
— Peraí — sussurro em tom ríspido.
A porta do banheiro se abre e ouço os passos de Camryn vindo para o quarto.
— Ela tá voltando — digo rapidamente. — Te ligo daqui a pouco.
Desligo e deixo o celular no criado-mudo segundos antes que Camryn abra a porta, usando um roupão cor-de-rosa e uma toalha enrolada na cabeça.
— Ei — falo, pondo as mãos atrás da cabeça e entrelaçando os dedos.
Tudo o que quero, na verdade, é ligar de novo para Natalie e descobrir o que ela ia me contar, mas faço melhor e vou direto à fonte. Além disso, não quero esconder segredos dela. Já fiz isso uma vez e não vou fazer de novo.
Ela sorri do outro lado do quarto, depois joga o cabelo para a frente e o enxuga com a toalha.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro — ela diz, se endireitando e deixando o cabelo louro e úmido cair para trás.
— Você fazia terapia?
O sorriso desaparece do seu rosto e é instantaneamente substituído por uma expressão neutra. Ela anda até o closet e o abre.
— Por que a pergunta?
— Porque Natalie acabou de ligar e sugeriu que eu tentasse te convencer a voltar.
Ela balança a cabeça, de costas para mim, e começa a remexer nas roupas penduradas à sua frente.
— É bem da Natalie isso de achar que eu tô louca.
Ainda de cueca, me levanto da cama, deixando o lençol descobrir meu corpo, e ando até ela, pondo as mãos em seus quadris, por trás.
— Fazer terapia não quer dizer que a pessoa está louca. Talvez você devesse ir mesmo. Só pra falar com alguém.
Me incomoda eu não poder ser esse alguém, mas isso não é o mais importante.
— Andrew, eu vou ficar bem. — Ela se vira e sorri docemente para mim, pondo os dedos no meu queixo. Então ela me beija nos lábios. — Prometo. Sei que você, Nat e mamãe estão muito preocupados comigo e não culpo vocês por isso, mas não vou ver psiquiatra nenhum. É ridículo. — Ela se vira de novo e puxa uma camiseta de um cabide. — Além disso, o que essa gente quer, no fundo, é me receitar um remédio e me mandar pra casa. Não vou tomar nenhum remédio pra cabeça.
— Bom, não precisa tomar nenhum remédio “pra cabeça”, mas acho que se você tivesse outra pessoa com quem falar, isso ajudaria a tornar mais fácil lidar com o que aconteceu.
Camryn para, ainda de costas, e deixa os braços caírem ao lado do corpo, ainda segurando com força a camiseta. Ela suspira e seus ombros finalmente se relaxam em meio ao silêncio. Então ela se vira e fita meus olhos.
— A melhor maneira, pra mim, de lidar com o que aconteceu é esquecer — ela afirma, partindo o meu coração. — Vou ficar bem desde que não seja obrigada a me lembrar daquilo todo dia. Quanto mais vocês todos tentarem me fazer “falar a respeito” — ela faz as aspas com os dedos —, e quanto mais todos ficarem me olhando com essa expressão calada e triste cada vez que eu chego perto, mais tempo vou levar pra esquecer.
Isso não é algo que dá pra simplesmente esquecer, mas não tenho coragem de dizer isso a ela.
— Tá, então... — eu me afasto e volto distraidamente para perto da cama — ...quanto tempo a gente vai ficar aqui? Não que eu esteja ansioso pra voltar. — Essa é só uma de várias perguntas que quero fazer, mas tenho um pé atrás com todas elas. Nessas últimas duas semanas, me sinto pisando em ovos cada vez que digo qualquer coisa para ela.
— Não vou voltar pro Texas — ela diz casualmente, e continua enfiando um par de jeans.
Ovos. Essas merdas de ovos em todo canto.
Eu esfrego a palma da mão na minha nuca.
— Tudo bem. Eu volto sozinho, faço as malas e, se você quiser, pode sair com Natalie e procurar um apartamento pra nós até eu voltar. Você escolhe. O que quiser. — Sorrio cuidadosamente para ela do outro lado do quarto. Quero que ela seja feliz e faço qualquer coisa para isso acontecer.
Seu rosto se ilumina, e sinto que isso está genuinamente conseguindo me enganar. Ou isso, ou ela está sorrindo de verdade. A essa altura, já não consigo saber mais a diferença.
Camryn se aproxima de mim e me empurra sobre o pé de sua cama, apertando as mãos no meu peito. Então ela me joga na cama. Olho para ela. Normalmente, eu já estaria montando nela, a essa altura, mas isso me parece errado. Sei que ela quer. Ao menos, acho que quer... mas sinto medo de tocá-la, e estou sentindo isso desde o aborto.
Ela se senta sobre mim, a cavalo sobre meu peito, e, apesar de ter medo de tocá-la, o instinto me leva a me apertar contra ela. Ela fecha as mãos sobre meus ombros e me encara. Mordo minha bochecha por dentro e fecho os olhos quando ela se curva para me beijar. Correspondo ao beijo, saboreando a doçura de seus lábios e inspirando seu hálito para o fundo de meus pulmões. Mas então me afasto e a seguro pela cintura, para que ela não me force a fazer nada.
— Amor, acho que não...
Ela parece chocada, com a cabeça inclinada para o lado.
— Acha que não o quê?
Não sei bem como pôr isto em palavras, mas digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Faz só duas semanas. Você não tá ainda...?
— Sangrando? — ela pergunta. — Não. Dolorida? Não. Já falei, eu tô bem.
Ela está longe de estar bem. Mas sinto que, se eu tentar convencê-la, essa bomba de alguma forma vai explodir na minha mão.
Droga... talvez eu precise enfrentar a fera e falar com Natalie, no fim das contas.
Camryn desce do meu colo, mas fico de pé com ela e a envolvo com os braços, puxando-a para meu peito nu. Aperto o lado do meu rosto no alto de seu cabelo molhado.
— Tem razão — ela diz, se afastando para me olhar nos olhos. — É melhor, hãã... eu voltar a tomar anticoncepcional. Seria idiotice correr esse risco de novo.
Ela se afasta de mim.
Não era bem o que eu queria dizer. Claro que provavelmente é melhor tomarmos mais cuidado desta vez, por causa do que ela acabou de passar. Mas para ser completamente sincero, eu treparia com ela agora mesmo com a única intenção de engravidá-la de novo, se ela assim quisesse. Se ela me pedisse, não me arrependo nada da primeira vez e faria tudo de novo. Mas precisaria ser o que ela quer, e temo que se um dia eu tocasse nesse assunto, ela poderia achar que é minha sugestão, poderia se sentir culpada por perder a minha Lily, e iria querer engravidar de novo por achar que é o que eu preciso para me sentir melhor.
Camryn tira o roupão, joga-o no pé da cama e começa a se vestir.
— Se é o que quer fazer — digo sobre o anticoncepcional —, então eu tô com você.
— É o que você quer? — ela pergunta, parando para me fitar.
Parece uma pegadinha. Cuidado, Andrew.
Balanço a cabeça lentamente.
— Eu quero o que você quiser. E no momento, pelo seu bem, acho que é a melhor coisa a fazer.
Não consigo detectar absolutamente nenhuma emoção em seus olhos, e isso está me deixando nervoso.
Finalmente, ela também balança a cabeça e desvia o olhar de mim. Veste o jeans e remexe na gaveta da penteadeira, procurando um par de meias.
— Vou ver minha médica hoje, se conseguir um horário.
— Tá — concordo.
E como se não tivéssemos acabado de ter uma conversa séria e um tanto deprimente, Camryn se aproxima e sorri para mim antes de me dar um selinho nos lábios.
— Aí você vai poder voltar ao normal.
— Como assim?
— Ah, por favor! — ela exclama —, você não tentou transar comigo nenhuma vez desde que aquilo aconteceu. — Ela sorri, e seus olhos percorrem lentamente o meu peito nu. — Vou admitir que sinto falta do meu Andrew Parrish louco por sexo. Nos últimos três dias, tive que fazer justiça com as próprias mãos várias vezes. — Ela se curva rumo aos meus lábios e depois passa à minha orelha, puxando o lóbulo delicadamente com os dentes, e sussurra: — Fiz isso no chuveiro há uns minutinhos. Você precisava estar lá.
Calafrios correm pelas minhas costas e chegam até os pés. Cacete, por que ela não me pediu pra fazê-la gozar? Eu faria isso de bom grado. Acho que isso ela já deve saber, a essa altura.
Seguro o rosto dela e a beijo com força enquanto ela pega meu pau. Quando dou por mim, estou deitado atravessado em sua cama, e ela está subindo em mim. Seus dedos seguram o elástico da minha cueca, enquanto ela olha o meu corpo com olhos semicerrados e demoníacos.
Meu Deus, se ela me puser na boca agora...
Nem percebi que meus olhos haviam se fechado até sentir seus dedos se enfiarem entre minha cueca e a minha pele. Então ela começa a tirar a cueca, e aí eu não vejo mais nada.
Minha consciência volta à tona como um monstro do pântano e eu a seguro, levantando parte do corpo da cama, me apoiando nos cotovelos.
— Amor, agora não.
Ela faz bico. Juro que faz um bico, e é o equivalente perfeito do olhar do gatinho do Shrek, e eu meio que quero ceder, porque isso me derrete completamente.
— Eu queria. Acredite... queria muito que você fizesse isso. — Rio um pouco com essas palavras. — Mas vamos esperar. Sua mãe já vai voltar, e eu...
Ela inclina a cabeça para o lado e abre um sorrisão.
— Tudo bem — ela se rende, e me beija mais uma vez antes de pular da cama. — Tem razão. A última coisa que eu quero é que minha mãe me flagre pagando um boquete.
Eu acabo de recusar um boquete? Essa garota não faz mesmo ideia do quanto me tem pelo cabresto. É melhor eu nem contar, senão ela pode abusar desse poder. Cacete, o que eu tô dizendo? Eu quero que ela abuse. Eu amo essa mulher, porra.
Camryn sai com a mãe mais tarde naquela manhã, depois de conseguir marcar uma consulta de última hora com a ginecologista. Tive vontade de puxar a mãe dela para o lado, num momento, e perguntar das coisas que Natalie tentou me contar, mas faltou oportunidade. Elas precisavam sair rápido para chegar a tempo na consulta, e teria sido bem esquisito se eu fosse para o quarto com a mãe dela. Camryn sacaria na hora que estávamos falando dela.