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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


The Edge of Always
The Edge of Always

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

9

CAMRYN DEIXOU O carro dela comigo. Perguntei rapidamente por que ela não viajou de carro, em vez de embarcar num ônibus naquele dia, em julho passado, e ela respondeu com: “Por que você não viajou no seu?” Precisei de todas as minhas forças para me colocar no banco do motorista de um pequeno Toyota Prius vermelho, mas respirei fundo e dirigi até o Starbucks, onde combinara me encontrar com Natalie.

Tudo nisto parece perigoso e sujo. E não quero dizer sujo do jeito bom. Quero dizer que vou querer tomar banho com água sanitária quando isto acabar. Natalie chega sem Blake e cruza o salão na minha direção, seu longo cabelo preto preso num rabo de cavalo. Fiz questão de pegar uma mesa o mais longe possível das grandes vidraças, por medo de alguém me ver com ela. Não importa que ninguém me conheça por aqui; a questão não é essa. Tentei fazê-la me contar o que precisava me contar por telefone, mas ela insistiu que nos encontrássemos.

Ela se senta na cadeira vazia e joga a bolsa sobre a mesa ao mesmo tempo.

— Eu não mordo — ela diz com um sorrisinho.

Talvez não, mas aposto que a sua...

— Não precisa fingir que gosta de mim — ela interrompe meus pensamentos. — Cam não tá aqui. E eu não sou tão burra quanto você pensa.

Admito que ela me surpreendeu. Eu achava realmente que ela nem imaginasse que eu não ia com a cara dela. Nat pode ser a melhor amiga da minha noiva, mas magoou Camryn de verdade quando a repeliu, meses atrás, e não acreditou em Camryn quando Damon, o ex de Natalie, confessou estar apaixonado por Camryn. Foi muita mancada.

Eu me afasto da mesa e cruzo os braços sobre o peito.

— Bom, já que estamos sendo francos, me diz, qual o seu problema, afinal?

Isso a pegou desprevenida. Seus olhos se arregalaram com a surpresa e depois se estreitaram. Ela parece estar mordendo a bochecha por dentro de frustração.

— Você tá falando do quê? — Ela cruza os braços e inclina a cabeça para o lado, fazendo o seu rabo de cavalo cair do outro.

— Acho que você sabe do que eu tô falando. E se não sabe, então talvez seja tão burra quanto eu penso.

Não consigo deixar de ser filho da puta assim com ela. Eu poderia ter continuado a tolerá-la indefinidamente, sem nunca dizer uma palavra negativa, mas foi ela que pôs as cartas na mesa quando se sentou. A culpa é dela, cacete.

Uma lampadinha se acendeu em sua cabeça e o brilho de seus olhos castanhos diminuiu com a compreensão. Ela sabe exatamente a que me refiro.

— Eu sei, mereço isso — ela admite, desviando o olhar. — Vou me arrepender do que fiz com Camryn pra sempre, provavelmente, mas ela me perdoou, então não sei por que você precisa ser tão babaca a respeito disso. Você nem me conhecia na época. Você ainda não me conhece.

Não, não conheço, admito, mas sei o suficiente e isso me basta. Pelo menos posso confrontar Natalie. Damon, ou sei lá qual a porra do nome dele, é outra história. Bem que eu gostaria de tê-lo sentado à minha frente no lugar dela. Nada me daria mais satisfação do que enfiar os lábios dele no meio dos dentes.

— Mas não estamos aqui pra falar de mim — ela desconversa, novamente com aquele sorrisinho —, então me deixa explicar por que pedi que você me encontrasse aqui.

Eu balanço a cabeça e deixo por isso mesmo.

— Cam e eu somos melhores amigas há muito tempo. Eu a ajudei a enfrentar a barra quando a avó dela morreu, quando Ian morreu, quando o irmão dela, Cole, matou aquele cara e foi pra cadeia. Isso sem falar quando o pai dela traiu a mãe e os dois se divorciaram. — Ela se curva sobre a mesinha. — Tudo isso aconteceu nos últimos três anos. — Ela balança a cabeça, se recosta na cadeira e cruza os braços de novo. — E essas foram só as coisas mais graves que viraram a vida dela de ponta-cabeça, Andrew. Sinceramente, acho que a sorte dela anda uma merda. — Ela levanta a mão diante do rosto e diz dramaticamente: — Oooh, mas eu não posso dizer isso pra Cam de jeito nenhum. Ela veio com três pedras na mão da última vez que tentei lhe dar algum crédito. Tô falando pra você, ela não gosta de piedade. Detesta isso. Ela tem essa mentalidade perturbada que diz que por pior que seja o que cai no colo dela, tem um monte de gente por aí que tem problemas piores. — Ela revira os olhos.

Eu sei exatamente do que Natalie está falando. Camryn tentou evitar seus problemas enquanto estava viajando comigo, então sei disso em primeira mão, mas o que Natalie não sabe é que eu ajudei Camryn a sair um pouco dessa casca. Sorrio ao pensar que consegui em menos de duas semanas o que Natalie, sua melhor amiga, por assim dizer, não conseguiu em todos os anos que as duas se conhecem.

— Por isso ela aceita e pronto — Natalie continua. — Sempre aceitou. Tô falando, ela tem muita dor, raiva, decepção e sabe Deus mais o que acumuladas, que ela nunca conseguiu processar direito. E agora, com o que aconteceu com o bebê... — ela engole em seco e seus olhos castanhos ficam pesados com a preocupação — ...tô com medo de verdade por ela, Andrew.

Eu não esperava que meu encontro com Natalie resultasse nesta preocupação profunda com a saúde e o estado mental de Camryn. Eu já estava preocupado com ela, mas quanto mais Natalie fala, pior isso fica.

— Me fala dessa terapia que ela fazia — peço. — Perguntei pra ela hoje, mas ela não quis falar disso comigo.

Natalie cruza as pernas e suspira profundamente.

— Bom, o pai conseguiu convencê-la a ir numa psiquiatra logo depois que Ian morreu. Cam ia toda semana, e parecia que tava dando resultado, mas acho que ela enganou a gente. Quem “tá melhorando” não embarca num ônibus e vai embora sem falar com ninguém, como ela foi.

— Foi o pai que convenceu Camryn a ir?

Natalie faz que sim.

— Foi. Ela sempre foi mais chegada ao pai do que à mãe. Nancy é ótima, mas às vezes é meio avoada. Quando o pai dela fez as malas, depois do divórcio, e se mudou pra Nova York com a nova namorada, acho que Cam ficou ainda mais perturbada. Mas é claro que ela jamais admitiria isso.

Eu respiro fundo e passo as duas mãos na cabeça. Me sinto culpado em ficar sabendo de tudo isso, e logo por intermédio de Natalie, mas aceito informações de onde vierem, porque pelo jeito Camryn nunca ia me contar nada.

— Ela falou alguma coisa de remédios — conto. — Falou que não ia ver psiquiatra nenhum porque eles só...

Natalie balança a cabeça e interrompe:

— É, receitaram uns antidepressivos, e ela tomou por um tempo. Depois só sei que ela admitiu que tinha parado há alguns meses. Eu nem fazia ideia.

Finalmente, vou direto ao assunto.

— Então por que você me trouxe aqui, exatamente? — pergunto. — Espero que não tenha sido só pra me contar todos os segredos dela. — Gostei de obter essas informações, mas sou obrigado a me perguntar se Natalie não está me contando só porque gosta de fofocar. Provavelmente não. Acho que ela gosta de Camryn de verdade, mas Natalie é Natalie, no fim das contas, e isso não é algo que eu possa ignorar.

— Acho que você precisa ficar de olho nela — Natalie diz, e recebe novamente toda a minha atenção. — Ela ficou deprimida pra valer depois que Ian morreu. Tipo, por muito tempo, eu nem conseguia reconhecê-la. Ela não chorou nem fez o que imagino que uma pessoa depressiva faria, não, Cam foi... — Ela levanta os olhos, pensativa, depois me olha de novo. — Ela foi estoica, se é que essa é a palavra certa. Parou de sair comigo. Parou de se importar com a escola. Não quis fazer faculdade. A gente já tinha feito todos os nossos planos pro primeiro ano da faculdade, mas quando ela caiu nessa depressão, fazer faculdade nem passava pela cabeça dela.

— O que passava pela cabeça dela?

Natalie balança a cabeça de leve.

— Não sei dizer, porque ela raramente falava disso. Mas às vezes falava de umas merdas profundas, bem esquisitas: fazer um mochilão pelo mundo, coisas assim. Não lembro todos os detalhes, mas ela definitivamente não tava vivendo na realidade, pode ter certeza. Ah, e ela falava de vez em quando que queria sentir emoções de novo. Acho esquisito alguém não conseguir sentir emoções, mas sei lá. — Ela agita a mão diante de si, afastando a ideia. Em seguida sorri para mim, e não sei ao certo como interpretar isso até que ela fala. — Mas aí você apareceu e ela voltou ao normal. Só que umas mil vezes melhor. Eu senti, naquela noite em que falei com ela enquanto vocês tavam em Nova Orleans, que alguma coisa tinha mudado. Sinceramente, nunca vi a Cam do jeito que ela é com você. — Ela faz uma pausa e diz: — Acho que você é a melhor coisa que já aconteceu pra Cam. Não me mata por tocar nesse assunto, mas se você tivesse morrido...

Espero impacientemente que ela continue, mas ela para por aí. Ela desvia os olhos e parece pronta a retirar tudo o que ia dizer.

— Se eu tivesse morrido, o quê?

— Não sei — ela responde, e eu não acredito. — Só acho que você precisa ficar de olho nela. Sei que nem é necessário dizer que ela precisa de você mais do que nunca, agora.

Não, ela não precisava me dizer isso, mas com tudo o mais que ela me contou, não consigo deixar de sentir que preciso estar com Camryn agora mesmo, e a cada minuto de cada dia. Quase odeio Natalie por me contar tudo isso, mas ao mesmo tempo, eu precisava saber.

Levanto da mesa e enfio os braços na minha jaqueta preta, depois empurro a cadeira para a frente.

— Então você vai embora assim?

Eu paro e olho para ela.

— Vou, sim — respondo, e ela fica de pé. — Acho que já sei o suficiente.

— Por favor, não conta...

Levanto a mão.

— Olha, não leve a mal, agradeço por você me contar tudo isso, mas se Camryn perguntar, vou contar que me encontrei com você aqui em particular e que você me contou tudo o que sei. Portanto, não espere que eu guarde algum segredo dela.

Suas bochechas desincham.

— Tá bom — ela diz, e pega a bolsa de cima da mesa. — Mas eu só disse isso porque tô preocupada com o que ela pode sentir se souber que eu te procurei, não porque tô preocupada porque ela pode ficar puta comigo por isso.

Balanço a cabeça. Admito que acredito nela, desta vez.

~~~

Estou na sala de estar vendo TV quando Camryn e a mãe dela chegam em casa da consulta com a ginecologista. Percebo que me sento mais reto e fico sem jeito por estar na casa da mãe dela e tudo mais. Deixo o controle remoto da TV na mesinha de centro de carvalho e me levanto para ir ao encontro de Camryn.

— Então, como foi lá? — Postura constrangida. Perguntas retóricas constrangidas. Tudo constrangido. Odeio ficar constrangido. Precisamos ter nossa própria casa logo. Ou ir pra um hotel.

Os olhos de Camryn se abrandam quando ela se aproxima de mim.

— Foi tudo bem — ela responde, beijando minha bochecha. — Consegui o que eu precisava. E o que você fez hoje? Aposto que tava todo sexy, dirigindo aquele carro moderninho de mulher por aí, hein? — O lado esquerdo de sua boca se levanta num sorriso.

Sinto meu rosto esquentando um pouco.

A mãe dela sorri discretamente para mim por trás de Camryn ao passar a caminho da cozinha. É o mesmo tipo de “sorriso discreto” de que Camryn falava hoje de manhã, aquele que grita Ela está tão frágil e lamento tanto por vocês dois. Estou começando a entender por que Camryn detesta tanto isso.

— Bom, eu não fiz muita coisa, mas suportei 15 minutos de conversa cara a cara com Shenzi no Starbucks.

— Shenzi?

Balanço a cabeça sorrindo, me lembrando das hienas de O Rei Leão, e digo:

— Deixa pra lá. Com Natalie. Ela quis me encontrar pra falar de você. Tá muito preocupada, só isso.

Camryn, aborrecida, começa a andar para o corredor que leva ao seu quarto. Eu a sigo.

— Posso até imaginar o que ela te contou — diz, entrando no quarto. Põe a bolsa e uma sacola de compras na cama. — E fico puta por ela te ligar sem me contar.

— Acho que não deveria ter ido me encontrar com ela — digo, ficando perto da porta. — Mas ela insistiu e, sinceramente, eu queria ouvir o que ela tinha pra dizer.

Ela se vira para me encarar.

— E o que você descobriu com isso?

A vaga nota de descontentamento no seu tom de voz me magoa um pouco.

— Só que você sofreu um bocado e...

Camryn levanta a mão e balança a cabeça, em reprimenda.

— Andrew, sério. Me ouve, tá? — Ela se aproxima e toma minhas mãos nas dela. — No momento, a única coisa que tá me fazendo sofrer mais é todo mundo se preocupando comigo o tempo todo. Pensa bem — a gente teve essa mesma conversa hoje de manhã. Agora olha pra mim.

Olho para ela. Lógico que eu já estava olhando.

— Eu tô chorando pelos cantos? — Não, não tá. — Quantas vezes você me viu sorrir esta semana? — Uma porção de vezes, na verdade. — Alguma vez você me ouviu dizendo alguma coisa que indicasse que eu tô sofrendo mais do que pareço? — Não, acho que não.

Ela inclina sua linda cabeça loura um pouco para o lado e passa de leve os dedos macios em volta do meu rosto.

— Quero que me prometa uma coisa.

Normalmente, eu diria “qualquer coisa” sem hesitação, mas dessa vez hesito.

Ela inclina a cabeça para o outro lado e sua mão se afasta do meu rosto.

Finalmente digo, relutante:

— Depende do que é.

Ela não discute, mas vejo a decepção em seu semblante.

— Promete que a gente vai voltar ao normal. É só isso que eu peço, Andrew. Sinto falta de como a gente era antes. Sinto falta das nossas loucuras juntos, do nosso sexo louco, das suas covinhas loucas e da sua atitude louca, vibrante, apaixonada pela vida.

— Você sente falta da estrada? — pergunto, e o brilho some do seu rosto como se eu tivesse dito algo horrivelmente errado.

Seus olhos se afastam dos meus e ela parece perdida num momento profundo e sombrio.

— Camryn... você sente falta da estrada? — Preciso da resposta a essa pergunta agora mais do que segundos atrás, por causa de sua reação inesperada.

Depois de um momento longo e silencioso ela me olha de novo e me sinto perdido em seus olhos, mas de forma desconfortável.

Ela não responde. É como se... não conseguisse.

Sem saber o que se passa em sua cabeça e ansioso para descobrir, digo finalmente:

— A gente pode viajar, agora. — Eu coloco as mãos em seus antebraços. — Talvez isso seja exatamente o que você... isto é, o que a gente precisa. — À medida que a ideia se forma na minha língua, fico cada vez mais empolgado só de pensar nela. Camryn e eu. Na estrada. Vivendo livres e no presente, como tínhamos planejado. Percebo que estou com um sorriso enorme, com o rosto iluminado pelo entusiasmo. Puta merda! Sim, é isso que a gente precisa fazer. Por que não pensei nisso antes?

— Não — ela diz em tom neutro, e sua resposta me arranca do meu êxtase sonhador.

— Não? — Mal posso acreditar ou entender.

— Não.

— Mas... por que não? — pergunto, e ela se afasta casualmente de mim. — Não temos mais nenhum motivo pra esperar.

Entendo nesse mesmo segundo o motivo por trás de sua resposta. Mas não preciso tocar no assunto, porque ela faz isso por mim.

— Andrew — ela começa, com a expressão comovida pelo remorso —, se a gente fizesse isso, ficaria sempre no fundo da minha mente que era uma coisa que a gente tava adiando por causa da bebê. Não ia parecer certo fazer isso agora. Nem por um tempo. Um longo tempo.

— Tá — concordo, e me aproximo dela. Balanço a cabeça e sorrio com ternura, esperando fazê-la entender que em tudo o que ela quiser fazer, ou não fazer, estarei totalmente do lado dela.

— Então, que tipo de síndrome bipolar Natalie me atribuiu hoje? — Ela ri com um suspiro, vai até a sacola de compras que trouxe e enfia a mão dentro.

Rio também e me deito na largura da sua cama, com as pernas para fora e os joelhos dobrados.

— Alerta amarelo. O nível mais baixo possível. Mas ela mesma se atribuiu um alerta vermelho. — Viro a cabeça para o lado para olhá-la. — Mas isso com certeza você já sabia.

Ela sorri para mim, puxa um monte de calcinhas da sacola e começa a tirar as etiquetas adesivas do tecido.

— Bom, aposto que ela encheu sua cabeça de minhocas, dizendo que passei por uma fase depressiva, e falou tudo sobre a “merda” — ela faz as aspas com os dedos — que a minha sorte anda sendo. — Ela aponta para mim, fechando um pouco um dos olhos. — Mas é isso. Foi uma fase. Eu superei. Além disso, quem não passa por mortes de parentes, divórcios e separações? É ridículo que...

— Amor, o que eu falei pra você? Lá em Nova Orleans?

— Você me falou muita coisa. — Ela joga as etiquetas no cestinho de lixo.

— Que a dor não é uma competição, porra.

— Sim, lembro. — Ela começa a recolher as calcinhas da cama, mas eu tiro algumas da pilha antes que ela consiga. Seguro uma rosada de renda diante de mim e ponho as outras duas no meu peito.

— Cacete, gostei desta — comento, e ela a arranca dos meus dedos.

— De qualquer forma — ela continua, enquanto pego as outras duas e faço o mesmo —, não quero mais falar disso, tá? — Então ela arranca as últimas calcinhas das minhas mãos, vai até a primeira gaveta da cômoda e enfia todas lá dentro.

Camryn volta para mim e sobe no meu colo, com os joelhos enterrados nos cobertores sobre a cama. Esfrego as mãos nas coxas dela, dos lados do meu corpo.

— Quero sair hoje à noite — ela declara. — O que você acha?

Aspiro ar entre os dentes, pensativo, antes de dizer:

— Combinado, então. Aonde você quer ir?

Ela sorri docemente para mim, como se já tivesse pensado muito nesse passeio hoje. Adoro vê-la sorrir assim. E é totalmente real, porra, então talvez Natalie esteja exagerando, no fim das contas.

— Bom, achei que a gente podia ir pro Underground com Natalie e Blake.

— Peraí, não foi nesse lugar que aquele babaca te beijou no terraço?

— Sim — ela responde, meio cantando. Cacete, se ela não parar de rebolar no meu colo assim... — Mas aquele “babaca” vai ficar um ano na cadeia. E Natalie quer muito que a gente vá. Ela me mandou uma mensagem de texto perguntando antes de eu chegar aqui.

— Tem certeza de que ela não tá tentando te puxar o saco por causa do peso na consciência?

Camryn dá de ombros.

— Pode ser, mas vai ser divertido mesmo assim. E vai ser legal ver uma banda ao vivo em vez de subir no palco, pra variar.

Ela se deita no meu colo, e eu agarro seu traseiro perfeito com as duas mãos e aperto. Ela me beija, e eu levanto as mãos e abraço seu corpo com força.

— Tudo bem — aceito docemente quando o beijo acaba e seus lábios ficam a centímetros dos meus. Passo os dedos no cabelo dela e seguro sua cabeça pelas bochechas. — Que seja o Underground. E amanhã vou voltar pro Texas e começar a fazer as malas.

— Espero que você não fique chateado por eu não ir.

— Por mim, tudo bem. — Beijo a testa dela. — Sabe, você não me respondeu se vai sair com Natalie pra procurar um apartamento.

Ela se levanta, endireitando as costas, e em seguida segura minhas mãos, entrelaçando os dedos nos meus.

— Eu vou chegar lá — ela diz sorrindo. — Um passo de cada vez e, no momento, o próximo passo é me arrumar pra sair à noite.

Balanço a cabeça, sorrindo para ela, e então aperto suas mãos e a puxo para mim de novo.

— Você é a coisa mais importante do mundo pra mim — sussurro em seus lábios. — Espero que nunca se esqueça disso.

— Nunca vou esquecer — ela sussurra em resposta, e mexe seus quadris delicadamente no meu colo. Então ela roça meus lábios com os dela e diz, antes de me beijar: — Mas se um dia eu esquecer, seja por que motivo for, espero que você encontre sempre um jeito de me fazer lembrar.

Eu estudo sua boca e depois suas bochechas, apertadas entre meus polegares.

— Sempre — digo, e a beijo com intensidade.


10

JÁ FAZ UM tempo desde que fui pra uma balada num clube como o Underground pela última vez. Cacete, só tenho 25 anos, e esse lugar me fez sentir velho. Acho que passar a maioria das noites em lugares mais calmos, como o Old Point, me fez esquecer que existe heavy metal. Ei, gosto de heavy metal, mas ainda prefiro o som das antigas. Camryn e eu passamos a noite com Blake e Natalie, ouvindo uma banda que se autodenomina Sixty-Nine — quanta originalidade — soltando uma nota estridente e desafinada após a outra na guitarra, enquanto o vocalista grunhia no microfone como um alce no cio.

Mas a galera parecia gostar. Ou talvez fosse porque a maioria estava bêbada ou chapada. Provavelmente as duas coisas.

Eu deveria estar bêbado, mas concordei em ser o motorista da rodada. E por mim, tudo bem. Eu queria que Camryn tomasse todas e se divertisse. Ela estava precisando. E fico orgulhoso por tentar, porque meio que esperava que ela se recusasse a fazer qualquer coisa ainda por um longo tempo. Também estou sofrendo com a perda de Lily, mas Camryn ainda está aqui e é ela que importa agora.

O ar frio de novembro é uma sensação boa depois de ficar metido naquele galpão quente e enfumaçado por três horas.

— Você consegue andar? — pergunto a Camryn, andando ao lado dela, segurando-a firmemente pela cintura.

Ela apoia a cabeça no meu ombro e enfia as mãos nas mangas do casaco.

— Tô bem — ela responde. — Você me parou na hora certa, desta vez, por isso não precisa se preocupar em me levar no colo o resto do caminho, como naquela noite em Nova Orleans. — Sinto sua cabeça virando para me olhar, e olho rapidamente para ela, tentando também ver por onde ando na calçada escura. — Você se lembra daquela noite, não lembra?

— Claro que me lembro. — Eu aperto mais a cintura dela. — Não faz tanto tempo, e além disso, mesmo que fizesse, eu jamais poderia me esquecer daquela noite, ou de qualquer outra noite com você, aliás.

Ela sorri para mim e também olha para a frente.

— Você é muito inesquecível — acrescento, sorrindo rapidamente para ela.

— Acordei uma vez naquela noite — ela conta, enterrando a cabeça no calor do meu braço. — Vi a privada ao meu lado e me perguntei como fui parar lá. Aí senti o seu corpo atrás de mim, o seu braço na minha cintura, e não quis levantar. Não porque eu ainda estivesse meio bêbada e com minha cabeça como se tivesse passado num triturador de papel, mas porque você tava comigo.

— É, eu lembro... — me perco naquela lembrança por um momento.

Andamos agarradinhos na noite fria por dez minutos até chegar ao posto de gasolina e ao terreno baldio onde o carro está estacionado. Ligo o aquecimento no máximo e dirijo o carro de mulherzinha de volta para a casa da mãe de Camryn, querendo que tivéssemos ficado num hotel todo esse tempo, e quando paro na garagem, vejo o carro da mãe dela parado na frente da casa. Gosto de Nancy, mas também gosto de poder andar pela casa de cueca, ou pelado, sem ter que me preocupar com uma plateia.

Ajudo Camryn a sair do carro e a levo para dentro, com o braço ainda na cintura só para o caso de a bebida fazer ainda mais estrago. Mas ela está bem. Bastante embriagada, mas bem. Tranco a porta atrás de nós, e Camryn imediatamente tira o casaco e o joga no canto do hall. Faço o mesmo.

A casa está em silêncio, e as únicas luzes acesas são o discreto brilho laranja da luzinha noturna no corredor e de uma lâmpada sobre o balcão da cozinha.

Camryn me surpreende quando suas mãos deslizam pelo meu peito e ela aperta meu abdômen com força com os dedos, me empurrando para a parede do hall. Ela enfia a língua na minha boca e eu a mordo de leve, mordendo também seu lábio inferior antes de beijá-la. Sua mão direita desce para o botão do meu jeans e ela o abre com facilidade, puxando o zíper para baixo em seguida. Eu a beijo com mais força e gemo em sua boca quando ela enfia a mão na minha cueca e me agarra.

Meu Deus, faz tanto tempo, porra...

Ela se aperta contra mim com mais força, me empurrando na parede.

Interrompo o beijo só o tempo suficiente para dizer:

— Quero você pra caralho, mas pelo menos vamos pro seu quarto.

O beijo fica mais ardente e então ela diz, com os lábios ainda colados aos meus:

— Minha mãe não tá aqui. — Ela morde meu lábio com força, o bastante para machucar, mas isso me deixa ainda mais louco por ela. — Ela foi trabalhar com o carro do Roger esta noite.

Esmago minha boca contra a dela e a ergo nos braços para levá-la pelo corredor até o quarto. Não conseguimos chegar a tempo, e ela já tirou minha camisa antes que eu passasse com ela pela porta e a jogasse sobre o colchão. Arranco o resto de suas roupas, deixando só a calcinha. Ela se senta na borda da cama e termina de tirar meu jeans e minha cueca. Subo nela, apoiando o peso do corpo num punho enterrado no colchão, enquanto a acaricio com a outra mão, passando o dedo em seus lábios úmidos por cima do tecido da calcinha. Camryn se retorce embaixo de mim, fechando os olhos e afundando a cabeça no colchão, fazendo seus seios se levantarem na minha frente.

Levanto da cama e tiro a calcinha dela com dois dedos. Beijo a parte de dentro de suas coxas e não consigo me impedir de enfiar a cabeça no meio das pernas tão rapidamente, porque não pude fazer isso por ela pelo que parece uma eternidade. Eu não a provoco mais. Não faço isso porque já está me deixando louco.

Eu a lambo furiosamente, e ela tenta deslizar pela cama, fugindo da minha boca. Camryn agarra os lençóis acima de si até que sua cabeça sai da cama pelo outro lado. Eu a seguro firme no lugar com as mãos ao redor de suas coxas, meus dedos enterrados na sua pele. Chupo seu clitóris com mais força ainda, até que ela não aguenta mais e suas coxas tentam se fechar ao redor da minha cabeça.

Percebo que ela está para gozar quando puxa meu cabelo de repente e me força a tirar a boca.

Olho a geografia suave do seu corpo do meio de suas pernas e vejo que ela está me olhando. Ela enfia mais os dedos no meu cabelo. Eu espero, me perguntando o que ela está pensando, me perguntando por que me fez parar.

É como se ela estivesse esperando por algo, mas não sei ao certo o quê. No momento, só consigo pensar em penetrá-la. Preciso de uma força de vontade do caralho para me conter, para não virá-la de costas e colocá-la de quatro à força, para não puxar seu cabelo até machucá-la, para...

Camryn inclina a cabeça para o lado e me olha, me estuda como se estivesse esperando meu movimento seguinte. Estou hipnotizado pelo seu rosto. Há algo enigmático e frágil nele que nunca vi antes. Então ela me afasta da borda da cama, e instintivamente me deito de costas. Ela desliza pelo meu corpo, beijando minha barriga, minhas costelas e meu peito enquanto sobe, posicionando-se em cima de mim. Um gemido baixo ecoa sem controle pelo meu peito só de sentir seu calor e sua umidade. Ela sorri para mim, doce, inocente, embora eu saiba que não é nada disso. E então ela me segura com a mão, e sinto meus olhos virando para dentro da porra da minha cabeça quando ela me põe dentro de si e desliza em cima de mim tão lentamente que é uma tortura.

Eu deixo ela me foder pelo tempo que quiser, mas preciso de todas as minhas forças para não gozar antes dela. E naquele último segundo, algo acontece que nunca previ, e fico mentalmente em pânico, esperando que ela não perceba quando preciso tomar numa fração de segundo a decisão vital de gozar fora ou não.

Camryn

Meu coração está batendo tão rápido. Estou sem fôlego e o suor goteja da minha testa mesmo no ar fresco dentro do quarto. Quando começo a gozar, Andrew, numa espécie de pânico confuso, puxa para fora. Isso me surpreende um pouco, mas não deixo que ele perceba. Em vez disso, me curvo para a frente, mal encostando meu peito no dele, e deslizo minha mão para cima e para baixo ao redor do seu membro.

Depois, desabo completamente em cima dele, com a bochecha encostada em seu peito, os joelhos ainda dobrados do lado do seu corpo, a cavalo sobre seu colo. Ouço seu coração batendo rapidamente em meu ouvido. Ele abre os braços dos dois lados da cama e recupera o fôlego antes de me envolver neles. Sinto seus lábios encostando no meu cabelo.

Fico deitada ali, pensando. Penso no que acaba de acontecer e no que não aconteceu. Penso em como seu cheiro é bom e como sua pele é quente contra a minha. Penso em como ele ficou manso. Tudo porque ele tem medo de me machucar, física, emocional, até espiritualmente, é provável, se isso fosse possível. E eu o amo por isso. Eu o amo pelo tanto que ele retribui meu amor, mas espero que não continue tão protetor assim comigo para sempre.

Por enquanto, vou deixá-lo em paz nesse aspecto. Acho que preciso provar que sou a mesma antes que ele consiga baixar a guarda perto de mim. E eu respeito isso.

Levanto a bochecha do peito dele e sorrio diante de seus olhos.

Eu me pergunto se ele vai tentar se explicar, me dizer por que gozou fora, talvez dizer que ele não sabia ao certo se devia ou não. Mas ele não se explica. Talvez esteja esperando por mim. Mas eu também não digo nada a respeito.

Para quebrar o silêncio entre nós e cancelar um pouco da incerteza no ambiente, mexo alegremente meus quadris em cima dele e rio um pouco.

— Você precisa deixar que eu me recupere antes, amor. — Andrew sorri para mim e dá dois tapinhas no meu traseiro.

Solto um grito exagerado, fingindo sentir alguma dor, e então rebolo um pouco mais em cima dele.

— É melhor você parar — ele me avisa, suas covinhas se aprofundando nas bochechas.

Eu rebolo de novo.

— Acha que eu tô brincando? Faz isso de novo e vai se arrepender.

Claro que eu faço de novo e me preparo mentalmente para o que quer que ele planeje fazer para me ensinar uma lição.

Ele enfia as mãos entre nós e segura meus dois mamilos com os dedos, apertando só o suficiente para me deixar paralisada de medo de me mexer abruptamente demais e correr o risco de vê-los arrancados.

— Aaaiii! — Solto uma gargalhada e seguro suas mãos, mas ele aperta um pouco mais quando tento tirá-las.

— Eu avisei — ele diz, balançando a cabeça para mim, fazendo uma cara séria que me impressiona, de tão convincente. — Você devia ter escutado.

— Por favor, por favor, por favor, soltaaaa!

Ele passa a língua pelos lábios e diz casualmente:

— Você vai se comportar?

Balanço a cabeça rapidamente umas dez vezes.

Ele aperta aqueles olhos verdes demoníacos, me dando corda.

— Jura?

— Juro pela alma do meu falecido cachorro, Beebop!

Ele aperta meus mamilos uma última vez, me fazendo cerrar os dentes e fazer uma careta, antes de soltar. E então se endireita na cama e põe minhas pernas ao redor da sua cintura. Ele se curva e passa a ponta da língua de leve nos meus seios, beijando-os em seguida.

— Tá melhor? — ele pergunta, me olhando nos olhos.

— Melhor — murmuro. Então ele beija meus lábios e faz amor comigo suavemente antes de pegarmos no sono, abraçadinhos, depois das três da manhã.


11

ACHEI QUE EU fosse ter uma ressaca muito pior hoje de manhã. Noite passada foi a primeira vez que bebi em meses, mas não estou reclamando. Viro para o lado, e quando vejo o relógio perto do meu rosto marcando uma hora e meia depois da hora em que Andrew deveria estar no aeroporto, arregalo os olhos e salto da cama.

— Andrew! — digo, sacudindo-o para acordá-lo.

Ele resmunga e vira para o outro lado, mal abrindo os olhos. Ele estende o braço e tenta me enterrar no colchão para voltar a dormir, mas eu o afasto.

— Levanta. Você perdeu o avião.

A única parte do corpo dele que se move são os olhos, ficando arregalados como os meus, e quando ele cai na real, o resto do corpo os segue.

— Porra! Porra! Porra! — Ele se levanta e fica de pé no meio do quarto, nu.

Nunca me canso de olhar para ele — nu ou vestido, tanto faz. Como acabei ficando com ele é algo que desafia a minha compreensão até hoje. Ele leva as mãos ao rosto e alisa o cabelo, parando com as mãos na nuca, seus braços rijos com músculos bem definidos. E então um longo suspiro de derrota desinfla o seu peito.

— Vou ter que pegar um voo mais tarde.

Saio da cama e pego meu roupão do chão para ir até o chuveiro.

— Não que eu me incomode em ficar aqui com você mais algumas horas — ele diz, chegando por trás de mim.

— Não sei, Andrew. — Enrolo o roupão no meu corpo e o amarro na frente. — Eu tava meio ansiosa pra me livrar de você. — Estou sorrindo muito, de costas para ele.

O silêncio inunda o quarto.

— Tá falando sério?

Sua voz embasbacada torna impossível não rir. Eu me viro e beijo seus lábios.

— Não, cacete, não tô falando sério. Talvez eu tenha desligado o despertador noite passada. Talvez eu tenha planejado tudo isto.

Seu sorriso aumenta, ele me beija e dá a volta na cama para achar sua cueca.

— Foi você? — ele pergunta, vestindo a cueca.

— Não, não fui. Mas é uma boa ideia. Vou lembrar pra próxima vez. Quer tomar uma ducha comigo?

Naquele instante, alguém bate na porta do meu quarto. Sabendo que provavelmente é a minha mãe, Andrew fica um pouco mais tenso e se senta na cama para cobrir a parte de baixo do corpo com o cobertor.

Abro a porta e vejo minha mãe, com seu glorioso cabelo oxigenado, de pé ali. Ela está usando uma blusa de abotoar rosa-claro e blush rosa nas bochechas para combinar.

— Tá acordada? — ela pergunta.

Não, mãe, tô tendo um ataque de sonambulismo. Ela é engraçada, às vezes.

Noto que ela olha de relance para Andrew. Ela sempre manifestou sua preocupação com a possibilidade de eu engravidar de novo, mas claro que não pode esperar que não façamos sexo. É o que ela quer, mas, até parece, não vai acontecer.

Ela sorri fracamente para mim e pergunta:

— Quer ir comigo pra casa da Brenda hoje?

Definitivamente não. Adoro a tia Brenda, mas não a ponto de sufocar até a morte em sua casa cheia de fumaça de cigarro.

— Não, já fiz planos com Natalie.

Na verdade, não fiz plano nenhum, mas sei lá.

— Ah, tudo bem. Bom... — Ela olha de relance para Andrew de novo, e de novo para mim. — Ele não ia pro Texas hoje de manhã?

Eu aperto o cinto do roupão e cruzo os braços.

— Pois é, a gente dormiu demais, mas ele vai pegar outro voo mais tarde.

Minha mãe balança a cabeça e olha para ele mais uma vez. Ela sorri de leve e ele faz o mesmo. Constrangedor. Ela gosta muito de Andrew, mas definitivamente não está acostumada a ter um cara dormindo comigo no meu quarto, mesmo que ele já esteja aqui comigo há duas semanas. Se eu não tivesse quase 21 anos e não estivesse noiva dele, ele certamente nem estaria aqui. Ao mesmo tempo, ela sabe que nos amamos, e depois do que aconteceu com o bebê, quer que ele esteja aqui para me apoiar. Mesmo assim, é constrangedor. Para todos nós. É, Andrew e eu vamos ter mesmo que arranjar um lugar só nosso.

Um lugar só nosso... aqui em Raleigh. Sinto algo pesado no meu peito, de repente.

Minha mãe finalmente nos deixa a sós, e eu olho para Andrew, todo desconfortável com o lençol no colo e o cenho franzido.

— Ducha comigo? — pergunto de novo, mas posso ver que ele já não quer mais.

Ele se encolhe.

— Acho que vou tomar banho depois de você.

Eu rio um pouco de seu constrangimento adolescente, e então abrando meu rosto.

— Vou procurar uma casa neste fim de semana. Prometo.

Ele fica de pé.

— Se quiser que eu procure com você, é só dizer. Só sugeri Natalie pro caso de você querer fazer alguma coisa na minha ausência. Sabe, pra ter uma opinião feminina sobre tapeçarias, padrões de cores, essas merdas.

Eu rio alto.

— Não vou escolher tapeçaria nenhuma. Cortinas, talvez, mas tapeçarias são pra decoradores de interiores e peruas ricas.

Ele balança a cabeça para mim quando saio do quarto e vou para o banheiro no fim do corredor.

Me sinto como o médico e o monstro. O tempo todo. Quando estou diante de Andrew, uso minha cara feliz, mas não como se estivesse fingindo. Eu fico feliz. Acho. Mas assim que fico sozinha de novo, é como se eu me tornasse outra pessoa. Sinto que alguém invisível está sempre de pé atrás de mim, apertando a porra de um interruptor no meu cérebro. Desligado. Ligado. Desligado. Ligado. Des... não, ligado.

Eu me sento no fundo da banheira com os joelhos encolhidos contra o peito, e deixo a água quente correr sobre meu corpo por uma eternidade. Penso no apartamento inevitável que vou acabar encontrando, em como me diverti no Underground noite passada, na roupa suja que preciso lavar, e em como o logotipo está começando a sumir no sabonete. Quando a água começa a esfriar, a mudança de temperatura me acorda o suficiente do meu estranho delírio para notar há quanto tempo estou ali. Nem me depilo antes de desligar a água e sair, evitando de propósito o tapetinho do banheiro porque odeio a sensação dele sob meus pés. Jogo uma toalha limpa em cima dele e fico parada ali, me olhando no espelho. Distraidamente, começo a contar os respingos de pasta de dente no vidro. Paro no catorze.

Abrindo a caixinha de remédios, remexo nos frascos e tubos de coisas procurando o Advil. Por sorte, minha ressaca, por assim dizer, só requer um par de comprimidos para dor de cabeça. Quando o encontro, preciso tirar o frasco de trás de alguns frascos alaranjados de remédios controlados, e então paro. Pego um dos remédios e leio o rótulo. Percocet 7,5 — Um comprimido a cada seis horas conforme a necessidade para a dor — Nancy Lillard. Nem imagino por que minha mãe tem um frasco de analgésico, que obviamente ainda não tomou, mas ela tem dores nas costas já há algum tempo, então talvez tenha finalmente ido ao médico. Ou vai ver que mamãe, que é enfermeira licenciada, entrou pro mundo do crime e está se beneficiando de seu acesso privilegiado a remédios vendidos com receita.

Nah. Não deve ser isso, considerando que o frasco foi comprado há um mês e ainda está cheio. Ela é a mesma velha mãe que conheci toda a minha vida, que não gosta de tomar nada pra dor além dos inofensivos analgésicos vendidos sem receita.

Quando vou devolver o frasco, me vejo parando antes que ele esteja no lugar. Acho que não vai fazer mal. Eu estou com dor de cabeça, e dor de cabeça é dor, certo? Certo. Empurro a tampa de segurança para baixo e giro e jogo um comprimido na palma da mão. Eu o engulo com um pouco de água da torneira, me enxugo e enrolo o cabelo na toalha depois. Vestindo novamente o roupão, eu o amarro e volto para o meu quarto para me vestir. Ouço Andrew falando na cozinha, mas seu tom relaxado revela que não está falando com minha mãe. Deve estar falando ao telefone. Quando o ouço mencionar o nome de seu irmão Asher, me convenço de que minha hipótese estava correta e me visto.

Eu ia ter que encher a Natalie de porrada se fosse ela de novo. Ela precisa parar com isso de se preocupar e conspirar pelas minhas costas com Andrew.

Depois de pentear o cabelo úmido, vou para a cozinha ficar com ele.

— Eu sei, mano, mas acho que não é boa ideia no momento — ouço Andrew dizer, e fico um pouco para trás para não me intrometer rápido demais. — É. É. Não, ela tá melhor. Com certeza não tá tão arrasada quanto na primeira semana. Hã-hã. — Estico o pescoço e o vejo de pé perto do balcão, com o celular encostado num ouvido e a outra mão sobre o tampo. Ele balança a cabeça de vez em quando, ouvindo quem está do outro lado, que imagino ser Aidan. Acerto de novo quando ele diz: — Fala pra Michelle que agradeço o convite. Talvez a gente faça uma visita daqui a um mês ou dois, depois que Camryn tiver tempo pra... Não, talvez na primavera. Faz um frio da porra em Chicago no inverno. — Andrew ri e diz: — De jeito nenhum, mano, por que você acha que eu prefiro o Texas? — Ele ri de novo. Finalmente eu entro na cozinha e ele me vê.

— Eu quero ir — anuncio.

Andrew apenas me olha por um momento, e então interrompe Aidan.

— Só um segundo. — Ele cobre o microfone com a palma da mão. — Você quer ir pra Chicago? — Ele parece levemente surpreso.

— Claro — eu digo, sorrindo. — Acho que vai ser divertido.

De início, ele parece estar processando algo mentalmente. Talvez não acredite em mim, ou então está apenas considerando a ideia e só consegue ver vento e neve. Mas então seu rosto se ilumina e ele começa a balançar a cabeça lentamente.

— Tá — ele diz, hesita, e então encosta novamente o celular no ouvido. — Aidan, te ligo daqui a pouco, tá? Sim. Tá. Até mais.

Andrew passa o dedo na tela do celular e desliga. Então olha para mim novamente.

— Tem certeza? Pensei que quisesse ficar aqui por um tempo.

Eu entro na cozinha e pego uma garrafa de suco de laranja da geladeira.

— Não, tenho certeza — respondo, tomando um gole. — Parece que foi ideia de Michelle.

Ele balança a cabeça.

— Sim, Aidan disse que ela tá preocupada com você. Se ofereceu pra hospedar a gente por uns dias, se quiséssemos fazer uma visita.

Tomo mais um gole e deixo a garrafa sobre o balcão.

— Preocupada comigo? Bom, é legal da parte dela e tudo mais, mas espero que não estejamos indo pra lá pra eu me ver na mesma situação em que estou com a Natalie aqui.

Andrew balança a cabeça negativamente.

— Não, Michelle não é assim. — Ele repete o comentário para dar mais ênfase à toda a verdade que ele contém. — Michelle não é nada parecida com Natalie.

— Não foi isso que eu quis dizer, Andrew.

— Eu sei, eu sei — ele diz —, mas é sério, ela é legal.

Conhecendo Michelle como conheço, sei que ele tem razão.

Então aquele comprimido me atinge do nada, e de repente sinto como se minha cabeça se soltasse dos ombros. Meu corpo todo, da ponta dos pés ao alto da minha cabeça, está formigando, e levo um segundo para voltar a enxergar direito. Minha mão se apoia na borda do balcão instintivamente para me segurar.

— Uau. — Engulo em seco e pisco os olhos algumas vezes com força.

Andrew me olha com uma expressão curiosa.

— Você tá bem?

Um sorriso se abre tanto no meu rosto que sinto o ar do ambiente tocando meus dentes.

— Tô, eu tô ótima.

Ele inclina a cabeça para um lado.

— Bom, não vejo você sorrir assim desde que pus essa aliança no seu dedo. — Ele também está sorrindo de leve, mas ainda dominado pela curiosidade.

Levanto o dedo diante do rosto e admiro meu anel de noivado, que custou menos de cem pratas e provavelmente nem é considerado um anel de noivado por candidatas a noivas de todo o país. Eu o vi numa lojinha no Texas, um dia, e falei rapidamente que era bonito:

— Adoro este — falei, levantando-o para a luz do sol no ângulo certo. — É simples e tem alguma coisa especial nele.

Eu o devolvi para a mulher do quiosque improvisado, e ela o pôs de volta no balcão de vidro entre nós.

— Como assim, você não é dessas que acham que o diamante é o melhor amigo de uma garota? — Andrew perguntou. — Não quer uma aliança com uma pedra tão grande que vai precisar carregá-la num carrinho de mão?

— De jeito nenhum — respondi, rindo. — Um anel assim não tem nada de significativo. Normalmente, só importa o preço. — Saímos da joalheria e andamos pela calçada. — Você mesmo já disse isso, lembra?

— O que que eu disse?

Eu sorri e enfiei a mão na dele quando chegamos à esquina e viramos à esquerda rumo ao café.

— O simples é sexy. — Eu apoiei a cabeça no ombro dele. — Foi naquele dia, na casa do seu pai, quando você me passou um sermão explicando por que eu não devia passar uma hora me maquiando e fazendo o cabelo ou algo assim.

Olhei para cima e o vi sorrindo, perdido na lembrança daquele dia, e então ele me puxou mais para perto.

— É, eu disse isso, não disse? “O simples é sexy.” Bem, é.

— Também é lindo — eu disse.

No dia seguinte, Andrew chegou em casa com aquele mesmo anel e o mostrou para mim. Então, no seu peculiar estilo, ele dobrou um joelho à moda antiga, só que um pouco mais dramático do que normal:

— Camryn Marybeth Bennett, a mulher mais bonita do planeta Terra e mãe do meu bebê, me concede a honra de ser minha esposa?

Eu sorri e olhei para ele de lado, meio desconfiada, e disse:

— Só do planeta Terra?

Ele piscou e disse:

— Bom, eu ainda não vi as garotas dos outros planetas.

Nenhum de nós conseguiu resistir a uma risada. E assim, rimos juntos. Mas então ele ficou bem sério, e essa sua mudança de humor provocou a mesma coisa em mim.

— Quer casar comigo? — ele perguntou.

As lágrimas escorrendo do meu rosto. O beijo longo e profundo que dei nele, que fez nós dois cairmos sobre o tapete, disse sim um milhão de vezes.

Claro que ele me pedira em casamento naquele dia em que eu disse que estava grávida, mas nesse dia ele fez do jeito certo, e nunca vou me esquecer disso enquanto viver.

— Você ainda tá viva?

Andrew agita a mão diante do meu rosto.

Eu volto do passado e acordo novamente no presente, mais chapada que a porra de um misto quente com aquele comprimido. E percebo imediatamente que preciso recuperar minha compostura, para que ele não saiba o que está acontecendo.


Andrew


12

ACHO QUE AS mudanças de humor continuam por um tempo mesmo depois... bom, depois da gravidez. Camryn passou de normal a saltitante de alegria em menos de uma hora. Mas parece que ela está feliz, e quem sou eu para julgar como ela decide manifestar isso?

Mas o fato de ela querer repentinamente sair de Raleigh e ir a algum lugar completamente diferente, mesmo que só por um fim de semana, é estranho para mim, e preciso perguntar:

— Por que assim tão rápido? Quero dizer, eu tô a fim de ir, se você quiser, mas pensei que você quisesse ficar aqui, encontrar um apartamento e tudo mais?

— Bom, eu quero... — ela diz, de forma pouco convincente. Ela continua sorrindo vagamente, e eu acho isso esquisito pra cacete. — Só acho que a gente devia ir visitá-los enquanto podemos, porque depois que eu arrumar emprego aqui, ter tempo livre no fim de semana não vai ser garantido.

Ela levanta as mãos perto da barriga e as junta, passando os dedos de uma sobre a outra, como se estivesse pouco à vontade.

— Você tá... — Eu me interrompo. Não vou fazer exatamente o que ela disse que queria que todos nós parássemos de fazer: ficar constantemente preocupado com ela e perguntando se ela está bem o tempo todo. Em vez disso, sorrio e digo: — Vou ligar de volta pro Aidan e dizer pra ele e pra Michelle que vamos pra lá neste fim de semana.

Espero ela concordar com a data, ou não, e quando ela não diz nada, acrescento:

— Então quer dizer que nem adianta eu ir pro Texas pegar nossas coisas antes da gente voltar de Chicago. — Na verdade, era mais uma pergunta. Preciso admitir que toda essa incerteza sobre onde iremos no dia seguinte está começando a me deixar zonzo. É diferente de quando estávamos na estrada, vivendo o presente e definindo a palavra espontâneo. Pelo menos, então, era nosso objetivo não saber o que o dia seguinte traria. No momento, não sei ao certo o que está acontecendo.

Ela balança a cabeça e puxa uma cadeira na cozinha, onde ela nunca se senta, a não ser quando está comendo no café da manhã. Parece que ela precisa se sentar.

— Peraí — digo de repente. — Você concorda em arranjar um apartamento? A gente pode procurar uma casinha em algum lugar. — Acho que essa é minha maneira de pescar respostas sobre o que ela tem de errado sem realmente perguntar: Qual o seu problema?

Ela balança a cabeça.

— Não, Andrew, não me importo em morar num apartamento. Isso não tem nada a ver com nada. Além disso, não vou deixar que você gaste sua herança numa casa num estado que você não escolheu.

Eu puxo a cadeira ao lado dela e me sento com os braços sobre a mesa, na minha frente. Olho para ela daquele jeito que diz: “Você sabe que não me importo.”

— Eu vou aonde você for. Você sabe. Contanto que não queira comprar um iglu no Ártico nem mudar pra Detroit, não me importa. E vou fazer o que eu quiser com minha herança. E também, o que mais eu poderia fazer com a grana, além de comprar uma casa? É isso que as pessoas fazem. Compram coisas grandes com dinheiro grande.

Temos 550 mil dólares parados no banco, o dinheiro que herdei do meu pai quando ele morreu. Meus irmãos receberam a mesma quantia. É muita grana, e eu sou um cara simples. O que mais eu poderia fazer com essa fortuna, cacete? Se Camryn não existisse na minha vida, eu estaria morando numa casinha modesta de um quarto em Galveston, sozinho, comendo macarrão instantâneo e comida congelada. Minhas pequenas contas seriam pagas, e eu ainda trabalharia pra Billy Frank porque gosto do cheiro de motor. Camryn é muito parecida comigo nesse sentido da frugalidade, e isso torna o nosso relacionamento meio que perfeito. Mas me incomoda, às vezes, como ela simplesmente parece não conseguir aceitar o fato de que meu dinheiro é dela também. Não me deixou nem pagar a fatura do cartão que ela usou na viagem de ônibus quando a gente se conheceu. Seiscentos dólares no cartão que o pai dela lhe deu para emergências. Mas ela insistiu — muito teimosamente — em pagar sozinha. E fez isso com sua metade do que faturamos tocando no Levy’s.

Se tem uma coisa que me incomoda nela é só essa questão. Tomar conta dela é o que vou fazer, porra, quer ela goste ou não. E ela vai ter que aceitar.

— Vamos só passar uns dias em Chicago, e na volta a gente procura uma casa. Juntos.

Eu me levanto e empurro a cadeira, como que para dizer: Isso não está em discussão.

Ela parece surpresa, mas não de um jeito bom, e o sorriso esquisito sumiu de seu rosto.

— Não, se a gente vai comprar uma casa, vou economizar...

Eu agito as mãos no ar diante de mim.

— Para de ser tão teimosa, porra. Se você tá tão preocupada com “sua metade” da grana, pode sempre me pagar com sexo e um striptease de vez em quando.

Ela abre a boca e arregala os olhos.

— Como é que é?! — Ela ri ao mesmo tempo que tenta, sem sucesso, ficar ofendida. — Não sou uma piranha! — Ela se levanta e bate de leve com a palma da mão sobre a mesa, mas acho que é mais para manter o equilíbrio do que para protestar.

Eu sorrio e começo a me afastar.

— Ei, foi você quem pediu. — Chego até a porta da sala, e quando olho por cima do ombro, vejo que ela continua imóvel, provavelmente ainda em choque. — E você é o que eu quiser que você seja! — Grito enquanto me afasto. — Não tem nada de errado em ser a minha piranha!

Eu a vejo de relance correndo na minha direção. Saio correndo pela sala, saltando sobre as costas do sofá feito a porra de um ninja, e saio pela porta dos fundos da casa com ela no meu encalço. Seus gritos e risadas esganiçadas enchem o ar enquanto ela tenta me alcançar.

~~~

Nosso avião pousa em O’Hare no fim da tarde de sexta. Graças a Deus, não tem uma montanha de neve no chão. Retiro o que falei a Camryn, sobre me mudar para qualquer lugar que ela quiser. Eu certamente discutiria se ela decidisse que queria morar em qualquer lugar onde neve e um frio de matar são normais no inverno. Odeio isso. Com todas as minhas forças. E fico tão louco de felicidade quanto Camryn parecia estar na terça quando vejo uma paisagem sem neve e sinto a temperatura de 12 graus em meu rosto. Um pouco quente para esta época do ano em Chicago, mas não estou reclamando. Aquecimento global? Ei, isso não é tão ruim assim.

Aidan está nos esperando no terminal.

— Há quanto tempo, mano — cumprimento, apertando sua mão e abraçando-o. Ele bate nas minhas costas algumas vezes e olha para Camryn:

— É bom te ver.

Camryn o abraça forte.

— É bom te ver também — ela responde, se afastando. — Obrigada por nos convidar.

— Bom, esse mérito é todo da minha persistente esposa — Aidan brinca, erguendo uma sobrancelha. — Não que eu não quisesse que vocês viessem, é claro. — Ele pisca para ela.

Camryn fica vermelha e eu seguro sua mão.

Michelle está nos esperando com um almoço tardio quando chegamos à casa deles. Aquela mulher sabe cozinhar. E ela é como Aidan e eu no que se refee à comida, por isso não me surpreende que tenha feito cheeseburgers gordurosos com queijo derretido pra acompanhar. E cerveja. No momento, estou no paraíso da comida.

Nós quatro comemos na sala, vendo um filme na TV de 60 polegadas de Aidan, e conversamos durante as partes chatas sobre vários assuntos. Quando chegamos aqui, eu estava um pouco preocupado que Aidan ou Michelle mencionassem qualquer coisa remotamente próxima do assunto proibido do aborto de Camryn. Mas em grande parte eu sabia que eles não fariam isso. Olhando para eles, eu não seria nem capaz de dizer que estão pensando nisso. Aidan provavelmente nem tanto. Ele foge de assuntos profundos como esse. E Michelle está jogando bem, fazendo Camryn se sentir completamente à vontade e não lhe dando qualquer motivo para pensar naquilo que ela quer esquecer.

E eu nunca vi Camryn com Natalie do jeito que ela está agora com Michelle, então isso é bom. Parece que essa viagem inesperada está se revelando mais benéfica do que eu imaginava.

Durante uma das nossas conversas, Aidan joga a cabeça para trás e ri. Meus dois irmãos nunca mais vão me deixar em paz com isso.

— É, Andrew tava pra lá de bêbado — Aidan explica a Camryn enquanto reviro os olhos — quando o caça-talentos da agência de modelos chegou nele no meu bar naquela noite.

Oh, lá vem a versão exageradamente dramática de Aidan sobre aquele acontecimento. Camryn está sorrindo de orelha a orelha e sem dúvida se divertindo ao me ver me retorcendo ao lado dela.

— O cara se sentou ao lado de Andrew no balcão e disse alguma coisa, tipo que ele tinha “o visual”. — Aidan para de falar e balança a cabeça. — E antes que o cara conseguisse terminar, Andrew virou pra ele e falou, fazendo cara de doido, estilo Charles Manson: “Cara, tu comeu meu amendoim?” A expressão no rosto do cara foi impagável. Ele ficou com medo, até recuou um pouco, como se achasse que Andrew fosse bater nele.

Camryn e Michelle riem.

— Aí o cara puxou um cartão de visitas da carteira e falou: “Já pensou em ser modelo?” E entregou o cartão pra ele. Andrew só olhou pro cartão, mas não pegou.

— Peguei, sim.

Aidan dá um sorrisinho para mim.

— Pegou, mas só depois de eloquentemente explicar que você nunca poderia ser modelo porque isso é pra “caras sem colhões” e...

— Tá, tá, Aidan — eu interrompo, tomando um pequeno gole da minha cerveja.

— Por que eu nunca te vi tão bêbado assim? — Camryn pergunta. Ela não consegue parar de sorrir, adorando cada minuto, e isso me faz sorrir e parar de fingir. Eu passo as pontas dos dedos em sua trança dourada.

— Bom — eu começo —, você nunca me viu tão bêbado porque eu cresci desde então.

Michelle sufoca uma risada.

— Ei — eu digo, apontando para ela —, você não pode falar nada, ‘Chelle. Lembro que a última vez que eu estive aqui, você ficou dançando feito uma stripper bêbada no balcão depois de tomar umas e outras.

O queixo dela cai.

— Eu não tirei a roupa, Andrew!

Aidan ri e toma um gole de cerveja.

— Não sei, se eu não estivesse presente naquela noite, a gente poderia ter se divorciado.

Michelle bate no rosto dele com a almofada do sofá na qual estava encostada.

— Eu nunca tiraria a roupa — ela ri. Aidan, imune ao ataque, não consegue parar de sorrir.

Nem Camryn. Eu me perco no sorriso dela por um minuto, feliz por ver que está se divertindo tanto.

Michelle acrescenta:

— Vocês dois são nojentos quando se juntam.

— Ei, já que você se casou com o mais babaca — retruco —, você tem telhado de vidro.

— É — Aidan concorda. — Agradeça por Asher não estar aqui também, porque ele não é tão inocente como você pensa.

Porra nenhuma. Aquele merdinha sabe ser infernal quando quer.

Michelle tira as pernas de cima da almofada e se levanta para recolher os pratos e coisas da mesinha de centro. Camryn também se levanta.

— Bom, acho que sou uma Parrish há tempo suficiente pra saber disso. Pode confiar. — Ela empilha os pratos enquanto Camryn ajuda a recolher os guardanapos e algumas garrafas vazias de cerveja.

— Por que tá tão quieta, Camryn? — Aidan diz do sofá. — Você pode ainda não ter casado com meu irmão, mas é como se estivesse, praticamente, então também tem telhado de vidro. — Ele ergue a cerveja para ela, como que para fazer um brinde, e toma mais um gole, com um sorriso malicioso.

Que irmão esperto eu tenho. Se não fosse tão feio, eu daria um beijo na boca dele por isso. A última coisa que quero é que Camryn se sinta excluída.

Ela sorri para ele, equilibrando os objetos nos braços.

— Ainda bem que você ainda não sabe nada a meu respeito.

— Ainda — ele diz, balançando a cabeça uma vez, como que para enfatizar a inevitabilidade daquela palavra. — Então acho que você pode se preparar pra ser alvo de umas brincadeiras bem embaraçosas, hein?

Camryn franze seu lindo nariz para ele e segue Michelle até a cozinha.


Camryn


13

— ESTOU MUITO feliz por vocês terem convidado a gente — digo atrás de Michelle, enquanto jogo as garrafas vazias de cerveja no lixo.

Michelle põe a pequena pilha de pratos no balcão e começa a enxaguá-los na pia antes de colocá-los na lava-louça.

— Ei, sem problemas — ela responde, sorrindo para mim. — Eu precisava de companhia, pra ser sincera. As coisas estão bem estressantes por aqui. — Ela coloca mais um prato na prateleira de baixo da lava-louça.

Eu me aproximo e me apoio no balcão, cruzando os braços. Ela está me dando permissão para perguntar mais? Não tenho certeza, mas me sinto suficientemente à vontade com ela para ir em frente e perguntar assim mesmo.

— Seu emprego tá te sugando muito? — O que eu realmente queria perguntar era: Tá tudo bem entre você e Aidan? Lembrando o que Marna disse sobre ela e Aidan terem problemas no casamento, mas acho que isso é perguntar demais, cedo demais.

Ela sorri com ternura e enxágua o último prato.

— Não, acho que trabalhar na clínica é uma terapia, na verdade.

Eu fico em silêncio, mas presto atenção.

— Aquele bar anda desgastando muito o Aidan ultimamente — ela continua —, mas o culpado é ele mesmo. Ele tem empregados mais do que suficientes pra cuidar de tudo, mas passa muito tempo lá, cuidando de coisas que paga os outros pra resolver.

Olho para ela com curiosidade.

— Por quê?

Ela fecha a lava-louça e olha para a entrada em arco que leva para a sala de estar, onde Aidan e Andrew estão conversando, rindo e falando muito “Porra, mano”. Então ela se vira para mim e diz em voz baixa:

— Ele tá bravo comigo. — Ela desvia o olhar e enxuga as mãos num trapo pendurado no puxador do armário sobre o balcão.

Só isso? Fico em silêncio por alguns segundos, só para o caso de ela ser o tipo de pessoa que faz pausas muito longas, mas ela não continua. Isso me deixa um pouco frustrada. Então, de repente, ela diz:

— Eu não deveria falar desses assuntos. Não depois do que você e Andrew enfrentaram. Desculpa mesmo.

— Não, Michelle — respondo, esperando aliviá-la. — Ei, eu tô aqui pra ouvir.

Por algum motivo estranho, Michelle mencionar o que Andrew e eu “enfrentamos” não me incomoda do modo como sempre incomoda quando os outros falam disso. Talvez seja porque eu sei que ela não está tentando me forçar a falar a respeito, nem tem medo de agir normalmente perto de mim. No momento, o mais importante é Michelle, e quero ficar do lado dela.

Ela hesita, olhando mais uma vez para a sala, e suspira.

— Ele quer ter filhos — ela confessa, e sinto meu coração se apertar, mas não deixo que isso transpareça no meu rosto. — E eu também quero, mas não agora.

— Ah, entendo. — Eu balanço a cabeça e penso nisso por um segundo. — Bem, poderia ser pior. Pelo menos ele não tá tendo um caso, nem começou a fabricar anfetamina no porão.

Michelle ri um pouco e pendura o pano de volta no armário.

— Tem razão — ela concorda, com os olhos castanhos iluminados pelo sorriso. — Nunca pensei dessa forma. Só queria que ele me desse pelo menos mais três anos. Eu lido com crianças o dia todo, sou pediatra. Adoro crianças. É preciso, pra fazer o trabalho que eu faço, mas tenho uma visão mais profunda da responsabilidade que é criar um filho. Aidan só consegue imaginar o filho jogando beisebol e indo acampar com ele, você me entende?

Eu rio baixinho.

— Sim.

Uma parte bem pequena de mim se pergunta se Michelle está me falando isso como uma maneira de aliviar a minha dor, me dizendo que criar um bebê é difícil. Talvez esteja, mas ao mesmo tempo, acho que sou eu que estou imaginando isso. Para contar o que está acontecendo entre ela e Aidan e considerando o assunto, seria difícil não falar algo assim.

— Então, como vai a fisioterapia de Andrew?

O clima muda instantaneamente no ambiente, como se as duas pudéssemos respirar um pouco mais aliviadas, agora que já passamos pelos assuntos perigosos.

— Ele teve fraqueza muscular por uns tempos, mas tá ótimo. Praticamente já não faz mais fisioterapia.

Michelle balança a cabeça e também puxa uma cadeira.

— Que bom — ela diz, e um silêncio embaraçoso se segue.

Aidan e Andrew interrompem esse momento constrangedor quando entram na cozinha. Aidan vai direto para a geladeira enquanto Andrew senta a sua bundona pesada no meu colo.

— An-drew! — Eu reclamo e rio ao mesmo tempo, tentando afastá-lo. — Vê se perde uns quilinhos! Caramba, amor, você tá me esmagando!

Ele se vira no meu colo, ficando de lado tempo suficiente para amassar meu rosto com as mãos e me beijar no meio dos olhos.

— Sai. Sai! — eu grito, e ele finalmente sai. — Sua bunda é ossuda. — Esfrego as mãos nas pernas para aliviar os músculos. Claro que a bunda dele está longe de ser ossuda, mas a expressão dele valeu a mentira dramática.

— Parecem menininhos — Michelle diz de perto da pia.

Eu nem notei que ela se levantou.

Aidan fecha a geladeira com outra garrafa de cerveja na mão e se senta na cadeira da qual Michelle levantou. Andrew me levanta como se eu não pesasse nada e rouba minha cadeira, me pondo em seu colo depois.

— Muito melhor assim — comento.

Ele abraça a minha cintura.

— Então, eu tava falando com Aidan.

Uh-oh, não gostei desse tom.

— É? — pergunto desconfiada, olhando mais para Aidan, já que não consigo ver Andrew atrás de mim.

— Isso deve ser interessante — Michelle brinca da pia, olhando para nós com o quadril encostado no balcão.

Aidan deixa a cerveja na mesa e diz:

— Você estaria interessada em cantar no meu bar amanhã à noite? É a noite mais cheia da semana. O tipo de música que vocês cantam é perfeito pros meus clientes.

A única vez que realmente me senti tão nervosa me apresentando em qualquer bar ou clube foi a primeira vez que cantei com Andrew, no Old Point, em Nova Orleans. Acho que fico muito nervosa de cantar na frente da família dele. Na frente de pessoas que não conheço e que provavelmente nunca mais vou ver não é tão desesperador, mas preciso dizer que isso está embrulhando meu estômago.

— Não sei...

Andrew me aperta suavemente por trás.

— Ah, vai — ele pede, tentando me encorajar sem ser autoritário demais.

Seja autoritário, Andrew! Pare de ser tão cauteloso! Seja como você foi quando me mandou subir no teto do carro na chuva, ou quando me obrigou a trocar aquela droga de pneu!

— Aceita, vai — Aidan insiste, jogando a cabeça para trás. — Andrew diz que você canta muito.

Fico vermelha e faço uma careta ao mesmo tempo.

— Bom, Andrew é suspeito, então você não pode aceitar a palavra dele.

— Eu acho uma ideia maravilhosa — Michelle acrescenta, e também se senta no colo de Aidan. Ele bate de brincadeira em suas coxas com as mãos, e isso me lembra de como Andrew costuma fazer a mesma coisa comigo toda hora. Aidan não se parece com Andrew tanto quanto Asher, mas com relação a todas as outras coisas em comum, dá para ver muito bem que são irmãos.

Penso por um momento e me viro para ver Andrew atrás de mim, abraçando seu pescoço e entrelaçando os dedos. Ele está sorrindo de orelha a orelha. Como posso dizer não a isso?

— Tudo bem — concordo. — Eu vou cantar. Mas eu escolho a música.

Aidan balança a cabeça em aprovação.

— O que você quiser — Andrew diz.

— Quanto tempo a gente vai tocar? — pergunto.

— O tempo que vocês quiserem — Aidan diz. — Só uma canção, se quiserem. Vocês que sabem.

Andrew e eu vamos dormir tarde depois de jogar cartas com Aidan e Michelle. E embora estejamos no quarto de hóspedes bem em frente ao deles, estar aqui não é tão constrangedor quanto na casa da minha mãe. Só que do quarto deles não vem nenhum barulho como o que sei que saía do nosso na última meia hora. Tentei gemer e gritar baixinho, mas, bem, não é fácil fazer isso quando Andrew está fazendo o que bem quer comigo.

Acho que estou deitada aqui, acordada, há umas três horas desde que Andrew pegou no sono. Ouço o barulho da rua lá fora e Andrew respirando suavemente ao meu lado. De vez em quando, os faróis de um carro passam por uma parte da parede e somem segundos depois.

Não consigo dormir. Tenho dificuldade para pegar no sono e continuar dormindo desde... bem, há algumas semanas. Tento não me agitar demais para não acordar Andrew. Ele parece tão em paz, deitado ali.

Finalmente, saio silenciosamente da cama e remexo minha bolsa à procura dos comprimidos. Eles têm me ajudado a dormir. E eu gosto de como eles me fazem sentir. Porque me fazem sentir alguma coisa diferente da dor. Mas estou tomando cuidado. Não tenho propensão a vícios, e nunca tomei nenhum tipo de droga na vida. Experimentei maconha algumas vezes no último ano do colegial, mas todo mundo experimentou.

Mas admito que penso muito no que vou fazer quando estes comprimidos acabarem...

Ponho um na palma da minha mão e olho para ele por um momento. Talvez eu devesse tomar dois esta noite, pra dormir profundamente. Quero estar descansada e pronta para me apresentar no bar de Aidan amanhã à noite. Sim, isso é motivo suficiente para tomar um a mais.

Engulo os comprimidos com um gole da garrafa d’água que deixei ao lado da cama e me deito ao lado de Andrew, olhando para o teto e esperando pelo efeito. Andrew, sentindo que me mexi, vira instintivamente o corpo e põe o braço na minha cintura. Eu me encolho perto dele, correndo o dedo com cuidado pelo desenho de Eurídice no seu quadril. Faço isso até que finalmente minha cabeça fica leve como o ar, e meus olhos se enchem de centenas de borboletinhas fazendo cócegas no fundo das minhas pálpebras e nas minhas têmporas.

E eu...

Andrew

Camryn dormiu até bem depois do almoço. Quando finalmente consegui acordá-la, ela se levantou com enxaqueca e mal-humorada. Bonitinha, mas mal-humorada. Mal tomou duas cervejas noite passada, mas parece que bebeu um litro de engasga-gato, pelo modo como está derrubada na cama, com a cabeça enterrada debaixo do travesseiro.

— Eu trouxe um Advil pra você — digo, me sentando ao lado dela. — Talvez você esteja com um tumor no cérebro.

Ela me dá uma joelhada na coxa.

— Não tem graça, Andrew — ela reclama, com um gemidinho na voz.

Eu achei engraçado.

— Bom, toma isso — insisto, tirando o travesseiro de cima de sua cabeça. Ela protesta por um segundo antes de ceder.

Ela levanta o suficiente da cama para engolir os comprimidos com água e depois desaba de volta no colchão, fechando os olhos com força e esfregando as têmporas com as pontas dos dedos. Eu lhe devolvo o travesseiro e ela se esconde debaixo dele.

— Sabe, em geral as pessoas ficam acostumadas com a bebida quanto mais elas bebem, não o contrário.

— Só tomei duas cervejas — ela protesta, com a voz abafada pelo travesseiro. — É só uma dor de cabeça, provavelmente não tem nada a ver com a cerveja.

Eu me curvo e beijo a barriga dela, lembrando rapidamente a última vez em que fiz isso, quando ela estava grávida. Isso me deixa triste por um segundo, mas como venho fazendo desde que aconteceu, enterro esse sentimento e não deixo transparecer.

— Posso ficar aqui com você, se quiser.

— Não, eu vou ficar bem — ela responde, e sua mão emerge de baixo do travesseiro. Ela a coloca às cegas na minha virilha, até que percebe o que é e a desloca rapidamente para o meu joelho. Eu a atormentaria por isso, mas vou deixar barato desta vez.

— Tá, vou ficar com Aidan por algumas horas — digo e me levanto da cama. — Espero que você esteja melhor até a noite. Quero muito que a gente toque.

— Também quero — ela diz, e estica a mão para mim.

Eu a seguro e me abaixo, beijando os nós dos seus dedos antes de sair para acompanhar meu irmão enquanto ele cuida de uns negócios.

Quando anoitece, Camryn está vestida e sua dor de cabeça parece ter ido embora, por isso nós quatro vamos para o fino estabelecimento de cerveja, amendoim e música ao vivo de Aidan.

~~~

Os negócios no bar de Aidan estão prosperando, de acordo com ele, e quando entramos pouco depois das 19h, vejo que ele não exagerou. Nunca vi o lugar tão cheio assim, e já passei muitas noites de sexta e sábado aqui, nos seus seis anos como dono do bar. A música sai dos numerosos alto-falantes no teto e nas paredes, algum folk rock, bem parecido com o que virou meio sem querer uma marca registrada para Camryn e eu. Alguns anos atrás, se alguém me perguntasse que tipo de música eu tocaria se tivesse uma banda, eu jamais teria pensado em folk rock. Cantei e toquei rock clássico como Stones e Zeppelin em bares e clubes por muito tempo, mas depois que conheci Camryn, isso mudou um pouco. Adotamos o estilo do Civil Wars, principalmente, porque vinha muito naturalmente para nós como dupla, mas ainda tocamos alguns clássicos do rock também, quando nos apresentamos.

Um dos nossos favoritos: “Hotel California”, do Eagles, tecnicamente a primeira canção que cantamos juntos. Pode ter sido no carro, na estrada e só por diversão, mas grudou na gente. E tocamos “Laugh, I Nearly Died”, dos Rolling Stones, que Camryn insistiu em aprender.

Mas Camryn continua adorando coisas mais novas e o Civil Wars mais do que tudo, e por isso é o que tocamos normalmente.

Esta noite não vai ser diferente.

Eu tinha a impressão de que ela ia escolher “Tip of My Tongue” e “Birds of a Feather” porque são as duas canções que ela mais curte cantar. Adoro vê-la cantando essas duas ao meu lado no palco, porque ela fica vibrante, brincalhona e sexy pra cacete. Não que ela já não seja tudo isso, mas é como se outro lado mais ousado e paquerador dela se sobressaia quando ela canta. E ela não apenas canta — ela dá um show. Acho que é aquela alminha de atriz que ela sempre teve guardada em algum canto. Ela me disse que já representou em peças da escola, e dá para ver que ela leva jeito.

Mas cantar ao meu lado também parece fazê-la feliz, e por isso esta noite é tão importante. É a primeira vez que vamos nos apresentar juntos desde que ela perdeu o bebê, e espero que seja terapêutico.

Abrimos caminho em meio à multidão apertada e vamos até o palco, onde nos preparamos com calma. Não tem muita coisa para preparar, na verdade, só com uma guitarra — infelizmente, não uma das minhas — e dois microfones, mas só vamos tocar daqui a 15 minutos.

— Tô tão nervosa — Camryn diz perto do meu ouvido, precisando falar alto por cima da música.

Eu bufo com os lábios cerrados.

— Ora, por favor. Quando foi que você voltou a ficar nervosa? Já fizemos isso mais de cem vezes.

— Eu sei, mas tô cantando pro Aidan e pra Michelle desta vez.

— Ele não canta nada, então a opinião dele não vale nada.

Ela sorri.

— Bem, não tô nervosa a ponto de não querer fazer. Acho que é meio empolgante, na verdade.

— Essa é a minha garota — digo e me abaixo para beijar seus lábios.

— Aquelas duas garotas — Camryn grita para mim, sem olhar na direção delas —, na mesa da frente à sua esquerda, estão imaginando uma transa com você agora mesmo, juro por Deus.

Rio um pouco e balanço a cabeça.

— E aquele cara perto da mulher de blusa roxa — digo, acenando discretamente na direção dele — tá com a cabeça enterrada no meio das suas coxas desde que você subiu no palco.

— Então vão ser eles esta noite, hein? — ela pergunta.

Balanço a cabeça e confirmo:

— Hã-hã.

— Dá um bom trato nelas, amor — ela provoca, sorrindo maliciosamente para mim.

— Pode deixar — digo, com a mesma malícia no rosto.

Começamos isso na nossa segunda noite no Levy’s: cada um escolhe um cara e uma garota da plateia que estejam nessa vibe de “como eu adoraria te comer” e fazemos com que se sintam “superespeciais” em uma das canções. Mas sempre começamos dando aos nossos alvos um pouquinho de atenção bem antes de cair matando. Só um olhar, um contato visual de três segundos para que ela, ou ele, no caso de Camryn, saiba que chamou a atenção um pouco mais do que os outros presentes. Camryn já está fazendo sua mágica. O cara está com um sorriso babaca estampado no rosto, agora. Ela olha para mim e pisca. Enquanto passo a alça da guitarra pelo ombro, olho lentamente para as duas garotas. São bem gostosas, devo dizer. Cruzo olhares com a morena primeiro, olho por alguns segundos, depois olho para a amiga dela pelo mesmo tempo. Assim que desvio o olhar, noto que estão dando risadinhas e conversando, escondendo a boca com a mão. Eu apenas sorrio e dedilho as cordas da guitarra, testando a afinação. Camryn bate com o polegar no microfone e depois vai pegar os dois banquinhos nos quais provavelmente só vamos sentar para uma canção. Ela se senta no dela e cruza as pernas; aqueles saltos pretos sensuais de um quilômetro, sozinhos, já fazem parecer que ela sabe o que está fazendo neste ramo. São decorados com rebites prateados. Puta que pariu, tem umas coisas que ela veste que me deixam louco.

Um apresentador, jovem, aparece no palco e nos apresenta. Muitas das vozes que se ouvem no grande espaço se calam, e mais ainda quando começo a tocar guitarra. E quando Camryn canta a primeira canção, sua voz é tão sensual que ela atrai a atenção de praticamente todos na hora.

Cantamos quatro canções para uma plateia maravilhosamente receptiva que dança, se embebeda e tenta cantar junto. A atmosfera no bar é explosiva e eu adoro.

Camryn desce os três degraus do palco com o microfone na mão e se aproxima de sua vítima. Antes que a canção acabe, ele está dançando com ela, se divertindo muito. Quando suas mãos chegam perto demais de lugares que só eu tenho permissão para tocar, Camryn, como uma profissional, sorri e continua a cantar para ele enquanto o afasta.

Então fazemos uma pequena pausa.

Camryn me puxa para trás do palco enquanto as vozes aumentam novamente ao nosso redor.

— Preciso ir ao banheiro — ela diz.

Tiro a alça da guitarra pela cabeça e a apoio na parede.

— Vai, vou pegar bebida pra gente — digo. — Quer alguma coisa?

Ela sorri, balançando a cabeça.

— Pode trazer qualquer coisa, tanto faz.

— Alcoólica? — pergunto.

Ela balança a cabeça de novo e me beija, ansiosa para se afastar logo, provavelmente para não mijar perna abaixo.

— Oh, e por que você não canta a próxima sozinho hoje? — ela sugere.

— Mesmo? Por quê?

Ela se aproxima e apoia as mãos no meu peito.

— Você canta essa melhor sozinho, e acho que já encerrei por hoje. Queria ver você. — Ela me dá um selinho. Fica tão alta com esse sapato que está na altura dos meus olhos.

Se é isso que ela quer, por mim, tudo bem. Não quero forçá-la.

— Tá, vou cantar sozinho — digo. — Assim vai ser mesmo mais fácil seduzir minhas duas garotas na plateia.

Ela sorri e diz, rindo ao mesmo tempo:

— Não exagera, Andrew. Lembra o que aconteceu da última vez?

— Eu sei, eu sei — digo, afastando-a com um gesto.

Ela se vira e eu lhe dou um tapa na bunda enquanto ela corre para o banheiro.


CONTINUA

9

CAMRYN DEIXOU O carro dela comigo. Perguntei rapidamente por que ela não viajou de carro, em vez de embarcar num ônibus naquele dia, em julho passado, e ela respondeu com: “Por que você não viajou no seu?” Precisei de todas as minhas forças para me colocar no banco do motorista de um pequeno Toyota Prius vermelho, mas respirei fundo e dirigi até o Starbucks, onde combinara me encontrar com Natalie.

Tudo nisto parece perigoso e sujo. E não quero dizer sujo do jeito bom. Quero dizer que vou querer tomar banho com água sanitária quando isto acabar. Natalie chega sem Blake e cruza o salão na minha direção, seu longo cabelo preto preso num rabo de cavalo. Fiz questão de pegar uma mesa o mais longe possível das grandes vidraças, por medo de alguém me ver com ela. Não importa que ninguém me conheça por aqui; a questão não é essa. Tentei fazê-la me contar o que precisava me contar por telefone, mas ela insistiu que nos encontrássemos.

Ela se senta na cadeira vazia e joga a bolsa sobre a mesa ao mesmo tempo.

— Eu não mordo — ela diz com um sorrisinho.

Talvez não, mas aposto que a sua...

— Não precisa fingir que gosta de mim — ela interrompe meus pensamentos. — Cam não tá aqui. E eu não sou tão burra quanto você pensa.

Admito que ela me surpreendeu. Eu achava realmente que ela nem imaginasse que eu não ia com a cara dela. Nat pode ser a melhor amiga da minha noiva, mas magoou Camryn de verdade quando a repeliu, meses atrás, e não acreditou em Camryn quando Damon, o ex de Natalie, confessou estar apaixonado por Camryn. Foi muita mancada.

Eu me afasto da mesa e cruzo os braços sobre o peito.

— Bom, já que estamos sendo francos, me diz, qual o seu problema, afinal?

Isso a pegou desprevenida. Seus olhos se arregalaram com a surpresa e depois se estreitaram. Ela parece estar mordendo a bochecha por dentro de frustração.

— Você tá falando do quê? — Ela cruza os braços e inclina a cabeça para o lado, fazendo o seu rabo de cavalo cair do outro.

— Acho que você sabe do que eu tô falando. E se não sabe, então talvez seja tão burra quanto eu penso.

Não consigo deixar de ser filho da puta assim com ela. Eu poderia ter continuado a tolerá-la indefinidamente, sem nunca dizer uma palavra negativa, mas foi ela que pôs as cartas na mesa quando se sentou. A culpa é dela, cacete.

Uma lampadinha se acendeu em sua cabeça e o brilho de seus olhos castanhos diminuiu com a compreensão. Ela sabe exatamente a que me refiro.

— Eu sei, mereço isso — ela admite, desviando o olhar. — Vou me arrepender do que fiz com Camryn pra sempre, provavelmente, mas ela me perdoou, então não sei por que você precisa ser tão babaca a respeito disso. Você nem me conhecia na época. Você ainda não me conhece.

Não, não conheço, admito, mas sei o suficiente e isso me basta. Pelo menos posso confrontar Natalie. Damon, ou sei lá qual a porra do nome dele, é outra história. Bem que eu gostaria de tê-lo sentado à minha frente no lugar dela. Nada me daria mais satisfação do que enfiar os lábios dele no meio dos dentes.

— Mas não estamos aqui pra falar de mim — ela desconversa, novamente com aquele sorrisinho —, então me deixa explicar por que pedi que você me encontrasse aqui.

Eu balanço a cabeça e deixo por isso mesmo.

— Cam e eu somos melhores amigas há muito tempo. Eu a ajudei a enfrentar a barra quando a avó dela morreu, quando Ian morreu, quando o irmão dela, Cole, matou aquele cara e foi pra cadeia. Isso sem falar quando o pai dela traiu a mãe e os dois se divorciaram. — Ela se curva sobre a mesinha. — Tudo isso aconteceu nos últimos três anos. — Ela balança a cabeça, se recosta na cadeira e cruza os braços de novo. — E essas foram só as coisas mais graves que viraram a vida dela de ponta-cabeça, Andrew. Sinceramente, acho que a sorte dela anda uma merda. — Ela levanta a mão diante do rosto e diz dramaticamente: — Oooh, mas eu não posso dizer isso pra Cam de jeito nenhum. Ela veio com três pedras na mão da última vez que tentei lhe dar algum crédito. Tô falando pra você, ela não gosta de piedade. Detesta isso. Ela tem essa mentalidade perturbada que diz que por pior que seja o que cai no colo dela, tem um monte de gente por aí que tem problemas piores. — Ela revira os olhos.

Eu sei exatamente do que Natalie está falando. Camryn tentou evitar seus problemas enquanto estava viajando comigo, então sei disso em primeira mão, mas o que Natalie não sabe é que eu ajudei Camryn a sair um pouco dessa casca. Sorrio ao pensar que consegui em menos de duas semanas o que Natalie, sua melhor amiga, por assim dizer, não conseguiu em todos os anos que as duas se conhecem.

— Por isso ela aceita e pronto — Natalie continua. — Sempre aceitou. Tô falando, ela tem muita dor, raiva, decepção e sabe Deus mais o que acumuladas, que ela nunca conseguiu processar direito. E agora, com o que aconteceu com o bebê... — ela engole em seco e seus olhos castanhos ficam pesados com a preocupação — ...tô com medo de verdade por ela, Andrew.

Eu não esperava que meu encontro com Natalie resultasse nesta preocupação profunda com a saúde e o estado mental de Camryn. Eu já estava preocupado com ela, mas quanto mais Natalie fala, pior isso fica.

— Me fala dessa terapia que ela fazia — peço. — Perguntei pra ela hoje, mas ela não quis falar disso comigo.

Natalie cruza as pernas e suspira profundamente.

— Bom, o pai conseguiu convencê-la a ir numa psiquiatra logo depois que Ian morreu. Cam ia toda semana, e parecia que tava dando resultado, mas acho que ela enganou a gente. Quem “tá melhorando” não embarca num ônibus e vai embora sem falar com ninguém, como ela foi.

— Foi o pai que convenceu Camryn a ir?

Natalie faz que sim.

— Foi. Ela sempre foi mais chegada ao pai do que à mãe. Nancy é ótima, mas às vezes é meio avoada. Quando o pai dela fez as malas, depois do divórcio, e se mudou pra Nova York com a nova namorada, acho que Cam ficou ainda mais perturbada. Mas é claro que ela jamais admitiria isso.

Eu respiro fundo e passo as duas mãos na cabeça. Me sinto culpado em ficar sabendo de tudo isso, e logo por intermédio de Natalie, mas aceito informações de onde vierem, porque pelo jeito Camryn nunca ia me contar nada.

— Ela falou alguma coisa de remédios — conto. — Falou que não ia ver psiquiatra nenhum porque eles só...

Natalie balança a cabeça e interrompe:

— É, receitaram uns antidepressivos, e ela tomou por um tempo. Depois só sei que ela admitiu que tinha parado há alguns meses. Eu nem fazia ideia.

Finalmente, vou direto ao assunto.

— Então por que você me trouxe aqui, exatamente? — pergunto. — Espero que não tenha sido só pra me contar todos os segredos dela. — Gostei de obter essas informações, mas sou obrigado a me perguntar se Natalie não está me contando só porque gosta de fofocar. Provavelmente não. Acho que ela gosta de Camryn de verdade, mas Natalie é Natalie, no fim das contas, e isso não é algo que eu possa ignorar.

— Acho que você precisa ficar de olho nela — Natalie diz, e recebe novamente toda a minha atenção. — Ela ficou deprimida pra valer depois que Ian morreu. Tipo, por muito tempo, eu nem conseguia reconhecê-la. Ela não chorou nem fez o que imagino que uma pessoa depressiva faria, não, Cam foi... — Ela levanta os olhos, pensativa, depois me olha de novo. — Ela foi estoica, se é que essa é a palavra certa. Parou de sair comigo. Parou de se importar com a escola. Não quis fazer faculdade. A gente já tinha feito todos os nossos planos pro primeiro ano da faculdade, mas quando ela caiu nessa depressão, fazer faculdade nem passava pela cabeça dela.

— O que passava pela cabeça dela?

Natalie balança a cabeça de leve.

— Não sei dizer, porque ela raramente falava disso. Mas às vezes falava de umas merdas profundas, bem esquisitas: fazer um mochilão pelo mundo, coisas assim. Não lembro todos os detalhes, mas ela definitivamente não tava vivendo na realidade, pode ter certeza. Ah, e ela falava de vez em quando que queria sentir emoções de novo. Acho esquisito alguém não conseguir sentir emoções, mas sei lá. — Ela agita a mão diante de si, afastando a ideia. Em seguida sorri para mim, e não sei ao certo como interpretar isso até que ela fala. — Mas aí você apareceu e ela voltou ao normal. Só que umas mil vezes melhor. Eu senti, naquela noite em que falei com ela enquanto vocês tavam em Nova Orleans, que alguma coisa tinha mudado. Sinceramente, nunca vi a Cam do jeito que ela é com você. — Ela faz uma pausa e diz: — Acho que você é a melhor coisa que já aconteceu pra Cam. Não me mata por tocar nesse assunto, mas se você tivesse morrido...

Espero impacientemente que ela continue, mas ela para por aí. Ela desvia os olhos e parece pronta a retirar tudo o que ia dizer.

— Se eu tivesse morrido, o quê?

— Não sei — ela responde, e eu não acredito. — Só acho que você precisa ficar de olho nela. Sei que nem é necessário dizer que ela precisa de você mais do que nunca, agora.

Não, ela não precisava me dizer isso, mas com tudo o mais que ela me contou, não consigo deixar de sentir que preciso estar com Camryn agora mesmo, e a cada minuto de cada dia. Quase odeio Natalie por me contar tudo isso, mas ao mesmo tempo, eu precisava saber.

Levanto da mesa e enfio os braços na minha jaqueta preta, depois empurro a cadeira para a frente.

— Então você vai embora assim?

Eu paro e olho para ela.

— Vou, sim — respondo, e ela fica de pé. — Acho que já sei o suficiente.

— Por favor, não conta...

Levanto a mão.

— Olha, não leve a mal, agradeço por você me contar tudo isso, mas se Camryn perguntar, vou contar que me encontrei com você aqui em particular e que você me contou tudo o que sei. Portanto, não espere que eu guarde algum segredo dela.

Suas bochechas desincham.

— Tá bom — ela diz, e pega a bolsa de cima da mesa. — Mas eu só disse isso porque tô preocupada com o que ela pode sentir se souber que eu te procurei, não porque tô preocupada porque ela pode ficar puta comigo por isso.

Balanço a cabeça. Admito que acredito nela, desta vez.

~~~

Estou na sala de estar vendo TV quando Camryn e a mãe dela chegam em casa da consulta com a ginecologista. Percebo que me sento mais reto e fico sem jeito por estar na casa da mãe dela e tudo mais. Deixo o controle remoto da TV na mesinha de centro de carvalho e me levanto para ir ao encontro de Camryn.

— Então, como foi lá? — Postura constrangida. Perguntas retóricas constrangidas. Tudo constrangido. Odeio ficar constrangido. Precisamos ter nossa própria casa logo. Ou ir pra um hotel.

Os olhos de Camryn se abrandam quando ela se aproxima de mim.

— Foi tudo bem — ela responde, beijando minha bochecha. — Consegui o que eu precisava. E o que você fez hoje? Aposto que tava todo sexy, dirigindo aquele carro moderninho de mulher por aí, hein? — O lado esquerdo de sua boca se levanta num sorriso.

Sinto meu rosto esquentando um pouco.

A mãe dela sorri discretamente para mim por trás de Camryn ao passar a caminho da cozinha. É o mesmo tipo de “sorriso discreto” de que Camryn falava hoje de manhã, aquele que grita Ela está tão frágil e lamento tanto por vocês dois. Estou começando a entender por que Camryn detesta tanto isso.

— Bom, eu não fiz muita coisa, mas suportei 15 minutos de conversa cara a cara com Shenzi no Starbucks.

— Shenzi?

Balanço a cabeça sorrindo, me lembrando das hienas de O Rei Leão, e digo:

— Deixa pra lá. Com Natalie. Ela quis me encontrar pra falar de você. Tá muito preocupada, só isso.

Camryn, aborrecida, começa a andar para o corredor que leva ao seu quarto. Eu a sigo.

— Posso até imaginar o que ela te contou — diz, entrando no quarto. Põe a bolsa e uma sacola de compras na cama. — E fico puta por ela te ligar sem me contar.

— Acho que não deveria ter ido me encontrar com ela — digo, ficando perto da porta. — Mas ela insistiu e, sinceramente, eu queria ouvir o que ela tinha pra dizer.

Ela se vira para me encarar.

— E o que você descobriu com isso?

A vaga nota de descontentamento no seu tom de voz me magoa um pouco.

— Só que você sofreu um bocado e...

Camryn levanta a mão e balança a cabeça, em reprimenda.

— Andrew, sério. Me ouve, tá? — Ela se aproxima e toma minhas mãos nas dela. — No momento, a única coisa que tá me fazendo sofrer mais é todo mundo se preocupando comigo o tempo todo. Pensa bem — a gente teve essa mesma conversa hoje de manhã. Agora olha pra mim.

Olho para ela. Lógico que eu já estava olhando.

— Eu tô chorando pelos cantos? — Não, não tá. — Quantas vezes você me viu sorrir esta semana? — Uma porção de vezes, na verdade. — Alguma vez você me ouviu dizendo alguma coisa que indicasse que eu tô sofrendo mais do que pareço? — Não, acho que não.

Ela inclina sua linda cabeça loura um pouco para o lado e passa de leve os dedos macios em volta do meu rosto.

— Quero que me prometa uma coisa.

Normalmente, eu diria “qualquer coisa” sem hesitação, mas dessa vez hesito.

Ela inclina a cabeça para o outro lado e sua mão se afasta do meu rosto.

Finalmente digo, relutante:

— Depende do que é.

Ela não discute, mas vejo a decepção em seu semblante.

— Promete que a gente vai voltar ao normal. É só isso que eu peço, Andrew. Sinto falta de como a gente era antes. Sinto falta das nossas loucuras juntos, do nosso sexo louco, das suas covinhas loucas e da sua atitude louca, vibrante, apaixonada pela vida.

— Você sente falta da estrada? — pergunto, e o brilho some do seu rosto como se eu tivesse dito algo horrivelmente errado.

Seus olhos se afastam dos meus e ela parece perdida num momento profundo e sombrio.

— Camryn... você sente falta da estrada? — Preciso da resposta a essa pergunta agora mais do que segundos atrás, por causa de sua reação inesperada.

Depois de um momento longo e silencioso ela me olha de novo e me sinto perdido em seus olhos, mas de forma desconfortável.

Ela não responde. É como se... não conseguisse.

Sem saber o que se passa em sua cabeça e ansioso para descobrir, digo finalmente:

— A gente pode viajar, agora. — Eu coloco as mãos em seus antebraços. — Talvez isso seja exatamente o que você... isto é, o que a gente precisa. — À medida que a ideia se forma na minha língua, fico cada vez mais empolgado só de pensar nela. Camryn e eu. Na estrada. Vivendo livres e no presente, como tínhamos planejado. Percebo que estou com um sorriso enorme, com o rosto iluminado pelo entusiasmo. Puta merda! Sim, é isso que a gente precisa fazer. Por que não pensei nisso antes?

— Não — ela diz em tom neutro, e sua resposta me arranca do meu êxtase sonhador.

— Não? — Mal posso acreditar ou entender.

— Não.

— Mas... por que não? — pergunto, e ela se afasta casualmente de mim. — Não temos mais nenhum motivo pra esperar.

Entendo nesse mesmo segundo o motivo por trás de sua resposta. Mas não preciso tocar no assunto, porque ela faz isso por mim.

— Andrew — ela começa, com a expressão comovida pelo remorso —, se a gente fizesse isso, ficaria sempre no fundo da minha mente que era uma coisa que a gente tava adiando por causa da bebê. Não ia parecer certo fazer isso agora. Nem por um tempo. Um longo tempo.

— Tá — concordo, e me aproximo dela. Balanço a cabeça e sorrio com ternura, esperando fazê-la entender que em tudo o que ela quiser fazer, ou não fazer, estarei totalmente do lado dela.

— Então, que tipo de síndrome bipolar Natalie me atribuiu hoje? — Ela ri com um suspiro, vai até a sacola de compras que trouxe e enfia a mão dentro.

Rio também e me deito na largura da sua cama, com as pernas para fora e os joelhos dobrados.

— Alerta amarelo. O nível mais baixo possível. Mas ela mesma se atribuiu um alerta vermelho. — Viro a cabeça para o lado para olhá-la. — Mas isso com certeza você já sabia.

Ela sorri para mim, puxa um monte de calcinhas da sacola e começa a tirar as etiquetas adesivas do tecido.

— Bom, aposto que ela encheu sua cabeça de minhocas, dizendo que passei por uma fase depressiva, e falou tudo sobre a “merda” — ela faz as aspas com os dedos — que a minha sorte anda sendo. — Ela aponta para mim, fechando um pouco um dos olhos. — Mas é isso. Foi uma fase. Eu superei. Além disso, quem não passa por mortes de parentes, divórcios e separações? É ridículo que...

— Amor, o que eu falei pra você? Lá em Nova Orleans?

— Você me falou muita coisa. — Ela joga as etiquetas no cestinho de lixo.

— Que a dor não é uma competição, porra.

— Sim, lembro. — Ela começa a recolher as calcinhas da cama, mas eu tiro algumas da pilha antes que ela consiga. Seguro uma rosada de renda diante de mim e ponho as outras duas no meu peito.

— Cacete, gostei desta — comento, e ela a arranca dos meus dedos.

— De qualquer forma — ela continua, enquanto pego as outras duas e faço o mesmo —, não quero mais falar disso, tá? — Então ela arranca as últimas calcinhas das minhas mãos, vai até a primeira gaveta da cômoda e enfia todas lá dentro.

Camryn volta para mim e sobe no meu colo, com os joelhos enterrados nos cobertores sobre a cama. Esfrego as mãos nas coxas dela, dos lados do meu corpo.

— Quero sair hoje à noite — ela declara. — O que você acha?

Aspiro ar entre os dentes, pensativo, antes de dizer:

— Combinado, então. Aonde você quer ir?

Ela sorri docemente para mim, como se já tivesse pensado muito nesse passeio hoje. Adoro vê-la sorrir assim. E é totalmente real, porra, então talvez Natalie esteja exagerando, no fim das contas.

— Bom, achei que a gente podia ir pro Underground com Natalie e Blake.

— Peraí, não foi nesse lugar que aquele babaca te beijou no terraço?

— Sim — ela responde, meio cantando. Cacete, se ela não parar de rebolar no meu colo assim... — Mas aquele “babaca” vai ficar um ano na cadeia. E Natalie quer muito que a gente vá. Ela me mandou uma mensagem de texto perguntando antes de eu chegar aqui.

— Tem certeza de que ela não tá tentando te puxar o saco por causa do peso na consciência?

Camryn dá de ombros.

— Pode ser, mas vai ser divertido mesmo assim. E vai ser legal ver uma banda ao vivo em vez de subir no palco, pra variar.

Ela se deita no meu colo, e eu agarro seu traseiro perfeito com as duas mãos e aperto. Ela me beija, e eu levanto as mãos e abraço seu corpo com força.

— Tudo bem — aceito docemente quando o beijo acaba e seus lábios ficam a centímetros dos meus. Passo os dedos no cabelo dela e seguro sua cabeça pelas bochechas. — Que seja o Underground. E amanhã vou voltar pro Texas e começar a fazer as malas.

— Espero que você não fique chateado por eu não ir.

— Por mim, tudo bem. — Beijo a testa dela. — Sabe, você não me respondeu se vai sair com Natalie pra procurar um apartamento.

Ela se levanta, endireitando as costas, e em seguida segura minhas mãos, entrelaçando os dedos nos meus.

— Eu vou chegar lá — ela diz sorrindo. — Um passo de cada vez e, no momento, o próximo passo é me arrumar pra sair à noite.

Balanço a cabeça, sorrindo para ela, e então aperto suas mãos e a puxo para mim de novo.

— Você é a coisa mais importante do mundo pra mim — sussurro em seus lábios. — Espero que nunca se esqueça disso.

— Nunca vou esquecer — ela sussurra em resposta, e mexe seus quadris delicadamente no meu colo. Então ela roça meus lábios com os dela e diz, antes de me beijar: — Mas se um dia eu esquecer, seja por que motivo for, espero que você encontre sempre um jeito de me fazer lembrar.

Eu estudo sua boca e depois suas bochechas, apertadas entre meus polegares.

— Sempre — digo, e a beijo com intensidade.


10

JÁ FAZ UM tempo desde que fui pra uma balada num clube como o Underground pela última vez. Cacete, só tenho 25 anos, e esse lugar me fez sentir velho. Acho que passar a maioria das noites em lugares mais calmos, como o Old Point, me fez esquecer que existe heavy metal. Ei, gosto de heavy metal, mas ainda prefiro o som das antigas. Camryn e eu passamos a noite com Blake e Natalie, ouvindo uma banda que se autodenomina Sixty-Nine — quanta originalidade — soltando uma nota estridente e desafinada após a outra na guitarra, enquanto o vocalista grunhia no microfone como um alce no cio.

Mas a galera parecia gostar. Ou talvez fosse porque a maioria estava bêbada ou chapada. Provavelmente as duas coisas.

Eu deveria estar bêbado, mas concordei em ser o motorista da rodada. E por mim, tudo bem. Eu queria que Camryn tomasse todas e se divertisse. Ela estava precisando. E fico orgulhoso por tentar, porque meio que esperava que ela se recusasse a fazer qualquer coisa ainda por um longo tempo. Também estou sofrendo com a perda de Lily, mas Camryn ainda está aqui e é ela que importa agora.

O ar frio de novembro é uma sensação boa depois de ficar metido naquele galpão quente e enfumaçado por três horas.

— Você consegue andar? — pergunto a Camryn, andando ao lado dela, segurando-a firmemente pela cintura.

Ela apoia a cabeça no meu ombro e enfia as mãos nas mangas do casaco.

— Tô bem — ela responde. — Você me parou na hora certa, desta vez, por isso não precisa se preocupar em me levar no colo o resto do caminho, como naquela noite em Nova Orleans. — Sinto sua cabeça virando para me olhar, e olho rapidamente para ela, tentando também ver por onde ando na calçada escura. — Você se lembra daquela noite, não lembra?

— Claro que me lembro. — Eu aperto mais a cintura dela. — Não faz tanto tempo, e além disso, mesmo que fizesse, eu jamais poderia me esquecer daquela noite, ou de qualquer outra noite com você, aliás.

Ela sorri para mim e também olha para a frente.

— Você é muito inesquecível — acrescento, sorrindo rapidamente para ela.

— Acordei uma vez naquela noite — ela conta, enterrando a cabeça no calor do meu braço. — Vi a privada ao meu lado e me perguntei como fui parar lá. Aí senti o seu corpo atrás de mim, o seu braço na minha cintura, e não quis levantar. Não porque eu ainda estivesse meio bêbada e com minha cabeça como se tivesse passado num triturador de papel, mas porque você tava comigo.

— É, eu lembro... — me perco naquela lembrança por um momento.

Andamos agarradinhos na noite fria por dez minutos até chegar ao posto de gasolina e ao terreno baldio onde o carro está estacionado. Ligo o aquecimento no máximo e dirijo o carro de mulherzinha de volta para a casa da mãe de Camryn, querendo que tivéssemos ficado num hotel todo esse tempo, e quando paro na garagem, vejo o carro da mãe dela parado na frente da casa. Gosto de Nancy, mas também gosto de poder andar pela casa de cueca, ou pelado, sem ter que me preocupar com uma plateia.

Ajudo Camryn a sair do carro e a levo para dentro, com o braço ainda na cintura só para o caso de a bebida fazer ainda mais estrago. Mas ela está bem. Bastante embriagada, mas bem. Tranco a porta atrás de nós, e Camryn imediatamente tira o casaco e o joga no canto do hall. Faço o mesmo.

A casa está em silêncio, e as únicas luzes acesas são o discreto brilho laranja da luzinha noturna no corredor e de uma lâmpada sobre o balcão da cozinha.

Camryn me surpreende quando suas mãos deslizam pelo meu peito e ela aperta meu abdômen com força com os dedos, me empurrando para a parede do hall. Ela enfia a língua na minha boca e eu a mordo de leve, mordendo também seu lábio inferior antes de beijá-la. Sua mão direita desce para o botão do meu jeans e ela o abre com facilidade, puxando o zíper para baixo em seguida. Eu a beijo com mais força e gemo em sua boca quando ela enfia a mão na minha cueca e me agarra.

Meu Deus, faz tanto tempo, porra...

Ela se aperta contra mim com mais força, me empurrando na parede.

Interrompo o beijo só o tempo suficiente para dizer:

— Quero você pra caralho, mas pelo menos vamos pro seu quarto.

O beijo fica mais ardente e então ela diz, com os lábios ainda colados aos meus:

— Minha mãe não tá aqui. — Ela morde meu lábio com força, o bastante para machucar, mas isso me deixa ainda mais louco por ela. — Ela foi trabalhar com o carro do Roger esta noite.

Esmago minha boca contra a dela e a ergo nos braços para levá-la pelo corredor até o quarto. Não conseguimos chegar a tempo, e ela já tirou minha camisa antes que eu passasse com ela pela porta e a jogasse sobre o colchão. Arranco o resto de suas roupas, deixando só a calcinha. Ela se senta na borda da cama e termina de tirar meu jeans e minha cueca. Subo nela, apoiando o peso do corpo num punho enterrado no colchão, enquanto a acaricio com a outra mão, passando o dedo em seus lábios úmidos por cima do tecido da calcinha. Camryn se retorce embaixo de mim, fechando os olhos e afundando a cabeça no colchão, fazendo seus seios se levantarem na minha frente.

Levanto da cama e tiro a calcinha dela com dois dedos. Beijo a parte de dentro de suas coxas e não consigo me impedir de enfiar a cabeça no meio das pernas tão rapidamente, porque não pude fazer isso por ela pelo que parece uma eternidade. Eu não a provoco mais. Não faço isso porque já está me deixando louco.

Eu a lambo furiosamente, e ela tenta deslizar pela cama, fugindo da minha boca. Camryn agarra os lençóis acima de si até que sua cabeça sai da cama pelo outro lado. Eu a seguro firme no lugar com as mãos ao redor de suas coxas, meus dedos enterrados na sua pele. Chupo seu clitóris com mais força ainda, até que ela não aguenta mais e suas coxas tentam se fechar ao redor da minha cabeça.

Percebo que ela está para gozar quando puxa meu cabelo de repente e me força a tirar a boca.

Olho a geografia suave do seu corpo do meio de suas pernas e vejo que ela está me olhando. Ela enfia mais os dedos no meu cabelo. Eu espero, me perguntando o que ela está pensando, me perguntando por que me fez parar.

É como se ela estivesse esperando por algo, mas não sei ao certo o quê. No momento, só consigo pensar em penetrá-la. Preciso de uma força de vontade do caralho para me conter, para não virá-la de costas e colocá-la de quatro à força, para não puxar seu cabelo até machucá-la, para...

Camryn inclina a cabeça para o lado e me olha, me estuda como se estivesse esperando meu movimento seguinte. Estou hipnotizado pelo seu rosto. Há algo enigmático e frágil nele que nunca vi antes. Então ela me afasta da borda da cama, e instintivamente me deito de costas. Ela desliza pelo meu corpo, beijando minha barriga, minhas costelas e meu peito enquanto sobe, posicionando-se em cima de mim. Um gemido baixo ecoa sem controle pelo meu peito só de sentir seu calor e sua umidade. Ela sorri para mim, doce, inocente, embora eu saiba que não é nada disso. E então ela me segura com a mão, e sinto meus olhos virando para dentro da porra da minha cabeça quando ela me põe dentro de si e desliza em cima de mim tão lentamente que é uma tortura.

Eu deixo ela me foder pelo tempo que quiser, mas preciso de todas as minhas forças para não gozar antes dela. E naquele último segundo, algo acontece que nunca previ, e fico mentalmente em pânico, esperando que ela não perceba quando preciso tomar numa fração de segundo a decisão vital de gozar fora ou não.

Camryn

Meu coração está batendo tão rápido. Estou sem fôlego e o suor goteja da minha testa mesmo no ar fresco dentro do quarto. Quando começo a gozar, Andrew, numa espécie de pânico confuso, puxa para fora. Isso me surpreende um pouco, mas não deixo que ele perceba. Em vez disso, me curvo para a frente, mal encostando meu peito no dele, e deslizo minha mão para cima e para baixo ao redor do seu membro.

Depois, desabo completamente em cima dele, com a bochecha encostada em seu peito, os joelhos ainda dobrados do lado do seu corpo, a cavalo sobre seu colo. Ouço seu coração batendo rapidamente em meu ouvido. Ele abre os braços dos dois lados da cama e recupera o fôlego antes de me envolver neles. Sinto seus lábios encostando no meu cabelo.

Fico deitada ali, pensando. Penso no que acaba de acontecer e no que não aconteceu. Penso em como seu cheiro é bom e como sua pele é quente contra a minha. Penso em como ele ficou manso. Tudo porque ele tem medo de me machucar, física, emocional, até espiritualmente, é provável, se isso fosse possível. E eu o amo por isso. Eu o amo pelo tanto que ele retribui meu amor, mas espero que não continue tão protetor assim comigo para sempre.

Por enquanto, vou deixá-lo em paz nesse aspecto. Acho que preciso provar que sou a mesma antes que ele consiga baixar a guarda perto de mim. E eu respeito isso.

Levanto a bochecha do peito dele e sorrio diante de seus olhos.

Eu me pergunto se ele vai tentar se explicar, me dizer por que gozou fora, talvez dizer que ele não sabia ao certo se devia ou não. Mas ele não se explica. Talvez esteja esperando por mim. Mas eu também não digo nada a respeito.

Para quebrar o silêncio entre nós e cancelar um pouco da incerteza no ambiente, mexo alegremente meus quadris em cima dele e rio um pouco.

— Você precisa deixar que eu me recupere antes, amor. — Andrew sorri para mim e dá dois tapinhas no meu traseiro.

Solto um grito exagerado, fingindo sentir alguma dor, e então rebolo um pouco mais em cima dele.

— É melhor você parar — ele me avisa, suas covinhas se aprofundando nas bochechas.

Eu rebolo de novo.

— Acha que eu tô brincando? Faz isso de novo e vai se arrepender.

Claro que eu faço de novo e me preparo mentalmente para o que quer que ele planeje fazer para me ensinar uma lição.

Ele enfia as mãos entre nós e segura meus dois mamilos com os dedos, apertando só o suficiente para me deixar paralisada de medo de me mexer abruptamente demais e correr o risco de vê-los arrancados.

— Aaaiii! — Solto uma gargalhada e seguro suas mãos, mas ele aperta um pouco mais quando tento tirá-las.

— Eu avisei — ele diz, balançando a cabeça para mim, fazendo uma cara séria que me impressiona, de tão convincente. — Você devia ter escutado.

— Por favor, por favor, por favor, soltaaaa!

Ele passa a língua pelos lábios e diz casualmente:

— Você vai se comportar?

Balanço a cabeça rapidamente umas dez vezes.

Ele aperta aqueles olhos verdes demoníacos, me dando corda.

— Jura?

— Juro pela alma do meu falecido cachorro, Beebop!

Ele aperta meus mamilos uma última vez, me fazendo cerrar os dentes e fazer uma careta, antes de soltar. E então se endireita na cama e põe minhas pernas ao redor da sua cintura. Ele se curva e passa a ponta da língua de leve nos meus seios, beijando-os em seguida.

— Tá melhor? — ele pergunta, me olhando nos olhos.

— Melhor — murmuro. Então ele beija meus lábios e faz amor comigo suavemente antes de pegarmos no sono, abraçadinhos, depois das três da manhã.


11

ACHEI QUE EU fosse ter uma ressaca muito pior hoje de manhã. Noite passada foi a primeira vez que bebi em meses, mas não estou reclamando. Viro para o lado, e quando vejo o relógio perto do meu rosto marcando uma hora e meia depois da hora em que Andrew deveria estar no aeroporto, arregalo os olhos e salto da cama.

— Andrew! — digo, sacudindo-o para acordá-lo.

Ele resmunga e vira para o outro lado, mal abrindo os olhos. Ele estende o braço e tenta me enterrar no colchão para voltar a dormir, mas eu o afasto.

— Levanta. Você perdeu o avião.

A única parte do corpo dele que se move são os olhos, ficando arregalados como os meus, e quando ele cai na real, o resto do corpo os segue.

— Porra! Porra! Porra! — Ele se levanta e fica de pé no meio do quarto, nu.

Nunca me canso de olhar para ele — nu ou vestido, tanto faz. Como acabei ficando com ele é algo que desafia a minha compreensão até hoje. Ele leva as mãos ao rosto e alisa o cabelo, parando com as mãos na nuca, seus braços rijos com músculos bem definidos. E então um longo suspiro de derrota desinfla o seu peito.

— Vou ter que pegar um voo mais tarde.

Saio da cama e pego meu roupão do chão para ir até o chuveiro.

— Não que eu me incomode em ficar aqui com você mais algumas horas — ele diz, chegando por trás de mim.

— Não sei, Andrew. — Enrolo o roupão no meu corpo e o amarro na frente. — Eu tava meio ansiosa pra me livrar de você. — Estou sorrindo muito, de costas para ele.

O silêncio inunda o quarto.

— Tá falando sério?

Sua voz embasbacada torna impossível não rir. Eu me viro e beijo seus lábios.

— Não, cacete, não tô falando sério. Talvez eu tenha desligado o despertador noite passada. Talvez eu tenha planejado tudo isto.

Seu sorriso aumenta, ele me beija e dá a volta na cama para achar sua cueca.

— Foi você? — ele pergunta, vestindo a cueca.

— Não, não fui. Mas é uma boa ideia. Vou lembrar pra próxima vez. Quer tomar uma ducha comigo?

Naquele instante, alguém bate na porta do meu quarto. Sabendo que provavelmente é a minha mãe, Andrew fica um pouco mais tenso e se senta na cama para cobrir a parte de baixo do corpo com o cobertor.

Abro a porta e vejo minha mãe, com seu glorioso cabelo oxigenado, de pé ali. Ela está usando uma blusa de abotoar rosa-claro e blush rosa nas bochechas para combinar.

— Tá acordada? — ela pergunta.

Não, mãe, tô tendo um ataque de sonambulismo. Ela é engraçada, às vezes.

Noto que ela olha de relance para Andrew. Ela sempre manifestou sua preocupação com a possibilidade de eu engravidar de novo, mas claro que não pode esperar que não façamos sexo. É o que ela quer, mas, até parece, não vai acontecer.

Ela sorri fracamente para mim e pergunta:

— Quer ir comigo pra casa da Brenda hoje?

Definitivamente não. Adoro a tia Brenda, mas não a ponto de sufocar até a morte em sua casa cheia de fumaça de cigarro.

— Não, já fiz planos com Natalie.

Na verdade, não fiz plano nenhum, mas sei lá.

— Ah, tudo bem. Bom... — Ela olha de relance para Andrew de novo, e de novo para mim. — Ele não ia pro Texas hoje de manhã?

Eu aperto o cinto do roupão e cruzo os braços.

— Pois é, a gente dormiu demais, mas ele vai pegar outro voo mais tarde.

Minha mãe balança a cabeça e olha para ele mais uma vez. Ela sorri de leve e ele faz o mesmo. Constrangedor. Ela gosta muito de Andrew, mas definitivamente não está acostumada a ter um cara dormindo comigo no meu quarto, mesmo que ele já esteja aqui comigo há duas semanas. Se eu não tivesse quase 21 anos e não estivesse noiva dele, ele certamente nem estaria aqui. Ao mesmo tempo, ela sabe que nos amamos, e depois do que aconteceu com o bebê, quer que ele esteja aqui para me apoiar. Mesmo assim, é constrangedor. Para todos nós. É, Andrew e eu vamos ter mesmo que arranjar um lugar só nosso.

Um lugar só nosso... aqui em Raleigh. Sinto algo pesado no meu peito, de repente.

Minha mãe finalmente nos deixa a sós, e eu olho para Andrew, todo desconfortável com o lençol no colo e o cenho franzido.

— Ducha comigo? — pergunto de novo, mas posso ver que ele já não quer mais.

Ele se encolhe.

— Acho que vou tomar banho depois de você.

Eu rio um pouco de seu constrangimento adolescente, e então abrando meu rosto.

— Vou procurar uma casa neste fim de semana. Prometo.

Ele fica de pé.

— Se quiser que eu procure com você, é só dizer. Só sugeri Natalie pro caso de você querer fazer alguma coisa na minha ausência. Sabe, pra ter uma opinião feminina sobre tapeçarias, padrões de cores, essas merdas.

Eu rio alto.

— Não vou escolher tapeçaria nenhuma. Cortinas, talvez, mas tapeçarias são pra decoradores de interiores e peruas ricas.

Ele balança a cabeça para mim quando saio do quarto e vou para o banheiro no fim do corredor.

Me sinto como o médico e o monstro. O tempo todo. Quando estou diante de Andrew, uso minha cara feliz, mas não como se estivesse fingindo. Eu fico feliz. Acho. Mas assim que fico sozinha de novo, é como se eu me tornasse outra pessoa. Sinto que alguém invisível está sempre de pé atrás de mim, apertando a porra de um interruptor no meu cérebro. Desligado. Ligado. Desligado. Ligado. Des... não, ligado.

Eu me sento no fundo da banheira com os joelhos encolhidos contra o peito, e deixo a água quente correr sobre meu corpo por uma eternidade. Penso no apartamento inevitável que vou acabar encontrando, em como me diverti no Underground noite passada, na roupa suja que preciso lavar, e em como o logotipo está começando a sumir no sabonete. Quando a água começa a esfriar, a mudança de temperatura me acorda o suficiente do meu estranho delírio para notar há quanto tempo estou ali. Nem me depilo antes de desligar a água e sair, evitando de propósito o tapetinho do banheiro porque odeio a sensação dele sob meus pés. Jogo uma toalha limpa em cima dele e fico parada ali, me olhando no espelho. Distraidamente, começo a contar os respingos de pasta de dente no vidro. Paro no catorze.

Abrindo a caixinha de remédios, remexo nos frascos e tubos de coisas procurando o Advil. Por sorte, minha ressaca, por assim dizer, só requer um par de comprimidos para dor de cabeça. Quando o encontro, preciso tirar o frasco de trás de alguns frascos alaranjados de remédios controlados, e então paro. Pego um dos remédios e leio o rótulo. Percocet 7,5 — Um comprimido a cada seis horas conforme a necessidade para a dor — Nancy Lillard. Nem imagino por que minha mãe tem um frasco de analgésico, que obviamente ainda não tomou, mas ela tem dores nas costas já há algum tempo, então talvez tenha finalmente ido ao médico. Ou vai ver que mamãe, que é enfermeira licenciada, entrou pro mundo do crime e está se beneficiando de seu acesso privilegiado a remédios vendidos com receita.

Nah. Não deve ser isso, considerando que o frasco foi comprado há um mês e ainda está cheio. Ela é a mesma velha mãe que conheci toda a minha vida, que não gosta de tomar nada pra dor além dos inofensivos analgésicos vendidos sem receita.

Quando vou devolver o frasco, me vejo parando antes que ele esteja no lugar. Acho que não vai fazer mal. Eu estou com dor de cabeça, e dor de cabeça é dor, certo? Certo. Empurro a tampa de segurança para baixo e giro e jogo um comprimido na palma da mão. Eu o engulo com um pouco de água da torneira, me enxugo e enrolo o cabelo na toalha depois. Vestindo novamente o roupão, eu o amarro e volto para o meu quarto para me vestir. Ouço Andrew falando na cozinha, mas seu tom relaxado revela que não está falando com minha mãe. Deve estar falando ao telefone. Quando o ouço mencionar o nome de seu irmão Asher, me convenço de que minha hipótese estava correta e me visto.

Eu ia ter que encher a Natalie de porrada se fosse ela de novo. Ela precisa parar com isso de se preocupar e conspirar pelas minhas costas com Andrew.

Depois de pentear o cabelo úmido, vou para a cozinha ficar com ele.

— Eu sei, mano, mas acho que não é boa ideia no momento — ouço Andrew dizer, e fico um pouco para trás para não me intrometer rápido demais. — É. É. Não, ela tá melhor. Com certeza não tá tão arrasada quanto na primeira semana. Hã-hã. — Estico o pescoço e o vejo de pé perto do balcão, com o celular encostado num ouvido e a outra mão sobre o tampo. Ele balança a cabeça de vez em quando, ouvindo quem está do outro lado, que imagino ser Aidan. Acerto de novo quando ele diz: — Fala pra Michelle que agradeço o convite. Talvez a gente faça uma visita daqui a um mês ou dois, depois que Camryn tiver tempo pra... Não, talvez na primavera. Faz um frio da porra em Chicago no inverno. — Andrew ri e diz: — De jeito nenhum, mano, por que você acha que eu prefiro o Texas? — Ele ri de novo. Finalmente eu entro na cozinha e ele me vê.

— Eu quero ir — anuncio.

Andrew apenas me olha por um momento, e então interrompe Aidan.

— Só um segundo. — Ele cobre o microfone com a palma da mão. — Você quer ir pra Chicago? — Ele parece levemente surpreso.

— Claro — eu digo, sorrindo. — Acho que vai ser divertido.

De início, ele parece estar processando algo mentalmente. Talvez não acredite em mim, ou então está apenas considerando a ideia e só consegue ver vento e neve. Mas então seu rosto se ilumina e ele começa a balançar a cabeça lentamente.

— Tá — ele diz, hesita, e então encosta novamente o celular no ouvido. — Aidan, te ligo daqui a pouco, tá? Sim. Tá. Até mais.

Andrew passa o dedo na tela do celular e desliga. Então olha para mim novamente.

— Tem certeza? Pensei que quisesse ficar aqui por um tempo.

Eu entro na cozinha e pego uma garrafa de suco de laranja da geladeira.

— Não, tenho certeza — respondo, tomando um gole. — Parece que foi ideia de Michelle.

Ele balança a cabeça.

— Sim, Aidan disse que ela tá preocupada com você. Se ofereceu pra hospedar a gente por uns dias, se quiséssemos fazer uma visita.

Tomo mais um gole e deixo a garrafa sobre o balcão.

— Preocupada comigo? Bom, é legal da parte dela e tudo mais, mas espero que não estejamos indo pra lá pra eu me ver na mesma situação em que estou com a Natalie aqui.

Andrew balança a cabeça negativamente.

— Não, Michelle não é assim. — Ele repete o comentário para dar mais ênfase à toda a verdade que ele contém. — Michelle não é nada parecida com Natalie.

— Não foi isso que eu quis dizer, Andrew.

— Eu sei, eu sei — ele diz —, mas é sério, ela é legal.

Conhecendo Michelle como conheço, sei que ele tem razão.

Então aquele comprimido me atinge do nada, e de repente sinto como se minha cabeça se soltasse dos ombros. Meu corpo todo, da ponta dos pés ao alto da minha cabeça, está formigando, e levo um segundo para voltar a enxergar direito. Minha mão se apoia na borda do balcão instintivamente para me segurar.

— Uau. — Engulo em seco e pisco os olhos algumas vezes com força.

Andrew me olha com uma expressão curiosa.

— Você tá bem?

Um sorriso se abre tanto no meu rosto que sinto o ar do ambiente tocando meus dentes.

— Tô, eu tô ótima.

Ele inclina a cabeça para um lado.

— Bom, não vejo você sorrir assim desde que pus essa aliança no seu dedo. — Ele também está sorrindo de leve, mas ainda dominado pela curiosidade.

Levanto o dedo diante do rosto e admiro meu anel de noivado, que custou menos de cem pratas e provavelmente nem é considerado um anel de noivado por candidatas a noivas de todo o país. Eu o vi numa lojinha no Texas, um dia, e falei rapidamente que era bonito:

— Adoro este — falei, levantando-o para a luz do sol no ângulo certo. — É simples e tem alguma coisa especial nele.

Eu o devolvi para a mulher do quiosque improvisado, e ela o pôs de volta no balcão de vidro entre nós.

— Como assim, você não é dessas que acham que o diamante é o melhor amigo de uma garota? — Andrew perguntou. — Não quer uma aliança com uma pedra tão grande que vai precisar carregá-la num carrinho de mão?

— De jeito nenhum — respondi, rindo. — Um anel assim não tem nada de significativo. Normalmente, só importa o preço. — Saímos da joalheria e andamos pela calçada. — Você mesmo já disse isso, lembra?

— O que que eu disse?

Eu sorri e enfiei a mão na dele quando chegamos à esquina e viramos à esquerda rumo ao café.

— O simples é sexy. — Eu apoiei a cabeça no ombro dele. — Foi naquele dia, na casa do seu pai, quando você me passou um sermão explicando por que eu não devia passar uma hora me maquiando e fazendo o cabelo ou algo assim.

Olhei para cima e o vi sorrindo, perdido na lembrança daquele dia, e então ele me puxou mais para perto.

— É, eu disse isso, não disse? “O simples é sexy.” Bem, é.

— Também é lindo — eu disse.

No dia seguinte, Andrew chegou em casa com aquele mesmo anel e o mostrou para mim. Então, no seu peculiar estilo, ele dobrou um joelho à moda antiga, só que um pouco mais dramático do que normal:

— Camryn Marybeth Bennett, a mulher mais bonita do planeta Terra e mãe do meu bebê, me concede a honra de ser minha esposa?

Eu sorri e olhei para ele de lado, meio desconfiada, e disse:

— Só do planeta Terra?

Ele piscou e disse:

— Bom, eu ainda não vi as garotas dos outros planetas.

Nenhum de nós conseguiu resistir a uma risada. E assim, rimos juntos. Mas então ele ficou bem sério, e essa sua mudança de humor provocou a mesma coisa em mim.

— Quer casar comigo? — ele perguntou.

As lágrimas escorrendo do meu rosto. O beijo longo e profundo que dei nele, que fez nós dois cairmos sobre o tapete, disse sim um milhão de vezes.

Claro que ele me pedira em casamento naquele dia em que eu disse que estava grávida, mas nesse dia ele fez do jeito certo, e nunca vou me esquecer disso enquanto viver.

— Você ainda tá viva?

Andrew agita a mão diante do meu rosto.

Eu volto do passado e acordo novamente no presente, mais chapada que a porra de um misto quente com aquele comprimido. E percebo imediatamente que preciso recuperar minha compostura, para que ele não saiba o que está acontecendo.


Andrew


12

ACHO QUE AS mudanças de humor continuam por um tempo mesmo depois... bom, depois da gravidez. Camryn passou de normal a saltitante de alegria em menos de uma hora. Mas parece que ela está feliz, e quem sou eu para julgar como ela decide manifestar isso?

Mas o fato de ela querer repentinamente sair de Raleigh e ir a algum lugar completamente diferente, mesmo que só por um fim de semana, é estranho para mim, e preciso perguntar:

— Por que assim tão rápido? Quero dizer, eu tô a fim de ir, se você quiser, mas pensei que você quisesse ficar aqui, encontrar um apartamento e tudo mais?

— Bom, eu quero... — ela diz, de forma pouco convincente. Ela continua sorrindo vagamente, e eu acho isso esquisito pra cacete. — Só acho que a gente devia ir visitá-los enquanto podemos, porque depois que eu arrumar emprego aqui, ter tempo livre no fim de semana não vai ser garantido.

Ela levanta as mãos perto da barriga e as junta, passando os dedos de uma sobre a outra, como se estivesse pouco à vontade.

— Você tá... — Eu me interrompo. Não vou fazer exatamente o que ela disse que queria que todos nós parássemos de fazer: ficar constantemente preocupado com ela e perguntando se ela está bem o tempo todo. Em vez disso, sorrio e digo: — Vou ligar de volta pro Aidan e dizer pra ele e pra Michelle que vamos pra lá neste fim de semana.

Espero ela concordar com a data, ou não, e quando ela não diz nada, acrescento:

— Então quer dizer que nem adianta eu ir pro Texas pegar nossas coisas antes da gente voltar de Chicago. — Na verdade, era mais uma pergunta. Preciso admitir que toda essa incerteza sobre onde iremos no dia seguinte está começando a me deixar zonzo. É diferente de quando estávamos na estrada, vivendo o presente e definindo a palavra espontâneo. Pelo menos, então, era nosso objetivo não saber o que o dia seguinte traria. No momento, não sei ao certo o que está acontecendo.

Ela balança a cabeça e puxa uma cadeira na cozinha, onde ela nunca se senta, a não ser quando está comendo no café da manhã. Parece que ela precisa se sentar.

— Peraí — digo de repente. — Você concorda em arranjar um apartamento? A gente pode procurar uma casinha em algum lugar. — Acho que essa é minha maneira de pescar respostas sobre o que ela tem de errado sem realmente perguntar: Qual o seu problema?

Ela balança a cabeça.

— Não, Andrew, não me importo em morar num apartamento. Isso não tem nada a ver com nada. Além disso, não vou deixar que você gaste sua herança numa casa num estado que você não escolheu.

Eu puxo a cadeira ao lado dela e me sento com os braços sobre a mesa, na minha frente. Olho para ela daquele jeito que diz: “Você sabe que não me importo.”

— Eu vou aonde você for. Você sabe. Contanto que não queira comprar um iglu no Ártico nem mudar pra Detroit, não me importa. E vou fazer o que eu quiser com minha herança. E também, o que mais eu poderia fazer com a grana, além de comprar uma casa? É isso que as pessoas fazem. Compram coisas grandes com dinheiro grande.

Temos 550 mil dólares parados no banco, o dinheiro que herdei do meu pai quando ele morreu. Meus irmãos receberam a mesma quantia. É muita grana, e eu sou um cara simples. O que mais eu poderia fazer com essa fortuna, cacete? Se Camryn não existisse na minha vida, eu estaria morando numa casinha modesta de um quarto em Galveston, sozinho, comendo macarrão instantâneo e comida congelada. Minhas pequenas contas seriam pagas, e eu ainda trabalharia pra Billy Frank porque gosto do cheiro de motor. Camryn é muito parecida comigo nesse sentido da frugalidade, e isso torna o nosso relacionamento meio que perfeito. Mas me incomoda, às vezes, como ela simplesmente parece não conseguir aceitar o fato de que meu dinheiro é dela também. Não me deixou nem pagar a fatura do cartão que ela usou na viagem de ônibus quando a gente se conheceu. Seiscentos dólares no cartão que o pai dela lhe deu para emergências. Mas ela insistiu — muito teimosamente — em pagar sozinha. E fez isso com sua metade do que faturamos tocando no Levy’s.

Se tem uma coisa que me incomoda nela é só essa questão. Tomar conta dela é o que vou fazer, porra, quer ela goste ou não. E ela vai ter que aceitar.

— Vamos só passar uns dias em Chicago, e na volta a gente procura uma casa. Juntos.

Eu me levanto e empurro a cadeira, como que para dizer: Isso não está em discussão.

Ela parece surpresa, mas não de um jeito bom, e o sorriso esquisito sumiu de seu rosto.

— Não, se a gente vai comprar uma casa, vou economizar...

Eu agito as mãos no ar diante de mim.

— Para de ser tão teimosa, porra. Se você tá tão preocupada com “sua metade” da grana, pode sempre me pagar com sexo e um striptease de vez em quando.

Ela abre a boca e arregala os olhos.

— Como é que é?! — Ela ri ao mesmo tempo que tenta, sem sucesso, ficar ofendida. — Não sou uma piranha! — Ela se levanta e bate de leve com a palma da mão sobre a mesa, mas acho que é mais para manter o equilíbrio do que para protestar.

Eu sorrio e começo a me afastar.

— Ei, foi você quem pediu. — Chego até a porta da sala, e quando olho por cima do ombro, vejo que ela continua imóvel, provavelmente ainda em choque. — E você é o que eu quiser que você seja! — Grito enquanto me afasto. — Não tem nada de errado em ser a minha piranha!

Eu a vejo de relance correndo na minha direção. Saio correndo pela sala, saltando sobre as costas do sofá feito a porra de um ninja, e saio pela porta dos fundos da casa com ela no meu encalço. Seus gritos e risadas esganiçadas enchem o ar enquanto ela tenta me alcançar.

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Nosso avião pousa em O’Hare no fim da tarde de sexta. Graças a Deus, não tem uma montanha de neve no chão. Retiro o que falei a Camryn, sobre me mudar para qualquer lugar que ela quiser. Eu certamente discutiria se ela decidisse que queria morar em qualquer lugar onde neve e um frio de matar são normais no inverno. Odeio isso. Com todas as minhas forças. E fico tão louco de felicidade quanto Camryn parecia estar na terça quando vejo uma paisagem sem neve e sinto a temperatura de 12 graus em meu rosto. Um pouco quente para esta época do ano em Chicago, mas não estou reclamando. Aquecimento global? Ei, isso não é tão ruim assim.

Aidan está nos esperando no terminal.

— Há quanto tempo, mano — cumprimento, apertando sua mão e abraçando-o. Ele bate nas minhas costas algumas vezes e olha para Camryn:

— É bom te ver.

Camryn o abraça forte.

— É bom te ver também — ela responde, se afastando. — Obrigada por nos convidar.

— Bom, esse mérito é todo da minha persistente esposa — Aidan brinca, erguendo uma sobrancelha. — Não que eu não quisesse que vocês viessem, é claro. — Ele pisca para ela.

Camryn fica vermelha e eu seguro sua mão.

Michelle está nos esperando com um almoço tardio quando chegamos à casa deles. Aquela mulher sabe cozinhar. E ela é como Aidan e eu no que se refee à comida, por isso não me surpreende que tenha feito cheeseburgers gordurosos com queijo derretido pra acompanhar. E cerveja. No momento, estou no paraíso da comida.

Nós quatro comemos na sala, vendo um filme na TV de 60 polegadas de Aidan, e conversamos durante as partes chatas sobre vários assuntos. Quando chegamos aqui, eu estava um pouco preocupado que Aidan ou Michelle mencionassem qualquer coisa remotamente próxima do assunto proibido do aborto de Camryn. Mas em grande parte eu sabia que eles não fariam isso. Olhando para eles, eu não seria nem capaz de dizer que estão pensando nisso. Aidan provavelmente nem tanto. Ele foge de assuntos profundos como esse. E Michelle está jogando bem, fazendo Camryn se sentir completamente à vontade e não lhe dando qualquer motivo para pensar naquilo que ela quer esquecer.

E eu nunca vi Camryn com Natalie do jeito que ela está agora com Michelle, então isso é bom. Parece que essa viagem inesperada está se revelando mais benéfica do que eu imaginava.

Durante uma das nossas conversas, Aidan joga a cabeça para trás e ri. Meus dois irmãos nunca mais vão me deixar em paz com isso.

— É, Andrew tava pra lá de bêbado — Aidan explica a Camryn enquanto reviro os olhos — quando o caça-talentos da agência de modelos chegou nele no meu bar naquela noite.

Oh, lá vem a versão exageradamente dramática de Aidan sobre aquele acontecimento. Camryn está sorrindo de orelha a orelha e sem dúvida se divertindo ao me ver me retorcendo ao lado dela.

— O cara se sentou ao lado de Andrew no balcão e disse alguma coisa, tipo que ele tinha “o visual”. — Aidan para de falar e balança a cabeça. — E antes que o cara conseguisse terminar, Andrew virou pra ele e falou, fazendo cara de doido, estilo Charles Manson: “Cara, tu comeu meu amendoim?” A expressão no rosto do cara foi impagável. Ele ficou com medo, até recuou um pouco, como se achasse que Andrew fosse bater nele.

Camryn e Michelle riem.

— Aí o cara puxou um cartão de visitas da carteira e falou: “Já pensou em ser modelo?” E entregou o cartão pra ele. Andrew só olhou pro cartão, mas não pegou.

— Peguei, sim.

Aidan dá um sorrisinho para mim.

— Pegou, mas só depois de eloquentemente explicar que você nunca poderia ser modelo porque isso é pra “caras sem colhões” e...

— Tá, tá, Aidan — eu interrompo, tomando um pequeno gole da minha cerveja.

— Por que eu nunca te vi tão bêbado assim? — Camryn pergunta. Ela não consegue parar de sorrir, adorando cada minuto, e isso me faz sorrir e parar de fingir. Eu passo as pontas dos dedos em sua trança dourada.

— Bom — eu começo —, você nunca me viu tão bêbado porque eu cresci desde então.

Michelle sufoca uma risada.

— Ei — eu digo, apontando para ela —, você não pode falar nada, ‘Chelle. Lembro que a última vez que eu estive aqui, você ficou dançando feito uma stripper bêbada no balcão depois de tomar umas e outras.

O queixo dela cai.

— Eu não tirei a roupa, Andrew!

Aidan ri e toma um gole de cerveja.

— Não sei, se eu não estivesse presente naquela noite, a gente poderia ter se divorciado.

Michelle bate no rosto dele com a almofada do sofá na qual estava encostada.

— Eu nunca tiraria a roupa — ela ri. Aidan, imune ao ataque, não consegue parar de sorrir.

Nem Camryn. Eu me perco no sorriso dela por um minuto, feliz por ver que está se divertindo tanto.

Michelle acrescenta:

— Vocês dois são nojentos quando se juntam.

— Ei, já que você se casou com o mais babaca — retruco —, você tem telhado de vidro.

— É — Aidan concorda. — Agradeça por Asher não estar aqui também, porque ele não é tão inocente como você pensa.

Porra nenhuma. Aquele merdinha sabe ser infernal quando quer.

Michelle tira as pernas de cima da almofada e se levanta para recolher os pratos e coisas da mesinha de centro. Camryn também se levanta.

— Bom, acho que sou uma Parrish há tempo suficiente pra saber disso. Pode confiar. — Ela empilha os pratos enquanto Camryn ajuda a recolher os guardanapos e algumas garrafas vazias de cerveja.

— Por que tá tão quieta, Camryn? — Aidan diz do sofá. — Você pode ainda não ter casado com meu irmão, mas é como se estivesse, praticamente, então também tem telhado de vidro. — Ele ergue a cerveja para ela, como que para fazer um brinde, e toma mais um gole, com um sorriso malicioso.

Que irmão esperto eu tenho. Se não fosse tão feio, eu daria um beijo na boca dele por isso. A última coisa que quero é que Camryn se sinta excluída.

Ela sorri para ele, equilibrando os objetos nos braços.

— Ainda bem que você ainda não sabe nada a meu respeito.

— Ainda — ele diz, balançando a cabeça uma vez, como que para enfatizar a inevitabilidade daquela palavra. — Então acho que você pode se preparar pra ser alvo de umas brincadeiras bem embaraçosas, hein?

Camryn franze seu lindo nariz para ele e segue Michelle até a cozinha.


Camryn


13

— ESTOU MUITO feliz por vocês terem convidado a gente — digo atrás de Michelle, enquanto jogo as garrafas vazias de cerveja no lixo.

Michelle põe a pequena pilha de pratos no balcão e começa a enxaguá-los na pia antes de colocá-los na lava-louça.

— Ei, sem problemas — ela responde, sorrindo para mim. — Eu precisava de companhia, pra ser sincera. As coisas estão bem estressantes por aqui. — Ela coloca mais um prato na prateleira de baixo da lava-louça.

Eu me aproximo e me apoio no balcão, cruzando os braços. Ela está me dando permissão para perguntar mais? Não tenho certeza, mas me sinto suficientemente à vontade com ela para ir em frente e perguntar assim mesmo.

— Seu emprego tá te sugando muito? — O que eu realmente queria perguntar era: Tá tudo bem entre você e Aidan? Lembrando o que Marna disse sobre ela e Aidan terem problemas no casamento, mas acho que isso é perguntar demais, cedo demais.

Ela sorri com ternura e enxágua o último prato.

— Não, acho que trabalhar na clínica é uma terapia, na verdade.

Eu fico em silêncio, mas presto atenção.

— Aquele bar anda desgastando muito o Aidan ultimamente — ela continua —, mas o culpado é ele mesmo. Ele tem empregados mais do que suficientes pra cuidar de tudo, mas passa muito tempo lá, cuidando de coisas que paga os outros pra resolver.

Olho para ela com curiosidade.

— Por quê?

Ela fecha a lava-louça e olha para a entrada em arco que leva para a sala de estar, onde Aidan e Andrew estão conversando, rindo e falando muito “Porra, mano”. Então ela se vira para mim e diz em voz baixa:

— Ele tá bravo comigo. — Ela desvia o olhar e enxuga as mãos num trapo pendurado no puxador do armário sobre o balcão.

Só isso? Fico em silêncio por alguns segundos, só para o caso de ela ser o tipo de pessoa que faz pausas muito longas, mas ela não continua. Isso me deixa um pouco frustrada. Então, de repente, ela diz:

— Eu não deveria falar desses assuntos. Não depois do que você e Andrew enfrentaram. Desculpa mesmo.

— Não, Michelle — respondo, esperando aliviá-la. — Ei, eu tô aqui pra ouvir.

Por algum motivo estranho, Michelle mencionar o que Andrew e eu “enfrentamos” não me incomoda do modo como sempre incomoda quando os outros falam disso. Talvez seja porque eu sei que ela não está tentando me forçar a falar a respeito, nem tem medo de agir normalmente perto de mim. No momento, o mais importante é Michelle, e quero ficar do lado dela.

Ela hesita, olhando mais uma vez para a sala, e suspira.

— Ele quer ter filhos — ela confessa, e sinto meu coração se apertar, mas não deixo que isso transpareça no meu rosto. — E eu também quero, mas não agora.

— Ah, entendo. — Eu balanço a cabeça e penso nisso por um segundo. — Bem, poderia ser pior. Pelo menos ele não tá tendo um caso, nem começou a fabricar anfetamina no porão.

Michelle ri um pouco e pendura o pano de volta no armário.

— Tem razão — ela concorda, com os olhos castanhos iluminados pelo sorriso. — Nunca pensei dessa forma. Só queria que ele me desse pelo menos mais três anos. Eu lido com crianças o dia todo, sou pediatra. Adoro crianças. É preciso, pra fazer o trabalho que eu faço, mas tenho uma visão mais profunda da responsabilidade que é criar um filho. Aidan só consegue imaginar o filho jogando beisebol e indo acampar com ele, você me entende?

Eu rio baixinho.

— Sim.

Uma parte bem pequena de mim se pergunta se Michelle está me falando isso como uma maneira de aliviar a minha dor, me dizendo que criar um bebê é difícil. Talvez esteja, mas ao mesmo tempo, acho que sou eu que estou imaginando isso. Para contar o que está acontecendo entre ela e Aidan e considerando o assunto, seria difícil não falar algo assim.

— Então, como vai a fisioterapia de Andrew?

O clima muda instantaneamente no ambiente, como se as duas pudéssemos respirar um pouco mais aliviadas, agora que já passamos pelos assuntos perigosos.

— Ele teve fraqueza muscular por uns tempos, mas tá ótimo. Praticamente já não faz mais fisioterapia.

Michelle balança a cabeça e também puxa uma cadeira.

— Que bom — ela diz, e um silêncio embaraçoso se segue.

Aidan e Andrew interrompem esse momento constrangedor quando entram na cozinha. Aidan vai direto para a geladeira enquanto Andrew senta a sua bundona pesada no meu colo.

— An-drew! — Eu reclamo e rio ao mesmo tempo, tentando afastá-lo. — Vê se perde uns quilinhos! Caramba, amor, você tá me esmagando!

Ele se vira no meu colo, ficando de lado tempo suficiente para amassar meu rosto com as mãos e me beijar no meio dos olhos.

— Sai. Sai! — eu grito, e ele finalmente sai. — Sua bunda é ossuda. — Esfrego as mãos nas pernas para aliviar os músculos. Claro que a bunda dele está longe de ser ossuda, mas a expressão dele valeu a mentira dramática.

— Parecem menininhos — Michelle diz de perto da pia.

Eu nem notei que ela se levantou.

Aidan fecha a geladeira com outra garrafa de cerveja na mão e se senta na cadeira da qual Michelle levantou. Andrew me levanta como se eu não pesasse nada e rouba minha cadeira, me pondo em seu colo depois.

— Muito melhor assim — comento.

Ele abraça a minha cintura.

— Então, eu tava falando com Aidan.

Uh-oh, não gostei desse tom.

— É? — pergunto desconfiada, olhando mais para Aidan, já que não consigo ver Andrew atrás de mim.

— Isso deve ser interessante — Michelle brinca da pia, olhando para nós com o quadril encostado no balcão.

Aidan deixa a cerveja na mesa e diz:

— Você estaria interessada em cantar no meu bar amanhã à noite? É a noite mais cheia da semana. O tipo de música que vocês cantam é perfeito pros meus clientes.

A única vez que realmente me senti tão nervosa me apresentando em qualquer bar ou clube foi a primeira vez que cantei com Andrew, no Old Point, em Nova Orleans. Acho que fico muito nervosa de cantar na frente da família dele. Na frente de pessoas que não conheço e que provavelmente nunca mais vou ver não é tão desesperador, mas preciso dizer que isso está embrulhando meu estômago.

— Não sei...

Andrew me aperta suavemente por trás.

— Ah, vai — ele pede, tentando me encorajar sem ser autoritário demais.

Seja autoritário, Andrew! Pare de ser tão cauteloso! Seja como você foi quando me mandou subir no teto do carro na chuva, ou quando me obrigou a trocar aquela droga de pneu!

— Aceita, vai — Aidan insiste, jogando a cabeça para trás. — Andrew diz que você canta muito.

Fico vermelha e faço uma careta ao mesmo tempo.

— Bom, Andrew é suspeito, então você não pode aceitar a palavra dele.

— Eu acho uma ideia maravilhosa — Michelle acrescenta, e também se senta no colo de Aidan. Ele bate de brincadeira em suas coxas com as mãos, e isso me lembra de como Andrew costuma fazer a mesma coisa comigo toda hora. Aidan não se parece com Andrew tanto quanto Asher, mas com relação a todas as outras coisas em comum, dá para ver muito bem que são irmãos.

Penso por um momento e me viro para ver Andrew atrás de mim, abraçando seu pescoço e entrelaçando os dedos. Ele está sorrindo de orelha a orelha. Como posso dizer não a isso?

— Tudo bem — concordo. — Eu vou cantar. Mas eu escolho a música.

Aidan balança a cabeça em aprovação.

— O que você quiser — Andrew diz.

— Quanto tempo a gente vai tocar? — pergunto.

— O tempo que vocês quiserem — Aidan diz. — Só uma canção, se quiserem. Vocês que sabem.

Andrew e eu vamos dormir tarde depois de jogar cartas com Aidan e Michelle. E embora estejamos no quarto de hóspedes bem em frente ao deles, estar aqui não é tão constrangedor quanto na casa da minha mãe. Só que do quarto deles não vem nenhum barulho como o que sei que saía do nosso na última meia hora. Tentei gemer e gritar baixinho, mas, bem, não é fácil fazer isso quando Andrew está fazendo o que bem quer comigo.

Acho que estou deitada aqui, acordada, há umas três horas desde que Andrew pegou no sono. Ouço o barulho da rua lá fora e Andrew respirando suavemente ao meu lado. De vez em quando, os faróis de um carro passam por uma parte da parede e somem segundos depois.

Não consigo dormir. Tenho dificuldade para pegar no sono e continuar dormindo desde... bem, há algumas semanas. Tento não me agitar demais para não acordar Andrew. Ele parece tão em paz, deitado ali.

Finalmente, saio silenciosamente da cama e remexo minha bolsa à procura dos comprimidos. Eles têm me ajudado a dormir. E eu gosto de como eles me fazem sentir. Porque me fazem sentir alguma coisa diferente da dor. Mas estou tomando cuidado. Não tenho propensão a vícios, e nunca tomei nenhum tipo de droga na vida. Experimentei maconha algumas vezes no último ano do colegial, mas todo mundo experimentou.

Mas admito que penso muito no que vou fazer quando estes comprimidos acabarem...

Ponho um na palma da minha mão e olho para ele por um momento. Talvez eu devesse tomar dois esta noite, pra dormir profundamente. Quero estar descansada e pronta para me apresentar no bar de Aidan amanhã à noite. Sim, isso é motivo suficiente para tomar um a mais.

Engulo os comprimidos com um gole da garrafa d’água que deixei ao lado da cama e me deito ao lado de Andrew, olhando para o teto e esperando pelo efeito. Andrew, sentindo que me mexi, vira instintivamente o corpo e põe o braço na minha cintura. Eu me encolho perto dele, correndo o dedo com cuidado pelo desenho de Eurídice no seu quadril. Faço isso até que finalmente minha cabeça fica leve como o ar, e meus olhos se enchem de centenas de borboletinhas fazendo cócegas no fundo das minhas pálpebras e nas minhas têmporas.

E eu...

Andrew

Camryn dormiu até bem depois do almoço. Quando finalmente consegui acordá-la, ela se levantou com enxaqueca e mal-humorada. Bonitinha, mas mal-humorada. Mal tomou duas cervejas noite passada, mas parece que bebeu um litro de engasga-gato, pelo modo como está derrubada na cama, com a cabeça enterrada debaixo do travesseiro.

— Eu trouxe um Advil pra você — digo, me sentando ao lado dela. — Talvez você esteja com um tumor no cérebro.

Ela me dá uma joelhada na coxa.

— Não tem graça, Andrew — ela reclama, com um gemidinho na voz.

Eu achei engraçado.

— Bom, toma isso — insisto, tirando o travesseiro de cima de sua cabeça. Ela protesta por um segundo antes de ceder.

Ela levanta o suficiente da cama para engolir os comprimidos com água e depois desaba de volta no colchão, fechando os olhos com força e esfregando as têmporas com as pontas dos dedos. Eu lhe devolvo o travesseiro e ela se esconde debaixo dele.

— Sabe, em geral as pessoas ficam acostumadas com a bebida quanto mais elas bebem, não o contrário.

— Só tomei duas cervejas — ela protesta, com a voz abafada pelo travesseiro. — É só uma dor de cabeça, provavelmente não tem nada a ver com a cerveja.

Eu me curvo e beijo a barriga dela, lembrando rapidamente a última vez em que fiz isso, quando ela estava grávida. Isso me deixa triste por um segundo, mas como venho fazendo desde que aconteceu, enterro esse sentimento e não deixo transparecer.

— Posso ficar aqui com você, se quiser.

— Não, eu vou ficar bem — ela responde, e sua mão emerge de baixo do travesseiro. Ela a coloca às cegas na minha virilha, até que percebe o que é e a desloca rapidamente para o meu joelho. Eu a atormentaria por isso, mas vou deixar barato desta vez.

— Tá, vou ficar com Aidan por algumas horas — digo e me levanto da cama. — Espero que você esteja melhor até a noite. Quero muito que a gente toque.

— Também quero — ela diz, e estica a mão para mim.

Eu a seguro e me abaixo, beijando os nós dos seus dedos antes de sair para acompanhar meu irmão enquanto ele cuida de uns negócios.

Quando anoitece, Camryn está vestida e sua dor de cabeça parece ter ido embora, por isso nós quatro vamos para o fino estabelecimento de cerveja, amendoim e música ao vivo de Aidan.

~~~

Os negócios no bar de Aidan estão prosperando, de acordo com ele, e quando entramos pouco depois das 19h, vejo que ele não exagerou. Nunca vi o lugar tão cheio assim, e já passei muitas noites de sexta e sábado aqui, nos seus seis anos como dono do bar. A música sai dos numerosos alto-falantes no teto e nas paredes, algum folk rock, bem parecido com o que virou meio sem querer uma marca registrada para Camryn e eu. Alguns anos atrás, se alguém me perguntasse que tipo de música eu tocaria se tivesse uma banda, eu jamais teria pensado em folk rock. Cantei e toquei rock clássico como Stones e Zeppelin em bares e clubes por muito tempo, mas depois que conheci Camryn, isso mudou um pouco. Adotamos o estilo do Civil Wars, principalmente, porque vinha muito naturalmente para nós como dupla, mas ainda tocamos alguns clássicos do rock também, quando nos apresentamos.

Um dos nossos favoritos: “Hotel California”, do Eagles, tecnicamente a primeira canção que cantamos juntos. Pode ter sido no carro, na estrada e só por diversão, mas grudou na gente. E tocamos “Laugh, I Nearly Died”, dos Rolling Stones, que Camryn insistiu em aprender.

Mas Camryn continua adorando coisas mais novas e o Civil Wars mais do que tudo, e por isso é o que tocamos normalmente.

Esta noite não vai ser diferente.

Eu tinha a impressão de que ela ia escolher “Tip of My Tongue” e “Birds of a Feather” porque são as duas canções que ela mais curte cantar. Adoro vê-la cantando essas duas ao meu lado no palco, porque ela fica vibrante, brincalhona e sexy pra cacete. Não que ela já não seja tudo isso, mas é como se outro lado mais ousado e paquerador dela se sobressaia quando ela canta. E ela não apenas canta — ela dá um show. Acho que é aquela alminha de atriz que ela sempre teve guardada em algum canto. Ela me disse que já representou em peças da escola, e dá para ver que ela leva jeito.

Mas cantar ao meu lado também parece fazê-la feliz, e por isso esta noite é tão importante. É a primeira vez que vamos nos apresentar juntos desde que ela perdeu o bebê, e espero que seja terapêutico.

Abrimos caminho em meio à multidão apertada e vamos até o palco, onde nos preparamos com calma. Não tem muita coisa para preparar, na verdade, só com uma guitarra — infelizmente, não uma das minhas — e dois microfones, mas só vamos tocar daqui a 15 minutos.

— Tô tão nervosa — Camryn diz perto do meu ouvido, precisando falar alto por cima da música.

Eu bufo com os lábios cerrados.

— Ora, por favor. Quando foi que você voltou a ficar nervosa? Já fizemos isso mais de cem vezes.

— Eu sei, mas tô cantando pro Aidan e pra Michelle desta vez.

— Ele não canta nada, então a opinião dele não vale nada.

Ela sorri.

— Bem, não tô nervosa a ponto de não querer fazer. Acho que é meio empolgante, na verdade.

— Essa é a minha garota — digo e me abaixo para beijar seus lábios.

— Aquelas duas garotas — Camryn grita para mim, sem olhar na direção delas —, na mesa da frente à sua esquerda, estão imaginando uma transa com você agora mesmo, juro por Deus.

Rio um pouco e balanço a cabeça.

— E aquele cara perto da mulher de blusa roxa — digo, acenando discretamente na direção dele — tá com a cabeça enterrada no meio das suas coxas desde que você subiu no palco.

— Então vão ser eles esta noite, hein? — ela pergunta.

Balanço a cabeça e confirmo:

— Hã-hã.

— Dá um bom trato nelas, amor — ela provoca, sorrindo maliciosamente para mim.

— Pode deixar — digo, com a mesma malícia no rosto.

Começamos isso na nossa segunda noite no Levy’s: cada um escolhe um cara e uma garota da plateia que estejam nessa vibe de “como eu adoraria te comer” e fazemos com que se sintam “superespeciais” em uma das canções. Mas sempre começamos dando aos nossos alvos um pouquinho de atenção bem antes de cair matando. Só um olhar, um contato visual de três segundos para que ela, ou ele, no caso de Camryn, saiba que chamou a atenção um pouco mais do que os outros presentes. Camryn já está fazendo sua mágica. O cara está com um sorriso babaca estampado no rosto, agora. Ela olha para mim e pisca. Enquanto passo a alça da guitarra pelo ombro, olho lentamente para as duas garotas. São bem gostosas, devo dizer. Cruzo olhares com a morena primeiro, olho por alguns segundos, depois olho para a amiga dela pelo mesmo tempo. Assim que desvio o olhar, noto que estão dando risadinhas e conversando, escondendo a boca com a mão. Eu apenas sorrio e dedilho as cordas da guitarra, testando a afinação. Camryn bate com o polegar no microfone e depois vai pegar os dois banquinhos nos quais provavelmente só vamos sentar para uma canção. Ela se senta no dela e cruza as pernas; aqueles saltos pretos sensuais de um quilômetro, sozinhos, já fazem parecer que ela sabe o que está fazendo neste ramo. São decorados com rebites prateados. Puta que pariu, tem umas coisas que ela veste que me deixam louco.

Um apresentador, jovem, aparece no palco e nos apresenta. Muitas das vozes que se ouvem no grande espaço se calam, e mais ainda quando começo a tocar guitarra. E quando Camryn canta a primeira canção, sua voz é tão sensual que ela atrai a atenção de praticamente todos na hora.

Cantamos quatro canções para uma plateia maravilhosamente receptiva que dança, se embebeda e tenta cantar junto. A atmosfera no bar é explosiva e eu adoro.

Camryn desce os três degraus do palco com o microfone na mão e se aproxima de sua vítima. Antes que a canção acabe, ele está dançando com ela, se divertindo muito. Quando suas mãos chegam perto demais de lugares que só eu tenho permissão para tocar, Camryn, como uma profissional, sorri e continua a cantar para ele enquanto o afasta.

Então fazemos uma pequena pausa.

Camryn me puxa para trás do palco enquanto as vozes aumentam novamente ao nosso redor.

— Preciso ir ao banheiro — ela diz.

Tiro a alça da guitarra pela cabeça e a apoio na parede.

— Vai, vou pegar bebida pra gente — digo. — Quer alguma coisa?

Ela sorri, balançando a cabeça.

— Pode trazer qualquer coisa, tanto faz.

— Alcoólica? — pergunto.

Ela balança a cabeça de novo e me beija, ansiosa para se afastar logo, provavelmente para não mijar perna abaixo.

— Oh, e por que você não canta a próxima sozinho hoje? — ela sugere.

— Mesmo? Por quê?

Ela se aproxima e apoia as mãos no meu peito.

— Você canta essa melhor sozinho, e acho que já encerrei por hoje. Queria ver você. — Ela me dá um selinho. Fica tão alta com esse sapato que está na altura dos meus olhos.

Se é isso que ela quer, por mim, tudo bem. Não quero forçá-la.

— Tá, vou cantar sozinho — digo. — Assim vai ser mesmo mais fácil seduzir minhas duas garotas na plateia.

Ela sorri e diz, rindo ao mesmo tempo:

— Não exagera, Andrew. Lembra o que aconteceu da última vez?

— Eu sei, eu sei — digo, afastando-a com um gesto.

Ela se vira e eu lhe dou um tapa na bunda enquanto ela corre para o banheiro.


CONTINUA

9

CAMRYN DEIXOU O carro dela comigo. Perguntei rapidamente por que ela não viajou de carro, em vez de embarcar num ônibus naquele dia, em julho passado, e ela respondeu com: “Por que você não viajou no seu?” Precisei de todas as minhas forças para me colocar no banco do motorista de um pequeno Toyota Prius vermelho, mas respirei fundo e dirigi até o Starbucks, onde combinara me encontrar com Natalie.

Tudo nisto parece perigoso e sujo. E não quero dizer sujo do jeito bom. Quero dizer que vou querer tomar banho com água sanitária quando isto acabar. Natalie chega sem Blake e cruza o salão na minha direção, seu longo cabelo preto preso num rabo de cavalo. Fiz questão de pegar uma mesa o mais longe possível das grandes vidraças, por medo de alguém me ver com ela. Não importa que ninguém me conheça por aqui; a questão não é essa. Tentei fazê-la me contar o que precisava me contar por telefone, mas ela insistiu que nos encontrássemos.

Ela se senta na cadeira vazia e joga a bolsa sobre a mesa ao mesmo tempo.

— Eu não mordo — ela diz com um sorrisinho.

Talvez não, mas aposto que a sua...

— Não precisa fingir que gosta de mim — ela interrompe meus pensamentos. — Cam não tá aqui. E eu não sou tão burra quanto você pensa.

Admito que ela me surpreendeu. Eu achava realmente que ela nem imaginasse que eu não ia com a cara dela. Nat pode ser a melhor amiga da minha noiva, mas magoou Camryn de verdade quando a repeliu, meses atrás, e não acreditou em Camryn quando Damon, o ex de Natalie, confessou estar apaixonado por Camryn. Foi muita mancada.

Eu me afasto da mesa e cruzo os braços sobre o peito.

— Bom, já que estamos sendo francos, me diz, qual o seu problema, afinal?

Isso a pegou desprevenida. Seus olhos se arregalaram com a surpresa e depois se estreitaram. Ela parece estar mordendo a bochecha por dentro de frustração.

— Você tá falando do quê? — Ela cruza os braços e inclina a cabeça para o lado, fazendo o seu rabo de cavalo cair do outro.

— Acho que você sabe do que eu tô falando. E se não sabe, então talvez seja tão burra quanto eu penso.

Não consigo deixar de ser filho da puta assim com ela. Eu poderia ter continuado a tolerá-la indefinidamente, sem nunca dizer uma palavra negativa, mas foi ela que pôs as cartas na mesa quando se sentou. A culpa é dela, cacete.

Uma lampadinha se acendeu em sua cabeça e o brilho de seus olhos castanhos diminuiu com a compreensão. Ela sabe exatamente a que me refiro.

— Eu sei, mereço isso — ela admite, desviando o olhar. — Vou me arrepender do que fiz com Camryn pra sempre, provavelmente, mas ela me perdoou, então não sei por que você precisa ser tão babaca a respeito disso. Você nem me conhecia na época. Você ainda não me conhece.

Não, não conheço, admito, mas sei o suficiente e isso me basta. Pelo menos posso confrontar Natalie. Damon, ou sei lá qual a porra do nome dele, é outra história. Bem que eu gostaria de tê-lo sentado à minha frente no lugar dela. Nada me daria mais satisfação do que enfiar os lábios dele no meio dos dentes.

— Mas não estamos aqui pra falar de mim — ela desconversa, novamente com aquele sorrisinho —, então me deixa explicar por que pedi que você me encontrasse aqui.

Eu balanço a cabeça e deixo por isso mesmo.

— Cam e eu somos melhores amigas há muito tempo. Eu a ajudei a enfrentar a barra quando a avó dela morreu, quando Ian morreu, quando o irmão dela, Cole, matou aquele cara e foi pra cadeia. Isso sem falar quando o pai dela traiu a mãe e os dois se divorciaram. — Ela se curva sobre a mesinha. — Tudo isso aconteceu nos últimos três anos. — Ela balança a cabeça, se recosta na cadeira e cruza os braços de novo. — E essas foram só as coisas mais graves que viraram a vida dela de ponta-cabeça, Andrew. Sinceramente, acho que a sorte dela anda uma merda. — Ela levanta a mão diante do rosto e diz dramaticamente: — Oooh, mas eu não posso dizer isso pra Cam de jeito nenhum. Ela veio com três pedras na mão da última vez que tentei lhe dar algum crédito. Tô falando pra você, ela não gosta de piedade. Detesta isso. Ela tem essa mentalidade perturbada que diz que por pior que seja o que cai no colo dela, tem um monte de gente por aí que tem problemas piores. — Ela revira os olhos.

Eu sei exatamente do que Natalie está falando. Camryn tentou evitar seus problemas enquanto estava viajando comigo, então sei disso em primeira mão, mas o que Natalie não sabe é que eu ajudei Camryn a sair um pouco dessa casca. Sorrio ao pensar que consegui em menos de duas semanas o que Natalie, sua melhor amiga, por assim dizer, não conseguiu em todos os anos que as duas se conhecem.

— Por isso ela aceita e pronto — Natalie continua. — Sempre aceitou. Tô falando, ela tem muita dor, raiva, decepção e sabe Deus mais o que acumuladas, que ela nunca conseguiu processar direito. E agora, com o que aconteceu com o bebê... — ela engole em seco e seus olhos castanhos ficam pesados com a preocupação — ...tô com medo de verdade por ela, Andrew.

Eu não esperava que meu encontro com Natalie resultasse nesta preocupação profunda com a saúde e o estado mental de Camryn. Eu já estava preocupado com ela, mas quanto mais Natalie fala, pior isso fica.

— Me fala dessa terapia que ela fazia — peço. — Perguntei pra ela hoje, mas ela não quis falar disso comigo.

Natalie cruza as pernas e suspira profundamente.

— Bom, o pai conseguiu convencê-la a ir numa psiquiatra logo depois que Ian morreu. Cam ia toda semana, e parecia que tava dando resultado, mas acho que ela enganou a gente. Quem “tá melhorando” não embarca num ônibus e vai embora sem falar com ninguém, como ela foi.

— Foi o pai que convenceu Camryn a ir?

Natalie faz que sim.

— Foi. Ela sempre foi mais chegada ao pai do que à mãe. Nancy é ótima, mas às vezes é meio avoada. Quando o pai dela fez as malas, depois do divórcio, e se mudou pra Nova York com a nova namorada, acho que Cam ficou ainda mais perturbada. Mas é claro que ela jamais admitiria isso.

Eu respiro fundo e passo as duas mãos na cabeça. Me sinto culpado em ficar sabendo de tudo isso, e logo por intermédio de Natalie, mas aceito informações de onde vierem, porque pelo jeito Camryn nunca ia me contar nada.

— Ela falou alguma coisa de remédios — conto. — Falou que não ia ver psiquiatra nenhum porque eles só...

Natalie balança a cabeça e interrompe:

— É, receitaram uns antidepressivos, e ela tomou por um tempo. Depois só sei que ela admitiu que tinha parado há alguns meses. Eu nem fazia ideia.

Finalmente, vou direto ao assunto.

— Então por que você me trouxe aqui, exatamente? — pergunto. — Espero que não tenha sido só pra me contar todos os segredos dela. — Gostei de obter essas informações, mas sou obrigado a me perguntar se Natalie não está me contando só porque gosta de fofocar. Provavelmente não. Acho que ela gosta de Camryn de verdade, mas Natalie é Natalie, no fim das contas, e isso não é algo que eu possa ignorar.

— Acho que você precisa ficar de olho nela — Natalie diz, e recebe novamente toda a minha atenção. — Ela ficou deprimida pra valer depois que Ian morreu. Tipo, por muito tempo, eu nem conseguia reconhecê-la. Ela não chorou nem fez o que imagino que uma pessoa depressiva faria, não, Cam foi... — Ela levanta os olhos, pensativa, depois me olha de novo. — Ela foi estoica, se é que essa é a palavra certa. Parou de sair comigo. Parou de se importar com a escola. Não quis fazer faculdade. A gente já tinha feito todos os nossos planos pro primeiro ano da faculdade, mas quando ela caiu nessa depressão, fazer faculdade nem passava pela cabeça dela.

— O que passava pela cabeça dela?

Natalie balança a cabeça de leve.

— Não sei dizer, porque ela raramente falava disso. Mas às vezes falava de umas merdas profundas, bem esquisitas: fazer um mochilão pelo mundo, coisas assim. Não lembro todos os detalhes, mas ela definitivamente não tava vivendo na realidade, pode ter certeza. Ah, e ela falava de vez em quando que queria sentir emoções de novo. Acho esquisito alguém não conseguir sentir emoções, mas sei lá. — Ela agita a mão diante de si, afastando a ideia. Em seguida sorri para mim, e não sei ao certo como interpretar isso até que ela fala. — Mas aí você apareceu e ela voltou ao normal. Só que umas mil vezes melhor. Eu senti, naquela noite em que falei com ela enquanto vocês tavam em Nova Orleans, que alguma coisa tinha mudado. Sinceramente, nunca vi a Cam do jeito que ela é com você. — Ela faz uma pausa e diz: — Acho que você é a melhor coisa que já aconteceu pra Cam. Não me mata por tocar nesse assunto, mas se você tivesse morrido...

Espero impacientemente que ela continue, mas ela para por aí. Ela desvia os olhos e parece pronta a retirar tudo o que ia dizer.

— Se eu tivesse morrido, o quê?

— Não sei — ela responde, e eu não acredito. — Só acho que você precisa ficar de olho nela. Sei que nem é necessário dizer que ela precisa de você mais do que nunca, agora.

Não, ela não precisava me dizer isso, mas com tudo o mais que ela me contou, não consigo deixar de sentir que preciso estar com Camryn agora mesmo, e a cada minuto de cada dia. Quase odeio Natalie por me contar tudo isso, mas ao mesmo tempo, eu precisava saber.

Levanto da mesa e enfio os braços na minha jaqueta preta, depois empurro a cadeira para a frente.

— Então você vai embora assim?

Eu paro e olho para ela.

— Vou, sim — respondo, e ela fica de pé. — Acho que já sei o suficiente.

— Por favor, não conta...

Levanto a mão.

— Olha, não leve a mal, agradeço por você me contar tudo isso, mas se Camryn perguntar, vou contar que me encontrei com você aqui em particular e que você me contou tudo o que sei. Portanto, não espere que eu guarde algum segredo dela.

Suas bochechas desincham.

— Tá bom — ela diz, e pega a bolsa de cima da mesa. — Mas eu só disse isso porque tô preocupada com o que ela pode sentir se souber que eu te procurei, não porque tô preocupada porque ela pode ficar puta comigo por isso.

Balanço a cabeça. Admito que acredito nela, desta vez.

~~~

Estou na sala de estar vendo TV quando Camryn e a mãe dela chegam em casa da consulta com a ginecologista. Percebo que me sento mais reto e fico sem jeito por estar na casa da mãe dela e tudo mais. Deixo o controle remoto da TV na mesinha de centro de carvalho e me levanto para ir ao encontro de Camryn.

— Então, como foi lá? — Postura constrangida. Perguntas retóricas constrangidas. Tudo constrangido. Odeio ficar constrangido. Precisamos ter nossa própria casa logo. Ou ir pra um hotel.

Os olhos de Camryn se abrandam quando ela se aproxima de mim.

— Foi tudo bem — ela responde, beijando minha bochecha. — Consegui o que eu precisava. E o que você fez hoje? Aposto que tava todo sexy, dirigindo aquele carro moderninho de mulher por aí, hein? — O lado esquerdo de sua boca se levanta num sorriso.

Sinto meu rosto esquentando um pouco.

A mãe dela sorri discretamente para mim por trás de Camryn ao passar a caminho da cozinha. É o mesmo tipo de “sorriso discreto” de que Camryn falava hoje de manhã, aquele que grita Ela está tão frágil e lamento tanto por vocês dois. Estou começando a entender por que Camryn detesta tanto isso.

— Bom, eu não fiz muita coisa, mas suportei 15 minutos de conversa cara a cara com Shenzi no Starbucks.

— Shenzi?

Balanço a cabeça sorrindo, me lembrando das hienas de O Rei Leão, e digo:

— Deixa pra lá. Com Natalie. Ela quis me encontrar pra falar de você. Tá muito preocupada, só isso.

Camryn, aborrecida, começa a andar para o corredor que leva ao seu quarto. Eu a sigo.

— Posso até imaginar o que ela te contou — diz, entrando no quarto. Põe a bolsa e uma sacola de compras na cama. — E fico puta por ela te ligar sem me contar.

— Acho que não deveria ter ido me encontrar com ela — digo, ficando perto da porta. — Mas ela insistiu e, sinceramente, eu queria ouvir o que ela tinha pra dizer.

Ela se vira para me encarar.

— E o que você descobriu com isso?

A vaga nota de descontentamento no seu tom de voz me magoa um pouco.

— Só que você sofreu um bocado e...

Camryn levanta a mão e balança a cabeça, em reprimenda.

— Andrew, sério. Me ouve, tá? — Ela se aproxima e toma minhas mãos nas dela. — No momento, a única coisa que tá me fazendo sofrer mais é todo mundo se preocupando comigo o tempo todo. Pensa bem — a gente teve essa mesma conversa hoje de manhã. Agora olha pra mim.

Olho para ela. Lógico que eu já estava olhando.

— Eu tô chorando pelos cantos? — Não, não tá. — Quantas vezes você me viu sorrir esta semana? — Uma porção de vezes, na verdade. — Alguma vez você me ouviu dizendo alguma coisa que indicasse que eu tô sofrendo mais do que pareço? — Não, acho que não.

Ela inclina sua linda cabeça loura um pouco para o lado e passa de leve os dedos macios em volta do meu rosto.

— Quero que me prometa uma coisa.

Normalmente, eu diria “qualquer coisa” sem hesitação, mas dessa vez hesito.

Ela inclina a cabeça para o outro lado e sua mão se afasta do meu rosto.

Finalmente digo, relutante:

— Depende do que é.

Ela não discute, mas vejo a decepção em seu semblante.

— Promete que a gente vai voltar ao normal. É só isso que eu peço, Andrew. Sinto falta de como a gente era antes. Sinto falta das nossas loucuras juntos, do nosso sexo louco, das suas covinhas loucas e da sua atitude louca, vibrante, apaixonada pela vida.

— Você sente falta da estrada? — pergunto, e o brilho some do seu rosto como se eu tivesse dito algo horrivelmente errado.

Seus olhos se afastam dos meus e ela parece perdida num momento profundo e sombrio.

— Camryn... você sente falta da estrada? — Preciso da resposta a essa pergunta agora mais do que segundos atrás, por causa de sua reação inesperada.

Depois de um momento longo e silencioso ela me olha de novo e me sinto perdido em seus olhos, mas de forma desconfortável.

Ela não responde. É como se... não conseguisse.

Sem saber o que se passa em sua cabeça e ansioso para descobrir, digo finalmente:

— A gente pode viajar, agora. — Eu coloco as mãos em seus antebraços. — Talvez isso seja exatamente o que você... isto é, o que a gente precisa. — À medida que a ideia se forma na minha língua, fico cada vez mais empolgado só de pensar nela. Camryn e eu. Na estrada. Vivendo livres e no presente, como tínhamos planejado. Percebo que estou com um sorriso enorme, com o rosto iluminado pelo entusiasmo. Puta merda! Sim, é isso que a gente precisa fazer. Por que não pensei nisso antes?

— Não — ela diz em tom neutro, e sua resposta me arranca do meu êxtase sonhador.

— Não? — Mal posso acreditar ou entender.

— Não.

— Mas... por que não? — pergunto, e ela se afasta casualmente de mim. — Não temos mais nenhum motivo pra esperar.

Entendo nesse mesmo segundo o motivo por trás de sua resposta. Mas não preciso tocar no assunto, porque ela faz isso por mim.

— Andrew — ela começa, com a expressão comovida pelo remorso —, se a gente fizesse isso, ficaria sempre no fundo da minha mente que era uma coisa que a gente tava adiando por causa da bebê. Não ia parecer certo fazer isso agora. Nem por um tempo. Um longo tempo.

— Tá — concordo, e me aproximo dela. Balanço a cabeça e sorrio com ternura, esperando fazê-la entender que em tudo o que ela quiser fazer, ou não fazer, estarei totalmente do lado dela.

— Então, que tipo de síndrome bipolar Natalie me atribuiu hoje? — Ela ri com um suspiro, vai até a sacola de compras que trouxe e enfia a mão dentro.

Rio também e me deito na largura da sua cama, com as pernas para fora e os joelhos dobrados.

— Alerta amarelo. O nível mais baixo possível. Mas ela mesma se atribuiu um alerta vermelho. — Viro a cabeça para o lado para olhá-la. — Mas isso com certeza você já sabia.

Ela sorri para mim, puxa um monte de calcinhas da sacola e começa a tirar as etiquetas adesivas do tecido.

— Bom, aposto que ela encheu sua cabeça de minhocas, dizendo que passei por uma fase depressiva, e falou tudo sobre a “merda” — ela faz as aspas com os dedos — que a minha sorte anda sendo. — Ela aponta para mim, fechando um pouco um dos olhos. — Mas é isso. Foi uma fase. Eu superei. Além disso, quem não passa por mortes de parentes, divórcios e separações? É ridículo que...

— Amor, o que eu falei pra você? Lá em Nova Orleans?

— Você me falou muita coisa. — Ela joga as etiquetas no cestinho de lixo.

— Que a dor não é uma competição, porra.

— Sim, lembro. — Ela começa a recolher as calcinhas da cama, mas eu tiro algumas da pilha antes que ela consiga. Seguro uma rosada de renda diante de mim e ponho as outras duas no meu peito.

— Cacete, gostei desta — comento, e ela a arranca dos meus dedos.

— De qualquer forma — ela continua, enquanto pego as outras duas e faço o mesmo —, não quero mais falar disso, tá? — Então ela arranca as últimas calcinhas das minhas mãos, vai até a primeira gaveta da cômoda e enfia todas lá dentro.

Camryn volta para mim e sobe no meu colo, com os joelhos enterrados nos cobertores sobre a cama. Esfrego as mãos nas coxas dela, dos lados do meu corpo.

— Quero sair hoje à noite — ela declara. — O que você acha?

Aspiro ar entre os dentes, pensativo, antes de dizer:

— Combinado, então. Aonde você quer ir?

Ela sorri docemente para mim, como se já tivesse pensado muito nesse passeio hoje. Adoro vê-la sorrir assim. E é totalmente real, porra, então talvez Natalie esteja exagerando, no fim das contas.

— Bom, achei que a gente podia ir pro Underground com Natalie e Blake.

— Peraí, não foi nesse lugar que aquele babaca te beijou no terraço?

— Sim — ela responde, meio cantando. Cacete, se ela não parar de rebolar no meu colo assim... — Mas aquele “babaca” vai ficar um ano na cadeia. E Natalie quer muito que a gente vá. Ela me mandou uma mensagem de texto perguntando antes de eu chegar aqui.

— Tem certeza de que ela não tá tentando te puxar o saco por causa do peso na consciência?

Camryn dá de ombros.

— Pode ser, mas vai ser divertido mesmo assim. E vai ser legal ver uma banda ao vivo em vez de subir no palco, pra variar.

Ela se deita no meu colo, e eu agarro seu traseiro perfeito com as duas mãos e aperto. Ela me beija, e eu levanto as mãos e abraço seu corpo com força.

— Tudo bem — aceito docemente quando o beijo acaba e seus lábios ficam a centímetros dos meus. Passo os dedos no cabelo dela e seguro sua cabeça pelas bochechas. — Que seja o Underground. E amanhã vou voltar pro Texas e começar a fazer as malas.

— Espero que você não fique chateado por eu não ir.

— Por mim, tudo bem. — Beijo a testa dela. — Sabe, você não me respondeu se vai sair com Natalie pra procurar um apartamento.

Ela se levanta, endireitando as costas, e em seguida segura minhas mãos, entrelaçando os dedos nos meus.

— Eu vou chegar lá — ela diz sorrindo. — Um passo de cada vez e, no momento, o próximo passo é me arrumar pra sair à noite.

Balanço a cabeça, sorrindo para ela, e então aperto suas mãos e a puxo para mim de novo.

— Você é a coisa mais importante do mundo pra mim — sussurro em seus lábios. — Espero que nunca se esqueça disso.

— Nunca vou esquecer — ela sussurra em resposta, e mexe seus quadris delicadamente no meu colo. Então ela roça meus lábios com os dela e diz, antes de me beijar: — Mas se um dia eu esquecer, seja por que motivo for, espero que você encontre sempre um jeito de me fazer lembrar.

Eu estudo sua boca e depois suas bochechas, apertadas entre meus polegares.

— Sempre — digo, e a beijo com intensidade.


10

JÁ FAZ UM tempo desde que fui pra uma balada num clube como o Underground pela última vez. Cacete, só tenho 25 anos, e esse lugar me fez sentir velho. Acho que passar a maioria das noites em lugares mais calmos, como o Old Point, me fez esquecer que existe heavy metal. Ei, gosto de heavy metal, mas ainda prefiro o som das antigas. Camryn e eu passamos a noite com Blake e Natalie, ouvindo uma banda que se autodenomina Sixty-Nine — quanta originalidade — soltando uma nota estridente e desafinada após a outra na guitarra, enquanto o vocalista grunhia no microfone como um alce no cio.

Mas a galera parecia gostar. Ou talvez fosse porque a maioria estava bêbada ou chapada. Provavelmente as duas coisas.

Eu deveria estar bêbado, mas concordei em ser o motorista da rodada. E por mim, tudo bem. Eu queria que Camryn tomasse todas e se divertisse. Ela estava precisando. E fico orgulhoso por tentar, porque meio que esperava que ela se recusasse a fazer qualquer coisa ainda por um longo tempo. Também estou sofrendo com a perda de Lily, mas Camryn ainda está aqui e é ela que importa agora.

O ar frio de novembro é uma sensação boa depois de ficar metido naquele galpão quente e enfumaçado por três horas.

— Você consegue andar? — pergunto a Camryn, andando ao lado dela, segurando-a firmemente pela cintura.

Ela apoia a cabeça no meu ombro e enfia as mãos nas mangas do casaco.

— Tô bem — ela responde. — Você me parou na hora certa, desta vez, por isso não precisa se preocupar em me levar no colo o resto do caminho, como naquela noite em Nova Orleans. — Sinto sua cabeça virando para me olhar, e olho rapidamente para ela, tentando também ver por onde ando na calçada escura. — Você se lembra daquela noite, não lembra?

— Claro que me lembro. — Eu aperto mais a cintura dela. — Não faz tanto tempo, e além disso, mesmo que fizesse, eu jamais poderia me esquecer daquela noite, ou de qualquer outra noite com você, aliás.

Ela sorri para mim e também olha para a frente.

— Você é muito inesquecível — acrescento, sorrindo rapidamente para ela.

— Acordei uma vez naquela noite — ela conta, enterrando a cabeça no calor do meu braço. — Vi a privada ao meu lado e me perguntei como fui parar lá. Aí senti o seu corpo atrás de mim, o seu braço na minha cintura, e não quis levantar. Não porque eu ainda estivesse meio bêbada e com minha cabeça como se tivesse passado num triturador de papel, mas porque você tava comigo.

— É, eu lembro... — me perco naquela lembrança por um momento.

Andamos agarradinhos na noite fria por dez minutos até chegar ao posto de gasolina e ao terreno baldio onde o carro está estacionado. Ligo o aquecimento no máximo e dirijo o carro de mulherzinha de volta para a casa da mãe de Camryn, querendo que tivéssemos ficado num hotel todo esse tempo, e quando paro na garagem, vejo o carro da mãe dela parado na frente da casa. Gosto de Nancy, mas também gosto de poder andar pela casa de cueca, ou pelado, sem ter que me preocupar com uma plateia.

Ajudo Camryn a sair do carro e a levo para dentro, com o braço ainda na cintura só para o caso de a bebida fazer ainda mais estrago. Mas ela está bem. Bastante embriagada, mas bem. Tranco a porta atrás de nós, e Camryn imediatamente tira o casaco e o joga no canto do hall. Faço o mesmo.

A casa está em silêncio, e as únicas luzes acesas são o discreto brilho laranja da luzinha noturna no corredor e de uma lâmpada sobre o balcão da cozinha.

Camryn me surpreende quando suas mãos deslizam pelo meu peito e ela aperta meu abdômen com força com os dedos, me empurrando para a parede do hall. Ela enfia a língua na minha boca e eu a mordo de leve, mordendo também seu lábio inferior antes de beijá-la. Sua mão direita desce para o botão do meu jeans e ela o abre com facilidade, puxando o zíper para baixo em seguida. Eu a beijo com mais força e gemo em sua boca quando ela enfia a mão na minha cueca e me agarra.

Meu Deus, faz tanto tempo, porra...

Ela se aperta contra mim com mais força, me empurrando na parede.

Interrompo o beijo só o tempo suficiente para dizer:

— Quero você pra caralho, mas pelo menos vamos pro seu quarto.

O beijo fica mais ardente e então ela diz, com os lábios ainda colados aos meus:

— Minha mãe não tá aqui. — Ela morde meu lábio com força, o bastante para machucar, mas isso me deixa ainda mais louco por ela. — Ela foi trabalhar com o carro do Roger esta noite.

Esmago minha boca contra a dela e a ergo nos braços para levá-la pelo corredor até o quarto. Não conseguimos chegar a tempo, e ela já tirou minha camisa antes que eu passasse com ela pela porta e a jogasse sobre o colchão. Arranco o resto de suas roupas, deixando só a calcinha. Ela se senta na borda da cama e termina de tirar meu jeans e minha cueca. Subo nela, apoiando o peso do corpo num punho enterrado no colchão, enquanto a acaricio com a outra mão, passando o dedo em seus lábios úmidos por cima do tecido da calcinha. Camryn se retorce embaixo de mim, fechando os olhos e afundando a cabeça no colchão, fazendo seus seios se levantarem na minha frente.

Levanto da cama e tiro a calcinha dela com dois dedos. Beijo a parte de dentro de suas coxas e não consigo me impedir de enfiar a cabeça no meio das pernas tão rapidamente, porque não pude fazer isso por ela pelo que parece uma eternidade. Eu não a provoco mais. Não faço isso porque já está me deixando louco.

Eu a lambo furiosamente, e ela tenta deslizar pela cama, fugindo da minha boca. Camryn agarra os lençóis acima de si até que sua cabeça sai da cama pelo outro lado. Eu a seguro firme no lugar com as mãos ao redor de suas coxas, meus dedos enterrados na sua pele. Chupo seu clitóris com mais força ainda, até que ela não aguenta mais e suas coxas tentam se fechar ao redor da minha cabeça.

Percebo que ela está para gozar quando puxa meu cabelo de repente e me força a tirar a boca.

Olho a geografia suave do seu corpo do meio de suas pernas e vejo que ela está me olhando. Ela enfia mais os dedos no meu cabelo. Eu espero, me perguntando o que ela está pensando, me perguntando por que me fez parar.

É como se ela estivesse esperando por algo, mas não sei ao certo o quê. No momento, só consigo pensar em penetrá-la. Preciso de uma força de vontade do caralho para me conter, para não virá-la de costas e colocá-la de quatro à força, para não puxar seu cabelo até machucá-la, para...

Camryn inclina a cabeça para o lado e me olha, me estuda como se estivesse esperando meu movimento seguinte. Estou hipnotizado pelo seu rosto. Há algo enigmático e frágil nele que nunca vi antes. Então ela me afasta da borda da cama, e instintivamente me deito de costas. Ela desliza pelo meu corpo, beijando minha barriga, minhas costelas e meu peito enquanto sobe, posicionando-se em cima de mim. Um gemido baixo ecoa sem controle pelo meu peito só de sentir seu calor e sua umidade. Ela sorri para mim, doce, inocente, embora eu saiba que não é nada disso. E então ela me segura com a mão, e sinto meus olhos virando para dentro da porra da minha cabeça quando ela me põe dentro de si e desliza em cima de mim tão lentamente que é uma tortura.

Eu deixo ela me foder pelo tempo que quiser, mas preciso de todas as minhas forças para não gozar antes dela. E naquele último segundo, algo acontece que nunca previ, e fico mentalmente em pânico, esperando que ela não perceba quando preciso tomar numa fração de segundo a decisão vital de gozar fora ou não.

Camryn

Meu coração está batendo tão rápido. Estou sem fôlego e o suor goteja da minha testa mesmo no ar fresco dentro do quarto. Quando começo a gozar, Andrew, numa espécie de pânico confuso, puxa para fora. Isso me surpreende um pouco, mas não deixo que ele perceba. Em vez disso, me curvo para a frente, mal encostando meu peito no dele, e deslizo minha mão para cima e para baixo ao redor do seu membro.

Depois, desabo completamente em cima dele, com a bochecha encostada em seu peito, os joelhos ainda dobrados do lado do seu corpo, a cavalo sobre seu colo. Ouço seu coração batendo rapidamente em meu ouvido. Ele abre os braços dos dois lados da cama e recupera o fôlego antes de me envolver neles. Sinto seus lábios encostando no meu cabelo.

Fico deitada ali, pensando. Penso no que acaba de acontecer e no que não aconteceu. Penso em como seu cheiro é bom e como sua pele é quente contra a minha. Penso em como ele ficou manso. Tudo porque ele tem medo de me machucar, física, emocional, até espiritualmente, é provável, se isso fosse possível. E eu o amo por isso. Eu o amo pelo tanto que ele retribui meu amor, mas espero que não continue tão protetor assim comigo para sempre.

Por enquanto, vou deixá-lo em paz nesse aspecto. Acho que preciso provar que sou a mesma antes que ele consiga baixar a guarda perto de mim. E eu respeito isso.

Levanto a bochecha do peito dele e sorrio diante de seus olhos.

Eu me pergunto se ele vai tentar se explicar, me dizer por que gozou fora, talvez dizer que ele não sabia ao certo se devia ou não. Mas ele não se explica. Talvez esteja esperando por mim. Mas eu também não digo nada a respeito.

Para quebrar o silêncio entre nós e cancelar um pouco da incerteza no ambiente, mexo alegremente meus quadris em cima dele e rio um pouco.

— Você precisa deixar que eu me recupere antes, amor. — Andrew sorri para mim e dá dois tapinhas no meu traseiro.

Solto um grito exagerado, fingindo sentir alguma dor, e então rebolo um pouco mais em cima dele.

— É melhor você parar — ele me avisa, suas covinhas se aprofundando nas bochechas.

Eu rebolo de novo.

— Acha que eu tô brincando? Faz isso de novo e vai se arrepender.

Claro que eu faço de novo e me preparo mentalmente para o que quer que ele planeje fazer para me ensinar uma lição.

Ele enfia as mãos entre nós e segura meus dois mamilos com os dedos, apertando só o suficiente para me deixar paralisada de medo de me mexer abruptamente demais e correr o risco de vê-los arrancados.

— Aaaiii! — Solto uma gargalhada e seguro suas mãos, mas ele aperta um pouco mais quando tento tirá-las.

— Eu avisei — ele diz, balançando a cabeça para mim, fazendo uma cara séria que me impressiona, de tão convincente. — Você devia ter escutado.

— Por favor, por favor, por favor, soltaaaa!

Ele passa a língua pelos lábios e diz casualmente:

— Você vai se comportar?

Balanço a cabeça rapidamente umas dez vezes.

Ele aperta aqueles olhos verdes demoníacos, me dando corda.

— Jura?

— Juro pela alma do meu falecido cachorro, Beebop!

Ele aperta meus mamilos uma última vez, me fazendo cerrar os dentes e fazer uma careta, antes de soltar. E então se endireita na cama e põe minhas pernas ao redor da sua cintura. Ele se curva e passa a ponta da língua de leve nos meus seios, beijando-os em seguida.

— Tá melhor? — ele pergunta, me olhando nos olhos.

— Melhor — murmuro. Então ele beija meus lábios e faz amor comigo suavemente antes de pegarmos no sono, abraçadinhos, depois das três da manhã.


11

ACHEI QUE EU fosse ter uma ressaca muito pior hoje de manhã. Noite passada foi a primeira vez que bebi em meses, mas não estou reclamando. Viro para o lado, e quando vejo o relógio perto do meu rosto marcando uma hora e meia depois da hora em que Andrew deveria estar no aeroporto, arregalo os olhos e salto da cama.

— Andrew! — digo, sacudindo-o para acordá-lo.

Ele resmunga e vira para o outro lado, mal abrindo os olhos. Ele estende o braço e tenta me enterrar no colchão para voltar a dormir, mas eu o afasto.

— Levanta. Você perdeu o avião.

A única parte do corpo dele que se move são os olhos, ficando arregalados como os meus, e quando ele cai na real, o resto do corpo os segue.

— Porra! Porra! Porra! — Ele se levanta e fica de pé no meio do quarto, nu.

Nunca me canso de olhar para ele — nu ou vestido, tanto faz. Como acabei ficando com ele é algo que desafia a minha compreensão até hoje. Ele leva as mãos ao rosto e alisa o cabelo, parando com as mãos na nuca, seus braços rijos com músculos bem definidos. E então um longo suspiro de derrota desinfla o seu peito.

— Vou ter que pegar um voo mais tarde.

Saio da cama e pego meu roupão do chão para ir até o chuveiro.

— Não que eu me incomode em ficar aqui com você mais algumas horas — ele diz, chegando por trás de mim.

— Não sei, Andrew. — Enrolo o roupão no meu corpo e o amarro na frente. — Eu tava meio ansiosa pra me livrar de você. — Estou sorrindo muito, de costas para ele.

O silêncio inunda o quarto.

— Tá falando sério?

Sua voz embasbacada torna impossível não rir. Eu me viro e beijo seus lábios.

— Não, cacete, não tô falando sério. Talvez eu tenha desligado o despertador noite passada. Talvez eu tenha planejado tudo isto.

Seu sorriso aumenta, ele me beija e dá a volta na cama para achar sua cueca.

— Foi você? — ele pergunta, vestindo a cueca.

— Não, não fui. Mas é uma boa ideia. Vou lembrar pra próxima vez. Quer tomar uma ducha comigo?

Naquele instante, alguém bate na porta do meu quarto. Sabendo que provavelmente é a minha mãe, Andrew fica um pouco mais tenso e se senta na cama para cobrir a parte de baixo do corpo com o cobertor.

Abro a porta e vejo minha mãe, com seu glorioso cabelo oxigenado, de pé ali. Ela está usando uma blusa de abotoar rosa-claro e blush rosa nas bochechas para combinar.

— Tá acordada? — ela pergunta.

Não, mãe, tô tendo um ataque de sonambulismo. Ela é engraçada, às vezes.

Noto que ela olha de relance para Andrew. Ela sempre manifestou sua preocupação com a possibilidade de eu engravidar de novo, mas claro que não pode esperar que não façamos sexo. É o que ela quer, mas, até parece, não vai acontecer.

Ela sorri fracamente para mim e pergunta:

— Quer ir comigo pra casa da Brenda hoje?

Definitivamente não. Adoro a tia Brenda, mas não a ponto de sufocar até a morte em sua casa cheia de fumaça de cigarro.

— Não, já fiz planos com Natalie.

Na verdade, não fiz plano nenhum, mas sei lá.

— Ah, tudo bem. Bom... — Ela olha de relance para Andrew de novo, e de novo para mim. — Ele não ia pro Texas hoje de manhã?

Eu aperto o cinto do roupão e cruzo os braços.

— Pois é, a gente dormiu demais, mas ele vai pegar outro voo mais tarde.

Minha mãe balança a cabeça e olha para ele mais uma vez. Ela sorri de leve e ele faz o mesmo. Constrangedor. Ela gosta muito de Andrew, mas definitivamente não está acostumada a ter um cara dormindo comigo no meu quarto, mesmo que ele já esteja aqui comigo há duas semanas. Se eu não tivesse quase 21 anos e não estivesse noiva dele, ele certamente nem estaria aqui. Ao mesmo tempo, ela sabe que nos amamos, e depois do que aconteceu com o bebê, quer que ele esteja aqui para me apoiar. Mesmo assim, é constrangedor. Para todos nós. É, Andrew e eu vamos ter mesmo que arranjar um lugar só nosso.

Um lugar só nosso... aqui em Raleigh. Sinto algo pesado no meu peito, de repente.

Minha mãe finalmente nos deixa a sós, e eu olho para Andrew, todo desconfortável com o lençol no colo e o cenho franzido.

— Ducha comigo? — pergunto de novo, mas posso ver que ele já não quer mais.

Ele se encolhe.

— Acho que vou tomar banho depois de você.

Eu rio um pouco de seu constrangimento adolescente, e então abrando meu rosto.

— Vou procurar uma casa neste fim de semana. Prometo.

Ele fica de pé.

— Se quiser que eu procure com você, é só dizer. Só sugeri Natalie pro caso de você querer fazer alguma coisa na minha ausência. Sabe, pra ter uma opinião feminina sobre tapeçarias, padrões de cores, essas merdas.

Eu rio alto.

— Não vou escolher tapeçaria nenhuma. Cortinas, talvez, mas tapeçarias são pra decoradores de interiores e peruas ricas.

Ele balança a cabeça para mim quando saio do quarto e vou para o banheiro no fim do corredor.

Me sinto como o médico e o monstro. O tempo todo. Quando estou diante de Andrew, uso minha cara feliz, mas não como se estivesse fingindo. Eu fico feliz. Acho. Mas assim que fico sozinha de novo, é como se eu me tornasse outra pessoa. Sinto que alguém invisível está sempre de pé atrás de mim, apertando a porra de um interruptor no meu cérebro. Desligado. Ligado. Desligado. Ligado. Des... não, ligado.

Eu me sento no fundo da banheira com os joelhos encolhidos contra o peito, e deixo a água quente correr sobre meu corpo por uma eternidade. Penso no apartamento inevitável que vou acabar encontrando, em como me diverti no Underground noite passada, na roupa suja que preciso lavar, e em como o logotipo está começando a sumir no sabonete. Quando a água começa a esfriar, a mudança de temperatura me acorda o suficiente do meu estranho delírio para notar há quanto tempo estou ali. Nem me depilo antes de desligar a água e sair, evitando de propósito o tapetinho do banheiro porque odeio a sensação dele sob meus pés. Jogo uma toalha limpa em cima dele e fico parada ali, me olhando no espelho. Distraidamente, começo a contar os respingos de pasta de dente no vidro. Paro no catorze.

Abrindo a caixinha de remédios, remexo nos frascos e tubos de coisas procurando o Advil. Por sorte, minha ressaca, por assim dizer, só requer um par de comprimidos para dor de cabeça. Quando o encontro, preciso tirar o frasco de trás de alguns frascos alaranjados de remédios controlados, e então paro. Pego um dos remédios e leio o rótulo. Percocet 7,5 — Um comprimido a cada seis horas conforme a necessidade para a dor — Nancy Lillard. Nem imagino por que minha mãe tem um frasco de analgésico, que obviamente ainda não tomou, mas ela tem dores nas costas já há algum tempo, então talvez tenha finalmente ido ao médico. Ou vai ver que mamãe, que é enfermeira licenciada, entrou pro mundo do crime e está se beneficiando de seu acesso privilegiado a remédios vendidos com receita.

Nah. Não deve ser isso, considerando que o frasco foi comprado há um mês e ainda está cheio. Ela é a mesma velha mãe que conheci toda a minha vida, que não gosta de tomar nada pra dor além dos inofensivos analgésicos vendidos sem receita.

Quando vou devolver o frasco, me vejo parando antes que ele esteja no lugar. Acho que não vai fazer mal. Eu estou com dor de cabeça, e dor de cabeça é dor, certo? Certo. Empurro a tampa de segurança para baixo e giro e jogo um comprimido na palma da mão. Eu o engulo com um pouco de água da torneira, me enxugo e enrolo o cabelo na toalha depois. Vestindo novamente o roupão, eu o amarro e volto para o meu quarto para me vestir. Ouço Andrew falando na cozinha, mas seu tom relaxado revela que não está falando com minha mãe. Deve estar falando ao telefone. Quando o ouço mencionar o nome de seu irmão Asher, me convenço de que minha hipótese estava correta e me visto.

Eu ia ter que encher a Natalie de porrada se fosse ela de novo. Ela precisa parar com isso de se preocupar e conspirar pelas minhas costas com Andrew.

Depois de pentear o cabelo úmido, vou para a cozinha ficar com ele.

— Eu sei, mano, mas acho que não é boa ideia no momento — ouço Andrew dizer, e fico um pouco para trás para não me intrometer rápido demais. — É. É. Não, ela tá melhor. Com certeza não tá tão arrasada quanto na primeira semana. Hã-hã. — Estico o pescoço e o vejo de pé perto do balcão, com o celular encostado num ouvido e a outra mão sobre o tampo. Ele balança a cabeça de vez em quando, ouvindo quem está do outro lado, que imagino ser Aidan. Acerto de novo quando ele diz: — Fala pra Michelle que agradeço o convite. Talvez a gente faça uma visita daqui a um mês ou dois, depois que Camryn tiver tempo pra... Não, talvez na primavera. Faz um frio da porra em Chicago no inverno. — Andrew ri e diz: — De jeito nenhum, mano, por que você acha que eu prefiro o Texas? — Ele ri de novo. Finalmente eu entro na cozinha e ele me vê.

— Eu quero ir — anuncio.

Andrew apenas me olha por um momento, e então interrompe Aidan.

— Só um segundo. — Ele cobre o microfone com a palma da mão. — Você quer ir pra Chicago? — Ele parece levemente surpreso.

— Claro — eu digo, sorrindo. — Acho que vai ser divertido.

De início, ele parece estar processando algo mentalmente. Talvez não acredite em mim, ou então está apenas considerando a ideia e só consegue ver vento e neve. Mas então seu rosto se ilumina e ele começa a balançar a cabeça lentamente.

— Tá — ele diz, hesita, e então encosta novamente o celular no ouvido. — Aidan, te ligo daqui a pouco, tá? Sim. Tá. Até mais.

Andrew passa o dedo na tela do celular e desliga. Então olha para mim novamente.

— Tem certeza? Pensei que quisesse ficar aqui por um tempo.

Eu entro na cozinha e pego uma garrafa de suco de laranja da geladeira.

— Não, tenho certeza — respondo, tomando um gole. — Parece que foi ideia de Michelle.

Ele balança a cabeça.

— Sim, Aidan disse que ela tá preocupada com você. Se ofereceu pra hospedar a gente por uns dias, se quiséssemos fazer uma visita.

Tomo mais um gole e deixo a garrafa sobre o balcão.

— Preocupada comigo? Bom, é legal da parte dela e tudo mais, mas espero que não estejamos indo pra lá pra eu me ver na mesma situação em que estou com a Natalie aqui.

Andrew balança a cabeça negativamente.

— Não, Michelle não é assim. — Ele repete o comentário para dar mais ênfase à toda a verdade que ele contém. — Michelle não é nada parecida com Natalie.

— Não foi isso que eu quis dizer, Andrew.

— Eu sei, eu sei — ele diz —, mas é sério, ela é legal.

Conhecendo Michelle como conheço, sei que ele tem razão.

Então aquele comprimido me atinge do nada, e de repente sinto como se minha cabeça se soltasse dos ombros. Meu corpo todo, da ponta dos pés ao alto da minha cabeça, está formigando, e levo um segundo para voltar a enxergar direito. Minha mão se apoia na borda do balcão instintivamente para me segurar.

— Uau. — Engulo em seco e pisco os olhos algumas vezes com força.

Andrew me olha com uma expressão curiosa.

— Você tá bem?

Um sorriso se abre tanto no meu rosto que sinto o ar do ambiente tocando meus dentes.

— Tô, eu tô ótima.

Ele inclina a cabeça para um lado.

— Bom, não vejo você sorrir assim desde que pus essa aliança no seu dedo. — Ele também está sorrindo de leve, mas ainda dominado pela curiosidade.

Levanto o dedo diante do rosto e admiro meu anel de noivado, que custou menos de cem pratas e provavelmente nem é considerado um anel de noivado por candidatas a noivas de todo o país. Eu o vi numa lojinha no Texas, um dia, e falei rapidamente que era bonito:

— Adoro este — falei, levantando-o para a luz do sol no ângulo certo. — É simples e tem alguma coisa especial nele.

Eu o devolvi para a mulher do quiosque improvisado, e ela o pôs de volta no balcão de vidro entre nós.

— Como assim, você não é dessas que acham que o diamante é o melhor amigo de uma garota? — Andrew perguntou. — Não quer uma aliança com uma pedra tão grande que vai precisar carregá-la num carrinho de mão?

— De jeito nenhum — respondi, rindo. — Um anel assim não tem nada de significativo. Normalmente, só importa o preço. — Saímos da joalheria e andamos pela calçada. — Você mesmo já disse isso, lembra?

— O que que eu disse?

Eu sorri e enfiei a mão na dele quando chegamos à esquina e viramos à esquerda rumo ao café.

— O simples é sexy. — Eu apoiei a cabeça no ombro dele. — Foi naquele dia, na casa do seu pai, quando você me passou um sermão explicando por que eu não devia passar uma hora me maquiando e fazendo o cabelo ou algo assim.

Olhei para cima e o vi sorrindo, perdido na lembrança daquele dia, e então ele me puxou mais para perto.

— É, eu disse isso, não disse? “O simples é sexy.” Bem, é.

— Também é lindo — eu disse.

No dia seguinte, Andrew chegou em casa com aquele mesmo anel e o mostrou para mim. Então, no seu peculiar estilo, ele dobrou um joelho à moda antiga, só que um pouco mais dramático do que normal:

— Camryn Marybeth Bennett, a mulher mais bonita do planeta Terra e mãe do meu bebê, me concede a honra de ser minha esposa?

Eu sorri e olhei para ele de lado, meio desconfiada, e disse:

— Só do planeta Terra?

Ele piscou e disse:

— Bom, eu ainda não vi as garotas dos outros planetas.

Nenhum de nós conseguiu resistir a uma risada. E assim, rimos juntos. Mas então ele ficou bem sério, e essa sua mudança de humor provocou a mesma coisa em mim.

— Quer casar comigo? — ele perguntou.

As lágrimas escorrendo do meu rosto. O beijo longo e profundo que dei nele, que fez nós dois cairmos sobre o tapete, disse sim um milhão de vezes.

Claro que ele me pedira em casamento naquele dia em que eu disse que estava grávida, mas nesse dia ele fez do jeito certo, e nunca vou me esquecer disso enquanto viver.

— Você ainda tá viva?

Andrew agita a mão diante do meu rosto.

Eu volto do passado e acordo novamente no presente, mais chapada que a porra de um misto quente com aquele comprimido. E percebo imediatamente que preciso recuperar minha compostura, para que ele não saiba o que está acontecendo.


Andrew


12

ACHO QUE AS mudanças de humor continuam por um tempo mesmo depois... bom, depois da gravidez. Camryn passou de normal a saltitante de alegria em menos de uma hora. Mas parece que ela está feliz, e quem sou eu para julgar como ela decide manifestar isso?

Mas o fato de ela querer repentinamente sair de Raleigh e ir a algum lugar completamente diferente, mesmo que só por um fim de semana, é estranho para mim, e preciso perguntar:

— Por que assim tão rápido? Quero dizer, eu tô a fim de ir, se você quiser, mas pensei que você quisesse ficar aqui, encontrar um apartamento e tudo mais?

— Bom, eu quero... — ela diz, de forma pouco convincente. Ela continua sorrindo vagamente, e eu acho isso esquisito pra cacete. — Só acho que a gente devia ir visitá-los enquanto podemos, porque depois que eu arrumar emprego aqui, ter tempo livre no fim de semana não vai ser garantido.

Ela levanta as mãos perto da barriga e as junta, passando os dedos de uma sobre a outra, como se estivesse pouco à vontade.

— Você tá... — Eu me interrompo. Não vou fazer exatamente o que ela disse que queria que todos nós parássemos de fazer: ficar constantemente preocupado com ela e perguntando se ela está bem o tempo todo. Em vez disso, sorrio e digo: — Vou ligar de volta pro Aidan e dizer pra ele e pra Michelle que vamos pra lá neste fim de semana.

Espero ela concordar com a data, ou não, e quando ela não diz nada, acrescento:

— Então quer dizer que nem adianta eu ir pro Texas pegar nossas coisas antes da gente voltar de Chicago. — Na verdade, era mais uma pergunta. Preciso admitir que toda essa incerteza sobre onde iremos no dia seguinte está começando a me deixar zonzo. É diferente de quando estávamos na estrada, vivendo o presente e definindo a palavra espontâneo. Pelo menos, então, era nosso objetivo não saber o que o dia seguinte traria. No momento, não sei ao certo o que está acontecendo.

Ela balança a cabeça e puxa uma cadeira na cozinha, onde ela nunca se senta, a não ser quando está comendo no café da manhã. Parece que ela precisa se sentar.

— Peraí — digo de repente. — Você concorda em arranjar um apartamento? A gente pode procurar uma casinha em algum lugar. — Acho que essa é minha maneira de pescar respostas sobre o que ela tem de errado sem realmente perguntar: Qual o seu problema?

Ela balança a cabeça.

— Não, Andrew, não me importo em morar num apartamento. Isso não tem nada a ver com nada. Além disso, não vou deixar que você gaste sua herança numa casa num estado que você não escolheu.

Eu puxo a cadeira ao lado dela e me sento com os braços sobre a mesa, na minha frente. Olho para ela daquele jeito que diz: “Você sabe que não me importo.”

— Eu vou aonde você for. Você sabe. Contanto que não queira comprar um iglu no Ártico nem mudar pra Detroit, não me importa. E vou fazer o que eu quiser com minha herança. E também, o que mais eu poderia fazer com a grana, além de comprar uma casa? É isso que as pessoas fazem. Compram coisas grandes com dinheiro grande.

Temos 550 mil dólares parados no banco, o dinheiro que herdei do meu pai quando ele morreu. Meus irmãos receberam a mesma quantia. É muita grana, e eu sou um cara simples. O que mais eu poderia fazer com essa fortuna, cacete? Se Camryn não existisse na minha vida, eu estaria morando numa casinha modesta de um quarto em Galveston, sozinho, comendo macarrão instantâneo e comida congelada. Minhas pequenas contas seriam pagas, e eu ainda trabalharia pra Billy Frank porque gosto do cheiro de motor. Camryn é muito parecida comigo nesse sentido da frugalidade, e isso torna o nosso relacionamento meio que perfeito. Mas me incomoda, às vezes, como ela simplesmente parece não conseguir aceitar o fato de que meu dinheiro é dela também. Não me deixou nem pagar a fatura do cartão que ela usou na viagem de ônibus quando a gente se conheceu. Seiscentos dólares no cartão que o pai dela lhe deu para emergências. Mas ela insistiu — muito teimosamente — em pagar sozinha. E fez isso com sua metade do que faturamos tocando no Levy’s.

Se tem uma coisa que me incomoda nela é só essa questão. Tomar conta dela é o que vou fazer, porra, quer ela goste ou não. E ela vai ter que aceitar.

— Vamos só passar uns dias em Chicago, e na volta a gente procura uma casa. Juntos.

Eu me levanto e empurro a cadeira, como que para dizer: Isso não está em discussão.

Ela parece surpresa, mas não de um jeito bom, e o sorriso esquisito sumiu de seu rosto.

— Não, se a gente vai comprar uma casa, vou economizar...

Eu agito as mãos no ar diante de mim.

— Para de ser tão teimosa, porra. Se você tá tão preocupada com “sua metade” da grana, pode sempre me pagar com sexo e um striptease de vez em quando.

Ela abre a boca e arregala os olhos.

— Como é que é?! — Ela ri ao mesmo tempo que tenta, sem sucesso, ficar ofendida. — Não sou uma piranha! — Ela se levanta e bate de leve com a palma da mão sobre a mesa, mas acho que é mais para manter o equilíbrio do que para protestar.

Eu sorrio e começo a me afastar.

— Ei, foi você quem pediu. — Chego até a porta da sala, e quando olho por cima do ombro, vejo que ela continua imóvel, provavelmente ainda em choque. — E você é o que eu quiser que você seja! — Grito enquanto me afasto. — Não tem nada de errado em ser a minha piranha!

Eu a vejo de relance correndo na minha direção. Saio correndo pela sala, saltando sobre as costas do sofá feito a porra de um ninja, e saio pela porta dos fundos da casa com ela no meu encalço. Seus gritos e risadas esganiçadas enchem o ar enquanto ela tenta me alcançar.

~~~

Nosso avião pousa em O’Hare no fim da tarde de sexta. Graças a Deus, não tem uma montanha de neve no chão. Retiro o que falei a Camryn, sobre me mudar para qualquer lugar que ela quiser. Eu certamente discutiria se ela decidisse que queria morar em qualquer lugar onde neve e um frio de matar são normais no inverno. Odeio isso. Com todas as minhas forças. E fico tão louco de felicidade quanto Camryn parecia estar na terça quando vejo uma paisagem sem neve e sinto a temperatura de 12 graus em meu rosto. Um pouco quente para esta época do ano em Chicago, mas não estou reclamando. Aquecimento global? Ei, isso não é tão ruim assim.

Aidan está nos esperando no terminal.

— Há quanto tempo, mano — cumprimento, apertando sua mão e abraçando-o. Ele bate nas minhas costas algumas vezes e olha para Camryn:

— É bom te ver.

Camryn o abraça forte.

— É bom te ver também — ela responde, se afastando. — Obrigada por nos convidar.

— Bom, esse mérito é todo da minha persistente esposa — Aidan brinca, erguendo uma sobrancelha. — Não que eu não quisesse que vocês viessem, é claro. — Ele pisca para ela.

Camryn fica vermelha e eu seguro sua mão.

Michelle está nos esperando com um almoço tardio quando chegamos à casa deles. Aquela mulher sabe cozinhar. E ela é como Aidan e eu no que se refee à comida, por isso não me surpreende que tenha feito cheeseburgers gordurosos com queijo derretido pra acompanhar. E cerveja. No momento, estou no paraíso da comida.

Nós quatro comemos na sala, vendo um filme na TV de 60 polegadas de Aidan, e conversamos durante as partes chatas sobre vários assuntos. Quando chegamos aqui, eu estava um pouco preocupado que Aidan ou Michelle mencionassem qualquer coisa remotamente próxima do assunto proibido do aborto de Camryn. Mas em grande parte eu sabia que eles não fariam isso. Olhando para eles, eu não seria nem capaz de dizer que estão pensando nisso. Aidan provavelmente nem tanto. Ele foge de assuntos profundos como esse. E Michelle está jogando bem, fazendo Camryn se sentir completamente à vontade e não lhe dando qualquer motivo para pensar naquilo que ela quer esquecer.

E eu nunca vi Camryn com Natalie do jeito que ela está agora com Michelle, então isso é bom. Parece que essa viagem inesperada está se revelando mais benéfica do que eu imaginava.

Durante uma das nossas conversas, Aidan joga a cabeça para trás e ri. Meus dois irmãos nunca mais vão me deixar em paz com isso.

— É, Andrew tava pra lá de bêbado — Aidan explica a Camryn enquanto reviro os olhos — quando o caça-talentos da agência de modelos chegou nele no meu bar naquela noite.

Oh, lá vem a versão exageradamente dramática de Aidan sobre aquele acontecimento. Camryn está sorrindo de orelha a orelha e sem dúvida se divertindo ao me ver me retorcendo ao lado dela.

— O cara se sentou ao lado de Andrew no balcão e disse alguma coisa, tipo que ele tinha “o visual”. — Aidan para de falar e balança a cabeça. — E antes que o cara conseguisse terminar, Andrew virou pra ele e falou, fazendo cara de doido, estilo Charles Manson: “Cara, tu comeu meu amendoim?” A expressão no rosto do cara foi impagável. Ele ficou com medo, até recuou um pouco, como se achasse que Andrew fosse bater nele.

Camryn e Michelle riem.

— Aí o cara puxou um cartão de visitas da carteira e falou: “Já pensou em ser modelo?” E entregou o cartão pra ele. Andrew só olhou pro cartão, mas não pegou.

— Peguei, sim.

Aidan dá um sorrisinho para mim.

— Pegou, mas só depois de eloquentemente explicar que você nunca poderia ser modelo porque isso é pra “caras sem colhões” e...

— Tá, tá, Aidan — eu interrompo, tomando um pequeno gole da minha cerveja.

— Por que eu nunca te vi tão bêbado assim? — Camryn pergunta. Ela não consegue parar de sorrir, adorando cada minuto, e isso me faz sorrir e parar de fingir. Eu passo as pontas dos dedos em sua trança dourada.

— Bom — eu começo —, você nunca me viu tão bêbado porque eu cresci desde então.

Michelle sufoca uma risada.

— Ei — eu digo, apontando para ela —, você não pode falar nada, ‘Chelle. Lembro que a última vez que eu estive aqui, você ficou dançando feito uma stripper bêbada no balcão depois de tomar umas e outras.

O queixo dela cai.

— Eu não tirei a roupa, Andrew!

Aidan ri e toma um gole de cerveja.

— Não sei, se eu não estivesse presente naquela noite, a gente poderia ter se divorciado.

Michelle bate no rosto dele com a almofada do sofá na qual estava encostada.

— Eu nunca tiraria a roupa — ela ri. Aidan, imune ao ataque, não consegue parar de sorrir.

Nem Camryn. Eu me perco no sorriso dela por um minuto, feliz por ver que está se divertindo tanto.

Michelle acrescenta:

— Vocês dois são nojentos quando se juntam.

— Ei, já que você se casou com o mais babaca — retruco —, você tem telhado de vidro.

— É — Aidan concorda. — Agradeça por Asher não estar aqui também, porque ele não é tão inocente como você pensa.

Porra nenhuma. Aquele merdinha sabe ser infernal quando quer.

Michelle tira as pernas de cima da almofada e se levanta para recolher os pratos e coisas da mesinha de centro. Camryn também se levanta.

— Bom, acho que sou uma Parrish há tempo suficiente pra saber disso. Pode confiar. — Ela empilha os pratos enquanto Camryn ajuda a recolher os guardanapos e algumas garrafas vazias de cerveja.

— Por que tá tão quieta, Camryn? — Aidan diz do sofá. — Você pode ainda não ter casado com meu irmão, mas é como se estivesse, praticamente, então também tem telhado de vidro. — Ele ergue a cerveja para ela, como que para fazer um brinde, e toma mais um gole, com um sorriso malicioso.

Que irmão esperto eu tenho. Se não fosse tão feio, eu daria um beijo na boca dele por isso. A última coisa que quero é que Camryn se sinta excluída.

Ela sorri para ele, equilibrando os objetos nos braços.

— Ainda bem que você ainda não sabe nada a meu respeito.

— Ainda — ele diz, balançando a cabeça uma vez, como que para enfatizar a inevitabilidade daquela palavra. — Então acho que você pode se preparar pra ser alvo de umas brincadeiras bem embaraçosas, hein?

Camryn franze seu lindo nariz para ele e segue Michelle até a cozinha.


Camryn


13

— ESTOU MUITO feliz por vocês terem convidado a gente — digo atrás de Michelle, enquanto jogo as garrafas vazias de cerveja no lixo.

Michelle põe a pequena pilha de pratos no balcão e começa a enxaguá-los na pia antes de colocá-los na lava-louça.

— Ei, sem problemas — ela responde, sorrindo para mim. — Eu precisava de companhia, pra ser sincera. As coisas estão bem estressantes por aqui. — Ela coloca mais um prato na prateleira de baixo da lava-louça.

Eu me aproximo e me apoio no balcão, cruzando os braços. Ela está me dando permissão para perguntar mais? Não tenho certeza, mas me sinto suficientemente à vontade com ela para ir em frente e perguntar assim mesmo.

— Seu emprego tá te sugando muito? — O que eu realmente queria perguntar era: Tá tudo bem entre você e Aidan? Lembrando o que Marna disse sobre ela e Aidan terem problemas no casamento, mas acho que isso é perguntar demais, cedo demais.

Ela sorri com ternura e enxágua o último prato.

— Não, acho que trabalhar na clínica é uma terapia, na verdade.

Eu fico em silêncio, mas presto atenção.

— Aquele bar anda desgastando muito o Aidan ultimamente — ela continua —, mas o culpado é ele mesmo. Ele tem empregados mais do que suficientes pra cuidar de tudo, mas passa muito tempo lá, cuidando de coisas que paga os outros pra resolver.

Olho para ela com curiosidade.

— Por quê?

Ela fecha a lava-louça e olha para a entrada em arco que leva para a sala de estar, onde Aidan e Andrew estão conversando, rindo e falando muito “Porra, mano”. Então ela se vira para mim e diz em voz baixa:

— Ele tá bravo comigo. — Ela desvia o olhar e enxuga as mãos num trapo pendurado no puxador do armário sobre o balcão.

Só isso? Fico em silêncio por alguns segundos, só para o caso de ela ser o tipo de pessoa que faz pausas muito longas, mas ela não continua. Isso me deixa um pouco frustrada. Então, de repente, ela diz:

— Eu não deveria falar desses assuntos. Não depois do que você e Andrew enfrentaram. Desculpa mesmo.

— Não, Michelle — respondo, esperando aliviá-la. — Ei, eu tô aqui pra ouvir.

Por algum motivo estranho, Michelle mencionar o que Andrew e eu “enfrentamos” não me incomoda do modo como sempre incomoda quando os outros falam disso. Talvez seja porque eu sei que ela não está tentando me forçar a falar a respeito, nem tem medo de agir normalmente perto de mim. No momento, o mais importante é Michelle, e quero ficar do lado dela.

Ela hesita, olhando mais uma vez para a sala, e suspira.

— Ele quer ter filhos — ela confessa, e sinto meu coração se apertar, mas não deixo que isso transpareça no meu rosto. — E eu também quero, mas não agora.

— Ah, entendo. — Eu balanço a cabeça e penso nisso por um segundo. — Bem, poderia ser pior. Pelo menos ele não tá tendo um caso, nem começou a fabricar anfetamina no porão.

Michelle ri um pouco e pendura o pano de volta no armário.

— Tem razão — ela concorda, com os olhos castanhos iluminados pelo sorriso. — Nunca pensei dessa forma. Só queria que ele me desse pelo menos mais três anos. Eu lido com crianças o dia todo, sou pediatra. Adoro crianças. É preciso, pra fazer o trabalho que eu faço, mas tenho uma visão mais profunda da responsabilidade que é criar um filho. Aidan só consegue imaginar o filho jogando beisebol e indo acampar com ele, você me entende?

Eu rio baixinho.

— Sim.

Uma parte bem pequena de mim se pergunta se Michelle está me falando isso como uma maneira de aliviar a minha dor, me dizendo que criar um bebê é difícil. Talvez esteja, mas ao mesmo tempo, acho que sou eu que estou imaginando isso. Para contar o que está acontecendo entre ela e Aidan e considerando o assunto, seria difícil não falar algo assim.

— Então, como vai a fisioterapia de Andrew?

O clima muda instantaneamente no ambiente, como se as duas pudéssemos respirar um pouco mais aliviadas, agora que já passamos pelos assuntos perigosos.

— Ele teve fraqueza muscular por uns tempos, mas tá ótimo. Praticamente já não faz mais fisioterapia.

Michelle balança a cabeça e também puxa uma cadeira.

— Que bom — ela diz, e um silêncio embaraçoso se segue.

Aidan e Andrew interrompem esse momento constrangedor quando entram na cozinha. Aidan vai direto para a geladeira enquanto Andrew senta a sua bundona pesada no meu colo.

— An-drew! — Eu reclamo e rio ao mesmo tempo, tentando afastá-lo. — Vê se perde uns quilinhos! Caramba, amor, você tá me esmagando!

Ele se vira no meu colo, ficando de lado tempo suficiente para amassar meu rosto com as mãos e me beijar no meio dos olhos.

— Sai. Sai! — eu grito, e ele finalmente sai. — Sua bunda é ossuda. — Esfrego as mãos nas pernas para aliviar os músculos. Claro que a bunda dele está longe de ser ossuda, mas a expressão dele valeu a mentira dramática.

— Parecem menininhos — Michelle diz de perto da pia.

Eu nem notei que ela se levantou.

Aidan fecha a geladeira com outra garrafa de cerveja na mão e se senta na cadeira da qual Michelle levantou. Andrew me levanta como se eu não pesasse nada e rouba minha cadeira, me pondo em seu colo depois.

— Muito melhor assim — comento.

Ele abraça a minha cintura.

— Então, eu tava falando com Aidan.

Uh-oh, não gostei desse tom.

— É? — pergunto desconfiada, olhando mais para Aidan, já que não consigo ver Andrew atrás de mim.

— Isso deve ser interessante — Michelle brinca da pia, olhando para nós com o quadril encostado no balcão.

Aidan deixa a cerveja na mesa e diz:

— Você estaria interessada em cantar no meu bar amanhã à noite? É a noite mais cheia da semana. O tipo de música que vocês cantam é perfeito pros meus clientes.

A única vez que realmente me senti tão nervosa me apresentando em qualquer bar ou clube foi a primeira vez que cantei com Andrew, no Old Point, em Nova Orleans. Acho que fico muito nervosa de cantar na frente da família dele. Na frente de pessoas que não conheço e que provavelmente nunca mais vou ver não é tão desesperador, mas preciso dizer que isso está embrulhando meu estômago.

— Não sei...

Andrew me aperta suavemente por trás.

— Ah, vai — ele pede, tentando me encorajar sem ser autoritário demais.

Seja autoritário, Andrew! Pare de ser tão cauteloso! Seja como você foi quando me mandou subir no teto do carro na chuva, ou quando me obrigou a trocar aquela droga de pneu!

— Aceita, vai — Aidan insiste, jogando a cabeça para trás. — Andrew diz que você canta muito.

Fico vermelha e faço uma careta ao mesmo tempo.

— Bom, Andrew é suspeito, então você não pode aceitar a palavra dele.

— Eu acho uma ideia maravilhosa — Michelle acrescenta, e também se senta no colo de Aidan. Ele bate de brincadeira em suas coxas com as mãos, e isso me lembra de como Andrew costuma fazer a mesma coisa comigo toda hora. Aidan não se parece com Andrew tanto quanto Asher, mas com relação a todas as outras coisas em comum, dá para ver muito bem que são irmãos.

Penso por um momento e me viro para ver Andrew atrás de mim, abraçando seu pescoço e entrelaçando os dedos. Ele está sorrindo de orelha a orelha. Como posso dizer não a isso?

— Tudo bem — concordo. — Eu vou cantar. Mas eu escolho a música.

Aidan balança a cabeça em aprovação.

— O que você quiser — Andrew diz.

— Quanto tempo a gente vai tocar? — pergunto.

— O tempo que vocês quiserem — Aidan diz. — Só uma canção, se quiserem. Vocês que sabem.

Andrew e eu vamos dormir tarde depois de jogar cartas com Aidan e Michelle. E embora estejamos no quarto de hóspedes bem em frente ao deles, estar aqui não é tão constrangedor quanto na casa da minha mãe. Só que do quarto deles não vem nenhum barulho como o que sei que saía do nosso na última meia hora. Tentei gemer e gritar baixinho, mas, bem, não é fácil fazer isso quando Andrew está fazendo o que bem quer comigo.

Acho que estou deitada aqui, acordada, há umas três horas desde que Andrew pegou no sono. Ouço o barulho da rua lá fora e Andrew respirando suavemente ao meu lado. De vez em quando, os faróis de um carro passam por uma parte da parede e somem segundos depois.

Não consigo dormir. Tenho dificuldade para pegar no sono e continuar dormindo desde... bem, há algumas semanas. Tento não me agitar demais para não acordar Andrew. Ele parece tão em paz, deitado ali.

Finalmente, saio silenciosamente da cama e remexo minha bolsa à procura dos comprimidos. Eles têm me ajudado a dormir. E eu gosto de como eles me fazem sentir. Porque me fazem sentir alguma coisa diferente da dor. Mas estou tomando cuidado. Não tenho propensão a vícios, e nunca tomei nenhum tipo de droga na vida. Experimentei maconha algumas vezes no último ano do colegial, mas todo mundo experimentou.

Mas admito que penso muito no que vou fazer quando estes comprimidos acabarem...

Ponho um na palma da minha mão e olho para ele por um momento. Talvez eu devesse tomar dois esta noite, pra dormir profundamente. Quero estar descansada e pronta para me apresentar no bar de Aidan amanhã à noite. Sim, isso é motivo suficiente para tomar um a mais.

Engulo os comprimidos com um gole da garrafa d’água que deixei ao lado da cama e me deito ao lado de Andrew, olhando para o teto e esperando pelo efeito. Andrew, sentindo que me mexi, vira instintivamente o corpo e põe o braço na minha cintura. Eu me encolho perto dele, correndo o dedo com cuidado pelo desenho de Eurídice no seu quadril. Faço isso até que finalmente minha cabeça fica leve como o ar, e meus olhos se enchem de centenas de borboletinhas fazendo cócegas no fundo das minhas pálpebras e nas minhas têmporas.

E eu...

Andrew

Camryn dormiu até bem depois do almoço. Quando finalmente consegui acordá-la, ela se levantou com enxaqueca e mal-humorada. Bonitinha, mas mal-humorada. Mal tomou duas cervejas noite passada, mas parece que bebeu um litro de engasga-gato, pelo modo como está derrubada na cama, com a cabeça enterrada debaixo do travesseiro.

— Eu trouxe um Advil pra você — digo, me sentando ao lado dela. — Talvez você esteja com um tumor no cérebro.

Ela me dá uma joelhada na coxa.

— Não tem graça, Andrew — ela reclama, com um gemidinho na voz.

Eu achei engraçado.

— Bom, toma isso — insisto, tirando o travesseiro de cima de sua cabeça. Ela protesta por um segundo antes de ceder.

Ela levanta o suficiente da cama para engolir os comprimidos com água e depois desaba de volta no colchão, fechando os olhos com força e esfregando as têmporas com as pontas dos dedos. Eu lhe devolvo o travesseiro e ela se esconde debaixo dele.

— Sabe, em geral as pessoas ficam acostumadas com a bebida quanto mais elas bebem, não o contrário.

— Só tomei duas cervejas — ela protesta, com a voz abafada pelo travesseiro. — É só uma dor de cabeça, provavelmente não tem nada a ver com a cerveja.

Eu me curvo e beijo a barriga dela, lembrando rapidamente a última vez em que fiz isso, quando ela estava grávida. Isso me deixa triste por um segundo, mas como venho fazendo desde que aconteceu, enterro esse sentimento e não deixo transparecer.

— Posso ficar aqui com você, se quiser.

— Não, eu vou ficar bem — ela responde, e sua mão emerge de baixo do travesseiro. Ela a coloca às cegas na minha virilha, até que percebe o que é e a desloca rapidamente para o meu joelho. Eu a atormentaria por isso, mas vou deixar barato desta vez.

— Tá, vou ficar com Aidan por algumas horas — digo e me levanto da cama. — Espero que você esteja melhor até a noite. Quero muito que a gente toque.

— Também quero — ela diz, e estica a mão para mim.

Eu a seguro e me abaixo, beijando os nós dos seus dedos antes de sair para acompanhar meu irmão enquanto ele cuida de uns negócios.

Quando anoitece, Camryn está vestida e sua dor de cabeça parece ter ido embora, por isso nós quatro vamos para o fino estabelecimento de cerveja, amendoim e música ao vivo de Aidan.

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Os negócios no bar de Aidan estão prosperando, de acordo com ele, e quando entramos pouco depois das 19h, vejo que ele não exagerou. Nunca vi o lugar tão cheio assim, e já passei muitas noites de sexta e sábado aqui, nos seus seis anos como dono do bar. A música sai dos numerosos alto-falantes no teto e nas paredes, algum folk rock, bem parecido com o que virou meio sem querer uma marca registrada para Camryn e eu. Alguns anos atrás, se alguém me perguntasse que tipo de música eu tocaria se tivesse uma banda, eu jamais teria pensado em folk rock. Cantei e toquei rock clássico como Stones e Zeppelin em bares e clubes por muito tempo, mas depois que conheci Camryn, isso mudou um pouco. Adotamos o estilo do Civil Wars, principalmente, porque vinha muito naturalmente para nós como dupla, mas ainda tocamos alguns clássicos do rock também, quando nos apresentamos.

Um dos nossos favoritos: “Hotel California”, do Eagles, tecnicamente a primeira canção que cantamos juntos. Pode ter sido no carro, na estrada e só por diversão, mas grudou na gente. E tocamos “Laugh, I Nearly Died”, dos Rolling Stones, que Camryn insistiu em aprender.

Mas Camryn continua adorando coisas mais novas e o Civil Wars mais do que tudo, e por isso é o que tocamos normalmente.

Esta noite não vai ser diferente.

Eu tinha a impressão de que ela ia escolher “Tip of My Tongue” e “Birds of a Feather” porque são as duas canções que ela mais curte cantar. Adoro vê-la cantando essas duas ao meu lado no palco, porque ela fica vibrante, brincalhona e sexy pra cacete. Não que ela já não seja tudo isso, mas é como se outro lado mais ousado e paquerador dela se sobressaia quando ela canta. E ela não apenas canta — ela dá um show. Acho que é aquela alminha de atriz que ela sempre teve guardada em algum canto. Ela me disse que já representou em peças da escola, e dá para ver que ela leva jeito.

Mas cantar ao meu lado também parece fazê-la feliz, e por isso esta noite é tão importante. É a primeira vez que vamos nos apresentar juntos desde que ela perdeu o bebê, e espero que seja terapêutico.

Abrimos caminho em meio à multidão apertada e vamos até o palco, onde nos preparamos com calma. Não tem muita coisa para preparar, na verdade, só com uma guitarra — infelizmente, não uma das minhas — e dois microfones, mas só vamos tocar daqui a 15 minutos.

— Tô tão nervosa — Camryn diz perto do meu ouvido, precisando falar alto por cima da música.

Eu bufo com os lábios cerrados.

— Ora, por favor. Quando foi que você voltou a ficar nervosa? Já fizemos isso mais de cem vezes.

— Eu sei, mas tô cantando pro Aidan e pra Michelle desta vez.

— Ele não canta nada, então a opinião dele não vale nada.

Ela sorri.

— Bem, não tô nervosa a ponto de não querer fazer. Acho que é meio empolgante, na verdade.

— Essa é a minha garota — digo e me abaixo para beijar seus lábios.

— Aquelas duas garotas — Camryn grita para mim, sem olhar na direção delas —, na mesa da frente à sua esquerda, estão imaginando uma transa com você agora mesmo, juro por Deus.

Rio um pouco e balanço a cabeça.

— E aquele cara perto da mulher de blusa roxa — digo, acenando discretamente na direção dele — tá com a cabeça enterrada no meio das suas coxas desde que você subiu no palco.

— Então vão ser eles esta noite, hein? — ela pergunta.

Balanço a cabeça e confirmo:

— Hã-hã.

— Dá um bom trato nelas, amor — ela provoca, sorrindo maliciosamente para mim.

— Pode deixar — digo, com a mesma malícia no rosto.

Começamos isso na nossa segunda noite no Levy’s: cada um escolhe um cara e uma garota da plateia que estejam nessa vibe de “como eu adoraria te comer” e fazemos com que se sintam “superespeciais” em uma das canções. Mas sempre começamos dando aos nossos alvos um pouquinho de atenção bem antes de cair matando. Só um olhar, um contato visual de três segundos para que ela, ou ele, no caso de Camryn, saiba que chamou a atenção um pouco mais do que os outros presentes. Camryn já está fazendo sua mágica. O cara está com um sorriso babaca estampado no rosto, agora. Ela olha para mim e pisca. Enquanto passo a alça da guitarra pelo ombro, olho lentamente para as duas garotas. São bem gostosas, devo dizer. Cruzo olhares com a morena primeiro, olho por alguns segundos, depois olho para a amiga dela pelo mesmo tempo. Assim que desvio o olhar, noto que estão dando risadinhas e conversando, escondendo a boca com a mão. Eu apenas sorrio e dedilho as cordas da guitarra, testando a afinação. Camryn bate com o polegar no microfone e depois vai pegar os dois banquinhos nos quais provavelmente só vamos sentar para uma canção. Ela se senta no dela e cruza as pernas; aqueles saltos pretos sensuais de um quilômetro, sozinhos, já fazem parecer que ela sabe o que está fazendo neste ramo. São decorados com rebites prateados. Puta que pariu, tem umas coisas que ela veste que me deixam louco.

Um apresentador, jovem, aparece no palco e nos apresenta. Muitas das vozes que se ouvem no grande espaço se calam, e mais ainda quando começo a tocar guitarra. E quando Camryn canta a primeira canção, sua voz é tão sensual que ela atrai a atenção de praticamente todos na hora.

Cantamos quatro canções para uma plateia maravilhosamente receptiva que dança, se embebeda e tenta cantar junto. A atmosfera no bar é explosiva e eu adoro.

Camryn desce os três degraus do palco com o microfone na mão e se aproxima de sua vítima. Antes que a canção acabe, ele está dançando com ela, se divertindo muito. Quando suas mãos chegam perto demais de lugares que só eu tenho permissão para tocar, Camryn, como uma profissional, sorri e continua a cantar para ele enquanto o afasta.

Então fazemos uma pequena pausa.

Camryn me puxa para trás do palco enquanto as vozes aumentam novamente ao nosso redor.

— Preciso ir ao banheiro — ela diz.

Tiro a alça da guitarra pela cabeça e a apoio na parede.

— Vai, vou pegar bebida pra gente — digo. — Quer alguma coisa?

Ela sorri, balançando a cabeça.

— Pode trazer qualquer coisa, tanto faz.

— Alcoólica? — pergunto.

Ela balança a cabeça de novo e me beija, ansiosa para se afastar logo, provavelmente para não mijar perna abaixo.

— Oh, e por que você não canta a próxima sozinho hoje? — ela sugere.

— Mesmo? Por quê?

Ela se aproxima e apoia as mãos no meu peito.

— Você canta essa melhor sozinho, e acho que já encerrei por hoje. Queria ver você. — Ela me dá um selinho. Fica tão alta com esse sapato que está na altura dos meus olhos.

Se é isso que ela quer, por mim, tudo bem. Não quero forçá-la.

— Tá, vou cantar sozinho — digo. — Assim vai ser mesmo mais fácil seduzir minhas duas garotas na plateia.

Ela sorri e diz, rindo ao mesmo tempo:

— Não exagera, Andrew. Lembra o que aconteceu da última vez?

— Eu sei, eu sei — digo, afastando-a com um gesto.

Ela se vira e eu lhe dou um tapa na bunda enquanto ela corre para o banheiro.

 


CONTINUA