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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


The Edge of Never
The Edge of Never

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.


CONTINUA

20

ESTOU ACORDADO DESDE AS oito horas. Meu irmão Asher ligou, e fiquei com medo de atender porque achei que seriam "notícias" do meu pai. Mas ele só ligou para avisar que Aidan está puto porque peguei o violão dele. Caguei; o que ele vai fazer, vir de carro até Birmingham pra brigar comigo? Sei que isso não tem nada a ver com o violão; Aidan só está puto porque fui embora de Wyoming com o nosso pai ainda vivo.

E Asher queria saber como eu estava.

— Tá tudo bem, mano? - ele perguntou.

— Tá perfeito, na verdade.

— Isso é sarcasmo?

— Não - falei ao telefone -, é papo reto, Ash, tô vivendo o melhor momento da minha vida agora.

— Por causa daquela garota, certo? Camryn? É esse o nome dela?

— É, é o nome dela, e é por causa dela, sim.

Eu ri por dentro, distraído pela imagem muito vívida na minha mente do que aconteceu ontem, mas depois apenas sorri, pensando em Camryn de maneira geral.

— Bom, você sabe onde eu tô, se precisar de mim - Asher disse, e ouvi em sua voz a mensagem silenciosa que ele queria comunicar, mesmo sabendo que não devia dizer abertamente. Falei pra ele nunca mais tocar no assunto, senão eu ia enchê-lo de porrada.

— Eu sei, valeu, mano. Ei, como tá o papai?

— Do mesmo jeito que tava quando você foi embora.

— Melhor assim do que pior, acho.

— É.

Desligamos, e liguei para minha mãe para avisar que estou bem. Mais um dia e ela iria pôr a polícia atrás de mim.

Me levanto e guardo minhas coisas na mochila. Ao passar pela TV, bato na parede com a mão aberta no lugar onde a cabeça de Camryn deve estar, sobre o travesseiro, do outro lado. Se ela já não estava acordada, agora acordou. Bom, talvez não, porque ela tem sono pesado - menos pra música, pelo jeito. Tomo um banho rápido, escovo os dentes, penso nela na minha boca ontem e acho uma pena ter que escovar os dentes. Tudo bem, talvez eu faça isso de novo depois. Se ela quiser, é claro. Porra, não tenho absolutamente nenhum problema com isso, a não ser o fato de que depois preciso cuidar de mim, mas isso também não me incomoda. Prefiro fazer isso a correr o risco de ela me tocar. Sei que quando isso acontecer, vai estar tudo acabado. Pra mim, pelo menos. Sinto um tesão do caralho por ela, mas só vou transar com ela se for recíproco. E no momento, posso ver que ela não sabe o que quer.

Eu me visto e enfio os pés sem meias nos tênis pretos, que por sorte já secaram, depois daquela chuva. Jogo as duas mochilas nos ombros, pego o violão de Aidan pelo braço, vou para o corredor e para o quarto de Camryn.

Ouço a TV lá dentro, então sei que ela deve estar acordada.

Queria saber quanto tempo ela vai levar pra desmoronar.


CAMRYN


OUÇO ANDREW BATER à porta. Inspiro abruptamente, seguro o ar por um minuto longo e tenso e então expiro de uma vez, soprando uma mecha de cabelo que se soltou da minha trança - me preparando para não desmoronar.

Como se nunca tivesse acontecido, o cacete.

Finalmente abro a porta, e quando o vejo parado ali, tão casual - e tão comestível -, eu desmorono. Bom, é mais como um rubor bem intenso, tão quente que meu rosto parece estar literalmente pegando fogo. Olho para o chão porque, se eu enfrentar seu olhar sorridente por mais um segundo, minha cabeça pode derreter.

Consigo olhar de novo para ele instantes depois.

Seu sorriso de lábios apertados está maior agora, e muito mais revelador.

Ei! Acho que fazer essa cara é o mesmo que falar a respeito!

Ele me olha de cima a baixo, vendo que já estou vestida e pronta para partir, e então joga a cabeça um pouco para trás e diz com um sorrisão:

— Bora.

Pego minha bolsa e minha mala e saio com ele.

Entramos no carro e faço o que posso para não pensar no melhor sexo oral que já recebi, procurando algum assunto aleatório para conversar. Andrew está com um cheiro maravilhoso hoje: seu cheiro natural misturado com um pouco de sabonete e algum tipo de xampu. Isso também não me ajuda em nada.

— Então, a gente vai só ficar indo pra vários motéis sem parar em nenhum lugar, a não ser em Waffle Houses?

Não que isso me incomode um pouco que seja, mas estou me esforçando pra encontrar assunto.

Andrew afivela o cinto de segurança e dá a partida.

— Não, na verdade, tenho uma coisa em mente. - Ele olha para mim.

— É? - pergunto, com minha curiosidade aguçada. - Vai mesmo quebrar a regra da espontaneidade da nossa viagem e seguir um plano?

— Ei, tecnicamente, isso nem é uma regra - ele argumenta, reforçando o fato.

Saímos do estacionamento e o Chevelle ronrona para a estrada.

Ele está usando o mesmo short preto de lona de ontem, e eu olho de soslaio para suas panturrilhas duras feito rochas, um pé apertando de leve o pedal do acelerador. Uma camiseta azul-marinho se ajusta perfeitamente ao seu peito e braços, o tecido mais apertado ao redor dos bíceps.

— Bom, qual é o plano, então?

— Nova Orleans - ele responde, sorrindo para mim. - Fica só a umas cinco horas e meia daqui.

Meu rosto se ilumina.

— Nunca estive em Nova Orleans.

Ele sorri por dentro, como se ficasse empolgado por poder me levar lá pela primeira vez. Estou tão empolgada quanto ele. Mas na verdade não me importa para onde iremos, mesmo se forem os pântanos infestados de mosquitos do Mississippi, contanto que Andrew esteja comigo.

Duas horas depois, quando já esgotamos os assuntos aleatórios que foram só uma distração para não falar do que aconteceu noite passada, decido que sou eu que vou tocar no assunto. Estico o braço e aperto o botão que abaixa o volume. Andrew me olha com curiosidade.

— Aquelas palavras nunca saíram da minha boca antes, só pra você saber - desabafo.

Andrew sorri e corre a mão pelo volante, virando-o casualmente com os dedos. Ele parece mais relaxado, com o braço esquerdo apoiado na porta do outro lado, o joelho esquerdo um pouco dobrado e o pé direito sobre o acelerador.

— Mas você gostou... - ele diz - de falar aquelas coisas, quero dizer.

Hum, não aconteceu nada ontem à noite de que eu não tenha gostado.

Meu rosto está só um pouco vermelho.

— É, na verdade gostei - admito.

— Não me diga que nunca pensou em falar coisas assim durante o sexo.

Eu hesito.

— Na verdade, já pensei. - Olho para ele, séria. - Mas não fico sonhando com isso toda hora, só pensei a respeito.

— E por que nunca falou, se tinha vontade? - Ele está fazendo essas perguntas, mas tenho certeza de que já sabe as respostas.

Dou de ombros.

— Acho que eu era muito cagona.

Andrew ri um pouco e corre os dedos novamente pelo volante, segurando-o com mais firmeza ao passarmos por uma parte da estrada com mais curvas.

— Acho que sempre pensei que só Dominique Starla ou Cinnamon Dreams falavam coisas assim, em Lesbicamente Loura ou Se Beber, Não Trepe.

— Você viu esses filmes?

Viro a cabeça bruscamente e quase grito.

— Não! Eu... eu nem sabia que existiam, só inventei os...

O sorriso de Andrew fica mais brincalhão.

— Também não sei se existem - ele admite antes que eu morra de vergonha -, mas não duvido. E entendi o que você quis dizer.

Meu rosto relaxa.

— Bom, dá tesão - ele diz -, só pra você saber.

Fico um pouco mais vermelha. Eu podia já deixar o vermelho do meu rosto ligado o tempo todo quando ele está por perto, porque a cada dia que passa, fico vermelha com mais frequência.

— Então atrizes pornô te dão tesão? - Faço cara de repulsa mentalmente, torcendo para que ele diga que não.

Andrew estufa um pouco os lábios e diz:

— Não muito... bom, quando são elas que fazem, é outro tipo de tesão.

Franzo o cenho.

— Como assim, outro tipo?

— Bom, quando... Dominique Starla - ele pega o nome no ar - faz isso, é pra um cara qualquer que tá a fim de gozar na frente do computador. - Seus olhos verdes pousam em mim. - Esse cara não sonha em ter nada além da cabeça dela no meio das suas pernas. - Então ele volta a olhar para a estrada. - Mas quando alguém... sei lá... como uma garota doce, sexy, completamente não vadia faz isso, o cara tá pensando em muito mais do que ter a cabeça dela no meio das pernas. Provavelmente não tá nem pensando nisso, pelo menos num nível mais profundo.

Entendi completamente o significado secreto das suas palavras, e ele deve saber disso.

— Me deixou louco - ele diz, me olhando tempo suficiente para cruzar olhares comigo -, só pra você saber. - Mas então ele se vira completamente e finge se concentrar mais na estrada. Talvez não queira que eu o acuse de "falar a respeito", mesmo tendo sido eu quem começou a conversa. Assumo totalmente a culpa e não me arrependo.

— E você? - pergunto, quebrando o breve silêncio. - Já teve medo de tentar alguma coisa, sexualmente, que você tinha vontade?

Andrew pensa por um momento e responde:

— Tive, quando era mais novo, tipo uns 17 anos, mas só tinha medo de tentar coisas com as garotas porque sabia que elas eram...

— Eram o quê?

Ele sorri suavemente, apertando os lábios, e tenho a sensação de que está para acontecer algum tipo de comparação.

— As garotas mais novas, pelo menos as que eu conhecia, tinham "nojinho" de qualquer coisa fora do convencional. Acho que eram como você, de certa forma, sentiam tesão secretamente com alguma coisa diferente da posição papai e mamãe, mas eram tímidas demais pra admitir. E naquela idade era arriscado dizer: "Ei, me deixa comer teu cu", porque provavelmente ela ia surtar e te achar um maníaco sexual.

Uma risada escapa dos meus lábios.

— É, acho que você tem razão - concordo. - Quando eu era adolescente, ficava com nojo quando Natalie me contava o que ela deixava Damon fazer. Só comecei a sentir tesão por essas coisas quando perdi a virgindade, com 18 anos, mas... - minha voz começa a sumir quando penso em Ian - ... mas até então eu ainda ficava nervosa. Eu queria... hã...

Fico nervosa de admitir isto mesmo agora.

— Vai, fala de uma vez - ele me incentiva, mas sem nenhum tom brincalhão. - Você já deve ter entendido que não vai conseguir me espantar.

Isso me pega desprevenida (e faz meu coração palpitar). Será que a verdade está escrita na minha testa, que temo que ele fique com uma má impressão de mim? Andrew sorri delicadamente, como que para me dar muito mais segurança de que nada que eu possa dizer vai deixá-lo com uma má impressão.

— Tá, mas, se eu te contar, promete que não vai achar que é um convite? - Talvez seja, embora eu mesma ainda não tenha certeza disso, mas não quero de jeito nenhum que ele pense isso. Agora não, talvez nunca. Não sei...

— Juro - ele responde, com olhar sério e nem um pouco ofendido -, não vou achar mesmo.

Respiro fundo.

Ai! Não acredito que vou contar isso a ele. Nunca contei para ninguém; bem, a não ser para Natalie, de forma indireta.

— Agressão. - Fico em silêncio, ainda constrangida em continuar. - A maior parte das vezes, quando fico fantasiando o sexo, eu...

Seus olhos estão sorrindo! Quando falei "agressão", algo mudou na sua expressão. Parece quase que... não, não pode ser isso, com certeza.

Andrew suaviza seu olhar quando se dá conta.

— Continua - ele encoraja, com o mesmo sorriso suave novamente.

E eu continuo, porque, por algum motivo, sinto menos medo de concluir o raciocínio do que eu sentia há alguns segundos:

— Geralmente eu sonho que tô sendo... manipulada.

— Sexo bruto te dá tesão - ele diz num tom neutro.

Balanço a cabeça.

— A ideia me dá tesão, mas nunca fiz de verdade, não do jeito que eu imagino, pelo menos.

Ele parece um pouco surpreso, ou será contente?

— Acho que foi isso que eu quis dizer quando falei que sempre acabo ficando com caras mansos.

Agora caiu a ficha: Andrew sabia antes de mim o que eu realmente queria dizer em Wyoming quando falei que "acabo ficando" com caras mansos. Sem perceber, basicamente comuniquei que ficar com eles era falta de sorte, algo que eu não preferia. Ele podia não saber qual era a minha definição de "mansos" até agora, mas entendeu antes de mim que era algo que eu não queria.

Mas eu amava Ian, e agora me sinto péssima por pensar desse jeito. Ian era manso sexualmente, e a ideia de pensar qualquer coisa ruim a respeito dele faz com que eu me sinta culpada.

— Então você gosta de puxões de cabelo e... - ele começa a perguntar, inquisitivamente, mas sua voz some quando ele nota minha expressão beligerante.

— É, só que mais agressivo - digo sugestivamente, tentando fazê-lo dizer, para que não precise ser eu. Estou ficando nervosa de novo.

Ele vira o queixo de lado e suas sobrancelhas se erguem um pouco.

— O que, tipo... peraí, agressivo quanto?

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Forçado, acho. Não tipo um estupro mesmo, nada tão extremo, mas acho que tenho uma personalidade muito submissa sexualmente.

Agora Andrew também não consegue me olhar.

Viro o suficiente para ver que seus olhos estão um pouco mais arregalados do que há segundos, e cheios de uma intensidade velada. Seu pomo de adão se move discretamente quando ele engole. Suas duas mãos estão no volante, agora.

Mudo de assunto.

— Tecnicamente, você não me contou o que você teve medo de pedir pra garota fazer.

— Sorrio, esperando recuperar a atmosfera descontraída de antes.

Ele relaxa e abre um sorriso, me olhando.

— Contei, sim - responde, e depois de uma pausa estranha, acrescenta -, sexo anal.

Algo me diz que não foi disso que ele teve medo, na verdade. Não consigo definir, mas acho que esse negócio de falar do sexo anal é só um disfarce. Mas por que Andrew, de nós dois, seria quem teme admitir a verdade? É ele que praticamente está me ajudando a ficar mais à vontade com minha sexualidade. Pensei que ele não tivesse medo de admitir nada, mas agora não tenho tanta certeza.

Eu queria poder ler sua mente.

— Bom, acredite se quiser - digo, olhando de soslaio para ele -, Ian e eu tentamos isso uma vez, mas doeu pra caramba, e nem preciso dizer que foi literalmente "uma vez" mesmo.

Andrew ri discretamente.

Depois ele olha para as placas e parece estar tomando uma decisão mental rápida sobre o itinerário. Saímos da rodovia e pegamos outra. Mais plantações se espraiam de ambos os lados da estrada. Algodão, arroz e milho e sabe-se lá o que mais; na verdade, não sei diferenciar a maioria das plantas, a não ser as óbvias: o algodão é branco e o milho é alto. Viajamos por horas e horas até que o sol começa a se pôr e Andrew vai para o acostamento. Os pneus param na brita.

— A gente tá perdido? - pergunto.

Ele se debruça na minha direção e alcança o porta-luvas. Seu cotovelo e a parte de baixo do antebraço roçam na minha perna quando ele abre a tampa e pega um mapa rodoviário meio surrado. Está amarrotado, como se depois de aberto nunca mais tivesse sido dobrado do jeito original. Andrew desdobra o mapa e o abre sobre o volante, examinando-o de perto e correndo o dedo sobre o papel. Ele morde o canto direito da boca e estala os lábios de forma interrogativa.

— A gente tá perdido, não tá? - Quero rir, não dele, mas da situação.

— A culpa é tua - ele diz, tentando ficar sério, mas fracassando totalmente, a julgar pelo sorriso em seus olhos.

Eu bufo.

— Como, minha culpa? - protesto. - É você que tá dirigindo.

— Bom, se você não me "distraísse" tanto falando de sexo, desejos secretos, pornografia e da vadia da Dominique Starla, eu ia notar que peguei a 20 em vez de continuar na 59, como devia. - Ele bate no meio do mapa com os nós dos dedos e balança a cabeça. - A gente viajou duas horas na direção errada.

— Duas horas? - Rio desta vez, e dou uma palmada no painel. - E só agora você percebeu?

Espero não estar ferindo seu ego. Além disso, não é que eu esteja brava ou decepcionada; poderíamos viajar dez horas na direção errada e eu não ligaria.

Ele parece magoado. Tenho certeza que é fingimento, mas aproveito a oportunidade para fazer uma coisa que estou querendo fazer desde que tomamos chuva no teto do carro, no Tennessee. Solto meu cinto de segurança e deslizo sobre o banco para perto dele. Andrew parece discretamente surpreso, mas receptivo, ao levantar o braço para que eu possa me enroscar debaixo dele.

— Tô só brincando sobre a gente estar perdido - digo, encostando a cabeça no ombro dele. Sinto um pouco de relutância antes que seu braço me envolva.

Parece tão certo estar aqui, assim. Certo demais...

Finjo não notar como nos sentimos à vontade agora, e tento ficar despreocupada como antes. Olho o mapa com ele, correndo o dedo por uma nova rota.

— A gente pode ir por aqui - sugiro, apontando para o sul - e pegar a 55 até Nova Orleans. Certo? - Inclino a cabeça para ver seus olhos e meu coração dá um pulo quando noto o quanto seu rosto está perto do meu, agora. Mas apenas sorrio, esperando sua resposta.

Ele sorri também, mas tenho a sensação de que não ouviu quase nada do que eu disse.

— É, vamos pegar a 55. - Seus olhos correm pelo meu rosto e param brevemente nos meus lábios.

Começo a dobrar o mapa novamente, e em seguida aumento o volume. Andrew afasta o braço de mim para mexer no câmbio.

Quando pegamos a estrada, ele apoia a mão na minha coxa, que está apertada contra a sua, e viajamos assim por muito tempo; ele só tira a mão para controlar melhor o volante em alguma curva ou mexer no som, mas sempre a coloca de novo ali.

E eu quero que ele sempre a coloque.


21

— TEM CERTEZA QUE a gente ainda tá na 55? - pergunto bem mais tarde, depois que escurece e parece que não vejo nenhum carro indo nem vindo há uma eternidade.

Só campos, árvores e uma vaca aqui e ali.

— Sim, gata, esta ainda é a 55, eu verifiquei.

Quando ele diz isso, passamos por mais uma placa que realmente diz: 55.

Me levanto do braço de Andrew, sobre o qual minha cabeça esteve encostada por uma hora, e começo a espreguiçar os braços, as pernas e as costas. Me curvo e massageio as panturrilhas, em seguida; acho que cada músculo do meu corpo endureceu feito cimento em volta dos ossos.

— Precisa sair e esticar um pouco as pernas? - Andrew pergunta.

Olho para o rosto dele nas sombras; um tom levemente azulado tinge sua pele. Seu maxilar esculpido parece mais pronunciado no escuro.

— Preciso - respondo, e me debruço sobre o painel para ver melhor pelo para-brisa como é a paisagem. Claro. Campos e árvores e (lá vai outra vaca) eu já devia saber. Mas então noto o céu. Me espremo mais contra o painel e olho para cima, para as estrelas envelopadas na escuridão infinita, notando como é fácil enxergá-las e quantas são, sem nenhuma luz artificial num raio de quilômetros.

— Quer sair e andar um pouco? - ele pergunta, ainda esperando o resto da minha resposta.

Tenho uma ideia, sorrio amplamente para ele e balanço a cabeça.

— Acho uma ótima ideia. Tem um cobertor no porta-malas?

Ele me olha por um momento, curioso.

— Tenho, sim, naquela caixa com coisas pra emergências na estrada. Por quê?

— Sei que pode parecer clichê - começo -, mas é uma coisa que eu sempre quis fazer... Você já dormiu sob as estrelas? - Me sinto meio boba perguntando, porque acho que é meio clichê, e nada em Andrew, até agora, chegou perto de ser clichê.

Seu rosto se abre num sorriso terno.

— Na verdade, não, nunca dormi sob as estrelas; tá ficando romântica de repente, Camryn Bennett? - Ele me olha com uma expressão brincalhona.

— Não! - Eu rio. - Vai, falando sério; acho que é a oportunidade perfeita. - Gesticulo na direção do para-brisa. - Olha o tamanho desses campos.

— É, mas a gente não pode estender um cobertor numa plantação de algodão ou de milho - ele diz -, e a maior parte do tempo esses campos têm água pelo tornozelo.

— Mas nos pastos só tem grama e bosta de vaca - retruco.

— Você quer dormir no lugar onde as vacas cagam? - ele diz casualmente, mas com o mesmo humor.

Dou uma risadinha.

— Não, só na grama. Ah, vai... - Então lhe endereço um olhar provocador. - Que foi, tá com medo de um pouco de bosta de vaca?

— Ha-ha! - Andrew balança a cabeça. - Camryn, não existe "um pouco" de bosta de vaca.

Volto para perto dele, deito a cabeça no seu colo e olho para cima fazendo bico.

— Por favor? - Eu pisco várias vezes.

E tento sem sucesso não pensar no que a minha cabeça está apoiada.


ANDREW


DERRETO COMPLETAMENTE QUANDO ELA me olha desse jeito. Como posso dizer não pra ela? Pode ser perto de um monte de bosta de vaca ou debaixo de uma ponte, junto com um sem-teto bêbado - eu dormiria em qualquer lugar com ela.

Mas esse é o problema.

Acho que se tornou um problema assim que ela decidiu se sentar perto de mim no carro. Porque foi aí que ela mudou, que acho que começou a acreditar que quer mais de mim do que sexo oral. Até fiz isso por ela em Birmingham, mas não posso deixar que ela queira mais. Não posso deixar que me toque e não posso dormir com ela.

Eu quero Camryn, quero de todas as formas imagináveis, mas não consigo nem pensar em partir seu coração - aquele corpinho dela é outra história; eu adoraria judiar dele. Mas, se ela se entregar pra mim, é o que vai acontecer no final: vou partir o coração dela (e o meu).

Ficou mais difícil depois que ela me falou do ex...

— Por favor - Camryn diz mais uma vez.

Apesar de esbravejar comigo mesmo mentalmente, passo o dedo no contorno do seu rosto e digo bem baixinho:

— Tá.

Nunca fui o tipo de cara que ouve a voz da razão quando quero alguma coisa, mas com Camryn estou mandando a razão se foder muito mais do que de costume.

Mais dez minutos dirigindo e encontro um pasto que parece um mar de grama infinito e plano, e paro o carro na beira da estrada. Estamos literalmente no meio do nada. Saímos e eu tranco as portas, deixando tudo dentro do carro. Abro o porta-malas e mexo na caixa de emergência, procurando o cobertor enrolado, que cheira a carro velho e um pouco também a gasolina.

— Tá fedendo - digo, dando uma fungada.

Camryn se curva e inspira, torcendo o nariz.

— Tudo bem, eu não ligo.

Nem eu. Sei que ela vai deixar um cheiro melhor nele.

Sem nem pensar a respeito, dou a mão para ela, descemos uma pequena encosta para uma vala e subimos pelo outro lado até uma cerca baixa que nos separa do pasto. Começo a procurar a maneira mais fácil de Camryn passar pela cerca. Quando dou por mim, ela soltou minha mão e está escalando aquela porra.

— Rápido! - ela diz, pousando agachada do outro lado.

Não consigo parar de sorrir.

Salto por cima da cerca, pouso ao lado dela e saímos correndo pelo campo; ela como uma gazela graciosa, eu como um leão que a persegue. Ouço os chinelos de dedo de Camryn batendo em seus pés quando ela corre, e vejo mechas de cabelo louro se iluminando ao redor da sua cabeça quando a brisa os agita. Seguro o cobertor com uma mão enquanto corro atrás dela, deixando-a ficar alguns passos à minha frente; assim, se ela cair, vou poder primeiro rir de sua cara e depois ajudá-la a levantar. Está tão escuro, só com o luar iluminando a paisagem. Mas há luz suficiente para enxergarmos onde estamos pisando sem cair em alguma vala ou tropeçar numa árvore.

E não vejo nenhuma vaca, o que significa que pode ser um campo sem bosta, o que é uma vantagem.

Nos afastamos tanto do carro que a única parte dele que consigo ver é o brilho refletido pelas rodas cromadas.

— Acho que aqui tá bom - Camryn diz, parando, sem fôlego.

As árvores mais próximas ficam a uns 30 ou 35 metros em qualquer direção.

Ela ergue os braços bem acima da cabeça e levanta o queixo, deixando a brisa acariciar seu corpo. Está sorrindo tanto, de olhos fechados, que não quero dizer nada para não perturbar seu momento com a natureza.

Desenrolo e estendo o cobertor no chão.

— Fala a verdade - ela diz, segurando meu pulso e me fazendo sentar no cobertor ao lado dela -, nunca passou mesmo a noite sob as estrelas com uma garota?

Balanço a cabeça.

— É verdade.

Ela parece gostar de saber disso. Eu a observo sorrir para mim enquanto um vento leve passa entre nós e espalha fios de cabelo sobre o seu rosto. Ela tira algumas mechas de cima dos lábios, passando os dedos com cuidado.

— Não sou o tipo de cara que espalha pétalas de rosa na cama.

— Não? - ela diz, um pouco surpresa. - Na verdade, acho que você deve ser um cara bem romântico.

Dou de ombros. Ela está jogando um verde? Acho que está.

— Bom, depende da tua definição de romântico - respondo. - Se uma garota espera um jantar à luz de velas com Michael Bolton tocando ao fundo, com certeza escolheu o cara errado.

Camryn ri.

— Bom, isso é um pouco romântico demais - ela diz -, mas aposto que você já foi capaz de gestos românticos.

— Acho que sim - respondo, sinceramente não me lembrando de nenhum, no momento.

Ela me olha com a cabeça inclinada para um lado.

— Você é um daqueles - diz.

— Um daqueles o quê?

— Caras que não gostam de falar das suas ex.

— Você quer saber das minhas ex?

— Claro.

Camryn se deita de costas, com os joelhos nus levantados, e bate a mão no lugar ao seu lado no cobertor.

Deito ao lado dela na mesma posição.

— Me fala do teu primeiro amor - ela pede, e eu já sinto que não deveríamos ter essa conversa, mas se é disso que Camryn quer falar, vou fazer o melhor que posso para contar o que ela quer saber.

Acho que é justo, já que ela me falou do seu.

— Bom - digo, olhando para o céu estrelado -, ela se chamava Danielle.

— E você a amava? - Camryn olha para mim, deitando a cabeça de lado.

Continuo olhando as estrelas.

— Amava, sim, mas não era pra ser.

— Quanto tempo vocês ficaram juntos?

Me pergunto por que ela quer saber; a maioria das garotas que conheço entra naquele modo de ciúme mercurial que me faz querer proteger minhas bolas sempre que começo a falar das minhas ex.

— Dois anos - respondo. - O fim foi mútuo; a gente começou a se interessar por outras pessoas, e acho que chegamos à conclusão de que o amor não era tão grande assim.

— Ou então o amor simplesmente acabou.

— Não, a gente nunca chegou a se apaixonar mesmo.

Só olho para ela, desta vez.

— Como você sabe a diferença? - ela pergunta.

Penso nisso por um momento, examinando seus olhos, que estão a uns 30 centímetros dos meus. Posso sentir o cheiro de canela da sua pasta de dentes quando ela respira.

— Acho que o amor nunca acaba de verdade quando a gente ama alguém - digo, e vejo um pensamento passar por seus olhos. - Acho que quando você se apaixona, quando ama de verdade, é amor pra vida inteira. Todo o resto são só experiências e ilusões.

— Não sabia que você era tão filosófico. - Ela sorri. - Preciso te avisar que isso também é romântico.

Normalmente é Camryn quem fica vermelha, mas desta vez a danada me pegou. Tento não olhar para ela, mas não é fácil.

— Então quem você amou de verdade? - ela pergunta.

Estico as pernas à minha frente, pondo um tornozelo sobre o outro e cruzando os dedos na barriga. Olho para o céu, e com o canto do olho, vejo Camryn fazer o mesmo.

— Sinceramente?

— Sim - ela diz -, tô curiosa, só isso.

Olho para um grupo brilhante de estrelas no céu e digo:

— Bom, ninguém.

Ela solta ar pelos lábios, bufando um pouco.

— Ah, por favor, Andrew; você não disse que ia ser sincero?

— Eu tô sendo sincero - digo, olhando para ela -, algumas vezes achei que tava apaixonado, mas... por que a gente tá falando disso, afinal?

Camryn deita a cabeça de novo e não está mais sorrindo. Parece um pouco triste.

— Acho que eu tava te usando como meu analista de novo.

Meus olhos se aproximam.

— Como assim?

Ela desvia o olhar; sua linda trança loura cai do ombro sobre o cobertor.

— Porque tô começando a achar que talvez eu não estivesse... Não, não posso dizer uma coisa dessas. - Ela não é mais a Camryn feliz e sorridente que correu para cá comigo.

Ergo as costas do cobertor e me apoio nos cotovelos. Olho para ela, curioso.

— Você pode dizer tudo o que sente, sempre que precisar. Talvez dizer seja exatamente o que você precisa.

Ela nem me olha.

— Mas me sinto culpada só de pensar nisso.

— Bom, sentimento de culpa é foda, mas, se você tá pensando nisso, não acha que pode ser verdade?

Ela deita a cabeça de novo.

— Diz e pronto. Se depois de dizer você achar que não foi certo, aí pode trabalhar isso, mas se ficar segurando essas coisas, a incerteza vai ser ainda mais foda do que a culpa.

Camryn olha para as estrelas de novo. Também olho, só para lhe dar tempo de pensar.

— Talvez eu nunca tenha sido apaixonada pelo Ian - ela confessa. - Eu o amava, muito, mas se estivesse apaixonada por ele... acho que talvez ainda estaria.

— É uma boa observação - digo, e sorrio discretamente, esperando que ela também possa sorrir de novo. Odeio vê-la de testa franzida.

Seu rosto está neutro, contemplativo.

— E o que faz você achar que nunca foi apaixonada por ele?

Ela me olha de frente, analisando meu rosto, e depois responde:

— Porque quando tô com você, já não penso mais tanto nele.

Me deito de novo imediatamente e dirijo o olhar para o céu negro. Provavelmente conseguiria contar todas aquelas estrelas se tentasse, só para me distrair, mas tem uma distração muito maior do que todas as estrelas do universo deitada ao meu lado.

Preciso dar um fim nisso, e logo.

— Bom, eu sou ótima companhia - digo, com um sorriso na voz. - E fiz você arrastar essa bundinha pra todo lado na cama naquela noite, então acho normal que esteja mais inclinada a pensar na minha cabeça no meio das tuas pernas do que em qualquer outra coisa. - Só estou tentando fazê-la voltar ao seu humor brincalhão, ainda que isso signifique que ela vai me dar um soco e me acusar de quebrar a promessa do "como se nunca tivesse acontecido".

E eu levo mesmo um soco, depois que Camryn se apoia nos cotovelos, como fiz.

Ela ri.

— Seu babaca!

Rio mais alto; eu jogaria a cabeça para trás, se já não estivesse encostada no chão.

Então ela chega mais perto de mim, apoiada num cotovelo e me olhando. Sinto a maciez do seu cabelo roçando o meu braço.

— Por que você não me beija? - ela pergunta, e isso me surpreende. - Quando você me chupou ontem, não me beijou nenhuma vez. Por quê?

— Beijei você sim.

— Não beijou-beijou - ela discorda, e está tão perto dos meus lábios que quero beijá- la agora, mas não faço isso. - Não sei o que achar disso; não gosto do que acho, mas não tenho certeza do que deveria achar.

— Bem, você não devia achar ruim, isso eu sei - respondo, sendo tão vago quanto possível.

— Mas por quê? - ela sonda, e sua expressão começa a ficar mais dura.

Capitulo e confesso:

— Porque beijar é muito íntimo.

Ela inclina a cabeça.

— Então você não me beija pelo mesmo motivo que não me come?

Fico de pau duro na hora. Torço muito para que ela não perceba.

— Sim - respondo, e antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela sobe no meu colo. Porra, se ela ainda não sabia que meu pau está duro como um ferro, agora com certeza sabe. Seus joelhos nus estão apoiados no cobertor dos dois lados do meu corpo e ela se abaixa, sustentando seu peso com os braços, e praticamente morro quando seus lábios roçam os meus.

Ela me olha nos olhos e diz:

— Não vou tentar te forçar a dormir comigo, mas quero que me beije. Só um beijo.

— Por quê? - pergunto.

Ela precisa mesmo sair do meu colo. Puta merda... não tá ajudando nada saber que meu pau tá encaixado bem no meio da bunda dela, agora. Se ela deslizar 2 centímetros pra baixo...

— Porque quero saber como é o teu beijo - ela suspira na minha boca.

Minhas mãos sobem pelas pernas e pela cintura dela, e eu cravo os dedos no seu corpo. Seu cheiro é bom pra caramba. A sensação é incrível, e ela só está sentada em cima de mim. Não consigo nem começar a imaginar como ela é por dentro; a ideia me deixa louco.

Então sinto que ela se aperta contra mim por cima das roupas, sua bundinha se mexendo suavemente, só uma vez para me convencer, e aí ela para e fica imóvel no lugar. Estou latejando tanto que dói. Seus olhos vasculham meu rosto e meus lábios, e tudo o que quero é arrancar suas roupas e enterrar meu pau nela.

Camryn se curva e encosta os lábios nos meus, enfiando a língua quente na minha boca relutante. Minha língua se move devagar sobre a dela, saboreando-a primeiro, sentindo sua umidade quente quando começa a se enroscar na minha. Respiramos fundo um dentro da boca do outro e, incapaz de resistir ou negar aquele beijo, seguro seu rosto com as duas mãos e a pressiono com força contra mim, fechando meus lábios sobre os dela com um ímpeto selvagem.

Ela geme na minha boca e eu a beijo com mais força, passando um braço em suas costas e puxando o resto do seu corpo mais para perto.

E então o beijo se interrompe. Nossos lábios ficam próximos por um longo momento, até que Camryn se afasta e me olha com uma expressão enigmática que nunca vi, que faz algo com meu coração que nunca senti.

E então seu rosto fica triste e seu semblante murcha na escuridão, substituído por algo confuso e magoado, que ela tenta esconder sorrindo para mim.

— Beijando assim - ela diz, com um sorriso brincalhão que parece mascarar algo mais profundo -, acho que você nem precisa dormir comigo.

Não posso deixar de rir; é meio ridículo, mas vou deixar que ela acredite no que quiser.

Ela desce do meu colo e se deita ao meu lado de novo, apoiando a nuca sobre seus dedos cruzados.

— São lindas, não são?

Sigo seu olhar para as estrelas, mas não as vejo, na verdade; só consigo pensar nela e naquele beijo.

— É, são lindas.

E você também...

— Andrew?

— Sim?

Continuamos a olhar para o céu.

— Eu queria te agradecer.

— Por quê?

Camryn responde depois de uma pausa.

— Por tudo: por me fazer socar tuas roupas na mochila em vez de dobrá-las, por abaixar o volume no carro pra não me acordar e por cantar alto na Waffle House. - Ela deita sua cabeça e eu também. Me olhando nos olhos, diz: - E por me fazer sentir que estou viva.

Um sorriso aquece meu rosto, desvio o olhar e digo:

— Bom, todo mundo precisa de ajuda pra se sentir vivo de novo, de vez em quando.

— Não - Camryn corrige, séria, e meu olhar volta para ela -, eu não disse de novo, Andrew; por me fazer sentir que estou viva pela primeira vez.

Meu coração reage às palavras dela, e não consigo responder. Mas também não consigo desviar o olhar. A razão está gritando comigo de novo, me mandando parar com isso antes que seja tarde demais, mas não consigo. Sou egoísta demais.

Camryn sorri delicadamente, retribuo o sorriso e voltamos a olhar para as estrelas. A noite quente de julho está perfeita, com a brisa leve soprando pelo espaço aberto e nenhuma nuvem no céu. Milhares de grilos, sapos e alguns bem-te-vis cantam pela noite. Sempre gostei de ouvir esses pássaros.

A calma é destruída de repente pela voz estridente de Camryn, e ela salta de pé do cobertor mais depressa do que um gato de dentro de uma banheira.

— Uma cobra! - Ela está apontando com uma mão, e a outra cobre sua boca. - Andrew! Tá ali! Mata ela!

Eu pulo de pé quando vejo uma coisa preta rastejando sobre o pé do cobertor. Salto para trás para manter a distância, e então me preparo para pisoteá-la.

— Não, não, não, não! - Camryn grita, agitando as mãos à sua frente. - Não mata ela!

Eu pisco, confuso.

— Mas você falou pra matar.

— Bom, eu não quis dizer literalmente!

Ela ainda está descontrolada, com as costas levemente encurvadas para frente, como se estivesse protegendo o resto do corpo da cobra, o que é uma comédia.

Levanto as mãos com as palmas para cima.

— O que você quer que eu faça? Quer que eu finja que tô matando? - Eu rio, balançando a cabeça ao vê-la tão engraçada.

— Não, é que... agora não vou conseguir dormir aqui de jeito nenhum. - Ela segura o meu braço. - Vamos embora. - Ela está literalmente tremendo, e tentando não rir e chorar ao mesmo tempo.

— Tá - digo, e me abaixo para recolher o cobertor, agora que a cobra foi embora. Eu o agito só com uma das mãos, já que Camryn está segurando a outra como se sua vida dependesse disso. Depois, começamos a voltar para o carro.

— Odeio cobras, Andrew!

— Percebi, gata.

Estou fazendo uma força danada para não rir.

Enquanto andamos pelo campo, Camryn começa a me puxar um pouco, apertando o passo. Ela dá um gritinho quando seu pé quase descalço pisa num inofensivo torrão de terra macia, e percebo que talvez não consigamos voltar para o carro antes que ela desmaie.

— Vem cá - digo, parando sua marcha. Eu a puxo para trás de mim e a ajudo a subir nas minhas costas, segurando-a de cavalinho na minha cintura pelas coxas.


22

CAMRYN ME ACORDA NA manhã seguinte ao ajeitar sua cabeça no meu colo, no banco da frente do carro.

— Onde a gente tá? - pergunta, se levantando; o sol brilha pelas janelas do carro e bate na parte de dentro da porta do seu lado.

— Mais ou menos a meia hora de Nova Orleans - digo, estendendo a mão para trás e esfregando um músculo embolado nas minhas costas.

Voltamos para a estrada ontem à noite depois de sair do campo, e queríamos terminar de chegar a Nova Orleans, mas eu estava tão exausto que quase dormi ao volante. Ela pegou no sono primeiro. Aí parei no acostamento, apoiei a cabeça no encosto e praticamente desmaiei. Poderia ter dormido mais confortavelmente no banco de trás, sozinho, mas preferi acordar todo duro de manhã, contanto que fosse ao lado dela.

Por falar em duro...

Esfrego os olhos e me mexo um pouco para espreguiçar os músculos. E para deixar a parte da frente do meu short folgada o bastante para que minha ereção espalhafatosa não vire um tema óbvio da nossa conversa.

Camryn se espreguiça, boceja, levanta as pernas e apoia os pés descalços no painel, fazendo seu shortinho subir bem acima das coxas.

Não é uma boa ideia logo de manhã.

— Você devia estar cansado mesmo - ela diz, correndo os dedos pelo cabelo para desfazer a trança.

— É, se eu tentasse continuar dirigindo, a gente ia acabar abraçando uma árvore.

— Precisa começar a me deixar dirigir um pouco, Andrew, senão...

— Senão o quê? - Dou um sorrisinho. - Você vai choramingar, deitar a cabeça no meu colo e dizer por favor?

— Funcionou ontem à noite, não funcionou?

Ela tem razão.

— Olha, não me incomodo de você dirigir. - Olho para ela e dou a partida. - Prometo que depois de Nova Orleans, pra onde quer que a gente vá, vou te deixar pegar um pouco na direção, tá?

Um sorriso doce de perdão ilumina o seu rosto.

Volto para a estrada depois que uma van passa, e Camryn continua passando os dedos pelo cabelo. Então ela joga o cabelo para trás e começa a fazer uma trança mais organizada sem precisar olhar, tão rápido que não entendo como consegue fazer aquilo.

Mas meus olhos continuam voltando para suas pernas nuas.

Preciso mesmo parar de fazer isso.

Me viro e olho pela janela do meu lado, e meu olhar vai e volta entre a janela e o para-brisa.

— A gente precisa achar uma lavanderia automática logo, também - ela diz, prendendo o elástico na ponta de sua trança. - Minha roupa limpa acabou.

Eu estava esperando uma oportunidade para "me ajeitar", e quando ela começa a mexer na bolsa, aproveito.

— É verdade? - ela pergunta, me olhando com uma mão dentro da bolsa.

Afasto a mão da minha virilha, achando que consegui fazer parecer apenas que estava ajeitando o short para ficar mais confortável, quando ela continua:

— Que todo homem tem uma ereção monstro de manhã?

Meus olhos ficam arregalados. Continuo olhando para a frente.

— Não toda manhã - respondo, ainda tentando não olhar para ela.

— Quando, então, tipo só terça e sexta, alguma coisa assim?

Sei que ela está sorrindo, mas me recuso a confirmar isso.

— Hoje é terça ou sexta? - Camryn insiste, se divertindo comigo.

Finalmente, olho para ela.

— É sexta - digo simplesmente.

Ela solta um suspiro perturbado.

— Não sou vadia nem nada - ela comenta, tirando as pernas do painel -, e sei que você também não acha isso, já que foi você que meio que me forçou a ser mais aberta com a minha sexualidade e com as coisas que eu quero... - Sua voz some. É como se ela estivesse esperando que eu confirme o que acaba de dizer, como se ainda estivesse preocupada com o que vou pensar dela.

Eu a olho nos olhos.

— Não, eu jamais te acharia uma vadia, a menos que você saísse dando pra um monte de caras, mas aí eu iria pra cadeia, porque ia ter que encher todos eles de porrada... mas, não, por que você tá dizendo isso?

Camryn fica vermelha, e juro que levanta os ombros quase até as bochechas.

— Bom, eu só tava pensando... - Ela ainda não tem certeza de que quer contar, seja o que for.

— O que foi que eu te falei, gata? Diz o que tá pensando.

Ela vira o queixo para o lado e me olha com ternura.

— Bom, já que você fez uma coisa por mim, achei que talvez eu pudesse fazer uma coisa por você. - Ela muda de tom rapidamente a seguir, como se ainda estivesse preocupada com o que eu poderia pensar. - Tipo, sem compromisso, claro. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.

Ah, merda! Como é que não antecipei isso?

— Não - nego instantaneamente.

Ela parece se encolher.

Suavizo meu rosto e minha voz.

— Não posso te deixar fazer nada assim pra mim, tá?

— Por que não, cacete?

— Não posso e pronto... Meu Deus, você nem faz ideia do quanto eu quero, mas não posso.

— Isso é ridículo.

Ela está ficando seriamente ofendida.

— Peraí... - ela me olha inquisidoramente, virando o rosto de lado - você tem algum "problema" lá embaixo?

Meu queixo cai.

— Hum, não? - respondo, de olhos arregalados. - Puta que pariu, vou parar o carro e te mostrar.

Ela joga a cabeça para trás, ri e depois fica séria de novo.

— Bom, é que você se recusa a transar comigo, não me deixa tocar uma pra você, e tive que te forçar a me beijar.

— Você não me forçou.

— Tem razão - ela retruca -, eu te seduzi.

— Eu te beijei porque quis - digo. - Quero fazer tudo com você, Camryn. Acredite! Nestes poucos dias, já imaginei a gente fazendo todas as posições do Kama Sutra. Eu queria... - Noto que estou apertando tanto o volante que os nós dos meus dedos estão brancos.

Ela parece magoada, mas desta vez eu não cedo.

— Te falei - digo cuidadosamente. - Não posso fazer nada disso com você, senão...

— Senão vou ter que deixar você me possuir - ela termina minha frase, irritada -, tá, eu lembro, mas o que isso significa, exatamente: deixar você me possuir de corpo e alma?

Acho que Camryn sabe exatamente o que significa, mas quer se certificar por si mesma.

Peraí... ela está jogando comigo; ou isso, ou então ainda não sabe o que quer, sexualmente ou sob outros aspectos, e está tão confusa e relutante quanto eu.


CAMRYN


ELE PASSOU NO MEU teste. Eu seria mentirosa se dissesse que não quero transar com ele, ou lhe dar prazer de outras formas, como ele fez comigo - quero muito fazer tudo isso com ele. Mas, na verdade, queria ver se Andrew ia morder a isca. Não mordeu.

E agora estou morrendo de medo dele.

Morro de medo por causa do que sinto por ele. Não deveria sentir, e me odeio por isso.

Eu disse que nunca mais faria isso. Prometi a mim mesma que não...

Tentando recuperar um pouco da leveza normal da nossa conversa, sorrio delicadamente para ele. Tudo o que quero é cancelar a oferta que fiz e voltar como estávamos antes que eu tocasse nesse assunto, só que com o conhecimento que tenho agora: Andrew Parrish me respeita e me quer de maneiras que acho que não posso ser sua.

Encolho os joelhos, apoiando os pés no banco de couro. Não quero que ele responda à minha última pergunta: o que significa deixar que ele me possua de corpo e alma? Espero que esqueça que perguntei. Já sei o que significa, ou pelo menos acho que sei: me possuir é estar com ele da forma como eu estava com Ian. Só que com Andrew, acredito sinceramente que eu poderia me apaixonar, me apaixonar de verdade. Seria tão fácil. Já não aguento a ideia de ficar longe dele. Todos os rostos nas minhas fantasias já foram substituídos pelo de Andrew. E já temo o dia que nossa viagem terminar, quando ele tiver que voltar para Galveston ou Wyoming e me deixar para trás.

Por que isso me apavora? E de onde veio de repente essa sensação revoltante no fundo do meu estômago?

— Desculpa, gata, desculpa mesmo. Não queria te magoar. De jeito nenhum.

Olho para ele e balanço a cabeça com veemência.

— Não me magoou. Por favor, não pense que me magoou.

Continuo:

— Andrew, a verdade é... - Respiro fundo. Agora ele tem dificuldade em manter os olhos na estrada. - ... A verdade é que eu... bom, pra começar, não vou mentir e dizer que te dar prazer não é algo que eu faria. Eu faria, sim. Mas quero que saiba que fico feliz por você ter recusado.

Acho que ele entende. Posso ver no seu rosto.

Andrew sorri delicadamente e estende a mão para mim. Eu a pego, me aproximo e ele passa o braço sobre meu ombro. Viro o queixo para cima para olhá-lo e seguro sua coxa.

Ele é tão lindo para mim...

— Você me dá medo - digo finalmente.

Minha confissão desencadeia uma tênue reação em seus olhos.

— Eu falei que nunca faria isto; você precisa entender. Prometi a mim mesma que nunca mais ia me aproximar de alguém.

Sinto o braço dele enrijecendo ao redor do meu, e seu coração acelera; ele bate rápido perto do meu pescoço.

Então um sorriso se espalha por sua boca e ele diz:

— Tá apaixonada por mim, Camryn Bennett?

Fico supervermelha e comprimo os lábios numa linha dura, apertando mais meu rosto em seu peito rijo.

— Ainda não - digo com um sorriso na voz -, mas tô chegando lá.

— Você é uma bela duma mentirosa - ele diz, apertando um pouco mais meu braço.

Ele beija o meu cabelo.

— É, eu sei - digo, com o mesmo tom de troça na minha voz que ele usou na sua, e então minha voz some. - Eu sei...

Tenho o meu primeiro vislumbre de Nova Orleans ao longe: o lago Pontchartrain e depois a paisagem espraiada de chalés, sobrados e bangalôs. Estou assombrada com tudo: do estádio Superdome, que sempre vou ser capaz de reconhecer depois de vê-lo tanto no noticiário na época do furacão Katrina, aos carvalhos gigantes e frondosos que são apavorantes, lindos e velhos, até as pessoas passeando pelas ruas do Bairro Francês, embora eu ache que a maioria é turista.

E enquanto rodamos, fico hipnotizada pelos terraços tão familiares que se estendem por toda a fachada de muitos dos sobrados. São exatamente como aparecem na TV, só que não estamos no Mardi Gras, e ninguém está mostrando os peitos, nem jogando colares de contas dos terraços.

Andrew sorri para mim, vendo o quanto estou empolgada por estar ali.

— Já tô adorando - digo, me enroscando nele depois de praticamente apertar a bochecha no vidro, admirando tudo por vários minutos.

— É uma cidade ótima. - Ele sorri, orgulhoso; me pergunto quão bem ele conhece o lugar.

— Tento vir pra cá todo ano - ele diz -, em geral no Mardi Gras, mas é bom em qualquer época do ano, acho.

— Ah, então costuma vir pra cá quando tem peitinhos. - Eu pisco para ele.

— Culpado! - Andrew diz, tirando as duas mãos do volante e levantando-as num gesto de confissão.

Ocupamos dois quartos no Holiday Inn, de onde dá para ir a pé até a famosa Bourbon Street. Quase sugeri que ele pedisse um quarto só com duas camas, desta vez, mas me controlei. Não, Camryn, você só está alimentando o desejo. Não durma no mesmo quarto que ele. Pare com isso enquanto pode.

E por um momento, enquanto estávamos lado a lado no balcão da recepção, quando o recepcionista perguntou em que podia "nos ajudar", Andrew ficou parado e tive uma sensação bem estranha com isso. Mas acabamos pegando quartos adjacentes, como sempre.

Vou para o meu e ele para o seu. Olhamos um para o outro no corredor, com os cartões-chave na mão.

— Vou pro chuveiro - ele diz, com o violão numa mão -, mas quando você estiver pronta, vem e me avisa.

Balanço a cabeça e sorrimos um para o outro antes de desaparecermos em nossos respectivos quartos.

Nem cinco minutos depois, ouço meu celular vibrando dentro da bolsa. Certa de que é minha mãe, eu o pego e estou pronta para atender e dizer que ainda estou viva e me divertindo, mas vejo que não é ela.

É Natalie.

Minha mão fica paralisada ao redor do telefone enquanto olho para a tela brilhante. Devo atender ou não? Bom, melhor decidir logo.

— Alô?

— Cam? - Natalie diz cuidadosamente do outro lado.

Ainda não consigo dizer uma palavra. Não sei se passou tempo suficiente para que eu finja que não vou perdoar, ou se devo ser legal.

— Você tá aí? - ela pergunta, quando não digo mais nada.

— Tô, Nat, tô aqui.

Ela suspira e solta aquele gemido esquisito, choramingoso, como sempre faz quando está nervosa com algo que vai dizer ou fazer.

— Sou uma puta duma vaca - ela diz. - Sei disso, e sou péssima amiga e deveria estar rastejando aos teus pés pra pedir perdão, mas eu... Bom, o plano era esse, mas tua mãe disse que você tá na... Virgínia? O que você tá fazendo na Virgínia?

Caio na cama e tiro os chinelos.

— Não tô na Virgínia - respondo -, mas não conta pra minha mãe, nem pra ninguém.

— Então onde você tá? Onde pode ter passado mais de uma semana?

Uau, só passou uma semana? Parece que já estou na estrada com Andrew pelo menos há um mês.

— Tô em Nova Orleans, mas é uma longa história.

— Hum, alô, amiga? - ela diz sarcasticamente. - Eu tenho muito tempo.

Me irritando rapidamente com ela, suspiro e digo:

— Natalie, foi você que me ligou. E se bem me lembro, foi você que me chamou de vaca mentirosa e não acreditou em mim quando contei o que Damon fez. Desculpa, mas acho que voltarmos a ser melhores amigas e fingir que nada aconteceu não é o melhor, neste momento.

— Eu sei, você tem razão, desculpa. - Natalie fica em silêncio para organizar as ideias e ouço uma lata de refrigerante sendo aberta. Ela toma um gole. - Não duvidei de você, Cam, só tava muito magoada. Damon é um babaca. Terminei com ele.

— Por quê? Porque flagrou o cara te chifrando, em vez de acreditar na tua melhor amiga desde o primário quando ela te falou que ele era um cachorro?

— Mereço ouvir isso - ela diz -, mas não, não houve flagrante. Só percebi que tava sentindo falta da minha melhor amiga e que cometi o pior crime contra o Código das Melhores Amigas. Acabei dando uma prensa em Damon, e claro que ele mentiu, mas fiquei insistindo porque queria que ele admitisse. Não porque precisasse de confirmação, mas só... Cam, eu só queria que ele me contasse a verdade. Queria que partisse dele.

Ouço a dor na voz dela. Sei que está falando sério e pretendo perdoá-la completamente, mas não estou preparada para dizer a ela que a perdoo o suficiente para contar sobre Andrew. Não sei o que está acontecendo, mas é como se a única pessoa que existisse neste momento no meu mundo fosse Andrew. Amo Natalie de paixão, mas não estou preparada para contar a ela ainda. Não estou preparada para compartilhá-lo com Natalie. Ela tem uma mania de... vulgarizar uma experiência, se é que se pode dizer isso.

— Olha, Nat - digo -, não te odeio e quero te perdoar, mas vai levar um tempo; você me magoou de verdade.

— Entendo - ela responde, mas detecto a decepção em sua voz também. Natalie sempre foi uma garota impaciente, gosta de recompensas instantâneas.

— Bom, como você tá? - ela pergunta. - Não consigo imaginar por que você fugiria logo pra Nova Orleans... Não tem furacões nesta época do ano?

Ouço o chuveiro no quarto de Andrew.

— Tô ótima - digo, pensando em Andrew. - Pra dizer a verdade, Nat, nunca me senti tão viva e feliz quanto nesta última semana.

— Ai, meu Deus... tem gato na jogada! Você tá com um cara, não tá? Camryn Marybeth Bennett, sua vaca dos infernos, é melhor não esconder nada de mim!

É exatamente isso que quero dizer quando falo de vulgarizar a experiência.

— Como é o nome dele? - Natalie faz um som alto de surpresa, como se a resposta para os mistérios do mundo tivesse acabado de cair no colo dela. - Vocês transaram! Ele é gostoso?

— Natalie, por favor. - Fecho os olhos e finjo que ela é uma mulher madura de 20 anos, não alguém que ainda não saiu do colégio. - Não vou falar dessas coisas com você agora, tá? Me dá só alguns dias que eu ligo e conto como estão as coisas, mas por favor...

— Combinado! - ela diz, concordando, mas não tem desconfiômetro para perceber que precisa controlar um pouco seu entusiasmo. - Desde que você esteja bem e não me odeie, eu aceito.

— Obrigada.

Finalmente, ela se recupera do delírio fofoqueiro libidinoso.

— Desculpa mesmo, Cam. Nunca vou pedir isso o suficiente.

— Eu sei. Acredito em você. E, quando eu ligar, você também vai poder me contar o que aconteceu com Damon. Se quiser.

— Tá - ela diz -, ótimo.

— A gente se fala... ah, Nat?

— Sim?

— Que bom que você ligou. Senti muito tua falta.

— Eu também.

Desligamos e fico olhando para o telefone por um minuto, até que paro de pensar em Natalie e volto a pensar em Andrew.

É como eu disse: todos os rostos nas minhas fantasias se tornaram o de Andrew.

Tomo banho e visto um jeans que, apesar de ainda não ter sido lavado, não está fedendo, então acho que serve, por enquanto. Mas se eu não lavar minhas roupas logo, vou acabar entrando em outra loja de departamentos e comprando outras. Ainda bem que eu trouxe uma dúzia de calcinhas limpas na mochila.

Começo a aplicar a maquiagem e fazer as coisas de sempre, mas aí apoio os dedos na pia do banheiro e me olho no espelho, tentando ver o que Andrew vê. Ele já me viu quase no pior estado possível: sem maquiagem, com olheiras depois de ficar acordada tanto tempo na estrada, com mau hálito, descabelada - sorrio pensando nisso, e então o imagino de pé atrás de mim, agora mesmo, no espelho. Vejo sua boca enterrada na curva do meu pescoço e seus braços rijos me abraçando por trás, seus dedos apertando minhas costelas.

Uma batida na porta me acorda da fantasia.

— Tá pronta? - Andrew pergunta quando abro a porta.

Ele entra no quarto.

— Aonde a gente vai, afinal? - pergunto, voltando para o banheiro, onde está minha maquiagem. - E eu preciso de roupas limpas. É sério.

Ele entra atrás de mim, e isso me choca um pouco, porque é quase igual à fantasia que tive um momento atrás. Começo a passar o rímel, me debruçando sobre a pia para perto do espelho. Aperto o olho esquerdo enquanto aplico o rímel no direito e Andrew fica olhando minha bunda. Não está sendo nada discreto. Ele quer que eu o veja sendo mau. Reviro os olhos para ele e continuo aplicando o rímel, agora no outro olho.

— Tem uma lavanderia no 12° andar - ele diz.

Andrew passa os braços na minha cintura e me olha no espelho com um sorriso diabólico e o lábio inferior preso entre os dentes.

Eu me viro.

— Então a gente vai lá primeiro - digo.

— Quê? - Ele parece decepcionado. - Não, eu quero sair, andar pela cidade, tomar cerveja, ver umas bandas tocar. Não quero lavar roupa.

— Ah, para de choramingar - respondo, me virando para o espelho e tirando o batom da mala. - Não são nem duas da tarde, não me diga que você é daqueles caras que tomam cerveja no café da manhã.

Ele faz uma careta e aperta a palma da mão no coração, fingindo estar magoado.

— De jeito nenhum! Eu espero pelo menos até o almoço.

Balanço a cabeça e o empurro para fora do banheiro, mesmo com o sorrisão cheio de dentes e as covinhas, e fecho a porta, deixando-o do outro lado.

— Pra que você fez isso? - ele pergunta através da porta.

— Preciso fazer xixi!

— Mas eu não ia olhar!

— Vai pegar sua roupa suja, Andrew!

— Mas...

— Agora, Andrew! Se não, nada de sair hoje!

Posso imaginá-lo fazendo beicinho, embora, naturalmente, ele não esteja fazendo isso. O filho da mãe está sorrindo tanto que quase abre um buraco na porta.

— Tá bom! - Ele se rende, e em seguida ouço a porta do quarto abrindo e fechando atrás dele.

Quando termino no banheiro, junto toda a minha roupa suja, enfio na mala e calço os chinelos.


23

VAMOS PARA A lavanderia primeiro, e lá eu dobro, sim, toda a roupa depois de tirá-la da secadora, em vez de socá-la de volta nas malas. Ele tenta protestar, mas eu ganho a parada desta vez. Depois vamos para a cidade e ele me leva para todo lugar, até para o cemitério St. Louis, onde os túmulos ficam acima do chão, nunca vi nada parecido. Andamos juntos até a Canal Street, rumo ao World Trade Center New Orleans e ao oceano, onde encontramos um Starbucks, tão necessário. Ficamos conversando uma eternidade tomando café e eu conto que Natalie ligou. Falamos e falamos sobre ela e Damon, que Andrew aprendeu rapidamente a detestar.

Mais tarde, passamos por uma churrascaria, e Andrew tenta me fazer entrar, jogando na minha cara o acordo que fizemos no ônibus. Mas eu estou sem um pingo de fome, e tento explicar para um Andrew faminto e em síndrome de abstinência carnívora que preciso me preparar para comer muito, se ele quiser que eu aprecie um filé.

E encontramos um shopping: The Shops, em Canal Place, e fico empolgada de verdade para entrar, depois de tanto tempo usando as mesmas roupas chatas a semana toda.

— Mas a gente acabou de lavar tudo - Andrew protesta, enquanto entramos. - Pra que você precisa de mais roupa?

Passo a alça da bolsa no outro ombro e o puxo pelo cotovelo.

— Se a gente vai sair à noite - digo, arrastando-o -, então quero procurar alguma coisa linda e no mínimo decente.

— Mas o que você tá usando agora tá lindo pra caramba - ele discute.

— Só quero um jeans novo e um top - argumento, depois paro e olho para ele. - Você pode me ajudar a escolher.

Agora ele está interessado.

— Tá - diz, sorrindo.

Eu o puxo de novo.

— Mas não fica muito esperançoso - saliento, puxando o braço dele para enfatizar -, falei que você pode ajudar, não escolher.

— Você tá ganhando demais as paradas hoje - Andrew retruca. - Já vou avisando, gata, só vou te deixar ganhar até certo ponto, antes de tirar minhas cartas da manga.

— Que cartas, exatamente, você acha que tem na manga? - pergunto confiante, pois acho que ele está blefando.

Ele franze os lábios quando o olho, e começo a perder minha confiança.

— Devo lembrar - ele comenta sofisticadamente - que você ainda está sob o voto do fazer-tudo-que-eu-mandar.

Lá se foi a confiança.

Ele abre um sorrisão, e é sua vez de me puxar pelo braço para perto de si.

— E como você já me deixou te chupar uma vez - acrescenta, arregalando os olhos -, acho que se eu mandar deitar e abrir as pernas, você ia ter que obedecer, certo?

Mal consigo olhar em volta para ver se alguém que estava passando ouviu. Andrew não disse aquilo exatamente num sussurro, mas eu nem esperaria isso.

Então ele diminui o passo, se aproxima do meu ouvido e diz baixinho:

— Se não me deixar levar a melhor com alguma coisa simples logo, posso ter que te torturar de novo com minha língua no meio das tuas pernas. - Seu hálito no meu ouvido, combinado com suas palavras que me deixam molhada, faz arrepios subirem pelo lado do meu pescoço. - Sua vez de jogar, gata.

Andrew se afasta e eu quero tirar aquele sorriso de seu rosto a tapas, mas provavelmente ele iria gostar.

Dilema: deixá-lo levar a melhor com alguma coisa simples ou continuar levando a melhor para ele me "torturar" mais tarde? Hum. Acho que sou mais masoquista do que eu imaginava.

 

Anoitece e estou pronta para sair. Estou usando um jeans apertado novo, um top sexy tomara que caia colado na cintura e as sandálias pretas de salto alto mais lindas que já encontrei em qualquer shopping.

Andrew, parado na porta, me devora com os olhos.

— Eu devia dar minha cartada agora mesmo - ele diz, entrando no quarto.

Fiz duas tranças folgadas no cabelo desta vez, uma sobre cada ombro, que vão quase até meus seios. E sempre deixo alguns fios de cabelo louro soltos em volta do rosto, porque sempre achei bonitinho em outras garotas, então por que não ficariam em mim?

Andrew parece gostar. Ele passa os dedos em cada mecha.

Fico vermelha por dentro.

— Gata, fora de brincadeira, você tá um tesão.

— Obrigada... - Meu Deus, será que eu... rio.

Eu o olho de alto a baixo também, e embora ele esteja usando jeans, uma camiseta simples e suas Doc Martens pretas de novo, é a coisa mais sexy que já vi usando qualquer roupa.

Saímos, e eu faço alguns velhos virarem a cabeça no elevador e pelo corredor. Andrew está adorando tudo isso, posso perceber. Sorri de orelha a orelha ao meu lado, e isso me deixa vermelha como uma beterraba.

Primeiro vamos para o d.b.a. e vemos uma banda tocar por mais ou menos uma hora. Mas quando pedem minha identidade e parece que não vou conseguir beber ali, Andrew me leva para outro bar na mesma rua.

— É tentativa e erro - ele diz, enquanto andamos até o bar de mãos dadas. - A maioria vai pedir a identidade, mas de vez em quando você dá sorte e eles não se dão ao trabalho, se você tiver cara de maior de 21 anos.

— Bom, vou fazer 21 daqui a cinco meses - digo, apertando sua mão quando atravessamos um cruzamento movimentado.

— Fiquei com medo de você ter 17 quando a gente se conheceu no ônibus.

— Dezessete?! - Espero sinceramente não parecer tão nova.

— Ei - ele diz, me olhando de relance -, já vi garotas de 15 anos que pareciam ter 20, hoje em dia é difícil saber.

— Então você acha que pareço ter 17 anos?

— Não, você parece ter uns 20 - ele admite -, só tô falando.

Que alívio.

Este bar é um pouco menor que o outro, e os frequentadores são um misto de universitários recém-formados e gente de uns 30 e poucos anos. Algumas mesas de bilhar estão dispostas lado a lado perto dos fundos, e a iluminação é reduzida, localizada sobretudo nas mesas de bilhar e no corredor à minha direita, que leva para os banheiros. A fumaça de cigarro é espessa, diferente do bar anterior, onde ela não existia, mas isso não me incomoda muito. Não gosto de cigarro, mas há algo natural na fumaça de cigarro num bar. Sem ela, o lugar pareceria quase nu.

Algum tipo de rock familiar sai dos alto-falantes no forro. Há um pequeno palco à esquerda onde as bandas costumam se apresentar, mas ninguém está tocando hoje. Mas isso não diminui o clima de festa no ambiente, porque mal consigo ouvir Andrew falando comigo por cima da música e das vozes que gritam ao meu redor.

— Sabe jogar bilhar? - Ele se curva para gritar perto do meu ouvido.

Grito em resposta:

— Já joguei algumas vezes! Mas sou muito ruim!

Ele me puxa pela mão e vamos para as mesas e as luzes mais fortes, abrindo caminho cuidadosamente através das pessoas que ocupam praticamente todos os espaços disponíveis.

— Senta aqui - ele fala, conseguindo baixar um pouco a voz com os alto-falantes na nossa frente. - Esta vai ser a nossa mesa.

Eu me sento a uma mesinha redonda encostada numa parede, e logo acima da minha cabeça à esquerda há uma escada para um segundo andar do outro lado. Empurro o cinzeiro lotado para longe de mim com a ponta do dedo, quando uma garçonete chega.

Andrew está falando com um cara a alguns metros dali, perto das mesas, provavelmente para entrar num jogo em andamento.

— Desculpa - diz a garçonete, tirando o cinzeiro e substituindo-o por outro limpo, colocando-o de cabeça para baixo na mesa. Depois ela limpa o tampo com um pano úmido, levantando o cinzeiro para limpar embaixo.

Sorrio para ela. É uma garota bonita de cabelo preto, deve ter acabado de fazer seus 21 anos, e está levando uma bandeja na outra mão.

— Vai querer alguma coisa?

Só tenho uma chance de fingir que me fazem muito essa pergunta sem pedirem minha identidade, então respondo quase imediatamente:

— Uma Heineken.

— Duas - Andrew diz, reaparecendo com um taco de bilhar na mão.

A garçonete fica surpresa ao notá-lo e, como Andrew quando estávamos no elevador, eu adoro. Ela balança a cabeça e me olha de novo, fazendo aquela cara de "tu é muito sortuda, cachorra" antes de se afastar.

— Aquele cara vai jogar mais uma partida, depois a mesa é nossa - Andrew diz, sentando-se na cadeira vazia.

A garçonete volta trazendo duas Heinekens e as coloca à nossa frente.

— Se precisarem de alguma coisa, é só chamar - diz, antes de se afastar de novo.

— Ela não pediu sua identidade - Andrew diz, se debruçando por cima da mesa para que ninguém mais escute.

— Não, mas isso não significa que não vão mais pedir; aconteceu uma vez num bar em Charlotte, Natalie e eu já estávamos quase bêbadas quando pediram nossa identidade e nos expulsaram.

— Bom, então aproveite enquanto pode. - Ele sorri, levando a cerveja aos lábios e tomando um pequeno gole.

Faço o mesmo.

Começo a me arrepender de ter trazido a bolsa, porque agora preciso ficar de olho nela, mas quando chega a nossa vez de jogar, eu a coloco no chão, debaixo da mesa. Estamos num cantinho do salão, então não me preocupo muito.

Andrew me leva até a estante dos tacos.

— Qual você prefere? - pergunta, agitando as mãos na frente da estante. - Precisa escolher aquele que você sente que é o certo.

Ah, isso vai ser divertido; ele acha mesmo que vai me ensinar alguma coisa.

Banco a tímida e desorientada, correndo os olhos pelos tacos como se fossem livros numa prateleira, e finalmente pego um. Corro as mãos por ele e o seguro como se fosse bater numa bola, para senti-lo. Sei que pareço uma loura burra fazendo isso, mas é exatamente a impressão que quero causar.

— Acho que este serve - digo, dando de ombros.

Andrew organiza as bolas com o triângulo, trocando lisas por listradas até conseguir a sequência certa, e depois as desliza sobre a mesa, colocando-as na posição. Cuidadosamente, tira o triângulo e o guarda num compartimento debaixo da mesa.

Ele balança a cabeça.

— Quer espalhar?

— Não, espalha você.

Só quero vê-lo todo sexy, concentrado e debruçado sobre a mesa.

— Tá. - Andrew posiciona a bola branca. Ele demora alguns segundos passando giz na ponta do taco, e em seguida deixa o giz na borda da mesa. - Se você já jogou - diz, voltando para a posição da bola branca -, com certeza conhece o básico. - Ele aponta com o taco para a bola branca. - Obviamente, você só bate na branca.

Isso vai ser engraçado, mas ele está merecendo.

Balanço a cabeça.

— Se você joga com as listradas, só pode encaçapar as listradas. Se você derrubar alguma lisa, só vai me ajudar a ganhar.

— E a bola preta? - Aponto para a bola 8, perto do meio.

— Se derrubar essa antes de todas as listradas - ele diz com ar sombrio -, você perde. E se derrubar a bola branca, perde a vez.

— Só isso? - pergunto, passando giz na ponta do meu taco.

— Por enquanto, sim - ele responde; acho que está me poupando das outras regras básicas.

Andrew dá uns passos para trás e se debruça sobre a mesa, arqueando os dedos sobre o feltro azul e apoiando o taco estrategicamente na curva do indicador. Ele desliza o taco para trás e para a frente algumas vezes, firmando a mira antes de parar e bater com força na bola branca, espalhando as outras por toda a mesa.

Bela tacada, amor, digo a mim mesma.

Ele encaçapa duas bolas: uma listrada, outra lisa.

— O que vai ser? - pergunta.

— O que vai ser o quê? - Continuo bancando a burra.

— Lisas ou listradas? Te deixo escolher.

— Oh - digo, como se tivesse acabado de entender -, tanto faz; acho que vou querer as bolas com listras.

Estamos fugindo um pouco do jeito certo de jogar Bola 8, mas tenho certeza que ele está fazendo isso para me facilitar.

Chega a minha vez e eu ando ao redor da mesa, procurando a tacada perfeita.

— A gente vai cantar as jogadas ou não?

Andrew me olha intrigado - talvez eu devesse ter dito algo como: posso bater em qualquer bola das minhas? Com certeza ele ainda não sacou a farsa.

— Escolhe qualquer bola listrada que você acha que consegue derrubar e manda ver.

Certo, pelo jeito ainda estou enrolando esse trouxinha.

— Peraí, a gente não vai apostar alguma coisa? - pergunto.

Ele parece surpreso, mas aí a surpresa se transforma em maldade.

— Claro, o que você quer apostar?

— Minha liberdade de volta.

Andrew franze o cenho. Mas então seus lábios deliciosos se abrem num sorriso quando ele se dá conta de que, aparentemente, não sei jogar bilhar.

— Bom, fico meio magoado por você a querer de volta - ele diz, jogando o taco de um lado para outro entre as mãos, com o cabo apoiado no chão -, mas, claro, eu topo.

Quando penso que o acordo está feito, ele acrescenta, erguendo um dedo:

— Só que, se eu ganhar, vou poder elevar esse negócio de fazer-tudo-que-eu-mandar para um novo nível.

É minha vez de erguer uma sobrancelha.

— Como assim, um novo nível? - pergunto, olhando para o lado, desconfiada.

Andrew apoia o taco na mesa e as mãos na borda, debruçando-se para a luz. Seu sorriso intenso, só a intenção por trás dele, faz um calafrio percorrer minhas costas.

— Vai apostar ou não vai? - ele pergunta.

Consigo ganhar, tenho certeza, mas agora ele meio que me deixou apavorada. E se ele for melhor no bilhar e eu perder, e acabar tendo que comer baratas ou botar a bunda pelada pra fora da janela do carro? Era esse tipo de coisa que eu queria evitar que ele me obrigasse a fazer - nunca esqueci o que ele disse: a gente faz isso depois. Claro que posso me recusar a obedecer qualquer ordem; Andrew me garantiu isso antes que partíssemos do Wyoming, mas tudo o que quero é evitar essa situação desde o princípio.

Ou... peraí... e se for alguma coisa sexual?

Ah, agora já topei... quase espero que ele ganhe.

— Fechado.

Ele dá um sorriso malicioso e se afasta da mesa, levando o taco.

Um grupinho de caras e duas garotas acabaram o jogo na mesa ao lado, e alguns começaram a acompanhar o nosso.

Me debruço sobre a mesa, posiciono o taco praticamente da mesma forma que Andrew, deslizo-o para a frente e para trás através dos dedos algumas vezes e bato bem no meio da bola branca. A 11 bate na 15, e a 15 bate na 10, derrubando as duas na caçapa do canto.

Andrew fica me olhando, com o taco apoiado verticalmente entre os dedos à sua frente.

Ele ergue a sobrancelha.

— Isso foi sorte de principiante ou você tá me enrolando?

Sorrio e vou para o outro lado da mesa calcular minha próxima tacada. Não respondo. Dou só um sorrisinho e mantenho os olhos na mesa. Escolhendo de propósito o ângulo mais próximo de Andrew, me curvo sobre a mesa na frente dele (discretamente olhando para baixo para verificar se meus peitos não estão aparecendo para os caras que estão bem na minha frente) e avalio a tacada, antes de meter a 9 com força na caçapa do meio.

— Você tá me enrolando - Andrew diz atrás de mim - e me provocando.

Eu me endireito e passo o olhar sorridente por ele enquanto vou para o outro lado da mesa.

Erro a tacada de propósito. A disposição das bolas está quase perfeita e eu poderia até ganhar facilmente, mas não quero que seja fácil.

— Ah, não, gata - ele reclama, se aproximando -, nada dessa bobagem de ficar com peninha; você podia ter derrubado a 13 fácil.

— Meu dedo escorregou. - Olho para ele timidamente.

Ele balança sua cabeça linda para mim e estreita os olhos, sabendo muito bem que estou mentindo.

Finalmente, jogamos a sério: ele encaçapa três bolas impecavelmente, uma tacada atrás da outra, antes de errar a 7. Eu enfio mais uma. Aí ele derruba outra. Nos revezamos assim, estudando com cuidado cada jogada, mas ambos errando de vez em quando para prolongar o jogo.

Agora é pra valer. É minha vez de jogar, e as únicas bolas na mesa são a 4 dele, a branca e a 8. A 8 está uns 15 centímetros longe demais para uma tacada perfeita em qualquer uma das duas caçapas de canto, mas sei que posso fazê-la bater na borda do outro lado e voltar para cair na caçapa central da esquerda.

Mais dois caras começaram a assistir, sem dúvida por causa do modo como estou vestida (eu os ouvi comentando sobre meus "peitos e bunda" o tempo todo, especialmente quando me abaixo para jogar), mas não permito que eles me distraiam. Porém, já notei que Andrew olha muito para eles, e me excita saber que ele está com ciúme.

Aponto a mesa com o taco e canto a jogada:

— Caçapa da esquerda.

Dou a volta e me agacho ao nível da mesa para ver se o ângulo está certo. Me endireito e verifico o ângulo da branca e da 8 de novo por outra perspectiva, e então me debruço sobre a mesa. Um. Dois. Três. No quarto vaivém do taco, bato suavemente na branca e ela bate na 8 no ângulo certinho, mandando-a para a borda direita, onde ela bate e corre alguns centímetros, caindo impecavelmente na caçapa esquerda.

Os poucos caras assistindo do outro lado fazem vários sons de empolgação contida, como se eu não pudesse ouvi-los.

Andrew está na outra ponta da mesa, sorrindo largamente para mim.

— Você é boa, gata - diz, organizando as bolas de novo. - Acho que você tá livre agora.

Não posso deixar de notar que ele parece um pouco triste com isso. Seu rosto pode estar sorrindo, mas ele não consegue esconder a decepção dos olhos.

— Não, não - digo -, só quero ficar livre de comer baratas ou botar a bunda na janela do carro... Até que gosto de você no controle do resto.

Andrew sorri.


24

JOGAMOS OUTRA PARTIDA, que ele ganha honestamente, e em seguida decido me sentar à nossa mesa antes que estas sandálias novas comecem a fazer bolhas nos meus pés. Estou na minha segunda Heineken, e ainda sinto o efeito só nos dedos dos pés e no fundo do estômago. Vou tomar mais uma pra dar uma onda legal.

— Quer jogar, cara? - Um sujeito pergunta para Andrew quando ele está voltando para a nossa mesa.

Andrew me olha e eu o libero com um gesto.

— Pode ir, tô legal. Vou ver minhas mensagens de texto e descansar um pouco os pés.

— Tudo bem, gata - ele diz -, só me avisa se quiser ir embora antes de eu acabar, que a gente vai.

— Tô de boa - digo, incentivando-o -, pode ir jogar.

Ele sorri para mim e volta para a mesa, a menos de cinco metros dali. Pego minha bolsa debaixo da mesa e a coloco na minha frente para procurar o celular.

Como eu suspeitava: Natalie encheu meu telefone de mensagens de texto, 16 ao todo, mas pelo menos não tentou me ligar. Minha mãe também não ligou, mas lembro que ela ia fazer aquele cruzeiro com o novo namorado neste fim de semana. Espero que esteja se divertindo. Espero que esteja se divertindo tanto quanto eu.

Uma nova canção começa a sair dos alto-falantes no teto, e noto que a quantidade de pessoas no bar triplicou desde que chegamos. Embora Andrew não esteja tão longe, só consigo ver seus lábios se movendo quando diz alguma coisa para o cara que está jogando com ele. A garçonete volta, peço mais uma cerveja e ela vai pegar, me deixando com a Rainha das Mensagens de Texto. Natalie e eu trocamos algumas sobre o que ela fez hoje e aonde irá esta noite, mas sei que é só encheção de linguiça, porque ela está morrendo de vontade de saber mais sobre mim em Nova Orleans com esse "cara misterioso", com quem ele se parece (não "como ele é", porque ela sempre compara os caras com algum famoso), e se eu já "fiquei de quatro pra ele". Dou só respostas vagas para torturá-la. Ela continua merecendo, afinal. Além disso, ainda não estou pronta para falar de Andrew com ela. Com ninguém, na verdade. É como se, falando dele, ainda que apenas para confirmar que ele existe e que estamos juntos, toda esta experiência vá virar fumaça. Parece que vou quebrar o encanto. Ou acordar e descobrir que Blake pôs alguma coisa num dos drinques que me serviu naquela noite antes de subirmos no telhado, e que toda esta viagem com Andrew foi apenas uma alucinação.

— Meu nome é Mitchell - uma voz acima de mim diz, acompanhada de um cheiro forte de uísque e colônia barata.

O cara tem físico médio, tipo sarado-mas-não-sarado-demais. Seus olhos estão vermelhos, como os do cara louro ao lado dele.

Sorrio encabulada e olho de relance para Andrew, que já está vindo.

— Tô acompanhada - digo delicadamente.

O cara sarado olha para a cadeira vazia e depois para mim, como que para ressaltar o quanto ela está vazia.

— Camryn? - Andrew indaga, parando ao lado deles. - Tá tudo bem?

— Tá, sim - digo.

O cara sarado se vira para olhar Andrew.

— Ela falou que tá tudo bem - argumenta, e posso ouvir o desafio em sua voz.

Eu não quis dizer "tá tudo bem, me deixa em paz, Andrew", e ele sabe disso, mas esses caras, pelo visto, não sabem.

— Ela tá comigo - Andrew diz, tentando permanecer calmo, embora provavelmente só por minha causa; ele já está com aquela agressividade inconfundível no olhar.

O outro cara, o louro, ri.

O cara sarado olha para mim de novo, com uma garrafa de Budweiser na mão.

— Ele é teu namorado ou algo assim?

— Não, mas a gente tá...

O cara sarado sorri provocativamente e olha de novo para Andrew, me interrompendo.

— Você não é namorado dela, então fica na sua, cara.

A agressividade acaba de se transformar em fúria assassina. Andrew não vai conseguir se segurar por muito tempo mais.

Eu fico de pé.

— Vai ver que ela quer falar com a gente - o cara sarado provoca, e toma mais um gole de cerveja. Ele não parece bêbado, só um pouco alto.

Andrew chega mais perto e inclina a cabeça para um lado, encarando o cara. Depois olha para mim:

— Camryn, você quer falar com eles?

Ele sabe que eu não quero, mas esse é o jeito de pôr sal na ferida que ele já vai abrir nesse cara.

— Não, não quero.

Andrew coça o queixo e vejo suas narinas se abrindo quando ele chega perto do cara sarado e diz:

— Fica na sua você, senão tu vai engolir os dentes.

A pequena multidão que estava jogando sinuca está se reunindo a distância.

O cara louro, o mais esperto dos dois, põe a mão no ombro do outro.

— Vem, cara, vamos voltar pra lá. - Ele acena para o lugar onde estavam antes.

O cara sarado afasta a mão dele e chega mais perto de Andrew.

Bastou isso.

Andrew levanta o taco de sinuca e bate com ele no peito do cara, derrubando-o e deixando-o sem fôlego. O cara cambaleia para trás, por pouco não derrubando minha mesa, mas estende a mão para se segurar na borda e manter o equilíbrio. Dou um gritinho e pego minha bolsa pouco antes de a mesa se estatelar no chão junto com ele. Minha cerveja se espatifa. Antes que o cara possa levantar, Andrew já está em cima dele, de pé, fazendo chover socos em seu rosto.

Me afasto mais, fico mais perto da escada, mas outras pessoas já estão chegando para ver e criam uma barreira atrás de mim.

O cara louro pula em cima de Andrew por trás, segurando-o pelo pescoço para tirá-lo de cima do amigo. Aí eu pulo nele, batendo no seu rosto pelo lado com meus punhos ridículos e a bolsa no ombro atrapalhando meus golpes, balançando atrás de mim. Mas Andrew se desvencilha do cara louro facilmente, fica atrás dele e lhe dá um pontapé nas costas, jogando-o no chão.

Andrew segura o meu pulso.

— Sai da frente, garota! - Ele me empurra contra a multidão atrás de mim e volta para os dois caras numa fração de segundo.

O cara sarado finalmente se levantou, mas não por muito tempo, pois Andrew encaixa dois golpes nos dois lados de seu maxilar e um uppercut sanguinolento no queixo. Vejo um dente ensanguentado caindo no chão. Me encolho toda. O cara cai para trás sobre outra mesinha, derrubando-a também. E quando o louro ataca Andrew de novo, o cara com quem Andrew estava jogando entra na briga e o enfrenta, deixando Andrew com o cara sarado.

Quando os seguranças conseguem passar pela multidão para apartar a briga, Andrew já deixou o cara sarado com os dois olhos roxos e as narinas jorrando sangue. O cara sarado cambaleia, com a mão sobre o nariz, enquanto o segurança o puxa pelo ombro na direção da multidão.

Andrew afasta a mão do outro segurança que veio atrás dele.

— Tô legal - ele ameaça, erguendo uma mão e mandando o segurança se afastar enquanto limpa um rastro de sangue do nariz com a outra. - Tô saindo, não precisa me levar até a porta.

Eu me aproximo e ele pega a minha mão.

— Camryn, você tá bem? Se machucou? - Ele está me olhando de alto a baixo com um olhar feroz e descontrolado.

— Não, tô bem. Vamos embora.

Andrew aperta minha mão e me puxa para o seu lado, atravessando a multidão, que se abre para ele.

Quando saímos para o ar noturno, a música que emana do bar desaparece com a porta se fechando. Os dois idiotas da briga já estão do lado de fora, andando pela rua, o cara sarado ainda com a mão no rosto ensanguentado. Andrew quebrou o nariz dele, tenho certeza.

Ele me para na calçada e segura meus antebraços.

— Não mente pra mim, amor, você tá machucada? Juro por Deus que se estiver vou atrás deles.

Ele está derretendo meu coração me chamando de "amor". E aquele seu olhar preocupado, feroz... só quero beijá-lo.

— É sério - insisto -, tô bem. Na verdade, até bati um pouco naquele cara quando ele te pegou por trás.

Ele tira as mãos dos meus braços e segura meu rosto com as duas mãos, me examinando como se ainda não acreditasse.

— Não tô machucada - digo uma última vez.

Ele aperta os lábios com força contra a minha testa.

Depois segura a minha mão.

— Vamos voltar pro hotel.

— Não - discordo -, vamos nos divertir, e, que porra, fiquei sóbria por causa disso.

Ele inclina a cabeça para o lado e suaviza o olhar.

— Aonde você quer ir, então?

— Vamos pra outro clube - sugiro. - Sei lá, talvez algum mais sossegado?

Andrew suspira profundamente e aperta minha mão. Depois me olha de alto a baixo de novo: primeiro meus pés, com as unhas pintadas despontando das sandálias, e depois o meu corpo, até o top tomara que caia, que precisa de uns ajustes.

Solto a mão dele, pego o tecido em cima dos meus peitos e puxo o top para que fique um pouco melhor.

— Adorei tua roupa - ele diz -, mas vamos combinar que é uma distração pros babacas.

— Bom, não quero andar até o hotel só pra trocar de blusa.

— Não, não precisa fazer isso - ele diz, pegando minha mão de novo. - Mas, se quiser ir pra outro clube, vai ter que fazer uma coisa pra mim, tá?

— O quê?

— Só fingir que você é minha namorada - ele diz, e um sorrisinho aparece em meus lábios. - Pelo menos assim ninguém vai falar bosta pra você ou isso vai se sentir menos encorajado.

Ele para, me olha e diz:

— A não ser que você queira ser paquerada?

Imediatamente começo a balançar a cabeça.

— Não. Não quero nenhum cara me paquerando. Um flerte inocente, tudo bem; é uma maravilha pra minha autoconfiança; mas nada de babacas.

— Que bom, combinado, então. Você é minha namorada sexy por esta noite, o que significa que posso te levar pro quarto mais tarde e te fazer gemer um pouco. - Lá está novamente aquele sorriso maroto dele que adoro tanto.

Agora estou formigando no meio das pernas. Engulo em seco e disfarço, apertando os olhos para ele, brincalhona.

Fico feliz só de ver suas covinhas de novo, em vez daquela expressão irada - embora incrivelmente sexy - que tomava o seu semblante agora há pouco.

— Por mais que eu goste; bom, "gostar" é uma palavra bem leve; não vou mais te deixar fazer isso.

Ele parece magoado e um pouco chocado.

— Por que não?

— Porque, Andrew, eu... bom, não vou deixar e pronto. Agora vem cá. - Seguro seu pescoço com as duas mãos e o puxo na minha direção.

E então eu o beijo suavemente, deixando meus lábios colados aos dele depois.

— O que você tá fazendo? - ele pergunta, me olhando nos olhos.

Sorrio docemente para ele.

— Entrando na personagem.

Um sorriso puxa os cantos de sua boca. Ele me vira e passa o braço na minha cintura enquanto seguimos para a Bourbon Street.


ANDREW


25

TALVEZ POSSA DAR CERTO com Camryn. Por que preciso me torturar e me privar do que mais quero, quando este deveria ser o momento em que conquistei o direito de ter tudo o que desejar? Talvez as coisas mudem e ela não sofra. Posso procurar Marsters de novo. E se eu abrir mão dela e nunca mais a vir, e aí Marsters perceber que fez merda?

Porra! Meras desculpas.

Camryn e eu vamos a mais dois bares no Bairro Francês e ela consegue passar por maior de 21 anos nos dois. Só em um pediram a identidade, e acho que como o aniversário dela é em dezembro, a garçonete resolveu deixar quieto.

Mas agora ela está bêbada e não sei se vai conseguir andar até o hotel.

— Vou chamar um táxi - decido, sustentando-a ao meu lado na calçada.

Casais e grupos de pessoas entram e saem do bar atrás de nós, alguns cambaleando da porta.

Estou com o braço firme ao redor da cintura de Camryn. Ela levanta a mão e segura meu ombro pela frente; mal consegue manter a cabeça erguida.

— Acho que um táxi é boa ideia - ela concorda, com olhos pesados.

Ela vai desmaiar ou vomitar logo. Só torço para que consiga esperar até voltarmos para o hotel.

O táxi nos deixa na frente do hotel e eu a ajudo a se levantar do banco de trás, e acabo carregando-a, porque ela mal consegue andar sozinha mais. Eu a levo até o elevador com as pernas por cima de um braço e a cabeça encostada no meu peito. As pessoas estão olhando.

— Noite divertida? - Um homem pergunta no elevador.

— É - respondo, balançando a cabeça -, nem todo mundo aguenta beber.

A sineta do elevador toca e o homem sai depois que as portas se abrem. Mais dois andares e eu a carrego para os nossos quartos.

— Cadê a tua chave, gata?

— Na minha bolsa - ela diz fracamente.

Pelo menos está falando coisa com coisa.

Sem colocá-la no chão, puxo a bolsa do braço dela e a abro. Normalmente, eu faria uma piadinha sobre as tranqueiras que ela carrega e perguntaria se alguma coisa ali dentro vai me morder, mas sei que Camryn não está para brincadeiras. Está péssima.

A noite vai ser longa.

A porta se fecha atrás de nós e eu a carrego até a cama e a deito ali.

— Tô me sentindo uma merda - ela geme.

— Eu sei, gata. Precisa dormir pra passar.

Tiro suas sandálias e deixo no chão.

— Acho que eu vou... - Ela põe a cabeça para fora da beirada da cama e começa a vomitar.

Estico o braço, pego a lata de lixo encostada no criado-mudo e consigo aparar a maior parte, mas pelo jeito a arrumadeira vai ficar puta amanhã. Camryn vomita tudo o que tinha no estômago, o que me surpreende, porque comeu pouco hoje. Ela para e deita a cabeça no travesseiro. Lágrimas causadas pela regurgitação escorrem dos cantos dos seus olhos. Ela tenta olhar para mim, mas sei que está zonza demais para enxergar.

— Tá tão quente aqui - balbucia.

— Tá - digo, e me levanto para ligar o ar-condicionado no máximo. Depois vou para o banheiro, molho um pano na água fria e torço. Volto para o quarto e me sento ao lado dela na cama, passando o pano em seu rosto.

— Desculpa - ela murmura. - Eu devia ter parado depois daquela vodca. Agora você tá limpando meu vômito.

Limpo um pouco mais suas bochechas e a testa, afastando os fios soltos de cabelo grudados em seu rosto, e depois passo o pano úmido na sua boca.

— Nada de desculpas - digo -, você se divertiu, e só isso importa. - Sorrindo, acrescento: - Além disso, agora posso me aproveitar completamente de você.

Camryn tenta sorrir e bater no meu braço, mas está fraca demais até para isso. Seu quase sorriso se transforma numa careta de angústia, e o suor aparece instantaneamente em sua testa.

— Oh, não. - Ela levanta o corpo da cama. - Preciso ir pro banheiro - diz, se segurando em mim para tentar se levantar, por isso a ajudo.

Eu a levo até o banheiro, onde ela praticamente se joga sobre a privada, segurando a porcelana com as duas mãos. Suas costas se arqueiam para cima e para baixo e ela começa a regurgitar a seco e chorar mais.

— Você devia ter comido aquele filé comigo, gata. - Fico de pé atrás dela, segurando suas tranças para que não sejam atingidas pelo bombardeio, e mantenho o pano úmido apertado contra a sua nuca. Sofro por ela, vendo seu corpo se agitar violentamente assim, sem botar para fora quase nada. Sei que a garganta, peito e estômago dela vão doer depois disso.

Quando termina, Camryn se deita no piso frio.

Tento ajudá-la a levantar, mas ela protesta fracamente.

— Não, por favor... quero ficar deitada aqui; o chão tá fresquinho.

Seu fôlego está curto, e sua pele levemente bronzeada está pálida e doentia como a de um paciente de pneumonia. Pego um pano limpo, molho e continuo limpando seu rosto, pescoço e ombros nus. Depois abro sua calça e a tiro cuidadosamente, aliviando a barriga e as pernas da pressão do jeans apertado.

— Calma, não vou te molestar - digo em tom de brincadeira, mas desta vez ela não responde.

Ela praticamente desmaia deitada de lado, com o rosto encostado no chão.

Sei que se eu a carregar agora, ela provavelmente vai acordar e ter ânsia de novo, mas não quero deixá-la assim, deitada perto da privada. Por isso me deito ao lado dela e passo o pano em sua testa, braços e ombros por horas, até que finalmente adormeço com ela.

Nunca pensei que um dia eu dormiria intencionalmente no chão de um banheiro ao lado de uma privada, sóbrio, mas falei sério quando disse que dormiria com ela em qualquer lugar.


CAMRYN


A PORTA DO MEU quarto se abre. A luz do sol brilha através de uma fina abertura na cortina, do outro lado da cama. Me encolho como uma vampira, apertando os olhos e virando o rosto. Levo um segundo para perceber que estou deitada na cama usando o top sem alças da noite passada e minha calcinha violeta. A cama foi despida de tudo, a não ser o lençol no qual estou deitada e o lençol de cima, que parece ter sido lavado recentemente. Acho que vomitei no outro; Andrew deve ter pegado este com a arrumadeira.

— Tá se sentindo melhor? - Andrew pergunta, entrando no quarto com um balde de gelo numa mão e uma pilha de copos descartáveis e uma garrafa de Sprite na outra.

Ele se senta ao meu lado e deixa as coisas sobre o criado-mudo, abrindo a Sprite.

Minha cabeça está latejando e ainda sinto que posso vomitar a qualquer momento. Odeio ficar de ressaca. Prefiro cair de bêbada e quebrar o nariz ou algo do tipo a enfrentar uma ressaca desta magnitude. Já tive uma assim; é tão ruim que não é muito diferente de intoxicação por álcool. Ao menos de acordo com Natalie, que já teve uma vez e a descreveu como "Satanás em pessoa cagando na tua cabeça na manhã seguinte".

— Nem um pouco - respondo finalmente, e minhas palavras desencadeiam uma dor na nuca e atrás das orelhas. Fecho os olhos com força quando começo a ver tudo dobrado.

— Você tá péssima, gata - Andrew diz, e então sinto um pano fresco passando no meu pescoço.

— Pode fechar aquela cortina? Por favor?

Ele se levanta imediatamente e o ouço andando, e depois o som do tecido grosso sendo puxado para fechar a abertura. Encolho as pernas nuas até o peito, puxando também o lençol para ficar parcialmente coberta, e me deito em posição fetal sobre a maciez do travesseiro.

Andrew tira um copo descartável da embalagem e ouço o gelo estalando nele em seguida. Ele derrama Sprite sobre o gelo e aí o ouço abrindo um frasco de comprimidos.

— Toma - ele diz, e sinto a cama se mover quando ele se senta de novo e apoia o braço na minha perna.

Abro os olhos lentamente. Um canudo já está no copo, para que eu não precise levantar demais a cabeça para tomar um gole. Pego três comprimidos de Advil da palma da mão de Andrew e os coloco na boca, tomando só Sprite suficiente para engoli-los.

— Por favor, me diz que não fiz nem falei nada totalmente humilhante nos bares ontem.

Só consigo olhar para ele com os olhos semicerrados.

Percebo que ele sorri.

— Na verdade você fez, sim - Andrew diz, e meu coração fica apertado. - Falou pra um cara que era casada comigo e feliz, e que a gente ia ter quatro filhos, ou talvez cinco, não lembro; e depois uma menina começou a me paquerar e você levantou e começou a falar um monte, armou o maior barraco. Foi engraçadão.

Agora acho que vou vomitar mesmo.

— Andrew, é melhor que você esteja mentindo; que vergonha!

Minha dor de cabeça piora. Eu não achava que pudesse piorar.

Eu o ouço rindo baixinho e abro um pouco mais os olhos para ver seu rosto mais claramente.

— Tô mentindo, sim, gata. - Ele põe o pano úmido na minha testa. - Na verdade, até que você se comportou bem, mesmo no caminho pra cá. - Noto que ele olha para o meu corpo. - Desculpa, precisei tirar tua roupa; bom, pessoalmente, gostei da oportunidade, mas foi senso de dever. Era necessário, sabe. - Ele finge estar sério agora, e não consigo deixar de sorrir.

Fecho os olhos e durmo mais algumas horas, até que a arrumadeira bate à porta.

Eu queria saber se Andrew saiu de perto de mim por muito tempo.

— Pode entrar, vou levá-la pro meu quarto aqui ao lado pra senhora poder limpar.

Uma senhora com cabelo mal tingido de ruivo entra no quarto, usando uniforme de arrumadeira. Andrew se aproxima da cama.

— Vem, gata - diz, me pegando no colo com o lençol ainda enrolado nas pernas -, vamos deixar a moça limpar.

Acho que eu conseguiria andar sozinha, mas não vou reclamar. Até que gosto de onde estou, no momento.

Quando passamos pela minha bolsa, estendo a mão para pegá-la e Andrew para, pega a bolsa para mim e a leva junto. Encosto a cabeça no peito dele e passo os braços ao redor do seu pescoço.

Ele para na porta e olha para a arrumadeira.

— Desculpa pela sujeira perto da cama. - Ele acena com a cabeça naquela direção, com um sorriso constrangido. - Vai ganhar uma boa gorjeta por isso.

Ele sai comigo e me leva para o seu quarto.

A primeira coisa que Andrew faz é fechar as cortinas, depois de me deitar sobre o seu travesseiro.

— Espero que você esteja melhor até à noite - diz, andando pelo quarto como se estivesse procurando alguma coisa.

— O que tem à noite?

— Mais um bar - ele responde.

Ele acha o MP3 perto da espreguiçadeira ao lado da janela e o coloca na mesinha da TV, ao lado da sua mochila.

Solto um gemido de protesto.

— Ah, não, Andrew, me recuso a ir pra outro bar hoje. Nunca mais vou beber enquanto eu viver.

Vejo seu sorriso do outro lado do quarto.

— Todo mundo diz isso - ele declara. - E eu não te deixaria beber hoje, nem se você quisesse. Precisa pelo menos de uma noite entre ressacas, senão já pode fazer sua inscrição nos Alcoólicos Anônimos.

— Bom, tomara que eu me sinta bem o suficiente pra fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo, mas as perspectivas não parecem muito boas, no momento.

— Tá, você precisa comer, isso é obrigatório. Por mais que agora você provavelmente fique enjoada só de pensar em comida, se não comer nada, vai se sentir uma merda o dia todo.

— Tem razão - digo, sentindo náuseas -, eu fico enjoada só de pensar.

— Ovos mexidos com torradas - ele diz, voltando para perto de mim -, alguma coisa leve, você já sabe como é.

— É, eu já sei como é - respondo com voz neutra, desejando poder simplesmente estalar os dedos e me sentir melhor.


26

LÁ PELO FIM da tarde, me sinto melhor; não 100%, mas bem o suficiente para passear por Nova Orleans com Andrew num bonde, indo a alguns lugares que não conseguimos visitar ontem. Depois que consegui engolir uns ovos e duas torradas, pegamos o Bonde Riverfront até o Aquário das Américas Audubon e andamos por um túnel de 9 metros com água e peixes ao nosso redor. Periquitos comeram na nossa mão e visitamos mostras da Floresta Amazônica. Alimentamos arraias e tiramos fotos com nossos celulares, daquelas bem bestas, com o braço esticado à frente, segurando o aparelho. Mais tarde olhei com mais atenção as fotos que tiramos, como nossas bochechas estavam apertadas juntas e o modo como sorríamos para a câmera, como se fôssemos qualquer outro casal vivendo seu melhor momento.

Qualquer outro casal... mas não somos um casal e me dou conta de que precisei me lembrar disso.

A realidade é uma bosta.

Mas não saber o que você quer também é. Não, a verdade é que eu sei o que quero. Não posso mais me forçar a duvidar disso, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Andrew e do tipo de dor que ele poderia causar se um dia me magoasse, pois tenho a sensação que não seria do tipo que consigo aguentar. Já é insuportável e ele ainda nem me magoou.

Desta vez enfiei o pé na jaca mesmo, sem dúvida.

Quando a noite cai novamente sobre Nova Orleans e os baladeiros já saíram de suas tocas, Andrew me faz atravessar o Mississippi num ferry e andar até um lugar chamado Old Point Bar. Fico feliz por ter decidido voltar a calçar meus chinelos de dedo pretos, em vez das sandálias de salto novas. Andrew meio que insistiu nisso, especialmente porque teríamos que andar.

— Nunca vou embora de Nova Orleans sem dar uma passada aqui - ele diz, andando ao meu lado, segurando minha mão.

— O que, então você é um frequentador assíduo?

— É, pode-se dizer que sim; mas minha assiduidade se resume a uma ou duas vezes por ano. Já me apresentei lá algumas vezes.

— Tocando violão? - presumo, olhando-o curiosa.

Um grupo de quatro pessoas vem da direção oposta e eu chego mais perto de Andrew para dar passagem na calçada.

Ele tira sua mão da minha e a passa na minha cintura por trás.

— Toco violão desde os 6 anos de idade. - Ele sorri para mim. - Com 6 anos, não era muito bom, mas precisava começar de algum jeito. Não toquei nada que valesse a pena ouvir até fazer uns 10 anos.

Solto um suspiro, impressionada.

— Jovem o suficiente pra ser um talento musical, eu diria.

— Acho que sim; eu era o "músico", quando a gente era criança, e Aidan era o "arquiteto" (ele olha para mim) porque costumava construir coisas... uma vez construiu uma casa enorme numa árvore na floresta. E Asher era o "jogador de hóquei". Meu pai adorava hóquei, quase mais do que boxe (ele olha para mim de novo), mas não mais. Asher desistiu do hóquei depois de um ano... tinha só 13 anos (ele ri baixinho); papai queria que ele jogasse mais do que ele próprio. Asher só queria saber de mexer com eletrônica... tentou fazer contato com ETs com uma traquitana que montou com tranqueiras que achou pela casa depois de ver o filme Contato.

Nós dois rimos.

— E o seu irmão? - Andrew pergunta. - Você me contou que ele tá na prisão, mas como era o relacionamento de vocês antes disso?

Meu rosto fica discretamente amargo.

— Cole era um irmão mais velho maravilhoso até o fim do ginásio, quando começou a andar com o marginal do bairro: Braxton Hixley, sempre detestei esse cara. Bom, Cole e Braxton começaram a usar drogas e fazer todo tipo de doideira. Meu pai tentou interná-lo num lar pra jovens problemáticos pra ajudá-lo, mas Cole fugiu e se meteu em mais encrenca ainda. Daí pra frente só piorou. - Olho para a frente quando mais gente vem na nossa direção pela calçada. - E agora ele tá no lugar que merece.

— Talvez ele volte a ser o irmão mais velho que você lembrava quando sair de lá.

— Talvez. - Dou de ombros, duvidando muito.

Chegamos ao final da calçada e viramos a esquina da Patterson com a Olivier, e lá está o Old Point Bar, que de fora parece mais um sobrado histórico com um anexo construído ao lado. Passamos por baixo do letreiro antigo e alongado, onde há algumas mesas e cadeiras de plástico do lado de fora, com várias pessoas fumando e falando bem alto.

Ouço uma banda tocando lá dentro.

Depois que um casal sai, Andrew segura a porta aberta e pega na minha mão. O lugar não é grande, mas é aconchegante. Olho para o pé-direito alto, notando as muitas fotografias, placas de carro, luminosos de cerveja, faixas coloridas e anúncios antigos pendurados em cada centímetro das paredes. Vários ventiladores de teto baixos pendem do forro de madeira. E à minha direita está o bar, que, como todo bar, tem uma TV na parede do fundo. Mesmo em meio à pequena multidão de pessoas, uma mulher que está trabalhando atrás do balcão levanta a mão e parece acenar para Andrew.

Andrew sorri para ela e acena com dois dedos em resposta, como para dizer "daqui a pouco falo com você".

Parece que todas as mesas estão ocupadas, e tem muita gente dançando na pista. A banda que está tocando do outro lado do salão é muito boa; blues rock ou algo do tipo. Eu gosto. Um cara negro sentado num banquinho dedilha uma guitarra prateada e um branco canta com um violão preso ao ombro com uma alça. Um cara corpulento está na bateria, e há um teclado no palco, mas ninguém está tocando.

Fico surpresa quando olho para o chão e vejo um cachorro preto e descabelado me olhando e abanando o rabo. Estendo a mão e coço a orelha dele. Satisfeito, ele vai até o dono, que está sentado à mesa ao lado, e deita aos seus pés.

Depois de esperar alguns minutos, Andrew nota três pessoas se levantando de uma mesa não muito longe de onde a banda está tocando; ele me puxa, vamos até lá e a ocupamos.

Ainda não me recuperei totalmente da ressaca e minha cabeça não está completamente sem dor, mas, surpreendentemente, apesar do ambiente ser barulhento, não está piorando minha dor de cabeça.

— Ela não vai beber - Andrew diz gentilmente para a mulher que estava atrás do balcão, apontando para mim.

Ela abriu caminho entre as pessoas e já tinha chegado à nossa mesa quando me sentei.

A mulher, com o cabelo castanho macio preso atrás das orelhas, parece ter 40 e poucos anos e está tão sorridente ao dar um abraço de urso em Andrew que começo a me perguntar se é tia ou prima dele.

— Já faz dez meses, Parrish - a mulher diz, batendo nas costas dele com as duas mãos. - Onde você se meteu?

Depois sorri, olhando para mim.

— E quem é essa? - Ela olha para Andrew com ar brincalhão, mas detecto mais alguma coisa em seu sorriso: está tirando conclusões, talvez.

Andrew pega a minha mão, e eu me levanto para ser apresentada adequadamente.

— Esta é Camryn - ele diz. - Camryn, esta é Carla; ela trabalha aqui há pelo menos seis das minhas lamentáveis apresentações.

Carla empurra o peito de Andrew, rindo, e olha de novo para mim.

— Não acredite nas mentiras dele - diz, apontando-o e erguendo as sobrancelhas -, esse garoto sabe cantar. - Ela pisca para mim e aperta a minha mão. - Prazer em te conhecer.

Também sorrio para ela.

Cantar? Eu achava que ele só tocava aqui; não sabia que também cantava. Acho que isso não me surpreende. Ele já provou que sabe cantar em Birmingham, quando acertou aquela nota do "alibis" em Hotel California. E de vez em quando, no carro, ele esquecia que eu estava lá - ou não ligava - e soltava a voz em várias canções de rock clássico que saíam dos alto-falantes.

Mas eu não esperava que Andrew tocasse de verdade em algum lugar. Pena que ele não trouxe o violão; adoraria vê-lo se apresentar hoje.

— É bom ver você de novo - Carla diz, e aponta para o cara negro no palco. - Eddie vai ficar contente que você está aqui.

Andrew balança a cabeça e sorri enquanto Carla atravessa novamente a pequena multidão e volta para o bar.

— Quer tomar um refrigerante, alguma coisa?

Recuso com um gesto.

— Não, tô legal.

Ele permanece de pé, e quando a banda para de tocar, entendo por quê. O cara da guitarra prateada nota Andrew e sorri, encosta a guitarra na cadeira e se aproxima. Eles se abraçam da mesma forma que Carla o abraçou e eu me levanto novamente para ser apresentada, apertando a mão de "Eddie".

— Parrish! Você sumiu um tempão - Eddie diz, com um forte sotaque cajun da região.

— Quanto tempo faz, um ano?

Carla também tem um pouco de sotaque, mas não tanto quanto Eddie.

— Quase - Andrew diz, com um sorrisão.

Andrew parece muito feliz de estar ali, como se aquelas pessoas fossem parentes que ele não vê há muito tempo, e com os quais nunca se desentendeu. Até seu sorriso está mais gentil e acolhedor. Aliás, quando ele me apresentou Carla e Eddie, seu sorriso iluminou o salão. Me senti a garota que ele finalmente decidiu trazer para casa e apresentar à família, e pelos olhares dos dois quando Andrew me apresentou, eles também acharam isso.

— Vai tocar hoje?

Me sento de novo e olho para Andrew, tão curiosa com a sua resposta quanto Eddie parece estar. Eddie tem aquela expressão de "não aceito 'não' como resposta" em seu rosto sorridente, e as rugas ao redor dos seus olhos e boca afundam.

— Bom, eu não trouxe o violão desta vez.

— Ah - Eddie balança a cabeça -, você sabe que não tem problema, tá querendo me fazer de bobo? - Ele aponta para o palco. - Tá cheio de guitarra lá.

— Quero te ouvir tocar - digo atrás dele.

Andrew olha para mim, indeciso.

— É sério. Tô pedindo. - Inclino a cabeça para um lado, sorrindo para ele.

— Hã-hã, essa garota tem aquele olhar, tem, sim. - Eddie sorri ao lado de Andrew.

Andrew entrega os pontos.

— Tá, mas só uma música.

— Só uma, né? - Eddie segura o queixo enrugado e diz: - Se vai ser só uma, eu que vou escolher. - Ele aponta para si, logo acima de sua camisa branca. Um maço de cigarros desponta do bolso esquerdo no peito.

Andrew balança a cabeça, concordando.

— Tá, você escolhe.

O sorriso de Eddie se alarga e ele me olha com uma expressão suspeita.

— Uma pra derreter o coração das damas, que nem você cantou da última vez.

— Rolling Stones? - Andrew pergunta.

— Hã-hã - Eddie diz. - Aquela mesmo, garoto.

— Qual aquela? - pergunto, apoiando o queixo na mão fechada.

— Laugh, I Nearly Died - Andrew responde. - Acho que você não conhece.

E ele está certo. Balanço a cabeça devagar.

— Não conheço mesmo.

Eddie acena para Andrew, pedindo que ele o siga até o palco. Andrew se abaixa, me surpreende com um selinho e se afasta da mesa.

Fico sentada, nervosa, mas empolgada, com os cotovelos apoiados na mesa. Tantas conversas acontecem ao meu redor que tudo parece um zumbido contínuo flutuando no ambiente. De vez em quando, ouço um copo ou uma garrafa de cerveja tilintando ao bater em outra ou numa mesa. O salão todo está na penumbra, iluminado apenas pela luz dos numerosos luminosos de marcas de cerveja e das partes superiores das janelas, que deixam entrar o luar e a luz de fora. De vez em quando, um clarão amarelo surge atrás do palco, à direita, quando pessoas entram e saem do que presumo serem os banheiros.

Andrew e Eddie chegam ao palco e começam a se preparar: Andrew pega outro banquinho de algum lugar atrás da bateria e o coloca no meio do palco, bem na frente do microfone no pedestal. Eddie diz alguma coisa para o baterista - provavelmente qual a canção que vão tocar - e o baterista assente com a cabeça. Outro homem surge das sombras atrás do palco com mais uma guitarra, ou talvez seja um baixo; nunca prestei muita atenção na diferença. Eddie entrega a Andrew uma guitarra preta, já plugada num amplificador próximo, e eles trocam palavras que não consigo ouvir. E então Andrew se senta no banquinho, apoiando uma bota na parte de baixo. Eddie se senta no dele depois.

Eles começam a ajustar isto e afinar aquilo, e o baterista bate algumas vezes ao acaso nos pratos. Ouço estalos e apitos quando outro amplificador é ligado ou calibrado, e depois um tum-tum-tum quando Andrew bate com o polegar no microfone algumas vezes.

Meu estômago já está cheio de borboletas, estou nervosa como se fosse eu que estivesse prestes a cantar na frente de um monte de desconhecidos. Mas as borboletas são principalmente porque é Andrew. Ele me olha de relance do palco, nossos olhares se cruzam e então o baterista começa a tocar, batendo algumas vezes de leve nos pratos, no ritmo. E então Eddie começa a tocar guitarra; uma melodia lenta e contagiante que faz facilmente a maioria das pessoas em volta virarem a cabeça e notar que uma nova canção está começando - obviamente, uma que todos já ouviram e da qual nunca se cansam. Andrew toca alguns acordes junto com Eddie, e já sinto meu corpo balançando suavemente no ritmo da música.

Quando Andrew começa a cantar, parece que tenho uma mola no pescoço. Paro de me balançar e jogo a cabeça para trás, sem conseguir acreditar no que estou ouvindo; um blues tão cativante. Ele fica de olhos fechados enquanto canta, sua cabeça balançando no ritmo quente e cheio de alma da canção.

E quando começa o refrão, Andrew tira o meu fôlego...

Sinto minhas costas pressionando um pouco o encosto da cadeira e meus olhos se arregalando quando a música sobe e a alma de Andrew acompanha cada palavra. Sua expressão muda a cada nota intensa, se acalmando quando as notas se acalmam. Ninguém mais está conversando no bar. Não consigo desviar os olhos de Andrew para ver, mas posso sentir que a atmosfera mudou assim que ele começou aquele refrão tão forte, com um timbre sexy que eu nem imaginava que ele tinha.

Na segunda estrofe, quando o ritmo diminui novamente, ele já tem a atenção total de todas as pessoas no salão. Todos estão dançando e balançando ao meu redor, casais aproximando seus quadris e lábios, porque não há outra coisa a fazer com essa canção. Mas eu... só olho, sem ar, a distância, deixando a voz de Andrew percorrer cada canal e osso do meu corpo. É como um veneno irresistível: estou hipnotizada pelo que ele me faz sentir, embora possa destruir minha alma, mas eu o bebo assim mesmo.

E Andrew mantém os olhos fechados como se precisasse bloquear a luz ao seu redor para sentir a música. E quando vem o segundo refrão, ele se entrega ainda mais, quase a ponto de se levantar do banquinho, mas fica ali, com o pescoço esticado para o microfone e cada emoção passional marcando-lhe o rosto enquanto canta e toca a guitarra em seu colo.

Eddie, o baterista e o baixista começam a cantar dois versos com Andrew, e a plateia também canta baixinho.

Na terceira estrofe, quero chorar, mas não consigo. É como se o choro estivesse ali, dormente, no fundo do meu estômago, mas quisesse me torturar.

Laugh, I Nearly Died...

Andrew canta e canta, tão apaixonadamente que eu quase morro, meu coração batendo cada vez mais rápido. E então a banda começa a cantar de novo e a música fica mais lenta, só com a bateria; batidas profundas e ásperas do bumbo que sinto sob meus pés, vindo do chão. E a plateia bate os pés junto com o bumbo e começa a cantar o refrão repetitivo. Todos batem palmas uma vez ao mesmo tempo, rasgando o ar quando suas mãos se juntam. Mais uma vez. E Andrew canta:

— Yeah-Yeah! - E a canção termina abruptamente.

Surgem gritos, assobios, muitos "aí" e alguns "puta merda". Calafrios percorrem minha espinha e se espalham pelo resto do meu corpo.

Laugh, I Nearly Died... Nunca mais vou esquecer essa música, enquanto eu viver.

Como ele pode ser real?

Estou esperando o azar entrar em ação a qualquer momento, ou acordar no banco de trás do carro de Damon, com Natalie debruçada em cima de mim, dizendo que Blake me dopou no Underground.

Andrew apoia a guitarra emprestada no banquinho, vai apertar a mão de Eddie, depois a do baterista, e por último a do baixista. Eddie o acompanha até o meio do caminho da nossa mesa, mas se detém, pisca para mim e volta ao palco. Gosto muito de Eddie. Há algo de honesto, bom e espiritual nesse homem.

Andrew não consegue andar até a nossa mesa sem que algumas pessoas da plateia o parem para apertar sua mão e provavelmente lhe dizer o quanto gostaram da apresentação. Ele agradece e, lenta mas resolutamente, continua a se aproximar de mim.

Vejo algumas mulheres olhando para ele com um pouco mais do que admiração.

— Quem é você? - pergunto, meio que para provocá-lo.

Andrew fica um pouco vermelho e puxa uma cadeira vazia para se sentar na minha frente.

— Você é demais, Andrew. Eu nem imaginava.

— Obrigado, gata.

Ele é muito modesto. Eu achava que ele fosse brincar comigo, me chamando de sua tiete e me pedindo para acompanhá-lo até os fundos do prédio ou algo assim. Mas Andrew parece realmente não querer falar do seu talento, como se isso não o deixasse à vontade. Ou será que elogios de verdade o deixam pouco à vontade?

— É sério - digo -, eu queria saber cantar assim.

Isso o faz reagir, mas só um pouco.

— Claro que você sabe - ele diz.

Jogo a cabeça para trás e balanço numa negativa exagerada.

— Não-não-não-não - respondo, para desencorajar quaisquer ideias dele. - Não sei cantar muito bem. Acho que não sou um lixo total, mas com certeza não fui feita pra cantar em cima de um palco.

— Por que não? - Carla traz uma cerveja para ele, sorri para mim e volta a atender os outros clientes. - Tem medo do palco?

Ele encosta o gargalo nos lábios e joga a cabeça para trás.

— Bom, nunca pensei em cantar, a não ser ouvindo som no carro, Andrew. - Eu me encosto na cadeira. - Nunca alimentei a ideia o suficiente pra descobrir se tenho medo do palco.

Andrew dá de ombros e toma outro gole antes de deixar a cerveja na mesa.

— Bom, só pra você saber, eu acho tua voz bonita. Te ouvi cantando no carro.

Eu reviro os olhos e cruzo os braços.

— Obrigada, mas é fácil dar a impressão de cantar bem quando a gente tá cantando junto com outra voz. Se você me ouvir só com a música, provavelmente vai querer tapar os ouvidos.

Me debruçando para a frente, acrescento:

— Como é que eu virei o assunto da conversa, afinal? - Aperto os olhos de brincadeira para ele. - É de você que a gente deveria falar, como aprendeu a cantar assim?

— Influências, acho - ele diz. - Mas ninguém canta como Jagger.

— Ah, eu discordo - digo, erguendo o queixo. - Por que, Jagger é teu ídolo musical ou algo assim? - pergunto, meio de brincadeira, e ele sorri calorosamente.

— Ele tá ali, entre as minhas influências, mas, não, meu ídolo musical é um pouco mais velho do que ele.

Há algo secreto e profundo se escondendo nos olhos dele.

— Quem? - pergunto, completamente absorta.

Sem avisar, Andrew salta para a frente e me segura pela cintura, me pondo no seu colo, de frente para ele. Fico um pouco chocada, mas sem repelir o gesto. Ele me olha nos olhos, sentada ali no seu colo.

— Camryn?

Sorrio para ele, só imaginando por que está fazendo isso.

— Que é? - Inclino a cabeça para um lado devagar; minhas mãos estão sobre o peito dele.

Um pensamento parece relampear pelo seu rosto e ele não responde.

— Que foi? - pergunto, mais curiosa agora.

Sinto suas mãos na minha cintura, e então ele se curva e roça os lábios nos meus. Meus olhos se fecham, absorvendo o seu toque. Sinto que poderia beijá-lo, mas não sei ao certo se devo.

Meus olhos se abrem de novo quando ele afasta os lábios.

— O que você tem, Andrew?

Ele sorri, e isso literalmente me aquece por dentro.

— Nada - diz, batendo delicadamente com as mãos abertas nas minhas coxas, e voltando num instante a ser o Andrew brincalhão e não tão sério. - Só queria te pôr no meu colo. - Ele sorri maliciosamente.

Começo a rebolar para me desvencilhar - não de verdade - e ele passa os braços na minha cintura e me segura ali. A única vez que me tira do colo o resto da noite é quando preciso ir ao banheiro, e ele fica de pé na porta, esperando por mim. Ficamos no Old Point ouvindo Eddie e a banda tocar blues e blues rock e até algumas canções de jazz antigo antes de voltar para o hotel, depois das 23h.


27

DE VOLTA AO HOTEL, Andrew fica no meu quarto tempo suficiente para assistir a um filme. Conversamos por muito tempo e pude sentir a relutância entre nós dois: ele queria me dizer algo, tanto quanto eu queria lhe dizer coisas.

Acho que somos parecidos demais, e por isso, nenhum dos dois cruzou essa fronteira.

O que nos impede? Talvez seja eu; talvez o que existe entre nós não possa seguir adiante até que ele se dê conta de que eu sei que é isso que quero. Ou pode ser apenas que ele também não tenha certeza de nada.

Mas como duas pessoas que sentem inegavelmente mais do que atração uma pela outra podem não ceder? Estamos juntos na estrada há quase duas semanas. Compartilhamos segredos íntimos e ficamos íntimos, sob certos aspectos. Dormimos lado a lado e nos tocamos, no entanto, aqui estamos, de lados opostos de uma grossa parede de vidro. Estendemos as mãos e encostamos os dedos no vidro, olhamos nos olhos um do outro e sabemos o que queremos, mas a porra do vidro não cede. Ou isso é uma disciplina inviolável, ou é tortura autoimposta, pura e simples.

— Não que eu esteja com pressa de ir embora - digo quando Andrew se prepara para voltar ao seu quarto -, mas quanto tempo a gente vai ficar em Nova Orleans?

Ele pega o celular do criado-mudo e olha rapidamente para a tela, antes de fechar a mão sobre ele.

— Os quartos estão pagos até quinta - ele diz -, mas você que sabe; a gente pode ir embora amanhã ou ficar mais, se você quiser.

Estufo os lábios, sorrindo, fingindo ponderar profundamente a decisão, batendo o indicador na bochecha.

— Não sei - declaro, me levantando da cama. - Até que gosto daqui, mas a gente ainda precisa ir pro Texas.

Andrew me olha, curioso.

— É? Então ainda tá a fim de ir pro Texas, hein?

Balanço a cabeça devagar, ponderando de verdade, desta vez.

— É - respondo, distante -, acho que tô. Comecei querendo ir pro Texas... - E então as palavras talvez tudo vá terminar no Texas entram na minha mente e meu rosto fica triste de repente.

Andrew beija minha testa e sorri.

— A gente se vê de manhã.

E eu o deixo ir, porque aquela parede de vidro é grossa e me intimida demais para que eu o alcance e o segure.

Horas depois, nas trevas da alta madrugada, quando a maioria das pessoas está dormindo, acordo de repente e me sento no meio da cama. Não sei bem o que me acordou, mas parece ter sido um barulho alto. Quando minha mente clareia, corro os olhos pelo quarto escuro como breu, esperando meus olhos se ajustarem à escuridão e verificando se alguma coisa caiu no chão. Me levanto e ando pelo quarto, abrindo só uma fresta das cortinas para deixar entrar mais luz. Olho para o banheiro, a TV e finalmente a parede. Andrew. Agora começo a entender: acho que o barulho que ouvi veio do quarto dele, bem atrás da minha cabeça.

Visto meu short branco de algodão por cima da calcinha, pego minha chave-cartão e a cópia que ele me deu, do seu quarto, e ando descalça pelo corredor iluminado.

Levanto a mão fechada e bato à porta, primeiro de leve.

— Andrew?

Nenhuma resposta.

Bato novamente com um pouco mais de força e o chamo, mas não chega nenhuma resposta. Depois de uma pausa, passo a cópia da chave na porta e a abro silenciosamente, para o caso de ele estar dormindo.

Andrew está sentado na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas, no meio das pernas. Suas costas estão curvadas para a frente em arco, e sua cabeça, tão baixa que ele só pode estar olhando para o chão acarpetado.

Olho para a minha direita e vejo seu celular no chão, com o vidro quebrado. Entendo imediatamente que ele deve tê-lo jogado contra a parede.

— Andrew? O que foi? - pergunto, me aproximando devagar, não porque tenha medo dele, mas porque tenho medo por ele.

As cortinas estão totalmente abertas, deixando o luar entrar e inundar o quarto todo e o corpo seminu de Andrew com um brilho cinza-azulado. Ele está usando só uma cueca boxer. Me aproximo dele e corro as mãos pelos seus braços até as mãos, fechando delicadamente meus dedos sobre elas.

— Pode me contar - digo, mas já sei o que é.

Ele não me olha, mas fecha as mãos sobre meus dedos.

Meu coração está se partindo...

Me aproximo mais, ficando no meio de suas pernas, e ele não hesita em abraçar apertado o meu corpo. Sentindo meu peito tremer quando absorvo a dor dele, passo os braços ao redor de sua cabeça e a puxo para a minha barriga.

— Eu sinto muito, amor - digo com voz trêmula; lágrimas correm pelo meu rosto, mas tento manter a compostura como posso. Seguro sua cabeça delicadamente e ele aperta mais a testa contra o meu ventre. - Tô aqui, Andrew - digo com cuidado.

E ele chora baixinho encostado em mim. Não emite um som, mas sinto seu corpo tremendo suavemente contra o meu. Seu pai morreu e ele está se permitindo lamentar, como deveria. Andrew me segura assim por um tempo enorme, seus braços me apertando com força quando as piores ondas de dor o atravessam, e eu o abraço mais, com as mãos mergulhadas no seu cabelo.

Finalmente, ele levanta a cabeça e olha para mim. Tudo o que quero é tirar aquela dor do seu rosto. No momento, é a única coisa que me importa no mundo. Só quero fazer essa dor passar.

Andrew me puxa para a cama com ele pela cintura e me abraça ali, com seus braços rijos e toda a extensão da parte de trás do meu corpo apertada contra a frente do dele. Mais uma hora passa e vejo a lua ir de um lugar a outro no céu. Andrew não diz uma palavra, e não quero puxar assunto porque sei que ele precisa deste momento, e se nenhum dos dois nunca mais falar, posso aceitar, contanto que fiquemos assim.

Duas pessoas incapazes de chorar finalmente choram juntas, e se o mundo acabasse hoje, estaríamos realizados.

O primeiro sol da manhã começa a afugentar o luar, e, por algum tempo, os dois estão escondidos na mesma grande extensão do céu, de forma que nenhum dos dois domina o outro. A atmosfera está banhada em violeta-escuro e cinza com manchas rosa, até que o sol finalmente prevalece e acorda o nosso lado do mundo.

Rolo para o outro lado, ficando de frente para Andrew. Ele também ainda está acordado. Sorrio suavemente, e ele é receptivo quando me curvo para beijar seus lábios com delicadeza. Ele roça minha face com as costas da mão e então toca a minha boca, seu polegar mal encostando no meio do meu lábio inferior antes de se afastar. Me aproximo e ele aperta a minha mão, segurando-a no meio de nossos corpos colados. Seus lindos olhos verdes sorriem para mim com ternura, e então ele solta a minha mão e passa o braço na minha cintura, me puxando tão para perto que posso sentir o calor do seu hálito no meu queixo quando ele respira.

Sei que ele não quer falar do pai, e mencioná-lo pode estragar este momento, por isso evito. Por mais que eu queira e por mais que eu ache que ele precisa falar a respeito para ajudar no seu luto, vou esperar. Ele precisa de tempo.

Levanto minha mão livre e passo o dedo pelo contorno da tatuagem no seu braço direito. E então meus dedos correm delicadamente para suas costelas.

— Posso ver? - sussurro.

Ele sabe que estou falando da tatuagem de Eurídice no lado esquerdo do seu corpo, que ainda está por baixo, encostado na cama.

Andrew me olha, mas seu rosto é indecifrável. Seus olhos vagam por um longo momento antes que ele se levante da cama e se vire para o outro lado, deixando a tatuagem visível. Ele se deita de lado, como antes, e me puxa um pouco mais para perto, tirando depois o braço de cima das costelas. Ergo o corpo para ver melhor e corro os dedos pelo desenho intrincado, que é tão bonito e realístico. A cabeça da mulher começa uns 5 centímetros abaixo do braço de Andrew, e seus pés descalços chegam ao meio da anca escultural, alguns centímetros sobre a barriga dele. Ela está vestindo uma túnica branca longa, esvoaçante e translúcida, colada ao corpo como se um vento forte estivesse soprando. Ondas do tecido esvoaçam para trás e ao redor dela no vento invisível.

Ela está de pé num rochedo, olhando para baixo com um braço erguido delicadamente para trás.

Mas aí o desenho fica esquisito.

Eurídice está com o outro braço esticado, mas a tinta termina no seu cotovelo. Outro braço foi acrescentado do outro lado, mas não é dela; parece ser de outra pessoa, é mais másculo. Partes do tecido também aparecem fora de lugar na imagem, sopradas pelo vento, como a roupa dela. E logo abaixo, apoiado no mesmo rochedo, está um pé com uma panturrilha musculosa, mas a tinta acaba logo abaixo do joelho.

Corro os dedos sobre cada centímetro da tatuagem, hipnotizada por sua beleza, mas ao mesmo tempo tentando entender sua complexidade, e por que estão faltando partes.

Olho para Andrew e ele diz:

— Você me perguntou ontem quem é meu ídolo musical, e a resposta é Orfeu; meio esquisito, eu sei, mas sempre adorei a história de Orfeu e Eurídice, especialmente a versão contada por Apolônio de Rodes, e ela meio que ficou dentro de mim.

Sorrio suavemente e olho mais uma vez para a tatuagem; meus dedos ainda estão sobre suas costelas.

— Já ouvi falar de Orfeu, mas não de Eurídice. - Sinto um pouco de vergonha por não conhecer a história deles, especialmente porque ela parece ser tão importante para Andrew.

Ele começa a explicar:

— A habilidade musical de Orfeu era incomparável, por ele ser filho de uma musa, e quando ele tocava sua lira ou cantava, todo ser vivo parava para ouvir. Não havia músico melhor do que ele, mas seu amor por Eurídice era até mais forte do que seu talento; Orfeu faria qualquer coisa por ela. Eles se casaram, mas logo depois do casamento, Eurídice foi picada por uma víbora e morreu. Arrasado pela dor, Orfeu desceu ao inferno, determinado a trazê-la de volta.

Enquanto Andrew conta essa história, não consigo deixar de ser egoísta e me imaginar no lugar de Eurídice. Com Andrew no lugar de Orfeu. Até comparo com aquele momento bobinho no pasto, naquela noite com Andrew, quando a cobra subiu no nosso cobertor. Tão egoísta e idiota da minha parte pensar assim, mas não consigo evitar...

— No inferno, Orfeu tocou sua lira e cantou, e todos ali ficaram encantados com ele e se ajoelharam de tanta emoção. E assim, deixaram Eurídice aos cuidados de Orfeu, mas somente com uma condição: Orfeu não podia olhar para trás para Eurídice nem por um momento enquanto voltavam para a superfície do mundo. - Andrew faz uma pausa. - Mas a caminho da superfície, ele não conseguiu vencer esse desejo, essa necessidade de se virar para se certificar de que Eurídice ainda estava atrás dele.

— Ele olhou pra trás - digo.

Andrew balança a cabeça tristemente.

— Sim, olhou um momento antes do que deveria e viu Eurídice na luz fraca do alto da caverna. Eles estenderam as mãos um para o outro, e antes que pudessem se tocar, ela desapareceu na escuridão do inferno e ele nunca mais a viu.

Engulo minhas emoções e fico olhando para o rosto de Andrew, arrebatada. Ele não está me olhando, mas parece perdido em pensamentos, olhando além de mim.

E então ele sai do transe.

— Muita gente faz tatuagens profundas, cheias de significado - ele diz, me olhando de novo. - Esta é só a minha.

Olho para a tatuagem de novo e depois para os seus olhos, lembrando uma coisa que seu pai disse naquela noite em Wyoming.

— Andrew, o que teu pai quis dizer quando falou aquilo no hospital?

Seus olhos se abrandam e ele desvia o olhar por um instante. Depois abaixa o braço e segura a minha mão, passando o polegar pelos meus dedos.

— Você escutou? - pergunta, sorrindo tranquilamente.

— É, escutei.

Andrew beija meus dedos e solta a minha mão.

— Ele ficava me enchendo com isso - diz. - Fiz a tatuagem, contei pro Aidan o que ela significava e por que não tava tecnicamente completa, e aí ele contou pro papai. - Andrew revira os olhos. - Nunca mais me deixaram em paz, pode ter certeza. Nos últimos dois anos, meu pai tirou muito sarro de mim, mas eu sei que ele só tava sendo ele mesmo: o cara fortão que não chora e não acredita em emoções. Mas uma vez ele me falou, quando Aidan e Asher não tavam perto, que por mais "florzinha" que fosse o significado da minha tatuagem, ele entendia. Papai me falou assim (Andrew gira harmoniosamente os dedos no ar): "Filho, espero que você ache sua Eurídice um dia. Contanto que ela não te faça virar um maricas, espero que você ache."

Tento conter um sorrisinho, mas ele vê e sorri também.

— Mas por que tá incompleta? - pergunto, olhando-a de novo, tirando seu braço de cima. - E o que ela significa exatamente?

Andrew suspira, embora soubesse o tempo todo que eu ia fazer essas perguntas. Fico com a sensação de que ele estava torcendo para que eu deixasse passar batido.

Sem chance.

De repente, Andrew se levanta da cama e me faz sentar com ele. Fecha os dedos na barra do meu top e começa a tirá-lo do meu corpo. Sem questionar, ergo os braços enquanto ele tira minha camiseta, e fico nua da cintura para cima diante dele. Só uma pequena parte de mim se sente constrangida, e instintivamente meu ombro se encolhe, como que para cobrir minha nudez com sua sombra.

Andrew me faz deitar de novo e me puxa tão para perto que meus seios nus ficam esmagados entre nossos corpos. Guiando meus braços ao redor de si como os seus estão ao meu redor, ele me abraça mais apertado, enroscando nossas pernas nuas. Nossas costelas estão se tocando, meu corpo encaixado no dele como duas peças de um quebra- cabeça.

E de repente começo a entender...

— Minha Eurídice é só metade da tatuagem - ele diz, e seus olhos descem para o lugar da tatuagem em relação ao meu corpo ao seu lado. - Pensei que um dia, se me casasse, minha garota podia fazer a outra metade e unir os dois.

Meu coração está na garganta. Tento engoli-lo de volta, mas está preso ali, inchado e quente.

— Mas é loucura, eu sei - ele diz, e sinto seus braços começando a me soltar.

Eu o aperto mais forte, segurando-o ali.

— Não é loucura - digo, minha voz grave e séria. - E não é coisa de florzinha; Andrew, é lindo. Você é lindo...

Uma emoção solitária que não consigo identificar cruza o seu rosto.

Então ele se levanta, e relutantemente eu permito.

Ele pega a bermuda de lona marrom-escura do chão perto da cama e a veste.

Ainda um pouco atordoada pela rapidez com que ele se levantou e por que, levo um momento mais antes de vestir meu top de novo.

— Bom, acho que talvez meu pai é que tava certo - ele diz, de pé diante da janela, olhando para a cidade de Nova Orleans lá embaixo. - Ele sabia das coisas e usava aquele papo furado de homem-não-chora pra disfarçar.

— Pra disfarçar o quê?

Chego perto dele por trás, mas desta vez não o toco. Andrew está inatingível, no sentido de que estou começando a achar que ele não me quer aqui. Não é desinteresse nem diminuição da atração, mas alguma outra coisa...

Ele responde sem se virar:

— Que nada dura pra sempre. - Ele hesita, ainda olhando pela janela, com os braços cruzados sobre o peito. - É melhor evitar a emoção do que cair na conversa dela e virar escravo dela, e como nada dura pra sempre, no fim, tudo o que um dia foi bom sempre acaba doendo pra cacete.

Suas palavras me cortam como facas.

Toda parte de mim que foi mudada durante meu tempo com Andrew e todas as muralhas que derrubei por ele acabam de se erguer de novo ao meu redor.

Porque ele está certo e eu sei que ele está certo, porra.

Foi essa lógica que me impediu de entrar totalmente no mundo dele todo esse tempo. E em questão de segundos, a verdade de suas palavras me deixou novamente submissa a essa lógica.

Decido não pensar nisso. Há um problema bem mais importante que o meu, agora, então me esforço para não tratá-lo diferente.

— Você... precisa ir ao enterro do seu pai, então...

Andrew vira o corpo, com os olhos cheios de determinação.

— Não, eu não vou pro enterro.

Ele veste uma camiseta limpa sobre seus músculos abdominais.

— Mas, Andrew... você tem que ir. - Minhas sobrancelhas se juntam na minha testa.

— Você nunca vai se perdoar se perder o enterro.

Vejo seu maxilar se movendo como se ele estivesse rangendo os dentes. Ele desvia o olhar e se senta no pé da cama, se curvando e enfiando os pés sem meias em suas sapatilhas baixas de corrida, sem se dar ao trabalho de soltar o cadarço.

Ele fica de pé.

Só posso ficar ali no meio do quarto, incrédula. Sinto que deveria saber o que dizer para fazê-lo mudar de ideia sobre o funeral, mas meu coração me diz que essa é uma discussão que não vou ganhar.

— Preciso fazer uma coisa - ele diz, enfiando a chave do carro no bolso da bermuda.

— Volto logo, tá?

Antes que eu possa responder, ele se aproxima, segura minha cabeça com as duas mãos e se curva, encostando a testa na minha. Eu só o olho nos olhos, vendo tanta dor, conflito e indecisão no meio de uma tempestade de outras coisas que não consigo nem começar a identificar.

— Você vai ficar bem? - ele pergunta baixinho, com o rosto a centímetros do meu.

Eu me afasto, olho para ele e balanço a cabeça.

— Vou, sim - digo.

Mas é só o que consigo dizer. Estou tão dividida e indecisa quanto ele parece estar. Mas também estou sofrendo. Sinto que algo está acontecendo entre nós, mas está nos afastando, não nos aproximando, como toda a viagem nos aproximou até agora. E isso me assusta.

Eu entendo a lógica. Minhas muralhas estão erguidas de novo. Mas isso me assusta mais do que qualquer coisa que já vivi.

Andrew me deixa parada ali, olhando-o sair do quarto.

É a primeira vez, desde que voltou para me salvar naquela rodoviária, que ele me deixa. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis, todo esse tempo, e agora... assim que ele saiu por aquela porta, senti que nunca mais vou vê-lo.

 


CONTINUA