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14
CAMRYN FICA LINDINHA quando a torturo. Porque ela gosta.
Não sei como me meti nisto, mas o que sei é que por mais que minha consciência berre nos meus ouvidos, dizendo para deixá-la em paz, não consigo. Não quero.
Já fomos longe demais.
Eu sei que eu deveria ter terminado tudo na rodoviária, comprado uma passagem aérea de primeira classe para que ela se sentisse obrigada a usar, já que custou tão caro, depois chamado um táxi e mandado ela para o aeroporto.
Jamais deveria ter permitido que Cam saísse de lá comigo, porque agora sei que não vou conseguir abandoná-la. Preciso mostrar a ela primeiro. Agora é obrigatório. Preciso mostrar tudo. Cam pode sofrer no final, depois que tudo for dito e feito, mas ao menos vai poder voltar para a Carolina do Norte esperando algo mais de sua vida.
Pego a caixa de sapatos das suas mãos, fecho a tampa e a coloco em cima da mochila aberta. Ela me observa abrir a primeira gaveta da cômoda, pescar algumas cuecas boxer e meias limpas e também jogá-las dentro da mochila. Todos os meus itens básicos de higiene pessoal estão na mochila que ficou no carro, aquela que eu trouxe no ônibus.
Jogo a alça da mochila sobre o ombro e olho para ela.
— Você tá pronta?
— Acho que sim - Camryn responde.
— Peraí, você acha? - pergunto, indo até ela. - Ou você tá pronta ou você não tá.
Ela sorri para mim com aqueles lindos olhos azuis cristalinos.
— Sim, tô pronta com certeza.
— Tá, mas por que a hesitação?
Ela balança a cabeça de leve para dizer que estou errado.
— Não foi hesitação - ela responde. - É que tudo isso é... estranho, sabe? Mas de um jeito bom.
Cam parece estar tentando desembaraçar alguma coisa em sua mente. Obviamente, deve estar com a cabeça bem cheia.
— Tem razão - concordo. - É meio estranho, sim... Tudo bem, é muito estranho porque não é natural expandir as próprias fronteiras. - Olho para ela, obrigando-a a olhar nos meus olhos. - Mas a ideia é essa mesmo.
Seu sorriso se ilumina como se minhas palavras tivessem despertado alguma lembrança em sua mente.
Ela balança a cabeça e diz, com ar divertido e ansioso:
— Bom, então, o que a gente tá esperando?
Saímos para o corredor, e antes que começássemos a descer a escada, eu paro.
— Um momento.
Ela espera ali, no alto da escada, e eu volto, passo pelo meu quarto e vou até o de Aidan. O dele é tão patético quanto o meu. Vejo o violão dele encostado na parede do outro lado, vou até lá, pego o instrumento pelo braço e trago comigo.
— Você toca violão? - Camryn pergunta, enquanto desço a escada.
— É, eu toco um pouco.
CAMRYN
ANDREW JOGA A MOCHILA no banco de trás, junto com a outra, menor, minha mala e minha bolsa. Mas ele toma um pouco mais de cuidado com o violão, deitando-o sobre o assento. Entramos no carro preto antigo (com duas faixas brancas no meio do capô) e fechamos as portas ao mesmo tempo.
Ele olha para mim.
Eu olho para ele.
Andrew enfia a chave na ignição e o motor do Chevelle ruge.
Não acredito que vou fazer isso. Não que eu tenha medo, esteja preocupada ou sinta que deveria parar agora mesmo e voltar para casa. Sinto que estou fazendo tudo certo; pela primeira vez em muito tempo, sinto que minha vida está voltando aos eixos, só que seguindo um rumo bem diferente, cujo destino eu desconheço. Não sei explicar... só que, bem, como eu disse: sinto que está certo.
Andrew pisa no acelerador quando chegamos à rampa de acesso e pegamos a 87, sentido sul.
Até que gosto de vê-lo dirigir, o modo como Andrew é tranquilo até para ultrapassar motoristas mais lentos. Não parece estar tentando se mostrar quando ziguezagueia entre os carros; é como se fosse uma atitude natural. Me surpreendo tentando olhar de relance, de vez em quando, para o braço direito musculoso que segura o volante. E quando meus olhos correm cuidadosamente pelo resto do seu corpo, imediatamente volto a pensar naquela tatuagem escondida sob a camiseta azul-marinho que cai tão bem nele.
Falamos sobre isto e aquilo por algum tempo; sobre como o violão é de Aidan, e que ele provavelmente vai explodir se descobrir que Andrew o levou. Andrew não se importa.
— Ele roubou minhas meias uma vez - Andrew revelou.
— Suas meias? - repito, fazendo uma careta. E ele me olhou com uma expressão que dizia: "Ei! Meias, violão, desodorante - um pertence é um pertence."
Eu só ri, ainda achando aquilo ridículo, mas deixei passar sem discutir.
Também tivemos uma conversa bem profunda sobre o mistério dos sapatos solitários jogados nas estradas por todos os Estados Unidos.
— A namorada ficou puta e tacou as coisas do namorado pela janela - Andrew sugeriu.
— É uma possibilidade - argumentei -, mas acho que muitos são de caroneiros, porque a maioria tá bem detonada.
Andrew me olha sem jeito, como que esperando o resto.
— Caroneiros?
Balancei a cabeça.
— Pois é, eles andam muito, então imagino que os sapatos deles gastem rápido. O cara tá lá andando, com os pés doendo, daí vê um sapato, provavelmente jogado pela namorada puta da vida (aponto para ele, incorporando sua teoria), e como aquele tá em melhor estado, ele troca um dos que tá usando.
— Que teoria idiota - Andrew diz.
Minha boca se abre e expiro bruscamente, ofendida.
— Pode acontecer sim, tá! - Rio e dou um soco no seu braço. Ele só sorri.
Ficamos falando disso um tempão, bolando teorias cada vez mais idiotas.
Nem lembro quando foi a última vez que ri tanto.
Finalmente, chegamos a Denver quase duas horas depois. É uma cidade tão linda, com as montanhas enormes ao fundo, cujos picos parecem nuvens brancas espalhadas pelo horizonte azul e luminoso. Ainda é bem cedo, e o sol está brilhando com toda a força.
Quando chegamos ao centro da cidade, Andrew diminui a velocidade para 60 km/h.
— Você tem que me dizer pra que lado ir - ele afirma, quando nos aproximamos de mais uma rampa de acesso.
Ele olha para três direções, depois para mim.
Pega de surpresa, olho para cada rota, e quanto mais perto chegamos de ter que tomar uma decisão, mais ele diminui a velocidade.
Cinquenta e cinco quilômetros por hora.
— O que vai ser? - Andrew insiste, com uma pitada de provocação nos olhos verdes brilhantes.
Estou tão nervosa! É como se estivessem me pedindo para escolher o fio a ser cortado para desarmar uma bomba.
— Não sei! - grito, mas meus lábios estão abertos num sorriso largo e nervoso.
Trinta quilômetros por hora. As pessoas estão buzinando para nós, e um cara num carro vermelho ultrapassa e faz um gesto obsceno.
Vinte e cinco quilômetros por hora.
Ahhh! Não aguento essa expectativa! Sinto que quero cair na risada, mas o riso está preso na minha garganta.
Biii! Biii! Vai se foder! Sai da frente, babaca!
Andrew não está nem aí para os insultos e não para de sorrir.
— Pra lá! - grito finalmente, levantando a mão e apontando a saída leste. Solto uma risada estridente e afundo mais no banco para que ninguém me veja, de tão constrangida.
Andrew liga a seta esquerda e vai para essa faixa com facilidade, entrando entre dois outros carros. Passamos pelo sinal amarelo pouco antes de mudar para vermelho e em segundos estamos em outra estrada, e Andrew está pisando no acelerador. Não faço ideia de que direção vamos, só sei que estamos indo para o leste, mas aonde isso vai dar ainda é um mistério.
— Não foi tão difícil, foi? - ele pergunta, me olhando com um sorrisão.
— Até que foi estimulante - admito, e em seguida dou uma risada aguda. - Você deixou todo mundo puto.
Andrew dá de ombros.
— As pessoas estão sempre com pressa demais. Se você respeita o limite de velocidade, corre o risco de ser linchado.
— Verdade - concordo, e olho para a frente através do para-brisa. - Mas preciso confessar: normalmente, sou uma dessas pessoas. - Fico envergonhada em admitir.
— É, eu também, às vezes.
Tudo fica quieto de repente, e é o primeiro momento de silêncio que ambos notamos. Me pergunto se ele está pensando a mesma coisa que eu, curioso a meu respeito e querendo fazer perguntas, como estou curiosa sobre muitas coisas nele. É um daqueles momentos que são inevitáveis, e que quase sempre marcam a fase em que duas pessoas começam a se conhecer de verdade.
É muito diferente de quando estávamos juntos no ônibus. Então achávamos que nosso tempo era limitado, e que, como nunca mais nos veríamos, não havia motivo para falar muito do lado pessoal.
Mas as coisas mudaram, e agora só sobrou o pessoal.
— Me fala mais da sua melhor amiga, essa Natalie.
Mantenho os olhos na estrada por alguns longos segundos e respondo devagar, pois não sei ao certo de que parte devo falar.
— Bem, se é que ela ainda é sua melhor amiga - Andrew acrescenta, de alguma forma percebendo a animosidade.
Olho para ele.
— Não é mais. Ela é meio capacho do namorado, por falta de uma explicação melhor.
— Você tem uma explicação melhor, tenho certeza - ele argumenta, voltando a olhar para a estrada. - Talvez apenas não queira explicar.
Tomo uma decisão.
— Não, quero explicar sim, na verdade.
Ele parece feliz com isso, mas mantém uma postura respeitosa.
— A gente se conhece desde o primário - começo -, e eu achava que nada poderia destruir nossa amizade, mas tava tão enganada... - Balanço a cabeça, revoltada só de pensar nisso.
— Bem, o que aconteceu?
— Ela escolheu o namorado em vez de mim.
Acho que ele esperava uma explicação mais detalhada, e eu pretendia explicar melhor, mas foi assim que saiu.
— Você que a obrigou a escolher? - ele pergunta, erguendo um pouco a sobrancelha.
Eu me viro para olhar para ele.
— Não, não foi nada disso. - Dou um suspiro longo e profundo. - Damon, o namorado dela, ficou sozinho comigo uma noite e tentou me beijar e disse que tava a fim de mim. Quando dei por mim, Natalie tava me chamando de vaca mentirosa e dizendo que nunca mais queria me ver.
Andrew balança a cabeça com vigor, mostrando que entende completamente, agora.
— Uma garota insegura - ele comenta. - Deve estar com ele faz tempo, né?
— É, uns cinco anos.
— Essa sua melhor amiga acredita em você, sabia?
Olho para ele, confusa.
Ele balança a cabeça.
— Acredita, sim; pensa bem, ela te conhece praticamente há uma vida. Você acha que ela ia jogar fora uma amizade como essa por não acreditar em você?
Continuo confusa.
— Mas ela fez isso - digo simplesmente. - Foi exatamente o que ela fez.
— Não - Andrew discorda -, isso é só uma reação, Camryn. Ela não quer acreditar em você, mas nem tão no fundo sabe que é verdade. Só precisa de tempo pra pensar a respeito e ver o que realmente aconteceu. A ficha dela vai cair.
— Bom, quando cair, posso não querer mais nada com ela.
— Talvez - ele diz, dando seta para a direita e mudando de faixa -, mas você não me parece ser esse tipo de pessoa.
— Que não perdoa? - digo.
Ele concorda com a cabeça.
Ultrapassamos uma carreta lenta e entramos na frente dela.
— Sei lá - digo, já sem saber o que pensar -, não sou mais como eu era.
— Como você era?
Também não sei. Levo um segundo para encontrar uma maneira de não falar de Ian.
— Eu era divertida, extrovertida e... - rio de repente, quando a lembrança faz cócegas na minha mente - ... e pulava pelada num lago gelado todo inverno.
O rosto lindo de Andrew se distorce por inteiro num sorriso curioso e cheio de energia.
— Uau - ele diz -, tô até vendo isso...
Dou outro soquinho no braço dele. Sempre sorrindo. Ele finge que doeu, mas eu sei que não.
— Era um evento beneficente pro hospital da minha cidade - explico -, eles faziam todo ano.
— Pelada? - Ele parece totalmente confuso, à parte estar com o maior sorrisão só de pensar nisso.
— Bem, não totalmente pelada - digo -, mas só de top e shortinho naquela água gelada, é como estar pelada.
— Cacete, preciso começar a participar de eventos beneficentes quando eu voltar - ele diz, batendo com a mão no volante. - Não sabia o que eu tava perdendo.
Ele controla o sorriso um pouco e olha para mim de novo.
— E por que isso é uma coisa que você fazia?
Porque foi Ian que me convenceu a fazer, e fiz junto com ele por dois anos.
— Parei mais ou menos um ano atrás, é só uma dessas coisas que você para de fazer.
Tenho a sensação de que ele não acredita que esse seja o único motivo, por isso mudo de assunto para distraí-lo.
— E você? - pergunto, virando o corpo para lhe dar toda a minha atenção. - Que tipo de loucura você já fez?
Andrew franze os lábios, pensativo, olhando para a estrada. Ultrapassamos mais uma carreta e entramos na frente dela também. O trânsito está diminuindo à medida que nos afastamos da cidade.
— Já surfei em cima do capô de um carro. Não foi bem uma loucura, foi mais idiotice mesmo.
— É, muita idiotice.
Ele estica o braço esquerdo e mostra a parte interna do pulso.
— Caí daquela porra e abri um corte no pulso sei lá como. - Olho para a cicatriz de 5 centímetros que segue da parte de baixo do polegar para o braço. - Rolei na estrada. Rachei a cabeça. - Ele aponta para o lado direito da nuca. - Levei nove pontos aqui e mais 16 no pulso. Nunca mais faço isso.
— Bom, espero que não - digo severamente, ainda tentando ver a cicatriz através do seu cabelo castanho.
Andrew segura o volante com a outra mão e pega a minha, pondo seu dedo indicador sobre o meu para me guiar.
Chego mais perto, deixando que ele mova a minha mão.
— Foi bem... aqui - ele diz, ao encontrar a cicatriz. - Tá sentindo?
Sua mão solta a minha, mas eu a olho por um momento.
Voltando a prestar atenção na cabeça dele, olho e corro o dedo por uma linha claramente irregular no couro cabeludo, e separo seu cabelo curto com os dedos. A cicatriz tem uns 2 centímetros e meio. Passo o dedo nela mais uma vez e tiro a mão relutantemente.
— Você deve ter muitas cicatrizes - digo.
Ele sorri.
— Não muitas; tenho uma nas costas onde Aidan me bateu com uma corrente de bicicleta, girando como se fosse um chicote (faço uma careta e cerro os dentes). E quando eu tinha 12 anos, tava levando Asher no guidão da minha bicicleta. Bati numa pedra. A bicicleta virou pra frente e jogou nós dois no concreto. - Ele aponta para o nariz. - Quebrei o nariz, mas Asher quebrou um braço e levou 14 pontos no cotovelo. Mamãe achou que a gente tinha batido num carro e tava mentindo só pra livrar a nossa cara.
Continuo olhando para o seu nariz perfeito; não vejo nenhum sinal de que já tenha sido quebrado.
— Tenho uma cicatriz esquisita em forma de L no lado de dentro da coxa - Andrew continua, apontando o lugar. - Mas essa eu não vou te mostrar. - Ele sorri e segura o volante com as duas mãos.
Fico vermelha, porque bastaram mesmo dois segundos para começar a imaginá-lo tirando a calça para me mostrar.
— Ainda bem. - Rio, e me apoio no painel para levantar um pouco minha camiseta da Smurfette. Vejo que ele está me olhando e isso me dá uma sensação estranha na barriga, mas eu a ignoro. - Fui acampar uma vez - digo -, pulei de umas rochas na água e bati numa pedra, quase me afoguei.
Andrew franze a testa e estica o braço, roçando os contornos da pequena cicatriz na minha anca. Um arrepio sobe pela minha espinha até a nuca, como se algo gelado estivesse correndo no meu sangue.
Ignoro isso também, o melhor que posso.
Deixo a camiseta cair no lugar e me encosto no banco.
— Bom, ainda bem que você não se afogou. - Seus olhos se enchem de ternura.
Sorrio para ele.
— É, ia ser péssimo.
— Com certeza.
15
ACORDO DEPOIS QUE ESCURECE, quando Andrew diminui a velocidade para passar por um pedágio. Não sei quanto tempo dormi, mas sinto que tive uma noite inteira de sono, apesar de estar encolhida no canto do banco do passageiro, com a cabeça encostada na porta. Eu deveria estar massageando alguns músculos entrevados, como fazia no ônibus, mas me sinto bem.
— Onde a gente tá? - pergunto, cobrindo um bocejo com a mão.
— No meio do nada, em Wellington, Kansas - Andrew responde. - Você dormiu bastante.
Termino de erguer o corpo e deixo meus olhos e o resto se acostumarem a estar acordados de novo. Andrew pega outra estrada.
— Acho que sim, melhor do que dormi no ônibus em toda a viagem da Carolina do Norte até o Wyoming.
Olho para o display azul do som do carro: 22h14. Uma canção soa nos alto-falantes. Me faz pensar em quando conheci Andrew no ônibus. Sorrio comigo mesma, notando que ele fez questão de deixar a música baixinha no carro enquanto eu dormia.
— E você? - pergunto, me virando para ver seu rosto parcialmente escondido pela escuridão. - Acho esquisito oferecer, porque o carro é do teu pai, mas posso dirigir, se precisar.
— Não, não precisa achar esquisito - ele diz. - É só um carro. É uma antiguidade preciosa e meu pai te enforcaria se soubesse que você pegou no volante dele, mas eu deixo você dirigir, com certeza. - Mesmo nas sombras, vejo o lado direito da boca dele formando um sorriso maldoso.
— Bom, agora não sei mais se eu quero.
— Meu pai tá morrendo, lembra? O que ele pode fazer?
— Isso não tem graça, Andrew.
Ele sabe que não. Tenho plena consciência do jogo que Andrew está jogando consigo mesmo, sempre procurando qualquer coisa que o ajude a lidar com o que está acontecendo, mas em vão. Só me pergunto por quanto tempo mais vai conseguir continuar assim. As piadinhas fora de hora vão acabar se esgotando, e ele não vai mais saber o que fazer.
— Vamos parar no próximo motel - ele diz, pegando outra estrada. - Aí eu vou dormir um pouco.
Então ele me olha de relance.
— Em quartos separados, claro.
Fico feliz por ele ter pensado nisso tão rápido. A gente até pode estar viajando constrangedoramente sozinhos pelos EUA, mas acho que não conseguiria dormir no mesmo quarto que ele.
— Ótimo - digo, esticando os braços à minha frente com os dedos cruzados. - Preciso tomar um banho e escovar os dentes por mais ou menos uma hora.
— Não vou discordar disso - ele brinca.
— Ei, teu hálito também não tá essa maravilha toda.
— Eu sei - Andrew admite, cobrindo a boca com a mão e expirando nela. - Parece até que comi aquela caçarola de merda que a minha tia faz todo ano no Dia de Ação de Graças.
Rio alto.
— Péssima escolha de palavras - digo. - Caçarola de merda? É de merda mesmo? - Sinto vontade de vomitar.
Andrew também ri.
— Olha, podia até ser. Amo a tia Deana de paixão, mas a mulher não foi abençoada com dotes culinários.
— Parece a minha mãe.
— Deve ser ruinzão - ele comenta, olhando para mim. - Ser criada na base do macarrão instantâneo e Hot Pockets.
Balanço a cabeça.
— Não, eu aprendi a cozinhar. Não como porcarias, lembra?
O rosto sorridente de Andrew é iluminado pela luz suave dos postes ao longo da rua.
— Ah, é - ele diz -, a srta. Bolinhos de Arroz não quer saber de hambúrgueres sangrentos, nem de fritas gordurosas.
Faço cara de nojo, rejeitando sua teoria dos bolinhos de arroz.
Minutos depois, entramos no estacionamento de um pequeno motel de dois andares; do tipo com quartos que dão para uma área aberta, e não para um corredor. Saímos e esticamos as pernas - Andrew alonga pernas, braços, pescoço, praticamente o corpo todo - e pegamos as malas no banco de trás. Ele deixa o violão.
— Tranca a porta - ele pede, apontando.
Entramos no saguão que cheira a sacos de aspirador de pó e café.
— Dois quartos de solteiro adjacentes, se tiver - Andrew diz, tirando a carteira do bolso de trás.
Ponho a bolsa na frente do corpo e pego minha carteira de zíper.
— Eu pago o meu quarto.
— Não, pode deixar.
— É sério, me deixa pagar.
— Já falei que não, tá? Guarda essa carteira.
Obedeço relutantemente.
A mulher de meia-idade com o cabelo grisalho preso num coque malfeito nos olha com expressão neutra. Ela volta a tamborilar no teclado para ver quais os quartos disponíveis.
— Fumantes ou não fumantes? - ela pergunta, olhando para Andrew.
Noto que os olhos dela descem pelos braços musculosos de Andrew enquanto ele pega o cartão de crédito.
— Não fumantes.
Tap, tap, tap. Clic, clic, clic. Mexe no teclado, mexe no mouse.
— Os únicos quartos de solteiro adjacentes que tenho são um de fumante e outro de não fumante.
— Podem ser esses - ele diz, entregando o cartão.
Ela o pega dos dedos dele, e o tempo todo observa cada movimento que a mão de Andrew faz até sumir de vista atrás do balcão.
Vadia.
Depois que pagamos e recebemos as chaves, saímos de novo e Andrew pega o violão no carro.
— Eu devia ter perguntado antes de a gente chegar aqui - ele comenta enquanto o sigo -, mas se você tá com fome, posso sair e trazer alguma coisa.
— Não, tô legal. Obrigada.
— Tem certeza? - Ele olha para mim.
— Tenho, tô sem fome nenhuma, mas se depois eu ficar, posso comprar alguma coisa na máquina.
Andrew enfia o cartão na fechadura da primeira porta e uma luz verde aparece. Ele abre a porta em seguida.
— Mas tudo o que tem naquele negócio é puro açúcar e gordura - diz, lembrando nossas conversas anteriores sobre comer porcarias.
Entramos no quarto de decoração monótona, com uma cama de solteiro encostada numa cabeceira de madeira presa à parede. A colcha é marrom, feia e me deixa apavorada. O quarto cheira a limpeza e parece decente, mas nunca dormi num motel sem antes tirar a colcha da cama. Não há como saber o que vive nela, ou quando foi lavada pela última vez.
Andrew inspira profundamente, sentindo o cheiro do quarto.
— Este é o de não fumantes - decide, olhando ao redor, como se o estivesse inspecionando. - Você fica com ele. - Ele apoia o violão na parede e entra no pequeno banheiro, acende a luz, testa o exaustor, depois vai para a janela do outro lado da cama e testa o ar-condicionado, afinal, estamos no meio de julho. Em seguida, vai até a cama, puxa cuidadosamente o edredom e examina os lençóis e travesseiros.
— O que você tá procurando?
Ele diz, sem me olhar:
— Quero ver se tá limpo; não quero você dormindo em cima de nenhuma nojeira.
Fico bem vermelha e me viro antes que ele perceba.
— Meio cedo pra dormir - ele diz, se afastando da cama e pegando o violão de novo.
— Mas a viagem me cansou bastante.
— Bom, tecnicamente, você não dorme desde que a gente desceu do ônibus em Cheyenne.
Deixo minha bolsa e a mala no pé da cama.
— Verdade - Andrew diz. - Isso significa que tô acordado há umas 18 horas. Caramba, eu nem tinha percebido.
— Culpa do cansaço.
Ele vai até a porta e põe a mão na maçaneta prateada, abrindo-a de novo. Fico ali, ao pé da cama. É um momento embaraçoso, mas não dura muito.
— Bom, a gente se vê de manhã - ele diz da entrada. - Tô aqui do lado, no 110; pode ligar, bater na porta ou na parede se precisar de mim. - No seu rosto há só gentileza e sinceridade.
Concordo com a cabeça, sorrindo em resposta.
— Então boa noite - ele se despede.
— Noite.
E Andrew sai, fechando devagar a porta atrás de si.
Depois de pensar nele distraidamente por um segundo, caio em mim e mexo dentro da minha mala. Vai ser meu primeiro banho em alguns longos dias. Estou babando só de pensar. Tiro da mala uma calcinha limpa, meu short branco de algodão favorito e uma camisetinha do time da universidade com listras rosa e azuis nas mangas. Depois acho minha escova de dentes, a pasta e o Listerine e entro no banheiro levando tudo. Fico nua, arrancando alegremente as roupas sujas e jogando-as numa pilha no chão. Me olho no espelho. Ai meu Deus, tô horrorosa! Minha maquiagem saiu quase toda; mal sobrou um pouco de rímel. Mais fios de cabelo louro se soltaram da trança e estão embolados num ninho de rato do lado da minha cabeça.
Não acredito que eu estava viajando com Andrew nesse estado.
Puxo o elástico da trança para soltar o resto do cabelo e passo os dedos através dele, desembaraçando-o. Escovo os dentes primeiro e fico com a boca cheia de Listerine de menta até bem depois de parar de arder.
O chuveiro parece o paraíso. Fico debaixo do jato por uma eternidade, deixando a água quase pelando bater no meu corpo até que eu não aguente mais, e o calor começa a me fazer adormecer de pé mesmo. Lavo tudo. Duas vezes. Só porque posso e porque já faz um tempão. Por fim, me depilo, feliz em me livrar dos pelos nojentos que estavam começando a crescer nas minhas pernas. E, finalmente, fecho as torneiras que rangem e pego a toalha branca do motel, dobrada obsessivamente sobre o suporte atrás da privada.
Ouço o chuveiro funcionando no quarto ao lado e me surpreendo prestando atenção no barulho. Imagino Andrew lá, só tomando banho, nada sexual nem pervertido, embora pensar em algo assim não seria nada difícil. Penso só nele de maneira geral, no que estamos fazendo e por quê. Penso no seu pai e meu coração dói de novo só de lembrar o quanto Andrew está sofrendo, e como me sinto impotente na hora de ajudá-lo. Finalmente, me obrigo a pensar de novo em mim, na minha vida e nos meus problemas, que na verdade perdem de longe para os de Andrew.
Espero que eu nunca seja obrigada a lhe contar sobre minhas dificuldades e todas as coisas que me levaram a fazer aquela viagem de ônibus, porque vou me sentir tão ridícula e egoísta. Meus problemas não são nada, comparados com os dele.
Deito na cama com o cabelo molhado, penteando com os dedos. Ligo a TV - não estou nada cansada, já que dormi a maior parte do caminho desde Denver - e vou mudando de canal, finalmente deixando num filme qualquer com Jet Li. Mas é mais para servir de ruído de fundo do que para qualquer outra coisa.
Mamãe ligou quatro vezes e deixou quatro recados.
Ainda nada de Natalie.
— Como vão as coisas na Virgínia? - Minha mãe diz no meu ouvido. - Espero que esteja se divertindo muito.
— Tô, tá tudo ótimo. Como você tá?
Ela ri do outro lado da linha e aquilo instintivamente me causa repulsa. Tem um homem com ela. Que nojo, espero que ela não esteja falando comigo na cama, pelada, com um cara lambendo o seu pescoço.
— Estou bem, querida - ela responde. - Continuo saindo com Roger, vamos fazer aquele cruzeiro no fim de semana que vem.
— Que bom, mãe.
Ela dá outra risadinha.
Eu torço o nariz.
— Bom, querida, preciso desligar (Para, Roger). - Ela ri de novo. Desse jeito vou vomitar. - Só queria saber como você estava. Por favor, me ligue amanhã a qualquer hora, e me mantenha informada, certo?
— Tá, mãe, eu ligo. Te amo.
Desligamos e eu deixo o celular cair na cama na minha frente. Depois me jogo nos travesseiros, imediatamente pensando em Andrew no quarto ao lado. Ele pode estar com a cabeça encostada nesta mesma parede. Mexo nos canais da TV mais um pouco até passar por todos pelo menos umas cinco vezes, e aí desisto.
Me afundo mais e olho para o quarto.
O som de Andrew tocando violão me deixa alerta, e me levanto devagar dos travesseiros para ouvir melhor. É uma melodia suave, uma coisa entre vaga e lamentosa. E então, quando vem o refrão, o ritmo acelera só um pouco, mas volta a ser um lamento no compasso seguinte. É absolutamente linda.
Ouço-o tocar pelos 15 minutos seguintes, e depois vem o silêncio. Desliguei a TV quando o ouvi, e agora o único som é o do pinga-pinga da pia do banheiro e ocasionalmente algum carro no estacionamento do motel.
Pego no sono e o sonho volta:
Naquela manhã, não recebi a costumeira sequência de mensagens de texto de Ian antes de levantar. Tentei ligar para o celular dele, mas só tocou e tocou e a caixa postal não atendeu. E Ian não estava na escola quando cheguei.
Todos estavam me encarando enquanto eu andava pelos corredores. Alguns não conseguiam me olhar nos olhos. Jennifer Parsons caiu no choro quando passei por ela perto dos armários, e outro grupo de garotas, líderes de torcida, empinaram o nariz e me olharam como se eu tivesse alguma doença contagiosa. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas parecia ter entrado num universo alternativo esquisito. Ninguém me dirigia a palavra, mas era bem óbvio que todos naquela escola sabiam de algo que eu não sabia. E era algo ruim. Nunca tive nenhum inimigo, a não ser algumas líderes de torcida que de vez em quando sentiam inveja de mim porque Ian me amava e não dava bola para elas. Fazer o quê? Ian Walsh era mais gato que o astro do time de futebol, e ninguém se importava, nem mesmo Emily Derting, a garota mais rica do Colégio Millbrook, com o fato de ele não ter muita grana e ainda ir para a escola de carona com os pais.
Ela o queria mesmo assim.
Todas queriam.
Fui até meu armário, esperando ver Natalie logo, pois talvez ela pudesse me contar o que estava acontecendo. Fiquei perto do meu armário mais tempo do que de costume, esperando algum sinal dela. Foi Damon que me encontrou e me contou o que havia acontecido. Ele me levou para um canto, ao lado do átrio onde ficavam os bebedouros. Meu coração martelava dentro do peito. Eu sabia que algo estava errado desde que acordei, antes mesmo de me dar conta de que não tinha recebido nenhuma mensagem de texto de Ian. Eu me sentia... deslocada. Era como se eu já soubesse...
— Camryn - Damon começou, e entendi na hora a gravidade do que ele ia me contar, porque ele e Natalie só me chamam de "Cam". - Ian sofreu um acidente de carro ontem à noite...
Senti meu fôlego faltar e levei as duas mãos à boca. Lágrimas estavam ardendo na minha garganta e correndo dos meus olhos.
— Ele morreu hoje de manhã no hospital. - Damon estava se esforçando tanto para me contar, mas a dor no seu rosto era inconfundível.
Fiquei olhando para Damon pelo que pareceu uma eternidade antes de não conseguir mais ficar de pé sozinha e desabar nos braços dele.
Chorei e chorei até passar mal, e finalmente Natalie nos encontrou e os dois me levaram para a enfermaria.
Acordo do pesadelo suando, meu coração batendo feito louco. Jogo o lençol para longe e me sento no meio da cama com os joelhos dobrados, passando as mãos na cabeça e soltando um longo suspiro. Eu tinha parado de ter esse sonho há muito tempo. Aliás, é o último sonho de que me lembro. Por que ele voltou?
Batidas fortes na porta do meu quarto me fazem acordar sobressaltada.
— LEVANTE E SORRIA, FLOR DO DIA! - Andrew diz harmoniosamente do outro lado.
Nem lembro quando peguei no sono de novo depois do sonho. O sol está brilhando por uma fresta das cortinas, banhando o carpete marrom logo abaixo da janela. Eu me levanto da cama e jogo o cabelo despenteado para trás, tirando-o do rosto, e vou abrir a porta antes que Andrew acorde o motel inteiro.
Ele arregala os olhos quando abro a porta.
— Porra, garota - exclama, me olhando de alto a baixo -, o que você tá tentando fazer comigo?
Olho para mim mesma, ainda tentando terminar de acordar, e me dou conta de que estou usando só o microsshortinho branco de algodão e a camiseta do time da escola sem sutiã. Meu Deus, meus mamilos parecem dois faróis acesos por baixo da camiseta! Cruzo os braços no peito e tento não olhar nos olhos de Andrew quando ele entra no quarto.
— Eu ia falar pra você se vestir - ele continua, sorrindo de orelha a orelha e carregando suas mochilas e o violão -, mas, tipo, pode ir assim mesmo, se quiser.
Balanço a cabeça, escondendo o sorriso que está se abrindo no meu rosto.
Ele se joga na poltrona perto da janela e deixa suas coisas no chão. Está usando bermuda cargo marrom, camiseta cinza-escuro e aqueles tênis baixos de corrida com meias sem cano, ou sem meia nenhuma. Olho para a tatuagem no seu tornozelo; parece algum tipo de desenho celta redondo, bem em cima do osso. E ele tem mesmo pernas de corredor; suas panturrilhas têm músculos grossos e rijos.
— Peraí que eu vou me aprontar - digo, indo até minha mala, que está sobre o gaveteiro longo onde fica a TV, no outro canto.
— Quanto tempo vai levar? - ele pergunta, e detecto um tom inquisidor em sua voz.
Lembrando o que ele disse na casa do pai, penso antes de responder e pondero minhas opções: demoro meus costumeiros trinta minutos ou entrego os pontos e visto qualquer coisa?
Ele me ajuda com o dilema:
— Você tem dois minutos.
— Dois minutos? - protesto.
Andrew balança a cabeça, sorrindo.
— Você ouviu. Dois minutos. - Ele ergue e mexe dois dedos. - Topou fazer tudo que eu mandar, lembra?
— É, mas achei que ia ser alguma doideira, tipo mostrar a bunda pra alguém na estrada ou comer baratas.
Ele ergue uma sobrancelha e encolhe o queixo, como se eu tivesse acabado de jogar duas ideias no seu colo.
— Na hora certa, você vai mostrar a bunda pra alguém na estrada e comer uma barata, a gente faz isso depois.
O que foi que eu fiz, cacete?
Jogo a cabeça para trás, contrariada e mortificada, e ponho as mãos na cintura.
— Hã, de jeito nenhum... - Noto que seu sorriso está mais para "adolescente malandro" agora e, olhando para baixo, percebo que meus braços não estão mais cobrindo meus mamilos, que erguem orgulhosamente o tecido fino da minha camiseta. Eu bufo e fico de boca aberta. - Andrew!
Ele baixa a cabeça fingindo vergonha, mas só fica parecendo mais safado, me olhando cabisbaixo assim.
Ele é tão gostoso, porra...
— Ei, é você que prefere ficar reclamando das minhas regras básicas em vez de proteger tuas crianças... Já vou avisando, meus olhos têm vontade própria.
— Ah, tá. Aposto que não são a única parte do teu corpo que tem vontade própria. - Dou um sorrisinho e pego minha mala, ando descalça até o banheiro e fecho a porta.
Estou sorrindo como uma daquelas fotos bregas de book dos anos 80 quando me olho no espelho.
Tá, dois minutos. Literalmente mergulho no sutiã e no jeans apertado, dando pulinhos para fazê-lo deslizar sobre a minha bunda. Zíper. Botão. Escovar bem os dentes. Um gole rápido de Listerine. Bochecha. Gargareja. Cospe. Pentear o cabelo embolado e jogá-lo numa trança desarrumada sobre o ombro direito. Um pouco de base e uma camadinha de pó. Rímel preto, porque o rímel é a peça mais importante do arsenal de maquiagem. Batonzi...
BAM! BAM! BAM!
— Teus dois minutos acabaram!
Passo o batom assim mesmo e tiro o excesso com um pedaço de papel higiênico.
Posso sentir que ele está sorrindo do outro lado da porta do banheiro, e quando a abro, um segundo depois, vejo que acertei. Ele está com os dois braços erguidos, apoiados no batente. Seu tanquinho rijo está parcialmente à mostra com a camiseta assim, bem levantada. Uma trilha de pelos começa logo abaixo do seu umbigo e desce até a cintura da bermuda.
— Viu só? Olha pra você! - Ele assobia, bloqueando a passagem, mas com certeza não é para mim que estou olhando. - O simples é sexy.
Abro caminho empurrando-o, encontrando a oportunidade perfeita para pôr as mãos no seu peito, e ele me deixa passar.
— Não sabia que eu tava tentando ficar sexy pra você - digo de costas, jogando minhas roupas de dormir na mala.
— Uau, olha isso - ele continua -, simples, sexy e desorganizada. Tô orgulhoso!
Nem tinha percebido. Enfiei as roupas na mala sem nem pensar em tentar arrumá-las.
Não sou um "caso clínico" de TOC; sou só uma dessas pessoas que usam o termo por causa de alguns hábitos metódicos. Mas dobrar minhas roupas e tentar ser organizada é algo que faço desde que tinha 11 anos.
ANDREW
16
ISSO QUE EU chamo de frustração sexual matutina. Tudo bem, vou ter que pegar leve, senão ela vai começar a achar que eu estou aqui de bobeira para tentar me dar bem. Se fosse em outra época, com outra garota qualquer, eu já estaria levantando da cama para jogar a camisinha na privada, mas com Camryn é diferente. É duro (com trocadilho), mas vou ter que tentar parar de paquerá-la. Esta é uma viagem importante para nós dois. Só tenho uma chance de fazer isso certo, e não quero fazer merda nem fodendo.
— Então, o que vem a seguir na nossa viagem espontânea? - ela pergunta.
— Primeiro o café da manhã - explico, pegando minhas mochilas do chão -, mas acho que não seria espontânea se eu tivesse um plano.
Ela pega o celular da mesa ao lado da cama, verifica se tem novas mensagens de texto e ligações e depois o joga na bolsa.
Saímos.
Eis que surge a Camryn teimosa e reclamona:
— Por favor, Andrew; não consigo comer nesses lugares - ela diz do banco do passageiro.
A cidade é pequena, e quase todos os restaurantes são de fast-food ou ainda estão fechados.
— Tô falando sério - ela insiste, fazendo um bico tão bonitinho que quero segurar seu rosto com as duas mãos e lambê-lo, só para ela gritar e fingir que é a coisa mais nojenta do mundo. - A menos que você queira uma companheira de viagem irritante, com uma hora de enjoo, dor de estômago e gemidos, não me faça comer esses troços, especialmente de manhã tão cedo.
Jogo a cabeça para trás e aperto os lábios, olhando para ela.
— Você tá exagerando, vai.
Começo a achar que ela não está.
Camryn balança a cabeça, apoia o cotovelo na porta do carro e o polegar nos dentes da frente.
— Não, é sério; toda vez que como fast-food, eu passo mal. Não tô tentando dificultar tua vida, pode acreditar; é um problema sempre que vou pra qualquer lugar com a minha mãe ou com a Natalie. Elas precisam ficar dando voltas pra achar um lugar pra comer que não vai me deixar na pior.
Bom, então ela está dizendo a verdade.
— Tudo bem, com certeza não quero que você passe mal - rio baixinho -, então vamos rodar um pouco mais e procurar outra coisa no caminho. Vão ter mais lugares abertos daqui a umas horas.
— Obrigada. - Ela sorri com doçura.
Disponha sempre...
Duas horas e meia depois, estamos em Owasso, Oklahoma.
Camryn olha para o grande logotipo amarelo e preto da Waffle House, tão conhecido por todos os americanos, e acho que ela está decidindo se quer comer ali ou não.
— Na verdade, só tem um lugar bom mesmo pra tomar café da manhã - explico, parando numa vaga -, especialmente no Sul. Tem uma Waffle House em cada esquina por aqui, que nem a Starbucks lá no Norte.
Ela faz que sim.
— Acho que eu consigo encarar... Tem salada lá?
— Olha só, eu concordei em não te obrigar a comer uma porcaria gordurosa - inclino a cabeça para o lado e viro o corpo no assento -, mas salada já é demais.
Ela faz um bico, morde a bochecha por dentro e finalmente diz, balançando a cabeça:
— Tá, não vou comer salada, mas saiba que uma salada pode ter frango e um monte de coisas gostosas, que alguém como você provavelmente nem considerou.
— Não. Portanto, desista - afirmo resolutamente, e depois jogo a cabeça para trás, devagar. - Vamos lá, já esperei demais pra comer. Tô morrendo de fome. E fico mal- humorado quando tô com fome.
— Você já é mal-humorado - ela resmunga.
Eu a seguro pelo braço e a puxo para perto de mim. Ela tenta esconder o rosto, que está ficando vermelho.
Adoro o cheiro da Waffle House; é o cheiro da liberdade, de estar na estrada e saber que 90% das pessoas comendo ao seu redor também estão. Motoristas de caminhão, mochileiros, bebuns - aqueles que não levam a vida monótona e escravizada da sociedade.
O restaurante está quase cheio. Camryn e eu conseguimos uma mesa perto do grill e o mais longe possível das altas vidraças. Há uma jukebox obrigatória - um símbolo da cultura das Waffle Houses - perto de uma daquelas janelas.
A garçonete nos recebe com um sorriso, um bloco de anotações numa mão e uma caneta pronta para escrever, com a ponta apoiada no papel.
— Posso trazer café pra vocês?
Olho para Camryn, que já está correndo os olhos pelo cardápio sobre a mesa.
— Vou tomar um chá doce - ela diz.
A garçonete anota e olha de novo para mim.
— Café.
Ela balança a cabeça e vai preparar nossas bebidas.
— Parece que tem umas coisas boas aqui - Camryn comenta, olhando o cardápio com uma bochecha apoiada na mão fechada. Seu dedo indicador corre pelo plástico e para na pequena seção das saladas. - Viu? Olha só - ela olha para mim -, tem salada de frango grelhado e salada de frango com maçã e noz-pecã.
Não resisto a esse olhar esperançoso dela.
Eu entrego os pontos. Totalmente.
— Pode pedir o que quiser - autorizo, com uma expressão de ternura. - Sério, não vou reclamar.
Camryn pisca duas vezes, um pouco atordoada por eu ter cedido tão facilmente, e então seus olhos parecem sorrir para mim. Ela fecha o cardápio e o coloca no suporte sobre a mesa enquanto a garçonete volta com nossas bebidas.
— Vão pedir agora? - ela pergunta, depois de deixar as bebidas na nossa frente. A ponta de sua caneta, como se nunca saísse do lugar, ainda está encostada no bloco, pronta para ser usada.
— Vou querer a omelete fiesta - Camryn diz, e vejo um sorrisinho em seu rosto quando ela me olha.
— Com torradas ou pão? - a garçonete pergunta.
— Pão.
— Com creme de milho, batata ou tomate?
— Batata.
A garçonete termina de anotar o pedido de Camryn e se vira para mim.
Penso por um segundo e então digo:
— Vou querer a salada de frango com maçã e noz-pecã.
O sorriso de Camryn desaparece imediatamente e seu rosto fica imóvel. Pisco para ela e guardo o cardápio no mesmo suporte.
— Tá vivendo perigosamente, hein? - a garçonete brinca.
Ela arranca a primeira folha do bloquinho.
— Só por hoje - respondo, e ela balança a cabeça e vai embora.
— Que porra...? - Camryn diz, estendendo as mãos com as palmas para cima. Ela não consegue decidir se deve sorrir ou me olhar, sem graça, então acaba fazendo um pouco dos dois.
— Acho que se você tá disposta a comer uma coisa só por minha causa, posso fazer o mesmo por você.
— Ah, é? Mas acho que essa salada não vai ser suficiente pra você.
— E eu acho que você tá certa - concordo -, mas o que é justo é justo.
Ela faz uma cara levemente incrédula e se recosta no banco.
— Não vai ser tão justo se eu tiver que ficar ouvindo você reclamar que tá com fome quando a gente voltar pra estrada. Você mesmo disse que a fome te deixa de mau humor.
Não consigo realmente ficar de mau humor com Camryn, mas ela tem razão: a salada não vai bastar para mim. E alface me dá gases - com certeza ela vai odiar viajar comigo se eu comer essa porra. Mas eu consigo. Só espero conseguir comer tudo sem me entregar, deixando escapar alguma das mil reclamações que já estão na ponta da minha língua.
Isso vai ser interessante.
Alguns minutos depois, a garçonete traz a comida de Camryn e põe meu prato de blasfêmia diante de mim. Ela reabastece nossas bebidas, pergunta se precisamos de mais alguma coisa e volta a atender os outros clientes.
Camryn já está me examinando.
Ela olha para o seu prato, põe o pão do lado oposto das batatas e gira o prato, segurando a borda, para deixar a omelete ao seu alcance. Eu pego o garfo e mexo um pouco na salada, fingindo, como Camryn, que a estou preparando.
Nós nos entreolhamos e ficamos em silêncio, cada um esperando que o outro diga alguma coisa. Ela franze os lábios. Eu também.
— Quer trocar? - ela pergunta.
— Quero - aceito sem hesitação, e deslizamos os pratos sobre a mesa um para o outro.
O alívio se espalha nos nossos rostos.
Não é o prato que eu pediria, mas é melhor que alface.
Na metade da refeição - bem, na metade para ela; eu já terminei a minha - peço uma fatia de torta de chocolate e mais café. E ficamos falando da ex-melhor amiga dela, Natalie, e de como essa Natalie é uma bissexual espalhafatosa com peitões. Ao menos é isso que estou entendendo, pela descrição que Camryn faz dela.
— E o que aconteceu depois do incidente no banheiro? - pergunto, mordendo minha torta.
— Nunca mais entrei num banheiro público com ela depois disso - Camryn conclui. - Aquela garota não tem vergonha na cara.
— Ela parece divertida - comento.
Camryn parece pensativa.
— Ela era.
Eu a estudo discretamente. Está perdida em alguma lembrança, cutucando o último pedaço de frango de sua salada com o garfo. Meu garfo tilinta contra o prato quando tomo uma decisão e o solto. Limpo a boca com o guardanapo e me levanto.
— Aonde você vai? - Ela olha para mim.
Apenas sorrio e vou até a jukebox perto da janela. Enfio uma moeda e corro os olhos pelos títulos, finalmente escolhendo uma canção e apertando os botões. Raisins In My Toast, um dos clássicos presentes em todas as jukeboxes de todas as Waffle Houses, começa a tocar enquanto estou voltando.
As três garçonetes e o cozinheiro me fuzilam com olhares implacáveis. Eu simplesmente sorrio.
O corpo todo de Camryn está travado no lugar. Suas costas estão rígidas, o branco dos seus olhos brilha para mim, e quando começo a mexer a boca formando a letra da canção estilo anos 50, ela afunda muito no assento, com o rosto vermelho como nunca vi.
Volto para o meu lugar, mexendo os quadris enquanto me sento.
— Ai meu Deus, Andrew, por favor, não canta isso também!
Estou me esforçando ao máximo para não rir, mas canto a letra da música com um sorriso gigante grudado na cara. Camryn cobre o rosto com as mãos, e seus ombrinhos, cobertos pela fina blusa branca, sobem e descem enquanto ela reprime as gargalhadas. Estalo os dedos no ritmo da música como se eu estivesse usando brilhantina, e quando começa a voz aguda, eu a imito, com a cara toda contorcida por uma emoção exagerada. E canto as notas mais graves também, apoiando o queixo no peito com a expressão bem séria. Não paro de estalar os dedos. Quanto mais a canção avança, com mais emoção eu canto. No meio dela, Camryn não consegue mais se segurar. Ri tanto sem abrir a boca que seus olhos ficam cheios d'água.
Ela já afundou tanto no assento, a essa altura, que seu queixo está quase encostando na mesa.
Quando a canção termina - para alívio dos funcionários - recebo as palmas solitárias da senhora sentada à mesa atrás de Camryn. Ninguém mais liga, mas, pela expressão de Camryn, é como se todos no restaurante estivessem olhando e rindo de nós. Hilariante. E ela fica tão lindinha quando está constrangida.
Apoio os cotovelos na mesa e estendo os braços por cima do tampo, juntando as mãos.
— Ah, até que não foi tão ruim, foi? - provoco com um sorrisinho.
Camryn passa a ponta do dedo sob os dois olhos para limpar o borrão preto que ela sabe instintivamente que se formou. Mais algumas risadas ainda agitam seu peito antes que se acalme.
— Você também não tem vergonha na cara - ela diz, rindo mais uma vez.
— Foi constrangedor, mas acho que eu tava precisando disso. - Camryn tira os sapatos e põe os pés sobre o banco da frente do carro.
Estamos na estrada de novo, seguindo apenas a orientação do dedo de Camryn. Seguimos para o leste na 44; pelo jeito, vamos atravessar a parte de baixo do Missouri.
— Fico feliz em poder ajudar.
Estico o braço e ligo o som.
— Ah, não - ela provoca. - Pra que momento distante dos anos 70 será que vamos voltar desta vez?
Inclino a cabeça e sorrio para ela.
— Esta música é legal - defendo, aumentando um pouco o volume e tamborilando com os polegares no volante.
— É, já conheço - ela admite, apoiando a cabeça no encosto. - Wayward Son.
— Quase isso - digo -, Carry On Wayward Son.
— Se tava quase certo, não precisava me corrigir. - Ela finge estar ofendida, mas não convence muito.
— E de que banda é? - pergunto para testá-la.
Ela faz uma careta para mim.
— Não sei!
— Kansas - eu conto, com uma sobrancelha intelectualmente levantada. - Uma das minhas favoritas.
— Você diz isso de todas. - Ela franze os lábios e pisca algumas vezes.
— Pode ser - confesso -, mas, na real, as músicas do Kansas têm muita emoção. Dust in the Wind, por exemplo; não consigo pensar numa música mais adequada pra morte. Porque de algum jeito, ela me faz parar de ter medo de morrer.
— Parar de ter medo de morrer? - Cam exclama, incrédula.
— É, acho que sim. É como se Steve Walsh fosse o Ceifador, e estivesse te dizendo que não há o que temer. Cacete, se eu pudesse escolher uma música pra ouvir na hora da morte, essa seria a primeira da playlist.
Camryn parece desanimada.
— Isso é um pouco mórbido demais pra mim.
— Se você encarar desse jeito, acho que é.
Ela está virada para mim, agora, com as duas pernas sobre o assento, os joelhos dobrados, e o ombro e a cabeça encostados no banco. Com aquela trança dourada que a faz parecer tão mais suave sempre jogada sobre o ombro direito.
— Hotel California - diz. - Eagles.
Olho para ela. Estou impressionado.
— Esse é um clássico que eu gosto.
Isso me faz sorrir.
— É mesmo? Essa canção é ótima; de arrepiar... Me faz meio que sentir que tô num daqueles velhos filmes de terror em preto e branco. Boa escolha.
Estou muito impressionado, na verdade.
Tamborilo com os polegares mais um pouco no volante acompanhando Carry On Wayward Son, e então ouço um pou! alto e um flap-flap-flap-flop-flap-flop constante, até que eu desvio lentamente para o lado e paro no acostamento.
Camryn já apoiou novamente os pés descalços no assoalho do carro e está olhando em volta, tentando descobrir de onde veio o barulho.
— O pneu furou? - ela pergunta, mas é mais como se dissesse: "Que legal, o pneu furou!"
— Furou - respondo, pondo o câmbio em park e desligando o motor. - Ainda bem que tem um estepe no porta-malas.
— É um daqueles minipneus feios?
Eu rio.
— Não, tenho um pneu em tamanho natural lá dentro, com roda e tudo, e te garanto que vai ficar igualzinho aos outros três.
Ela parece um pouco aliviada, até que percebe que estou gozando com a sua cara, e então mostra a língua e fica vesga para mim. Não sei por que isso me dá vontade de transar com ela no banco de trás, mas cada louco com suas manias, acho.
Ponho a mão na maçaneta e ela volta a dobrar as pernas sobre o banco.
— Por que você tá ficando toda confortável aí?
Ela pisca.
— Como assim?
— Calça os sapatos - digo, acenando para eles no assoalho do carro -, levanta essa bunda daí e vem me ajudar.
Ela arregala os olhos e fica parada, como que esperando que eu ria e diga que estou só brincando.
— Eu-eu não sei trocar pneu - ela diz, ao perceber que não é brincadeira.
— Você sabe trocar pneu - corrijo, e isso a deixa ainda mais atordoada. - Já viu como se faz milhares de vezes ao vivo e nos filmes; pode acreditar, você sabe; todo mundo sabe.
— Nunca troquei um pneu na minha vida. - Ela só falta fazer beicinho.
— Bom, hoje você vai trocar - digo sorrindo, abrindo minha porta só alguns centímetros para que uma carreta que se aproxima não a arranque.
Depois de mais alguns segundos de incredulidade, Camryn enfia os pés nos tênis e fecha a porta do carro atrás de si.
— Vem cá. - Faço um gesto para ela, que me acompanha até a traseira do carro. Aponto para o pneu furado, o traseiro direito. - Se fosse um dos pneus do lado da estrada, você ia se livrar dessa.
— Vai mesmo me fazer trocar um pneu?
Achei que já tivéssemos resolvido isso.
— Sim, gata, vou mesmo fazer você trocar um pneu.
— Mas no carro você disse que eu ia ajudar, não fazer todo o trabalho.
Balanço a cabeça.
— Bom, tecnicamente, você vai me ajudar, mas... vem cá de uma vez.
Ela dá a volta no porta-malas, eu tiro o estepe de dentro e apoio no asfalto.
— Agora pega o macaco e a chave de roda no porta-malas e traz aqui.
Camryn faz o que eu mando, resmungando baixinho alguma coisa sobre sujar as mãos com a "nhaca preta". Controlo minha intensa vontade de rir dela enquanto rolo o pneu para perto do furado e o deito ao lado. Mais uma carreta passa velozmente; o vento balança um pouco o carro.
— Isto é perigoso - ela reclama, largando o macaco e a chave de roda aos meus pés.
— E se um carro sair da estrada e atropelar a gente? Você não vê os Vídeos Incríveis?
Puta merda! Ela também assiste?
— Na verdade, vejo, sim - digo -, agora vem cá e vamos fazer isso logo. Se for você que estiver agachada, escondida do trânsito pelo carro, vai ser menos provável que alguém atropele a gente.
— Por que menos provável? - Ela franze as sobrancelhas.
— Bom, se você estivesse de pé, toda sexy e tal, acho que eu também ia ficar olhando pra você e sair da estrada.
Camryn revira os olhos exageradamente e se curva para pegar a chave de roda.
— Ui! - ela grunhe, tentando afrouxar as porcas. - Tá apertado demais, cacete!
Afrouxo para ela, mas deixo que termine de desatarraxar as porcas, mantendo os olhos no trânsito sem deixar transparecer que estou ficando nervoso. Se eu estiver vigiando, fica mais fácil agarrá-la e sairmos do caminho do que se fosse ela de olho nos carros.
A seguir vem o macaco; eu a ajudo, mostrando como girar para abri-lo e qual o melhor lugar para fixá-lo, mas até que isso ela já parecia saber sem minha ajuda. A princípio ela se atrapalha com a manivela, mas pega o jeito rapidamente e levanta um pouco o carro. Dou uma manjada na bunda dela porque eu seria um idiota, ou gay, se não fizesse isso.
E então, do nada, sem nem sombra de um relâmpago para avisar, começa a chover como se alguém tivesse aberto uma torneira no céu.
Camryn grita que está ficando encharcada e isso a distrai do pneu completamente. Ela se levanta num salto e começa a correr para a porta do carro, mas para quando se dá conta de que não deve entrar no carro levantado pelo macaco.
— Andrew! - Ela está completamente encharcada, com as mãos na cabeça, como se isso realmente fosse ajudá-la a se proteger da chuva.
Eu estou rolando de rir.
— Andrew!
Ela está ridiculamente furiosa.
Eu a seguro pelos ombros e digo, com a chuva batendo no meu rosto:
— Eu termino de trocar o pneu. - É difícil ficar sério. E eu não fico.
Em poucos minutos, o estepe está aparafusado e eu jogo o pneu furado, junto com o macaco e a chave de roda, no porta-malas.
— Peraí! - digo, quando Camryn faz menção de entrar no carro, agora que é seguro.
Ela para. Está tremendo na chuva, seu corpo todo encharcado. Bato a tampa do porta-malas e me aproximo dela, sentindo meus pés chafurdando na água dentro dos tênis porque não estou usando meias, e sorrio para ela, esperando que ela sorria também.
— É só chuva.
Ela cede um pouquinho, sem dúvida buscando mais brincadeiras de encorajamento da minha parte.
— Vem cá. - Estendo a mão e ela a segura.
— Que é? - pergunta timidamente.
Sua trança está pesada com a água; os poucos fios macios sempre ao redor do seu rosto estão grudados na testa e de um lado do pescoço. Eu a levo para o porta-malas e subo nele. Ela fica ali, com a chuva escorrendo continuamente pelo seu corpo. Estendo a mão de novo, e com hesitação Camryn a toma e eu a puxo para cima da traseira do carro. Ela sobe no teto comigo, o tempo todo me olhando como se eu fosse um louco irresistível.
— Deita - digo por cima do barulho alto da chuva torrencial, deitando de costas no teto, com os pés em cima do para-brisa.
Sem questionar ou protestar - embora ambas as coisas estejam meio que escritas no seu semblante - ela se deita ao meu lado.
— Isto é loucura! - grita. - Você é louco.
Ela deve gostar de loucos, porque começo a sentir que quer estar ali em cima comigo.
Descartando aquele meu plano inicial, que diz que preciso me controlar quando estou perto dela, estendo meu braço esquerdo, e ela instintivamente deita a cabeça nele.
Engulo em seco. Não esperava mesmo isso. Mas fico feliz que ela tenha feito.
— Agora abre os olhos e olha pra cima - falo, eu mesmo já olhando para o céu.
Um caminhão menor passa rapidamente, seguido por alguns carros, mas nós nem notamos. Mais uma carreta passa e o vento balança um pouco o carro, mas também não damos importância a isso.
De início, ela faz caretas quando a chuva entra em seus olhos, mas obedece, de vez em quando piscando e tentando esconder o rosto no meu peito para protegê-lo da chuva, o tempo todo rindo baixinho. Ela se obriga a olhar diretamente para cima, mas desta vez fecha os olhos e deixa a boca entreaberta. Olho para seus lábios, para a chuva que escorre em fios sobre eles, para seus sorrisos e sobressaltos quando os pingos entram na sua garganta. Para seus ombros que se erguem quando ela tenta esconder o rosto, sorrindo e gargalhando, ensopada.
Olho tanto para ela que esqueço completamente que está chovendo.
CAMRYN
17
QUANDO EU CONSEGUIA manter os olhos abertos por tempo suficiente, olhava para a chuva martelando meu rosto. Nunca tinha visto a chuva daquele jeito, olhando direto para o céu, e mesmo me encolhendo mais do que realmente olhando, quando eu conseguia, era absolutamente lindo. Como se cada pingo se precipitando na minha direção fosse separado dos milhares de outros e, por um momento suspenso no tempo, eu pudesse vislumbrar todas as suas delicadas facetas. Eu via as nuvens cinzentas se movendo acima de mim e sentia o carro balançar quando o vento dos veículos o atingia. Eu tremia, embora estivesse quente o bastante para nadar. Mas nada do que eu via, sentia ou ouvia era mais quente e fascinante do que a proximidade de Andrew.
Grito e rio quando voltamos para dentro do carro, minutos depois.
Bato a porta, e ele bate a dele em seguida.
— Tô congelando! - Rio e tremo, apertando os braços erguidos entre os seios, cruzando os dedos com força e apoiando o queixo neles.
Andrew, com um sorriso tão largo que cobre todo o seu rosto, estremece e liga a calefação.
Instintivamente, tento esquecer que fiquei deitada sobre o braço dele, ou que ele o estendeu para que eu deitasse. Acho que ele também tenta esquecer, ou ao menos não deixar isso óbvio.
Ele esfrega as mãos, tentando se aquecer com o calor que sai dos respiros de ventilação. Meus dentes estão batendo.
— Usar roupa molhada é um saco - digo, com o queixo tremendo.
— É, tô contigo nisso - ele diz, puxando o cinto de segurança e afivelando-o.
Faço o mesmo, embora, como sempre, depois de ficar no carro por muito tempo, vou acabar me desvencilhando dele para encontrar alguma outra posição confortável.
— Meus dedos dos pés estão enlameados - ele comenta, olhando para os tênis.
Meu rosto todo desmorona. Ele ri e depois tira os tênis, jogando-os no assoalho do banco de trás.
Decido fazer o mesmo porque, mesmo eu não querendo admitir, meus pés também estão enlameados.
— A gente precisa encontrar um lugar pra trocar de roupa - declaro.
Andrew põe o câmbio em drive e olha para mim.
— Tem o banco de trás - diz, sorrindo. - Não vou espiar, juro. - Ele levanta as mãos para enfatizar isso e depois segura o volante de novo, voltando para a estrada quando aparece uma brecha no trânsito.
Rio com desdém.
— Não, acho que vou esperar até a gente encontrar um lugar.
— Como quiser.
Eu sei que ele iria olhar, com certeza. E, bem, isso nem iria me incomodar muito...
Os limpadores do para-brisa deslizam de um lado para o outro na velocidade máxima, e está chovendo tanto que mesmo assim é difícil enxergar a estrada adiante. Andrew deixa a calefação ligada até que o carro começa a parecer uma sauna, e antes de desligá-la, verifica se já estou aquecida.
— Então, Hotel California, é? - pergunta, sorrindo para mim com covinhas bem fundas. Ele aperta o botão de seleção de CDs até encontrar a canção. - Vamos ver o quanto você sabe.
Sua mão volta para o volante.
A canção começa como sempre lembrei, com aquela guitarra lamuriosa, lenta e perturbadora. Olhamos um para o outro, deixando a música se mover entre nós dois e nos atravessar, esperando a letra começar. Então, ao mesmo tempo, levantamos as mãos como que marcando no ar um, dois, três no ritmo e começamos a cantar com Don Henley.
Cantamos com afinco, verso após verso, e às vezes revezamos, ele me deixa cantar um verso e canta o seguinte. E quando o primeiro refrão começa, cantamos juntos a plenos pulmões, praticamente gritando a letra para o para-brisa. Semicerramos os olhos, inclinamos a cabeça e eu finjo que não estou morta de vergonha com meu jeito de cantar. Então vem a segunda estrofe e nosso revezamento começa a ficar um pouco embolado, mas nos divertimos muito e só nos atrapalhamos algumas vezes. E gritamos 1969! bem alto juntos. Então perdemos um pouco do entusiasmo pela cantoria e só deixamos a música encher o carro. Mas quando o famoso segundo refrão chega e a música fica mais lenta e perturbadora, ficamos sérios de novo e cantamos cada palavra juntos, olhando um para o outro. Andrew canta "alibis!" com tanta perfeição que meus braços ficam arrepiados. E ambos "apunhalamos a fera" juntos, dando socos no ar e entrando no clima da música.
E foi assim a viagem sei lá para onde pelas horas seguintes.
Cantei tanto com ele que minha garganta começou a doer.
Naturalmente, era tudo rock clássico, ocasionalmente com algum som do início dos anos 90: sobretudo Alice in Chains e Aerosmith, e não me incomodei nem um pouco com isso. Na verdade, adorei tudo, e adorei as lembranças que estavam se formando na minha mente. Lembranças com Andrew.
Encontramos uma área de descanso à beira da estrada em Jackson, Tennessee, e tiramos o máximo proveito dela. Usamos os banheiros para trocar as roupas molhadas, que vestíamos há mais tempo do que tínhamos percebido. Acho que nos divertimos tanto no carro, com minha cantoria não exatamente espetacular, e ele fingindo que adorava, que nos distraímos de todo o resto.
Andrew termina de se vestir antes de mim e já está esperando dentro do carro quando saio usando as únicas roupas limpas que sobraram na minha mala: o shortinho branco e a camiseta do time do colégio que gosto de usar para dormir. Só trouxe um sutiã, o que estava usando quando choveu, por isso ele ainda está completamente úmido. Mas eu o uso da mesma forma, porque de jeito nenhum vou entrar naquele carro com Andrew sem sutiã.
— Eu não tô usando este shortinho pra te agradar - digo, apontando severamente para ele ao entrar no carro. - Entendeu?
O canto de seus lábios se ergue num sorriso.
— Recado recebido - ele diz, escrevendo numa prancheta imaginária.
Levanto a bunda do assento e agarro o fundilho do meu short, puxando-o só um pouco para que não fique enfiado na minha virilha e cubra um pouco mais de pele das minhas coxas. Começo a tirar meus chinelos pretos, mas vejo como o tapetinho do carro está enlameado e decido ficar com eles. Ainda bem que os bancos são de couro.
— Vou ter que procurar mais roupas - comento.
Andrew está usando jeans de novo, suas botas Dr. Martens pretas e outra camiseta cinza lisa, mais clara do que a anterior. Como tudo o mais, fica ótima nele, mas meio que sinto falta de suas panturrilhas musculosas e da tatuagem celta preta e cinza no tornozelo.
— Por que você só trouxe isso? - ele pergunta, conservando os olhos na estrada. - Não que eu esteja reclamando, claro.
Sorrio para ele.
— Como eu não sabia pra onde tava indo, achei que não ia querer ficar carregando um monte de tralhas.
— Faz sentido.
O sol brilha no Tennessee, e agora rumamos para o sul. O outro lado da estrada está congestionado por causa de obras, e ambos expressamos o quanto estamos contentes de não estar "daquele lado da estrada". Por fim, a luz do dia desaparece por trás do horizonte e o crepúsculo banha as plantações de arroz e algodão com uma névoa violeta; há sempre algum tipo de plantação gigantesca dos dois lados da estrada, a perder de vista.
Chegamos em Birmingham, Alabama, pouco depois das 19h.
— Onde você quer comprar roupas? - Andrew pergunta, rodando devagar por uma rua cheia de sinais de trânsito e postos de gasolina.
Ergo o corpo do assento e olho ao redor, tentando encontrar entre os letreiros luminosos algum lugar aceitável.
Andrew aponta para a frente.
— Tem um Walmart ali.
— Acho que serve - respondo, e ele vira à esquerda no semáforo e entramos no estacionamento.
Saímos do carro, e a primeira coisa que faço é puxar minha calcinha de dentro da bunda.
— Precisa de ajuda?
— Não! - respondo rindo.
Andamos juntos no meio do mar de carros do estacionamento, meus chinelos batendo nos calcanhares. Me encolho na hora, sabendo que devo estar ridícula com uma trança suja e empaçocada sobre o ombro e usando este shortinho minúsculo que fica entrando na minha bunda. Nada mais de maquiagem depois que a cerimônia de comunhão com a chuva lavou tudo. Mantenho os olhos no chão branco reluzente enquanto andamos pela loja e evito cruzar olhares com os outros.
Vamos primeiro para a seção de roupa feminina e eu pego algumas coisas simples: outro short de algodão, curtinho também, mas não enfiado na bunda como o que estou usando, e algumas camisetas fofas com gola em V e estampas aleatórias. Contenho o meu desejo de visitar a parte de roupas íntimas. Acho que por enquanto vou me virar com o que tenho.
Depois sigo Andrew para a área perto da farmácia, onde ficam as vitaminas, remédios para resfriado, pastas de dente, essas coisas.
Vamos direto para a gôndola dos aparelhos e cremes de barbear.
— Não faço a barba há uma semana - Andrew diz, esfregando o princípio de barba que está crescendo em seu rosto há alguns dias.
Acho sexy, mas ele fica sexy com ou sem barba, por isso não reclamo.
E por que eu reclamaria?
Pego uma embalagem de aparelhos de barbear também, e um tubo dourado de creme de depilação. Na gôndola seguinte, pego um vidro pequeno de enxaguante bucal, porque enxaguante bucal nunca é demais. Ajeito minha bolsa no outro ombro quando os itens começam a lotar o meu braço. Passamos por mais uma gôndola e eu pego xampu e condicionador da prateleira, tentando equilibrá-los junto com as outras coisas, mas Andrew tira os frascos da minha mão e os carrega. Ele pega o enxaguante bucal também.
Vamos para a parte dos medicamentos, onde um casal de meia-idade está parado na frente dos xaropes para tosse, lendo os rótulos.
Andrew diz casualmente, sem baixar a voz:
— Amor, você achou o remédio pra candidíase?
Arregalo os olhos e fico imóvel na frente do Tylenol.
Andrew pega uma caixinha de Advil da prateleira.
O casal finge que não ouviu o que ele disse, mas sei que eles escutaram.
— Mas você tem certeza que tá coçando por causa disso? - ele continua, e o calor no meu rosto está literalmente me derretendo.
Desta vez, o casal olha discretamente.
Andrew sorri feito um babaca do outro lado, fingindo ler os rótulos.
Quero esmurrá-lo, mas em vez disso, entro na brincadeira.
— Achei sim, querido - respondo tão casualmente quanto ele. - E você? Perguntou se eles têm camisinha tamanho PP?
A mulher vira a cabeça e olha diretamente para ele, de alto a baixo, e depois para mim, antes de voltar a ler o rótulo.
Andrew não se abala; por alguma razão, eu sabia que ele não se abalaria. Apenas sorri para mim, adorando cada segundo.
— É tudo um tamanho só, amor - retruca. - Já falei que vai servir melhor quando você conseguir deixá-lo duro de verdade.
Um barulho de cuspir escapa dos meus lábios, seguido por uma gargalhada.
O casal se afasta da gôndola.
— Você é tão mau! - sussurro para ele entre os dentes, ainda rindo. O tubo de creme de depilação cai ruidosamente do meu braço e me abaixo para pegar.
— Você também não é tão inocente.
Andrew pega uma bisnaga de pomada antibiótica com a mesma mão do Advil e vamos para o caixa. Ele joga dois pacotes de stick de carne-seca e uma caixinha de Tic Tac sobre a esteira da caixa registradora. Pego um frasco de antisséptico para as mãos, um tubinho de manteiga de cacau e um pacote de stick de carne para mim.
— Tá ficando corajosa, hein? - Andrew diz sobre o stick.
Sorrio para ele e ponho o separador de compras de plástico cinza entre as coisas dele e as minhas.
— Não - respondo. - Adoro stick de carne-seca. Se fosse radioativa, eu comeria mesmo assim.
Ele apenas sorri, mas depois tenta dizer à caixa que as coisas dele e as minhas estão "juntas", ao tirar o cartão de crédito da carteira.
— Não, de novo não - discuto, apoiando o braço na esteira perto do separador de compras. Olho para a caixa e balanço a cabeça, desafiando-a a somar minhas compras com as dele. - Eu pago as minhas. - Seus olhos vêm e vão entre mim e Andrew rapidamente, como se ela estivesse esperando uma réplica.
Quando ele começa a discutir, viro o queixo com expressão séria e digo:
— Eu pago minhas coisas e acabou. Conforme-se.
Ele meio que revira os olhos e desiste, passando o cartão na maquininha.
Quando voltamos para o carro, Andrew abre um dos seus pacotes de stick de carne- seca e põe um pedaço na boca.
— Tem certeza que não quer que eu dirija um pouco? - pergunto.
Ele balança a cabeça, mastigando com força o stick.
— Vamos parar em outro motel e pernoitar.
Ele engole, põe mais um pedaço na boca, engata a marcha e vamos embora.
Encontramos um motel a alguns quilômetros da cidade, pegamos as compras e levamos para nossos quartos lado a lado. Este tem um carpete xadrez verde com cortinas pesadas combinando, no mesmo tom verde-escuro, e uma colcha floral da mesma cor. Ligo a televisão imediatamente, só para dar um pouco de luz e animação à atmosfera sombria e melancólica.
Andrew pagou os quartos de novo, usando como desculpa o fato de eu ter "ganhado a parada" com minhas compras no Walmart.
Ele verifica o quarto primeiro, como da última vez, e depois desaba na espreguiçadeira perto da janela.
Largo minhas coisas no chão, arranco a colcha da cama e a jogo num canto, perto da parede.
— Tem alguma coisa nela? - Andrew pergunta, se refestelando na espreguiçadeira e esticando as pernas.
Ele parece exausto.
— Não, é que eu tenho medo dessas coisas. - Me sento na cama e jogo longe meus chinelos, erguendo as pernas e cruzando-as, como na ioga. Coloco as mãos no colo porque ainda estou usando o shortinho branco e me sinto um pouco exposta demais assim, de joelhos abertos.
— Você falou como você não sabia pra onde tava indo - Andrew diz.
Olho para cima e levo um segundo para entender do que ele está falando, do motivo que dei no carro para não ter trazido muita roupa. Ele junta os dedos, apoiando as mãos abertas na barriga.
Levo um momento para responder, embora a resposta seja vaga:
— É, eu não sabia.
Andrew ergue as costas da poltrona e se curva para a frente, apoiando os braços nas coxas, com as mãos abaixo dos joelhos. Ele inclina a cabeça, me olhando de lado. Sei que vamos ter uma daquelas conversas em que não consigo prever se vou aceitar ou me esquivar de suas perguntas. Tudo depende do quanto ele for bom em tirar as respostas de mim.
— Não sou especialista nessas coisas - ele começa -, mas não vejo você partindo sozinha desse jeito, de ônibus, ainda por cima, com uma bolsa, uma malinha e nenhuma ideia do seu destino, só porque sua melhor amiga te apunhalou pelas costas.
Ele tem razão. Não fui embora por causa de Natalie, nem de Damon; eles só faziam parte do contexto.
— Não, não foi por causa dela.
— Por que foi, então?
Não quero falar disso; pelo menos acho que não quero. Parte de mim sente que posso contar qualquer coisa para Andrew, e eu meio que quero contar, mas outra parte está me mandando tomar cuidado. Não esqueci que os problemas de Andrew são mais graves que os meus, e me sentiria idiota, chorona e egoísta contando qualquer coisa para ele.
Olho para a TV em vez de olhar para Andrew, e finjo estar levemente interessada.
Ele fica de pé.
— Deve ter sido alguma coisa bem grave - insiste, se aproximando -, e quero que você me conte.
Bem grave? Que legal, agora ele complicou a situação; mesmo se eu contasse, pelo menos antes não achava que ele esperava ouvir algo terrível. Agora que sei que ele espera, sinto que deveria inventar alguma coisa.
Não invento, é claro.
Sinto a cama se mexer quando Andrew se senta ao meu lado. Ainda não consigo olhar para ele; meus olhos continuam grudados na TV. Meu estômago está revirado pela culpa e também por alguma outra coisa, um formigamento, quando penso no quanto ele está próximo. Mas sobretudo pela culpa.
— Já deixei você ficar sem me contar nada faz um bom tempo - Andrew argumenta. Ele apoia os cotovelos nas coxas de novo e se senta como havia se sentado na espreguiçadeira, com as mãos unidas no meio das pernas. - Uma hora você precisa me contar.
Olho para ele e digo:
— Não é nada comparado com o que você tá passando. - E paro por aí, me virando para a TV de novo.
Por favor, não pergunta mais nada, Andrew. Contar é o que eu mais quero, porque de alguma forma sei que você vai conseguir entender tudo, que você pode resolver tudo - o que é que eu tô dizendo? - Por favor, não me pergunta mais nada...
— Você tá comparando? - ele diz, despertando minha curiosidade. - Então você acha que, como meu pai tá morrendo, os motivos que levaram você a fazer o que fez não são importantes? - ele fala como se essa simples ideia já fosse absurda.
— Isso mesmo - digo -, é exatamente o que eu acho.
Suas sobrancelhas se juntam e ele olha um pouco para a TV antes de se virar para mim.
— Bom, isso é uma puta babaquice - afirma com convicção.
Viro a cabeça bruscamente.
Ele continua:
— Sabe, sempre detestei esta frase: Tem gente em situação pior que a sua; se você encarar como uma competição, claro, é sempre melhor viver de seguro-desemprego do que ficar cego, mas não é um concurso, caralho. Certo?
Ele está me perguntando porque quer saber o que eu acho? Ou é o jeito dele de me dizer como as coisas são, esperando que eu entenda?
Apenas balanço a cabeça.
— Dor é dor, gata. - Cada vez que Andrew me chama de "gata", presto mais atenção nisso do que em qualquer outra coisa que ele diz. - Só porque o problema de uma pessoa é menos traumático que o de outra, não significa que deva doer menos.
Acho que é um bom argumento, mas me sinto egoísta mesmo assim.
Andrew toca o meu pulso e eu olho para ele, para o modo como seus dedos másculos se fecham sobre o osso na base da minha mão. Quero beijá-lo; a vontade dentro de mim chegou à superfície, mas engulo em seco e a forço para o fundo do meu estômago, que está tremendo por conta própria há vários segundos.
Tiro minha mão e me levanto da cama.
— Camryn, olha, eu não quis dizer nada com isso. Só tava tentando...
— Eu sei - murmuro, cruzando os braços e ficando de costas para ele. Com certeza é um daqueles momentos "não é você, sou eu", mas não vou jogar esse chavão no colo dele.
Sinto que ele fica de pé, e então me viro devagar e o vejo pegando suas mochilas e o violão encostado na parede.
Ele vai até a porta.
Quero segurá-lo aqui, mas não consigo.
— Vou te deixar dormir um pouco - ele diz baixinho.
Balanço a cabeça, mas não digo nada, porque temo que, se eu falar, minha mente vai trair minha boca e vou me afundar mais ainda nesta situação perigosa com Andrew, que está ficando mais evidente a cada dia que passamos juntos.
18
EU ME ODEIO por ter deixado Andrew sair por aquela porta, mas era necessário. Não posso fazer isso. Não posso me deixar cair no mundo que é Andrew Parrish, embora tudo no meu coração e nos meus desejos me peça isso. Não é só questão de ter medo de sofrer de novo; todos passam por essa fase, e talvez eu ainda não a tenha superado completamente, mas são tantas outras coisas.
Eu não me conheço.
Não sei o que quero, como me sinto ou como deveria me sentir, e acho que nunca soube, na verdade. Seria uma vaca egoísta se deixasse Andrew entrar na minha vida. E se ele se apaixonar, ou quiser algo de mim que não posso dar? E se eu acrescentar um coração partido à morte do pai dele? Não quero a dor dele na minha consciência.
Me viro de repente e olho para a porta outra vez, lembrando a expressão de Andrew antes que saísse.
Talvez essa nem seja a questão. Quanta pretensão minha até considerar a ideia de ele se apaixonar por mim. Talvez ele queira apenas uma amizade colorida ou uma simples transa.
Minha cabeça está rodando com um turbilhão caótico de pensamentos, nenhum dos quais acho certo, e sei que todos são possíveis. Ando até o espelho e me olho nele, olho nos olhos de uma garota que sinto que conheço, mas da qual nunca me tornei verdadeiramente íntima. Me sinto realmente separada de mim mesma, de tudo.
Foda-se!
Cerro os dentes e bato com as mãos abertas na mesinha da TV. Depois pego o novo short preto, minha nova camiseta branca com je t'aime escrito em letra cursiva ao redor da Torre Eiffel, e vou para o chuveiro. Fico uma eternidade debaixo do jato d'água, não porque me sinto suja, mas porque me sinto uma merda. Só consigo pensar em Andrew. E em Ian. E em por quê, afinal, sinto essa necessidade estranha e provocante de pensar nos dois ao mesmo tempo.
Depois que a água quente parece ter arrancado minha primeira camada de pele, saio e me enxugo, ensopando a toalha com meu cabelo. Uso o secador nua, na frente do espelho, e depois volto para o quarto para me vestir, porque não levei uma calcinha limpa para o banheiro. Finalmente, penteio meu cabelo ainda úmido e o deixo terminar de secar naturalmente, passando-o atrás das orelhas para que não caia no rosto.
Ouço Andrew tocando violão através da parede de novo. A TV continua tagarelando e aquilo me irrita, por isso me levanto, pisando duro, e desligo o aparelho para ouvir Andrew melhor.
Fico ali por alguns segundos, absorvendo as notas que atravessam a parede e chegam dolorosamente aos meus ouvidos. Não é uma música triste, mas por algum motivo acho doloroso mesmo assim.
Finalmente, pego minha chave, enfio os pés nos chinelos e saio do quarto.
Passando nervosamente a língua nos lábios ressecados, respiro fundo, engulo em seco e levanto a mão para bater de leve em sua porta.
O som do violão se interrompe, e alguns segundos depois a porta se abre com um estalo.
Ele também tomou banho. Seu cabelo castanho ainda está molhado; tem uns fios bagunçados na testa. Ele me olha, sem camisa e usando apenas um short de lona preta. Tento não olhar para sua barriga de tanquinho levemente bronzeada, nem para as veias que correm por seus braços e de certa forma parecem mais pronunciadas, com o resto de sua pele à mostra.
Oh... meu Deus. Talvez seja melhor eu voltar...
Não, eu vim pra conversar com ele e é isso que vou fazer.
Vejo pela primeira vez a tatuagem do lado esquerdo do seu corpo e quero perguntar sobre ela, mas vou deixar para depois.
Ele sorri delicadamente para mim.
— Tudo começou mais ou menos há um ano e meio - começo a contar sem rodeios -, uma semana antes da formatura. Meu namorado morreu num acidente de carro.
Seu sorriso suave desaparece e seus olhos ficam mais meigos, só o suficiente para mostrar que ele lamenta por mim, sem que isso pareça falso ou exagerado.
Andrew termina de abrir a porta e eu entro. A primeira coisa que ele faz, mesmo antes que eu me sente no pé da cama, é vestir uma camiseta. Talvez não queira que eu pense que está tentando me distrair ou me paquerar, especialmente quando fui lá para contar algo obviamente doloroso. Eu o respeito ainda mais por isso. Esse gesto pequeno e aparentemente insignificante vale por mil palavras, e por mais que seja uma pena vê-lo esconder aquele corpo, eu aceito. Não foi para isso que vim.
Eu acho...
Há uma espécie de tristeza genuína em seus olhos verdes, misturada com algo de consideração. Andrew desliga a TV e se senta ao meu lado, do mesmo jeito que se sentou na minha cama, e me olha, esperando pacientemente que eu continue.
— A gente se apaixonou com 16 anos - continuo, olhando para a frente -, mas Ian esperou dois anos... dois anos - olho para ele para enfatizar -, até que eu dormisse com ele. Não sei de nenhum adolescente que esperaria tanto tempo pra transar com uma garota.
Andrew faz cara de quem concorda.
— Tive uns namoros curtos antes de Ian, mas os garotos eram tão... - olho para cima, procurando a palavra certa - ... mundanos. Pra dizer a verdade, com 12 anos eu já tinha começado a achar que um monte de gente era mundana.
Andrew parece refletir, com o cenho levemente franzido.
— Mas Ian era diferente. A primeira coisa que ele me disse, depois que a gente se conheceu e conversou de verdade, foi: "Eu queria saber se o oceano tem um cheiro diferente do outro lado do mundo." Primeiro eu ri, porque achei que era uma coisa esquisita pra se falar, mas depois percebi que aquela simples frase o diferenciava de todo mundo que eu conhecia. Ian era um cara que estava do lado de fora, olhando pra todos nós correndo pra lá e pra cá, fazendo as mesmas coisas todo dia, seguindo os mesmos caminhos, feito formigas num formigueiro de vidro.
"E eu sempre soube que queria algo mais da vida, algo diferente, mas foi quando conheci Ian que as coisas começaram a ficar claras pra mim."
Andrew sorri com ternura e diz:
— Resolvida e madura antes dos 20 anos... isso é raro.
— É, acho que sim - concordo, sorrindo para ele, e continuo, soltando uma risadinha:
— você nem acreditaria o quanto Damon, Natalie ou até minha mãe e meu irmão, Cole, ficavam me enchendo por eu ser tão "cabeça". - Faço aspas com os dedos ao dizer "cabeça" e reviro os olhos.
— Ser cabeça é bom - Andrew afirma, e olho disfarçadamente, porque detecto a atração, embora ele a esteja domando muito bem, em nome da conversa. Mas então seu sorriso desaparece e sua voz fica um pouco mais baixa. - Então, quando você perdeu Ian, perdeu seu parceiro no crime.
Meu sorriso também desaparece e eu apoio as mãos na beirada da cama, deixando meu corpo afundar entre os ombros.
— Sim. A gente ia mochilar pelo mundo depois da formatura, ou talvez só pela Europa, mas tava decidido; isso já tava planejado, pelo menos. - Olho diretamente para Andrew, agora. - A gente sabia que não queria fazer uma faculdade e acabar trabalhando 40 anos no mesmo emprego, a gente queria trabalhar em todo lugar, tentar tudo, botar o pé na estrada!
Andrew ri.
— Na verdade, é uma ideia muito legal - ele observa. - Uma semana você tá de garçonete num bar, juntando gorjetas, e na seguinte, em outra cidade, fazendo dança do ventre numa esquina e os turistas passando e jogando moedas num pote.
Meus ombros caídos balançam um pouco com o riso e fico vermelha, olhando para ele.
— Garçonete, tudo bem, mas dança do ventre? - Balanço a cabeça. - Menos.
Ele abre um sorriso e protesta:
— Ah, você conseguiria.
Ainda com o rosto quente e vermelho, olho para a frente e espero voltar ao normal.
— Seis meses depois que Ian morreu - continuo -, meu irmão, Cole, matou um sujeito num acidente ao dirigir bêbado, e agora tá na prisão. E depois disso, meu pai traiu minha mãe e eles se divorciaram. Meu novo namorado, Christian, me traiu. E, claro, você já sabe o que aconteceu com Natalie.
Isso é tudo. Contei todas as coisas que, juntas, me fizeram querer fugir. Mas não consigo olhar para ele porque sinto que não deveria ser só isso, como se ele estivesse pensando: Tá, e cadê o resto?
— É muita coisa caindo no colo de uma pessoa só - Andrew diz, e volto a erguer o olhar quando sinto que ele está se ajeitando na cama perto de mim. Sinto seu hálito de hortelã, agora que ele virou o corpo completamente para o meu lado. - Você tem todo o direito de estar magoada, Camryn.
Não digo nada, mas agradeço com os olhos.
— Acho que agora entendi por que não foi difícil te convencer a fazer esta viagem comigo - ele continua.
Seu rosto é indecifrável. Espero que ele não pense que o estou usando para fazer uma imitação daquela parte da minha vida que planejei com Ian. Toda a situação de cair na estrada é parecida, até para mim, agora que penso a respeito, mas o que me levou a partir com ele não poderia ser mais diferente. Estou com Andrew agora porque quero estar.
É nesse momento que me dou conta de que não penso tanto em Ian e Andrew por estar tentando achar Ian em Andrew... acho que é a culpa... talvez eu esteja tentando substituir Ian completamente.
Levanto da cama e tiro essas ideias da cabeça.
— E o que você vai fazer? - Andrew pergunta atrás de mim. - Depois que esta viagem acabar, o que planeja fazer da vida?
Meu coração endurece no peito. Nem uma vez durante a viagem com Andrew, ou mesmo antes de conhecê-lo, depois que saí da Carolina do Norte, pensei além do presente. Não foi nem questão de tentar não pensar no que viria; simplesmente não pensei e pronto. A pergunta de Andrew me acorda e agora me sinto em pânico. Nunca quis uma dose dessa realidade; estava satisfeita com minha ilusão.
Eu me viro, com os braços cruzados sobre o peito. Os lindos olhos de Andrew me fitam intensamente.
— Eu... na verdade, não sei.
Ele parece um pouco surpreso, seu olhar se torna mais contemplativo e seus olhos vagam.
— Você ainda pode fazer faculdade - ele sugere, oferecendo ideias para que eu me sinta melhor, acho -, e isso não significa que você vai precisar arranjar um emprego em seguida e trabalhar nele até morrer. Caramba, você ainda pode mochilar pela Europa, se quiser.
Andrew se levanta comigo. Posso ver que as engrenagens estão girando na sua cabeça enquanto ele anda um pouco pelo carpete verde-escuro.
— Você é linda - diz, e meu coração palpita -, é inteligente, e obviamente mais determinada do que a média das garotas; acho que poderia fazer o que você quisesse; porra, sei que parece um lugar-comum, mas não pode ser mais verdadeiro no teu caso.
Dou de ombros.
— Acho que sim - reflito -, mas não tenho a menor ideia do que eu quero, a não ser que não quero voltar pra casa pra ficar pensando nisso. Acho que meu medo de voltar pra lá é me afundar na mesma bosta da qual saí quando subi no ônibus naquele dia.
— Me diz uma coisa - Andrew pergunta de repente, e meus olhos voltam para ele -, qual é a coisa mais frustrante pra você na convivência com o resto do mundo?
Mais frustrante?
Penso nisso por um segundo, meu olhar fixo no abajur de cobre preso à parede ao lado da cama.
— Eu... não tenho certeza.
Andrew se aproxima de mim e apoia dois dedos no meu braço, me guiando para sentar novamente com ele, e eu obedeço.
— Pensa um pouco - ele continua -, baseada no que você já me contou, qual a diferença entre você e eles?
Odeio saber que estou demorando para entender alguma coisa que ele parece já ter pensado. Olho para minhas mãos no meu colo e penso muito, profundamente, até que me vem a única resposta que sinto que pode ser a certa, mas ainda não estou totalmente convencida.
— Expectativas?
— Isso é uma pergunta ou a sua resposta?
Desisto.
— Não sei direito; tipo, me sinto... limitada perto de qualquer pessoa, a não ser de Ian, claro.
Ele balança a cabeça e me ouve, me deixando falar sem interromper enquanto a resposta está se formando na minha mente.
E então, do nada, as respostas vêm:
— Ninguém quer fazer as mesmas coisas que eu - começo, e minha explicação sai mais rapidamente, agora que tenho mais confiança na resposta. - Como esse lance de viver livre e não seguir o caminho normal, sabe? Ninguém quer sair da sua zona de conforto pra fazer isso comigo, porque não é o que a maioria das pessoas faz. Eu tinha medo de contar pros meus pais que não queria ir pra faculdade, porque era isso que eles esperavam que eu fizesse. Aceitei um emprego numa loja de departamentos porque minha mãe esperava que ele fosse me realizar de alguma forma. Ia com a minha mãe todo sábado visitar meu irmão na prisão porque ela esperava que eu fosse, porque ele é meu irmão e eu deveria querer vê-lo, embora não quisesse. Natalie tentava incansavelmente me arrumar um cara porque achava anormal eu não ter ninguém.
"Acho que tive medo de ser eu mesma a maior parte da minha vida."
Viro a cabeça na direção de Andrew.
— De certa forma, era assim até com Ian.
Desvio o olhar rapidamente porque essa última parte não era algo que eu realmente esperava dizer em voz alta. Escapou enquanto a revelação se formava tão rápido na minha mente.
Andrew parece curioso, mas ao mesmo tempo sem saber se deve perguntar mais.
Não sei bem se devo entrar em detalhes.
Ele assente com a cabeça.
Pelo jeito, decidiu que não tem o direito de avançar nesse assunto específico.
Andrew morde a bochecha por dentro. Eu o observo por um momento, sempre tentando aplacar a atração óbvia que sinto, mas está ficando mais difícil. Olho para seus lábios e me pergunto que sabor teriam. E então me obrigo a desviar os olhos - estou fazendo isso de novo. Agora mesmo. Estou com medo de lhe dizer o que quero. Ou ao menos o que acho que quero.
— Andrew - digo, e seu rosto reage silenciosamente à minha voz pronunciando o seu nome.
Pensa nisso, Cam, digo a mim mesma. Tem certeza que é isso que você quer?
— O que é? - ele pergunta.
— Você já teve uma transa de uma noite só?
É como se eu deixasse escapar o maior segredo que já me contaram, diante de um microfone, numa sala cheia de gente. Mas agora já foi. Ainda nem tenho certeza absoluta de que é o que quero, mas está na minha cabeça já há algum tempo. Lembro vagamente que pensei nisso enquanto estava naquele teto com Blake.
O rosto de Andrew perde toda a emoção e ele parece não conseguir encontrar palavras para dizer. Instantaneamente, meu coração para e chego a sentir náuseas. Sabia que não devia ter dito isso! Ele vai achar que sou uma vadia ou algo assim.
Me levanto da cama num pulo.
— Desculpa; meu Deus, você deve me achar uma...
Ele estende a mão e me segura pelo pulso.
— Senta aí.
Relutantemente, me sento, mas não consigo olhar para ele. Estou com uma puta vergonha.
— Qual o teu problema? - Andrew pergunta.
— Hã?
Olho para ele.
— Você tá fazendo isso agora mesmo. - Ele mexe as mãos para enfatizar o "agora mesmo"; seu cenho está franzido.
— Fazendo o quê?
Ele passa a língua nos lábios, suspira como se estivesse decepcionado e finalmente explica:
— Camryn, você começou a me contar algo que deve ter considerado uma ou duas vezes, e quando enfim tomou coragem pra dizer o que tinha em mente, deu meia-volta e se arrependeu. - Andrew me olha fundo nos olhos, os dele cheios de intensidade e conhecimento e mais alguma coisa que ainda não consigo decifrar. - Faz a pergunta de novo e, desta vez, espera a minha resposta.
Fico em silêncio, analisando aquela expressão incerta em seu rosto, me sentindo insegura por causa dela. Ou talvez esteja apenas insegura comigo mesma.
Engulo em seco e digo:
— Você já teve uma transa de uma noite só?
Sua expressão não muda nem desanima.
— Sim, já tive algumas.
Ele está esperando por mim, agora, embora eu ainda não saiba ao certo como ficar à vontade nessa conversa cada vez mais embaraçosa. É como se Andrew soubesse que estou me retorcendo por dentro, mas, para me ensinar uma lição, vai me obrigar a falar, em vez de bancar meu analista, como fez desde que entrei no quarto dele.
Suas sobrancelhas se erguem um pouco, como que para dizer: E então?
— Bom, eu só tava querendo saber... porque nunca fiz nada assim.
— Por que não? - ele pergunta, tão casualmente.
Olho para baixo, depois levanto os olhos novamente para que ele não me repreenda por isso.
— Bom, acho que é meio coisa de vadia, só isso.
Andrew ri e isso me surpreende.
Finalmente, ele alivia um pouco minha tortura.
— Se uma garota faz muito isso - ele encomprida a palavra "muito", com um sorriso enojado -, aí vira coisa de vadia, claro. Uma vez ou outra, não sei... - ele mexe as mãos na altura dos ombros, como que pensando em números, indeciso - não tem nada de errado.
Por que ele não se aproveita disso totalmente agora mesmo? Começo a sentir um pouco de pânico, me perguntando por que ele ainda está bancando o analista em vez de partir para a sedução e ir logo ao que interessa.
— Tá, então...
Não consigo dizer. Simplesmente não é minha cara conseguir falar casualmente sobre qualquer coisa sexual minha. Só consigo vagamente com Natalie.
Andrew suspira e seus ombros afundam.
— Você quer dormir comigo, quer ter uma transa de uma noite só comigo? - Ele sabia que eu não ia ter coragem de falar, então cedeu e falou por mim.
A pergunta, embora óbvia para ambos, tira meu fôlego. Partindo dele, é tão embaraçosa e constrangedora quanto se tivesse partido de mim, ou mais até.
— Talvez...
Ele se levanta, olha para mim e diz:
— Desculpa, mas não tô interessado em você dessa forma.
O maior soco do mundo acaba de me atingir em cheio no estômago. Minhas mãos ficam rígidas, agarrando a borda do colchão, deixando meus braços completamente imóveis até os ombros. Tudo o que quero agora é sair correndo por aquela porta, me trancar no meu quarto e nunca mais ver Andrew. Não porque não queira vê-lo, mas porque não quero que ele me veja.
Nunca fiquei tão envergonhada em toda a minha vida.
E é isso que eu ganho por dizer o que penso!
Não sei se devo aceitar como uma lição ou odiar Andrew por ter me colocado nessa posição.
19
NUMA FRAÇÃO DE SEGUNDO, pulo da cama e vou o mais rápido possível até a porta.
— Camryn, para.
Continuo andando, até mais rápido quando sinto que Andrew está vindo atrás de mim, viro a maçaneta e desabalo pelo corredor.
— Por favor, espera um momento, porra! - ele diz, me seguindo, e posso sentir a ofensa aumentando em sua voz.
Eu o ignoro, ponho a mão no bolsinho de trás do short e tiro minha chave-cartão, enfiando-a na minha porta. Entro e me viro para fechar a porta, mas Andrew já entrou atrás de mim.
A porta se fecha atrás dele.
— Quer me escutar? - ele tenta mais uma vez, exasperado.
Não quero olhar para ele, mas olho mesmo assim.
Seus olhos estão arregalados, ferozes e sinceros quando finalmente me viro.
Ele se aproxima de mim e me segura delicadamente pelos braços. E então se curva e aperta suavemente seus lábios contra os meus. Me derreto toda, mas ainda estou confusa demais para reagir adequadamente. Confusa, atordoada e com o coração disparado.
Ele se afasta e olha para mim, com o rosto totalmente sincero, e inclina a cabeça para o lado... sorrindo.
— Qual é a graça? - pergunto com voz áspera, e tento me desvencilhar dele.
Andrew me segura pelos braços e me força a lhe dirigir meu olhar humilhado, que está começando a refletir ressentimento.
— Falei que não tô interessado em você dessa forma, Camryn, porque... - ele faz uma pausa, observando meu rosto, olhando para os meus lábios por um momento, como se estivesse tentando decidir se deve ou não beijá-los de novo - ... porque você não é uma garota com a qual eu conseguiria dormir só uma vez.
Suas palavras arrancam os pensamentos de mim, e meu coração disparado treme dentro do peito. Não consigo entender o que ele acabou de falar e, em vez de tentar decifrar exatamente o que ele quis dizer, organizo minha mente o melhor que posso e tento recuperar um pouco da compostura que perdi ao me precipitar para fora do quarto.
— Olha - ele diz, indo para o meu lado e passando a mão na minha cintura por trás. Só sentir seus dedos roçando minha pele causa arrepios naquele lado do meu corpo. Que diabos está acontecendo comigo? Eu quero Andrew... isto é, no momento sinto que não tem mais volta, que eu me obrigaria a ser uma vadia só esta noite para mantê-lo no quarto. Mas o que não entendo é por que sinto que quero dele mais do que sexo... - Camryn? - Sua voz me faz voltar ao que ele estava tentando dizer momentos atrás. Me fazendo sentar na cama, Andrew agacha na minha frente no chão. Ele me olha nos olhos.
— Não vou ter uma transa de uma noite só com você, mas vou te fazer gozar, se você deixar.
Um pequeno impulso elétrico acaba de atravessar o meu ventre, indo até o meio das minhas pernas.
— ... Quê? - Não consigo dizer mais nada, na verdade.
Ele sorri delicadamente, fazendo suas covinhas ficarem só um pouco mais fundas, e encosta os braços dos lados das minhas coxas nuas, segurando minhas ancas com as mãos.
— Sem compromisso - diz. - Te faço gozar e, amanhã de manhã, quando a gente acordar, estarei no meu quarto aqui ao lado, me preparando pra ir com você pro nosso próximo destino. Nada vai mudar entre a gente, não vou falar do que aconteceu, nem por brincadeira. Vai ser como se nunca tivesse acontecido.
Mal consigo respirar. Ele acaba de fazer o ponto mais sensível no meio das minhas pernas latejar, só com algumas palavras.
— Mas... e você? - consigo balbuciar.
— Eu o quê?
Ele aperta minhas ancas um pouco mais com as pontas dos dedos. Finjo não notar.
— Isso não... parece justo.
Nem sei mais o que estou dizendo. Ainda estou em choque só por isso estar acontecendo.
Andrew apenas sorri para mim, nem um pouco abalado pelo meu comentário, e então, de repente, fica de pé e entra no meio das minhas pernas, me fazendo deslizar um pouco para trás na cama. Ele se senta na minha frente e me puxa para o seu colo, com uma perna de cada lado da sua cintura. Meus olhos estão arregalados e estou praticamente mordendo meu lábio inferior. Ele está agindo tão casualmente que só a surpresa de tudo isso me deixa mais molhada.
Ele passa os braços firmes nas minhas costas e se curva, roçando o meu queixo com a boca. Calafrios tomam conta de mim, dos pés à cabeça. Então ele me puxa para mais perto do seu corpo e sussurra perto da minha boca:
— É justo. Eu quero te fazer gozar e, pode acreditar, com certeza também vou ganhar alguma coisa com isso. - Sinto o sorriso em sua voz, olho nos seus olhos e não consigo resistir. Se Andrew me mandasse virar e ficar de quatro para ele, eu obedeceria sem hesitação.
Ele roça o outro lado do meu rosto com os lábios.
— Então por que você não dorme comigo e pronto? - pergunto baixinho, mas depois tento escolher melhor as palavras. - Tipo, se você quiser fazer... mais alguma coisa comigo...
Ele afasta o rosto e põe três dedos sobre meus lábios para me calar.
— Vou dizer isto só uma vez - ele começa, e seus olhos parecem abismos agitados pela intensidade. - Mas não quero que você faça nenhum comentário quando eu disser, tá?
Balanço a cabeça nervosamente.
Ele para, molha os lábios com a língua e então diz:
— Se você me deixasse transar com você, teria que me deixar possuí-la de corpo e alma.
Uma onda de prazer irrestrito estremece meu corpo todo. O choque de suas palavras me põe em submissão na hora. Meu coração está mandando dizer uma coisa. Minha mente está mandando dizer outra. Mas eu não consigo ouvir porra nenhuma que os dois estão dizendo por causa dessa sensação no meio das minhas pernas que está ficando cada vez mais impossível de ignorar.
Engulo com força, procurando desesperadamente alguma saliva. Parece que toda parte do meu corpo que normalmente produz líquidos parou de funcionar, porque todo o líquido foi redirecionado para aquele lugar no meio do meu corpo.
Ainda não consigo respirar.
Meu Deus, ele ainda nem me tocou e eu já me sinto assim?
Estou sonhando?
— Mas e se eu bater uma punheta pra você ou algo assim?
Admito; essa ideia está fazendo com que eu me sinta culpada.
Ele inclina a cabeça para um lado, sorrindo, e fico com vontade de beijá-lo sofregamente.
— Eu falei pra você não comentar.
— Eu-eu... bom, não comentei o que você falou, na verdade, só... - Ele enfia os dedos por baixo do tecido fino da minha calcinha e me toca. Gemo e esqueço o que tinha começado a dizer.
— Quieta - Andrew ordena delicadamente, embora esteja falando completamente a sério. Meus lábios ficam selados e eu gemo de novo quando ele enfia dois dedos dentro de mim e os mantém lá, com o polegar apertando meu osso da pélvis por fora. - Vai ficar quieta, Camryn?
Eu balbucio a palavra s-sim e mordo o lábio inferior.
Então seus dedos saem de dentro de mim. Quero implorar para que não os tire, mas ele me mandou ficar quieta de uma maneira que me deixa totalmente louca por ele e igualmente submissa, por isso não digo nada. Abro os olhos cuidadosamente quando ele passa os dedos molhados nos meus lábios, e instintivamente os lambo, só um pouco, até que ele os aproxima de seus próprios lábios e sorve o resto de mim com sua língua. Eu me curvo para ele, tocando sua boca com a minha, fechando os olhos devagar, só querendo sentir seu sabor e o meu nele. Sua língua serpenteia para tocar a minha, mas então ele me empurra delicadamente de volta para a cama, em vez de ceder ao beijo afoito que quero tão desesperadamente.
Andrew enfia as duas mãos no tecido ao redor da minha cintura e tira meu short e minha calcinha, largando-os em algum lugar no chão.
Depois sobe na cama e se deita ao meu lado, passando um braço sobre o meu corpo e enfiando a mão por baixo da minha camiseta. Não pus o sutiã mais cedo. Ele aperta suavemente um mamilo, depois o outro, e beija o meu queixo de novo. Cada pelinho da minha nuca fica de pé quando sua língua contorna a curva da minha orelha.
— Quer que eu toque nela? - Seu hálito é quente no lado do meu rosto.
— Sim - gemo.
Ele prende o lóbulo da minha orelha entre os dentes e sua mão começa a descer pela minha barriga, mas para na altura do meu umbigo.
— Me diz que você quer que eu toque - Andrew suspira no meu ouvido.
Mal consigo abrir os olhos.
— Eu quero que você toque...
Ele desliza mais a mão e meu coração começa a pular ferozmente no peito, mas quando acho que ele vai me tocar, sua mão vai para a parte de dentro da minha coxa.
— Abre as pernas pra mim. - Deixo minhas pernas caírem devagar, mas ele as abre mais com a mão, seus dedos forçando minha carne até me deixar completamente exposta.
Ele se ergue do meu lado e se curva sobre meu corpo, puxando minha camiseta para expor meus seios, e então prende meus mamilos entre os dentes, um depois do outro. Depois passa a ponta da língua úmida sobre os dois e põe a boca neles, beijando sofregamente um de cada vez. Enfio os dedos no seu cabelo, querendo agarrá-lo e puxá- lo, mas não faço isso. Andrew segue pelo meu tórax, descendo pelas costelas, traçando cada uma com a língua antes de chegar ao umbigo.
Ele olha para mim com olhos semicerrados e dominantes e diz, com os lábios pressionados de leve contra a minha barriga:
— Você precisa me dizer o que quer, Camryn. - Ele lambe minha barriga uma vez, tão lentamente que minha pele fica ondulada com os tremores. - Não vai ganhar nada se não me disser e não me fizer acreditar em você.
Inspiro sem forças, sentindo meu peito literalmente chocalhar.
— Por favor, por favor, me toca...
— Não acredito em você - Andrew diz provocativamente, e lambe meu clitóris uma vez. Só uma vez. Ele para e me olha por cima da paisagem do meu corpo, esperando por mim.
Como tenho medo de dizer a palavra, sussurro tão baixinho:
— Por favor... quero que você chupe minha boceta - que Andrew finge que não ouviu.
— Como é? - ele pergunta e lambe meu clitóris de novo, desta vez demorando um pouco mais, e sinto uma onda de calafrios lá embaixo. - Não ouvi direito.
Digo de novo, levantando a voz só um pouco, ainda constrangida em dizer aquela palavra proibida, que sempre achei suja, errada e digna só dos filmes pornôs.
Andrew enfia a mão entre minhas pernas e abre meus lábios com dois dedos. Ele me lambe uma vez. Só uma vez. Minhas coxas estão começando a tremer mais.
Não sei quanto tempo mais posso esperar.
— Uma mulher que sabe o que quer no sexo - ele me lambe de novo, sempre me olhando com os olhos semicerrados -, e não tem medo de dizer, dá um puta tesão, Camryn... Diz. O. Que. Você. Quer. Senão eu não dou. - Ele me lambe de novo e eu não aguento mais.
Estendo as mãos e o seguro pelo cabelo, empurrando seu rosto para o meio das minhas pernas, o quanto ele me permite, e digo, olhando nos seus olhos:
— Chupa a minha boceta, Andrew; puta que pariu, chupa a porra da minha boceta!
Percebo o sorriso mais sinistro que já vi em seu rosto, pouco antes que minhas pálpebras se fechem e minha cabeça vá para trás quando ele começa a me lamber, sem parar desta vez. Ele chupa com força o meu clitóris e tira e põe os dedos em mim ao mesmo tempo, e penso que vou desmaiar. Não consigo abrir os olhos; parecem ébrios de prazer. Levanto os quadris na direção dele e quase arranco seu cabelo, mas ele não perde o ritmo. Me lambe com força e rápido e de vez em quando diminui a velocidade para me chupar e passar o polegar no meu clitóris intumescido, antes de mergulhar a língua novamente. E quando começo a sentir que não vou aguentar mais e tento deslizar para longe do seu rosto, ele agarra minhas coxas e me força a ficar parada até que eu gozo com violência, minhas pernas tremendo incontrolavelmente, minhas mãos segurando sua cabeça com todas as forças. Um gemido escapa dos meus lábios e eu ergo os dois braços acima da cabeça, agarrando a cabeceira da cama com as pontas dos dedos, tentando me apoiar para fugir da língua implacável de Andrew. Mas ele me segura com mais força, com as mãos fechadas em volta das minhas coxas, acima dos quadris; faz tanta pressão que dói, crava as pontas dos dedos na minha pele, mas eu gosto.
E quando meu corpo trêmulo principia a se acalmar e minha respiração ofegante vai ficando mais lenta, embora ainda irregular, Andrew também começa a me lamber mais suavemente. Quando meu corpo para de se mexer, ele beija o lado de dentro das minhas coxas e a região logo abaixo do meu umbigo, antes de se esgueirar para cima rumo à minha boca, apoiando os braços rijos e musculosos no colchão de cada lado do meu corpo. Seus lábios macios e úmidos pousam no meu pescoço e nos dois lados do meu maxilar primeiro, depois na minha testa. Por último, ele me olha nos olhos por um longo momento e depois se curva e beija meus lábios de leve.
E então ele se levanta da cama.
Não consigo me mexer.
Quero esticar os braços, agarrá-lo e puxá-lo para cima de mim, mas não consigo me mexer. Não só ainda estou atordoada pelo orgasmo que ele acaba de provocar, mas minha mente ainda está atordoada por toda a experiência.
Fico só olhando para ele, mal erguendo a cabeça do travesseiro, vendo-o ir até a porta. Ele me olha uma vez depois de pôr a mão na maçaneta.
Mas sou eu que falo primeiro:
— Aonde você vai?
Sei aonde ele está indo, mas foi a única coisa em que consegui pensar para segurá-lo mais um pouco.
Ele sorri delicadamente.
— Pro meu quarto - responde, como se eu já devesse saber.
A porta se abre e a luz do corredor inunda o espaço ao redor dele, iluminando sua silhueta nas sombras. Quero dizer alguma coisa, mas não sei bem o quê. Ergo as costas da cama e me sento; meus dedos mexem no lençol no meu colo, nervosos.
— Bom, a gente se vê de manhã - Andrew diz, e dá um último sorriso significativo antes de fechar a porta atrás de si, fazendo a luz do corredor desaparecer. Mas meu quarto está bem iluminado; deixei o abajur ao lado da cama aceso. Olho para o lado, pensando na lâmpada. Estava acesa o tempo todo. Sempre fui meio tímida na cama, e mesmo com Ian, o máximo de luz com a qual fiz sexo foi de uma tela de TV, mas nunca uma luz forte. Nem pensei nisso, desta vez.
E as palavras que saíram da minha boca... nunca falei nada parecido antes. Aquela palavra que começa com B não. Não consigo dizer nem agora. Claro que já falei para Ian "me fode" ou "me fode mais forte", mas essa era toda a extensão do meu vocabulário pornográfico.
O que Andrew Parrish está fazendo comigo?
Seja o que for... acho que não quero que pare.
Me levanto da cama, visto a calcinha e o short e ando até a porta, determinada a ir até lá e... não sei o que mais.
Paro na porta antes de abri-la e olho para meus pés descalços sobre o carpete verde. Não sei o que eu ia dizer se fosse lá, porque não sei nem o que quero ou o que não quero. Então deixo meus braços caírem dos lados do corpo, e um suspiro profundo me escapa dos lábios.
— Como se nunca tivesse acontecido - digo secamente, imitando-o. - Sei. Você não é bom o bastante pra conseguir isso.