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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


THE HUNTER / Monica McCarty
THE HUNTER / Monica McCarty

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Sua respiração ficou presa. Somente então ela percebeu o que havia feito. Suas mãos agarraram seus braços e seu corpo estava pressionado contra o dele. Intimamente. Peito com peito, quadril com quadril. Ela podia sentir cada centímetro de seu peito e pernas firmes. Podia sentir outra coisa também. Algo que fez sua boca secar, seu coração parar e seu estômago revirar, tudo ao mesmo tempo.
Oh, meu Deus.
O choque a assustou. Era como se cada terminação nervosa em seu corpo tivesse sido atingida por um raio de consciência. Ela abriu sua boca para suspirar, mas o som ficou estrangulado em sua garganta quando seus olhos se encontraram.
Que os céus a ajudassem! Apesar da chuva e do frio, seu corpo se encheu de calor.
Se ela não tivesse sentido a prova de seu desejo, podia vê-lo agora em seus olhos. Ele a queria, e a força disso parecia estar irradiando sob a ponta de seus dedos, fazendo-a tremer com sensações desconhecidas. O coração dela parecia estar batendo muito rápido, a respiração curta e os membros muito pesados.
Ela não conseguia se mover. Foi pega em algo que não entendia, mas não pôde resistir. Não queria resistir.

Ano do nosso senhor mil trezentos e dez. Quatro anos atrás, a oferta de Robert the Bruce pelo trono Escocês parecia fadada ao fracasso, quando foi forçado a fugir de seu reino como um fora da lei. Mas com a ajuda de seu bando secreto de guerreiros de elite, conhecidos como A Guarda das Highlands, Bruce travou um ressurgimento milagroso, derrotando os compatriotas que se rebelaram contra ele para retomar seu reino ao norte de Tay.
Com as fronteiras e a maioria das principais fortalezas da Escócia ainda ocupadas por tropas inglesas, no entanto, a guerra ainda não está ganha. O maior desafio ao principiante reinado de Bruce, a força do maior exército da cristandade, ainda está por vir.
Após uma breve pausa na Guerra, a trégua com a Inglaterra termina quando Eduardo II marcha sobre os rebeldes escoceses. Do seu quartel-general, nos campos de urzes1, Bruce lança sua nova guerra pirata, saqueando os ingleses com ataques surpresa e conflitos, mas recusando-se a encontrá-los em campo aberto, eventualmente mandado o Rei Eduardo e seus homens correndo de volta às fronteiras para o inverno. Atrasando, sem um desfecho, a batalha final que está por vir.
Mas não há paz para a traição. E dessa vez, não serão os guerreiros da Guarda das Highlands que virão ao seu auxílio, mas sim outro aliado poderoso que tem estado ao lado de Bruce desde o primeiro momento: a Igreja. O apoio de homens como William Lamberton, o Bispo de St. Andrews, tem provado ser inestimável, com sua rede de espiões e mensageiros do clero, fornecendo inteligência muito necessitada — uma inteligência que pode justamente acabar salvando a vida de Bruce.

 

 

 


 

 

 


Prólogo

Castelo Dundonald, Ayrshire, Escócia, final de junho de 1297.

Fynlay Lamont estava bêbado novamente. Ewen Lamont sentou-se no canto de trás no Grande Salão do Castelo de Dundonald com os outros jovens guerreiros e tentou ignorar seu pai. Mas cada rajada estridente de risos e ostentação beligerante que vinha da mesa de Fynlay perto da frente do salão fazia Ewen querer deslizar mais e mais no seu banco.

— Aquele é seu pai? — Um dos escudeiros do Conde de Menteith perguntou. — Não me admira você não falar muito. Ele fala o suficiente pelos dois.

Os outros jovens guerreiros em torno dele riram. Ewen queria enterrar sua cabeça de vergonha, mas forçou-se a sorrir do gracejo e agir como se isso não o incomodasse. Era um homem agora de quase dezessete anos e não um garoto. Ele não podia fugir da mesma maneira que fazia quando criança cada vez que seu pai bebia demais ou fazia algo ultrajante.

Mas a falta de controle de seu pai, sua falta de disciplina, iria arruinar tudo. Da forma como estava, esta reunião era como uma cama de folhas secas próximas ao fogo só esperando uma faísca para inflamar.

Apesar de que os grandes lordes reunidos em segredo aqui hoje fossem parentes, todos descendentes de Walter Stewart, o III Grande Stewart da Escócia, eles nem sempre se viam olho no olho e tinham vindo ver se poderiam deixar de lado essas diferenças tempo suficiente para lutar contra os ingleses em vez de uns contra os outros. Adicionar Wild Fynlay à já volátil mistura de homens no salão era como segurar um fole de ferreiro para soprar as chamas com ar quente. Muito ar quente.

Mas como Ewen, Fynlay Lamont de Ardlamont era um homem de Sir James Stewart, e como um dos comandantes-chefes de batalha de Stewart, seu pai tinha o direito de estar ali. Se tinha uma coisa que Wild Fynlay sabia fazer era lutar. Como manter a luta retida ao campo de batalha é que era o problema.

O epitáfio de Wild2 Fynlay tinha sido bem merecido. Era rápido para lutar, rápido para discutir, e rápido para ofender-se. Regras, leis, nada poderia refreá-lo. Fazia o que queria, quando e onde queria. Ele viu a mãe de Ewen trinta anos atrás em uma feira local, decidiu que a queria, e a tomou. Não importava se ela estivesse noiva de seu primo e chefe, Malcolm Lamont. Não importava se aquela escolha quase custou a ele e a seu clã tudo.

Seu pai não tinha mudado nada no ano desde que Ewen o vira pela última vez, exceto pela falta de um dedo. Enquanto Ewen estava nas fronteiras a serviço de Sir James Stewart, o V Stewart da Escócia, seu pai ficou tão bêbado, que apostou com um de seus parentes que poderia puxar sua mão da mesa mais rápido do que outro homem podia desembainhar sua espada. A articulação superior do dedo médio de sua mão direita provou que Fynlay estava errado.

O pai imprudente, e mais selvagem que civilizado, de Ewen estava sempre se metendo em confusão. Ele falava com sua espada e seus punhos, geralmente em uma pronúncia induzida pelo whisky. Lutar e beber eram esportes de que nunca se cansava. E apostar. Fynlay Lamont nunca encontrou um desafio louco ou perigoso demais para seu gosto. A última vez que Ewen esteve em casa, seu pai apostou que ele poderia lutar com uma alcatéia com suas mãos, nu em pelo.

Ele lutou e ganhou. Embora tenha sofrido uma lesão grave na perna quando um dos lobos conseguiu cravar os dentes nele.

Ao invés de retornar para o Castelo de Rothesay para seu treinamento como deveria fazer no inverno, Ewen ficou em Ardlamont para atuar como chefe de seu clã enquanto seu pai se recuperava. Passaram-se seis meses antes que Ewen pudesse retornar à casa de Sir James. Ele sentiu falta de cada minuto, mas se houve uma coisa que aprendeu com Sir James, foi a importância de cumprir seu dever.

Era certo como o inferno que não aprendeu isso com seu pai. Dever e responsabilidade eram um anátema para Fynlay Lamont. Ele deixou todos os outros para limpar sua bagunça. Primeiro Sir James, e agora, se tivesse seu desejo atendido, Ewen.

Mas Ewen não iria retornar para Ardlamont. Ele não se importava com o que seu pai queria. Ele estava indo ganhar um lugar na comitiva de Stewart e esperançosamente, se os homens nesta sala pudessem ser persuadidos, juntar-se às rebeliões iniciadas no último mês por um homem chamado William Wallace.

O Rei Edward da Inglaterra ordenou que os Lordes Escoceses aparecessem em Irvine em 7 de julho. A questão era se eles iriam marchar oito quilômetros até Irvine para se submeter ao Inglês ou marchariam para lutar contra ele.

Sir William Douglas, Lorde de Douglas, já tinha se juntado a Wallace e estava tentando recrutar seus parentes, Stewart, Menteith, e Robert Bruce, o jovem Conde de Carrick, a fazerem o mesmo. Sir James estava inclinado a juntar-se à luta; eram os outros que precisariam ser convencidos de que seguir a rebelião de um homem que nem mesmo era um cavaleiro, contra o rei mais poderoso da Cristandade, fazia sentido.

Com um pouco de sorte, Ewen estaria marchando para sua primeira batalha em poucos dias. Ele mal podia esperar. Como qualquer jovem guerreiro em torno desta mesa, sonhava com grandeza, em distinguir-se no campo de batalha. Então talvez todos parariam de falar sobre seu selvagem pai e dos lobos com o quais tinha lutado, os navios que ele quase encalhou em algumas loucas corridas ao redor das Ilhas, ou da noiva que tinha roubado do seu próprio chefe.

A voz de seu pai o congelou

— Quando estiver pronto, meu castelo será a maior fortaleza em toda a maldita Cowal com todo respeito, Stewart.

Oh Deus, não o castelo. Desta vez, Ewen não conseguiu evitar o calor subir pelo seu rosto.

— Onde irá para encontrar ouro? — Um dos homens riu. — Debaixo de seu travesseiro?

Era bem sabido que Fynlay não conseguia segurar uma moeda por mais tempo que levava para gastar no jogo. Também era bem sabido que seu famoso castelo permaneceu meio construído por dezesseis anos, desde o dia que a mãe de Ewen tinha morrido no parto, quando Ewen tinha apenas um ano de idade.

Ewen tinha tido o bastante. Não podia escutar seu pai por mais tempo. Ele empurrou a mesa e se levantou.

— Onde está indo? — Um dos seus amigos perguntou. — O banquete acabou de começar. Eles irão voltar com o whisky especial de Sir James em breve.

— Não se incomode, Robby. — Outro rapaz disse. — Você conhece Lamont. Ele não acredita em diversão. Provavelmente está saindo para polir a armadura de Sir James ou afiar sua espada ou olhar fixamente a poeira procurando por rastros por algumas horas.

Ele estava certo. Mas Ewen estava acostumado às suas brincadeiras sobre o quanto ele levava a sério seus deveres, então isso não o incomodava.

— Você deveria tentar olhar a poeira por um tempo mais, Thom. — Robby disse. — Pelo que ouvi, você não conseguiria encontrar um peixe em um barril.

Os outros riram, e Ewen aproveitou a oportunidade para escapar.

Uma rajada de ar frio e úmido o atingiu no momento em que pôs os pés para fora do salão. Tinha chovido a maior parte do dia, e embora fosse apenas final da tarde, o céu estava quase escuro como pano de fundo para o magnífico e novo castelo de pedra no alto do monte. Como o castelo de Stewart em Rothesay na ilha de Bute, em Cowal, seu Castelo Dundonald em Ayrshire era uma das mais impressionantes fortalezas na Escócia, refletindo a importância dos Stewarts à coroa.

Seguindo seu caminho, descendo a colina para o pátio do castelo, Ewen parou primeiro na sala de armas para checar a armadura e o armamento de Sir James, e então, tendo o visto, foi aos estábulos para se certificar que sua montaria favorita tinha sido exercitada. Ela tinha, então arrancou um fardo de grama e sentou para, como Thom tinha dito, olhar fixamente a poeira.

Era um jogo que jogava desde que era um garoto, sempre que precisava fugir, para ver quantos rastros poderia encontrar ou quantos detalhes poderia captar. No estábulo, ele gostaria de ver se poderia combinar os rastros com os cavalos.

— O que vê?

Ele virou, surpreso por ver Sir James na solteira da porta. O céu estava escuro às suas costas, lançando-o nas sombras. Alto e magro, seu cabelo ruivo escuro começando a ficar com listras cinza, a alta hereditariedade dos Stewarts da Escócia exalava nobreza e autoridade. Ele era um cavaleiro, e como todos os cavaleiros, ele era bom com a espada, mas o verdadeiro brilhantismo de Stewart era como líder. Era um homem a quem outros homens seguiriam de boa vontade para a guerra e, se necessário, para a morte.

Imediatamente, Ewen ficou de pé. Por quanto tempo ele estava aqui?

— Me desculpe, meu senhor. Estava a minha procura? A reunião acabou? O que foi decidido?

O senhor mais velho balançou sua cabeça e sentou no fardo, movendo-se para ficar ao lado dele.

— Nada, eu receio. Fiquei cansado da disputa e decidi que precisava de ar fresco. Suponho que você também precisava?

Ewen inclinou sua cabeça e concentrou-se em um longo pedaço de grama seca, não querendo que ele visse sua vergonha.

— Está olhando os rastros? — Sir James perguntou.

Ewen concordou, apontando para as marcas de patas na sujeira:

— Estou tentando encontrar marcas distintivas.

— Ouvi que superou todos os meus cavaleiros no desafio de rastreamento ontem. Bom trabalho rapaz. Mantenha-se assim, e será o melhor rastreador das Highlands.

O elogio de Sir James significava tudo para ele, e Ewen tinha bastante certeza de que o demonstrava. Ele inchou-se de orgulho, não sabendo o que dizer. Ao contrário de Fynlay, palavras não lhe vinham facilmente.

O silêncio se estendeu por uns poucos momentos.

— Você não é seu pai, filho. — Sir James disse.

Filho. Se apenas isso fosse verdade! Sir James era tudo que Fynlay não era: honrado, disciplinado, controlado e atencioso.

— Eu o odeio. — Ewen desabafou ferozmente, instantaneamente envergonhado de seu sentimento infantil e ainda incapaz de voltar atrás.

Uma das melhores coisas sobre Sir James era que ele não era condescendente com nenhum de seus homens não importando o quanto fosse jovem. Ele considerou o que Ewen disse.

— Gostaria que o tivesse conhecido quando era jovem. Ele era diferente nessa época. Antes de sua mãe morrer e a bebida tomar conta.

A mandíbula de Ewen apertou-se beligerante

— O senhor quer dizer quando ele sequestrou minha mãe do chefe dele?

Sir James franziu as sobrancelhas.

— Quem lhe disse isto?

Ele encolheu os ombros.

— Todo mundo. Meu pai. É bem sabido.

— Sejam quais forem os pecados de seu pai, não coloque esse a seus pés. Sua mãe foi com ele de boa vontade.

Ewen encarou o outro homem em choque, mas se havia alguém que saberia, era Sir James. A mãe de Ewen tinha sido sua prima favorita, e ele foi o homem a quem foram pedir ajuda quando as retaliações de Malcolm Lamont contra as atitudes precipitadas do seu pai tinham chegado.

— Foi por isso que os ajudou. — Ewen disse. De repente aquilo fez sentido. Ewen nunca havia entendido porque Sir James veio ao resgate de seu pai e evitou sua ruína após ter começado uma guerra por roubar a noiva do seu chefe.

— Dentre outras razões. — Sir James disse. — A espada do seu pai foi uma delas. Ele era, e ainda é, um dos melhores guerreiros das Highlands. Você será como ele nesse aspecto, eu acho. Mas sim, queria que sua mãe fosse feliz.

O sequestro de uma noiva foi, talvez, menos um pecado a creditar ao seu pai, mas Fynlay ainda tinha muitos deles sobrando. Isso não mudou o ato imprudente e desleal que o arruinou perante seu clã e quase presenciou a destruição dos Lamont de Ardlamont. Nem mudou tudo o que veio depois.

— O senhor não deveria ter permitido que ele viesse. — Ewen disse. — Não com Malcolm aqui.

Malcolm Lamont não era mais seu chefe. As ações de seu pai tinham causado o rompimento dos Lamonts de Ardlamont com seu chefe. Eles eram agora homens de Stewart.

— Não havia escolha. Malcolm é um dos homens de meu primo Menteith, como seu pai é meu. Seu pai me jurou que não irá quebrar a trégua, não importando o quanto Malcolm o pressione. Deus sabe que já há discórdia o suficiente entre meus parentes sem a antiga rixa entre seu pai e Malcolm entrando no meio disso.

Era difícil para Ewen questionar o seu senhor, mas ele perguntou de qualquer forma.

— E o senhor confia nele?

Sir James assentiu.

— Eu confio. — Ele levantou, — mas venha, devemos voltar. O banquete deve ter terminado agora.

Terminou, mas não pela razão que eles anteciparam. Eles saíram na chuva escura e ouviram um tumulto alto vindo do lado oposto do barmkin3. Era o som de aplausos, seguido de um suspiro, e então um silêncio mortal misterioso.

— Gostaria de saber o que é tudo isso? — Sir James perguntou.

Ewen sentiu um tremor de premonição.

De repente homens começaram a ir para o barmkin, correndo em direção ao castelo. Ele podia dizer pelas suas expressões que alguma coisa estava errada.

— O que foi? — Sir James perguntou ao primeiro homem que se aproximou. — O que aconteceu?

Ewen o reconheceu como um dos homens de Carrick.

— O chefe Lamont alegou que ninguém poderia escalar os penhascos na chuva. Wild Fynlay apostou com ele vinte libras que poderia. Ele chegou ao topo, mas escorregou na descida e caiu nas rochas abaixo.

Ewen congelou.

Sir James xingou. Seu pai tinha mantido sua palavra em não brigar, mas o desafio serviu o mesmo propósito. Os ânimos foram esquentando enquanto os homens tomavam partidos.

— Ele está morto? — Sir James perguntou.

— Ainda não. — O homem respondeu.

Poucos segundos depois, os oficiais da guarda de Fynlay entraram no barmkin, carregando o corpo de seu chefe. A princípio, Ewen recusou-se a acreditar que aquilo fosse diferente das centenas de outras vezes que seu pai tinha se machucado. Mas no momento que os homens de seu pai o deitaram na mesa no solar do Laird atrás de uma divisória de madeira no grande salão, Ewen soube que era o fim.

O imprudente desejo do se pai pela morte foi concretizado.

Ewen saiu para o canto mais longe do salão, como fizeram os homens de Fynlay, e então Sir James se despediu. Ele podia sentir seus olhos esquentando e odiou a si mesmo pela fraqueza, esfregando as costas das mãos sobre eles raivosamente. Fynlay não merecia sua emoção ou sua lealdade.

Mas Fynlay era seu pai. Não importa o quanto fosse selvagem, irresponsável, e imprudente, ele era seu pai. A culpa por suas palavras de antes fez o peito de Ewen queimar. Não queria dizer que o odiava. Não realmente. Apenas queria que ele fosse diferente. Ele teria ficado no canto, mas Sir James o chamou à frente.

— Seu pai deseja lhe falar algo.

Lentamente, Ewen aproximou-se da mesa. O guerreiro gigante cuja face assemelhava-se à sua parecia como se tivesse sido esmagado entre duas rochas. Seu corpo estava mutilado, quebrado e esmagado. Sangue estava por toda parte. Ewen não podia acreditar que ele ainda estava vivo. Sentiu que sua garganta se apertava, raiva e frustração correndo por ele em extraordinário desperdício.

— Você dará um bom chefe rapaz. — Seu pai disse suavemente, a voz profunda e estrondosa agora rouca e fraca. — Deus sabe, melhor do que jamais fui.

Ewen não disse nada. O que poderia dizer? Era a verdade, maldito seja o homem por isso. Ele esfregou as costas da mão nos olhos novamente, ainda mais furioso.

— Sir James prevê grandes coisas para você. Ele irá ajudá-lo. Procure-o em busca de orientação e nunca se esqueça do que ele fez por nós.

Como se pudesse. Ele e seu pai não concordavam em muita coisa, mas no que dizia respeito a Sir James pensavam da mesma forma: lhe deviam tudo.

A voz de Fynlay estava ficando cada vez mais fraca, e Ewen ainda não podia falar. Mesmo sabendo que o tempo estava se esgotando, ele não podia encontrar as palavras certas. Nunca tinha sabido como dar voz a seus sentimentos.

— A melhor coisa que fiz foi roubar sua mãe.

— Por que diz isto? — Ewen atacou, a emoção estourando de uma só vez. — Por que diz que a tomou quando não o fez? Ela foi com você de boa vontade.

Fynlay só conseguia levantar um lado de sua boca; o outro lado de seu rosto tinha sido esmagado pelas rochas.

— Não sei o que ela viu em mim. — Nem Ewen. — Acho que a única coisa irresponsável que ela fez em sua vida foi se apaixonar por um bárbaro. — Ele tossiu incontrolavelmente, emitindo um doentio som molhado, enquanto seus pulmões enchiam-se de sangue. — Teria ficado orgulhosa de você. Você pode parecer um bruto como eu, mas é muito parecido com ela. Desobedecer ao pai a dilacerava.

Ewen sabia tão pouco sobre sua mãe. Seu pai raramente a mencionava. Agora, de repente, quando o tempo tinha se esgotado, ele queria saber tudo. Mas era tarde demais. Seu pai estava partindo. A luz brilhou nos olhos de Fynlay. Um olhar selvagem veio sobre ele, e em uma última explosão de vida, agarrou o braço de Ewen.

— Prometa-me que irá terminá-lo por ela, rapaz. — Ewen endureceu. Ele queria fingir que não entendeu, mas não podia esconder a verdade da morte. — Prometa-me. — Seu pai repetiu.

Ewen deveria ter recusado. Toda vez que retornava para casa e via aquela pilha de rochas mal-acabadas, queria morrer de vergonha. Era um lembrete de tudo que seu pai tinha feito de errado. Era um lembrete de tudo que Ewen não queria ser.

Mas de alguma forma ele viu-se concordando. Dever e lealdade significavam algo para ele, mesmo que nunca tivessem significado para seu pai. Um momento depois, Wild Fynlay Lamont deu seu último suspiro.

Com a morte de seu pai, o tempo de Ewen à serviço de Sir James se encerrou. Ao invés de marchar para Irvine para juntar-se a Wallace e lutar contra os Ingleses, Ewen retornou para Ardlamont para enterrar seu pai e assumir seus deveres como chefe de clã.

Sir James disselhe para ser paciente. Para praticar suas habilidades de guerreiro e tornar-se pronto. Quando chegasse a hora, ele seria chamado.

Oito anos depois, quando Robert Bruce fez sua oferta para o trono e escolheu a dedo um time de guerreiros de elite para seu exército secreto, Ewen Lamont era o maior rastreador nas Highlands e preparado para responder ao chamado.


CAPÍTULO 1


Convento de Coldingham, perto de Berwick-upon-Tweed, Fronteira Inglesa nos idos de abril, 1310.


Ewen não segurava sua língua, o que muito frequentemente causava-lhe problemas.

— Você mandou uma mulher? Por que diabos faria isso?

William Lamberton, Bispo de St. Andrews, eriçou-se, seu rosto vermelho de raiva. Não foi a blasfêmia, Ewen sabia, mas a crítica não tão sutilmente implícita.

Erik MacSorley, chefe das Highlands Ocidentais e o maior marinheiro ao sul da terra de seus ancestrais Vikings, lançou um olhar impaciente a Ewen.

— O que Lamont quis dizer — MacSorley disse, tentando abrandar o importante prelado. — É que com os ingleses apertando sua vigia nas igrejas locais, poderia ser perigoso para a moça.

MacSorley podia não apenas navegar por entre um turbilhão de merda, podia também usar sua lábia para sair de uma e sair cheirando como uma rosa. Eles não poderiam ser mais diferentes a esse respeito. Ewen parecia pisar nisso sempre que caminhava. Não que se importasse. Ele era um guerreiro. Estava acostumado a chafurdar na lama.

Lamberton deu-lhe um olhar que sugeria que aquela lama era exatamente o lugar onde achava que Ewen pertencia — de preferência sob seu calcanhar. O eclesiástico dirigiu-se a MacSorley, ignorando Ewen completamente.

— Irmã Genna é mais do que capaz de cuidar de si mesma.

Ela era uma mulher — e uma freira. Como, nos infernos, Lamberton pensou que uma dócil, doce e inocente poderia defender-se contra cavaleiros Ingleses empenhados em descobrir os pró-Escoceses — mensageiros do clero — como eles tinham sido apelidados?

A Igreja tinha fornecido uma rede de comunicação chave para os escoceses através da primeira fase da guerra, enquanto Bruce lutava para retomar seu reino. Com a guerra novamente no horizonte, os ingleses estavam fazendo o seu melhor para fechar estas rotas de comunicação. Qualquer pessoa do clero, padre, frei ou freira atravessando as fronteiras para a Escócia tinha sido sujeito ao aumento do exame pelas patrulhas inglesas. Até mesmo peregrinos estavam sendo perseguidos.

Talvez sentindo a direção de seus pensamentos, Lachlan MacRuairi interveio antes que Ewen pudesse abrir sua boca e dificultar as coisas com Lamberton.

— Pensei que soubesse que estávamos vindo?

O magro e inofensivo bispo poderia parecer fraco, especialmente em comparação com os quatro guerreiros imponentes que estavam tomando muito da pequena sacristia do convento, mas Lamberton não desafiou o maior rei da Cristandade para colocar Robert the Bruce no trono sem considerável força e coragem.

Ele aprumou-se em toda sua altura, uns bons centímetros abaixo do mais baixo dos quatro soldados (Eoin MacLean, alguns centímetros acima de um metro e oitenta), e olhou de seu longo e fino nariz para um dos homens mais temidos da Escócia, como o nome de guerra “Viper” de MacRuairi atestava.

— Disseram-me para procurá-los na lua nova. Isso foi mais de uma semana atrás.

— Fomos atrasados. — MacRuairi disse sem maiores explicações.

O bispo não perguntou, provavelmente supondo corretamente que teve a ver com a missão secreta para a Guarda das Highlands, o grupo de guerreiros de elite selecionados a dedo por Bruce para formar a maior força de combate já vista, cada guerreiro sendo o melhor do melhor em sua disciplina de guerra.

— Eu não poderia esperar mais. Era imperativo que o rei receba esta mensagem o mais rápido possível.

Apesar de estarem na Inglaterra, não era sobre Eduardo o Plantageneta, o rei inglês, de quem Lamberton falava, mas do rei escocês, Robert the Bruce. Graças aos esforços de Lamberton em ajudar Bruce a chegar ao trono, o bispo tinha sido preso na Inglaterra por dois anos, e então liberado e confinado à diocese de Durham por mais dois. Embora recentemente tenha sido permitido ao bispo viajar pela Escócia, ele estava de volta à Inglaterra sob a autoridade inglesa. Era onde Bruce precisava que estivesse. O bispo era a fonte central da maioria das informações em um caminho sinuoso para a Escócia através de uma via complexa de igrejas, monastérios e conventos.

— Para onde ela foi? — MacLean perguntou, falando pela primeira vez.

— Para o mosteiro Melrose pelo caminho de Kelso. Ela partiu há uma semana, juntando-se a um pequeno grupo de peregrinos em busca dos poderes curativos da Abadia de Whithorn. Ainda que os ingleses os parem, eles a deixarão seguir caminho uma vez que ouvirem seu sotaque. O que os fariam suspeitar de uma freira italiana?

Os quatro membros da Guarda das Highlands trocaram olhares. Se a mensagem era tão importante quanto o bispo dizia, era melhor garantir que não suspeitassem.

MacSorley, que tinha o comando do pequeno time para essa missão, prendeu o olhar de Ewen:

— Encontre-a.

Ewen assentiu, não surpreso de que a tarefa tenha recaído sobre ele. Era o que fazia de melhor. Ele poderia não ser capaz de navegar ou usar a lábia num turbilhão como MacSorley, mas ele podia rastrear para a saída de um. Ele poderia caçar quase qualquer coisa ou qualquer um. MacSorley gostava de dizer que Ewen poderia encontrar um fantasma em uma tempestade de neve. Uma freira pequena não deveria causar-lhe muitos problemas.


Irmã Genna estava acostumada a encontrar problemas, então de início não ficou alarmada quando os quatro soldados ingleses os detiveram na periferia da cidade. Não era a primeira vez que tinha sido interrogada por uma das patrulhas inglesas que percorriam as fronteiras de um dos castelos que ocuparam, e ela estava confiante em sua habilidade de usar sua conversa para sair de dificuldades.

Mas não tinha contado com sua companhia. Por que, oh por que, deixara Irmã Marguerite vir junto com ela? Sabia que não devia envolver outra pessoa. Não tinha aprendido sua lição quatro anos atrás?

Mas a jovem freira com disposição doentia, grandes olhos negros, cheia da solidão e tão longe de seu lar tinha penetrado na determinação de Genna de evitar afeições. Nos últimos nove dias da jornada de Berwick-upon-Tweed para Melrose, Genna descobriu-se cuidando da garota que recentemente fez seus votos, certificando-se que ela comia o suficiente e que a caminhada não lhe fosse cansativa em demasia.

A garota — com apenas dezoito anos, Genna não poderia pensar nela como qualquer outra coisa — já sofria de uma doença respiratória desde que deixaram Berwick. Irmã Marguerite sofria do que os gregos chamavam de asma4. A doença pulmonar a tinha tirado de sua casa em Calais para uma peregrinação em busca dos poderes curativos de santuário de St. Ninian na Abadia de Whithorn.

Mas a jornada de Genna tinha chegado ao fim em Melrose, e quando chegou a hora delas seguirem caminhos separados nesta manhã, Genna viu-se com a garganta ficando suspeitosamente apertada. Marguerite tinha olhado para ela com aqueles olhos castanhos emotivos e implorou para que Genna a deixasse caminhar com ela parte do caminho. E Deus a perdoe, Genna cedeu.

— Só até Gallows Brae. — Lhe disse, referindo-se a pequena montanha não muito além da encruzilhada do mercado onde a igreja costumava enforcar seus criminosos. Que mal poderia acontecer à garota no meio do dia, em uma curta distância da Abadia?

Em excesso, ao que parece.

Marguerite deu um grito assustado enquanto os soldados os cercaram, e Genna lhe lançou um olhar tranquilizador. Vai ficar tudo bem, ela disselhe silenciosamente. Deixe-me cuidar disso.

Genna virou para o soldado atarracado com um toque de vermelho em sua barba, a quem ela tomou pelo líder. Sentado em seu cavalo com o sol às suas costas, ela encontrou-se apertando os olhos para o brilho de sua armadura. O pouco que podia ver de seu rosto debaixo do elmo de aço e barrete parecia insensível, grosseiro e não muito amigável.

Ela falou primeiro em italiano, com suas raízes no latim vulgar, o que ficou claro que ele não entendeu, e então num forte sotaque francês que ela usava com Irmã Marguerite e que era mais comumente compreensível na área, que ele entendeu. Olhando-o diretamente nos olhos e dando-lhe seu sorriso mais respeitoso, ela disselhe a verdade.

— Nós não carregamos mensagens. Somos apenas visitantes em seu país. Como se diz… p-p.... — ela fingiu, procurando pela palavra certa.

Ele a olhou em silêncio. Deus, o homem era grosso, mesmo para um soldado! Ao longo dos últimos anos ela cruzou com sua cota deles. Desistindo, ela apontou para seu bastão de peregrino e para o emblema de concha de cobre de St. James que usava em seu manto.

— Peregrinos? — Ele completou, solícito.

— Sim, peregrinos! — Ela lhe sorriu como se ele fosse o homem mais brilhante do mundo.

O homem podia ser grosso, mas não era facilmente descartado. Seu olhar se aguçou primeiro nela e então em Marguerite. Genna sentiu seu pulso saltar, não gostando do modo que seu olhar se tornou avaliativo.

— Por que não fala, Irmã? O que está fazendo aqui na estrada sozinha? — Ele perguntou a Marguerite.

Genna tentou responder por ela, mas ele a cortou:

— Eu irei ouvir dela mesma. Como poderei ter certeza de que são estrangeiras como diz?

Ele disse algo em inglês para um de seus companheiros e Genna teve o cuidado de não reagir. Não queria que ele percebesse que ela entendia o inglês. Nem mesmo Marguerite sabia disso.

— Olhe aqueles peitos — ele disse, apontando para Marguerite. — Aposto que são metade do peso dela.

Marguerite lhe jogou um olhar aterrorizado, mas Genna balançou a cabeça em incentivo, grata pela ignorância de Marguerite das palavras deles. Ainda assim, os batimentos de Genna aceleraram-se.

— Nós estávamos nos despedindo, monsieur — Marguerite explicou em seu francês nativo.

Seus olhos brilharam.

— Despedindo? Pensei que estivessem em uma peregrinação?

Temendo o que Marguerite pudesse não intencionalmente revelar, Genna interrompeu novamente.

— Meu destino era Melrose. Irmã Marguerite busca os poderes curativos da Abadia de Whithorn.

Seus olhos se estreitaram na jovem freira, demorando em seu rosto magro e tez pálida. Pela primeira vez, Genna estava grata que o frágil estado de saúde de Marguerite estivesse refletido em sua aparência delicada.

— É mesmo? — Ele perguntou lentamente. — Eu não percebi que a Abadia de Melrose era um popular destino de peregrinação.

— Talvez não tão popular quanto Whithorn ou Iona, mas popular o suficiente para aqueles que reverenciam a Senhora — ela disse, benzendo-se reverentemente, e ele fez uma careta. Melrose, como todas as abadias cistercienses, era dedicada à Virgem Maria.

— E viaja sozinha? Isso é um tanto incomum.

Genna já tinha tido um cão como ele antes. Uma vez que pegava um osso, não largava. Ela só precisava encontrar uma maneira de fazê-lo largar o osso. Mas primeiro precisava se certificar que Marguerite estivesse a uma distância segura.

— Em meu país, não. Apenas alguém possuído pelo diabo machucaria uma noiva de Cristo. — Pausou inocentemente, deixando-o considerar aquilo. Seu rosto escureceu, e ela continuou. — Há um grupo de peregrinos que passamos a caminho da Abadia de Dryburgh — que era apenas a alguns quilômetros de distância. — Espero me juntar a eles para o restante da jornada. Talvez o senhor terá a gentileza de me mostrar o caminho?

Sem esperar que ele respondesse, ela puxou Marguerite para um abraço. Com alguma sorte, Marguerite já teria ido antes que ele percebesse o que havia feito.

— Adeus Irmã, Deus a acompanhe em sua viagem. — Disse alto, então sussurrou em seu ouvido de forma que só ela pudesse escutar. — Vá... rápido... por favor.

A garota abriu sua boca para argumentar, mas as mãos de Genna apertaram-se em seus ombros para afastar seus protestos. Marguerite deu-lhe um longo e ansioso olhar, mas ela fez o que lhe foi ordenado e começou a ir embora. Ela tentou escapar por uma abertura entre dois dos cavalos, mas o líder a parou.

— Espere aí, Irmã. Nós ainda não terminamos de fazer nossas perguntas. Terminamos, rapazes?

A forma como os homens entreolharam-se fez o pulso de Genna dar um salto ansioso. Eles estavam se divertindo com isso, e estava claro que não era a primeira vez que estavam nessa posição. Poderia esses soldados ter algo a ver com o grupo de freiras que desapareceu ano passado?

Ela procurou ao redor por ajuda. Era o meio do dia — meio da manhã, na verdade. Com certeza alguém passaria por esse caminho logo. No entanto, embora a aldeia estivesse bem atrás deles, as árvores frondosas que encobriam a estrada como um túnel arborizado impediam qualquer um de vê-los. E mesmo se fossem vistos, alguém iria interferir? Seria preciso uma alma corajosa para enfrentar quatro soldados ingleses com armaduras.

Não, cabia a ela tirá-las dessa. Tentara apelar para a vaidade do líder e não tinha funcionado. Nem apelar para sua honra, o que parecia claramente lhe faltar. O homem era um valentão, que gostava de atacar os fracos e os vulneráveis o que, felizmente, ela não era. Mas ele tinha mostrado desconforto quando lhe lembrou de seu status santo, então se concentraria naquilo.

Um rápido olhar em Marguerite fez seu coração afundar com pavor. Que Deus as ajudasse, o medo estava provocando um dos ataques de Marguerite! Apesar de ter acontecido apenas uma vez antes, Genna reconheceu o rápido arquejo revelador da respiração.

Genna não tinha muito tempo. Tendo perdido a paciência com o jogo do soldado, ela correu para a menina e puxou-a para debaixo de seu braço, protetoramente. Ela murmurou palavras tranquilizadoras, tentando acalmá-la, e o tempo todo olhando para o capitão.

— Veja o que fez. Você a perturbou. Ela está tendo um ataque.

Mas as palavras pareciam não ter efeito nenhum no homem.

— Isso não irá levar muito tempo. — Ele falou. — Tragam-nas, — disse a seus homens em inglês, presumindo que ela não fosse entender.

Antes que Genna pudesse reagir, ela e Marguerite estavam sendo arrastadas para dentro da floresta, seu bastão caído em vão nas folhas atrás deles. Marguerite estava agarrando-se nela freneticamente e soltou um grito desesperado quando os soldados finalmente conseguiram separá-las.

Genna tentou parecer calma embora seu coração estivesse acelerado.

— Não se preocupe, Irmã — ela disse, confiante. — Isso irá se resolver rapidamente. Tenho certeza que esses bons homens cristãos não irão nos fazer mal.

Era pecado mentir, mas em alguns casos, ela estava certa de que isso seria perdoado. Genna não precisou entender as palavras dos soldados para adivinhar o que planejavam. Mas infelizmente, ela entendia cada um deles, desse modo ouviu os detalhes arrepiantes.

— A velha é mais bonita. — O capitão disse, trocando novamente para o inglês para falar com seus homens. — Mas é melhor começarmos com a doente no caso dela não durar. Eu quero ver aqueles peitos.

Genna forçou-se a não mostrar qualquer reação a suas palavras, mas raiva, e talvez uma pontada de medo ao ouvi-los falar tão naturalmente sobre estupro e a morte de sua amiga, correu por ela. E não tinha intenção nenhuma em permitir que aquilo acontecesse. E vinte sete anos era madura, não velha!

A situação estava piorando, mas Genna estivera em muitas situações difíceis antes. Esta poderia ser mais difícil que a maioria, mas ainda não tinha acabado.

Os soldados não se importaram em levá-las para muito longe, quase como se eles soubessem que ninguém ousaria interferir. Bruce podia controlar o norte da Escócia, mas o reinado Inglês de terror ainda estava com força total nas fronteiras escocesas. Os ingleses atuavam impunemente, exceto por ocasionais ataques ou emboscadas dos homens de Bruce. Os ingleses não eram mais do que salteadores com autoridade, Genna pensou. Mas logo Bruce os enviaria correndo de volta para a Inglaterra. Ela havia se colocado nessa posição para ajudar a garantir que isso aconteceria.

Eles entraram numa pequena clareira entre as árvores, e os homens as libertaram com um forte empurrão. As duas mulheres tropeçaram, Genna mal conseguindo segurar-se antes de cair de joelhos. Marguerite não tivera tanta sorte, e Genna assistiu com horror enquanto seus arquejos intensificavam-se. Ela não conseguia mover suas mãos e joelhos, como se o esforço fosse demais para ela.

— Vejo que ela está pronta para nós. — Um dos soldados sorriu com escárnio.

Genna baixou a cabeça, balbuciando uma oração em Latim para que os homens não vissem suas bochechas queimarem de raiva. Ela poderia ser inocente, mas já tinha estado em celeiros suficientes com animais no cio para entender o que ele quis dizer. Aparentemente, homens não eram diferentes.

O capitão estava olhando para o traseiro levantado de Marguerite. Quando sua mão se dirigiu para baixo da malha de sua armadura para afrouxar os laços da cintura, Genna soube que teria de agir rápido.

Ela colocou-se entre eles, tentando dissuadi-lo de sua intenção sórdida ou pelo menos converter-se para ela.

— Minha irmã está doente, senhor. Talvez se me disser o que está procurando eu possa esclarecer esse mal-entendido, e todos poderemos seguir com nossas obrigações. Nossa com Deus, — ela o lembrou. — E dos senhores com seu rei.

Estava claro que ele tinha esquecido o propósito original pelo qual as tinha parado.

— Mensagens. — Ele disse, seu olhar movimentando-se impacientemente para Marguerite atrás dela. — Sendo levadas ao norte para os rebeldes por padres — e mulheres da igreja. — Ele acrescentou. — Mas traição não irá mais esconder-se sob vestes sagradas. Nós tivemos relatos de que muitas dessas mensagens passaram pela Abadia Melrose. O Rei Eduardo pretende pôr um fim a isso.

— Ah. — Ela disse, como se entendesse de repente. — Agora, vejo a razão para sua suspeita, senhor. Estava justificado nos parar, mas como eu lhe disse, nem Irmã Marguerite nem eu carregamos nenhuma destas mensagens.

Estendeu a bolsa de couro que carregava com seus pertences para ele inspecionar. Curvando-se, ela alcançou a pequena bolsa de Marguerite, tentando ignorar o ofegar frenético da respiração de sua amiga. Conforto teria de esperar. Desatando-a, ela a levou até ele. Ele mal olhou para dentro antes de jogá-las fora.

— Vê? — Ela disse. — Nada a esconder. Agora que provamos ao senhor nossa inocência, não tem nenhum motivo para nos deter.

Estava zangado; ela podia ver isto. Mas quanto mais o atrasasse, mais tempo ele tinha para pensar sobre suas ações — suas ações injustificadas. Ele parecia estar hesitando quando um dos homens sugeriu: — E se estiver escondido em algum outro lugar, Capitão?

Ela fingiu não o entender, mas um calafrio percorreu sua espinha enquanto um sorriso lento se espalhava na boca do capitão. Ele estendeu a mão e arrancou seu véu. Gritou quando os grampos foram arrancados, e seu cabelo caía pelas suas costas em uma massa pesada de seda. Suas mãos imediatamente foram para sua cabeça, mas não havia maneira de escondê-lo.

Ela praguejou diante da reação que isso provocou, ouvindo as exclamações e as imprecações. As longas mechas douradas eram sua única vaidade, sua única ligação com seu passado. Janet de Mar estava morta; era bobagem agarrar-se ao que ela tinha sido. Mas não podia suportar cortar seu cabelo como a maioria das freiras o fizera. E agora aquela vaidade poderia custar a ela.

O capitão soltou um assobio baixo.

— Olhe para isso, rapazes. — Ele disse em inglês. — Deparamo-nos com uma verdadeira beleza. Imagino o que mais a moça está escondendo debaixo destes mantos?

Nenhum treinamento poderia tê-la impedido de vacilar diante das palavras que não deveria entender, sabendo o que ele pretendia fazer. Felizmente, ele estava arrebatado demais para notar sua reação. Puxou-a para cima, colocou suas mãos enluvadas em seu pescoço, e rasgou o tecido de lã grossa de sua escápula e hábito até a cintura.

Marguerite gritou.

Genna podia ter gritado também. Ela lutou, mas era forte demais. Ele rasgou o manto de seu pescoço e puxou o vestido danificado pelos seus ombros. Tudo o que evitava a sua nudez era uma camisa fina que era boa demais para uma freira — outro deleite indulgente, mas ele não notou. E após algumas lágrimas mais, aquilo também se foi. Lã e linho tinham sido reduzidos a tiras de tecido pendurados em seus ombros. Ela tentou cobrir-se, mas ele puxou seus braços para longe.

Os olhos do capitão ficaram escuros de luxúria e seu olhar fixo prendeu-se em seus seios nus.

Seu coração congelou de terror. Por um momento sua confiança vacilou.

— O que ela tem nas costas, Capitão? — Um dos homens disse por trás dela. Genna queria agradecê-lo. Suas palavras — seu lembrete — apagou o medo de seu coração, substituindo-o com uma determinação abrasadora. Ela as tiraria dessa situação.

Ela girou para ele, não se preocupando em cobrir-se.

— Elas são as marcas de minha devoção. Você nunca viu as marcas de chicotes e uma camisa de silício?

Os homens assustaram-se. Genna sabia o que eles viram: as linhas horríveis de carne enrugada rosa pálido que marcavam suas costas claras. Mas ela não a via dessa forma. As cicatrizes eram um lembrete, um símbolo que usava para lembrá-la de um dia que nunca podia permitir-se esquecer. De um homem que tinha sido como um pai para ela e cuja morte estava em sua alma. Essas cicatrizes a fizeram mais forte. Deram a ela um propósito.

— Nunca vi cicatrizes assim em uma mulher antes.

— Eu não sou uma mulher. — Ela estalou ao homem que tinha falado. Ele era mais novo e não tão certo como os outros quanto ao curso que seu capitão tinha definido. — Sou uma freira. Uma noiva de Cristo.

Ela esperou que isso fosse mais uma daquelas vezes em que uma mentira não seria considerada um pecado. Ela puxou para baixo os pedaços de pano que sobraram, girando lentamente, de modo que cada homem pudesse ver.

— Toque em qualquer uma de nós e sofrerá eternamente o fogo do inferno. Deus irá puni-los por suas transgressões.

O homem mais jovem ficou branco.

Ela olhou de volta para o capitão, seus olhos brilhando com a fúria de sua convicção, desafiando-o a chegar perto dela.

— Nossa inocência é para Deus. Tome-a e irá sofrer.

O capitão começou a recuar e Genna soube que tinha ganhado. Ela deu um passo em sua direção, implacável e sem esconder-se.

— Seu corpo queimará com o fogo de seu pecado. Sua masculinidade irá murchar, seus culhões ficarão do tamanho de passas, e nunca mais conhecerá outra mulher. Irá ser condenado pela eternidade.


Ewen e MacLean estavam se aproximando da Abadia de Eildon Hill através do Velho Bosque quando escutaram a mulher gritando. Sem saber o que iriam encontrar, eles aproximaram-se cuidadosamente, a pé, usando as árvores como cobertura.

Ewen ouviu a voz dela primeiro e deu um olhar ao seu parceiro. MacLean tinha escutado também. Sua boca formou uma linha dura, e ele concordou. As palavras poderiam ser em francês, mas o sotaque era italiano romano, a não ser que ele tenha perdido sua mira.

Parecia que eles tinham acabado de encontrar sua freira. Ele espiou por entre as árvores para confirmar e ficou imóvel com o que viu, momentaneamente atordoado.

Santo Inferno! Sua boca ficou seca e um calor se instalou na parte baixa de sua virilha enquanto ele contemplou uma mulher seminua com uma desordenada cabeleira dourada selvagem. Capturava a luz em uma cascata cintilante de ouro e prata. Mas foi a pele nua no qual ele se enroscava que o sacudiu com um duro dardo de luxúria. É certo, no entanto, que ele estava para ver um par de seios que não gostasse, mas esses...

Ele não achou que já tinha visto algum tão belo. Eles não eram muito grandes, mas bem agradáveis assim como sua cintura fina e barriga lisa. Suaves e redondos, com uma alta ousadia juvenil, a pele branca como leite era cremosa e impecável, não precisava tocá-la para saber o quão aveludadamente suave ela poderia ser.

Mas ele queria tocá-la. Queria correr suas mãos por sobre aqueles montes suaves e enterrar seu rosto na fenda profunda entre eles. Queria passar seus polegares sobre a delicada ponta rosada até elas endurecerem, e então circular as pontas duras com sua língua bem antes de colocá-las em sua boca e sugá-las.

Jesus!

Um olhar de reprovação o fez franzir suas sobrancelhas quando ele notou o estranho punhado de cicatrizes em suas costas. Vagamente, ele perguntava-se sobre elas, mas sua atenção estava focada demais na perfeição de dar água na boca no seu seio.

Aparentemente imaginando o que tinha prendido sua atenção, MacLean inclinou-se para dar uma olhada.

Sua baixa imprecação tirou Ewen de seu estupor momentâneo.

Ela era uma freira, pelo amor de Deus!

Algo que os soldados ingleses pareciam ter esquecido. Não era apenas seu vestido e camisa em farrapos, um tanto fina para uma freira, Ewen notou pelo bordado intrincado, mas as expressões lascivas dos soldados que deixava claro o que eles pretendiam, e Ewen sentiu uma onda de raiva correr através dele. Estuprar uma freira exigia um tipo especial de maldade.

Ele cutucou MacLean, que parecia tão aturdido quanto ele, e os dois homens prepararam-se para atacar. Normalmente, Ewen preferia uma lança à arma de um soldado da infantaria, mas como eles tinham estado cavalgando, foi a espada que ele sacou da bainha em suas costas.

Estava prestes a dar o sinal quando ela partiu para o ataque. Ele parou. Era magnífico. Uma das coisas mais corajosas que já tinha visto. Quis baixar sua espada e aplaudir. Ela poderia ser uma freira, mas tinha o coração de uma Valquíria5. Cada palavra apaixonada ressoava com a voz de autoridade e convicção enquanto defendia sua castidade. Sua sagrada castidade.

Ele estremeceu, a lembrança golpeando perto demais. Mas qualquer luxúria restante que poderia estar sentindo foi duramente pisada por suas palavras exaltando a ladainha de horrores que recairia sobre eles por tocá-la. Murchar? Passas? Ele estremeceu e ajustou-se. Para uma mulher do clero, com certeza não lhe faltava imaginação. Mas certamente não seria algum tipo de pecado dar seios como aqueles para uma freira?

Ele deu o sinal.

Com o grito de guerra feroz da Guarda das Highlands, — Airson an Leòmhann, — ele e MacLean dispararam para a clareira.

CAPÍTULO 2


Janet — ou melhor, Genna — sabia que tinha vencido quando o olhar do capitão Inglês mudou. Ele já não estava olhando para seus seios com qualquer coisa parecida com luxúria. Na verdade, parecia estar fazendo qualquer coisa para evitar olhar para ela em tudo. Mas ela mal provou sua vitória quando dois homens saíram das árvores e garantiram isso.

No início, o som de seu grito de guerra enviou uma corrida de calafrio na espinha dela. Embora tivesse se passado um longo tempo desde que usara sua língua nativa, traduziu as palavras gaélicas com bastante facilidade: Para o Leão. O grito era desconhecido para ela, e não conseguia o conciliar imediatamente com um clã. Mas eles eram Highlanders — o que entendeu bem — e, portanto, amigos.

Ela mordeu o lábio. Pelo menos esperava que fossem amigos.

A eficiência fria com que dispensaram os soldados deu a ela uma pausa. Ela não apreciaria ter que sair de outra situação perigosa. E tudo sobre estes homens personalizava perigo.

Genna tivera pouco contato ao longo dos últimos anos com os homens de sua cidade natal e tinha esquecido o quão grandes e intimidantes que eram. Altos, de ombros largos e musculosos, Highlanders eram tão duros, ásperos e indomáveis quanto a paisagem selvagem e proibitiva que os gerou. Eles também eram guerreiros excepcionais, o seu estilo de luta sem-restrições um legado dos atacantes noruegueses que tinham invadido suas costas gerações atrás.

Ela estremeceu. Estes dois não eram diferentes — exceto, talvez, ainda mais hábeis em matar do que a maioria. Genna encolheu-se e afastou-se quando um dos homens enfiou a lâmina na garganta do jovem soldado Inglês. Ela odiava a visão de derramamento de sangue, mesmo quando justificada.

Mal teve tempo de pegar sua capa, jogá-la ao redor de seus ombros para cobrir sua nudez, e ajudar Marguerite a se firmar em seus pés antes que a luta terminasse. Os quatro ingleses vestidos de armadura estavam em montes sangrentos no gramado da charneca.

A ameaça estava acabada. Embora quando ela notou o homem andando na direção delas enquanto fazia o seu melhor para acalmar uma Marguerite soluçante, ela reconsiderou.

Um estranho arrepio se espalhou sobre sua pele quando o olhar do guerreiro encontrou o dela. Genna engasgou e seu coração deu um pequeno tropeço estranho, como se começasse e interrompesse em rápida sucessão.

Ela podia ver pouco de seu rosto sob o elmo com aço no nariz. Bondade gloriosa, os Highlanders ainda usam esses? Sua mandíbula estava coberta por alguns bons centímetros desde a nuca, mas parecia forte e imponente tal como o resto dele. Na verdade, tudo sobre a sua aparência exterior era ameaçadora, desde o elmo ameaçador, ao cotun6 de couro-preto-salpicado-de-sangue-e-pó cravejado com pedaços de aço, à infinidade de armas amarradas em seu físico musculoso (parecia ser a segunda vez que ela reparava isso). No entanto, olhando para o azul de aço de seus olhos, sabia que ele não era uma ameaça. Para ela, pelo menos. Os soldados mortos atrás dele podiam discordar.

Ela soltou um suspiro que não percebeu estar segurando.

Ele era apenas um guerreiro comum nas Highlands. Talvez um pouco mais fisicamente dominante do que a maioria, mas nada que ela não pudesse suportar. Genna cruzou o caminho de centenas de combatentes ao longo dos anos, o que nunca tinha sido problema.

Ainda assim, algo sobre ele a fez desconfortável. Talvez fosse a maneira como capturou seu olhar todo o tempo em que caminhou em direção a elas com uma expressão inescrutável no rosto. Ela era boa em ler as pessoas, avaliando-os, mas ele não facilitava em nada.

O quanto tinha visto? Do jeito que ele olhou para a capa quando chegou e parou na sua frente, ela suspeitava suficiente. Um rubor inoportuno deixou suas bochechas coradas. Sentindo-se como se ele de repente tivesse vantagem sobre ela, Genna decidiu que quanto mais rápido isso acabasse melhor.

Ela soltou Marguerite e caiu de joelhos, agarrando a mão enluvada em couro e despejando uma rápida sucessão de agradecimentos em francês intercalados com orações em italiano. Com alguma sorte, como a maioria dos escoceses comuns (e nada sobre sua aparência sugeria o contrário), ele não falava italiano ou francês, e isso seria uma conversa rápida, de fato.

Se conseguisse, teria derramado uma lágrima ou duas, mas algumas coisas estavam além de suas habilidades de atuação. O olhar de gratidão reverente que ela tinha adotado poderia ter funcionado, mas quando ele olhou para seu cabelo e franziu a testa, Genna se lembrou de que não estava usando o véu. Sem ele, se sentiu... exposta. Já se passara um longo tempo desde que tinha se sentido como uma mulher aos olhos de um homem, e isso fez com que se sentisse estranhamente vulnerável. Ela esteve fingindo ser uma freira por tanto tempo que quase esquecer que não era uma delas. Por enquanto não, pelo menos.

Sem parar para deixá-lo ter uma palavra, ela se levantou e agradeceu-lhe novamente antes de soltar sua mão. Ela arrancou seu véu caído do chão para prendê-lo sobre a cabeça, unindo o braço de Irmã Marguerite no dela, e começou a se afastar. Ela iria devolvê-la à abadia, certificar-se de que estava tudo bem com a jovem freira, e depois partir o mais rapidamente possível — desta vez, sozinha.

Mas parecia que sua propensão para encontrar problemas não tinha acabado.

— Irmã Genna. — O escocês disse em um perfeitamente e acentuado francês normando. — Nós não terminamos ainda.

Ela abafou um xingamento, percebendo que isso não ia ser mais tão rápido quanto esperava.

E como ele sabia o nome dela?

O que no Hades7 estava acontecendo? Era esta criatura de sorriso afetado que apenas balbuciava sobre sua luva a mesma ousada Valquíria que tinha corajosamente se defendido e a sua companheira contra quatro soldados ingleses?

Ewen estava tendo um momento difícil para conciliar as duas, quando percebeu que ela estava indo embora. Quando a parou, podia jurar que a ouviu murmurar um xingamento antes de ela se virar.

— Você fala francês?

Embora ela disse com um sorriso no rosto, ele suspeitava que não estava nada satisfeita.

Ele balançou a cabeça, sem se preocupar em responder à pergunta óbvia.

— Você sabe meu nome?

Novamente, não viu razão para responder. Ele olhou para a jovem ao lado dela, cujo choro havia diminuído e que agora parecia quase demasiado calmo.

— A moça. — Ele cuspiu bruscamente. — Ela está doente?

— Irmã Marguerite sofre de uma doença pulmonar. — Irmã Genna disse na maneira piedosa e subserviente que ela tinha adotado. Mas não perdeu a maneira sutil em que ela enfiou a mulher mais jovem atrás dela, como se colocasse entre a menina e qualquer ameaça que ele pudesse representar. Ewen admirava o impulso, não importando o quão ridículo fosse.

A freira mais jovem se recuperou o suficiente para explicar.

— Asma. — Ela disse em uma voz vacilante. — Eu me sinto muito melhor agora, mas se a Irmã Genna não os tivesse parado quando os parou... — A voz dela falhou e seus olhos se encheram de lágrimas novamente.

Sua protetora feroz lançou a ele um olhar de reprovação, mostrando um lampejo do espírito que ela mascarava por trás do exterior reverente. Estava feliz que ela se cobrira e colocara o véu, mas até mesmo a memória do que estava por baixo era perturbadora.

— Você está a perturbando. Como pode ver, ela está doente, e eu preciso levá-la de volta à abadia de imediato. Então, enquanto eu agradeço a sua ajuda, tenho certeza que você não deseja nos atrasar por mais tempo. Nem eu imagino que queira estar aqui quando esses homens forem encontrados. Certamente devem ter outros na área.

Era evidente que a moça estava tentando se livrar dele, e ele não achava que era a preocupação com o bem-estar deles que a motivou. Será que ela achou que assustá-lo com os ingleses iria afastá-lo? Ele quase riu.

— Vou manter isso em mente. — Disse ele secamente. — Mas você não vai a lugar algum.

MacLean tinha terminado a eliminação dos corpos o melhor que pôde e chegou-se ao lado dele.

— Cristo, Hunter. — Disse ele em voz baixa em gaélico. — Você poderia tentar explicar em vez de emitir decretos.

Dado que MacLean era apenas ligeiramente brusco e possuía uma melhor e gradativa classe quando se tratava de comunicação, a crítica foi um pouco irônica.

— Meu nome é Eoin MacLean, e este é Ewen Lamont. — MacLean disse em francês falho.

Ao contrário de Ewen, MacLean não era rápido com idiomas. Normalmente, eles usavam os seus nomes de guerra para missões nas muralhas nas Highlands, mas como esta missão não estava encoberta e as freiras seriam capaz de ver seus rostos para identificá-los, eles decidiram que era mais seguro usar seus nomes de clãs.

— Fomos enviados para encontrá-la. — Acrescentou ele.

Ewen não perdeu o olhar de cautela instantâneo que ela lançou em sua direção com a menção de seu clã. Um olhar que, infelizmente, ele estava acostumado entre os apoiantes de Bruce. Como os MacDougalls, Comyns e MacDowells, o nome Lamont não era um confiável.

A longa disputa entre os dois ramos dos Lamonts não tinha terminado com a morte de Fynlay em Dundonald. O primo de Ewen, John, o atual Chefe de Lamont, tinha escolhido lutar com o clã de sua mãe, os MacDougalls, contra Bruce. Quando os MacDougalls tinham sido perseguidos da Escócia após a Batalha de Brander, seu primo tinha sido exilado com os MacDougalls, e a grande propriedade de Mac Laomian mor Chomhail uilethe, A Grande Lamont de toda Cowal, foi perdida para a coroa, incluindo as importantes fortalezas do clã de Dunoon e Carrick.

Distanciar-se da rebelião de seu primo e do legado — selvagem — de seu pai era uma batalha constante. Mas ele estava surpreso que uma freira italiana estivesse informada da política dos clãs.

— Quem enviou... — Ela parou, obviamente se lembrando de sua companheira. Lentamente, ela balançou a cabeça. — Entendo.

Ela percebeu que devia ter sido Lamberton a enviá-los até ela.

— Com um empreendimento tão importante como a sua, uh... Peregrinação. — MacLean acrescentou. — Seus superiores estavam preocupados para que nada desse errado e quiseram ter certeza de que você chegasse a seu destino em segurança. Como descobriu, há muitos inimigos da Igreja estes dias.

Ewen não tinha percebido que MacLean era tão adepto de falar com duplo sentido — especialmente em uma língua que ele não era exatamente fluente, — mas estava claro que a Irmã Genna entendeu o que ele estava tentando dizer: eles estavam aqui para garantir que a mensagem para Bruce não se extraviasse.

Ewen estava estudando-a enquanto MacLean falava e não perdeu o lampejo do que poderia ser considerado irritação nos olhos dela. Eram azul mar, ele percebeu. Uma muito bonita, muito cristalina sombra de verde azulado. E que tipo de freira possuía cílios longos e cheios como essa?

Seja qual fosse a irritação que ele tinha detectado foi rapidamente sufocada por trás da fachada piedosa.

— Temo que sua viagem seja desnecessária. Cheguei ao meu destino, há dois dias sem problemas. Na verdade, eu estava em meu caminho de volta para Berwick esta manhã. Irmã Marguerite estava simplesmente andando comigo para a colina para dizer adeus.

— Você estava planejando viajar sozinha? — Disse Ewen.

Não se preocupou em manter a incredulidade longe de sua voz, e o rosto dela quando se virou para ele era sereno o suficiente, mas Ewen poderia jurar que seus olhos estavam atirando minúsculos dardos azul-esverdeados para ele.

Porra, ela era bonita! Não era muito velha nem muito jovem. Ele achava que estava em seus vinte e poucos anos — um punhado de anos mais jovem do que seus trinta. A outro era bonita também, de uma forma frágil e impotente que Irmã Genna estava tentando adotar, mas ela não parecia muito mais velha do que uma criança.

— Esperava alcançar um outro grupo de peregrinos na Abadia de Dryburgh, a poucos quilômetros de distância. Nós, no serviço de Deus, somos usados para caminhar longas distâncias. Eu ando muito mais para vender o nosso bordado no mercado. A maioria das pessoas que encontro na estrada não são como estes.

— Mas alguns são. — Ele ressaltou.

Ela encolheu os ombros com muito menos preocupação do que deveria. Mesmo depois do que tinha acontecido, parecia alheia ao perigo em que estava. O que só reforçou sua crença de que as mulheres não deviam fazer parte na guerra — nem mesmo religiosas que atuavam como mensageiras. As mulheres eram muito frágeis. Muito confiantes. Muito inocentes do lado feio do mundo. Como podia esperar se defenderem contra um cavaleiro armado?

Embora ele admirasse a coragem e o espírito que tinha acabado de testemunhar, o próximo grupo de soldados que viesse sobre ela poderia não ser tão facilmente persuadidos por suas ameaças. Que diabos estava pensando Lamberton? O bom bispo estava enviando sua bela ovelha ao matadouro, sem ideia do perigo que ela enfrentava. E, sem proteção, maldição.

Ewen devia ficar feliz em saber que ela tinha passado a missiva para frente e deixar por isso mesmo. Escoltar freiras bonitas que não sabiam o suficiente para perceber que estavam fora do seu elemento não era o porquê de ele entrar para a Guarda Highland.

Como o único Lamont fora no exílio, cabia a Ewen restaurar o bom nome do seu clã e recuperar as terras do clã perdidas por seu primo, garantindo que uma das maiores propriedades nas Highlands não desaparecesse na neblina como aquelas dos MacDougalls e Comyns.

Tudo o que precisava era manter a cabeça baixa, fazer o seu trabalho, e não fazer nada para irritar Bruce. Quando a guerra terminasse, ele seria recompensado com terras e moedas.

Era uma equação simples. Era certo como no Hades que ele não precisava de complicações de variáveis desconhecidas — variáveis desconhecidas como pequenas freiras italianas.

Por mais que gostasse de Arthur — Ranger — Campbell, e do irmão mais velho dele, Neil, não queria ver mais nada das terras Lamont em mãos dos Campbells.

Mas não poderia simplesmente sair dali e deixá-la cuidando de si mesma. Não depois do que ele tinha visto.

Ela fez uma tentativa de explicar:

— Alguns, talvez. Embora mesmo esses homens, eu acho, estavam percebendo o erro do caminho que estavam seguindo. — Percebendo que poderia parecer ingrata, ela acrescentou: — Embora, é claro, somos gratas por sua ajuda. Vocês foram magníficos! Suas habilidades com a espada foram mais que impressionante, vou me certificar de repassar os nossos elogios aos meus superiores.

Apesar de ter sido dito com o equilíbrio perfeito de bajulação feminina e sinceridade, Ewen estivera em torno MacSorley tempo suficiente para reconhecer quando estava sendo bem-humorado.

Talvez detectando seu ceticismo, ela acrescentou:

— Realmente não sei o que teríamos feito se vocês não aparecessem naquela hora.

Se Ewen não tivesse visto sua exibição anterior, este ato impotente, manso poderia tê-lo enganado. Seus olhos se estreitaram. Por que toda essa atuação? Que jogo ela estava jogando?

Ela lhes deu um sorriso solene, como se estivesse abençoando-os. Mas ele estava distraído com a pequena marca em forma de coração que tinha acima do lábio. Sangue de Deus, uma marca assim pertencia à boca de uma mulher!

— Vocês têm a nossa mais profunda gratidão. Irmã Marguerite e eu vamos manter ambos em nossas orações. Adeus.

Jesus! Ewen franziu a testa e fez uma parada súbita. Como diabos ela tinha feito isto? Andava e eles estavam seguindo-a, mesmo sem perceber. Eles estavam quase de volta à estrada.

Ewen sentia-se como na maldita Odisseia com as sereias.

— Não tão rápido, Irmã. — Ele não tinha nenhuma intenção de deixá-la ir embora sozinha. MacLean poderia levar a missiva de Bruce, e ele levaria a sua mensageira de volta e em segurança para Lamberton. E quando terminasse, ele e o bispo iriam ter uma boa, longa, conversa sobre o uso de freiras como mensageiras. — Faças suas despedidas, se desejar, mas você está vindo comigo.

Genna tentou não deixar sua perturbação evidente, mas tinha sido um longo tempo desde que um homem havia tentado ficar ao seu redor. Não desde... Duncan. Seu peito apertou ao pensamento de seu irmão. Ainda era difícil acreditar que ele se foi. Seu grande, forte irmão, aparentemente indestrutível tinha sido morto pelos MacDowells em Loch Ryan não muito tempo depois de seu desaparecimento.

Ela se virou calmamente e encontrou seu olhar — afastando as suspeitas de alguém que, como não estivera apto a fazê-lo por si mesmo, MacLean apresentara como Lamont. Estranho, pensou que esse clã tinha ficado com os MacDougalls contra Bruce e fora exilado para a Irlanda. O clã Lamont foi localizado em Cowal, ela lembrou, perto de Argyll, nas Terras Altas Ocidentais. Seu nome foi pensado para ser uma derivação de Norse — Logmaor — ou homem da lei. O que foi especialmente irônico, dado que este homem parecia ter as habilidades de comunicação de uma rocha.

Ele não estava respondendo da maneira como ela esperava, e era levemente desconcertante. Também possuía um jeito de desarmá-la olhando para ela. Duro. Intenso. Como se pudesse ver todos os seus segredos. Pensando nas cicatrizes, percebeu que ele tinha, algumas delas, pelo menos. Mas ela tinha muito mais esperando para ser descoberto. Quanto mais cedo ela se livrasse desse homem irritante, melhor.

Fingindo uma paciência que certamente não sentia, Genna concedeu um de seus melhores sorrisos de freira sobre ele. Calmo. Sereno. Compreensivo. Com esse distanciamento ligeiramente misterioso e sagrado que definia as freiras como algo à parte. Como Mary riria ao vê-la afetar tal semblante! Seu peito apertou, e ela afastou o pensamento. Sua irmã gêmea estava mais segura sem ela por perto. Mas Genna odiava não ser capaz de vê-la e dizer que estava bem. Logo, Genna esperava. A guerra não poderia continuar para sempre... não é?

— Não entendo. Acredito que eu expliquei que não havia motivo para que venha comigo.

Ela entregou a missiva, porcaria. Por que o bispo os enviou atrás dela? Lamberton nunca tinha exibido tal falta de fé nela antes. Não precisava de uma escolta; isso só iria interferir com seus planos.

— Há algo mais?

O sorriso dela não teve efeito sobre ele. Seu rosto era tão impenetrável quanto o aço que escondia testa e nariz. Ela franziu o cenho. Genna tinha que admitir, estava curiosa para ver a totalidade de seu rosto. Ele possuía uma boca agradável e o queixo...

Ela parou com um movimento assustado, perguntando o que na perdição caíra sobre ela.

— Vou voltar para Berwick. Você não precisa se preocupar com sua amiga. MacLean irá levá-la com segurança de volta à abadia. Ele vai se certificar que tudo chegue ao seu destino pretendido.

O homem não era tão adepto de significados ocultos quanto seu amigo, mas ela entendeu bem o suficiente. Aparentemente, MacLean levaria a missiva que tinha deixado com seu contato na abadia diretamente para o próprio Bruce.

— Você é tão gentil. Embora eu aprecie, sua oferta galante, não é necessária. Por que todos nós não voltamos para a abadia, e você e seu amigo podem garantir que nós duas cheguemos em segurança.

Ela se virou para sair, mas ele a deteve com uma voz profunda e ritmada que, apesar da aspereza das suas palavras pareceu infiltrar-se através dela como caramelo quente.

— Não era uma oferta, Irmã.

O homem certamente era como uma rocha. Totalmente imóvel! Genna sentiu uma centelha de mal humor, mas socou-a para baixo. Seu sorriso desta vez poderia ter sido um pouco forçado.

— Não é necessário...

— Sim, é. — Ele acenou com a cabeça para seu amigo e MacLean veio em sua direção. — Leve a menina para a abadia e depois garanta que nosso amigo receba a mensagem. — Acrescentou ele em gaélico. — Vou lidar com a nossa pequena guerreira santa.

Boa coisa que ela tinha muita experiência fingindo não entender. Mas ainda assim seu comentário conseguiu obter um leve aumento no batimento cardíaco dela. Pequena guerreira santa, de fato! Ele fez isso soar como uma criança brincando em algum jogo.

— Irmã. — MacLean disse, estendendo a mão para Marguerite.

A garota olhou para trás e para frente entre Genna e MacLean. Genna segurou com força a seu braço, não querendo abrir mão dela. Mas sabia que Marguerite precisava voltar para cuidar de seus pulmões com vassoura de açougueiro adoçado com mel e como era claro que iria levar um pouco mais de tempo para raciocinar com este homem irritante, ela teve que deixá-la ir.

— Está tudo bem — ela disse. — Vá com ele. Eu seguirei em breve.

— Diga adeus, Irmã, — Lamont instruiu por trás dela.

Genna lhe lançou um olhar, e, em seguida, virou-se para Marguerite para dar-lhe um aperto encorajador.

— Cuide-se, ma petite.

Irmã Marguerite olhou para Lamont, hesitante, e depois voltou para Genna.

— Você tem certeza? Eu não quero deixá-la...

— Estou completamente certa. Este homem não me fará mal. — Desejou que não fosse sua terceira mentira do momento. — Não se preocupe comigo; apenas me prometa que você vai descansar antes de continuar sua jornada.

A menina assentiu.

Genna mordeu o lábio.

— E provavelmente será melhor se você não disser nada sobre o que aconteceu aqui. Não desejo colocar estes homens que nos ajudaram em qualquer perigo.

Marguerite balançou a cabeça novamente, e em seguida, após um último abraço, Genna deixou-a ir. Ela observou como MacLean levou-a para longe através do túnel de árvores. Eles estavam quase fora da vista quando Lamont gritou alguma coisa para o amigo em gaélico. Parecia com Striker, Bàs roimh Gèill!

Ela traduziu o último como “Morte antes da rendição”, mas o que “striker” significava?

MacLean assentiu e repetiu a frase, acrescentando algo que ela entendeu: — Hunter. — Estranho...

— O que você disse a ele?

— Não é importante.

— E mesmo assim você escolheu falar em uma língua que eu não conseguia entender?

Ele balançou a cabeça. Genna pensou que era bastante notável que tivesse a mesma expressão exasperada no rosto que seu irmão e pai costumavam ter, que tinham levado anos para aperfeiçoar. Ele conseguiu isso com ela em questão de minutos.

— Sim.

O homem tinha também aperfeiçoado a não-resposta.

— Seu amigo — disse ela. — Não será perigoso para ele?

Descartou a preocupação dela com um encolher de ombros.

— Ele vai ter cuidado. Sabe como se misturar.

Genna não conseguia imaginar como qualquer um deles poderia misturar-se em qualquer lugar. Eles se destacavam. Eram tão grandes, para começar. De pé ao lado dele, ela não pôde deixar de notar o quão grande ele era. Lamont era quase trinta centímetros mais alto que ela, ele devia ter pelo menos um palmo a mais que um metro e oitenta e seus ombros eram quase duas vezes mais largos. Com todas as armas e armadura, era um homem volumoso. Não em gordura, mas com demasiados músculos para seu gosto. Era um homem constituído para lembrar às mulheres de sua vulnerabilidade, algo que Genna tentava não pensar. Mas não podia ignorá-la com ele, o que fez dela ainda mais ansioso para se livrar dele. Genna tinha notado que ele gostava da abordagem direta — ou no caso dele, a abordagem limitada — então ela decidiu encaminhar a conversa por si mesma.

— Por que você está insistindo em me escoltar de volta a Berwick? O meu superior o instruiu a fazê-lo?

— Nay.

— Então por que?

— Isso deveria ser óbvio: não é seguro.

— E acha que eu estarei mais segura com você? Está errado. Os ingleses são muito mais propensos a parar um guerreiro na estrada do que seriam com um grupo de peregrinos. Estarei muito mais segura com eles.

— Então será melhor que não viaje pelas estradas.

— Você propõe que voe até Berwick? — As palavras sarcásticas saíram de sua boca antes que ela pudesse trazê-las de volta.

Ele sorriu, e um pouco daquela irritação que ela estava sentindo comprimiu estranhamente seu peito. Ele era bonito, percebeu. Pecaminosamente bonito. Genna não precisava ver o resto de seu rosto para saber disso. Estava ali mesmo, naquele sorriso torto. Um estranho arrepio passou por ela, espinhoso e quente, como se alguém tivesse acabado de espalhar uma manta grossa sobre sua pele nua.

— Não é bem assim. — Disse ele. — Vamos continuar entre as árvores e ficar fora das estradas principais.

Ele deu um passo mais perto dela, e ela sentiu um leve cheiro de couro e pinheiros que Genna desejou poder dizer que era desagradável. Em vez disso, sentiu o desejo quase irresistível de respirar fundo. Isto balançou-a, fazendo-a se perguntar porque estava agindo assim. Nunca tinha sido o tipo que se fazia de tola por um homem, nem mesmo quando era jovem. Na verdade, tinha sido o contrário.

Ela precisava inclinar a cabeça para trás só para olhar para ele.

— E se a gente se perder?

O som áspero que saiu de sua boca era quase uma risada.

— Não vamos nos perder.

Ele olhou para baixo, e seus olhos se encontraram. Algo trancou em seu peito. A respiração, ela percebeu. O ar parecia ter se tornado preso. Algo estranho se passou entre eles. Algo quente e intenso. Algo que fez a pele sob sua capa se arrepiar. Ela de repente estava muito consciente da pele nua sob a lã.

Quase como se ele soubesse o que Genna estava pensando, seu olhar caiu para o peito dela. Um estranho resplendor quente se espalhou sobre ela, e ela ofegou. O som foi curto, mas o suficiente para quebrar a ligação. Ele afastou o olhar, uma expressão sombria cruzando seu rosto.

Ele deu um passo para trás e ela tentou encobrir o momento de constrangimento, mas sua voz soou estranhamente ofegante.

— Receio que seja impossível. Você pode me levar para Dryburgh se insistir, mas não é adequado eu viajar sozinha com um homem. — Templos de Jerusalém, eles teriam que passar pelo menos uma noite juntos!

A boca dele torceu.

— Não há nada de impróprio; você é uma freira. Sua castidade está segura comigo.

Havia algo sobre aquele pequeno sorriso e a maneira como ele disse que não lhe caiu bem. Se tivesse interpretado mal o que tinha acontecido? Ele estava dizendo-lhe que não estava atraído por ela? Apesar de que fosse exatamente deste jeito que Genna queria que isso acontecesse, ela possuía vaidade suficiente para descobrir o que a incomodava.

Precisava vestir uma nova camisa e colocar o véu em ordem. Em seguida, tinha certeza que iria se sentir como ela mesma novamente. Depois que se livrasse dele.

— Não tive a intenção de impugnar a sua honra. Você é um homem de honra, não é?

— Geralmente.

Genna franziu a testa. Não é exatamente a resposta que ela estava esperando, mas teria que servir.

— E como um homem honrado que é você não iria forçar sua pessoa a uma mulher que não quisesse?

Para um homem cavalheiresco só havia uma resposta. Ele, é claro, deu-lhe outra.

— Bem, acho que depende das circunstâncias, porque tenho toda a intenção de forçar a minha pessoa a você, Irmã. Então, se já terminou de tentar falar em círculos comigo até que eu faça o que você quer, pode se trocar enquanto encontro o meu cavalo, e então nós podemos seguir o nosso caminho.

E sem esperar que ela respondesse, virou-se e deixou-a lá, ofegando. Ou talvez balbuciando fosse mais preciso. Já se passara um longo tempo desde que Genna tinha perdido uma guerra de palavras.

Parecia que não ia se livrar dele tão facilmente quanto esperava. Na verdade, parecia que ela não conseguiria livrar-se dele absolutamente.


CAPÍTULO 3


Algo sobre a expressão dela quando ele saiu fez Ewen querer rir. Apostava que não muito frequentemente a pequenina freira ouvia a palavra “não”. Ele estava menos divertido, no entanto, após seu regresso. Para uma mulher de Deus, ela com certeza tinha uma maneira de despertar o diabo nele. Ele olhou-a fixamente sobre seu cavalo, estendendo a mão.

— Me dê sua mão.

Ela balançou a cabeça, com o horroroso véu negro de volta no lugar escondendo a beleza dourada que estava por baixo. Mas ele sabia que estava ali, e se olhasse o bastante — o que fez — podia ver os fios sedosamente finos de cachos dourados escapando por baixo da envoltura apertada nas têmporas. A suavidade, no entanto, estava em distinto desacordo com o conjunto teimoso de sua boca.

— Eu agradeço a sua gentil oferta, mas prefiro caminhar.

Foi a terceira vez que ele perguntou, o que já era vezes demais. A mandíbula apertada não o ajudou a moderar suas palavras. Sua paciência escorria.

— Não fui amável, não era uma oferta e não dou nem o traseiro de um rato para o que você prefere. Você subirá neste cavalo voluntariamente ou te colocarei aqui eu mesmo, mas estou certo que de uma forma ou de outra você cavalgará comigo.

Seus olhos arregalaram só um pouco, mas para seu crédito o olhar dela não vacilou do dele.

— Você tem um dom incomum com as palavras.

Isso vindo da mulher que ameaçou secar uma masculinidade e bolas como passas?

— Foi o que eu disse.

Ewen nunca tinha sido muito bom em conversar com damas. Era muito áspero, quase no limite — inferno, ele era muito áspero por toda parte. MacSorley tinha charme suficiente para todos juntos. O que era bom para ele. Ewen era um guerreiro, não um trovador. Não tinha tempo nem inclinação para encantar. Sua franqueza podia ser desconcertante e talvez até severa às vezes, mas era efetiva. Na batalha em outras situações de vida e morte que os guardas das Highlands enfrentavam, ser claro e conciso era o que importava. Não havia lugar para sutilezas. Além disso, o tipo de contato que ele apreciava com mulheres não exigia muita conversa.

Imediatamente sua mente deslizou para se colocar onde não devia. Seu olhar saltou por um momento para o peito bem coberto da mulher antes que ele vociferasse duramente e se voltasse.

Jesus, ele precisava parar de fazer isto! Freira, ele lembrou a si mesmo. Pertence a Deus.

Mas ele suspeitava que iria levar muito tempo antes de esquecer a visão da carne perfeita, feminina e suave escondida debaixo do hábito.

Ele apertou a mandíbula.

— Bem, o que vai ser, Irmã?

Depois de uma longa pausa, ela limpou a garganta de maneira pomposa e pôs a mão na dele. Aparentemente, Irmã Genna decidiu não o testar. Era uma decisão sábia. Ela aprenderia muito depressa que Ewen não fazia ameaças; ele fazia o que dizia.

Ergueu-a facilmente na cela à frente dele — ela não pesava quase nada — e eles partiram. Na estimativa de Ewen, eles deviam alcançar Berwick na noite seguinte. Era só uma distância de cerca de sessenta e quatro quilômetros, mas com dois em um cavalo e mantendo-se na zona rural para evitar as estradas com terreno difícil, levaria duas vezes esse tempo.

Tendo andado dentro e fora da fronteira mais tempo do que desejava lembrar pelos últimos dois anos em missões da Guarda das Highlands para causar tanto dano quanto possível às guarnições inglesas que mantinham os castelos, Ewen estava intimamente familiarizado com a paisagem. Ele conhecia toda a floresta, cada trecho de árvores, cada contorno da ladeira, cada disfarce que a natureza fornecia para passar dentro e fora sem ser visto.

Porque era instintivo, não porque Ewen achou que existia qualquer ameaça real de ser seguido, ele fez o que podia para evitar deixar rastros, mas com a recente onda de tempestades de primavera, o chão suave tornou isto quase impossível. Porém, a chuva esconderia o que ele não pudesse. No tempo que levou para recuperar seu cavalo e — persuadir — Irmã Genna a montar com ele, nuvens escuras se juntaram no céu, o vento começou a agitar as folhas e a temperatura caiu alguns graus.

Mas não era a tempestade se armando que o fez temer os quilômetros adiante. Mal a colocou diante dele e deslizou seus braços ao redor da cintura esbelta para tomar as rédeas, Ewen percebeu que ele poderia ter sido muito precipitado em dispensar o apelo de Genna para caminhar. Tendo o corpo dela aconchegado contra o seu estava se tornando duro — malditamente duro — lembrar que ela era uma mulher de hábito.

Agora é certo, Ewen não tinha muita experiência em segurar uma freira em seus braços, mas ele não se lembrava de já ter encontrado uma freira que cheirava como os jacintos que cobriam a encosta perto de sua casa em Ardlamont. A fragrância floral suave provocou seus sentidos, zombando dele e fazendo-o puxá-la para mais perto, inclinar-se para baixo e inalar.

Maldição, ele precisava fazer algo. Talvez uma oração — Não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos do mal — parecia apropriado.

Ewen mordeu de volta um gemido, a oração esquecida, quando seu corpo bateu no dele novamente. Deus, isto era uma sensação boa. Ela era uma sensação boa. E o corpo dele estava notando.

Ewen tentou manter alguma distância entre eles, mas o movimento do cavalo sobre o terreno difícil, irregular, tornou impossível. Parecia que a cada trotar dos cascos, o traseiro dela deslizava de volta em sua virilha, as costas dela em seu peito e o peso suave daqueles seios que ele não podia esquecer saltavam encostando no seu braço.

Nenhuma quantidade de orações, nenhuma quantidade de dizer “freira” repetidas vezes em sua mente, podia impedir seu corpo de responder ao contato íntimo. Ele estava duro como uma pedra, embora felizmente, graças ao couro espesso de sua armadura, Ewen não achava que estivesse ciente da grande coluna de carne montando contra ela.

Mas Deus com certeza sabia que toda vez que aquela bunda suavemente curva deslizava contra ele, Ewen pensava em sexo. Ele pensou sobre isso até que podia quase imaginar como seria embrulhar as mãos ao redor de seus quadris e mergulhar entrando e saindo. O ritmo sensual estava deixando-o meio louco com luxúria. Ele estava quente, perturbado e tão distraído que quase perdeu a curva que procurava.

Ewen amaldiçoou, furioso consigo mesmo. O controle e a disciplina eram raramente um problema para ele — especialmente relacionado a mulheres que estavam fora dos limites. Ultimamente parecia que cada membro da Guarda Highland estava casando com uma mulher bonita, e nenhuma vez tiveram da parte de Ewen uma avaliação da beleza delas mudando em direção a um lampejo impróprio de luxúria.

Inferno, Christina MacLeod era uma das mulheres mais bonitas que já vira, com exatamente o tipo de corpo exuberante, cheio de curvas que ele gostava — o da freira tendia um pouco para o esbelto, — mas Ewen nunca teve um pensamento impuro sobre ela. Claro, ter o maior espadachim da cristandade vigiando cada homem que passava a menos de um metro próximo a ela servia como um impedimento bastante eficaz. Mas se havia alguém que pudesse golpear o medo no coração mais do que o chefe da Guarda das Highlands era Deus.

Sentiu Genna se mover contra ele quando girou a cabeça para olhar para trás.

— Algo está errado?

Além da lenta, torturante descida ao inferno que era a curva suave da feminina bunda contra seu pau inchado? Ewen rangeu os dentes.

— Não, por que pergunta?

— Você amaldiçoou.

Seus olhos se estreitaram.

— Achei que você não entendesse nosso idioma.

— Não entendo. Mas não preciso entender gaélico para saber que era uma palavra que eu não gostaria de ouvir.

A boca dele contraiu em diversão. Ewen supôs que era verdade o suficiente. Às vezes o tom dizia tudo.

— Não há nada errado.

— Achei que você pudesse estar confuso sobre que caminho seguir. Está certo de que sabe por onde está indo?

Desta vez ele não pôde resistir a sorrir completamente, mesmo que ela não tivesse nenhuma ideia de quão divertida era sua pergunta. Ewen era o melhor rastreador das Highlands, não se perdia. Ele construiu sua reputação enfocando em cada detalhe de seu ambiente. Uma reputação que levou a Bruce a selecioná-lo para seu time de guerreiros de elite.

— Não se preocupe, sei onde estou indo. Nós não vamos nos perder.

Uma pequena ruga apareceu entre suas sobrancelhas. Sem dúvida que ela sentiu sua diversão, mas não entendeu a fonte.

— Você parece bastante confiante.

— Estou.

— É só que parece que vai chover, e com a neblina...

— Nós estaremos bem.

Genna inclinou a cabeça para trás um pouco para estudá-lo por um momento. Seus rostos estavam muito próximos, era difícil para ele resistir a fazer o mesmo.

Ela realmente era bastante bonita — para uma mulher de Deus, Ewen lembrou a si mesmo. As linhas de seu rosto eram simples, mas classicamente desenhadas. Grandes olhos amendoados emoldurados por sobrancelhas delicadamente arqueadas. Maçãs do rosto altas, um nariz pequeno, reto, e um queixinho pontudo. As únicas extravagâncias eram aqueles cílios ridiculamente longos, o brilhante mar-azul de seus olhos e aquela boca sensualmente curvada. Seus lábios eram muito rosados, muito luxuriantes e muito malditamente tentadores — especialmente com aquela sarda temerária o distraindo.

Ewen moveu seu olhar de volta para a estrada à frente deles, onde estava seguro. Ficou aliviado quando ela fez o mesmo. Até que estremeceu um pouco e recostou-se nele. Ele quase gemeu e sua voz saiu um pouco mais áspera que o habitual.

— Você está com frio?

— Um pouco.

Com uma mão segurando as rédeas, ele chegou à parte de trás e desatou um plaid8 do rolo na sela.

— Você pode usar isto. — Ele disse, lhe entregando.

O sorriso que ela lhe deu era quase o de menina em seu deleite e tão fora de sintonia com a freira serena que o coração de Ewen acelerou uma batida ou duas.

— Obrigado. — Ela embrulhou-o ao redor de si e suspirou contente, afundando de volta contra ele novamente.

Pelo menos um deles estava confortável. Ewen tinha a sensação de que as próximas vinte e quatro horas seriam umas das mais desconfortáveis da sua vida.

O plaid cheirava como ele, quente e acolhedor com uma sugestão de ar livre, e o seu padrão azul suave e cinza lembraram a ela a cor dos olhos dele. Azul aço os chamava — com ênfase no aço.

Aço resumia bastante bem: seus olhos, seu temperamento intratável, a proteção sólida de seu peito atrás dela e a força dura dos braços que a ergueram do chão. Genna nunca sentira braços assim em sua vida.

Estendeu a mão para apoiar-se, surpresa quando ele a ergueu, e poderia muito bem ter tentado agarrar uma rocha. Um estranho tremor a percorreu de assalto, e seu estômago deu o um pequeno e muito estranho mergulho.

Realmente, seu estômago parecia fazer muito isso perto dele. E Genna sentia rubor nos momentos mais estranhos. Esperava que não estivesse ficando doente.

Mas para um homem de músculos tão duros, ela tinha que admitir que ele era surpreendentemente confortável para viajar cavalgando. Isto era bom. Muito bom, ela percebeu. Talvez estivesse se preocupado por nada? Era infinitamente mais confortável montar com o calor e proteção de seu grande corpo atrás dela, especialmente com o tempo ficando mais ameaçador. Aquele vento estava frio e ele era como um forno de pão, irradiando calor. Ela estremeceu, entocando-se mais fundo sob o plaid quando uma rajada poderosa rasgou pelas árvores.

Genna pensou que ele soltou um som de dor, mas quando olhou por cima de seu ombro estava olhando para frente com aquela mandíbula quadrada masculina fixa no mesmo ângulo intransigente.

Não era frequente que ela não conseguisse o que queria, mas Genna podia aceitar graciosamente a derrota, particularmente quando esteve provando ser para seu benefício. Só teria que se assegurar que ele não interferisse com seus planos. Quando a hora chegasse, ela acharia um modo para fazer uma parada rápida em Roxburgh, o que não devia ser muito difícil já que eles passariam naquela direção de qualquer jeito. Até então, não existia nenhuma razão para não fazer o melhor disso e tentar passar pelo momento agradavelmente. Pelo menos tão agradavelmente quanto eles podiam até a chuva começar.

Genna olhou-o com curiosidade. Não estava certa do que se tratava, mas ele não era como ninguém que ela conheceu antes. Sua primeira impressão não mudou muito no pequeno tempo que eles tinham cavalgado. Ele era difícil de ler — o que estranhamente a intrigava.

— Você não conversa muito, não é?

Deu-lhe um olhar de esguelha por baixo do elmo de aparência aterrorizante que ela se perguntava se ele o removia e disse secamente: — Não pensei que você notaria.

Ela riu.

— Você está sugerindo que falo demais?

— Estou sugerindo que você conversa até que ouça o que quer ouvir.

Ela ergueu uma sobrancelha em surpresa. O comentário era perspicaz. Nunca foi muito boa em ouvir “não”. Mary costumava dizer que ela era como uma grande pedra rolando ladeira a baixo e Deus ajudasse quem estivesse em seu caminho quando quisesse algo.

Aparentemente, ele era uma parede grande suficiente para entrar em seu caminho. Genna mordeu de volta um sorriso na conveniência da comparação.

— Como você pode ver, nem sempre funciona. — Ela disse ironicamente.

Isso produziu um sorriso dele. Bem, pelo menos um canto de sua boca se ergueu, o que nele, ela supôs, era bom o suficiente para ser caracterizado como um sorriso.

— Só na maior parte do tempo?

Ela encolheu os ombros sem se comprometer.

— Vamos apenas dizer que veio a calhar mais de uma vez.

O rosto dele escureceu.

— Você é malditamente sortuda, então.

Ela suspeitou que não iria gostar do que ele quis dizer, ainda assim se sentiu compelida a perguntar:

— O que você quer dizer?

— Eu quero dizer que isso que você está fazendo é perigoso, e tem sido sortuda por ter evitado dificuldades, mas acredite em mim, Irmã, nem todos os homens são suscetíveis à manipulação. As mulheres não pertencem à guerra, nem como mensageiras — um fato que pretendo reportar na primeira oportunidade para o bom bispo.

Talvez tivesse sido uma má ideia fazê-lo falar. Genna estava tão indignada que lhe levou um momento saber por onde começar. Ela não manipulava ninguém; discutia seu ponto. E como ele ousava tentar dizer a ela o que podia ou não fazer?! Ela podia ter adotado um nome diferente, mas ainda era a filha de um conde. Sua irmã tinha sido a primeira esposa de Robert the Bruce. Genna tinha mais direito que qualquer um de ajudar a causa dele. E tinha suas próprias razões para querer fazer sua parte que não era dele para questionar.

Ela tinha orgulho do que fazia. Gostava disto. E era boa nisto, mulher ou não!

— Eu sirvo ao rei, da mesma maneira que você. Precisa que todos o ajudem — homem e mulher — se ele quer ter uma chance de derrotar Edward. O que você faz é perigoso, não é?

Ele não disse nada em resposta. Uma tendência irritante dele, estava descobrindo.

Ela tomou seu silêncio como concordância.

— E você ainda escolhe lutar por que acredita. Por que eu não devia ser capaz de fazer a mesma escolha?

— Não é o lugar de uma mulher.

Isso era uma resposta? Genna tentou controlar seu temperamento, mas as chamas estavam estalando.

— E onde exatamente é o lugar de uma “mulher”?

— Em algum lugar seguro, conduzindo a casa e vigiando as crianças.

Genna endureceu.

— Um lugar que dificilmente se ajusta a mim, senhor. — Ela pausou. — E sua esposa? Está contente em ficar em casa e observar enquanto sai cavalgando para a batalha?

— Eu não sou casado.

— Que choque. — Ela murmurou baixinho, mas pela forma que os olhos dele se estreitaram, soube que a ouviu.

Genna não se importou. Sabia que a maioria dos homens se sentia como ele sobre os papéis tradicionais das mulheres (o que provavelmente explicava porque ela tinha a intenção de tomar o véu!). Talvez tivesse sido diferente se qualquer um de seus dois noivados terminasse em casamento. Mas agora que experimentou a liberdade, ela não podia voltar a receber ordens como se tivesse uma ervilha como cérebro e ser tratada como bem móvel. Pois isso é o que o casamento fazia às mulheres. Deus, ela não viu o suficiente disso enquanto crescia?

Genna ergueu seu queixo e encontrou seu olhar.

— Nem todas as mulheres desejam ser mimadas e protegidas. Algumas de nós podemos cuidar de nós mesmas muito bem.

— Uma língua afiada não é páreo para uma lâmina.

Genna corou, e antes que pudesse pensar melhor, estendeu a mão, deslizou sua sgian-dubh, a faca escondida, da bainha perto do topo de sua bota e a pressionou contra o interior da coxa dele, onde se encontrava com os quadris.

— Então é uma boa coisa que eu seja boa em ambos.

A expressão no rosto dele era uma que Janet — Genna, ela lembrou-se — lembraria com satisfação por muito tempo.

A moça moveu-se muito depressa, Ewen não tinha nenhuma ideia do que ela pretendia até a lâmina estar apertada contra o couro suave de sua coxa. Como a maioria dos membros da Guarda das Highlands, ele não vestia cota de malha para proteger suas pernas — ou a parte superior do seu corpo, no que diz respeito a esse assunto (era muito pesada) — e a longa lâmina de treze centímetros estava diretamente apontada para o lugar onde um corte profundo o mataria. Não pensou que fosse coincidência. A moça conhecia um dos poucos lugares que era vulnerável.

Jesus! Um deslize daquela faca e ele estaria morto — ou castrado. Nenhuma das opções era muito atraente.

Toda a sua atenção devia estar nessa lâmina, ainda assim era dolorosamente ciente da colocação da outra mão dela. Para preparar-se — e dar melhor alavancagem a si mesma para empunhar a lâmina — ela colocou a mão esquerda em sua coxa direita. No alto de sua coxa direita. E muito malditamente perto da parte dele que estivera meio enlouquecida durante a viagem.

Então mesmo enquanto ele observava sua mão direita com a lâmina, não podia parar de pensar sobre a esquerda, e o quão bem se sentiria se ela a movesse poucos centímetros e o tomasse na mão. Ewen não teria achado possível ficar excitado com uma faca a alguns centímetros de seu pau. Ele agora pensava diferente.

Lentamente — muito lentamente, para não a sacudir com um movimento súbito — Ewen puxou o cavalo a uma parada. Exteriormente ele se manteve tranquilo, mas seu coração estava batendo rápido. Manteve seus olhos fixos nos dela, mas ela não vacilou. Era tão fria e calma quanto qualquer um de seus companheiros de Guarda, e ele soube sem dúvida que usaria a faca se precisasse.

Que diabo de freira era, de qualquer maneira? Ele se acalmou quando ela apertou a adaga um pouco mais forte, a ponta da lâmina cavando mais fundo no couro. Uma sanguinária, aparentemente, que sabia como esgrimir um punhal.

— Você demostrou seu ponto. — Ele disse.

Ela arqueou uma sobrancelha bem formada. Como seus cílios, suas sobrancelhas eram espessas e escuras, emoldurando seus olhos azuis a perfeição e fornecendo um contraste notável para seu cabelo loiro e sua pele... Ewen se deteve, furioso. Lá estava ele, fazendo isto novamente. Notar detalhes era parte de seu trabalho, mas não devia estar notando aqueles tipos de detalhes sobre ela.

Faca, ele lembrou a si mesmo.

— Não é? — Ela disse. — De algum modo acho que não. Homens como você só respeitam nos outros o que veem em si mesmos. No seu caso, força física. — Ela o examinou de um modo que poderia ter feito seu sangue aquecer se ela não tivesse acrescentado: — Do qual você parece ter em abundância. — Ela deu a ele um sorriso sarcástico, afundando a faca um pouco mais. — Mas como pode ver, força física nem sempre é suficiente.

Lá estava novamente. Ewen tinha um dom para idiomas, e de vez em quando pegava algo em seu sotaque. Às vezes não parecia tão forte. Como agora, quando ela estava com raiva. Dadas as circunstâncias atuais, supôs que era seguro dizer que ela deixou cair a pretensão de ser dócil e serena.

Segurando o olhar dela, ele se inclinou e circulou o pulso segurando a faca com a mão. Ele sentiu o choque correr através dele com o toque. A suavidade de sua pele de bebê e delicadeza de seus ossos tomou-o de surpresa, mas ele sentiu a determinação na firmeza de seu aperto. Lentamente, moveu a mão dela — e a lâmina — para o lado para que pudesse respirar novamente.

Mas ele não a deixou ir. Ela estava praticamente virada na sela agora, enfrentando-o, olhos faiscando e peito subindo com a fúria do confronto. Maldição! Ewen realmente não devia pensar nos seios dela, porque apesar da lã preta que quase a cobria da cabeça até o dedão do pé, podia lembrar de cada centímetro delicioso de carne nua, e uma parte muito pecadora dele quis estender a mão e segurá-la em concha.

E então existia a posição da outra mão dela. Talvez Ewen devesse ter movido a esquerda ao invés da com a adaga porque agora que a lâmina estava em uma distância segura, seu foco não estava mais dividido, e tudo em que podia pensar era sobre a pressão suave muito perto do lugar em que ele realmente queria.

Quase como se pudesse ler sua mente, seu rosto corou e ela removeu a mão de sua coxa, enquanto apertava a que segurava a sgian-dubh defensivamente. Ele conheceu muitos guerreiros que levavam lâminas escondidas — normalmente debaixo do braço — mas ela foi a primeira mulher.

Homens como ele. Estava certa em sua caracterização? Ewen não quis acreditar, entretanto novamente ela conseguiu surpreendê-lo. Ele a menosprezou porque era uma mulher — para não mencionar uma freira.

Ewen não podia se lembrar da última vez que alguém conseguiu aproximar uma lâmina o suficiente dele para fazer dano real. Provavelmente foi Viper. Lachlan MacRuairi ganhou seu nome de guerra por seu silencioso golpe mortal. Ele esgueirou-se sobre Ewen uma vez em treinamento e conseguiu aproximar uma lâmina do seu pescoço. Obviamente, ela teve treinamento também. Mas a menos que os Templários recentemente desfeitos tivessem aberto suas fileiras para incluir freiras, não tinha sido em um convento.

— Onde diabos aprendeu a fazer isto? — Ela olhou para ele.

— Minha cunhada.

Suas sobrancelhas se arquearam juntas, não era a resposta que estava esperando. Outra mulher?

— Família incomum que você tem. Ou eles ensinam habilidades de faca para todas as meninas na Itália junto com trabalhos com agulhas? — Ele estava observando-a de perto e viu algo faiscar em seu olhar. Pareceu agitar algo, e então sua boca curvou em um sorriso.

— Isso foi uma piada, monsieur?

Para sua surpresa, ele percebeu que era. Foi um gracejo um tanto quanto torto que faria MacLean ou MacKay. Mas ele não fazia gracejos com mulheres. Realmente, não podia recordar a última vez que teve uma longa conversa com uma mulher. Inferno, esta era a conversa mais longa que teve com qualquer um em muito tempo. Ewen estava olhando fixamente para ela tentando achar o sentido disto quando ela deu um aceno de cabeça na direção de sua mão.

— Se você soltar meu pulso, porei a faca de volta onde pertence.

Ele a soltou com toda a sutileza de um ferro quente. Mas desta vez vigiou sua mão cuidadosamente quando ela lentamente retornou o punhal para sua bota. Ele pegou um vislumbre rápido de arabescos no cabo e a deteve.

— Eu posso ver?

A vacilação foi breve, mas estava lá. Ela entregou a ele. Ewen olhou para o complicado arabesco no cabo, sabendo que viu algo semelhante antes. Entretanto o projeto no punho era escandinavo, suspeitou que a lâmina era da Alemanha e muito boa. Provavelmente tinha sido uma grande faca para alimentação de um homem importante, mas transformou em uma arma de tamanho perfeito para uma mulher.

— Onde você conseguiu isto?

— Minha irmã por casamento. — Ela estendeu a mão e ele devolveu o punhal a ela. Ewen não pensou que estava imaginando quando seus ombros relaxaram depois de deslizar a lâmina de volta na bainha acima de sua bota, que deve ter sido a sua favorita.

— A família dela é escandinava.

Isso explicava a faca, mas algo ainda o intrigava. Ele soube que já tinha visto os arabescos antes.

— Qual o nome dela?

Ela riu. — Penso que dificilmente você a conheceria. Você conhece muitas damas italianas? — Ela pausou esperançosamente, e quando ele não respondeu adicionou. — Sua família veio para minha aldeia muitos anos atrás. O punhal foi passado de seu avô para seu pai.

— E ela a deu para você?

— Deu.

— Você deve ter sido muito importante para ela. É uma faca excepcional.

Uma sombra de tristeza cruzou seu rosto.

— Eu era. E ela era para mim.

— Você sente falta dela?

— Sinto.

— Mas você retornará para casa logo?

Apesar de ter tentado fazê-la se sentir melhor, sentiu que suas palavras tiveram o efeito oposto. Ela encolheu os ombros como se fosse indiferente, mas ele soube que não era.

— Talvez quando a guerra estiver terminada.

— Mas não é sua guerra. Por que se envolve nos problemas de um país que nem é o seu?

— Minhas razões são minhas. — Ela virou para a frente. — Não devíamos prosseguir? Se esperamos alcançar Roxburgh antes da chuva.

Ele pegou a deixa e estalou as rédeas, persuadindo o cavalo a avançar. Ela estava certa: eles estavam fazendo progresso abissalmente lento. Mas estava errada sobre a direção.

— Não estamos indo para Roxburgh. Nós seguiremos para o norte de Tweed, a caminho de Berwick — que será mais seguro.

Sua declaração foi recebida com um rápido estalo ao redor de sua cabeça.

— Não! Não podemos. Nós devemos ir para Roxburgh!


CAPÍTULO 4


Ewen Lamont estava sendo uma influência ruim sobre ela. Aparentemente, as habilidades de oratória de Janet estavam deserdando-a e estava deixando escapar o que quer que lhe passasse pela cabeça apenas como ele fazia. Primeiro mencionou sua cunhada sem pensar, então veio o próximo desastre com a lâmina, e agora estava mostrando falta de sutileza em lidar com a notícia de seu plano para atravessar o rio.

Janet podia dizer pela forma como aqueles olhos azuis de aço se fixaram nos seus que ele tinha perguntas. Não devia ter puxado a faca, mas ele picara seu orgulho e ela quis provar-lhe que podia se proteger. Ao invés disso, o fez suspeitar. Freiras não esgrimiam armas assim. A maioria das mulheres não o fazia. Mas sua irmã por casamento não era como a maioria das mulheres.

Christina MacRuairi, a Lady de Isles, era a herdeira de uma das maiores propriedades em Western Scotland e uma força a ser reconhecida, para grande frustração do irmão de Janet. Christina tinha aprendido a defender-se de qualquer infortúnio por meio de seu irmão pirata, o bandido de má reputação Lachlan MacRuairi.

Christina ensinou aquelas habilidades para Janet quando um dos homens de Duncan em um estupor bêbedo tentou violentá-la. Ele poderia ter tido sucesso se Christina não viesse para seu salvamento. O corte que sua cunhada fez na parte posterior da perna dele o deixara mancando pelo resto da vida, mas não foi nada em comparação à punição que seu irmão Duncan tinha exigido. Ela estremeceu, recordando o brutal açoitamento que Janet foi forçada a testemunhar, como era seu dever.

De muitas formas, Duncan teria sido um chefe melhor para o clã que seu irmão mais velho, Gartnait. Duncan, como Ewen Lamont, possuía a autoridade firme e inflexível que era necessária para um líder que seu divertido irmão mais velho não tinha. Mas agora ambos seus irmãos se foram, e o condado repousava sobre os jovens ombros de seu sobrinho Donald de oito anos de idade, que estava sob a autoridade do rei Edward.

A guerra a despiu da maior parte de sua família. Janet descobriu sobre a morte de Duncan em Loch Ryan apenas quando retornou à Inglaterra no ano passado. Da família poderosa de Mar, tudo que restou foi ela, Mary e Donald.

A última coisa que queria era fazer Lamont suspeitar de sua verdadeira identidade. Não só a sua capacidade de fazer seu trabalho seria comprometida se soubessem que Janet do Mar estava viva, mas sua segurança estaria em questão também. Edward da Inglaterra já tinha sua irmã gêmea sob seu controle; ele ficaria muito feliz de ter Janet também.

Não, era melhor que Janet de Mar continuasse morta — exatamente como estaria se o pescador e seu filho não a pescassem para fora do rio, depois de sua tentativa desastrosa para tirar em segredo sua irmã da Inglaterra três anos e meio atrás.

Janet realmente pensou que podia simplesmente desfilar pela Inglaterra e tirar sorrateiramente Mary bem debaixo do nariz de Edward? Esse era o problema: ela tinha pensado que poderia fazer isto. Janet não quis escutar a advertência de Duncan de que só faria as coisas piores. Não quis esperar por uma oportunidade melhor. Não quis ouvir “não”.

Então foi até sua cunhada Christina, persuadiu-a a emprestar-lhe alguns de seus homens e seguiu sua irmã sozinha. Mas algo deu errado. Ou melhor, tudo deu errado. Os homens de Christina foram descobertos, e Mary, seu filho David, Janet e seu leal servo Cailin, todos foram pegos na batalha que se seguiu. Janet nunca se esqueceria de ver Cailin derrubado na ponte por aquela flecha. Ela tentou ajudá-lo, mas de repente o mundo explodiu em trovões e raios — os mais terríveis que ela já ouvira.

Janet pouco se lembrava do que aconteceu depois que a ponte aparentemente explodiu em chamas. Ela acordou um dia mais tarde em um convento cercada por um mar de freiras, pensando que tinha morrido e foi para o céu. Estivera bastante aliviada naquele ponto, realmente a alternativa tendo sido a ameaça de seu pai e irmão com frequência suficiente.

Estivera confusa a princípio, ferida e incapaz de se lembrar de qualquer coisa, então quando as freiras assumiram que era uma delas (o que não espantava dado seu traje no momento), Janet não protestou. Depois de um dia mais ou menos suas memórias retornaram, mas até lá a abadessa do convento para onde o pescador a levou conectou a “irmã” encontrada com a dama escocesa por quem os ingleses estavam procurando.

Mais tarde soube que Cailin, o homem que tinha sido mais um pai para ela que o seu de verdade, perdeu a vida junto com muitos dos homens de Christina; Mary tinha escapado por pouco da prisão e David fora levado para longe de sua irmã novamente.

Tudo por culpa dela.

A abadessa assumiu um grande risco em proteger Janet e a levara clandestinamente da Inglaterra para a Itália com um grupo de peregrinos, onde Janet poderia se recuperar em segurança. Mas talvez fosse compreensível, já que o marido da abadessa antes dela tomar o véu tinha sido um dos milhares sacrificados por Edward da Inglaterra no saque a Berwick há dez anos.

Quando Janet partiu para a Itália, o plano para que ela agisse como uma mensageira para os escoceses já tinha sido arquitetado e “Irmã Genna” nasceu. Só três pessoas sabiam de sua identidade verdadeira: a abadessa, o Bispo de St. Andrews e mais tarde — quando Lamberton pôde dizer a ele pessoalmente — Robert the Bruce. Nem mesmo sua irmã gêmea, Mary, sabia que estava viva.

Era mais seguro para todos eles daquele modo. Ela machucou sua irmã suficiente quando o fez. Não poria Mary em mais perigo se fosse descoberto que Janet de Mar estava viva e era uma “traidora” para a Inglaterra.

As cicatrizes daquela noite horrível não representavam nenhuma vergonha para ela, entretanto Janet desejou poder dizer que o mesmo das ações que levaram a elas. Mas não era mais a menina impetuosa que pensou saber o que era melhor para todo mundo ao redor dela. Que não tomava “não” como resposta.

Janet mordeu seu lábio. Bem, talvez não mudou muito naquele ponto, mas pelo menos não meteu outros em sua dificuldade. Normalmente. O que fez seu lapso mais cedo com Irmã Marguerite ainda pior. Janet sabia que ela estava em melhor situação sozinha. A sorte pareceu não favorecer aqueles próximos a ela. O que era uma das razões pela qual decidiu se tornar freira.

Embora Ewen Lamont parecesse com um homem em quem se podia confiar, não podia correr o risco de revelar sua identidade para ele. O que ela estava fazendo era muito importante.

Embora assumidamente ele não parecesse compartilhar sua convicção. Seus sentimentos sobre o lugar da mulher ainda a irritavam. Se encontrasse um homem que pensasse nela como uma igual, poderia ter que pôr de lado seu plano de tomar o véu e casar-se com ele! Mas Janet também poderia rezar por asas para voar. Nem mesmo sua formidável cunhada conseguira essa tarefa. Ainda podia ouvir as discussões terríveis que Christina e Duncan tinham antes de desaparecerem juntos em seus aposentos por horas.

Não, Janet estava muito feliz pelo caminho que escolheu. Casamento significava discussão ou servidão e estava contente por escapar daquelas correntes em particular. Por que estava até mesmo pensando sobre isso? Sua preocupação imediata era Roxburgh. O Highlander imperioso interferiu com os planos dela o suficiente.

Ele a estava estudando em sua desconcertante maneira silenciosa com aqueles muito intensos olhos de aço. Ela sabia que sua explosão tinha dado muito na vista e tentou explicar — calmamente desta vez.

— Os ingleses estão vigiando as pontes. Não seria seguro tentar atravessar.

Ela não podia reprimir o pequeno tremor que a percorreu. Não era só uma desculpa. Desde aquela noite com sua irmã ela odiava pontes.

— Nós não estaremos atravessando nenhuma ponte importante. Eu sei de um lugar onde poderemos atravessar que os ingleses não estarão vigiando. — Seus olhos seguraram os dela, outro enervante hábito dele. — Por que está tão ávida em ir para Roxburgh?

Janet novamente amaldiçoou sua explosão. Ela queria persuadi-lo suavemente — quando o momento chegasse — a fazer uma parada rápida em Roxburgh. Mas não antecipou que ele tivesse que mudar o curso. Tendo ouvido sua opinião sobre o trabalho dela, achou melhor não o mencionar. Ao invés disso fingiu embaraço.

— Existe um comerciante na aldeia que eu desejo ver.

— Com que propósito?

Ela desatou as fivelas da bolsa de couro grande que ainda usava acima do ombro e recuperou um pacote pequeno.

— Para isto. — Ela levou-os até o nariz dele assim podia cheirar as especiarias fragrantes.

— O que são?

— Castanhas assadas em mel e especiarias. São minhas favoritas e prometi trazer algumas de volta comigo para as outras freiras.

Ela não tentou fugir sob a intensidade de seu olhar, mas ele parecia ver através de sua decepção.

— Você tem certeza de que esta não é mais uma missão para o bispo?

Ela esperou que o rubor em suas bochechas não se mostrasse em seu rosto.

— Alguém já lhe disse que você tem uma mente excessivamente desconfiada?

— Alguém já lhe disse que freiras não deveriam mentir?

Ela ergueu o queixo.

— Não é mentira. As castanhas são minhas favoritas.

— Bem, pode pedir ao bispo para levá-las para você quando ele estiver em sua própria missão. Não estamos indo para Roxburgh. A área estará fervilhando de ingleses. No caso de não ter notado, estamos no meio de uma guerra.

Ela se irritou com seu sarcasmo paternalista, mas o assunto de seu envolvimento não era um que ela quisesse reabrir. Já suspeitava o suficiente, e só Deus sabia o que ela diria se ele conseguisse irritá-la novamente.

Então Janet mordeu a língua e esperou sua vez. Mas não desistiu. O bispo tinha recebido notícias de uma fonte importante no castelo e pediu a Janet para fazer contato. Ele não confiava em mais ninguém. Ela só teria que achar um modo de convencer o Highlander teimoso (uma redundância, em sua experiência) a reconsiderar. Mas sabia que seria melhor fazer isto antes que eles encontrassem a travessia.

Algo estava errado, Ewen pensou. A moça estava muito quieta. Ela desistiu muito facilmente. Ele apostaria metade de seus ganhos do mês que estava tramando algo. Inferno, ele apostaria tudo — se apostasse. Mas não era seu pai e precisava de qualquer moeda que ganhasse para terminar aquele maldito castelo.

Ewen só esperava que ela não tivesse mais punhais escondidos. Agora que a chuva começou precisava manter toda atenção no caminho à frente deles através da floresta. A lama escorregadia e o terreno irregular eram ruins o suficiente, mas a névoa espessa que desceu ao redor deles era desorientadora. Também não ajudava em nada a sua concentração que quanto mais forte a chuva descia, mais fundo ela parecia se enterrar em seu peito. Suas bolas estavam provavelmente com uma sombra profunda de azul agora, depois de ter a bunda dela contra ele por Deus-sabe-quantas horas.

Ela estremeceu dramaticamente. Ele não a culpava. Para um dia de abril, parecia tão frio quanto a escuridão do inverno.

— Por favor, não podemos achar um lugar para parar e esperar fora da tempestade?

Ele sentiu uma pontada de culpa. Eles tinham montado por horas agora. Além de molhada e fria, ela provavelmente estava cansada também.

— Assim que cruzarmos o rio.

— E quando será isso?

— Logo.

Olhou para ele por cima do ombro. Ela enrolou o plaid ao redor da cabeça, mas a água ainda fluía por seu rosto pálido. Seus cílios estavam úmidos e colados como se tivesse chorado. A culpa o picou novamente. Ela era apenas uma moça. Mulheres eram criaturas delicadas — um fato que ele teve que se lembrar no caso dela. O que a faria querer se pôr em tal perigo?

— Pensei que você soubesse...


Ele a interrompeu

— Sei exatamente onde estamos. — Principalmente. Eles deviam estar alcançando a baixa do rio logo. Não estava muito longe. Era apenas a chuva que estava fazendo tudo parecer tão pouco conhecido. Ewen não estava perdido.

— Eu acabei de pensar que com essa névoa pode ser difícil...

— Nós não estamos perdidos, maldição!

Ela ofegou, recuando um pouco dado seu temperamento.

— Eu não pretendia desprezar suas habilidades de orientação. Claro, nós não estamos perdidos. — Ele sentiu um momento de satisfação até que arruinou com: — Se você disser que é assim.

Culpa esquecida, ele fumegou quando procurou por qualquer sinal de que o caminho que tomou era o caminho certo. Mulheres de hábito não deveriam ser tão malditamente irritantes. Que aconteceu com a submissão e calma?

Ele lutou através das árvores e arbustos por outros vinte minutos mais ou menos. A chuva estava descendo mais forte e o vento... o vento parecia estar soprando diretamente do Mar Norte. De “gelar o osso” era dizer o mínimo.

Ewen finalmente viu — a enseada pela qual procurava.

— Aí está. — Ele disse, como se nunca tivesse existido qualquer dúvida.

Ele guiou o cavalo em direção à margem, mas a visão que ele encontrou não era o que esperava.


Qualquer sangue de Janet que não tivesse sido congelado pelo frio foi drenado de seu rosto.

— Você não pode querer dizer que vamos atravessar aqui!

Janet não precisou fingir horror; era real o suficiente. Ela olhou para os vãos de seis metros de largura do Rio Tweed e sentiu seu estômago revirar como em um navio batendo em mar tempestuoso. As águas normalmente calmas do rio estavam correndo em uma fúria torrencial, intensificadas pela reta final do inverno e a inundação recente das tempestades.

As ondas — ondas! — Estavam quase cobrindo as três grandes árvores que foram postas entre as margens para formar uma ponte provisória. Quanto tempo aquelas árvores continuariam no lugar contra a força poderosa do rio?

Ela sacudiu a cabeça, medo batendo novamente em seu peito.

— Eu não posso.

Ele falou com ela suavemente — mais suavemente do que falara antes.

— Ela vai aguentar.

Ele desmontou e ergueu a mão para ajudá-la a descer. Ela enfiou a mão na dele, e quando se inclinou para frente, ele a pegou pela cintura e colocou-a delicadamente no chão. Não era nada que deveria ter feito prender a respiração. Ela foi ajudada a descer de um cavalo incontáveis vezes antes. Mas nunca tivera consciência das mãos de um homem em torno de sua cintura, da pressão suave dos polegares contra sua caixa torácica ou da força dos braços que ela agarrou para manter-se estável.

E nunca quis inalar tão profundamente. Ele cheirava a couro, chuva e floresta, mas também de algo morno e inegavelmente masculino.

Os olhos deles se seguraram por um longo segundo e ela soube que sentiu isto também. Ele desviou o olhar e a soltou tão depressa que suas pernas vacilaram.

Confusa com a própria reação e mais do que um pouco envergonhada, Janet evitou seu olhar quando ele foi amarrar o cavalo a uma árvore próxima enquanto inspecionava a “ponte”. Ela observou enquanto empurrava algumas das árvores para ter certeza de que eram sólidas e testava a margem barrenta com a bota. Como sempre, era impossível ler qualquer coisa em sua expressão. Sua boca estava definida de forma sombria, mas não podia dizer que era mais sombria que o habitual.

Ele retornou para onde ela esperava debaixo do abrigo de uma árvore grande para buscar o cavalo.

— Parece bom. Eu conduzirei o cavalo primeiro e voltarei para você.

O ar pareceu expandir em seu peito e seu coração bateu freneticamente. Ela olhou para ele e balançou a cabeça.

— Não posso. Eu n-não gosto de pontes. Por favor, nós não podemos ir por um caminho diferente?

Ele deu um sorriso encorajador que atravessou seu momento de pânico.

— Parece muito pior do que é. Não precisa se preocupar, não deixarei nada acontecer a você.

Ela acreditou nele suficiente para segui-lo até a margem do rio. Mas com o que viu de perto, nada a teria possuído para que atravessasse. Um grande aumento na corrente fez com que a água quebrasse sobre as árvores. A força era tão poderosa que a estrutura inteira pareceu chacoalhar.

Ele começou a levar o cavalo (que pareceu quase tão ansioso quanto ela) adiante, mas ela o parou.

— Por favor, deve reconsiderar. A corrente está muito forte. As árvores estão cheias de musgo e escorregadias. É muito fácil cair no rio e não sei nadar. Não há nenhum lugar próximo em que nós possamos ficar até amanhã? Talvez até lá a chuva tenha parado e a água baixado?

Como se para pontuar suas palavras, outra onda colidiu com a ponte, enviando um spray de água estourando no ar.

Ela girou para ele com um grito.

— Por favor. — Ela implorou, olhando para cima dentro de seus olhos.

O olhar dele caiu sobre o dela.

— Você realmente está assustada?

Existia uma nota estranha em sua voz. Uma leve rouquidão que penetrou a névoa de pânico e enviou uma pontada de consciência aquecida correndo por ela. Janet assentiu, seu rosto balançado em direção ao dele a centímetros de distância.

Centímetros de distância. Sua respiração prendeu. Só então percebeu o que tinha feito. As mãos dela estavam segurando seus braços e o corpo dela estava pressionado contra o dele. Intimamente. Peito com peito e quadril com quadril. Ela podia sentir cada duro centímetro de seu peito e pernas. Podia sentir outra coisa também. Algo que fez sua boca secar, seu coração saltar e seu estômago revirar, tudo ao mesmo tempo.

Oh, meu Deus.

O choque disso a surpreendeu. Era como se cada terminação nervosa em seu corpo fosse atingida por um raio de consciência. Abriu a boca para ofegar, mas o som foi estrangulado em sua garganta quando seus olhos se encontraram.

Que os céus a ajudassem! Apesar da chuva e do frio, seu corpo irradiava calor. Se ela não tivesse sentido a prova de seu desejo, poderia ter visto agora em seus olhos. Ele a queria e a força disto pareceu estar irradiando sob as pontas dos dedos dela, fazendo-a tremer com sensações pouco conhecidas. O coração dela parecia estar correndo muito rápido, a respiração curta e desigual, e os membros muito pesados.

Janet parecia não poder se mover. Estava pega em algo que não entendia, mas não podia resistir. Não queria resistir.

Quando o olhar dele caiu para sua boca, soube o que ele iria fazer. E ela teria deixado se ele não tivesse encontrado juízo suficiente para ambos. A mandíbula dele travou, e o pequeno músculo sob seu tórax começou um tique. Ele desviou o olhar.

Ela deixou cair as mãos e deu um passo súbito para trás, como se fosse uma criança que tivesse acabado de ser flagrada pelo cozinheiro com a mão em uma torta e estava tentando distanciar-se da cena do crime.

Janet não sabia o que tinha lhe acontecido. Ela nunca tocou em um homem muito livremente antes, muito menos tentou persuadir um assim.

A voz dele soou mais brusca que o normal.

— Há uma pousada não muito longe em Trows que deve ser segura para passarmos a noite.

Janet não podia esconder seu alívio.

— Obrigada.

Trows! Ela percebeu de repente o que isso significava. Não só tinha evitado a ponte como também conseguiu encontrar uma maneira — inconscientemente, isto ocorrera — de chegar a Roxburgh. Trows ficava a uma curta distância.

Ele deu-lhe um olhar duro, e não pela primeira vez Janet se perguntou se ele saberia o que estava pensando.

— Não podemos ir como estamos. Uma freira e um guerreiro viajando sozinhos atrairão comentários demais.

Desde que ele estava sendo agradável por um momento, ela se absteve de apontar que disse aquela mesma coisa quando insistiu em acompanhá-la.

— O que você sugere?

— Eu removerei um pouco da minha armadura e você terá que tirar seu véu e o escapulário branco.

Seus olhos arregalaram quando percebeu o que ele pretendia.

— Você quer dizer fingir que somos casados?

Por que a ideia a assustava mais que fingir ser uma freira? Se fosse analisar seus pecados, os posteriores eram infinitamente mais condenatórios.

— Você tem alguma outra sugestão?

— Não há algum outro lugar onde podemos nos abrigar? Uma caverna? Um celeiro abandonado? Uma cabana?

— Sim, do outro lado daquele rio. — Ele apontou para a ponte no mesmo instante em que mais água investiu contra ela. — Depende de você.

A escolha era óbvia. Não existia nenhuma razão pela qual devia ter hesitado, mas hesitou. Por que a ideia de fingir ser sua esposa a apavorava quase tanto quanto a ponte o fazia?

— A pousada.

Ele deu a ela um curto aceno com a cabeça.

— Deixarei você por um minuto para atender suas necessidades e remover seu hábito. — Ele apontou para a cruz de madeira em seu pescoço que ela usava desde a noite que tentou libertar sua irmã. — Esconda isto também.

Janet estava agradecida pelo momento de privacidade. Atendeu sua necessidade mais urgente e então depressa removeu o véu e o escapulário, o que não era fácil na chuva com tudo encharcado. Tentou não pensar que se ele não tivesse insistido em acompanhá-la estaria quente e seca na abadia. Quando terminou, colocou o plaid em torno dela de novo e embalou a roupa na bolsa. Sem a proteção de seu hábito se sentia... vulnerável.

Mas por que?

Ela acabara de esconder a cruz sob o vestido preto liso que ainda usava quando ele retornou e ela soube exatamente o porquê.

Oh Deus!

Seu estômago caiu. Ele removeu o horrível elmo, e pela primeira vez pôde ver seu rosto por completo.

Estava errada. Ele não era só bonito, era brutalmente bonito. Bonito de uma forma áspera: cabelo negro e olhos azuis que fez cada instinto primitivo dentro dela levantar e tomar nota. Sua boca… que mandíbula… Esses olhos.

Ela suspirou do mesmo modo que fizera quando era menina. Que momento para começar a agir como uma!

Seu cabelo caía por sua testa em aglomerações encharcadas, na sombra de sua barba de um dia ou dois no máximo, e a chuva estava escorrendo por seu rosto, no entanto só parecia adicionar uma borda áspera à sua atratividade. Ela sentiu algo em seu peito apertar e comprimir. O horror da compreensão a atingiu. Soube por que estava agindo assim e por que ele a fez se sentir tão inquieta desde o começo.

Templos de Jerusalém, me sinto atraída por ele!

Instintivamente, como a lebre que vê o caçador pela primeira vez, Janet sentiu o desejo de correr. Ela pode tê-lo persuadido a fazer sua vontade, mas parte dela se perguntou se cruzar a ponte era menos perigoso que passar a noite com ele.


CAPÍTULO 5


Não foi até que a estalajadeira abrisse a porta do quarto que Ewen percebeu exatamente a enormidade de seu erro ao deixar que ela o convencesse a não atravessar aquele rio.

Seus olhos percorreram o quarto do segundo andar, o que não levou muito tempo, já que não era muito maior que a solitária cama que fora empurrada contra a parede oposta. Além de uma mesa pequena e tamborete de madeira, nada mais havia no cômodo. Não existia espaço para mais nada.

Alarme acertou-o no peito como um poleaxe9. Não havia nenhum modo no inferno que eles podiam ficar aqui. Jesus, eles estariam bem em cima um do outro! Ele estava quase pedindo outro quarto — um muito maior — quando a estalajadeira gorda de aparência matronal virou para ele com um sorriso orgulhoso.

— É o nosso maior quarto e acho que o nosso melhor. Você pode ver todo o pátio abaixo por aquela janela. — Ela disse alegremente, apontando para a veneziana acima da cama. — O telhado é apertado e mantém você bem e seco. Claro, nós não podemos ter um fogo aqui com o telhado de palha, mas é morno e confortável com o fogo no corredor abaixo, e se você me der suas coisas molhadas eu as pendurarei no fogo no andar de baixo, e elas devem estar boas e secas pela manhã.

Nem ele nem Irmã Genna pareceram saber o que dizer. Para ele isso não era incomum, mas suspeitou era uma ocorrência rara para a freira de língua afiada.

A estalajadeira pousou a pilha de roupas de cama que carregava sobre o colchão. Então virou para Irmã Genna e disse com uma piscada e olhar significativo em direção à cama.

— Se você precisar de outro cobertor, deixe-me saber. Mas seu marido é um rapaz encantador, ele deve mantê-la bastante aquecida.

Irmã Genna pareceu ficar muito mais pálida e seus olhos arregalaram a proporções enormes. Ewen teria rido se não estivesse se sentindo exatamente do mesmo modo. Apreensão era um eufemismo. Este quarto estava começando a parecer com sua própria câmara de tortura pessoal.

Estava tentado a agradecer à estalajadeira pelo incômodo e ir diretamente escada abaixo, mas isso poderia provocar exatamente o tipo de atenção que estava tentando evitar. Até agora tudo estava bem e eles não pareceram atrair qualquer anúncio impróprio. Não quis fazer nada para arriscar isto.

Além disso, parte dele sabia que Irmã Genna estava certa: teria sido perigoso tentar cruzar a ponte em uma tempestade. Ambos estavam frios e encharcados até os ossos. Ele poderia ter construído um abrigo provisório, mas seria uma noite longa e torturante lá fora no frio e na chuva. Aqui seria um tipo diferente de longa noite torturante para ele, mas pelo menos ela estaria aquecida e seca. Não podia mais continuar assistindo seu calafrio; fazia se sentir... estranho. Como se fizesse quase qualquer coisa para fazê-la parar.

Com aceitação sombria, teve piedade de sua “esposa” que parecia não poder achar a língua por uma vez, e respondeu por ela:

— O quarto servirá. — Ele disse com sua brevidade habitual.

Ele usou o inglês, a língua falada pelas pessoas comuns nas cidades fronteiriças. Ewen ficou surpreso ao descobrir que Irmã Genna falava bastante bem — embora com um sotaque pesado — algo que ela negligenciou dizer a ele até agora. A moça era cheia de surpresas.

Ele percebeu que disse algo errado quando o rosto da mulher mais velha caiu. Mas Irmã Genna imediatamente se moveu para consertar: — É o refúgio perfeito na tempestade. — Ela disse à estalajadeira com um sorriso agradecido. — Estou certa de que nós estaremos muito confortáveis. — Ela deu um suspiro de prazer, que o atingiu duramente onde não devia. — Isto é um travesseiro de penas?

A estalajadeira sorriu.

— De fato é, minha senhora.

— Que maravilhoso! Estarei adormecida assim que minha cabeça tocar aquelas penas. Eu suspeito que meu marido... — Ewen esperava ser o único a notar sua leve vacilação — meu marido pode ter que me arrastar para fora da cama pela manhã. Mas nós temos uma jornada longa à nossa frente.

Muito apaziguada, a estalajadeira bateu levemente no braço da irmã como se ela fosse uma menina.

— Para onde você disse que estavam viajando?

— Nós não dissemos. — Ewen disse.

Irmã Genna atirou a ele um olhar e deu à estalajadeira um revirar de olhos como que se desculpando por seus pobres modos.

— Minha mãe está muito doente. — Ela disse. — Eu só espero que cheguemos a Londres a tempo.

— Pobre criança. — Ela disse, novamente batendo levemente em Genna. — E a que distância em Londres? Mas você está...

— Flemish, Madame. — Genna completou. Eles decidiram ser cuidadosos no caso de que alguém estivesse procurando por uma freira italiana. — Meu pai é um comerciante.

Ewen teve que admitir que era boa nisto. Para uma freira, ela certamente mentia bem. Ele mesmo estava quase acreditando.

— Como você e seu marido se conheceram?

Ewen foi forçado a permanecer na porta por outros dez minutos enquanto Genna presenteava a estalajadeira com a história de seu casual encontro em um mercado em Berwick antes de “Bruce causar todos esses problemas assumindo o trono”. Ele dificilmente pensou que parecia o tipo que deixava flores silvestres em sua porta por uma quinzena, mas a estalajadeira ficou encantada com seu “romance” e ele encontrou a si mesmo corando como um bobo (como não restava nenhuma dúvida de que era a intenção da pequena atrevida!) sob o seu olhar aprovador.

Irmã Genna era natural, Ewen percebeu. Se queria desviar a suspeita, ela teve sucesso por ele. Mas finalmente, depois de prometer enviar a eles um pouco de comida, a mulher os deixou sozinhos.

No momento em que a porta fechou atrás dela, todo seu nervosismo retornou com força total. O quarto pareceu engrossar com ele. O silêncio repentino o fez se perguntar se Irmã Genna vinha mantendo a outra mulher ali para atrasar este momento.

Tentando romper o momento de constrangimento, ele tomou os dois passos para a mesa e derrubou a bolsa de couro que mantinha amarrada à sela. Depois de tirar o plaid que usava ao redor de seus ombros, ele virou para enfrentá-la. Ela avançou lentamente seu caminho até o pé da cama no lado oposto do quarto — tão longe dele quanto possível.

Ele amaldiçoou caladamente, vendo a desconfiança em seu rosto pálido. Ela o estava olhando como se ele fosse um lobo e ela um suculento cordeiro. Pior, ele sabia que não era injustificada. Ela devia ter percebido quão perto ele estivera de beijá-la lá fora mais cedo.

O que estava pensando? Ela era uma freira, pelo amor de Deus! Ele não considerava a si mesmo um homem particularmente devoto, mas a Igreja era uma parte de sua vida, como era para todo homem e mulher na cristandade. Seu desejo por uma mulher que ele fora ensinado desde a infância a reverenciar como santa e sagrada era vergonhoso.

Se o destino de sua alma imortal não fosse suficiente, o possível dano que ele poderia fazer à causa de Bruce — e assim à própria — caso a tocasse deveria ser todo o lembrete que ele precisava. Bruce precisava do suporte da Igreja para ganhar sua guerra, e Ewen precisava de Bruce se seu clã quisesse sobreviver. Ele podia apenas imaginar qual seria a reação de Lamberton se tornasse conhecido que ele violou sua ungida.

Mas ela certa como o inferno não estava fazendo isto fácil para ele. Não agia como qualquer freira que já encontrara — ou qualquer mulher, no que dizia respeito a esse assunto. E poderia ter sido mais fácil ignorar seus sentimentos se não estivesse malditamente certo que ela estava sentindo-os também.

A boca dele caiu em uma linha sombria quando a viu estremecer. Ela abaixou o capuz ao redor de sua cabeça e as mechas douradas que estiveram coladas em sua cabeça começaram a secar. Maldição, não o cabelo novamente! Ele sentiu um puxão em sua virilha e mordeu outra maldição.

— Você devia fazer como ela disse e sair dessas roupas antes que pegue um resfriado. — Com a estalajadeira fora, ele voltou a falar francês.

Com os olhos arregalados, ela agitou a cabeça.

— Estou bem. É morno aqui. Elas secarão rápido o bastante.

— Não seja ridícula. Vou virar de costas enquanto você se troca. Sua modéstia será preservada.

Duas manchas de brilhante rosa apareceram nas bochechas dela. Ela se sentira obviamente ofendida por seu tom.

— Não é com a minha modéstia que estou preocupada. Eu só trouxe dois vestidos comigo, e se você se lembra o soldado destruiu o outro.

Ele desatou a correia de sua bolsa e retirou uma camisa extra.

— Você pode vestir isto. — Antecipando sua recusa dada a transparência do tecido, ele adicionou. — Embrulhe o cobertor que ela trouxe para a cama ao seu redor.

Ela debateu por um minuto ou dois antes do conforto vencer.

— Muito bem. Mas não vire até que eu diga.

— Desde que você prometa o mesmo. Estarei me trocando também.

Ele a observou lutar com o sorriso e perder.

— Você poderia ter usado um pouco desse charme com a estalajadeira. Se os ingleses viessem nos procurar, ela teria alegremente te entregado depois daquele comentário menos do que elogioso sobre o quarto. E não dizer a ela o nosso destino? Você só fará as pessoas suspeitarem se recusando a responder suas perguntas.

Charme? Ele nunca fora associado a isso antes. Mas conversar com Irmã Genna era diferente — mais fácil. Era quase como conversar com alguém da Guarda. Sua rispidez e arestas ásperas não pareciam aborrecê-la.

— O mesmo vale para você, Irmã? Posso confiar que não vai espiar?

Ela corou.

— Claro.

Ele segurou seu olhar. Ela não desviou do desafio no olhar dele, mas sabia que ela estava escondendo alguma coisa. Algo sobre ela não estava certo e ele tinha a intenção de descobrir o que era.

— Troque-se. — Ele disse rispidamente, virando de costas.

Ele tirara suas roupas no mesmo quarto com mulheres incontáveis vezes antes, mas nunca foi tão dolorosamente ciente disto. Embora tivessem bem mais que um metro e meio os separando, Ewen jurou que podia sentir todos os movimentos dela. Ele fez um trabalho rápido com suas próprias roupas molhadas, trocando-as por uma túnica e calções limpos.

E então esperou. Ela parecia estar tomando uma quantidade infinitamente longa de tempo. Ele começou a virar sua cabeça...

— Você está olhando?

Sua cabeça estalou de volta.

— Você já terminou?

— Quase.

Poucos minutos depois, pensando que ela devia ter concluído até agora, olhou por cima do ombro de novo, avistando suas costas magras antes da camisa cair sobre elas.

Ele chupou um gemido, ficando tão duro quanto um prego. Luxúria o acertou e o doloroso desejo retornou. Era sua própria maldita culpa. Isto era o que ele conseguiu por olhar.

Agora tinha a imagem de uma bunda suave, bem formada, cremosa para juntar aos seios lisos, bem formados, cremosos. As paredes do quarto de tortura pareceram se retrair ainda mais.

Mas nem tudo nela era suave. Ele franziu o cenho, recordando as cicatrizes que notou mais cedo. Uma camisa de cilício e chicote? Ele achava que não. As marcas pareciam com algum tipo de marca de queimadura.

A moça iria começar a responder algumas de suas perguntas.

— Você pode se virar. — Ela disse.

O cenho franzido ainda estava em seu rosto.

— Como conseguiu as cicatrizes em suas costas?

Janet instintivamente endureceu. Não era vergonha, mas a defensiva natural que o assunto despertava. Embora tivessem enfraquecido, sabia que as cicatrizes eram desagradáveis. Mas de alguma maneira parecia adequado. Ela queria a lembrança. Não queria perder de vista seu propósito. Podia não ser capaz de mudar o que sua interferência aquele dia na ponte forjara — ou devolver Cailin, — mas podia assegurar que algo de bom viesse disto.

Janet devia estar se acostumando ao modo rude de Ewen de falar, porque nem sua pergunta nem sua terrível falta de cortesia em trazer um assunto tão pessoal a surpreendeu. Ele teve sorte por ela não ser autoconsciente. De repente ela parou. Seus olhos estreitaram. O que o fez pensar sobre as cicatrizes?

— Você olhou!

Ele encolheu os ombros sem desculpa.

— Não foi intencional. Você estava levando muito tempo.

— Isto deveria ser uma desculpa?

— Se você desejar que seja.

Janet se irritou com ele.

— Você não tem nada com que se preocupar. — Ele disse. — Você não tem nada que eu não tenha visto centenas de vezes.

Se ele estava tentando fazê-la sentir-se melhor, falhou. Seus olhos se arregalaram com indignação.

— Centenas de vezes?

Ele encolheu os ombros e por alguma razão a indiferença descuidada a enfureceu ainda mais. Não devia se importar com quantas mulheres ele estivera se pensou que ela era comum em comparação, mas ouvi-lo tão suavemente indicar isso a irritou.

— Como é bom saber que você tem tal amplitude de comparação para recorrer.

— Você não respondeu minha pergunta. Como conseguiu as cicatrizes? E antes que pense em me dizer o que disse aos soldados hoje, sei que elas não vieram de um chicote e camisa de silício.

— Você tem “centenas” de cicatrizes para comparar também?

Ele sorriu, obviamente sua irritação o divertia.

— Mais.

— Você tem lutado na guerra por alguns anos então?

— Aye. Agora me diga sobre as cicatrizes.

Janet apertou a boca. Era como Duncan. Ela nunca foi capaz de distraí-lo também. Ele tinha sido positivamente intratável quando vinha interrogá-la sobre algum assunto ou problema percebido. Se apenas Ewen Lamont lembrasse a ela de seu irmão em outros modos. Mas o que Ewen despertava nela era definitivamente não fraternal.

Como parecia que ele não seria desviado de seu curso sem uma resposta, decidiu dizer a verdade. Bem, parte da verdade, de qualquer maneira.

— Eu estava em uma ponte quando ela foi atingida por um raio. Não lembro exatamente o que aconteceu, mas havia fogo, e uma parte da madeira lascou e acabou nas minhas costas. As irmãs fizeram o melhor que puderam para removê-las, mas algumas estavam enterradas profundamente.

Ele segurou o olhar dela como se soubesse que havia mais que não estava contando. Mas isso era tudo que tinha intenção de dizer a ele. Como acabou na ponte não era da conta dele.

— Então é por isso que você não quis atravessar. Quando isto aconteceu?

Foi sua vez de encolher os ombros.

— Algum tempo atrás. — Na esperança de pôr fim ao assunto, ela acrescentou: — Eu não gosto de conversar sobre isto.

— As cicatrizes não são nenhuma causa para vergonha. Elas são uma marca de sua força. Você sobreviveu.

Ela eriçou.

— Eu sei disso. Não são as cicatrizes que me causam dor, mas as memórias que elas trazem.

Desta vez, ele entendeu o recado e mudou de assunto — entretanto infelizmente, o próximo não era melhor do que o último.

— Você tem um sotaque incomum. De onde você é?

Esperava que ele não visse o leve enrijecimento de seus ombros, mas já havia aprendido que pouco lhe escapava.

— Meu pai era comerciante. — Ela disse, ficando com a mesma história que contou à estalajadeira. — Nós nos mudávamos bastante.

— E é por isso que você fala tantas línguas?

— Sim. — Mas não tinha sido fácil. Ela sempre foi horrível com línguas. Decidindo que conversaram sobre ela tempo suficiente, perguntou. — E você? Eu não encontrei muitos Highlanders que falassem um francês tão fluente e que não são nobres... — Ela parou, corando.

— E você descobriu que eu não me qualifico?

— Eu não quis ofender você.

— Não ofendeu. Fui criado por um nobre local e tive algumas aulas particulares. Idiomas vêm facilmente para mim. — Ela fez uma cara e ele riu. — Suponho que não é o mesmo para você?

Ela balançou a cabeça.

— O latim foi o pior.

As palavras saíram antes que pudesse pegá-las de volta. Esperava que ele não notasse, mas claro, ele notou.

— Eu achei que com o italiano sendo tão intimamente relacionado teria sido fácil.

— Para a maioria das pessoas é. — Ela disse. Fingiu um bocejo. — Se não se importa, acho que eu gostaria de ir para a cama. Estou muito cansada.

E conversar com ele era perigoso. Era fácil se esquecer em mais de uma maneira. Por alguns momentos, esqueceu que era uma freira — ou planejava ser em breve, — que eles deviam permanecer estranhos e que estavam sozinhos neste quarto. Por alguns minutos se sentiu confortável com ele como se fossem verdadeiramente marido e mulher. Por alguns minutos, a intimidade pareceu... natural.

Mas de repente estar sozinha com ele pareceu estranho novamente. Estava profundamente consciente dele como homem. E tanto quanto quis fingir que era uma freira, seu corpo parecia saber diferente. Estar sozinha com um guerreiro muito alto, muito bonito e muito viril a fez parecer muito feminina e muito ciente daquela feminilidade de um modo que nunca estivera antes.

Ela puxou o plaid ao redor de seus ombros mais firmemente, embora o quarto parecesse de repente muito quente. Era o quarto, não era? Mas isso não explicava o calor em lugares que nunca pareceram quentes antes. Faróis sinalizadores pareciam incendiar tudo ao seu redor. Ela precisava ficar longe dele.

Ele deve ter apanhado a tensão na atmosfera também porque de repente pareceu muito ansioso para sair.

— Se você me der suas roupas, vou levá-las para a estalajadeira pendurar ao fogo. Não precisa deixar a vela acesa para mim, posso achar o chão quando eu retornar.

Ela mordeu o lábio querendo perguntar quanto tempo ficaria fora, mas não quis fazê-lo suspeitar. Porque não tinha nenhuma intenção de estar aqui quando ele acordasse.


Com a propensão do seu pai para bebida, Ewen não era muito de uísque, mas às vezes podia apreciar os efeitos entorpecentes da bebida. A última vez que bebeu demais foi depois que um de seus amigos e companheiro da Guarda das Highlands, William Gordon, foi morto em uma explosão em Galloway. Antes disto, tinha sido quando ele e MacLean finalmente chegaram em segurança depois de sobreviver à matança que aconteceu aos homens de Bruce em Loch Ryan nas mãos do MacDowells. Dezoito galeras e só duas sobreviveram.

Mas hoje à noite, não era a dor de amigos perdidos que o levou à bebida, mas outro tipo de dor — o tipo luxurioso. Sabendo que ficaria acordado a noite toda duro como uma rocha se não fizesse algo, passou uma boa hora drenando uma jarra de uísque com gosto de turfa, tentando esfriar seu sangue aquecido. Estivera tentado quando um método alternativo de entorpecer sua luxúria se apresentou na forma de uma graciosa garçonete, mas o uísque já devia estar fazendo efeito, quando seu roçar coquete e olhares ousados não conseguiram que ele se excitasse.

Quando retornou ao quarto, Ewen estava bem relaxado, e a fonte de seus problemas estava dormindo e agasalhada com segurança fora de vista sob os cobertores. Ele lançou seu plaid no chão, mal notando o quão duro era antes de desmaiar em uma névoa induzida pelo uísque.

Mas a bebida não penetrou seu sono. Ele sonhou com ela. Quentes e agitados sonhos com seios altos e redondos, e bunda arredondada. Ele se imaginou tocando-a, cobrindo-a, correndo as mãos sobre cada centímetro de carne nua macia como de bebê. Seu corpo estava quente, seu sangue correndo, com o nariz cheio com o perfume suave dela. As sensações eram tão fortes que o arrancaram de seu sono. Ou pelo menos ele achava que elas tivessem. Mas quando abriu os olhos, a mão dele estava enrolada no pulso dela e ela estava pairando sobre ele, os olhos arregalados com choque.

Então Ewen soube que devia estar sonhando, porque podia sentir o toque suave das mãos dela no seu cabelo e ouvir os tons suaves e calmantes da sua voz quando encheu seus sonhos com os sons acalentadores da música. Ele sentiu seu corpo relaxar. Sentiu a tensão que estivera fervilhando através de seus membros libertar sob os suaves e calmantes afagos. Foi agradável. Ele nunca teve uma mãe para colocá-lo na cama quando era jovem, mas suspeitava que teria sido algo assim. A última coisa que se lembrava antes que o deixasse foi o roçar macio dos lábios dela em sua bochecha.

Ele acordou em um quarto frio e com os primeiros raios da aurora fluindo através das ranhuras nas persianas. Embora fraca, a luz do sol enviou estilhaços de dor perfurando como punhais sua cabeça pesada de bebida. Ewen fechou os olhos, ouvindo em vez disso os sons pacíficos do... silêncio. Absoluto silêncio.

Seus olhos abriram de novo. Ignorando a dor, seu olhar foi para a mulher dormindo na cama. Ou a mulher que deveria estar dormindo na cama. Mas mesmo antes de se erguer e puxar o plaid para trás se levantando, ele sabia.

Não foi um sonho. Sua maldita “esposa” se foi.


CAPÍTULO 6


Janet não achava que seu coração começaria a bater novamente até que ela estivesse a meio caminho para Roxburgh.

Depois que conseguiu que ele voltasse a dormir, ela recuperou seus pertences da lareira no térreo e deslizou passando os ocupantes adormecidos da pousada, escapando para a manhã fria e escura com pouca dificuldade. Mas mais cedo seu coração tinha saltado direto para sua garganta, quando ela tentou passar por cima dele para chegar à porta e ele abriu os olhos e a agarrou pelo pulso.

Se ele estivera acordado ou meio adormecido, ela não soube, mas por um longo segundo pensou que queria puxá-la para cima dele. O conhecimento do quanto queria que ele o fizesse a deixou em pânico. Ela precisava fazer algo.

Sem pensar, Janet estendeu a mão e o tocou, tentando acalmá-lo e fazê-lo voltar a dormir como ela fazia sua irmã Mary após um pesadelo quando eram mais novas. Mas tocá-lo não era nada como tocar sua irmã.

Mesmo enquanto corria ao longo da estrada que atravessava a floresta conectando Trows a Roxburgh, Janet ainda podia sentir a espessura de seu cabelo sedoso correndo através dos dedos dela. Será que um homem — especialmente um soldado como ele que parecia ter nascido no campo de batalha — devia ter um cabelo tão suave? Mas as ondas escuras e brilhantes deslizaram por seus dedos como a melhor seda. Ainda podia sentir a espessura sólida das costas e músculos do braço dele quando tentou aliviar a tensão de seus membros e acalmá-lo de volta ao sono. Mas acima de tudo, ainda podia sentir o arranhão dos pelos contra sua boca conforme acariciou seus lábios acima da mandíbula áspera com restolho.

O que nas portas do céu podia tê-la possuído para que o beijasse? Janet ainda não podia acreditar nisto. Mas ela tinha cantado em sua orelha e sua bochecha estivera próxima e irresistível.

Ele cheirava a uísque e pinho, e sua pele tinha um gosto tão... bom. Escuro e doce, com um rastro lânguido de especiaria. Uma onda de sensações estranhas caiu sobre ela. Seu pulso disparou, sentiu sua pele corada e arrepiada, seus membros pareciam pesados e seus seios cheios. Seus mamilos apertaram, e de repente sentiu o inquieto desejo de esfregar seu corpo contra o dele.

Por um momento traiçoeiro, ali na escuridão, Janet quis rastejar para o lado dele. Quis que ele a tomasse nos braços e lhe mostrasse o que um homem fazia a uma mulher. Ela não era ignorante sobre o ato, mas até aquele momento não foram sequer capaz de querer experimentar isto.

Nenhum homem já a fizera se sentir assim. Confusa, meio louca e assustada, tudo ao mesmo tempo.

Seus pés aceleraram quando aumentou o passo, correndo tão longe dele quanto podia em direção a Roxburgh e o futuro que já tinha todo planejado. Um futuro que não incluía pensamentos luxuriosos ou ser distraída por um homem. Ela ia ser uma freira, pelo amor de Deus!

Era o que ela queria, não era? Janet sentiu um pequeno aperto no peito antes que o afastasse. Claro, era isso. Tomar o véu fazia sentido. De que outra forma ela poderia continuar o que estava fazendo? Como uma freira teria liberdade. Um propósito. Ela gostava de trabalhar para Lamberton e orgulhava-se de tudo que fazia para ajudar Robert.

Que outras opções ela tinha? Para uma nobre existiam duas: casamento ou o véu, e Janet sabia que casamento não era para ela. Ela se comprometera duas vezes antes e ambas as vezes o compromisso terminou na morte de seu noivo. A guerra matou muitos dos jovens nobres da Escócia, mas para Janet suas mortes pareceram como um presságio que casamento não estava destinado a ela.

Além disso, ela estava feliz, e em sua experiência, felicidade e casamento não andavam juntos. Seu pai dava ordens à sua mãe por aí como se fosse uma serva, o amor infantil de sua irmã Mary pelo Conde de Atholl se transformou em miséria, e Duncan e Christina passaram a maior parte de seu tempo discutindo.

Por que ela estava até mesmo pensando nisso? Mesmo se decidisse que queria se casar nunca seria com um soldado comum, ainda que ele não parecesse comum. Ela franziu a testa. Era uma filha de Mar, a ex-cunhada de um rei e tia do único herdeiro dele. Sua escolha de marido não seria sequer dela. Seria um interesse político para Robert.

Por mais de uma razão, o Highlander áspero com o sedoso cabelo e mandíbula irresistivelmente adorável não era para ela.

Janet estava praticamente correndo agora, respirando com dificuldade, e apesar do frio da névoa matutina, um brilho de transpiração apareceu em sua testa. Não podia se afastar rápido o suficiente. Ela imaginou que tinha pelo menos uma hora de vantagem sobre ele, e mesmo que Lamont tentasse segui-la, daria bastante tempo para alcançar Roxburgh a pé — que era a apenas dois quilômetros ou mais. Mas só para ter certeza, mudou de direção saindo da estrada quando se aproximou da cidade e tomou uma rota de desvio para o castelo através da floresta.

Ela pensou em fugir com o cavalo, mas não quis arriscar despertar os rapazes do estábulo. Em retrospectiva, talvez fosse um risco que devia ter tomado. Tarde demais ouviu o som de cascos. Ela olhou ao redor como uma lebre surpreendida, freneticamente procurando um lugar para se esconder. Mas ele estava nela antes que pudesse se arremessar em um buraco — ou neste caso, na moita.

Seu coração estava batendo como um tambor, mas esperava conseguir parecer calma e serena quando se virou para enfrentá-lo.

— Como você me achou?

Ele não se deu ao trabalho responder a sua pergunta. Seu rosto, meio escondido pelo elmo novamente, era uma máscara de ira glacial. Ele saltou do cavalo e agarrou-a bruscamente pelo braço.

— Sua pequena tola, está tentando se matar?

Ela poderia ter sentido o desejo de se acovardar — tendo mais que um metro e oitenta de músculo sólido e irritado berrando com ela não era exatamente não intimidador — se ele não atiçasse a raiva dela.

— Se alguém está agindo de forma tola é você por me perseguir! Eu lhe disse antes, não preciso nem quero uma escolta. Eu não pedi para me acompanhar, e não preciso de sua permissão para partir sem você.

— O inferno que não precisa.

Janet teve que admitir, ela sentiu um pequeno calafrio de medo quando ele rosnou e puxou-a ainda mais contra ele. Entretanto se perguntou se era por qualquer outra coisa quando seu coração deu um mergulho e calor afiado a percorreu. Uma reação que estava ficando acostumada quando ele estava envolvido.

Bom Deus, ela amava o jeito que ele cheirava — a mistura de vento em seu cabelo, pinheiro da floresta na pele e o couro de seu cotun.

Seu rosto abaixou para o dela e Janet prendeu a respiração, desejando aquele elmo cobrindo os olhos de aço azul-acinzentado que estavam piscando para ela com tanto perigo quanto a espada que ele prendeu com correia às suas costas uma vez mais.

— Você parou para pensar que o súbito desaparecimento de minha “esposa” da nossa cama antes do amanhecer poderia ser um pouco suspeito?

Janet mordeu o lábio, lutando contra o rubor. Ela não pensou. Tudo em que tinha pensado era em sair de lá.

— Eu tenho certeza que você pensou em algo para satisfazer a estalajadeira.

— Nem todo mundo é tão inteligente ao mentir como você.

Não havia como parar o rubor desta vez. Ele não sabia nem a metade. Ela ergueu o queixo obstinadamente.

— Ainda que a estalajadeira fique curiosa, estou certa que não vai levar a lugar nenhum.

— Ah, sim? Eu não estou certo de que os soldados ingleses que vi abordarem a pousada quando estava partindo vão concordar com você. Mas vamos esperar que a desculpa que eu dei baste.

Soldados ingleses? Os primeiros espinhos da culpa começaram a se formar.

— O que você disse a ela?

— Que você foi à igreja local rezar pela recuperação da sua mãe antes de começarmos nossa jornada

Ar deixou seus pulmões e ela movimentou a cabeça.

—É uma boa desculpa. — Ela ficou surpresa que ele pensou nisto.

Seus olhos estreitaram como se ele pudesse ler sua mente.

— A estalajadeira pode ter acreditado em mim, mas malditamente certo que os ingleses não irão se decidirem nos seguir até a igreja.

— Se eles estiverem realmente nos procurando, e se fizerem a conexão, talvez. Mas não existe nenhuma razão para suspeitar de nós. Era provavelmente apenas um grupo de batedores ingleses do castelo. — Ela torceu o braço para fora de seu agarre e deu um passo para trás. Isto era tudo culpa dele. Se não insistisse em acompanhá-la ela não estaria sentindo tão… confusa e não teria sentido necessidade de ir embora. — Sinto muito por deixá-lo com uma explicação a dar à estalajadeira, mas existe algo que tenho que fazer em Roxburgh e você não vai me deter.

Janet viu o lampejo em seus olhos e soube que cometeu um erro. Se fora o desafio em suas palavras ou qualquer outra coisa, ela não soube. Mas antes que pudesse tomar outra respiração, ele empurrou o elmo, puxou-a em seus braços e colou-a firmemente ao seu corpo, não deixando nenhuma dúvida de sua intenção.

Desta vez, a emoção que estremeceu através dela era inconfundível. Era como se uma onda de calor derretido tivesse sido despejada sobre cada membro. Ela não podia mover. Não podia afastá-lo.

Ela não queria afastá-lo.

— O inferno que não vou. — Ele disse pouco antes de sua boca cobrir a dela.

Então esta era a sensação de perder o controle. Ewen não soube o que o possuiu para tomá-la nos braços, mas no momento em que seus lábios se tocaram ele não deu a mínima.

Seus lábios eram tão suaves e doces, ele gemeu no primeiro gosto dela. O sangue e a raiva rugindo por ele persuadiu-o a ir rápido e duro, tomar e saquear, perder-se no doce e envolvente calor. Mas algo mais forte acalmou o primitivo desejo e o fez diminuir a velocidade.

Inocente. Ela era tão malditamente inocente, e de repente isso era tudo que importava. Por mais que quisesse violá-la insensatamente, não queria assustá-la. Então soltou o agarre que tinha ao redor dela, aliviou a pressão de seus lábios e a beijou suavemente. Ternamente. Reverentemente.

Ewen não podia recordar já ter cortejado uma moça com a boca, mas o fez muito agora. Com cada hábil carícia ele lhe apontou, mostrando a ela — ensinando-a — o que queria dela.

Lentamente, ele podia sentir o choque escapar e o corpo dela começar a relaxar. Ele quis rugir com satisfação masculina, mas conformou-se com um grunhido suave.

Entretanto ela se aconchegou mais intimamente contra ele com um som que foi diretamente para seu pau e quase expulsou todas suas boas intenções.

Vá com calma, disse a si mesmo. Você pode fazer isto. Não é nada que não tenha feito centenas de vezes antes.

Ewen quase riu do exagero, recordando a reação dela — estranhamente pareceu mais ciúme que condenação religiosa, — mas não sentiu muita vontade de rir quando percebeu que isto não era como nada que tivesse feito antes. Beijá-la era uma experiência completamente diferente e não gostou disto.

Exceto que gostou disto. Demasiado, muito malditamente.

Lento.

Mas ela não estava fazendo isto fácil, o modo que os dedos dela estavam cavando em seus ombros enquanto o agarrava mais e mais forte, e Ewen sentiu seu próprio prazer crescer.

Ele embalou seu rosto nas mãos, passando o polegar acima da curva suave de sua bochecha, sentindo o peito apertar mais e mais a cada carícia. Seus lábios eram como veludo, sua respiração como mel e ela cheirava… Deus, ela cheirava como um punhado de jacintos assentados ao sol. Ele queria afundar-se nela e deixar que aquele cheiro o absorvesse.

Os dedos dele deslizaram ao redor de seu pescoço, mergulhando nas ondas suaves de seu cabelo. Ela estava usando uma capa com capuz, mas este deslizara para trás revelando a magnífica cabeleira dourada, solta, sem dúvida por causa da pressa de sua partida.

Ewen não queria pensar sobre isso agora, mas era uma boa coisa que rastreá-la tinha sido tão espantosamente fácil. Tudo o que queria pensar era sobre quão incríveis eram seus lábios nos dele, quão boa era a sensação de ter seus seios esmagados no peito dele e os quadris dela aconchegados à sua virilha, quão suave como seda era seu cabelo ao redor dos dedos enquanto ele agarrava a parte de trás de sua cabeça e segurava sua boca na dele, e quanto lentamente poderia continuar isso quando cada fibra, cada instinto, cada gota de sangue e osso no corpo dele queria deslizar a língua em sua boca e prová-la mais fundo.

Ele gemeu, antecipando a sensação de sua língua circulando a dela. Ia ser tão bom…

Sua cabeça, seu coração, cada parte do corpo dele estava pulsando. Não podia esperar mais.

Ewen roçou a boca sobre a dela novamente e persuadiu seus lábios a se separarem. Então encheu sua boca com a dele, provando seu suspiro de surpresa quando sua língua lambeu a caverna de mel doce.

Oh Deus, isso era bom! Muito melhor do que antecipou. Mais quente. Mais doce. Mais escuro e mais erótico.

Ele a puxou para mais perto, precisando sentir a fricção de seu corpo contra o dela enquanto sua língua mergulhava mais e mais fundo na boca de Janet. Ele a curvou para ele, sentindo-se afogar, sentindo seu corpo sendo arrastado em um vórtice de prazer tão agudo que não seria capaz de puxar-se para fora.

Ewen podia sentir seu coração batendo contra o dele, sentir seu choque, e então sua descoberta enquanto o corpo dela acordava para a paixão que acendeu como fogo selvagem entre eles — quente, devastador e ingovernável. Ele nunca sentiu nada como isto. Mas não foi nada comparado às sensações que explodiram dentro dele quando sentiu o primeiro círculo de sua língua contra a dele. Enviou uma onda de calor à sua virilha tão forte que quase fez seus joelhos se dobrarem.

Ela podia ser inocente, mas não havia nada inocente na sua resposta ou nas sensações que incitou. Ir devagar foi esquecido quando ele empurrou suas costas contra uma árvore, enroscou sua perna ao redor da cintura dele, e descendo na loucura de paixão, suas línguas deslizando e lutando em uma dança perversa.

Seu pau estava pulsando, posicionado na junção doce entre as pernas dela. Ewen não podia resistir. Ele começou a balançar, precisando da fricção do movimento do corpo dela contra o seu.

Ele não estava pensando agora — e quando estivera? — O instinto tinha assumido. Estava beijando-a com mais força, arrastando as mãos sobre o corpo dela com uma possessividade que disse que eles foram feitos para estar lá. Ele segurou seus seios incríveis, e então sua bunda quando a ergueu mais firmemente contra ele.

Oh Deus, aí mesmo. Era isto. Ele se contraiu, suas nádegas apertaram contra a pressão. Parecia tão bom, ele teve que lutar contra o desejo de gozar.

Ele não podia esperar para estar dentro dela.

Ewen arrastou a boca dos lábios até seu pescoço, cobrindo com a boca a pulsação frenética sob sua mandíbula e chupando até que ela contorceu e gemeu contra ele.

Quente. Estava tão malditamente quente que ele não podia respirar.

Ele podia ouvir a rapidez da respiração dela, e os suaves e pequenos sons ofegantes que fazia o estava deixando selvagem. Ele sentiu o corpo tremer em rendição e soube que ela era sua.

Minha. O conhecimento atingiu-o como o martelo em um tambor. Ele rasgou sua boca para longe. O rosto dela estava corado, os lábios inchados e os olhos semicerrados com paixão. Ewen não achava que já vira nada mais bonito.

Algo estranho se agitou em seu peito. Um sentimento — uma emoção — que nunca sentira antes. Era mais que luxúria e mais que possessividade, era mais suave… mais doce... mais significativo.

Mas em seguida seu olhar caiu e todo o desejo, toda a paixão, todas as emoções estranhas que estava sentindo arrancaram dele um suspiro horrorizado. Pendendo do seio que ele segurara estava uma cruz de madeira.

Vergonha subiu dentro dele, tão amarga e repugnante quanto bílis.

Que diabo estava fazendo? Ela era uma freira, pelo amor de Cristo! A imensidão de seu pecado o fez recuar.

A soltou tão de repente que ela cambaleou e ele teve que estender a mão para pegá-la antes que caísse no chão.

Em um momento Janet estava escalando os portões do céu em direção a um mar bonito de luz, e no próximo estava se debatendo na escuridão, tentando se impedir de cair no chão frio e duro da realidade.

A redução rápida das sensações mais incríveis que ela já experimentou a deixou com saudade, dor e confusão. Quando os braços que a estiveram segurando muito firmemente de repente fecharam ao redor dela novamente, Janet ofegou com alívio e agarrou-o como uma tábua de salvação.

Não pare, ela quis dizer. Por favor, não pare. Parece tão bom.

Quando examinou seus olhos e a frieza — o desgosto — foi como um balde de água gelada, chocando-a de volta à realidade.

Ela empurrou-se para longe dele, mas não conseguiu afastar os olhos dos dele. Por que ele estava olhando para ela assim? O que ela fez?

E então se lembrou. O olhar não era dirigido a ela.

Eles olharam fixamente um para o outro em um momento de horror mudo. Ela por quão facilmente sucumbiu, e ele com a vergonha e culpa do que fez. Ou melhor, o que achava que tinha feito.

Se ela fosse realmente uma freira, beijá-la seria um pecado realmente grave, e pelo olhar enojado em seu rosto, a percepção o estava atingindo com força. Vendo a profundidade de seu tormento, Janet sentiu algo em seu peito crescer apertado e quente.

Ela quis dizer a verdade — e por um momento quase o fez — entretanto a sanidade retornou. Agora mesmo, seu hábito era a única coisa que estava os mantendo separados. Se ela o removesse — figurativamente — podia muito bem removê-lo literalmente.

Depois daquele beijo não confiava em si mesma.

Ela nunca tinha imaginado...

Nunca pensou...

Nunca percebeu que podia ser assim.

Janet nunca pensaria que podia ser capaz de tal loucura. Porque, certamente, era loucura quando a sensação de sua boca se movendo sobre a dela, a sensação perversa da língua dele sacudindo a sua, o calor das mãos em seu corpo, podia destruir todo o pensamento racional e fazê-la esquecer tudo o que era importante para ela.

Não queria que nada interferisse com seu trabalho para Bruce e Lamberton, e instintivamente percebeu que este homem podia ameaçar isto.

Seu olhar deslizou para a boca dele. Para lábios que frequentemente afinavam e puxavam uma linha bastante severa, eles eram certamente macios e suaves como mel quando ele queria que fossem. No que dizia respeito a esse assunto, ela nunca teria esperado que um guerreiro tão áspero e rude beijasse com tal habilidade e ternura.

Obviamente, aquelas “centenas” não estiveram sem efeito.

Por que aquela percepção fez seu peito doer?

Não era que se importasse com quem ele estivera, disse a si mesma, era só que não gostava de surpresas. Especialmente aquelas que eram tão devastadoras. E aquele beijo certamente se qualificava.

Nossa Senhora, ela quase o deixara tomar sua inocência! Na verdade, praticamente entregou a ele sem mais incentivo que um beijo habilidoso e algumas carícias aquecidas.

Suas bochechas queimaram. Bem, talvez mais que algumas. Teve que se forçar a não descer ainda mais seu olhar, lembrando a sensação incrível da espessa coluna de sua masculinidade montando contra ela. O queria ainda mais perto. Ela o queria — suas bochechas queimaram — dentro dela. Queria-o tão intensamente que jogaria tudo fora — sua virtude, sua moralidade, sua honra. Janet havia sido criada como uma dama, nunca permitiu a nenhum de seus noivos nem mesmo um beijo casto, mas com uma pressão de seus lábios ele a transformou em uma devassa.

O silêncio carregado se esticou até que finalmente ele o interrompeu.

— Isso nunca devia ter acontecido.

Por uma vez eles estavam de acordo.

O olhar dele se fechou e uma vez mais ela se achou olhando para o guerreiro duro, implacável.

— Espero que você aceite minhas desculpas, mas... — ele devia ter parado ali — ...você me irritou.

Janet estava espantada.

— Então é minha culpa não seguir humildemente e cumprir sua ordem?

Os olhos dele se estreitaram com seu sarcasmo.

— Dócil e obediente poderia me ajudar a lembrar que você é uma freira. E piedosa e serena, aliás. Você não age como qualquer mulher de hábito que eu já encontrei.

— E você teve “centenas” delas com que me comparar também?

Ele se acalmou, seu olhar se tornando tão duro e penetrante quanto um punhal de aço.

— O que aconteceu com seu sotaque?

Janet esperou que estivesse tão pálida quanto sentiu que estava.

— Sobre o que você está falando? — Ela respondeu com seu italiano e sotaque francês, cuidando para não o exagerar.

Mas ele era como um caçador que acabara de prender uma lebre e não ia deixá-la fugir. Ele a pegou pelo cotovelo.

— O que você é, Irmã? Quem diabos é você?

O medo aumentou dentro dela quando aqueles olhos penetrantes azul-aço trancaram nos dela. Ela se sentiu exposta e quis correr, mas não tinha nenhum lugar para se esconder. Seu coração acelerou de modo selvagem em seu peito quando o véu que tinha erguido entre eles ameaçou se dissolver. Ela só queria que ele a deixasse em paz.

— Eu sou uma inocente serva a serviço do Bispo de St. Andrews que você quase seduziu. Isto é tudo que você precisa saber, e tudo o que importa. Não tente absolver sua própria culpa vendo coisas que não estão lá e desculpando-se por suas próprias ações.

Seu punhal extraiu sangue. Ele soltou seu braço e deu um passo atrás.

— Você está certa.

Janet sentiu uma torção de culpa em seu peito, vendo a vergonha uma vez mais no rosto dele e quis segurá-lo. Mas manteve a mão firmemente plantada em sua lateral. É melhor assim, disse a si mesma.

— Não existe nenhuma desculpa e não tentarei criar uma. Você tem todo o direito de me culpar pelo que aconteceu. Pode estar certa que confessarei meus pecados na próxima oportunidade. — Sua boca caiu naquela linha severa que estava começando a achar estranhamente atraente. Ele deu seu olhar de desculpas, que ela suspeitou ser raro e não pareceu se sentar muito confortavelmente em seu rosto.

Ele estendeu a mão para a cabeça como se quisesse passar os dedos pelo cabelo, mas em seguida deixou a mão cair.

— Olha, nós não podemos simplesmente tentar esquecer isto e fingir que nunca aconteceu? Não quero que haja quaisquer dificuldades quando alcançarmos Berwick.

Ela não gostaria de nada melhor. Mas Janet suspeitou que esquecer sobre ele e fingir que nunca aconteceu seria impossível. Até agora, só de olhar para ele sua pele corava com uma nova consciência. Paixão, desejo... luxúria. Como Pandora, ela abriu a tampa e agora estava encarregada de encontrar um caminho para colocar no lugar todos aqueles sentimentos novamente. Mas uma vez libertos, será que alguma vez voltariam?

Ela tinha que tentar.

Dificuldades, ele disse. Estava obviamente preocupado que ela dissesse a Lamberton o que aconteceu. Janet estava prestes a garantir que preferia engolir pregos do que falar sobre o que aconteceu aqui, quando ela parou, considerando o que mais ele disse: Berwick. Odiava usar seu tormento contra ele, mas neste caso disse a si mesma que era justificado. Ela tinha um trabalho a fazer.

Ela movimentou a cabeça.

— A confissão vai aliviar muito a minha mente. Existe uma pequena igreja em Roxburgh onde você pode ir enquanto eu cuido dos meus negócios no castelo.

— Nós não estamos indo para Roxburgh. Berwick será rápido o suficiente.

— Não para mim. Além disso, se eu retornar a Berwick tendo falhado em entregar aquelas nozes açucaradas, o bispo poderia perguntar-se por que, e eu terei que dar a ele uma explicação. — Os dois sabiam que ela não estava falando sobre nozes. — Não é mais do que um quilômetro de distância. Por favor, serei cuidadosa e não há nenhum motivo para pensar que haverá qualquer perigo. Já fiz isto centenas de vezes.

Sua provocação gentil e a tentativa de aliviar a tensão entre eles provocaram um insignificante lampejo de sorriso. Ewen não estava no clima para provocação.

Sabia o que ela estava tentando fazer — usar sua culpa contra ele, — mas estava muito bravo consigo mesmo e sacudido com vergonha para encontrar energia para investir em uma briga. Ou talvez apenas não confiasse em si mesmo para ter outra discussão com ela. Ele estava ainda se recuperando depois do que tinha acontecido. Por quão completamente ele perdeu o controle e quão depressa um beijo se desfizera em muito mais.

Como ele podia ter se esquecido de si mesmo dessa forma? Seu pai era o único que tomava o que queria. Ewen tinha muito mais disciplina — normalmente.

Tinha sido fácil, ele percebeu. Ela respondeu com uma abertura e entusiasmo que tornou fácil esquecer que ela era intocável.

Ele não foi o único que pecou. Ela podia não querer admitir isto — e ele era (apenas) galante o suficiente para não apontar, — mas ela o desejou tanto quanto ele a desejou.

— Por favor. — Ela repetiu. — Não levará mais que uma hora e então nós podemos estar a caminho.

Ewen olhou fixamente para baixo, para aquele rosto pálido virado para cima com os grandes olhos azuis esverdeados, os lábios rosados inchados de seu beijo, as feições delicadas dispostas classicamente, e sentiu algo mover em seu peito.

Ele ia ceder, maldição. Eles iriam para Roxburgh. Era a culpa, disse a si mesmo. Não era porque lhe daria qualquer coisa que ela quisesse quando olhava para ele assim.

— Eu acho que você perdeu seu chamado, Irmã.

Ela piscou para ele em confusão, seus cílios longos como plumas tremulando como a asa de um corvo. Ewen teve que se endurecer contra a súbita pressão em seu peito, mas ela era tão malditamente bonita que doía.

— O que você quer dizer?

— Você devia ter sido um oficial da lei.

Ele observou quando a compreensão de que ela ganhou transformou suas feições e pensou que nenhuma manhã, não refletindo o sol na terra, podia ter sido tão bonita.

— Obrigada.

Ewen sustentou o olhar por um momento, entretanto forçou-se a se virar com um aceno brusco.

A culpa poderia ter dado o que ela queria dessa vez, mas não deixaria que o manipulasse novamente. Ele precisava terminar isto e voltar ao negócio de ganhar esta guerra e ver o futuro de seu clã. Conseguir ficar tão longe quanto possível da Irmã Genna se tornou sua prioridade. Para a mente de Ewen, eles não podiam alcançar Berwick rápido o bastante.


CAPÍTULO 7

 

Janet estava Janet estava certa. O desvio rápido em Roxburgh tinha sido fácil. Nenhum alarido fora criado, ninguém os notara; na verdade, tudo isso fora realizado com pouco risco para qualquer um deles.

Ela deslizou para dentro e fora do castelo, fazendo contato com sua fonte que tinha uma potencial informação transformadora para guerra, e voltou para Ewen na igreja em menos de uma hora. A importância deste contato não podia ser subestimada; e Janet estaria bem no meio disto. No entanto, era difícil ficar animado. Ela poderia ter vencido a batalha em conseguir que ele aceitasse trazê-la, mas a vitória estava se mostrando fria e solitária.

Seguiram literalmente em silêncio o resto do caminho de Roxburgh para Berwick-upon-Tweed. A facilidade de conversação que compartilharam tinha desaparecido. Suas respostas cortantes e obtusas retornavam duplicadas, fazendo-o parecer quase tagarela em comparação à antes. Cavalgava tão rigidamente atrás dela, que não conseguia relaxar. Depois de horas cavalgando juntos, o seu corpo doía com o esforço para manter a distância entre eles. Aconchegar-se contra o escudo confortável do seu peito era uma memória distante.

Durante sua breve parada para comer e dar água ao cavalo, ele mal olhou para ela. Algo mudou entre eles, e Janet sabia que foi culpa dela. Sentia-se culpada pelo que tinha feito, mas não sabia o que dizer. Pior, sabia que era melhor assim. Ela tinha um trabalho a fazer e ele também. Desculpar-se, dizendo-lhe a verdade, só tornaria as coisas mais complicadas.

Mas cada vez que olhava a sua feição implacável definida naquele repouso frio algo dentro dela gritou. Queria alcançá-lo, para o atraí novamente desde o lugar remoto para o qual se retirou. Mas para que propósito isso serviria?

Embora dissesse a si mesma repetidamente que estava fazendo a coisa certa, não ajudou a acalmar o nervosismo e a ansiedade fervilhante dentro dela. Não foi até que eles estiveram fora dos portões do Priorado de Coldingham, no entanto, que Janet sentiu os primeiros sinais de que só poderia ser descrito como pânico.

— Estamos aqui para ver o bispo, — disse Ewen ao monge que atendeu a campainha. — Diga-lhe que é a Irmã Genna e sua escolta.

Ele apeou e a ajudou a descer enquanto esperava o homem retornar. Não estava bastante escuro ainda, deixando muita luz para que ela visse o conjunto rígido de sua mandíbula. Mordeu o lábio inferior, com as mãos torcendo nas dobras de seu vestido, enquanto contemplava o que dizer.

— Ewen, eu...

Ele virou o rosto para ela, sua expressão uma máscara de indiferença.

— Sim?

O coração dela acelerou descontroladamente enquanto procurava por... o quê?

— Eu... obrigado.

Por que estava agradecendo-lhe, não sabia. Não desejava a proteção dele ou sua companhia, na verdade, ela lutou contra isto. Mas ele lhe deu, e isso exigiu algo, não é? Ele assentiu, e por um minuto viu um pouco de calor nos olhos dele que ela não se deu conta que estava faltando até que tinha sumido. Seja o que for que ele pretendesse dizer, no entanto, foi perdido quando o monge voltou e abriu o portão para levá-los ao bispo.

Eles foram conduzidos através do pátio e até a pequena sala capitular que era anexada ao convento. Como estava escuro dentro, o monge acendeu algumas velas antes de deixá-los sozinhos novamente.

Enquanto esperavam que o bispo aparecesse, Janet, de repente viu-se perguntando o que Ewen poderia dizer. Tão contente como Lamberton estaria sobre o contato que fizera em Berwick, ela não achava que ele ficaria satisfeito ao saber o que tinha acontecido com os soldados ingleses perto de Melrose. Ela sabia que não adiantava considera que Ewen concordaria em não lhe contar, mas não havia como dizer como ele iria fazer isso soar se ela permitisse que fosse o único a relatá-lo.

— Agradeceria se você me deixar explicar ao bispo sobre o que aconteceu na floresta.

A astuta peculiaridade de seu rosto disse a ela quão facilmente ele havia adivinhado seus pensamentos.

— Tenho certeza que sim.

Ela rangeu os dentes. Seja o quer for que tivesse mudado entre ambos, ele ainda conseguia enervar o temperamento dela com bastante facilidade.

— Provavelmente você vai contar tudo a ele, então?

Seus olhos azuis acinzentados endureceram como ardósia.

— Acho que você já usou esta tática para barganhar, irmã.

Janet sentiu suas bochechas esquentar, sabendo que ele estava certo.

— Não sei por que você tem que ser tão difícil em tudo. Não é como se eu não fosse lhe contar.

— Aye, mas é como irá dizer a ele que me preocupa. Suspeito que você poderia tomar o som do Armageddon como um dia na feira.

Janet apertou sua boca.

— Você me dá muito crédito. Garanto que o bispo entenderá o perigo.

— Aye, mas você o entende? — Seu olhar sustentou o dela. — Prometa-me que você deixará as batalhas para os homens e ficará fora disso, e deixo você explicar para o bom bispo da maneira que quiser.

Com algum esforço, Janet conteve sua réplica irada. Mas por dentro, ela fumegou. Sejam quais fossem as emoções confusas que estava sentindo anteriormente desapareceu. Deixe a batalha para os homens. Ewen Lamont via as mulheres como nada mais que desamparadas criaturas tolas que precisavam de um homem grande e forte para protegê-las. Embora ele certamente se qualificasse, ela não queria nada com um homem que pensava assim. A atração física — não importa a quão poderosa — não era suficiente. Deveria agradecer a ele por lembrá-la.

— É melhor decidir rapidamente, — disse ele. — O bispo está chegando.

Não tinha escutado nada. Mas ela franziu as sobrancelhas alguns momentos mais tarde, quando ouviu o som inconfundível de passos que se aproximavam.

— Muito bem, eu concordo, — ela disse não se sentindo nem um pouco culpada sobre a mentira. Embora, tecnicamente, não foi uma mentira. Ela deixaria os homens batalhar, mas isso não significava que não iria continuar fazendo exatamente o que ela estava fazendo.

Ele entrecerrou os olhos como se não acreditasse nela, mas foi salva de um inquérito completo pela chegada do bispo.

Lamberton deu um sorriso de saudação, mas o tirou de seu rosto quando viu Ewen. Janet não precisava ter muita percepção para ver que o bispo não gostava dele.

— Você era esperado de volta bem antes, — disse ele para Ewen. — Seus amigos foram à sua procura.

Janet sentiu o estado de alerta imediato de Ewen. Era como se todos os músculos do seu corpo explodissem à vida. Ela tentou não se lembrar de todos aqueles músculos, ou o quão bom os sentiu...

Ela parou antes de conseguir concluir o pensamento. Deus a ajudasse, ele a transformara em uma devassa!

— Quando? — Ele perguntou.

— A pouco tempo. — Lamberton entregou-lhe uma carta, que Ewen rapidamente desdobrou e leu.

Seu cenho franzido se aprofundou. Além da fluência em diversos idiomas, parecia-lhe que o simples soldado também sabia ler. Mas não teria a chance de interrogá-lo. Ele se virou para ela com uma reverência breve de sua cabeça.

— Minha senhora.

Meu Deus era isso. Ele estava partindo. Provavelmente jamais o veria novamente. Era o que ela queria, não era?

Então, por que se sentia como se alguém estivesse puxando as cordas de seu coração em direções opostas?

— Monsieur, — conseguiu dizer em um sussurro, retornando seu aceno de cabeça.

Ele hesitou, como se quisesse dizer algo, mas assim como ela, lutava pelas palavras certas. E encontrou as erradas.

— Lembre-se de sua promessa.

Quando a porta se fechou atrás dele com um estrondo, Janet disse a si mesma que foi um grande alívio. Um teimoso, paternalista, que achava que mulheres-são-uma-espécie-mais-fraca-que-os-homens não era para ela. Já tivera o suficiente desta atitude de seu pai e irmãos para durar uma vida. Os últimos anos havia provado o que já sabia: estava melhor sozinha.


Ewen não acreditou nela por um instante. Embora não teve nenhuma intenção de contar a Lamberton o que acontecera, ele pretendia dar um bom puxão de orelha em Bruce sobre sua opinião em deixar que freiras se envolvessem como mensageiras.

Mas isso teria que esperar. A missiva que tinha recebido era de Hawk. Aparentemente, Sutherland estava em apuros, e eles precisavam extrair a ele e sua esposa da Inglaterra, tão logo que possível. Ewen galopou para o litoral ao norte de Berwick Castle e encontrou-se com seus companheiros da Guarda enquanto cavalgavam para Huntlywood, onde Mary de Mar, a mulher de Sutherland, residia, na esperança de executar o resgate.

Como constatou, Sutherland não precisava deles. Seu novo — recruta — provou-se digno de seu lugar na Guarda das Highlands por meio do aparelhamento de uma ponte com pólvora negra para garantir a segurança de sua esposa, em seguida, derrotou um grande número de ingleses para garantir a sua própria.

Mas a viagem de volta para Dunstaffnage Castle para o birlinn10 de Hawk fora vinte e quatro horas de puro inferno. A esposa de Sutherland tinha entrado em trabalho de parto um pouco antes de ela chegar ao navio, e os sons dos seus gritos doídos não era algo que Ewen não iria esquecer tão cedo.

Caramba, existia uma razão para que aos homens não fossem permitidos, em nenhum lugar, estar perto do quarto durante o parto. Ouvir uma moça com dor e não poder fazer nada sobre isso ia contra cada osso primitivo do corpo masculino. Aparentemente, ele tinha um monte deles.

Sutherland, que era conhecido por seu temperamento esquentado, surpreendeu a todos por ser o homem mais calmo a bordo. Fosse esta mulher que estava dando à luz sua esposa, Ewen poderia ter saltado ao mar.

Quando uma imagem do rosto de Irmã Genna lhe veio à mente, ele empurrou-a fora. Ewen sabia que teria que se casar algum dia, mas esta foi a primeira vez que ele já tinha pensado em "sua esposa". Ele não perdeu a ironia de que uma freira fosse a fonte de sua inspiração.

Felizmente, o herdeiro de Sutherland havia esperado para fazer sua aparição até que conseguissem chegar com segurança até Dunstaffnage e Angel – Helen a irmã de Sutherland, que era a curandeira da Guarda das Highlands — pode comparecer ao parto. Em todos os aspectos, a mãe e a criança estavam passando bem, mas mesmo dois dias depois Sutherland — ou Ice, como ele foi apelidado depois daquela viagem infernal — tinha o olhar atordoado de um homem que passara por uma batalha longa e selvagem e que de alguma forma saiu vivo.

Não foi apenas a onda de entusiasmo sobre uma nova criança que Sutherland trouxera até o castelo, no entanto; ele também tinha conseguido descobrir algumas informações importantes sobre os planos de batalha de Edward quando a trégua expirou no final do mês. Mais uma vez a guerra contra a Inglaterra surgia no horizonte, e cada membro da Guarda das Highlands estava ansioso para retomar os esforços de consolidar a realeza de Bruce e derrotar o Inglês — desta vez para sempre.

Mas Ewen não tinha esquecido Irmã Genna (o inferno se ele sabia o porquê), ou a sua intenção de falar com Bruce sobre os perigos cada vez maiores enfrentados pela mulher — sua mensageira do clero. — Normalmente, Ewen fazia o seu melhor para ficar em segundo plano, mas para isso iria abrir uma exceção.

Poucos dias após a sua chegada, ele entrou no Salão Principal, que já estava florescente com as atividades do meio-dia e com o almoço já bem encaminhado, se aproximou do estrado, com a intenção de solicitar uma reunião privada com o rei em seu solar.

Estava abrindo caminho em torno das mesas de cavalete lotados no lado leste do Salão, esquivando-se das moças que serviam com as bandejas altamente empilhadas com os alimentos, quando deu uma olhada para a mesa principal e percebeu uma mulher sentada ao lado do rei.

Ele estacou, um arrepio estranho irradiando por sua espinha e se espalhando sobre sua pele. A cabeça dela estava inclinada em direção ao rei, mas havia algo sobre o loiro profundo e dourado dos seus cabelos que lhe lembrava outro. Foi a modo como a luz capturou a cor de diferentes nuances, de loiro prateado, para dourado, ao rico cobre. Ele nunca tinha visto similar — até que conhecera Irmã Genna.

Um rápido olhar sobre o homem do outro lado dela identificou a mulher como Mary de Mar, a nova esposa de Sutherland, que estava fazendo sua primeira aparição após o nascimento da criança. Foi também a primeira vez que conseguia dar uma boa olhada nela à luz, Ewen concluiu. Deus sabia que ele tinha ficado tão longe dela quanto possível sobre a birlinn.

Seu coração batia estranhamente enquanto se aproximava, quase como se sentisse que algo importante iria acontecer. Estava a cerca de três metros de distância, quando ela olhou para cima, e ele parou de repente em seu caminho, como se tivesse topado com uma parede de pedra.

Cristo! A cor deslizou do seu rosto. Era ela. Irmã Genna. Ela era a esposa de Sutherland? Ele sentiu uma dor estranha no peito, como se um punhal quente acabasse de ser mergulhado dentro e torcido.

Nay. O choque foi afastado de sua cabeça, e ele percebeu que ela não podia ser a mesma mulher. A esposa de Sutherland estava grávida a poucos dias atrás, e Irmã Genna não. Ele saberia, pensou com um aperto duro de sua mandíbula; esteve com as mãos em cima dela.

Uma análise mais atenta do rosto sorridente da mulher quando ela reagiu a alguma coisa que Bruce disse revelaram ainda outras diferenças. O rosto de Mary de Mar era mais cheio, as linhas ao redor da boca e olhos tinham marcas um pouco mais profundas, e seu cabelo era alguns centímetros mais longo. Ela possuía os mesmos olhos azul-esverdeados incomuns de Irmã Genna, mas os de Mary inclinavam-se em direção ao azul enquanto que os de Irmã Genna favoreciam o verde.

No entanto, elas possuíam a mesma pele pálida — embora a de Irmã Genna tivesse mais algumas sardas, incluindo a posicionada estrategicamente acima do lábio — narizes delicados, maçãs do rosto salientes, escuros cílios ferrugem, e lábios rosados cheios. Inferno até mesmo o arco delicado do seu rosto era o mesmo.

Como poderia haver duas...?

A verdade lhe deu um tapa. Mary de Mar tinha uma irmã gêmea. Todos ouviram a história de como a moça havia desaparecido há alguns anos, após uma tentativa imprudente e falha de resgatar sua irmã das garras de Edward. Ela fora dada como morta. A presunção disto, aparentemente, estava errada.

A Ponte! Claro. A moça desaparecera quando uma ponte tinha desmoronado. Irmã Genna lhe contara tanto, mas ele não tinha feito a ligação.

Sua boca estreitou em uma linha dura quando a importância plena de sua descoberta lhe bateu. A pequenina freira havia mentido para ele. Irmã Genna não era italiana; ela era Janet de Mar, irmã desaparecida de Mary, e, ele percebeu, a ex-cunhada de Robert the Bruce. A primeira esposa de Bruce, Isabella, fora sua irmã. Ewen cerrou os punhos enquanto a raiva percorreu cada veia em seu corpo.

De repente, algumas das incoerências que havia notado fazia sentido. O sotaque que se desvanecia e sumia durante a raiva. A muito fina camisa que ele vislumbrou durante o ataque.

O punhal.

Droga, agora ele se lembrava onde tinha visto algo semelhante! Viper tinha um punhal que era quase idêntico. Obviamente, Janet falara sobre a cunhada Christina de Isles, uma das mulheres mais poderosas nas Highlands, e meia-irmã de Lachlan MacRuairi. Christina tinha sido casada com Ducan de Mar o irmão de Janet que era bem conhecido por ele; Ewen o tinha considerado como um amigo. Lutou ao lado do feroz guerreiro e testemunhou sua decapitação nas mãos dos MacDowells no Loch Ryan.

Será que Bruce sabia que Janet estava viva? Ewen pretendia descobrir. Ele fechou a distância para o estrado em poucos passos. Apesar de sua atenção estar no rei, ele sentiu a expressão severa no rosto do mais novo membro da Guarda das Highlands e suspeitava que Sutherland tinha notado sua reação à sua esposa. Mas iria lidar com ele mais tarde.

O rei levantou os olhos quandose aproximou, franzindo as sobrancelhas quando captou o semblante sombrio de Ewen.

— Há algo errado?

— Preciso falar com você, — retrucou Ewen; então, lembrando-se com quem ele estava falando acrescentou, — Sire.11

— Ainda não terminei minha refeição.

— É importante, — Ewen respondeu tensamente, embora isso deveria ser óbvio. Ewen poderia contar em uma mão as vezes que tinha solicitado qualquer coisa ao rei. Ele abaixava a cabeça, fazia seu trabalho, e tentava evitar o conflito. Irônico para um soldado talvez, mas criar problemas tinha sido a maneira de seu pai, não dele. Outra razão para evitar Irmã Genna, pensou. Ela não era nada além de um conflito. E não era o caminho para se distanciar de seu pai selvagem e primo rebelde.

Bruce lhe lançou um olhar sombrio.

— É melhor que seja.

Tor MacLeod, o líder da Guarda das Highlands, deve ter ficado observando do outro lado da mesa. Quando o rei se levantou, ele também o fez.

— Sozinho, — disse Ewen.

Bruce não escondeu seu aborrecimento, mas dispensou o feroz chefe Highlander.

Ewen seguiu o rei para dentro do solar do Laird, a pequena sala localizada ao lado do Salão, e esperou que o rei tomasse o seu lugar na cadeira do trono. O chefe MacDougall tinha perdido tanto sua cadeira quanto seu castelo para Bruce depois da derrota na batalha chave de Pass of Brander dois verões passados.

— Bem, o que é que não podia esperar, Hunter?

O rei preferiu se dirigindo a ele pelo seu nome de guerra, mesmo quando não havia perigo de sua identidade ser descoberta. O nome Lamont era quase tão insultado quanto o de Comyn, MacDougall, ou MacDowell, e era como se Bruce não quisesse lembrar-se da conexão.

Ewen não perdeu tempo.

— Mary de Mar sabe que sua irmã está viva e trabalhando como uma mensageira para Lamberton?

A falta de reação do rei respondeu a primeira pergunta de Ewen: Bruce sabia.

— Lady Janet está desaparecida há mais de três anos. Como você pode ter tanta certeza de que ela está viva?

Ewen colocou as mãos sobre a mesa e inclinou em direção ao rei.

— Porque passei dois dias acompanhando-a até Berwick depois de ter escapado por pouco de ser estuprada nas mãos de alguns soldados ingleses próximo a Abadia de Melrose.

A expressão do rei rachou com a palavra estupro, mas Robert the Bruce era tão feroz quanto seu bando de guerreiros de elite, e ele não se atreveria a arrancar a coroa de Edward das mãos da Inglaterra, demostrando emoção. Somente alguém que o conhecia tão bem quanto Ewen teria detectado a reação. Ele rapidamente retirou a preocupação das suas feições e bateu os dedos preguiçosamente sobre a mesa.

— Como você pode ter certeza de que era Janet? Ela se identificou como tal?

Porque Ewen ainda podia ver o rosto dela condenadamente em seus sonhos. Ainda sentir a curva das bochechas macias como de bebê que ele segurara na mão. Ainda tinha o gosto da boca sensual que se movera sob a dele.

Estava zangado suficiente para dizer a Bruce exatamente como ele sabia, mas pela primeira vez conteve sua língua — embora não completamente.

— Você sabe muito bem que Irmã “Genna” está escondendo sua identidade e fingindo ser italiana. O que diabos você está pensando, permitindo que a sua ex-cunhada se coloque em tal perigo?

Os olhos de Bruce ficaram impiedosamente pretos.

— Tenha cuidado, Hunter. Estou habituado a seu modo brusco de falar, mas eu sou seu rei. Não me importa o quão bom rastreador você é, ou quanto Stewart acreditava em você; vai controlar sua raiva quando estiver falando comigo ou encontrar outro exército para arriscar as suas chances.

Ewen ficou sério ante o aviso acentuado — de como ele tinha esquecido de si mesmo completamente.

Enfurecer o rei provavelmente não era a melhor maneira de ver os Lamonts restaurados à sua antiga glória. A discrição interveio e, embora não foi sem algum esforço, Ewen conseguiu conter sua raiva.

— Peço desculpas, Sire.

Bruce olhou para ele atentamente, olhos negros e duros como ônix enquanto seus dedos continuavam a tamborilar ameaçadoramente sobre a mesa. Outro homem poderia ter começado a remexer-se, mas Ewen ficou perfeitamente imóvel enquanto o rei se decidia se ia aceitar o seu pedido de desculpas e, aparentemente, pesou o quanto diria a ele.

— Se você conheceu minha ex-cunhada, provavelmente pode adivinhar que não fui consultado. Ela surgiu com a ideia, e tudo por conta própria. Eu só tomei conhecimento de sua sobrevivência e a parte de que ela estava trabalhando com Lamberton cerca de um ano atrás, quando regressou de Itália, onde tinha se refugiado após sua tentativa de resgatar a irmã ter dado errado.

Isso explicou o italiano.

Bruce balançou a cabeça.

— Você tem que admirar a moça, não lhe faltou coragem para ir atrás de sua irmã em tal ocasião. Estávamos sendo caçados como cães. Não havia nenhum lugar para se esconder. O reinado de terror de Edward estava em pleno auge; ele tinha olhos e ouvidos em todos os lugares. Nem mesmo Atholl se atreveu a tentar chegar a sua esposa antes de fugir para o norte, mas Janet comandou alguns dos membros do clã de sua cunhada Christina MacRuairi e navegou até metade do caminho ao redor da Escócia, e cavalgou arrojadamente na Inglaterra, para arrancar sua irmã bem debaixo do nariz de Edward. — Um canto de sua boca se elevou ironicamente. — Quase funcionou também.

Aquilo deve ter soado para ela como o certo a fazer. Mas a história que incutia admiração ao rei só tornou Ewen mais irado. Então, agora, a moça não parecia ter qualquer noção do perigo. Ele disse isso ao rei, que não discordou dele.

— Diga-me o que aconteceu, — disse Bruce.

Ewen deu-lhe um relatório breve, mas conciso de como ele e MacLean chegaram para descobrir as duas freiras cercadas por soldados, e como — Irmã Genna — havia protegido seu jovem encargo e rechaçou os soldados afastando-os com suas ameaças. Explicou como MacLean tinha partido após com a mensagem para garantir que chegasse a Bruce (que a tinha) e como Ewen insistiu em escoltar Janet de volta à Lamberton.

Expressão do rei, que esteve muito grave enquanto Ewen descrevia o ataque, se iluminou com um sorriso irónico no final. — Tenho certeza de que ela não ficou feliz com isso. Janet era teimosa mesmo quando menina e nunca gostava de seguir ordens. Suspeito que esse veio de independência só fez crescer ainda mais nos anos seguintes. Estou surpreso por ela não ter tentado dissuadi-lo.

— Ela tentou.

O rei levantou uma sobrancelha.

— E você não caiu em sua língua de mel? — Ele riu. — Eu gostaria de tê-lo visto. Depois que seu pai morreu, a moça viveu com Isabella e comigo por um tempo. Não posso dizer quantas vezes eu tentei puni-la por alguma travessura que se metera, e ela terminava me transmitindo uma sensação de que era eu o único que merecia ser enviado para o padre mais próximo para me arrepender.

Ewen não tinha interesse em reviver antigas lembranças das loucuras juvenis de Janet; ele estava mais interessado em nas mais recentes.

— O Inglês está apertando seu laço sobre todos que vivem além das fronteiras na tentativa de romper nossas rotas de comunicação através da igreja. Tornou-se cada vez mais perigoso para todos os nossos mensageiros, mas as mulheres são particularmente vulneráveis.

Recordando a sua gafe anterior, Ewen foi cuidadoso para não implicar qualquer crítica, mas Bruce ouviu tudo e afirmou o mesmo.

— Não podemos vencer a guerra sem o apoio da igreja — tanto dos homens quanto das mulheres do clero. Conhecem o risco quando concordam em realizar a missão deles, e não vou questioná-los. Nem vou recusar ajuda simplesmente porque se trata de uma mulher. Janet é a única pessoa em quem posso confiar para isso.

Ewen apertou a boca para se impedir de discutir. Mas ele não via o que poderia ser mais importante do que pôr em risco a vida dela.

— Você esqueceu o que Bella fez por mim? — Bruce perguntou, referindo-se a esposa de MacRuairi, a ex-condessa de Buchan, que que sofrera anos na prisão inglesa por seu papel na coroação do rei, parte dela em uma encarcerada. — Ou como minha esposa, filha, e irmãs ainda estão sofrendo por minha causa?

— Este é exatamente meu ponto de vista — disse Ewen. — As mulheres não pertencem a prisão ou a uma cela. É nosso dever...

Ele parou antes de dizer as palavras ofensivas, mas era tarde demais.

— É o nosso dever as proteger, — o rei terminou seu pensamento.

Ewen estremeceu. Droga, ele pisou em ovos novamente! O rei ficou assombrado pelo que havia acontecido com suas mulheres e se culpava pelo destino que lhes foi reservado. Ele não precisava de Ewen para lembrá-lo.

— Nem sempre é possível, — o rei disse suavemente. Ele pausou um momento antes de limpar a garganta e continuando em uma voz mais forte, — seus temores sobre minha ex-cunhada não são injustificados, mas acho que isso não lhe diz respeito. Já comecei a fazer os preparativos para o retorno dela, assim que eu possa arranjar uma alternativa, a qual não será fácil.

Ewen não se preocupou em esconder seu alívio.

— Fico feliz em ouvir isso, Sire.

— Sutherland se tornou difícil com suas indagações em nome de sua esposa, renovando o interesse da moça, e com o que você disse... — Ele deu de ombros. — Janet vai ter que entender.

Não soou muito mais convencido do que Ewen.

— Lady Mary não sabe que ela está viva?

Bruce balançou a cabeça.

— Achamos que era mais seguro para todos os envolvidos mantê-lo em segredo. Até recentemente, eu não tinha certeza que direção a lealdade de Mary estava. Ela esteve na Inglaterra por muitos anos.

— Estou certo que ela ficará aliviada.

— Ficará furiosa — brincou Bruce secamente. Ele riu. — Mas espero apaziguá-la com os preparativos do casamento.

Ewen franziu a testa.

— Preparativos de casamento? Mas pensei que Sutherland e Mary já estavam casados.

— Eles estão. É o casamento de sua irmã que estou falando.

— Mas Janet é uma ... — Antes mesmo que Ewen pudesse dizer a palavra, percebeu a verdade. Ele olhou para Bruce, sentindo-se como se tivesse sido chutado no peito. Ou talvez um pouco mais abaixo.

Bruce sorriu.

— Ela não fez nenhum voto.

Uma barragem estourou conforme a raiva aumentou perigosamente dentro dele. Parecia que todo o seu maldito corpo estava tremendo.

— Ela está fingindo ser uma freira?

Iria matá-la, ou beijá-la até que ele merecesse todos pecados que esteve pagando e que ela implorasse o perdão pela tortura que o fez passar — ele não sabia qual, mas de um jeito ou de outro, sua muito tentadora pequena não-freira iria pagar.

Bruce o encarou com um olhar severo, mas Ewen estava zangado demais para esconder sua reação.

— Tudo começou como um erro inocente, — o rei explicou, — mas acabou sendo a melhor maneira de protegê-la. Quem pensaria que Janet de Mar era uma freira italiana?

Quem de fato? Ewen soltava fumaça, sentindo como se sua cabeça estivesse prestes a explodir. Quanto tempo levaria para chegar a Berwick? Ele estava contando as horas. Irmã Genna não iria escapar disso.

— Lamberton afirmou que a moça tem algumas ideias para tomar o véu de verdade, mas quando ela souber qual o marido que escolhi para ela, tenho certeza que vai mudar de opinião.

Ewen pensou que o conhecimento de como ela mentiu para ele, deixando-o chafurdar na sua culpa por beijá-la, e então ter usado isso contra ele fosse ruim o suficiente. Mas estava errado.

Casada? Cada instinto do seu corpo se encolheu com o pensamento.

— Quem? — Ele perguntou com uma voz plana.

O rei o olhou estranhamente.

— O Jovem Walter.

O golpe poderia tê-lo partido em dois.

— Stewart?

O rei concordou.

O suserano de Ewen e o filho do homem a quem ele devia tudo. A porta que tinha se escancarado por um momento fechou-se totalmente. Se Ewen nutria qualquer pensamento de ter algo a mais com Janet de Mar — mesmo por um instante — com o conhecimento de que ela estava destinada a Walter Stewart ergueu um muro em sua mente que era bem mais poderoso do que qualquer véu.

Tudo o que Ewen possuía ele devia a James Stewart — sua casa, sua terra, sua educação, o seu lugar na guarda de Bruce — e agora a sua lealdade pertencia a seu filho. Além disso, qualquer esperança que ele tinha de restaurar o bom nome de seu clã não descansava apenas com Bruce, mas também com os Stewarts.

Perseguir a prometida do seu suserano não tornava provável que cativasse a nenhum dos dois. Ele não iria colocar em risco tudo o que tinha lutado por uma mulher, especialmente aquela que o enfurecia metade do tempo. Mais da metade do tempo. Não importa o quão quente ela deixava seu sangue. Não importava que foi a primeira mulher com que tinha conversado e que não o fez se sentir como se cada palavra que sai de sua boca fosse errada. Não importa que cada vez que fechava os olhos, via seu rosto.

Um pensamento absurdo penetrou através de sua mente: E se Stewart pudesse ser persuadido a se afastar? Inferno, podia-se até argumentar que Ewen estaria fazendo um favor a ele. Janet possuía provavelmente uma boa meia dúzia de anos a mais que os dezoito anos de idade de Walter, e era infinitamente mais sagaz. A moça comeria o pobre rapaz vivo.

Mas Ewen pisou no ténue fio de esperança antes que pudesse inflamar. Quem diabos ele estava enganando? Ela era a ex-cunhada de um rei. A filha, irmã, e tia de um conde. Ele era um chefe Highlander com um palmo de terra em Cowal, uma terra arrendada que era uma ninharia em comparação com a de Stewart — ou mesmo seu primo, antes que as terras Lamont fossem desapropriadas.

Mesmo que ele a desejasse — o que com certeza não estava dizendo que o fazia — Janet de Mar não era para ele.

Ou assim continuaria afirmando isso a si mesmo durante longos meses.


CAPÍTULO 8

 

Roxburgh, Fronteira Escocesa, Outono de 1310.


Um formigamento estranho lhe percorreu a espinha. Janet virou ansiosamente, examinando a área atrás dela, mas nada parecia errado. Ninguém estava prestando-lhe qualquer atenção. Tinha que ser o clima.

Era um dia quente de outono, e o sol batia impiedosamente sobre a pesada lã preta de seu hábito, enquanto esperava o grupo de damas do castelo aparecer em meio à multidão que havia descido a rua principal para o dia de mercado. As damas estavam atrasadas, mas como elas já se atrasaram anteriormente isso não lhe deu motivo injustificado para alarme.

Ela passou o tempo conversando brevemente com as pessoas que paravam para indagar sobre os produtos dela (um benefício adquirido por supostamente falar apenas italiano e francês), e com outras freiras e frades que também trouxeram seus produtos para o mercado, bem como ouvir a conversa dos aldeões ao seu redor enquanto fingia não entender suas palavras.

Como de costume, só se comentava sobre a guerra. Desde que Edward colocara anteriormente em marcha suas tropas ao norte da Escócia na primavera passada, o assunto das conversas não tinha sido sobre outra coisa.

— Uma outra comitiva com provisões foi perdida, — um dos comerciantes em uma tenda atrás dela disse.


Suas orelhas ficaram de pé.

— Os fantasmas de Bruce novamente? — Um outro inquiriu em um sussurro quase reverente.

— Aye, — respondeu o primeiro. — Como fantasmas eles aparecem saindo da névoa para matar todos em seu caminho, com suas espadas forjadas nos fogos de Valhalla12, e desvanece-se em meio as trevas novamente. É a magia do Diabo, — ele sussurrou. — De que outra maneira eles poderiam saber onde os homens do Rei Edward vão estar?

As histórias sobre o bando misterioso de guerreiros ... — Os fantasmas de Bruce — ... se espalhou para além das fronteiras como um incêndio. Eles eram ou demônios ou heróis, dependendo do lado em que se encontrava. Mas, mesmo entre seus inimigos, havia um certo grau de temor e admiração ao falar de suas façanhas. Como todas as boas lendas, as histórias estavam ficando melhores a cada repetição. Se os guerreiros tinham mesmo conseguido um quarto dos feitos que lhes foram atribuídos, isso teria sido impressionante.

O povo comum poderia pensar que eles eram fantasmas, mas os comandantes do Rei Edward estavam perfeitamente conscientes de que eram apenas homens — excepcionais talvez, mas homens de qualquer forma. As recompensas que ofereciam por qualquer um — do exército secreto de Bruce — eram surpreendentes. Mas era difícil de capturar homens, cujas identidades estavam envoltas em mistério.

Com exceção de um. Janet ainda não podia acreditar que o irmão bastardo de sua cunhada, Lachlan MacRuairi, foi um dos poucos escolhidos de Robert. Janet tinha encontrado o bandido apenas uma vez — no casamento de Duncan, antes de Lachlan ter sido acusado de assassinar sua esposa, — mas isso foi o suficiente. O grande guerreiro, mal-encarado com um temperamento tão negro quanto seu cabelo a aterrorizara. Desde que John MacDougall, Lorde de Lorn, o havia desmascarado, Lachlan tinha um preço por sua cabeça quase tão alto quanto Bruce.

Janet apreciava as histórias, tanto quanto qualquer outra pessoa, mas ela estava curiosa sobre os homens reais por trás dos mitos.

— Quantos? — Perguntou o outro comerciante.

Ela não queria olhar, mas ela adivinhou por sua voz que ele era apenas um rapaz.

— Quatro, contra quase uma vintena de soldados ingleses. — Ela quase podia ouvir o comerciante mais velho balançar a cabeça.

— Como pode o rei Edward esperar competir com tal magia?

Janet reprimiu um sorriso. Não era magia, foram suas mensagens — ou, pelo menos, aquelas que ela passou adiante. Mas dificilmente poderia dizer-lhes isso. Ao longo dos últimos meses, ela se tornou o intermediário mais importante de Robert — e secreto — informante no campo inimigo. Apenas um punhado de pessoas sabiam da identidade de seu informante. Na verdade, Robert era tão protetor com suas fontes que Janet não achava que ele teria concordado com o risco de usá-la se ela não houvesse permanecido acessível para atuar como um intermediário. Tinha que ser uma mulher — para diminuir a possibilidade de ser descoberta por seus informantes — e alguém em quem pudesse confiar. Como uma ex-cunhada.

No primeiro sábado de cada mês, Irmã Genna trazia bordados das boas irmãs de Mont Carmel Nunnery para fora de Berwick para vender no mercado ali em Roxburgh, um dos principais postos de comando de Edward na fronteira. As peças finamente costuradas eram os favoritas das damas no castelo, e elas estavam sempre animadas para ver a freira italiana. Se Janet ocasionalmente achasse um pedaço de pergaminho dobrado em uma das bolsas que elas tivessem examinado (ou caso fosse deixado por ela para ser encontrado, o que aconteceria hoje), sabia que não demoraria muito antes de haver outro avistamento dos "Fantasmas de Bruce".

— Não está certo, — continuou o velho mercador. — Bruce é um cavaleiro, no entanto, ele se esconde na floresta e do campo de batalha como um rato covarde enquanto envia seus bandidos fantasmas para saquear nossos soldados valentes e cavalheirescos. Edward será forçado a retornar a Inglaterra para o inverno, nunca tendo tomado o campo contra o traidor.

Janet não contestaria a analogia rato — com Edward fazendo o papel do gato, — mas Robert the Bruce não era covarde. No entanto, ela compreendia o que estes homens não o faziam: a batalha poderia ser vencida por evasão tão facilmente quanto por meio de armas — e com muito menos risco.

Por que Robert deveria entrar em campo? Não teria nada a ganhar encontrando Edward no campo de batalha agora. Os rápidos ataques de surpresa a partir da urze que foram feitos para saquear e desencorajar o inimigo poderia não ser — cavalheiresco, — mas eles estavam lhe dando todas as vitórias que ele precisava. Quando estivesse pronto, Robert iria entrar em campo contra o poderoso exército Inglês, com seus cavaleiros, armaduras e corcéis13.

Mas até lá, a guerra continuaria.

Janet suspirou, tristeza e determinação ondularam sobre ela em uma onda saudosa. Se nutria uma secreta esperança de que a guerra iria acabar em breve, ela sabia que não era para ser. Escócia, sua irmã, e o que restou de sua família teria que esperar um pouco mais. A conversa em torno dela continuou, mas o interesse de Janet diminuiu enquanto a manhã se arrastava e o sol subia mais alto no céu. Templos de Jerusalém, era como pleno verão durante uma onda de calor! Esfregou um pano úmido em sua testa, não pela primeira vez, desejando que ela pudesse arrancar o maldito véu e hábito.

A veemência de sua reação a tomou de surpresa. Parecia que cada vez mais, Janet estava ficando desconfortável nas roupas que a mantinha protegida e escondida por tanto tempo.

Sua boca franziu, sabendo exatamente de quem era a culpa por seu descontentamento. Antes que Ewen Lamont houvesse irrompido em sua vida e arruinado tudo com seu beijo perturbador, de derreter os ossos, ela mal notava as roupas que usava. Mas agora, todas as manhãs, depois de se lavar, vestia-se com uma sensação de incorreção. Parecia errado fingir ser uma freira quando seus pensamentos — seus sonhos — estavam cheios de semelhante imoralidade. E a sua intenção de ser freira... isso lhe parecia errado, também. Nunca fora um chamado para ela, não da maneira que deveria, mas parecia a solução prática para permitir que continuasse a fazer o que gostava.

A única maneira para responder os seus próprios questionamentos era explorá-los!

Isso era ridículo. Todos esses meses, e ainda estava pensando em um homem que provavelmente nunca iria ver de novo, que provavelmente se esquecera de tudo relacionado a ela. Que era completamente inconveniente para ela. Que só via um lugar para as mulheres neste mundo moderno, e que era atrás das muralhas do castelo. Por que não conseguia parar de pensar nele? Por que o curto período de tempo que passaram juntos continuava habitando sua mente, mesmo depois de todo esse tempo? E por que se sentia tão culpada por mentir para ele?

Mentiras em tempos de guerra eram necessárias. Se ela precisasse de alguma prova de que fizera a coisa certa, tudo o que precisava fazer era pensar sobre hoje. Seu papel na rede de informações de Robert tornou-se mais importante do que tinha sonhado. Robert precisava dela.

Era o melhor. É claro, que era. Estava contente por Ewen nunca mais voltar. Verdadeiramente. Ele já a confundira o bastante.

Pela segunda vez naquela manhã, Janet sentiu um arrepio em sua nuca e se virou. Ela esquadrinhou a multidão de aldeões, olhando atentamente para o soldado que estava no meio deles, mas ninguém parecia prestar-lhe qualquer atenção.

A longa espera a estava deixando impaciente. Felizmente, quando ela olhou para trás para colina em direção ao castelo, pode ver que sua espera havia acabado. Um grupo de cerca de dez damas estavam a caminho, descendo a colina em direção à aldeia. Elas eram fáceis de identificar pelas cores brilhantes e a elegância de seus vestidos e joias. Eles cintilavam como diamantes em um mar cinza lúgubre.

Janet foi incapaz de suprimir uma pontada de nostalgia que passou através de seu peito. Houve uma época em que parecia exatamente como elas. Ainda garota, havia deixado seu pai meio enlouquecido com sua propensão em gastar uma fortuna absurda com as últimas modas da França e da Inglaterra.

Mas agora... olhou para baixo o quente vestido rústico preto que ela usava, que não tinha mais do que o formato de saco. Seu peito apertou. Era errado querer ficar bonita novamente? Apertou sua boca, dizendo a si mesma para deixar de ser tão tola. Mas ela sabia exatamente quem era culpado por seus pensamentos sem rumo.

As senhoras do castelo estavam a apenas duas bancas de distância quando sentiu alguém a seu lado.

— Não se vire, — uma voz de homem sussurrou em francês. — Você está sendo vigiada.

Janet fez o seu melhor para não reagir, mas o calor que havia se espalhado sobre sua pele devido ao sol se transformou em gelo. Lançou um olhar de esguelha para o homem que tinha expressado o aviso, reconhecendo um dos freis do Mosteiro de São Pedro, localizado do outro lado do rio a partir do castelo. Eles se cruzaram muitas vezes antes no mercado, ele sempre montara sua banca entre as ofertas das outras casas religiosas, mas ela nunca prestou muita atenção ao jovem clérigo inofensivo.

Possivelmente esse fosse o ponto. Ele era fácil de ignorar. Frei Thom era de estatura e constituição mediana, com uma perfeita circunferência de cabelo castanhos lisos em torno de sua tonsura14. Ele não era nem bonito nem feio, possuía olhos castanhos e feições comuns. Nada se destacava. O que provavelmente fez dele o espião perfeito ou mensageiro — ela esperava, — por Bruce.

Afastou-se tão rapidamente quanto se aproximou. Se se alguém estivesse observando-a de fato, isso teria parecido como se ele tivesse apenas passando depois de uma rápida olhada em sua mesa. Mas o breve contato havia deixado seu coração acelerado. Seja amigo ou inimigo, ela não poderia correr o risco de encontrar-se com sua fonte com ele por perto.

A pulsação dela deu outra oscilada ansiosa quando olhou para cima e viu as damas do castelo na banca seguinte.

Ela tentou fazer contato visual, mas uma das damas bloqueava a pessoa que estava procurando. Se alguém a estava observando, talvez essa não fosse a melhor coisa a fazer de qualquer maneira. Ela precisava de uma distração, algo para manter as mulheres afastadas. De repente, ela teve uma ideia.

— Mais non! — Gritou em desespero. E começou a revirar os itens que pusera sobre a mesa.

— O que foi, Irmã Genna? — Uma das freiras na mesa ao lado perguntou, falando em francês.

— A bolsa bordada pela Madre Superiora como donativo, — ela disse torcendo as mãos. — Não consigo achar. Alguém deve tê-la roubado da mesa quando eu não estava olhando.

Ela falara alto o bastante para que aqueles ao seu redor escutassem, e o uso da palavra “roubado” teve o efeito desejado na criação de um tumulto. Um grande número de clérigos e mulheres nas proximidades avançou para ajudá-la.

— Como ela é? — A primeira freira, a Irmã Winifred, perguntou.

— Tinha uma imagem de Nossa Senhora bordada em fios de ouro, — Janet respondeu sobre o artigo inexistente.

— Quando você percebeu que tinha sumido? — Outra das freiras perguntou em inglês, mas essa pergunta ela não respondeu.

Janet fingiu não entender, e Irmã Winifred, que sabia que ela era italiana (ou pelo menos fingia que fosse), traduziu para ela em francês.

Janet sacudiu a cabeça esperando que seus olhos parecessem estar cheios de lágrimas.

— Eu não sei.

— Alguém deveria avisar ao condestável15, — um dos freis disse, indignado.

Janet olhou de relance para as damas e quase suspirou de alívio ao vê-las sendo incentivadas a se distanciar pelo seu contato, que tinha, obviamente, percebido que algo devia estar errado. Ela balançou a cabeça para o frei que lhe falara.

— Não adianta. Eu não vi quem a pegou. Tenho certeza de que o ladrão está muito longe.

— Qual é o problema aqui?

Mesmo antes de Janet virar, ela sentiu um calafrio percorrer ao redor de toda sua nuca e sabia, sem dúvida que esta era a pessoa que estivera observando-a. Ele usava as vestes de um padre, incluindo uma estola finamente bordada o que demonstrava a sua importância, mas não havia nada acerca deste homem que fosse piedoso. Ele parecia exalar perigo e animosidade. Por um momento, ela se sentia como um dos Templários caçados sob o olhar do inquisidor.

Como ele tinha falado em francês, ela não podia fingir ignorância.

— A bolsa, Padre. Parece que alguém a roubou.

— Foi isso mesmo, — disse ele com cuidado, estreitando os olhos. — E como é que esse ladrão fugiu com sua bolsa e ninguém percebeu?

Os olhos de Janet se arregalaram inocentemente.

— Que sugestão maravilhosa, Padre. Talvez eu deva perguntar nos arredores. Você viu alguma coisa, por acaso?

— Claro que não vi coisa alguma.

— Eu só pensei que uma vez que você estava observando...

— Do que você está falando? Eu não estava observando você!

Ela piscou algumas vezes em confusão, esperando que não estivesse exagerando.

— Você não estava? Mas achei tê-lo visto em pé ali olhando nessa direção. — Ela apontou para a área onde sentira que alguém a observava.

— Você estava enganada.

— Isso é muito ruim. Estava esperando que pudesse ter visto alguma coisa.

— Isso era impossível, pois não havia nada para ser visto.

Ela inclinou a cabeça.

— Mas pensei que você não estava observando.

O rosto dele ficou vermelho.

— Eu não estava.

— Oh! Perdoe-me! Devo ter entendido mal. — Ela deu de ombros. — Meu francês não é perfeito.

— De onde você é?

— Irmã Genna é da Itália, Padre Simon, — Irmã Winifred intercedeu em seu favor. — Mas ela veio até nós as Irmãs do Priorado de Santa Maria em Coldstream.

Os olhos dele se iluminaram.

— Isso fica em Berwick-upon-Tweed, não é? — Ele disse em um italiano perfeito.

Janet assentiu com uma imprecação silenciosa. Seu coração disparou ainda mais forte. Ela tornar-se fluente na língua, mas rezou para que não cometesse nenhum erro.

— É, Padre. Mas retornarei em breve para a Itália.

Muito em breve, ela suspeitava. “Irmã Genna” tinha provavelmente atuado em sua última missão. Não iria correr o risco de guiar esse homem de volta para Berwick. Ela precisaria mudar sua identidade novamente.

— A Madre Superiora vai ficar muito descontente comigo. A bolsa valeria uma grande quantidade de dinheiro. — Ela torceu as mãos em desespero.

Irmã Winifred se moveu para consolá-la.

Janet tinha a esperança de que tudo terminaria ali, mas as palavras seguintes do homem fizeram seu sangue gelar.

— Posso ver a missiva que você retirou de uma bolsa e deslizou para a borda do seu escapulário em sua cintura?


Dunstaffnage Castle, Escócia, fim do Outono, 1310


— Que diabos você quer dizer com não sabe onde ela está?

Sutherland lançou um olhar furioso para Ewen, interrompendo-se perante o rei — a quem o comentário fora dirigido — para que pudesse responder, e sem dúvida poupar Ewen de uma contundente advertência.

— Janet não foi vista desde a semana da Festa de São Miguel. Ela partiu para uma missão em Roxburgh e nunca mais voltou.

Mas se Sutherland pretendia acalmá-lo, seu comentário unicamente enfureceu ainda mais Ewen.

— Em outubro? Maldição, isso foi há semanas. Por que alguém não vai atrás dela agora mesmo?

Ewen, aparentemente, tinha esquecido que era suposto não irritar o rei.

— Isso é exatamente o que eu gostaria de saber, — Mary acrescentou, vindo ficar ao lado dele em frente à mesa do rei.

Se havia alguém na sala tão indignado quanto ele, era gêmea de Janet. A partir do momento que Mary de Mar soubera da sobrevivência de sua irmã (não muito depois de Ewen descobrir a verdade), ela perseguira o rei incessantemente para trazer sua irmã de volta.

— Eu pensei ter ouvido você dizer que Janet estava cuidando de mais algumas coisas, e então a chamaria de volta para casa, não é?

Se Robert the Bruce tinha uma fraqueza, era pelas mulheres em sua vida. Seu carinho por sua ex-cunhada ficou evidente pela expressão em seu rosto contrito e o esforço que levou para acalmar a mulher, obviamente perturbada. Ele poderia castigar Ewen por falar fora de hora, mas a bela ex-condessa de Atholl e futura Condessa de Sutherland ia lhe custar muito mais tempo para manobrar.

— Não estávamos preocupados até recentemente. — Ele fez uma pausa. — Não é raro para Janet se atrasar ou demorar algumas semanas a mais do que o esperado.

Ewen sabia que havia algo que ele estava omitindo.

— Mas ela não teria encontrado alguma maneira de deixar você sabendo disso? — Perguntou Mary.

Bruce parecia decididamente desconfortável. Ele parecia até mesmo ter se ajeitado na cadeira.

— Não podemos checar todas as pessoas que temos trabalhando para nós. É impossível.

— Está querendo dizer que a deixou partir sozinha sem proteção? — Mary acusou, lágrimas brilhando em seus olhos. — E Janet não é '"pessoas", ela é nossa irmã.

Bruce pareceu estremecer. Enquanto Mary estivesse fazendo um trabalho tão bom, Ewen não viu razão para intervir. Ele simplesmente ficou de lado, com os braços cruzados sobre o peito e viu o rei se contorcer.

Sutherland tomou sua mulher em um abraço e fazia uma tentativa de consolá-la.

— É claro que ela é, amor, — ele murmurou baixinho.

Não há muito tempo a demonstração de afeto teria feito Ewen se contorcer um pouco, mas nas últimas semanas desde que ele e Sutherland tinham voltado para Dunstaffnage após o recuo de Edward à Inglaterra para o inverno, havia se acostumado a tais exibições. Ele tornou-se surpreendentemente próximo da esposa de Sutherland. A facilidade incomum que sentia ao redor de Janet aparentemente se estendia para sua irmã. Na verdade, estar em próximo de Lady Mary era mais fácil. Apesar da semelhança das duas na aparência, a mulher de Sutherland não levava cada uma de seus nervosos ao limite, aquecia seu sangue, ou o fazia ficar duro como um rapaz em uma orgia romana.

Uma vez que Mary descobriu que ele havia passado um tempo com sua irmã, ela lhe fez centenas de perguntas sobre tudo o que conseguisse se lembrar. Estava certo de que era por isso que todos os detalhes sobre Janet de Mar estavam tão frescos em sua memória, mesmo depois de todos esses meses. Sua irmã a resguardava assim.

— Tenho a certeza de que não há nada errado, — disse o rei, mas soou como se estivesse tentando assegurar-se, tanto quanto eles. — Mas você não precisa se preocupar, Mary. Vou mandar meu melhor homem atrás dela. Hunter vai encontrá-la.

Embora tivesse sido feita uma tentativa de manter as mulheres na ignorância sobre as identidades dos Guardas da Highland, isso se revelou impossível. Dos homens que eram casados, apenas a esposa de MacLean desconhecia o papel do marido no exército secreto do rei. Mas, como sua esposa era uma MacDowell isso não era surpreendente. Para conhecimento de Ewen, MacLean não via sua esposa há anos. Se não a repudiou oficialmente, ele havia feito isso de fato.

Ewen estava tentado a recusar. Se fosse esperto, provavelmente o faria. Mas não podia fazer isso com Mary olhando para ele. Por um momento ela parecia tanto com sua irmã, o peito dele doeu.

— Você irá?

Ele assentiu.

— Vou partir assim que tudo estiver providenciado.

— Maravilhoso. Vou com você, — disse Mary.

Os quatro presentes do sexo masculino na sala ficaram em silêncio, mostrando diferentes níveis de alarme. Bruce tinha uma expressão de “Ah não” em seu rosto, Sutherland um “ sobre o meu cadáver”, e o Chief “é melhor você fazer alguma coisa sobre isso”, seu olhar dirigido para Sutherland. Ewen aparentemente tinha uma combinação de todos os três.

Foi Sutherland que fez a primeira tentativa de trazer sua esposa à razão.

— Mary, você sabe o quão perigoso seria para você ir à Inglaterra nesse momento. Estou certo que o rei fará um ajuste para me permitir acompanhar Hunter...

— Não me venha com “neste momento, Mary”! É tão perigoso para você ir à Inglaterra, quanto é para mim. Ainda mais com Felton recuperado e buscando por sangue “seu sangue”. Além disso, um homem e uma mulher viajando juntos vai chamar muito menos atenção do que vocês dois.

A mandíbula de Sutherland se apertou com tanta força, que Ewen ficou surpreso que ele ainda pudesse falar.

— Se acha que vou permitir que você viaje com Hunter sozinha...

Mary gesticulou com desdém.

— Então venha junto se acha que deve.

Aparentemente, a moça tinha mais de sua irmã nela do que Ewen se dera conta. Ela poderia tentar enganar o marido para aceitar seu ponto de vista, mas Ewen não estava apaixonado por ela.

— Vou viajar muito mais rápido sozinho, minha senhora. Se você vier, só irá tornar o meu trabalho mais difícil.

A avaliação contundente, uma matéria-de-fato (sem se preocupar com os delicados sentimentos dela) funcionou. O comportamento de Mary mudou de limitado e decidido a arrependido.

— Eu não ponderei sobre isso. Não quero ser um fardo.

— Então deixe-me fazer o meu trabalho. Pode confiar em mim. Eu não vou deixar nada acontecer com sua irmã.

Mary assentiu. Sutherland e Bruce o olharam como se ele tivesse simplesmente realizado algum tipo de milagre.

No final, ficou decidido que Sutherland e MacKay acompanhariam Ewen e MacLean para o caso de eles se depararem com alguma patrulha inglesa. A guerra poderia ter chegado a um impasse, enquanto Edward se retirou para o conforto de Berwick para o inverno, mas a caça aos rebeldes ... “fantasmas de Bruce” em particular não havia diminuído. Acima de qualquer coisa, a reputação deles só tinha crescido após os últimos meses de combates. Os ataques de surpresa pelos quais eles se tornaram conhecidos havia tomado uma borda presciente. Não importa o que o Inglês fizesse, a Guarda das Highland “magicamente” sabia onde encontrá-los.

Claro que não era mágica; isso era o excepcional serviço inteligência. Quem quer que fosse esse novo informante de Bruce (o rei recusou-se a dizer), ele não se enganara ainda. Alguns dos outros homens da guarda especulavam que ele devia ser alguém do alto comando de Edward. O melhor palpite era a Ralph de Monthermer, que se casou com uma irmã das esposas do rei e de Hawk. Ewen não se importava de quem era, desde que as informações continuassem.

Mas, para os próximos meses, enquanto Edward descansava e tentava levantar o ânimo de suas tropas desmoralizadas, os combates seriam reservados as escaramuças locais na fronteira. Houve conversações de paz — mesmo agora, Bruce estava negociando uma conferência em Selkirk antes do Natal, — mas a fronteira era ainda uma zona de guerra, e se aventurar nas fronteiras inglesas perto de qualquer dos redutos ingleses tinha ficando cada vez mais perigoso para os muito caçados “fantasmas”.

A Guarda da Highland poderia ser a melhor, mas eles não eram invencíveis, ou invisíveis nesse assunto, embora Ewen fizesse o malditamente possível para torná-los assim. Esta missão não seria sem riscos, e Ewen ficaria contente por ter braços e espadas extras no caso deles atraírem qualquer atenção indesejada.

Ficou decidido que partiriam ao alvorecer. Sutherland conduziu sua esposa para o quarto, mas não antes de trocar um olhar com Ewen. Ele assentiu em concordância em uma comunicação silenciosa. Ewen iria preencher as lacunas sobre o restante em seguida, assim que Mary não estivesse por perto. Como Ewen, Sutherland pressentira que havia algo mais acontecendo.

— O que você não está nos contando? — Perguntou Ewen assim que a porta se fechou atrás deles.

A expressão do rei tornou-se soturna, o que envio uma centelha de mal-estar correndo pela espinha de Ewen. Inferno, não foi uma centelha, foi mais um dilúvio. Se Ewen não se conhecesse bem, pensaria que a sensação de ansiedade se retorcendo ao redor de seu peito fosse medo.

— Um dos nossos mensageiros, um frei, foi encontrado morto algumas semanas atrás.

Seu peito apertou como um punho cerrado. Maldito inferno, era medo.

— Qual a ligação que ele tinha com Janet? — Ewen conduziu.

— Muito pouca, mas foi o nosso principal contato em Roxburgh quando Janet, uh, o trabalho a levou lá.

Ewen esperava que sua contrariedade não transparecesse. O rei sabia o que ele achava do "trabalho" de Janet. “Uma moça não deveria fazer parte de nada disso”.

— Por que ela estava em Roxburgh?

Bruce parecia estar debatendo o quanto dizer a ele.

— Vendendo bordados e trocando mensagens com alguém do castelo. O frei ajudou a facilitar o lugar dela no mercado.

— Existe alguma possibilidade de que possa ter sido descoberta?

— Possivelmente, mas a nossa fonte de dentro está a salvo.

— Ele poderia tê-la traído?

Bruce lhe deu um olhar estranho e balançou a cabeça.

— Não.

— Como você pode ter tanta certeza?

— Eu tenho; e isso é tudo que você precisa saber.

— Mas a morte do frei o incomoda.

Bruce concordou.

— Parece muita coincidência.

Ewen concordou. Mas não se permitiria considerar que alguma coisa tinha acontecido com ela. Ele precisava manter a mente clara para a busca que estava por vir.

— Encontre-a, — Bruce disse, — e a traga para casa.

Ewen assentiu.

— A trarei.

O rei lhe deu um longo e avaliador olhar.

— Espero que esta missão não seja um problema para você?

Ele ficou rígido.

— Por que deveria?

— Minhas ex-irmãs por casamento sempre foram coisinhas bonitas, como suspeito que você notou. Mas devo lembrá-lo que, enquanto ela pode não ser uma freira, ainda assim está destinada a outro.

A boca de Ewen endureceu.

— Estou ciente disto, Sire. — E ele com certeza não precisa de um lembrete.

Mas, obviamente, Bruce pressentira alguma coisa há tempos e tentava lhe explicar em termos bem claros para ficar longe dela. Ewen não precisava que lhe soletrasse isso.

— Bom. — O rei inclinou a cabeça, dispensando-o. Ewen se virou para sair, mas Bruce o deteve com uma risada aguda. — Embora quando encontrá-la, não convém dizer-lhe que tenho um marido esperando por ela, isso será passível de recusa em sua cabeça e então poderá desaparecer novamente.

A lembrança do noivado dela apertou os dentes de Ewen até o limite. Mas conseguiu dar um sorriso, como parecia ser esperado dele.

Encontraria Janet e iria trazê-la de volta para seu noivo. Mas ele não estava ansioso por isso.


CAPÍTULO 9

 

Rutherford Priorado, Fronteira Escocesa, 1º de dezembro de 1310.


O exílio voluntário de Janet começou a irritá-la. O excesso de cautela não caia bem para ela, especialmente quando qualquer um teria dificuldade para conectar a italiana “Irmã Genna” com a “Noviça Eleanor”, a viúva inglesa desde Cumberland. Podia não ser capaz de mudar seu rosto, mas fizera o seu melhor para modificar todo o resto — seu nome, sua nacionalidade, até mesmo a cor de seu véu.

Não iria demorar muito mais tempo, disse para si mesma. Frei Thom viria até ela quando fosse seguro, ele lhe afirmara isto.

Mas porque estava levando tanto tempo?

As folhas estiveram densas nas árvores e a grama verde ainda quando ele a entregou para as freiras no piorado em Rutherford, no pequeno mosteiro de monjas Cistercienses localizado a poucos quilômetros a oeste de Roxburgh, após seu infeliz confronto com o Padre Simon.

Teve que admitir coração dela batendo acelerado havia sido apenas por um minuto. Sabendo que não podia negar a missiva, que o sacerdote tinha obviamente visto, ela deslizou o pedaço de pergaminho dobrado para fora da bainha de seu escapulário.

— Este? — Ela sorriu. — Não é uma missiva, é uma lista.

Os olhos do padre se reduziram a duas duras contas.

— Que tipo de lista?

Isso fora ideia sua, a de usar um inventário como uma espécie de código ao passar mensagens sobre tropas e suprimentos, e nunca estivera tão contente por isso. O padre já tinha desdobrado o papel e analisado quando ela respondeu: — Como pode ver, é uma lista de itens para a minha próxima viagem.

Esperava que seu coração não estivesse batendo tão alto quanto ele soou em seus ouvidos e rezava para que não perguntasse a ela onde, já que não fazia ideia do teor específico da carta.

— Por que uma freira está de viagem de Berwick a Carlisle? Eu pensei que você estava voltando para a Itália.

Ela soltou um suspiro de alívio. Carlisle!

— Estou. Depois que for para o mercado no próximo mês em Carlisle. Quanto ao porquê, o nosso bordado é muito procurado, e certamente uns poucos quilômetros não é demasiado longe em nome da obra do Senhor?

Ele não se incomodou em responder-lhe.

— Túnicas, bolsas — por que apenas dois itens escrito nesta lista?

Homens e cavalos. Aqueles números eram a quantidade que o rei estava solicitando aos ingleses em Carlisle, se a informação estivesse correta.

Janet deu de ombros como se estivesse embaraçada pela pergunta.

— Estes são os únicos itens dos quais consegui a curto prazo. — O rosto dela baixou, e ela forçou as lágrimas em seus olhos. — O que torna a perda de donativos como a bolsa muito pior. Foi preciso aproximadamente seis meses para a Madre Superiora fazê-la. O nível de detalhe era requintado. Ela teria valido uma boa soma que teria ajudado a alimentar os infelizes...

— Você não consegue se lembrar de duas coisas? — Ele perguntou, cortando seu desvio verbal.

— Sou muito esquecido, Padre. É um pecado terrível, — ela baixou a cabeça por um momento como se envergonhada pela admissão. — Mas as Irmãs estão me ajudando a melhorar isto. Usando as listas para ajudar.

— Há alguma coisa errada, Padre Simon? Por que está questionando Irmã Genna sobre isto? Ela não fez nada de errado. Ela é quem foi a vítima de um crime.

Janet nunca notara o quão formidável Irmã Winifred poderia ser, mas o fazia agora.

Padre Simon fungou como se sentisse algo desagradável. Era claro que ele e a freira mais velha não gostavam um do outro.

— Ela estava agindo de forma suspeita.

— Por possuir um pedaço de papel dobrado? — Ela riu, e o rosto do padre corou num vermelho de irritação. Ele parecia tolo e sabia disso.

Felizmente alguém tinha realmente ido chamar o condestável e ele escolheu aquele momento para chegar. Janet estendeu a mão ao Padre Simon. Relutantemente, entregou-lhe de volta à lista. Ela sabia que o padre a achava suspeita, mas não conseguiu pensar em nenhuma razão para questioná-la ainda mais. Nenhuma razão legítima, pelo menos.

Felizmente, isso foi o fim do desafortunado incidente. Tinha sido um aviso mais próximo do que a maioria, mas Janet escapara ilesa — ou relativamente incólume. Inicialmente, ela resistiu a sugestão do Frei Thom para que se retirasse de Roxburgh por um tempo. Mas devido a sua insistência, ela decidiu tomar essa precaução.

Frei Thom tinha visto o que aconteceu e interceptara Janet assim que deixou o mercado. Ele lhe contou quem era o padre Simon, o sacerdote que a questionara, ele estava sendo considerado a receber um bispado por desentocar supostos rebeldes no clero para Edward. O padre do castelo da Igreja de St. John era muito odiado e temido em Roxburgh.

Com a ajuda de Frei Thom — e aquele punhado de freiras que tinha fornecido uma distração no caso de ela ainda estava sendo vigiada — Janet deslizou para longe do mercado e não retornou para o Priorado de Roxburgh, onde tinha ficado em um convento. Em vez disso, mudou o véu de preto para branco e abriu caminho até Rutherford. Assim, Irmã Genna desapareceu e a Noviça Eleanor havia emergido. Ela dera ao frei uma mensagem para entregar a Lamberton, explicando sua mudança de identidade e onde encontrá-la, e Janet passava pelo tedioso e longo processo de dedicar seu tempo aguardando por seu retorno.

Ela usou seu tempo para ler, orar (principalmente pedindo paciência), saciar e satisfazer seu coração desfrutando de suas nozes favoritas (que as monjas foram gentis o suficiente para comprar para ela quando iam para a cidade), e tentar pensar em um jeito de mandar uma mensagem para a sua fonte no castelo que não envolvesse ir ao mercado e, potencialmente, ficar cara-a-cara com o Padre Simon novamente.

Depois de quatro semanas, o frei ainda não regressara, mas Janet teve uma oportunidade de fazer contato, o que provou ser mais fácil do que havia antecipado.

Sua informante viria até ela.

A na vez seguinte que as irmãs saíram para cuidar dos doentes e necessitados no Hospital vizinho de Santa Madalena, “Eleanor” acompanhou-as. O hospital importante ao longo da Abbey Road — que ligava os quatro grandes mosteiros da região — servia não só como uma estadia para os viajantes e um lugar para os pobres e enfermos, mas também como uma instituição de caridade para muitas das senhoras do castelo. Quando o próximo dia do santo chegou, Janet sabia que elas viriam para dar esmolas aos doentes e aos pobres que haviam se refugiado ali.

A cada dia e pelas duas semanas seguintes, Janet acompanhava as monjas até o hospital. Surpreendentemente, ela se ocupava trabalhando na enfermaria. Enquanto outras Irmãs evitavam o lazareto, as casas separadas que abrigam os leprosos, Janet assumiu a tarefa de trazer-lhes o seu pão diário e, três vezes por semana, a sua carne salgada.

Finalmente, no dia de Santo André, que também passou a ser o primeiro domingo do Advento, os esforços de Janet foram recompensados. A informante ficou surpresa, mas muito aliviada ao vê-la. No único momento que elas tiveram para trocar uma palavra em particular, sua fonte lhe disse que algo importante estava sendo fomentado, e que esperava ter mais informações pelo Dia de St. Drostan, por volta de uma quinzena, portanto. Na manhã seguinte Janet ainda se sentia excitada durante sua caminhada para levar aos leprosos seu pão. Enquanto deixava a último chalé e retornava para o hospital naquela primeira manhã fria de dezembro, em que estava se sentindo tão feliz, ela não notou a sombra que se movia atrás dela até que fosse tarde demais.

O medo saltou para sua garganta, cortando o grito que poderia ter soado antes que a mão dele tampasse a sua boca enquanto a arrastava atrás de um dos chalés. Uma manga verde. Seu sequestrador usava o manto de um leproso!

Capturou-a com força de encontro a ele, prendendo os seus braços para que, caso ela tentasse atacar para se libertar, não conseguisse se mexer. Seu aperto era como um torno de aço, frio e inflexível. No entanto, enquanto seu corpo era sólido como uma parede de rocha, estava quente — dolorosamente quente — e cheirava a pinho e couro. No momento em que ele abaixou a boca para sussurrar em seu ouvido, seu coração estava acelerado não por medo, mas por outra coisa.

Seu captor não era leproso. Era Ewen. Ele estava de volta!

— Você parece ter esquecido sua promessa de ficar longe de problemas, Lady Janet.

Ela estava tão feliz por descobrir que era ele que levou alguns momentos para entender o que lhe disse — em gaélico, nada menos. Seu coração começou a bater forte mais uma vez, desta vez por ansiedade. Ele sabia o nome dela. Seu nome verdadeiro.

E não a chamara de Irmã.


Cuidando de leprosos? Cristo! A moça não conseguia evitar o perigo; ela só pulou de um incêndio para outro. Falando em fogo, o corpo dele estava ficando também malditamente quente apenas por tê-la pressionado contra ele.

Ewen a liberou tão logo eles estavam em segurança, fora de vista, atrás do chalé mais distante, girou em torno dela para olhá-la.

Seu estômago afundou. Esquecera a quão bonita ela era. Vislumbres a distância não o haviam preparado para vê-la cara a cara novamente. Com os olhos brilhantes e as bochechas rosadas por causa do frio, Lady Janet de Mar era a imagem da vivacidade e da vida saudável do campo. A boca dele se endureceu. Muito saudável para alguém que lhe causou tantos malditos... problemas (não, foi medo. Droga!), e tinha o direito de parecer assim.

Esta missão tinha sido atormentadora desde o início. Assim que ele e seus três irmãos da Guarda das Highlands, deixaram o navio no litoral em Ayr que eles fugiam da patrulha inglesa em Douglasdale. Normalmente uma única patrulha com uma dúzia de homens não seria de muita preocupação para quatro integrantes da Guarda das Highlands, mas após meses combatendo o exército de Edward, todos eles estavam um pouco surrados e machucados. Ewen não era exceção. Sofrera uma flechada na perna durante uma missão para rastrear alguns dos homens de Bruce que tinham sido levados numa escaramuça perto de Rutherford Castle, e mesmo com a ajuda de Angel, ainda não tinha cicatrizado completamente.

Ferida de flecha, cortes de espadas, ossos quebrados por martelos e maças de guerra, e golpes de lanças não era nada que eles não estivessem acostumados, mas os vários ferimentos lhes tinham dificultado seus esforços contra a patrulha. Não havia nenhuma outra explicação para como um dos ingleses fora capaz de escapar e encontrar segurança atrás dos muros de Douglas Castle antes que Ewen, MacLean, Sutherland, e MacKay pudessem alcançá-lo.

O resultado lamentável foi que os relatos da presença dos fantasmas de Bruce na área se espalhou, e a presença deles já não era um segredo. Com Deus sabe quantos soldados procurando por eles teriam que ter muito cuidado.

Então, como se os ingleses os caçando não bastasse, eles chegaram a Roxburgh para refazer os últimos passos de Lady Janet e ouviram de um de seus clérigos leais sobre o confronto no mercado com o padre. Pior, ninguém a viu desde então. A moça parecia ter desaparecido sem deixar vestígios na mesma época que o frei foi morto.

Ewen não iria esquecer tão cedo o medo angustiante que tinha experimentado quando a pista parecia ter chegado a um final fatal. Por vários dias eles vasculharam todas as estradas que levavam para fora de Roxburgh, na esperança de encontrar alguma coisa — qualquer coisa — com exceção de uma coisa que ele não consideraria: um corpo.

Droga, por que não o escutava? Ela não tinha nada que estar ali fazendo isso. Bruce devia tê-la levado de volta mais cedo. Ewen devia ter feito mais para convencê-lo. Mas não quis causar problemas.

Ele sabia o que poderia acontecer com as mulheres que se acreditava estar ajudando Bruce. Não passava um dia que não via os rostos dos aldeões abatidos perto de Lochmaben Castle em sua mente. Todas aquelas mulheres e crianças. Seu estômago virou. Ele provavelmente devia ter feito mais, depois, também. Mas foi logo após Bruce retornara para a Escócia, e Ewen continuava se recuperando do revés que lhes havia acontecido em Loch Ryan.

Eles não perceberam o perigo que estavam colocando os aldeões quando haviam procurado a ajuda deles. Mas semanas depois, quando algum membro da Guarda das Highlands tinha retornado, eles viram uma verdade horrível. A vila inteira foi dizimada pelos ingleses por ajudá-los. O único sobrevivente foi uma jovem que tinha sido lançada e abandonada no cárcere de um poço. A chamaram de pequenina Arrow, após MacGregor tomá-la sobre sua tutela ao se compadecer da pobre moça órfã — e que, obviamente, o adorou (o que não era incomum para as moças com relação a MacGregor) — e a levou ao retornar para sua casa.

Teria a mesma coisa acontecido com Janet? Ele tinha perdido a esperança de rastreá-la — o rastro estava muito frio — foi quando teve uma ideia. Agradeceu a Deus pelo o amor que ela sentia por aquelas condenadas nozes. Levou um tempo para achar o comerciante, e, depois para localizar cada monja que comprara dele nas últimas semanas, mas eventualmente sua caçada levou-os para o mosteiro em Rutherford.

Ele nunca esqueceria o alívio que sentiu ontem, quando a viu caminhando para fora do mosteiro com um sorriso — relaxado e — despreocupado em seu rosto. Foi somente mais tarde, enquanto esperava pela oportunidade certa para interceptá-la, que a raiva se estabelecera. Como ousava parecer tão feliz e descontraída quando seu desaparecimento causou tamanho tumulto!

Captou um lampejo de alarme em seus olhos quando ela se deu conta do que ele dissera, mas não demorou muito tempo para se recompor.

Ela lhe deu uma longa inspeção de cima a baixo, apreciando a capa verde e capuz.

— Você não encontrou sua caneca de esmolas e sino para que eu pudesse ouvi-lo chegando. — A boca dele afinou.

— Não houve tempo.

— Para roubá-los?

— Para pegá-los emprestado, — ele corrigiu, retornando seu escrutínio. E por falar em disfarces, o traje da freira tinha sido mais crível. — Você não é um pouco velha para ser uma noviça?

Ela engasgou, os olhos faiscando de indignação.

— Eu não sou velha! E eu sou uma viúva.

Ele ergueu a sobrancelha.

— Quem é o noivo desventurado?

Seus olhos se estreitaram, como se estivesse tentando descobrir se ele quis dizer isso como “desventurado morto” ou “desventurado casado” com ela.

Ele não decidira.

— Um inglês. Ele era um soldado que morreu na guerra. E ninguém nunca lhe disse que é uma grosseria comentar a idade de uma mulher? Eu tenho vinte e sete, mais jovem do que você. — Ela mordeu o lábio incerta, e ele quase praguejou contra a onda de calor que provocou em sua virilha. — Quantos anos você tem?

Ele franziu a testa.

— Trinta e um. — Ele tinha acabado de celebrar no Dia de Todos os Santos na semana passada.

Ela assentiu, satisfeita por ter mostrado seu ponto.

— O que você quer? Você tem uma mensagem para mim?

Ewen lutou para manter seu gênio sob controle, mas depois de quase uma semana procurando embaixo de cada pedra entre Roxburgh e Berwick pela moça, ele estava tendo um momento difícil.

— Muito bem tenho uma mensagem! Onde diabos você estava? Ninguém teve avistou ou ouviu nada sobre você a mais de um mês.

Ele não sabia o que estivera esperando, mas porra, talvez esperara não a encontrar correndo mais de perigo ainda? E um pouco mais de gratidão da parte dela ao vê-lo, ao invés desta impressão de que estava de alguma forma atrapalhando-a.

Ignorando a voz que o alertava para não a tocar, ele a pegou pelo braço e a puxou novamente contra ele. A parede que tinha erguido em sua mente estava se revelando um pouco fina. Ao invés de pensar que ela pertencia a Walter Stewart, ele não podia deixar de pensar como era bom senti-la contra ele.

Janet de Mar, droga.

— Ocorreu-lhe que as pessoas possam estar preocupadas? — Talvez tivesse grunhido no final. Já que os olhos dela se arregalaram.

— É claro que isso não aconteceu. Eu não estou desaparecida.

A mandíbula dele travou.

— Agora posso ver. Mas teria sido bom você contar para o restante de nós...

— Será que ninguém recebeu a minha mensagem? Enviei uma nota falando de minha mudança de planos para o nosso amigo em Berwick.

Ewen fez uma careta, ao adivinhar como ela enviara a sua mensagem.

— Através de um frei local? — Ela assentiu, e ele praguejou, soltando-a. Um pouco de sua raiva se dissipou. Não era tudo culpa dela. Mensagens que não chegavam ao seu destino era uma ocorrência comum na guerra.

Parte dele esperava que ela não fosse perguntar, mas era muito esperta para não ter percebido isso.

— O que aconteceu? Aconteceu alguma coisa com o frei?

Ele não fez uma tentativa de suavizar o golpe. Talvez isso a faria compreender os riscos tomava para si.

— Ele foi morto. Torturado, ao que parece, e seu corpo foi jogado na estrada para Berwick cerca de um mês atrás.

Ela recuou pelo choque. — Não!

Os olhos dela se encheram de lágrimas, e ele teve que se enrijecer para não estender a mão e dar a ela... o quê? Conforto? Maldito inferno! Ele estava furioso com ela; o que em Hades estava errado com ele?

Ele balançou a cabeça, dando-lhe um momento para assimilar o que ele disse a ela.

— Ninguém sabia o que tinha acontecido com você.

Ela o olhou, as lágrimas umedecendo seus cílios. Os olhos dela brilhavam como um mar iluminado pelo sol. O peito dele apertou com tanta força que teve que desviar o olhar.

Houve longo momento de silêncio, mas finalmente ela disse:

— Obrigado por vir me procurar. Lamento ter causado tantos problemas, mas como você pode ver, eu estou perfeitamente segura.

Segura? A moça não estaria segura até que estivesse trancada no alto de alguma maldita torre em... Bute16. No entanto a única torre para onde ela estaria indo pertenceria a Walter Stewart.

Não é problema seu. Mas saber disso não parecia acalmá-lo de qualquer forma. Ele segurou seu gênio sob controle — ou quase.

— Acho que você e eu temos uma definição muito diferente para "seguro", ouvi que você por pouco não foi descoberta em Roxburgh por um dos sacerdotes de Edward.

— Eu não fui descoberta por pouco em absoluto. Ele me fez algumas perguntas, isso foi tudo. — Enquanto ele cerrava os punhos de modo que não fosse agarrá-la novamente, ela franziu a testa. — Como me encontrou, afinal? Fomos muito cuidadosos.

Ele com certeza não ia dizer-lhe como tinha sido difícil.

— Houve uma coisa que você me disse que não foi mentira.

Ela empalideceu e o olhou com cautela, como se este fosse um momento que ela já esperava e esteve se preparando para isso. E pelo sangue de Deus, ele queria dar isso a ela. Queria mostrar-lhe exatamente como estava zangado.

Mas ele não ia falar. Era melhor fingir que isso nunca aconteceu e nunca importou. Era melhor fingir que ele não se importava. Porque algo lhe disse que se tocasse nela novamente, se ele exalasse o perigoso turbilhão de emoções torcendo dentro dele, ela acabaria em seus braços mais uma vez com essa boca rosa muito suave, muito sensual, muito tentadora derretendo debaixo dele.

Ele não deveria estar pensando em como foi bom a ter provado. Ele não devia se lembrar disto absolutamente depois de todo esse tempo, e deixar isso vir à tona. Ela não iria afetá-lo; ele não deixaria.

— As nozes, — disse ele, dando um passo para trás para limpar sua cabeça. — São suas favoritas.

Ela piscou para ele, obviamente surpresa que fosse tudo o que tinha a dizer. Ela esperava que fosse criticá-la por ter mentido para ele sobre sua identidade e deixá-lo acreditar que havia cometido um pecado grave? Tinha esperado que ele ficasse com raiva por não ter mantido sua promessa de ficar fora de perigo? Droga, pois deveria mesmo.

Ela tinha uma expressão confusa em seu rosto, como se estivesse tentando entendê-lo.

— Você me encontrou por intermédio do comerciante?

Ele a tinha encontrado; agora, ele só queria se livrar dela. Quanto mais cedo melhor, se o calor batendo forte em seu corpo fosse qualquer indicação. Ele deu de ombros com uma indiferença que não sentia.

— Nós temos que ir.

— Ir aonde?

— Vou levá-la de volta para as Highlands.

Ela balançou a cabeça como se tivesse uma palavra a dizer sobre o assunto.

— Eu não estou pronta ainda. Há uma coisa importante...

— Eu não estou pedindo, minha senhora.

Ela endureceu novamente, e aquela expressão desconfiada retornou. Ele diria que sentiu alguma satisfação nisso. Mantê-la em seus dedos, esperando o machado cair, deu-lhe uma vantagem.

— Você não pode me dar ordens...

— Não sou aquele que está ordenando, é o rei.

— Por que ele está me chamando de volta?

— Estou apenas seguindo ordens. Você terá que perguntar a ele. —

Ele com certeza não ia dizer a ela. A última coisa que ele queria fazer era se envolver nessa batalha.

Ela mordeu o lábio.

Maldito inferno, pare com isso!

Só quando ela franziu a testa ele percebeu havia falado em voz alta.

— Parar com o que?

A poucos minutos em sua presença e ele já estava enlouquecendo — e outras partes dele estavam tendo um pouco de dificuldade, também, com sua proximidade.

— Precisamos partir.

Ela balançou a cabeça.

— Diga a Robert que eu vou voltar assim que eu possa, mas há algo importante que eu tenho que fazer primeiro.

— Pode dizer a ele você mesma.

— Você não entende, isso é muito importante. Tenho que estar aqui quando... — Ela parou, como se sentisse em dúvida quanto o que dizer. Ela ergueu o queixo desafiadoramente. — Robert vai entender.

Ele poderia ter imaginado que ela ia dificultar sobre isso. — Se está tão certa de que entenderá, diga-lhe você mesma. Pensei que você fosse boa em explicar as coisas.

Ele sabia que ela não seria capaz de resistir a isso.

Seus olhos se estreitaram, e ele suspeitava que ela tinha adivinhado sua intenção.

— Eu vou. Mas isso demoraria muito tempo. Já lhe disse que há algo que devo fazer antes. — Ela colocou a mão em seu braço, e ele congelou. Ela estava tão perto que ele praticamente podia sentir a pressão de seu corpo contra o dele. O calor o cobriu em uma onda quente, e pulsante. — Eu não entendo porque uma ou duas semanas vai fazer diferença. Por favor, não pode simplesmente dizer a ele que eu estarei de volta assim que for possível?

Olhando dentro dos olhos dela Ewen sentiu algo dentro dele repuxar. O olhar suave de súplica bateu contra a parede que ele tinha erguido em sua mente como um aríete. Ele se inclinou para baixo por um minuto, inalando sua doçura, querendo sucumbir...

Ele voltou à realidade com um solavanco.

— Não. — Ele não sabia se estava falando com ela ou para si mesmo. — Partimos agora.

Ele podia vê-la tentar controlar seu gênio. Seus lábios estavam franzidos apertado.

— Eu sei que só está tentando cumprir o seu dever, mas tenho certeza que se você voltar ...

— Não se preocupe com uma de suas tentativas rotundas para me fazer mudar de ideia, não vai funcionar.

— Por que você tem que ser tão irracional!

Parecia tão enfurecida, ele quase riu. Temendo uma revolta justa e querendo evitar ter que arrastá-la de volta, ele disse: — Temos um navio no litoral em Ayr. Se o rei concordar em deixar você retornar, pode estar de volta em dez dias mais ou menos.

Ela parecia em dúvida.

— Dez dias? Você tem certeza? Eu tenho que estar de volta pelo Dia de St. Drostan.

Ele deu de ombros. Era possível. Não que ele achasse que ela estaria em posição de descobrir, mas com certeza não ia dizer isso a ela. Se queria pensar que seria autorizada a voltar para Roxburgh, então estava bom para ele. Assim que regressassem para Dunstaffnage, ela seria o problema de Bruce. E Stewart, ele lembrou a si mesmo, seus dentes rangendo juntos com tanta força causando dor em sua mandíbula.

Cabe a você. Mantenha a cabeça baixa, faça o seu trabalho, não faça nada para irritar o rei. Isso era tudo o que precisava fazer. Simples. Ele não podia deixá-la tornar isso complicado.

Os olhos dela se estreitaram.

— O que você não está me contando?

Ele cerrou os dentes.

— Olha, minha senhora, o meu trabalho é levar você de volta. Um trabalho que eu tenho toda a intenção de cumprir. Mas como farei isso é com você. Nós podemos fazer isso de um modo muito difícil ou tão fácil quanto você queria. O rei deu-lhe uma ordem direta de abandonar a fronteira e se apresentar diante dele em Dunstaffnage. Recusando você não estará me desafiando, e sim desafiando o rei.

— Eleanor!

Sua cabeça virou-se para a direção do grito, e depois de volta para ele.

— Estão procurando mim.

Ela teria se movido em direção à voz, mas ele agarrou seu braço.

— Então é assim que quer que seja, Eleanor?

A boca dela apertou com aborrecimento.

— Que escolha você me deixou? Eu vou, mas não posso simplesmente desaparecer sem palavra. Dê-me uma hora e, em seguida, venha me procurar no convento. Vou dizer que é meu irmão que veio me buscar para me levar para casa para uma emergência.

Ele assentiu. Eles não poderiam partir até que estivesse escuro de qualquer maneira.

— Estou aqui, Irmã! — Ela gritou de volta, dando a volta ao redor do prédio.

— Janet. — Ela se virou, seus grandes olhos verde-mar olhando para ele com expectativa. — Não me obrigue a ir atrás de você. — Ele quis dizer isso como um alerta, mas sua voz soava estranhamente rouca.

Os olhos deles se fixaram por um longo momento, quase como se ela estivesse esperando ele dizer algo mais. Mas ele não podia.

Finalmente, ela deu-lhe um aceno curto, e assim partiu.


CAPÍTULO 10

 

Janet estava furiosa. Partir agora seria um erro. E se demorasse muito tempo? E se seu informante viesse procurá-la com algo importante, e ela não estivesse ali?

Se Ewen simplesmente a ouvisse. Mas o homem estava totalmente imune a razão! Seria mais fácil ela ter tentado dobrar ferro ou esmagar uma pedra. Tinha que ser o homem mais irritante que ela já conheceu.

Todos esses meses. Toda as vezes que ela desperdiçara querendo saber notícias dele. Pensando nele. Ela deve ter ficado maluca.

Em suas lembranças — tudo bem, em suas fantasias — Janet tinha esquecido o quão irracional Ewen Lamont conseguia ser. Como ela podia ter pensado que poderia existir algo entre eles? O homem era perfeitamente inabalável. Totalmente teimoso. Rígido e inflexível. Quem se importava se conseguia tirar o fôlego com o seu beijo e ser tão bonito ao ponto de lhe parar o coração e que ao vê-lo novamente depois de todo esse tempo fez os joelhos dela virar geleia? Ela nunca poderia se importar com alguém tão totalmente irracional e indiferente aos seus desejos.

Falar com ele era um exercício de frustração.

Mas também era estimulante.

O coração de Janet ainda estava batendo forte enquanto ela subia feito um furacão o caminho até a colina para o mosteiro com as outras monjas.

Claro, ele não estava ali porque tinha sentimentos por ela. Como podia ter sido tão tola a ponto de deixar-se ficar desapontada sequer por um momento? A única razão pela qual chegara até ali foi porque o rei lhe havia ordenado a vir buscá-la. Ele provavelmente se esquecera tudo sobre o beijo. Nem mesmo parecia se importar que tinha mentido para ele sobre sua identidade. Achava que ele ficaria furioso ao descobrir que não era freira.

Portas do céu, absolutamente não era momento para começar a agir como uma menina apaixonada. Não era o homem para ela. Não existia um homem para ela. Ela ia ser uma freira, não era? É claro que iria. Como poderia tê-lo deixado fazê-la perder de vista seus planos, mesmo por um minuto?

— Tem alguma coisa errada, Eleanor?

Janet demorou um tempo para perceber que Beth estava falando com ela.

Ela sorriu para a jovem noviça, cuja os grandes, e escuros olhos a fez lembrar tanto de Irmã Marguerite.

— Não, por que você pergunta?

A garota a olhou intrigada.

— Você estava resmungando. — Ela corou. — Eu pensei ter ouvido você dizer "imbecil teimoso".

Foi a vez de Janet ficar com as bochechas quentes.

— Estava pensando em meu irmão. Ele virá aqui para me buscar em breve. Recebi uma notícia angustiante de casa e devo retornar a Cumberland por alguns dias. Minha mãe está doente.

Beth pareceu ficar tão aflita, Janet quase estendeu a mão para lhe oferecer conforto. Mas mentir era parte do trabalho — e ela era boa nisso – no entanto recentemente começou a se irritar.

— Que horrível! — A menina disse. — Há algo que eu possa fazer?

Janet começou a sacudir a cabeça, mas então ela pensou em algo.

— Se alguém perguntar por mim no hospital, você pode dizer-lhe que retornarei em breve?

Beth assentiu solenemente.

— Os pacientes vão sentir sua falta. Assim como vai eu.

Janet sentiu um puxão suave em seu peito. Tal como aconteceu com Irmã Marguerite, era difícil manter-se distante da jovem noviça. Mas como a Irmã Marguerite tinha provado, uma conexão com ela podia ser perigosa. Janet quase lamentou ter feito o simples pedido para Beth, mas era apenas para o caso de ela demorar mais tempo do que o esperado, queria que seu informante soubesse que voltaria.

A abadessa aceitou sem comentários a história de sua necessidade de partir. Frei Thom — o horror de sua morte ainda pesava sobre Janet — lhe contara que a abadessa era uma amiga. O quanto ela sabia, Janet não perguntou, mas ela suspeitava que a monja mais velha adivinhara a maior parte.

Quando Ewen chegou para buscá-la no portão na hora marcada — felizmente, vestido com as roupas simples de um fazendeiro em vez de capa e capuz de leproso — ela estava pronta para ir. Ele grunhiu algum tipo de saudação, tomou sua bolsa, e levou-a (ou melhor, ele se afastou e ela correu atrás dele) até o caminho onde amarrou os cavalos. Ela ficou satisfeito ao ver dois. É claro que ficaria. A última coisa que desejava fazer era cavalgar junto com ele novamente.

Não que a lembrança dos braços dele ao seu redor, a grande parede dura de seu peito atrás dela ou o calor suave e a sensação de contentamento tivesse sido algo com que ela sonhou. Também não era a ideia de passar alguns dias com ele fosse algo que deveria estar fazendo o pulso dela acelerar, a ponto de explodir.

Reparou que ele fez uma varredura furtiva na zona rural ao redor do mosteiro antes de se virar e a ajudar, levantando-a para montar o cavalo. Fora algumas outras monjas que trabalhavam no jardim, e um jovem rapaz que pescava à beira do rio, não havia ninguém mais. Janet supôs que estava apenas sendo cauteloso, mas ela detectou uma vigilância incomum sobre ele.

Sem dúvida, qualquer guerreiro no exército de Bruce iria se sentir um pouco ansioso por estar na fronteira, mas o mosteiro ficava em uma parte tranquila da aldeia, pelo menos a alguns quilômetro de distância de qualquer outra habitação. Ele não tinha nenhum motivo para preocupação.

Ela poderia ter lhe dito isso, mas no momento em que suas mãos envolveram sua cintura para levantá-la, ela sacudiu. Não havia outra maneira de descrever a explosão de sensações que surgiu através dela no momento do contato. Podia sentir a pressão de cada um desses grandes dedos abertos sobre suas costelas.

Meu Deus, se esquecera o quão forte ele era. Levantou-a como se não pesasse mais do que uma criança. Ela estendeu a mão para firmar-se, agarrando os músculos sólidos de seus braços, e o choque foi seguido por uma onda intensa de calor. Calor que se espalhou através de seu corpo em profundidade, como ondas derretidas.

Oh Deus, era exatamente como ela se lembrava. Se perguntava se imaginou isso — exagerado em sua mente. Mas ela não tinha. Um toque breve e ela estava se despedaçando.

No entanto, um olhar para sua expressão pétrea e ela sentiu uma pontada. Obviamente, não estava igualmente afetado. Ele usava a mesma expressão sombria no rosto que ela se lembrava tão bem, exceto que sua boca estava ainda um pouco mais apertada do que antes. As linhas brancas pequenas estavam gravadas em torno de seus lábios e o músculo abaixo sua mandíbula parecia saltar algumas vezes.

Ele a colocou tão duramente sobre a sela, que ela ofegou.

— Ai! — Ela disse, esfregando suas nádegas atingidas. — Isso dói. — Ele não se preocupou em oferecer um pedido de desculpas, mas olhou-a como se fosse culpa dela. Ela levantou uma sobrancelha. — Posso ver que você está aperfeiçoando suas habilidades de cavalheirismo desde nosso último encontro.

Os olhos dele brilharam e as entranhas dela deram um pequeno salto diante a intensidade de aço dele. Ele lhe fez uma reverência simulada.

— Perdoe-me, minha senhora. Tinha me esquecido que estou servindo.

Janet mordeu o lábio, lamentando o sarcasmo que lembrava do seu pequeno engano. Aparentemente, não era tão indiferente como ele deixou transparecer sobre a descoberta de sua verdadeira identidade. Meio que esperava que ele fosse começar a berrar com ela, mas em vez disso, virou-se bruscamente para longe e montou seu próprio cavalo. Janet não era muito conhecedora de raças de cavalo, mas até mesmo ela podia ver que os cavalos eram mais adequados como animais de aragem e certamente não seriam capazes de levá-los muito longe de Roxburgh. Cavalgaram alguns minutos antes de ela perguntou.

— Você pediu emprestado os cavalos no mesmo lugar que você pegou essas roupas?

Ele atirou-lhe um olhar furioso.

— Você não me deixou muito tempo para planejar algo grandioso, minha senhora. Achei que um fazendeiro seria melhor do que um leproso ou usar a minha armadura para ir buscar você.

Ele tinha uma maneira de dizer, “minha senhora”, que a fazia querer se encolher.

— Pare de me chamar assim.

Seu olhar estreito se fixou nela e a fez estremecer, vendo a raiva entrando em fervura ali. Mas sua voz era enganosa ainda.

— Como você prefere que eu a chame? Irmã? Genna? Eleanor?

— Janet. Você sabe qual é o meu nome. Pare de fingir que se esqueceu.

— Oh, eu não me esqueci.

Esta pequena advertência ameaçadora fez seu estômago se sentir como se uma rocha estivesse pulando para cima e para baixo dentro dela, ele se virou.

Seguiram em silêncio por um tempo, cada metro cada vez mais desconfortável. Por que ele simplesmente não acabava com isso? Esperar o machado cair a estava deixando ansiosa.

Ele estava tenso, também, embora não pela mesma razão. O estado de alerta dele ela notou que só aumentava quanto mais longe cavalgavam para... o Sul, ela se deu conta de repente.

— Por que estamos seguindo nesta direção? Não deveríamos estar cavalgando para longe da Inglaterra?

Ele ignorou seu sarcasmo.

— Estou me assegurando de que ninguém nos siga.

— Por que nos seguiriam?

Não se surpreendeu quando ele não respondeu, como sempre parecia que ela tinha uma chance em duas de que isso acontecesse. Se ele estava tentando dissuadi-la de fazer perguntas, no entanto, não estava fazendo um bom trabalho.

Parecia que se esforçava para cobrir seus rastros. Pelo menos foi o que assumiu que ele estava fazendo, quando ocasionalmente levou-os para fora do caminho para dentro do solo rochoso ou mascarou sua direção em determinados pontos ao andar para trás e para frente algumas vezes e variar a velocidade — e, portanto, as passadas — de seus cavalos.

— Alguém está nos seguindo? — Ela perguntou.

— Eu acho que não, mas vamos seguir assim mais alguns metros antes de dar a volta para encontrar os outros.

— Outros?

— Não achou que eu viria sozinho? Seu ex-cunhado enviou quatro dos seus melhores homens para encontrá-la, incluindo o seu novo cunhado.

— O marido de Mary?

Ela ouviu de Lamberton sobre a deserção de Sutherland da Inglaterra e soube que sua irmã retornou em segurança para a Escócia. Se havia uma coisa boa sobre estar sendo arrastada de volta para a Escócia como estava, era que ela iria finalmente poder ver sua irmã.

Mas por trás da excitação havia também o nervosismo. Será que Mary sentia o mesmo? Janet causara a sua irmã tanta dor. Fizera uma confusão disto tudo, e Mary fora a única a sofrer por isso. Ela por pouco escapou do encarceramento e seu filho, Davey, fora tirado dela novamente. Mary tinha todo o direito de culpá-la por isso.

Ela o fez?

Só Deus sabia, Janet o fez. Por causa dela, o homem que a levantou e enxugou suas lágrimas quando esfolou o joelho, que lhe ensinou como montar um cavalo, que contara histórias para ela em seu joelho, estava morto. O velho criado a amava como um pai — mais do que um pai e muito melhor do que o pai verdadeiro dela. E o que ele ganhara com isso? Uma flecha nas costas.

Ewen deve ter observando o rosto dela. Quando falou, foi com a voz muito mais suave do que tinha usado antes.

— Sim. Kenneth Sutherland, herdeiro do Conde de Sutherland.

Janet concordou, tendo escutado tanto do bispo.

— E... ela é feliz?

Ele assentiu, e por um momento ela viu um lampejo de suavidade nos olhos dele que ela se lembrava.

— Aye, moça. Muito feliz.

Janet sorriu.

— Fico contente. Ninguém merece mais.

Pareceu que ele queria dizer alguma coisa. Mas quando se virou ao invés disso, Janet disse a si mesma para não se decepcionar.

Não funcionou.

Eles seguiram a estrada ao sul durante mais alguns metros, sem se deparar com ninguém, antes de se desviar do caminho próximo de um pequeno lago, onde pararam para dar água aos cavalos. Por não ter montado um cavalo há tempos, Janet estava grata pela curta parada para esticar as pernas.

Ela atendeu a suas necessidades, e, em seguida, caminhou até a beira da água. Era um pequeno lago, não mais que dois quilômetros de área, mas bonito, com as árvores rodeando-o em tons de verde e marrom. A luz estava começando a desaparecer, e ela calculou que deveria ter passado poucas horas depois do meio-dia. Com o inverno se aproxima, os dias ficavam mais curtos. Escureceria em pouco tempo. Eles mal poderiam voltar onde eles começaram, quando seria o momento de parar durante a noite.

Ewen surgiu ao lado dela, aparentemente, lendo seus pensamentos.

— Vamos viajar à noite.

— Não vai ser perigoso?

Seu olhar endureceu.

— Sim. Mas isso não deve incomodá-la.

Janet não aguentava mais. Suas farpas não tão sutis estavam a deixando louca.

— Sei que está zangado pelo que aconteceu antes. Por que não fala apenas o que você tem a dizer e acabe logo com isso?

Agora, talvez ele pararia de agir como um estranho. Como se nada tivesse acontecido entre eles. E então talvez eles poderiam... o quê?

Janet não sabia, mas não foi isso que aconteceu.


Não ceder a sua própria raiva era um inferno mais difícil do que Ewen esperava. Cada vez que pensava no que ela estava fazendo — no que fizera — ele ficava um pouco mais louco com isso.

— Zangado? — Repetiu ele. — Por que eu deveria estar zangado? Porque você me deixou te beijar, e, em seguida, fez-me acreditar que havia cometido um pecado grave, ou porque me deu sua palavra de que iria ficar fora disto?

Ela ficou rígida, franzindo a boca do jeito que acontecia quando achava algo desagradável. Em outras palavras, quando alguém salientava algo que ela não queria ouvir.

— Eu não disse isto. Afirmei que iria deixar o combate para os homens, é o que tenho feito.

Foi preciso tudo o que tinha para não colocar as mãos sobre ela. Nenhuma mulher jamais tinha irritado o seu gênio tão facilmente. Inferno, ele nem sabia que ele tinha um gênio. Os músculos de seus braços flexionaram ao seu lado, tremendo com o esforço para não a tocar. Não a levantar pelos braços e trazê-la contra ele, onde tinha a condenada certeza de que ela o ouviria.

— Não tente essa merda comigo, Janet. Você sabe muito bem o que eu quis dizer, droga!

Não ignorando a advertência de sua linguagem grosseira, ela deu um descuidado encolher de ombros e piscou aqueles olhos grandes de azul mar para ele inocentemente.

— Eu?

Ele não esteve ciente de que tinha se movido até que ela arquejou e deu um passo para trás — a direita em uma árvore. Ele pairava sobre ela, um alvoroço de emoções perigosas disparando dentro dele. Raiva, frustração, e algo que vinha do mais profundo. Algo extremo e incontrolável. Algo selvagem. Uma coisa que despertou seu instinto primitivo e a base do que foi herdado de seus antepassados bárbaros. Uma coisa que o fez querer empurrá-la contra a árvore, rasgar as roupas dela, enroscar uma de suas pernas ao redor dos quadris dele — de onde diabos tirou aquilo sobre essa mulher enroscar suas pernas em volta dele? — E violá-la até que prometesse nunca mais colocar-se em perigo novamente. Quase podia senti-la estremecendo contra ele. Sentir a macieza de seus seios esmagados contra seu peito. Sentir o calor dela. O seu sabor.

Deus, a queria, e contenção doía. Estava quente e duro, e persistente com a necessidade.

Como ela fazia isso com ele? Como podia desnudá-lo em questão de minutos? Deixá-lo fora de controle como ...

Como seu pai.

Um súbito arrepio penetrou o calor.

Ao invés de estar intimidada — como qualquer moça em seu juízo perfeito deveria estar – a moça somente parecia mais indignada. Esticando-se em toda sua altura, já que era uns bons centímetros mais baixa do que ele, se levantou de igual para igual e cutucou o dedo minúsculo em seu peito para enfatizar suas palavras.

— Você não tem o direito de me dar ordens para que eu deixe de fazer qualquer coisa. O que faço não é da sua conta.

Se foram suas palavras ou pensar em seu pai, ele não sabia. Mas tão rapidamente quanto a raiva o tinha alimentado por dentro, foi extinta. Ewen não era nada parecido com seu pai. Nada.

Seu pai tinha sido precipitado e indisciplinado, selvagem e irresponsável. Ele tinha noção de dever e lealdade.

Ewen sabia exatamente onde seu dever o colocaria, e não era se deitando com ela.

Deu um passo para trás.

— Você está certa. — Deveria agradecê-la por lembrá-lo. Ele não teria esta conversa, porque isso não importava. Ela não importava. Janet de Mar não era para ele.

Não importava que nenhuma outra mulher jamais o afetara como esta. Não importava que ao dar apenas uma olhada para ela o fazia sentir em cada centímetro de todos os ossos, cada gota de sangue no seu corpo excitado com um desejo tão feroz e selvagem que lhe tirava o fôlego.

Inferno, nem sequer importava que gostasse dela. E daí? O casamento não era baseado em gostar e desgostar. Tinha como base o dever, e as pessoas cumpriam seu dever e ignoravam seus desejos pessoais todos os dias.

Homens civilizados “homens responsáveis” simplesmente não tomavam uma mulher só porque a desejava. Seu pai poderia ter feito isso, mas ele não era seu maldito pai. Ele nunca ficara apaixonado por nada, droga. E com certeza não por uma mulher.

Exceto ela.

Ele praguejou. Era apenas alguns dias. Ele poderia lidar com alguns dias enfrentando qualquer coisa — inclusive ser provocado até o ponto de sentir dor.

Quase valeu o desconforto físico dele ao ver a expressão de seu rosto. Seu recuo repentino a tinha desconcertado.

Ela piscou para ele.

— Estou?

Ele assentiu.

— Aye. Não é da minha conta. Mas penso que depois do que aconteceu com sua irmã na ponte, você deveria ser mais cautelosa. — Ela se encolheu, e Ewen sentiu que sua farpa ferira mais profundo do que pretendia. Mas talvez fosse fazê-la pensar. — Agora, se já estiver pronta, devemos ir. — E com isso, ele se virou e saiu antes que a mágoa nos olhos dela o levasse a fazer algo estúpido.

Incomodada com a lembrança de sua irmã, Janet observou-o ir embora. O que tinha acontecido? A um minuto ele a olhava como se não soubesse se devia estrangulá-la ou beijá-la (ela estava esperando um pouco pelo último), e no próximo estava se afastando, como se não se importasse nem um pouco com ela.

Talvez não se importasse mesmo.

A constatação disto a transpassou. Por que estava agindo assim, tão frio e indiferente? Meu Deus, ele parecia mais atraído por ela quando pensava que era uma freira!

Algo mudou entre eles, e não era apenas um véu. Ela tinha pensado...

O quê? Que sentia algo por ela? Que houve algum tipo de conexão especial entre eles? Tinha seus próprios sentimentos a feito ver algo que não estava ali?

Não era sempre que Janet se sentia insegura de si mesma, mas estava se tornando uma ocorrência muito frequente em torno de Ewen Lamont. Como um soldado áspero, rude com habilidades de comunicação limitadas (que soava melhor do que “poupa palavras, mas não sentimentos”) e modos abismais podia deixá-la tão desequilibrada e confusa desafiava sua compreensão. Ela se deparara com milhares de homens como ele (embora admitia que muitos não possuíam o físico semelhante a uma muralha de pedra e era bonito o suficiente para tornar os joelhos dela fracos).

Não sabia o que queria dele. Ele não era ideal para ela — sabia disso. Era muito teimoso, demasiado rígido, muito parecido com seus protetores irmãos e pai do tipo “moças-não-pode-isso-ou-aquilo”. Mas ela não podia negar que o ver novamente fez seu coração vibrar como se fosse uma garota de treze anos de idade, que tinha acabado de conhecer seu primeiro cavaleiro bonito. Sentia-se tola e zonza e corada, tudo ao mesmo tempo.

Templos de Jerusalém, ela não conseguia nem respirar direito! Tudo o que ele tinha a fazer era ficar ao lado dela e a agitação selvagem de seu coração tomava conta de seus pulmões, tornando a respiração acelerada em pequenos suspiros curtos.

E Deus me perdoe se ele a tocar! Se a tocasse, ela se transformaria em uma confusão como uma sopa horrível. Toda derretida e quente, e incapaz de pensar direito.

Estava muito velha para a agir assim. Certamente este tipo de sentimento é de competência de jovens apaixonadas, e não uma mulher de vinte e sete anos que foi basicamente uma freira?

Exceto que não havia — basicamente — quando veio a ser uma freira. Ele a fez lembrar que era mulher. Uma mulher que já não era jovem, mas que sabia exatamente o que pretendia fazer, até ele aparecer e a confundir com seu lado nada-divertido, o diz-qualquer-coisa-que-vem-em-sua-cabeça e de uma maneira de-não-ser-contrariado, seu belo e severo rosto, aquele peito largo e a exibição perturbadora de músculos, e acima de tudo, o gosto feroz de paixão que lhe tinha mostrado o quão longe do véu de freira ela realmente estava.

Ao invés de tentar lembrar de todas as facetas de um beijo que nunca deveria ter acontecido, ela deveria se concentrar em seu trabalho. E, em vez de sentir-se animada com a perspectiva de passar esse tempo com ele ao longo dos próximos dias na viagem ao norte, ela deveria estar com raiva dele por insistir que deixasse a fronteira e interferisse em a sua missão mais uma vez.

O inverno pode ter trazido uma trégua temporária nas batalhas, mas a guerra não tinha acabado. Seu trabalho ainda não estava concluído. Ela precisava voltar no dia de St. Drostan. Janet estava certo de que assim que explicasse tudo para Robert, e ele pudesse ver que estava perfeitamente segura, ela voltaria para seu posto em Roxburgh. O rei precisava dela. Este informante era importante demais para arriscar com outra pessoa. Ao contrário de Ewen, Robert ouviria a razão.

Mas, mesmo assim, odiava a ideia de partir assim. Poderia ter se recusado a ir, se ela não estivesse muito certa que o bruto cabeça-dura poderia atirá-la sobre seu ombro como um bárbaro viking e levá-la embora.

Quando se tratava de cumprir o seu dever como soldado, Janet suspeitava que não havia nada que ficaria em seu caminho. Sim, aquele era Ewen: o soldado perfeito. Ele não criava problemas, fazia o seu trabalho, seguido ordens, sem perguntas — ou tolerando-as, pensou com raiva. Discutir com ele era como tentar argumentar com um muro de pedra.

O que não entendia era porque ela se importava. Ela gostaria de pensar que era porque ele estava interferindo com o seu dever, mas sabia que não era o que deixou o coração dela apertado quando se afastou como se ela não importasse absolutamente nada para ele. Como se o ar simplesmente não tivesse entrado em ebulição entre eles.

E explodi-lo por trazer à tona sua irmã! Ele não entendia nada.

Não sabia se estava mais irritada com ele ou com ela mesma. Ele, decidiu com certeza, enquanto observava as costas dele ficar menor. Ele não se virou — nem uma vez. Nem mesmo para ver se ela o estava seguindo.

O olhar dela se estreitou, sua carranca aprofundando quando notou algo e caminhou até onde ele estava com os cavalos.

— O que há de errado com sua perna?

A ligeira tensão em seus ombros era pouco perceptível, mas estava lá.

— Nada.

Sem aviso, ele circundou suas mãos ao redor de sua cintura, levantou-a, e sem a menor cerimônia estatelou-a para baixo sobre o cavalo. Aconteceu tão rápido que se ela tivesse piscado, poderia ter perdido. Ela se sentiu mais ou menos como uma panela de ferro sendo retirada diretamente do forno.

Ela rangeu os dentes, recusando-se a desanimar. Possuía experiência suficiente em se deparar com paredes de pedra. Ela iria encontrar uma maneira de rompê-lo fazendo-o ceder, de uma forma ou de outra.

— Você estava favorecendo sua perna esquerda ao escalar as rochas. — Ela percebeu isso enquanto tomava o seu caminho até as pedras que cercavam a beira do lago. Ao invés de mover-se com um passo natural, ele parava entre cada passo para conduzir o pé direito.

Como para disfarçar seu erro, ele montou em seu cavalo do lado oposto do que costumava fazer, colocando o pé esquerdo no estribo primeiro. Seus movimentos eram suaves e não havia nenhuma indicação de que isso tinha lhe causado dor, mas ela suspeitava que sim.

Ele se virou para encará-la.

— Como disse, isto não é nada.

O aborrecimento se voltou para algo mais quando as consequências a golpearam. Os olhos dela se arregalaram alarmados.

— Você está ferido!

Ele instigou seu cavalo para se afastar, como se sentisse que ela poderia alcançá-lo.

— Eu levei uma flechada na perna há algumas semanas.

Ela sentiu como se toda a cor tivesse sido lixiviada para fora dela com um simples aperto.

— Você foi ferido na guerra?

Entre todas as coisas que tinha pensado nos últimos meses, sua mentira a respeito da dor não era uma delas. Ele pairava tão másculo em sua mente, parecia tão grande e indestrutível, que nunca tinha considerado...

Paredes de pedra não se feriam!

Oh Deus, e se ...?

A leitura da expressão dela, o amoleceu.

— Foi uma pequena lesão, com certeza.

Mas ela não acreditou nele. Uma flecha poderia deixar um rastro de destruição muito maior com sua cabeça pontiaguda se fosse profundo. Caso a pessoa que a puxou para fora não possuir habilidade. Se o ferimento não cicatrizar. Se apodrecer. Se ele ficar febril.

Baixou os olhos para a perna dele. Era sua imaginação ou tinha um grande círculo escuro no couro ao longo da lateral de sua coxa?

Seu estômago retraiu.

— Ainda está sangrando?

— Nay. — Ele mentiu.

Antes que ela pudesse interrogá-lo ainda mais, ele sacudiu as rédeas e começou a avançar.

O medo esquecido e furiosa, mais uma vez, cavalgou ao lado dele.

— Alguém precisa dar uma olhada nisso.

Ele não se incomodou em se virar para olhá-la, mas sua mandíbula apertou.

— Alguém o fará. Ela verificará isso novamente quando voltarmos.

Ela?

— Posso dar uma olhada nisso, se quiser. — Durante estes últimos anos fingindo ser uma freira, ela tinha trabalhado bastante como enfermeira.

Ele olhou para ela.

— Isso não será necessário.

— Mas já cuidei...

— Helen não é uma enfermeira. Ela é uma das melhores curandeiras que já vi. Ela poderia ser um médico, se quisesse.

Se fosse verdade, seria uma conquista extraordinária. Ela nunca ouvira falar de um médico do sexo feminino. Janet sentiu uma pontada forte no peito. A admiração na voz dele quando falou da habilidade da mulher não podia ser ignorada — e nem poderia sua falta de respeito para com as dela. Achava que ele fosse um homem como seu pai e irmão, que não podia aprovar uma mulher em outra posição que não esposa e mãe, mas aparentemente estava errada. Era apenas ela quem ele não aprovava.

Mas havia algo mais pelo modo como ele falou o nome da mulher. Uma familiaridade. Um carinho.

— Ela deve estar muito velha para conseguir realizar isso.

Ele a olhou de forma esquisita, como convinha a pergunta.

— Helen não é velha. Ela é mais jovem do que você.

Esta farpa foi mais como uma punhalada. Ela realmente achou sua franqueza ao falar e seus modos insensíveis encantadores? Ele a achava tão velha? Já passara do primeiro rubor da juventude, certamente, mas gostou da maneira como seu rosto tinha amadurecido. Ele via algo que ela não enxergava?

— Como sabe o quem tem debaixo de todas as verrugas e rugas?

Ele a fitou como se fosse maluca, que era exatamente como se sentia.

— Você não tem verrugas ou rugas.

— Eu não, — ela disse, a frustração crescendo dentro dela e ameaçando transbordar num dilúvio de lágrimas embaraçosas. — A curandeira. Curandeiras são sempre velhas e enrugadas, com muitas verrugas e rugas.

Ele jogou a cabeça para trás... e riu. A visão era tão rara e maravilhosa que, por um momento, isso roubou-lhe o ar. O peito apertado.

Ah Deus.

Ah não.

Ele parecia tão diferente. Tão feliz e despreocupado. Nem rígido e intransigente absolutamente. Ele parecia... Ele parecia com um homem que poderia roubar o seu coração sem ao menos tentar.

Então ele falou e estragou tudo.

— Helen é uma das mulheres mais belas que já vi. Mas eu com certeza vou contar isso a ela.

Ele riu mais um pouco, e Janet desejou poder afundar na sela e desaparecer.

Ela se sentiu como uma tola e pior, uma tola ciumenta. A única coisa boa foi que ele não pareceu ter qualquer pista sobre o motivo das tolas perguntas dela.

Janet caiu em um silêncio raro... enquanto tentava pôr em ordem suas emoções emaranhadas.

Ele não apenas, obviamente, respeitava esta Helen por suas habilidades, como também a achava bonita. E naquele momento, com o aperto no seu coração e as lágrimas ardendo nos olhos, Janet soube que queria que ele sentisse o mesmo com relação a ela. Por alguma razão, o respeito dele era importante para ela. Ele não podia lhe ser tão indiferente. Este homem exasperante que perturbara os pensamentos dela durante meses! Isso não pode ter acontecido apenas com ela, e pretendia prová-lo. Mas como?

Ela teve tempo de sobra para considerar suas opções enquanto cavalgavam para o norte por quilômetros, não reconstituíram seu percurso ao longo da estrada, mas circularam através das colinas e florestas. Estava anoitecendo quando ele finalmente parou em um pedaço denso de árvores perto de um rio, que ela assumiu que era o Tweed, o mesmo que eles tentaram cruzar no caminho para Berwick anteriormente. Ela olhou em torno procurando uma ponte ou um vau17 para atravessar, mas não viu nada.

Ele desmontou e, em seguida, moveu-se para ajudá-la a fazer o mesmo.

— Vamos descansar aqui até que esteja escuro.

— Pensei que estávamos indo encontrar os outros?

Um lado de sua boca se curvou.

— Estamos. Eles estão aqui.

Ele assobiou, e um instante depois, três figuras saíram das sombras como fantasmas. Grandes fantasmas temíveis vestidos da cabeça aos pés de preto. Mesmo seus elmos foram enegrecidos. Estavam apenas a poucos passos dela, mas não os tinha visto. Eles pareciam misturar-se na noite.

Ela deu um passo para trás, procurando inconscientemente a proteção de Ewen. Sua mão deslizou ao redor da cintura dela para firmá-la, como se pertencesse ali. Ela se afundou contra ele, deixando a força dura de seu corpo cercá-la e envolvê-la em seu calor.

O medo se dissipou, e sentiu-se relaxar.

Então ela sorriu. Não foi porque reconheceu MacLean. Estava contente o suficiente por rever o guerreiro que tinha visto pela última vez escoltando Marguerite de volta à Abadia de Melrose, no entanto esta não foi a causa de sua felicidade. Não, a causa de sua felicidade estava pressionando duramente contra suas nádegas.

Seja o que for que queria que ela pensasse, Ewen Lamont não era indiferente. E acabava de lhe mostrar como provar isso.


CAPÍTULO 11

 

Ewen passou anos de treinamento aprendendo a escutar e seguir seus instintos, mas neste caso eles o desapontaram. Era instinto que o fazia se agarrar a ela quando percebeu que estava assustada, mas tendo que se lembrar de cada curva e contorno pressionado contra ele remetia a outros instintos. Instintos muito primitivos e poderosos.

Ele pensou que tinha domesticado a besta selvagem dentro dele, mas isso estava rugindo novamente. O sangue correu por ele, quente e acelerado, concentrando-se em uma área particularmente dolorosa. Inferno, não precisava de um martelo de guerra, já tinha um batendo encostado no seu estômago.

Esperava como o inferno que ela pensasse que era uma arma exatamente que estava sentindo, mas a lã da roupa do fazendeiro não escondia a reação do seu corpo quase tão bem como o couro da sua armadura.

Ele deixou sua mão deslizar da cintura dela deu um passo para longe, descontando sua frustração nos seus amigos.

— Maldição, tirem seus elmos! Vocês a estão assustando.

MacLean foi o primeiro, e então saiu das sombras para a penumbra. Ele fez uma leve curvatura para ela.

— Minha senhora.

Janet se recobrou depressa. Os modos, graça e elegância condizentes com a filha de um conde emergiram muito facilmente. Ewen se perguntou como não reconheceu isto imediatamente.

— Janet — ela o corrigiu. — Por favor. Embora eu tema que não fomos apresentados apropriadamente antes.

MacLean sorriu, uma rara ocorrência para sua fachada sombria.

— Dadas as circunstâncias, foi compreensível, Lady Janet.

Ewen não perdeu o sorriso agradecido que ela lançou na direção de MacLean por sua compreensão a mentira dela nem o que ela lançou para ele.

Outras apresentações foram feitas, MacKay primeiro e então Sutherland, e Ewen sentiu seu temperamento esquentar a cada palavra bem-educada. Os guerreiros implacáveis, mais salteadores do que cavaleiros com quem ele lutou ao longo de meses soavam como malditos cortesãos saídos de algum conto bardo.

Habilidades de cavalheirismo, ele se lembrou da zombaria dela. Que uso um guerreiro das Highlands tinha para isso?

Nenhum. Mas nunca sentiu falta delas tão intensamente.

Sutherland continuou olhando fixamente para ela, como se não pudesse acreditar em seus olhos. Por alguma razão, isso fez Ewen querer quebrar seus dentes com o punho. As duas mulheres eram completamente diferentes — ele não podia ver isto?

Janet pareceu divertida pela reação do seu cunhado. Ou talvez estivesse acostumada a isto.

— Nós parecemos tão iguais?

— Eu me desculpo — Sutherland disse com um sorriso. — Vocês são. A semelhança é estranha.

Ele lançou a Ewen um olhar como se ele devesse tê-lo avisado.

— Elas são gêmeas — Ewen o lembrou. Que diabos ele esperava?

— Realmente, nós não parecemos tão iguais da última vez que vi minha irmã — Janet disse. Sua expressão anuviou, como se a memória lhe causasse dor.

Sutherland balançou a cabeça.

— Bem, você parece agora.

O modo que os soldados dele não conseguiam parar de olhar para ela estava começando a irritar Ewen.

— Elas não são tão parecidas. Na luz você verá que os olhos de Janet são mais verdes. Seu cabelo é mais curto e não tão loira. Janet também tem uma pinta em cima do seu lábio direito, o que Mary não tem. O rosto da Mary é mais redondo e ela não é tão esbelta quanto Janet.

Ewen percebeu que ele falou demais quando todos os rostos viraram na sua direção — o de Janet com um franzido na testa e seus três amigos com variados níveis de surpresa e especulação. Ele não tinha um osso covarde em seu corpo, mas sentiu o súbito desejo de rastejar para baixo de uma pedra e se esconder.

Sutherland ergueu uma sobrancelha.

— Só isso? — Ele disse com voz arrastada.

Ewen sabia o que ele estava pensando, mas estava errado.

— É meu trabalho notar detalhes — lembrou a eles.

Nenhum dos homens acreditou nele, mas pelo menos Janet não pareceu entender. Ela estava olhando para ele, sacudindo a cabeça.

— Seria melhor não deixar minha irmã ouvir você dizer isto. Não acho que ela apreciaria ser chamada de “redonda”.

Ele franziu o cenho, perplexo. O que estava errado com redondo?

Sutherland explicou.

— Mulheres que acabaram de ter bebês podem ser sensíveis a respeito de seu peso.

— Ela não acabou de ter um bebê. William já tem sete meses.

Houve um gemido coletivo, os quatro dando a ele olhares piedosos, aparentemente desistindo de explicar.

— Troque-se — MacKay disse. — Assim que estiver escuro, quero sair daqui o mais rápido possível. — O grande Highlander esquadrinhou as árvores com o mesmo tipo de cautela que Ewen sentia. — Algo não parece certo.

Então não era só ele. Perguntou-se se estar com Janet era o que o estava colocando no limite. Era, mas tinha outra coisa também.

Ele assentiu e virou para ela.

— Você vai precisar se trocar também. Esse véu branco se destaca como um farol.

— Realmente — Sutherland interrompeu — sua irmã pensou que você poderia ficar mais confortável e atrair menos atenção nelas — ele estendeu um pacote de roupas, — pelo menos até chegarmos às Highlands.

Ela sorriu enquanto pegava o pacote.

— Isso foi muito previdente da parte dela, embora eu não fique surpresa. Mary sempre foi a que pensava à frente.

Sutherland deu a ela um olhar de desculpas que Ewen não entendeu de imediato.

— A roupa pertence ao meu escudeiro.

O que no Hades?

Janet parecia tão chocado quanto ele com a sugestão de que ela se vestisse como um rapaz.

— MacRuairi sugeriu isto — Sutherland disse antes que ele pudesse objetar. — Ele disse que isso ajudou quando trouxe sua esposa da Inglaterra.

Lachlan MacRuairi tinha deslizado com Bella MacDuff através das defesas inglesas duas vezes.

— Um dos parentes de Christina? — Janet perguntou.

— O irmão dela — Ewen respondeu.

Pelos seus olhos arregalados, Ewen adivinhou que ela conheceu Viper antes.

— Tem também um vestido aí para mais tarde — Sutherland disse. — Mary disse que você não gostaria de chegar na corte vestida como um rapaz.

Janet riu.

— Minha irmã se lembra bem de mim.

Ewen suspeitava que era o único que viu o temor misturado com a melancolia que cruzou o rosto dela. Por que estava ansiosa em ver sua irmã? Pelo que ela arriscou por Mary, assumiu que elas eram próximas. Mas então se lembrou da reação dela à sua farpa. Era culpa? Era isso o que conduzia a moça?

— Tem algum lugar em que eu possa me trocar? — Ela perguntou.

— Tem a choupana do velho pescador nas árvores ali ao lado do rio — MacLean disse, apontando para as árvores. — Eu vou te escoltar.

O inferno que ele iria! Ewen confiava em seu parceiro com sua vida, mas não confiava que ele tivesse mais autocontrole que Ewen teve na mesma situação.

— Eu vou — disse numa voz que não deixava brecha para nenhum argumento. — Tenho que recuperar minha armadura de qualquer forma.

Escondeu seus pertences em um buraco largo entre duas pedras nas proximidades. Não era grande suficiente para servir como caverna, mas fora um lugar perfeito para esconder suas armas e armadura valiosa enquanto foi buscá-la.

Ele se afastou antes que alguém pudesse discutir e só relaxou quando ouviu seus passos atrás dele. Apesar de isso doer como o diabo, Ewen não diminuiu suas passadas largas, colocando seu peso total na perna direita. Ele não percebeu que esteve favorecendo a esquerda até que ela apontou.

O calor do sangue em sua coxa lhe disse que o ferimento reabriu, mas Helen veria isso quando eles retornassem. A última coisa que queria era Janet em cima dele exagerando — ou, Deus não permitisse, tocando nele.

Ele sorriu, pensando na estranha conversa que teve com Janet sobre a esposa de MacKay. Velha, com verrugas e rugas? De onde a moça veio com isto?

Ele parou quando chegaram à velha choupana do pescador. Era uma simples estrutura de pedra — as pedras planas foram colocadas juntas sem argamassa — o que alinhava um pouco de lado, mas parecia firme o bastante. A maior parte do telhado de turfa original se foi. Isso não a protegeria dos elementos, mas forneceria toda a privacidade que precisava para se trocar.

— Você precisa de mim para acender uma tocha?

Ela olhou para o céu e balançou a cabeça.

— Tem luz suficiente para eu me trocar. Não vou demorar muito. — Ela estremeceu. — Está muito frio para demorar. Parece como se fosse nevar.

Ele suspeitava que ela estava certa, os próximos dias não seriam confortáveis de qualquer forma. Mas pelo menos o frio ajudaria controlar seu outro desconforto constante.

Ele deu uma leve curvatura com sua cabeça e começou a se afastar, quando ela o deteve.

— Espere!

Ele deu meia volta lentamente — relutantemente.

Ela mordeu o lábio, parecendo envergonhada. Ali havia luz suficiente para ver o rubor em suas belas bochechas.

— E-eu — ela gaguejou. — Eu preciso de alguém para me ajudar a afrouxar minha túnica.

Ewen ficou imóvel, cada músculo em seu corpo enrijecendo. Ele pensou em despi-la por vezes demais para a imagem não saltar imediatamente para a frente da sua mente, onde não seria desalojada. Ele imaginou o vestido escorregando por seus ombros, revelando a pele pálida e aveludada centímetro por centímetro. Podia ver o arredondamento alto e sedoso dos seus seios, as costas esbeltas e a curva lisa da sua bunda.

Ele fechou os punhos bem apertados. Sangue de Deus, suas malditas fantasias estavam se tornando reais!

Que era exatamente por que ele não podia fazer isto.

— Não sou uma maldita criada.

Ela ergueu uma delicada sobrancelha.

— Se você acha que não pode dar conta, vou pedir a um dos outros. — Ela mordeu o lábio, aparentemente considerando. — É difícil descobrir quem teria mais experiência com vestidos de damas. — Deu a ele um sorriso insolente. — Eles todos são bastante bonitos, você não acha?

Ele não achava nada. O músculo em sua mandíbula saltou. Suas veias incharam enquanto fogo rugia por seu sangue. Se alguém ia tocá-la, seria ele. Todos seus três irmãos estavam casados — dois deles muito felizes, — mas ele estaria condenado se lançasse aquele tipo de tentação no caminho deles. A moça tinha um corpo que podia deixar um homem fraco. Inferno, ele estava fazendo um favor a eles. Era um maldito modelo de abnegação.

Ele investiu para cima dela tentando segurar as rédeas da explosão súbita de raiva.

— Vou fazer isto.

Ela olhou para ele com aquela expressão inocente no rosto.

— Se você acha que consegue.

Os olhos dele estreitaram. Inclusive através do véu de raiva, percebeu que a moça estava tentando provocá-lo. Encontrou seu olhar desafiante com o dele.

— Se você se lembra, isso não é nada que eu não fiz centenas de vezes antes.

O aperto da boca dela disse a ele que o golpe foi bem colocado. Não era o único com raiva agora.

— Eu me lembro.

Ela não se deu ao trabalho de esperar que abrisse a porta e caminhou para dentro. Ele a seguiu.

Um frio cheiro bolorento encheu o ar. Isto era realmente somente a concha de uma construção, com poucos pertences pessoais deixados ali dentro. Mas ele achou uma mesa com uma de suas pernas quebrada, limpou a maior parte da sujeira e pó do topo, e a escorou para ela ter algo para pôr a pilha de roupa.

Apesar da úmida desolação de seu ambiente, Ewen estava dolorosamente ciente da intimidade da situação. Estavam sozinhos em uma pequena instalação escura com não mais do que três metros quadrados, sozinhos na escuridão. Ele podia ouvir a suavidade da sua respiração e cheirar o odor de jacintos lá longe.

Precisava sair daqui.

— O que você precisa que eu faça? — Ele estalou.

Ela não deu importância para sua óbvia impaciência.

— Eu pensei que depois de tantas vezes você saberia.

A moça o estava provocando direto, mas por quê? Ele não disse nada, mas o olhar que deu a ela era aviso suficiente.

Ignorando-o, ela começou a puxar os grampos de seu véu e touca. O coração dele começou a martelar conforme meio que antecipava, meio que temia o momento que estava chegando. Não pensou que estava respirando quando ela finalmente terminou. Puxando o último pedaço de tecido do seu cabelo, ela sacudiu a cabeça e fez um som de tal prazer, que enviou uma onda de calor correndo para seu pau que nenhuma lealdade e dever podia conter.

— Céus, isso é tão bom! — Ela suspirou.

Isso parecia mais como o inferno. Seu corpo inteiro estava tremendo enquanto lutava com o desejo de afundar as mãos através da selvagem cabeleira de cachos dourados que descia por suas costas em um véu sedoso. O odor de jacintos intensificou, e ele quis curvar a cabeça e afundar o nariz dentro do sedoso calor.

Não percebeu que tinha feito um som até que ela virou para ele.

— Algo errado?

Além do fato que a queria tanto e não confiava em si mesmo para se mover?

— Você não pode usar seu cabelo assim.

— Por que não?

— É a cor errada.

Os olhos dela arregalaram e ele percebeu como suas palavras faladas bruscamente a feriram.

— Tem algo errado com o loiro?

Não era loiro, era castanho mel com manchas de prata, cobre e ouro. Isto era uma justa coroa para uma rainha. Era bonito.

Mas ele dificilmente podia dizer isto a ela.

— Refletirá o luar tanto quanto seu véu.

Ela entendeu.

— Acho que notei uma touca ali dentro. Posso enfiar os cabelos para dentro.

Ela removeu seu manto a seguir. Ele permaneceu imóvel como uma pedra, olhando fixamente para a parede, dizendo a si mesmo para não ser afetado. Não funcionou. Ela deixou a lã preta cair no chão em uma poça aos seus pés e ele se encolheu.

Isto estava perto demais de suas fantasias. Ela estava tentando torturá-lo? Ela tinha alguma ideia do que estava fazendo com ele?

Apesar da expressão sincera, suspeitava que sim. Que diabos de jogo ela estava jogando?

O escapulário veio depois. Com cinto na cintura, tudo que ela tinha que fazer era desatar a corda e erguer o pedaço retangular de lã natural branca acima de sua cabeça.

Finalmente, quando cada músculo em seu corpo estava tenso com restrição, com o esforço que levou para não estender a mão e tocá-la, ela virou com suas costas para ele.

Dando uma olhada para ele por cima do ombro — de forma muito mais sedutora que qualquer serva inocente faria, ela disse.

— Se você pudesse só afrouxar os laços de cima, serei capaz de fazer o resto sozinha.

Ele não sabia se podia fazer isto. Queria tocá-la tão desesperadamente que não sabia se podia parar apenas nas amarras.

Sua boca endureceu. Ele apertou a mandíbula. Dever. Lealdade. Disciplina. Isso só depende de você. Seu clã estava dependendo dele.

Ewen tentou imaginar o rosto de Walter Stewart, mas tudo que podia ver era ela. Os grandes olhos azuis esverdeados, o nariz e queixo minúsculos, as feições graciosamente esculpidas, a boca quente e sensual...

Suas mãos tremeram enquanto as levantava até suas costas. Ele era um guerreiro de elite, maldição. Podia fazer isto. Sobreviveu a chances piores e circunstâncias mais perigosas. Só foco. Concentre-se nos cordões.

Ele fez isto antes. Talvez não centenas de vezes como reivindicou, mas suficiente para que seus dedos não parecessem tão grandes e desajeitados. Mas eles não pareciam se mover direito. Até no topo das montanhas nevadas de Cuillins durante o treinamento, elas nunca se sentiram tão congeladas.

Olhou fixamente para os cordões, suas mãos vindo a uma súbita parada. O cabelo dela estava cobrindo o lugar onde eles começavam. Podia simplesmente movê-los para o lado...

Sem chance.

— Seu cabelo está no caminho — ele administrou firmemente.

— Oh, desculpe — Ela inclinou a cabeça, fazendo com que a massa selvagem caísse para o lado, revelando o topo do vestido e a parte de trás do seu pescoço de um branco cremoso. O convite era inconfundível. Seria tão fácil abaixar sua boca e apertar seus lábios na pele suave e morna…

Foco, maldição!

Ele puxou uma das pontas do arco no topo e deslizou seu dedo atrás dos cordões para soltá-los. Metodicamente, trabalhou seu caminho até embaixo das costas dela tentando não pensar no que estava fazendo. Mas nunca teve mais consciência na sua vida do que estava fazendo.

Era ridículo. Não havia nada particularmente erótico sobre desamarrar um vestido. A camisa de linho que ela vestia por baixo da túnica de lã disforme o impedia de ver a pele nua, mas estava mais excitado por estas tiras soltas do que já esteve por uma mulher nua. Exceto por ela, mas certo como o inferno não iria pensar sobre ela nua agora.

Errado.

Deu um passo atrás, tentando limpar a imagem de sua mente. Ele tinha que se lembrar de cada detalhe de seus seios? De suas costas esguias e estômago? Da curva em forma de coração da sua bunda?

— Isso deve bastar — ele disse, sua voz áspera com desejo.

— Obrigada. — Ela sorriu. — Uma das freiras no priorado não podia ter feito um trabalho melhor.

Por alguma razão, não gostou de ser comparado a uma das freiras. Seu olhar mergulhou no dela.

— Tudo prática, lembra?

Janet lembrou, tudo bem. O que fez sua resistência determinada ainda mais frustrante. Sabia que ele estava se sentindo do mesmo modo que ela: quente, inquieta e ofegante de antecipação, como se cada um dos seus sentidos fosse levantado ao pico. A consciência reverberou entre eles como o crepitar de um raio.

Ela não estava sozinha em seu desejo. Ela podia sentir — sentiu isto duro contra ela.

Janet nunca saiu do seu caminho para atrair um homem, mas alguma coisa nele a provocava para a indecência. Como teve que esconder sua feminilidade três durante anos, parte dela se perguntava se ainda era desejável. Ela pensou que seu pequeno pedido para a ajudar com o vestido seria suficiente para quebrar sua resistência e provar que ele não era indiferente a ela. Esta poderia ser sua única chance de experimentar a paixão. O destino o jogou de volta em sua vida, isto era por uma razão? Mas ele parecia determinado a se afastar, a ignorar seja o que for que existisse entre eles.

Por quê? Era raiva pelo que ela fez? Decidiu refinar um pouco de sua aspereza.

— Por que está agindo desse jeito?

— De que jeito?

— Como se nada tivesse acontecido entre nós.

— Talvez porque o que aconteceu entre nós me fez pensar que eu estaria queimando no fogo eterno?

Janet mordeu o lábio, sentindo-se tão culpada quanto devia.

— Sinto muito por mentir para você. Talvez eu devesse ter dito que não era uma freira, mas estava assustada.

Ele pareceu genuinamente perplexo.

— Assustada com o que?

Ela ergueu o queixo, corajosamente encontrando seu olhar.

— Que sem um véu entre nós não havia nada para me impedir de... de você...

Ela lutou de como dizer a ele que estava assustada que pudesse ter dado a ele sua inocência.

Mas ele compreendeu.

— Eu nunca teria deixado ir tão longe.

Ela inclinou a cabeça, levantando o olhar para ele. Podia não ter muita experiência em tais assuntos, mas não pareceu desse modo para ela.

— Você está tão certo sobre isto?

Ele olhou fixamente para ela, sua mandíbula trancada.

O coração dela apertou. Na semiescuridão, os ângulos do rosto dele pareciam muito mais afiados. Ele parecia mais duro. Mais áspero. Inclusive mais distante. Mas tão bonito que deixava seus joelhos fracos.

Ele não discutiu com ela, o que supôs era concordância suficiente.

Andou em direção a ele. Ele endureceu, mas ela não deixou isto impedi-la de pôr uma mão na frente do plaid dele. Seus olhos se encontraram.

— Não vai me perdoar?

Ela podia sentir a batida feroz do coração dele debaixo da sua palma. Não era diferente da sensação de ter sua mão na tampa de uma panela que estava em cima do fogão fervendo.

Podia ver na intensidade de seu olhar que ele a queria. Podia sentir isto esticando seus músculos. Ele a queria, mas algo o estava segurando. Uma feroz batalha estava guerreando dentro dele.

Ela perdeu.

Ele capturou o pulso dela com sua mão e a removeu de seu tórax.

— Não há nada a perdoar. Você estava certa. Impediu-nos de cometer um erro que não podia ser corrigido. Porque é o que seria, Janet, um erro. Eu sinto muito se o beijo confundiu você, mas isso não significou nada. Seria melhor se você esquecesse que isto algum dia aconteceu. — Ele a olhou diretamente no olho. — Eu já esqueci.

Ela inalou bruscamente ante o duro golpe, surpresa pelo quanto suas palavras francas a atingiram. Antes de poder lidar com a explosão abrasadora da dor em seu peito e garganta para responder, ele se foi.

Quando Janet terminou de colocar a roupa de escudeiro, ela trabalhou a si mesma dentro de tal temperamento que nem sequer notou o frio. Mesmo assim, ela se trocou tão depressa quanto pôde se lembrar.

Um erro? Ela bateu a porta da choupana atrás dela. Como se ele fizesse aquela determinação para ambos!

Ela marchou a curta distância até onde os homens esperaram. Estava escuro agora, mas a luz da lua era forte suficiente através dos tufos de neblina descendo para guiá-la através das árvores.

Esqueceu sobre isto, não é? Bem, ela trataria disso. Ele a arrastou para longe de Roxburgh, ela tinha dois, quem sabe três dias para provar o contrário, e pretendia usar cada minuto deles.

Como ela faria isso não sabia, mas estava certa que alguma coisa viria a ela.

Janet não achou que levou muito tempo, mas todos os quatro homens estavam esperando por ela quando atravessou o círculo de árvores e emergiu dentro da pequena clareira onde eles se reuniram. Eles recuperaram seus cavalos de onde quer que estivessem escondidos, inclusive trocaram os dois cavalos que ela e Ewen tinham montado mais cedo por um par de belos garanhões que pareciam resistentes.

Embora os quatro homens estivessem equipados de forma notavelmente similar (e apavorante) — Ewen trocou seu traje de fazendeiro para o cotun de couro preto, calças largas, plaid, e o elmo nasal enegrecido que ela o viu da primeira vez — e eles eram todos anormalmente altos e com músculos volumosos, ela o identificou imediatamente.

Ninguém disse nada conforme ela se aproximava. De fato, eles todos pareciam estar bastante quietos. Sua mão foi para sua touca de lã. Apesar de ter trançado seu cabelo antes de enfiá-lo para dentro, empurrou alguns fios errantes em suas têmporas de volta só para garantir.

Mas não parecia ser seu cabelo que captou a atenção deles.

Era sua roupa? Ela franziu o cenho, fazendo uma rápida checada no que foi uma vez calções de couro preto e gibão. Ela checou duas vezes para ter certeza que a camisa de linho estava completamente enfiada dentro das calças, mas tudo parecia bom. Realmente, ela preferia pensar que o conjunto se ajustou bastante bem. Os calções talvez estivessem um pouco apertados, mas o casaco curto parecia ter sido feito para ela.

Ela deu uma olhada de volta para os homens, mas todos menos Ewen se viraram e pareciam estar muito ocupados mexendo em seus cavalos.

Ignorando Ewen e sua cara feia que uma vez poderia tê-la intimidado — só Deus sabia o que ela fez desta vez — ela achou sua bolsa, a qual estava escorada numa árvore, e se curvou para colocar seu hábito e o vestido bonito que Mary mandou para ela em seu interior.

Pensou que Ewen fez algum tipo de som estrangulado baixo, mas quando se virou, ele também estava ocupado com seu cavalo.

Ela ficou surpresa de como era confortável vestir calções, e como era estranho ser livre para cavalgar sem todas aquelas saias pesadas. Porém ela estava com frio. O único manto que trouxe com ela era o que usou como capuz mais cedo. Como não parecia muito feminino, ela o deslizou por cima do seu conjunto de escudeiro. Contudo ele não era forrado e desejou que tivesse pensado em trazer junto um plaid extra.

Todos os homens vestiam o mesmo plaid escuro que Ewen vestiu da primeira vez que se conheceram. Parecia preto à noite, mas na luz do dia ela notou as sutis sombras de cinza escuro e azul, misturado com preto. Ela enrugou o nariz, achando isto estranho. Era algum tipo de uniforme, então?

Terminado, ela levantou a bolsa, que pareceu consideravelmente mais pesada com a roupa extra, e caminhou até o que ela assumiu que fosse seu cavalo. Sabia que Ewen a estava observando lutar com suas coisas, mas não fez nenhum esforço para ajudá-la, embora permanecesse bem perto dela.

Se era assim que ia ser, que assim seja. Ele não era o único que podia fingir que “isso” nunca aconteceu.

Uma raia de maldade que esteve enterrada há muito tempo escolheu aquele momento para tornar a emergir. Ele parecia ter a habilidade de fazê-la se sentir muito diferente. De muitos modos diferentes.

Janet virou para MacLean, que ficou a alguns metros de distância com seu cavalo.

— Ewen, você poderia ter a gentileza de me ajudar a subir?

Ela podia ver Ewen endurecer com o canto do seu olho e não precisava da luz do dia para ver seus olhos azuis de aço endurecerem para um cinza duro.

MacLean riu — pelo menos ela pensou que o som era uma risada, mas vindo de uma fachada tão severa não podia ter certeza. Ele e Ewen eram muito semelhantes nesse quesito, mas a severidade do Ewen parecia ter nascido da seriedade, enquanto que a do Eoin tinha um toque mais escuro, mais bravo.

— Eu ficaria muito feliz, Lady Janet. Mas não sou Lamont.

Ela fingiu surpresa, esperando que Ewen pudesse ver o rubor que ela forçou em suas bochechas.

— Me desculpe, mas todos vocês parecem tão iguais que não posso distingui-los. Com esses plaids escuros e elmos, vocês bem que podiam ser os fantasmas do Bruce.

Ela riu, mas ninguém mais se juntou a ela. Realmente, parecia haver um estranho silêncio ali. Isso lembrou a ela das vezes em que entrou no solar do seu pai quando ele estava conversando com seus homens e queria dizer alguma coisa que não queria que ela ouvisse.

Com o canto do olho pôde ver Ewen andar em direção a ela, mas antes que pudesse se mover para ajudá-la, ela virou bruscamente para dar suas costas a ele e estendeu sua mão para MacLean.

O grande guerreiro parecia estar se divertindo, mas avançou para tomar sua mão. Como Ewen, MacLean envolveu suas mãos ao redor da sua cintura e ergueu-a facilmente na sela. Ele era tão forte quanto Ewen e muito mais gentil. Mas ao contrário de Ewen, quando a tocou e ela pôs suas mãos em seus braços musculosos para se preparar, sua pulsação não acelerou, sua pele não corou e seu estômago não deu uma reviravolta.

Lamentável, isto.

Sentindo o peso do olhar de Ewen neles, Janet forçou um ofego de choque recatado em seus lábios. Passou muito tempo desde que ela flertou com um homem, mas isso voltou tão naturalmente que parecia que nunca tinha ido. Ela sempre foi a mais coquete das irmãs, mas isso era mais sua amizade natural que flerte de verdade, e nunca levou isto a sério. Até agora.

Ela olhou dentro dos olhos de MacLean, o surpreendente azul escuro só visível embaixo da borda do seu elmo. Debaixo desse duro exterior cinzento, ele era bastante bonito, ela percebeu. E perspicaz, podia ver em seus olhos.

Flertar com ele não seria difícil mesmo.

— Oh! — Ela deixou os homens ponderar sobre o que aquela exclamação poderia significar. — Obrigado, Eoin. Você deve ter todas as mulheres da corte brigando por sua ajuda. Nem todos os homens são tão gentis. — O olhar dela faiscou para Ewen só por um instante, mas longo o suficiente. — Você ficaria surpreso com a falta de cavalheirismo em alguns.

Sua farpa atingiu o alvo. Ela podia ver os punhos do Ewen apertando em seus lados. Ele estava furioso.

Extremamente furioso para “um erro”.

Extremamente furioso para alguém que tinha esquecido.

Será que talvez ela tivesse encontrado seu caminho para atingi-lo? Ela veria o quanto ele era indiferente quando ela “esquecesse” e virasse seu interesse em outra direção.

— Nem todas as damas são tão fáceis de levantar como você, minha senhora. — MacLean fez uma pausa como se o gentil flerte de brincadeira entre um homem e uma mulher tivesse ficado dormente muito tempo para ele também. — Ou tão prazeroso — ele disse com um sorriso malicioso que ela suspeitava que uma vez teve o coração de muitas servas antes da raiva assumir o controle.

— Se a dama está bastante confortável — Ewen interrompeu, — nós já perdemos tempo suficiente. Quero estar a leste de Selkirk antes da alvorada.

Se MacLean notou a irritação do Ewen, ele não demonstrou. Ele virou para ela.

— Minha senhora?

Ela deu a ele uma piscada conspiradora.

— Confortável o bastante no momento, mas se eu decidir que preciso de uma liteira, vou avisá-lo. — Ela deixou seu olhar sobre seu tórax largo e braços grossos. — Você parece mais do que equipado para a tarefa. — Ele sorriu e ela abaixou sua voz para um sussurro que era alto suficiente para assegurar que Ewen ouviria. — Ele é sempre tão mal-humorado?

MacLean atirou um olhar furtivo para o homem em questão, que os estava encarando tão furiosamente que ficou surpresa que ele não estivesse soltando fumaça pelo nariz.

— Temo que sim, minha senhora.

Ela devolveu o sorriso para ele, pensando que sob as circunstâncias, preferia ela mesma desfrutar.


CAPÍTULO 12

 

A missão tinha que vir primeiro, maldição. Por mais raiva que ele sentisse — e Ewen não podia recordar a última vez que teve tanta raiva — conhecia o perigo à frente dele. Inferno, não só à frente dele, mas em todos os lados. Nas fronteiras predominavam.

Eles não estariam seguros até que embarcassem no birlinn esperando por eles justo no litoral em Ayr — assumindo que Hawk e Viper não foram mandados para outra missão. Então enterrou sua raiva embaixo do chamado do dever, lembrando a si mesmo de tudo que tinha que fazer. Mas estava ali, fervendo, chegando mais perto do ponto de rompimento a cada quilômetro que cavalgavam subindo as suaves colinas de Tweedsdale.

Embora ele preferisse viajar no lado norte da Tweed, as pontes eram fortemente monitoradas. Esta parte das Fronteiras Escocesas eram um labirinto de rios e afluentes. Em certo ponto eles teriam que cruzar a água, mas era mais seguro esperar até que estivessem a oeste de Selkirk, onde existiam numerosos lugares para cruzar que não exigiram uma ponte. Eles podiam ter tentado cruzar no lugar que ele levou Janet todos aqueles meses atrás, mas foi assim que ele e os outros soldados da guarda chegaram, e ele sempre tentava usar uma rota diferente para partir no caso de que alguém os seguisse da primeira vez.

Com os ingleses controlando as cidades da fronteira, ele supôs que não fazia muita diferença: todos os lugares eram perigosos. Mas mesmo viajando a noite com apenas uma única tocha para iluminar o caminho deles, sentia-se exposto. As colinas baixas e vale fértil de Tweedsdale forneciam pouca cobertura natural. Não seria até que eles se aproximassem de Selkirk que as colinas subiriam e as florestas espessariam. Ironicamente, ele estaria retornando a Selkirk em duas semanas com Bruce para conversas de paz.

Esperava alcançar o mais longe de Ettrick, aprofundar naquelas colinas e florestas mais ou menos dezenove quilômetros de Selkirk antes do nascer do sol. Havia uma caverna na área onde eles podiam descansar até anoitecer.

Mas eles tinham horas de perigo e cavalgada difícil à frente deles. Ewen passou as primeiras horas circulando ao redor e atrás deles para esconder seus rastros o melhor que podia e garantir que ninguém os estivesse seguindo. A neve parecia estar tardando, o que era bom. Esconder rastros na neve recém caída era difícil, a menos que caísse de forma rápida e forte.

Ewen tinha sido escolhido por Bruce para a Guarda das Highlands por suas habilidades extraordinárias de rastreamento. Homem ou animal se existisse uma trilha, ele a acharia. Era o que tinha lhe dado o nome de guerra de Hunter. Mas o outro lado do rastreamento era conhecido por esconder seus próprios rastros. E como os fantasmas que alguns pensavam — fantasmas do Bruce, — era responsabilidade de Ewen fazer os soldados desaparecerem.

Ele ainda não podia acreditar o quanto Janet chegou perto da verdade com seu gracejo. Mas felizmente, isso era tudo que tinha sido: um gracejo.

Não que tivesse muito humor para gracejos. Parecia que a cada vez que se juntava ao grupo ou paravam para uma curta pausa — tanto para Janet como para os cavalos — ela estava rindo com um de seus irmãos.

Mas especialmente com MacLean. Seu companheiro estava abanando o rabo como um filhote de cachorro faminto. Quem diabos sabia que Striker podia sorrir? Em todos os anos que Ewen o conhecia, ele nunca viu MacLean assim. Não só sorridente e cheio de graça, mas também conversando. Inferno, ele não pensou que Striker era capaz de firmar uma conversa que não fosse sobre guerra ou estratégia de batalha.

Mas a estranha facilidade que Ewen tinha encontrado com Janet parecia se aplicar a seu companheiro também. E algo sobre isso o deixava no limite — para lá do limite.

A roupa de homem também não ajudava. MacRuairi devia ter avisado. Mulheres com toda certeza não pertenciam a calções de couro — especialmente uns tão apertados. Eles moldavam as curvas femininas de seus quadris e sua bunda com perfeição e enfatizavam as linhas esbeltas de suas pernas surpreendentemente longas. Isso distraía. Distraía condenadamente muito. E ele não foi o único a notar. MacKay e Sutherland pareciam embaraçados, mas MacLean… ele parecia um pouco apreciativo demais.

Era depois da meia-noite quando eles pararam pela segunda vez. Ewen voltou a pé para apagar um pouco das pegadas e espalhar alguns sinais que ele esperava viesse a confundir ou atrasar alguém na trilha deles, quando ouviu uma suave risada feminina vindo da direção do rio.

Os músculos em seu pescoço e ombros agruparam. Foco, maldição! Ele sabia que deveria ignorar. Mas o som raspou cada terminação nervosa em seu corpo. Não podia suportar mais isso.

Assim que se aproximou depois da subida pôde vê-la. Janet estava acomodada em uma pedra e MacLean de pé ao lado dela. Ele estava lhe estendendo algo.

— Obrigada — Janet disse, tomando o que parecia ser um pedaço de carne. — Estou mais faminta do que pensei.

MacLean murmurou algo que Ewen não ouviu e então disse:

— Você está quente o suficiente?

Ewen foi andando a passos largos em direção a eles, mas o som que ela soltou o fez parar na hora. Apertando o plaid ao redor dos seus ombros, ela deu um suspiro encantado que foi direto para sua virilha.

— Maravilhosamente quente — ela disse. — Obrigado por me deixar pegar isso emprestado. Isso foi muito atencioso de sua parte.

Atencioso? MacLean? Ewen nunca o conheceu como sendo tão atento com uma mulher. Qualquer mulher. E ela era a mulher errada.

MacLean deu de ombros. Se Ewen não o conhecesse melhor, pensaria que seu companheiro estava envaidecido.

— Pensei ter visto você estremecer na nossa última parada.

Ewen viu a mesma coisa. Ele estava prestes a oferecer seu próprio plaid — Deus sabia que isso ajudaria a cobri-la um pouco mais — quando MacLean tinha caminhado para ela e entregou-lhe o dele.

Ewen teve que lutar com a urgência de arrancar isso dela. Devia ser o meu, maldição.

Janet olhou para cima conforme ele se aproximava, mas em vez de reconhecê-lo, ela virou para MacLean com um revirar de olhos em sua direção. Isso irritou.

Embora Ewen soubesse que seu companheiro o ouviu chegar antes, foi só então que MacLean olhou de relance em sua direção.

Ele arqueou sua sobrancelha.

— Algo errado?

Ewen segurou seu gênio por um fio.

— Além do fato que eles provavelmente poderem te ouvir conversando a meio caminho de Londres? A menos que você queira que os ingleses venham para cima de nós, mantenham suas vozes baixas. E pare com toda essa maldita risada.

Se Ewen já não soubesse como soou ridículo, suas expressões teriam dito a ele. Mas nada era pior que a rápida troca de olhares de ambos, e Janet sussurrando “mal-humorado” — baixinho, enquanto tentava não rir.

— O que você disse?

Janet sacudiu a cabeça, o contentamento brilhando em seus olhos.

— Nada.

MacLean tentou mudar de assunto.

— Você viu alguma coisa?

Ewen olhou para Janet de cara feia até que ela finalmente ficou séria. Só então respondeu.

— Não.

Ela o estudou, seu olhar avaliador.

— Você está sendo muito cuidadoso. Tem motivos para acreditar que alguém está nos seguindo ou é sempre assim vigilante?

— Se você não notou, minha senhora, as Fronteiras no momento estão ocupadas por tropas inglesas. Não existe essa coisa de muito cuidadoso ou muito vigilante quando se trata de guerra. O fato que você não entende é exatamente o motivo pelo qual não deveria estar aqui.

Ela endureceu e deu a ele um longo olhar fixo que o fez querer dar as costas e se afastar. Sem uma palavra, ela virou bruscamente e disse para MacLean.

— Obrigada novamente. Vejo você lá em cima ao lado dos cavalos.

Ambos a observaram ir embora, Ewen amaldiçoando suas palavras severamente faladas.

MacLean deu um assobio baixo, balançando a cabeça.

— Você foi um pouco duro com a moça, não acha?

Ewen tentou não soar tão defensivo quanto se sentia.

— É a verdade, e qualquer um que fez o que ela esteve fazendo precisa ouvir isto. Isto não é um jogo.

— E você acredita que ela pense que é?

— Acho que ela não tem nenhuma ideia do perigo em que está. — Os olhos do Ewen se estreitaram. — Os homens de Edward não irão devagar com ela se descobrirem o que está fazendo. O fato que ela é mulher não fará diferença. — Ele não precisou lembrar a MacLean do que aconteceu em Lochmaben, ele esteve lá. — Não posso acreditar que a está defendendo. Você permitiria que sua esposa fizesse o que ela está fazendo?

Uma sombra escura cruzou o rosto de MacLean. Não era frequente que algum deles trouxesse sua esposa à tona. Mas talvez estivesse na hora dele se lembrar que tinha uma.

A boca do MacLean afinou em uma linha dura e cheia de raiva.

— Aye, eu permitiria. Se isto significasse que eu ficaria livre dela mais cedo. — Ele fez uma pausa, dando um olhar avaliador para Ewen. — Porém essa foi uma interessante comparação para fazer.

Ewen não gostou do modo que seu companheiro estava olhando para ele, como se soubesse de algo.

— Só pensei em te lembrar da sua, já que você parece ter esquecido.

Ele deu de ombros.

— Eu gosto de Lady Janet. Ela é fácil de conversar.

Maldito inferno, ele sabia disso. Ewen apertou os punhos.

— Ela não é para você.

MacLean deu a ele um sorriso provocador.

— Não percebi que você a reivindicou.

Ewen deu um passo em direção a ele. Eles foram companheiros por cinco anos e atravessaram o inferno juntos. Nunca pensou que sentiria tão perto de bater nele.

— Não reivindiquei. Você sabe muito bem que a moça está prometida a outra pessoa.

A voz do Ewen deve ter revelado mais do que pretendia. MacLean imediatamente recuou, o sorriso provocador substituído por sua expressão severa de sempre.

— Aye, mas a moça não sabe disso. Ela está fazendo isto por você, sabe disso. Está tentando te deixar com ciúme.

Ewen estava atordoado. Era verdade? Seus olhos estreitaram no homem que ele pensou que era seu amigo mais próximo.

— E você aceitou isto?

MacLean deu de ombros sem se desculpar.

— Como eu disse, gosto dela e ela é fácil de conversar, mas queria ver se ia funcionar. — Deu a ele um longo olhar piedoso. — Pela expressão no seu rosto nas horas passadas, eu diria que conseguiu.

Para seu desgosto, Ewen percebeu que MacLean estava certo. Ela chegou nele.

— O que você vai fazer? — MacLean perguntou com ar sério.

O que ele podia fazer?

— Meu dever.

— Talvez você devesse dizer a ela e dar à moça uma escolha?

— Mulheres de sua condição não têm escolha. — E nem ele.

— Eu tive.

Ewen ficou atordoado mais uma vez. Pelo modo como MacLean agia, Ewen nunca teria pensado que ele quis casar com sua esposa MacDowell.

— Você teve?

Algo escuro, raivoso e tão cheio de ódio cruzou o rosto do MacLean que quase fez Ewen dar um passo atrás.

— Eu fiz a escolha errada porque pensei … — ele cerrou os dentes. — Talvez você esteja certo. Entregue a moça para Bruce e não olhe para trás. Você se salvará um inferno inteiro de um monte de problema.

Seu amigo foi embora, e Ewen se perguntou se estava falando sobre ele mesmo ou Ewen. Talvez isso não importasse porque de qualquer modo MacLean estava certo: Janet de Mar era um inferno inteiro de um monte de problema. O tipo de problema que podia custar tudo a ele se não tivesse cuidado.


Por que Janet estava fazendo tanto esforço por um homem que falava com ela como se tivesse cinco anos de idade?

Ela não tinha nenhuma ideia.

O Highlander de mente estreita deixou perfeitamente claro que não pensava que ela deveria fazer parte de qualquer coisa na guerra. Certo. Mas ela pensava diferente, e a opinião dele não mudaria nada. Tinha toda intenção de terminar o que começou. Desde que o rei precisasse dela, contanto que pudesse ser útil, ela se colocaria em tanto perigo quanto quisesse. Ele não tinha nenhum direito de dizer o contrário. Podia fazer cara feia e puni-la até que ficasse azul naquele seu rosto de boa aparência e irritante, mas não tinha que prestar atenção a ele. Não era seu pai ou seu marido.

Graças a Deus.

Era tão difícil entender que o que fazia era importante para ela? Durante os anos passados ela teve um propósito. Algo que ela não apenas gostava e que era bom, mas que também a fazia sentir como se ela importasse. Não tinha ninguém olhando por cima do seu ombro dizendo que não podia fazer alguma coisa. Seria capaz de se tornar o que seu pai pensava como uma falha de caráter em uma mulher — a propensão de fazer um homem ver que ele estava errado — em uma habilidade útil.

E quanto mais ela ajudava, menos ela pensava sobre o passado, e a jovem imprudente que tentou ser uma heroína, mas que apenas terminou causando tantos problemas. Ela devia isto a Mary, mas acima de tudo, a Cailin. Apesar dela nunca se perdoar pela morte dele, pelo menos podia tentar que isso significasse alguma coisa. Mas Ewen queria tirar isto dela.

Nunca pensaria em pedir a ele para parar de ser um soldado. Era o que fazia. Presumivelmente, e pelo que ela viu, ele era bom nisto.

Não que ele algum dia visse a comparação. Para ele, mulheres eram belos acessórios. Uma esposa era alguém para dar à luz seus filhos, cuidar de seus castelos e nunca levantar sua voz em protesto.

Bem, esta não era ela. E Janet viu o que acontecia quando uma mulher que tinha suas próprias opiniões se casava com um homem cabeça dura e superprotetor que assumia que ele sabia o que era melhor. Janet não tinha nenhum interesse em seguir o exemplo de Duncan e Christina. Ou de sua mãe, no que dizia respeito a este assunto. Discussão ou servidão, nenhum era apelativo.

Nenhum dos quais explicava por que seu coração apertou quando Ewen deixou a caverna não muito depois que eles terminaram de comer sua segunda refeição de carne seca, cerveja inglesa e bolos de aveia.

MacKay, que trocou algumas palavras com Ewen antes de partir, veio depois onde ela estava amontoada nos fundos da pequena caverna rochosa. Mal havia espaço para todos os cinco deitarem, mas sem uma fogueira, ela suspeitava que estaria contente pelo calor fornecido pela proximidade deles.

— Você devia descansar um pouco, moça. Nós temos outra longa noite de cavalgada à nossa frente, e o terreno não será tão amigável quanto foi hoje.

— Onde Ewen foi?

— Para o lago. Sua perna estava emplastada com sangue, e eu disse a ele que a lavasse ou Helen arrancaria nossos couros.

Ela se eriçou ante a menção da bela curandeira “mais jovem que você”.

— Helen?

O Highlander robusto sorriu.

— Aye, minha esposa. Ela é uma curandeira. Ela disse a Lamont que se ele abrisse esse ferimento mais uma vez não iria consertar isto novamente. — Ele riu. — Mas ela vai. Não pode evitar. É o que ela faz.

Esposa dele? Janet foi atingida em dobro. Não apenas porque ela esteve com ciúme da esposa deste homem, mas também porque claramente ele estava orgulhoso dela.

— Sua esposa é uma curandeira?

— Aye, uma muito boa.

Não havia mal-entendido no orgulho em sua voz. Bom Deus, um marido que se orgulhava de uma esposa que trabalhava? Milagres aconteciam. Que pena que seu amigo não se sentia do mesmo modo. Mas ele podia? Provavelmente não. Mesmo assim, a possibilidade a intrigou mais do que queria admitir.

— Talvez eu deva ver se Ewen precisa de ajuda. Fiz alguns curativos.

MacKay olhou para ela de forma avaliadora, esfregando sua mão na barba de uma semana em sua mandíbula. Ela pensou que ele poderia recusar, mas eventualmente ele acenou.

— Deixe-me pegar uma coisa para você primeiro.

Janet fez seu caminho descendo o contorno da costa rochosa com o pano e unguento que Magnus forneceu. O amanhecer ainda estava distante, mas o sol já estava fazendo sua presença conhecida, lançando um brilho suave acima do céu nublado. A promessa de neve estava no ar gelado. Sem vento, o tempo estava somente tolerável.

Porém se lavar na água gelada do rio era outro assunto. Suas mãos ainda estavam azuis de seus esforços mais cedo. Então quase a última coisa que ela esperava era ver Ewen emergir meio nu do rio como algum tipo de antigo deus nórdico do mar.

Ela parou de chofre, sua boca ficando seca. Devia se virar. Realmente, devia. Mas não podia. Certo, com toda honestidade, ela não queria.

Já tinha visto homens sem camisa. Até mesmo viu homens musculosos sem camisa. Mas nunca viu o que a fez querer recuar e olhar fixo em admiração.

Estava certa que existia muito bom uso para ombros largos, braços que avultavam com força e um estômago marcado com gomo após gomo de músculo, mas agora mesmo tudo que podia pensar era que ele era bonito. Que era uma vergonha cobrir tal magnificência até com couro e rebites de aço. Que ela daria quase qualquer coisa para pôr suas mãos nele.

Outros detalhes embaralharam por seu cérebro congelado. O triângulo escuro de cabelo em seu pescoço que estreitava para uma trilha fina descendo até sob seus calções — os calções úmidos que desciam por sua cintura e se grudavam nas coxas grossas e musculosas.

Ela mudou seu olhar rapidamente para outra grande protuberância que em que eles se agarravam. Ela era atrevida, mas não tanto assim.

Só teve um minuto antes dele a notar, mas ela fez cada segundo contar.

Ele lhe atirou uma cara feia e agarrou um pano para se secar, esfregando furiosamente as gotas sortudas de água que se agarravam em seu tórax.

Pelo amor de Deus, ela estava agindo como uma apaixonada de treze anos de idade!

Atrasadamente, ela evitou seus olhos.

— O que você quer? — Ele rosnou alguns momentos depois.

Para sua decepção, quando ela olhou de volta ele tinha colocado uma camisa de linho e uma calça.

Ironicamente, agora que ele estava vestido, ela enrubesceu.

— Eu não percebi… — ela mordeu o lábio. — Eu sinto muito me intrometer, mas Magnus me deu um pouco de unguento para cuidar de sua perna.

— Não preciso...

— Sei que você não precisa, mas ele me disse para te lembrar que Helen o culpará se você pegar uma febre e morrer, então era “bem melhor cuidar para que você não morra”. Helen — ela falou irritada o nome da mulher, — a esposa do Magnus.

Ele lhe deu um olhar intrigado.

— Eu sei quem é Helen.

Ela devia estar agradecida que ele não tinha ideia do quanto a deixava ciumenta, mas por alguma razão, sua absoluta falta de entendimento a irritava.

Ele estendeu a mão.

— Dê para mim. Eu cuidarei disto.

Janet apertou seus lábios. — Sei que você acha que sou incapaz de pensamento racional, mas sei o que estou fazendo.

Ele franziu o cenho. — Eu não acho isso.

Ela fez um som agudo.

— É por isso que cada palavra que sai da sua boca é sobre quão estúpida e tola eu sou.

Ele a alcançou e a segurou pelo braço.

— Nunca disse que você era estúpida ou tola. Disse que você não entendia o perigo.

— Mas eu entendo. Exatamente da mesma maneira que você, e ainda assim escolheu fazer o que faz.

Seu cenho franzido aprofundou.

— Não é a mesma coisa.

De repente, Janet se sentiu cansada. Cansada demais para tentar fazer com que ele entendesse. Cansada demais de bater sua cabeça contra uma parede de pedra — não importa quão impressionantemente construída.

Ela o encarou. Ele ainda tinha sua mão no braço dela, mas a deixou cair.

— Vai me deixar ajudar ou não? — Ele hesitou. — Qual o problema?

Seu olhar desviou desconfortavelmente.

— Isto não é… — As bochechas dele escureceram. — Não seria adequado.

Janet olhou para ele boquiaberta. Meu Deus, ele estava corando!

— Você é recatado?

Um lampejo de irritação limpou o rubor.

— Claro que não. Eu só estava pensando em você.

Ela tentou não rir, mas temia que o sorriso se mostrasse atrás de seus lábios apertados.

— Tenho fingido ser uma enfermeira por bastante tempo. Acho que posso me arrumar para não desfalecer com o choque virginal.

Ela daria um jeito. Mas mal e porcamente. Uma coisa era atender homens velhos e mulheres, e outra era ficar a centímetros de distância de um homem que fazia seu coração dar pulos, inclusive quando ele não estava deslizando seus calções — e suas calças — pelo quadril.

Ele deu um jeito de se manter coberto com exceção do topo da parte externa da coxa, mas meu Deus, ela sentia como se estivesse chocada. Como ela ia tocá-lo tão intimamente e não pensar sobre…

Seu olhar voou da grande protuberância (onde para seu horror ela esteve olhando), e o calor acendeu suas bochechas. Só a visão do ferimento a impediu de empurrar o unguento na mão dele, murmurar alguma desculpa e sair correndo de volta para a caverna.

Mas a massa irritada de carne rasgada trouxe-a de volta à realidade. Ela ofegou meio horrorizada e meio afrontada. Embora o mergulho no lago gelado tivesse lavado a maior parte do sangue, ainda era uma bagunça vermelha e irritada. A carne preta incrustada onde o ferimento original tinha sido cauterizado tinha aberto novamente — retalhado, realmente — e sangue estava vazando. Em vez do buraquinho que ela esperava ver, o ferimento cauterizado estava com quase cinco centímetros de distância de uma borda a outra e com forma esfarrapada, como se alguém tivesse acabado de puxar uma seta para fora sem pensar ou se importar.

Seus olhos encontraram os dele com acusação.

— Como você pôde deixar isso ficar deste jeito e não dizer nada?

— Não está tão ruim — ele disse defensivamente.

Ela fez uma cara feia, não se dando ao trabalho de dar uma resposta e se pôs a trabalhar.

Mas mesmo sua raiva não podia mascarar completamente os efeitos de tocá-lo, e suas mãos tremiam quando começou a aplicar o unguento.

Pensando para manter sua mente na tarefa, ela perguntou:

— Quem puxou a flecha? Presumo que não foi Helen.

Ele deu uma risada áspera.

— Dificilmente. Ela estava furiosa que não esperei por ela.

Ela devia saber.

— Devia ter esperado. Você fez uma bagunça.

Ele deu de ombros sem se desculpar.

— Não havia tempo. Eu estava no meio de uma batalha e estava me atrapalhando. Estava mais fundo do que eu pensei. Bateu no osso e parou.

— Você podia ter morrido pelo sangramento.

Um lado da sua boca levantou.

— Não foi tão ruim. Parece muito pior agora já que se abriu mais algumas vezes.

— Você algum dia pensou em deixar isso curar? — Ele deu de ombros e começou a dizer algo, mas ela o deteve. — Deixe-me adivinhar: não havia tempo e você estava lutando.

Ele sorriu e parou seu coração com uma piscada.

— Moça esperta.

Ignorando o martelar em seu coração causado pela rara exibição de infantilidade, ela revirou seus olhos para longe e retomou sua tarefa. Depois de terminar com o unguento, começou a enrolar o pano limpo ao redor da perna dele, mas assim que sua mão mergulhou em direção ao interior da perna, ele agarrou seu pulso.

— Eu farei isto.

Seus olhos se encontraram e o martelar começou tudo de novo — mais forte desta vez e mais insistente. Ela não podia escapar disto. Estava dentro do seu peito, em seus ouvidos, em sua garganta. Roubava sua respiração.

Ela precisava...

Queria...

Os olhos dele a puxavam para dentro. Ou talvez fosse sua mão ainda segurando o pulso dela? Ela não sabia, mas em um minuto estava olhando fixamente dentro dos olhos dele e no outro estava no seu colo, sua outra mão estava no ombro dele, seus lábios estavam nos dele e ela estava quente de novo. Talvez mais quente do que já esteve em sua vida.

Era tão bom. Ele era tão bom. O calor da sua boca na dela. A suavidade aveludada de seus lábios. O cheiro de especiarias mentolado de sua respiração, e o cheiro fresco da água que ainda se agarrava à sua pele e cabelo.

Ela fez um suave som choramingando, inconscientemente abrindo sua boca e aprofundando no beijo.

Ele fez um som baixo de rosnado, abrindo a boca acima da sua, e por um momento ela pensou que ele queria aprofundar o beijo. Sua pulsação saltou e calor espalhou por ela enquanto antecipava a punhalada profunda de sua língua a reivindicando, e a força de seus braços embrulhando ao redor dela.

Beijá-lo era diferente de qualquer coisa que ela já imaginou. Podia se perder na perfeição das sensações a assaltando. Era como se estivesse flutuando. Navegando em um mar de sensação. Subindo a escadaria para o céu. Sendo transportada para uma terra mágica cheia com novas e maravilhosas possibilidades.

Isso era novo. Era excitante. Era perfeito.

E então estava acabado.

Ele fez um som baixo áspero e estrangulado em sua garganta, quase como se estivesse com dor, e investiu duramente.

Por um momento, Ewen esqueceu de si mesmo. Por um momento, sua proximidade e o sentimento de suas mãos nele se provou demais para resistir. Ele podia ver nos olhos dela, sentir no tremular da pulsação debaixo de sua mão enquanto segurava o pulso dela, e praticamente saborear isto em seus lábios.

Ela o queria, e nem toda a terra na Escócia ou todo o dever e lealdade no mundo para os Stewarts e seu clã podiam impedi-lo de querê-la de volta. Então quando sua boca se moveu em direção à dele não fez nada para parar. Ele a deixou cair, deixou-a deslizar no seu colo, e deixou seus lábios se juntarem mais uma vez.

Ele simplesmente não tinha antecipado o golpe no peito que o incapacitou com desejo, o desejo avassalador que o atingiu, o prazer entorpecedor ou o desejo feroz e quase irresistível de tomá-la em seus braços e fazê-la sua.

Como um beijo podia fazer isso a ele? Como podia o simples contato dos lábios dela nos seus deixá-lo tão fraco? Desnudá-lo de quase tudo em que acreditava?

Porque era tão bom. Realmente bom. Isso se sentia como nada que ele já experimentou antes. Parecia grande, poderoso e significativo. Parecia que nada mais importava com exceção deles dois. E para aquele momento precioso no tempo sentia outra coisa também. Parecia perfeito.

Teria sido perfeito. Ele sabia sem sombra de dúvida que fazer amor com ela seria tão perto do céu como ele algum dia esperava alcançar neste lado do portão. Mas ele só teve pensamento consciente suficiente, só força suficiente restante para pôr fim nisto. Porque não importa quão desesperadamente queria alguns minutos de céu com ela, restaria uma vida inteira de inferno e recriminações.

Ele não era seu pai. Não podia ignorar seu dever e responsabilidades. Mesmo por ela.

Mas o olhar no rosto dela rasgou sua resolução em pedacinhos. Ela parecia atordoada e perdida, e excitada demais para qualquer donzela inocente.

Inferno, quase desejava que ela voltasse a fingir ser freira. Pelo menos então ela tentaria esconder seu desejo. Mas não mais. Isso estava ali, nu, olhando fixamente para ele, desafiando-o a tomar o que ela oferecia.

Ele fechou os punhos bem apertados, assim não a agarraria novamente e então lhe deu as costas. Recordando o estado de suas roupas, ele terminou de enrolar o pano limpo em torno do ferimento e puxou seus calções para cima. Mas as camadas finas de pano não eram suficientes. Ele necessitava de uma armadura e cota de malha inglesa para se proteger contra ela — e isso provavelmente não seria suficiente.

Ela ainda estava de pé ali o observando quando ele terminou. Desejava que não tivesse olhado para ela. O olhar atordoado se transformou em outra coisa: dor. E isto apunhalou seu peito como uma lâmina cega.

— Existe... há... algo errado?

Ele se endureceu contra o desejo de confortá-la. Para oferecer sua reafirmação. Para dizer a ela que era perfeita demais — que este era o problema.

Não podia encontrar seu olhar quando disse:

— Você não devia ter me beijado.

— Eu não… — Seu protesto parou quando ele olhou para ela. Estava quase amanhecendo e existia luz suficiente para ver os pontos de rosa escuro em suas bochechas. — Você não pareceu se importar tanto na última vez.

Ele detectou o desafio cintilando em seus olhos e sabia que seria melhor pôr um fim nisso.

— Como eu disse a você antes, não estou mais interessado.

O cintilar se transformou numa faísca completa.

— O que mudou? Fora o fato que você agora não pensa que sou uma freira.

Ele ignorou o sarcasmo pesado.

— O fato que você não é uma freira não faz qualquer diferença. Você é a cunhada do rei e é meu dever te devolver a Dunstaffnage, isso é tudo.

— Então isto não significa nada para você? O fato que você está aqui não significa nada?

— Sou um guerreiro, Janet, vou e faço o que me dizem para fazer. Estou aqui por uma única razão: fazer meu trabalho. Não leia qualquer coisa a mais nisto.

Ela inalou agudamente, seus olhos arregalando. Ele nunca bateu numa mulher na sua vida, mas de alguma maneira sentiu como se tivesse acabado de fazer isso. A onda de remorso o atingiu com força. Ele não queria magoá-la, maldição.

Ele nem sequer queria ter esta conversa.

Não devia precisar explicar isto a ela. Era óbvio. Não era assim que isso era feito. Eles não eram livres para seguir seus sentimentos. Não eram livres para casar. E ela com toda certeza não estava livre para fazer qualquer outra coisa. Ela devia saber disso.

Mas se esperava que ela corresse, ele era quem devia saber melhor. Ela era Janet de Mar. A cunhada de um rei e filha de um conde. Não era doce e dócil, mas atrevida e confiante. Não se acovardava ou corria do perigo, encontrava de cabeça erguida com um punhal na mão.

Como ela podia ter sequer pensado que ele a acharia estúpida? A acusação o surpreendeu. Cristo, se nada mais, a moça era muito inteligente — e aliás, cabeça dura e teimosa demais. Atrevida, confiante, cheia de opinião — nenhuma das coisas que uma mulher devia ser. O que com toda certeza não explicava por que ele gostava tanto dela.

Estava tentando protegê-la das coisas horríveis que ele viu, mas ela tomou sua preocupação como crítica, como falta de inteligência, como paternalista. Ele se encolheu por dentro, percebendo que pela perspectiva dela provavelmente era. Mas não queria dizer isto daquele modo, maldição. O que ela esperava, que ele se recostaria e a deixa ser capturada pelos ingleses? Torturada? Morta? Era quase como se ela quisesse que ele protelasse seu julgamento. Isso era maluquice, não era?

Stewart gastaria um inferno de um tempo detendo-a.

E se ele não pudesse?

A moça era muito propensa a se meter em problemas, como seu próximo passo — em direção a ele — provou.

— Não acredito em você.

Os punhos dele se fecharam. Queria tanto puxá-la de volta para dentro de seus braços, a restrição física doía.

Maldita. Ela não podia ver que isto era impossível?

Ele praguejou, dando um passo atrás (não em retirada, maldição!) e enfiou os dedos pelo seu cabelo. Ele não era bom nisto. Não gostava de conflito. Só tentava manter sua cabeça baixa e fazer seu trabalho. Mas ela não deixaria.

— Que diabos você quer de mim, Janet?

Ela piscou surpresa, encarando-o.

— Eu...

Ela não sabia. Estava agindo por impulso e sentimento, sem pensar. Ele devia saborear o momento de estar à frente dessa língua afiada dela, mas ao invés disso se sentiu triste. Insuportavelmente triste. Isso era impossível, e quando ela pensasse sobre isto o veria também.

— Foi o que pensei — ele disse suavemente antes de virar e ir embora.

Esperava que pela última vez.


CAPÍTULO 13

 

Não era frequente que a língua da Janet ficasse presa, mas a pergunta do Ewen a forçou a se questionar sobre um ponto sobre a qual não queria pensar: o que ela queria dele?

A verdade era que ela não sabia.

Casamento não era uma opção. Assumindo que Robert pudesse ser persuadido a casá-la com e um guerreiro comum — mesmo um quem ele parecia valorizar — o que certamente não era o que ela queria.

Era?

Em vez de dormir enquanto deveria, ela olhou fixamente para a parede de pedra escura da caverna pela maior parte do dia, ponderando aquela pergunta. Janet pensou que tinha sua vida toda planejada. Pensou que era para ficar sozinha. Depois das mortes de dois noivos, a perda de sua família, e o que aconteceu com Cailin e sua irmã Mary, parecia prudente evitar embaraços. Francamente, ela nunca quis se casar e estava contente com a crença que Deus devia concordar com ela. Tornar-se-ia uma freira e continuaria o que esteve fazendo: ajudar o rei pelo tempo que ele precisasse dela.

Certamente era preferível ser tratada como uma serva ou uma criança. Não ser levada a sério. Mimada e “protegida” até que não pudesse respirar. Robert faria o melhor que podia para protegê-la, mas sempre havia um risco.

Mas Ewen a confundiu e a fez se perguntar se havia alguma coisa além do futuro que ela planejou. Uma freira não devia pensar sobre — sonhar — um homem e seu beijo por meses. E uma freira certamente não devia achar seu coração batendo ofegante em antecipação por mais.

Talvez fosse isso. Talvez “mais” era o que ela queria dele. Casamento podia não exerce qualquer interesse para ela, mas estava claro, pelo menos aquilo que o acompanhava exercia.

Ela o queria do modo que uma mulher queria um homem, e não importa o que tentou dizer a ela, ele a desejava também. O que o estava segurando?

Ela não sabia, mas pretendia descobrir.

Mas bom Deus, ela realmente o beijou? Suas bochechas ficaram quentes tudo de novo. Ela supôs que sim. Pensou que ele a puxou em direção a ele, mas quem sabe ela só caiu em seu colo? Tinha algo diferente em Ewen. Algo que a fazia agir com uma coragem incomum — até para ela.

Se ela quisesse “mais” suspeitava que levaria muito mais coragem de sua parte para derrubar aquela parede de pedra. Sua boca curvou. Como a filha de um conde e uma mulher que estava pronta para passar o resto da sua vida como freira, ela realmente não devia estar esperando ansiosamente isto do modo que estava.

Parecia como se Janet tivesse acabado de fechar os olhos quando foi sacudida para acordar por seu cunhado que estava olhando fixamente para ela. Ele era realmente bastante bonito, de um modo quase deslumbrante que chegava a doer os olhos. Talvez até mais do que o primeiro marido da Mary tinha sido, e diziam que o Conde de Atholl foi um dos homens mais bonitos do reino. Ela esperava que Kenneth Sutherland fosse um marido melhor.

Mas Mary sempre foi mais pragmática que Janet. Nunca estabelecia expectativas não realistas e aceitou seu destino com mais graça do que Janet algum dia pudesse administrar.

— Está quase escuro, minha senhora. — Vendo que ela estava prestes a corrigi-lo, ele emendou sua fala. — Janet. Nós precisamos voltar para a estrada.

Ela se forçou a não gemer. A perspectiva de outra longa noite a cavalo, depois de uma curta e desconfortável poucas horas de sono não soava promissor. Mas sabendo que não tinha escolha, ela se arrastou da sua cama improvisada que consistia do plaid emprestado de Eoin e a bolsa de couro que guardava suas roupas como travesseiro, agradecida mais uma vez pelas roupas de garoto. Realmente era muito mais confortável e mais fácil se mover por aí sem camadas de saias incômodas no seu caminho. Quem sabe um dia as mulheres possam ser capazes de vestir tais roupas sem comentários ou escândalos? Ha! E talvez algum dia homens voassem como pássaros.

Ela olhou ao redor da caverna.

— Onde está Ewen? — Ela perguntou a seu cunhado.

A última vez que o viu foi depois que ele retornou do lago e trocou algumas palavras com Magnus. Imaginou que ele retornou enquanto ela estava dormindo.

— Tendo certeza que não estamos sendo seguidos.

— O dia todo?

Sir Kenneth deu de ombros.

— Ele e MacLean revezam. Você não precisa se preocupar. Tenho certeza que ele dormiu um pouco.

Suas bochechas esquentaram.

— Eu não estava preocupada, eu...

Uma confusão do lado de fora da caverna a impediu de terminar seu pensamento. Ewen estava de volta, e pelo tom urgente da sua voz abafada e a troca recortada com Magnus, suspeitou que algo estivesse errado.

— O que é isto?

Seu cunhado sacudiu a cabeça.

— Eu não sei, mas esteja pronta.

Ele foi se juntar aos outros que estavam reunidos na entrada da caverna, enquanto Janet apressadamente juntava seus pertences e enfiava suas tranças de volta para baixo da sua touca. Ansiava correr lá para baixo do rio e se lavar, mas em vez disso fez o melhor que pôde com a água que tinha na algibeira, lavando o rosto e usando um pano e uma mistura de vinho, sal e hortelã para limpar os dentes.

Os homens ainda estavam conversando em tom baixo quando ela abordou alguns minutos mais tarde. Ela olhou de relance além deles para dentro da escuridão na colina coberta de árvores. Os primeiros flocos de neve a longo tempo aguardada começaram a cair.

Inconscientemente, seu olhar buscou o de Ewen. Como se sentindo seu peso, ele levantou o olhar. Seu coração caiu no chão. Soube antes de perguntar: — O que é?

Ela teve nova avaliação por seu modo direto e verdadeiro de falar quando ele não tentou suavizar ou esconder a verdade.

— Nós estamos sendo seguidos.

Ela o surpreendeu. Ewen esperava lágrimas ou pânico, ou pelo menos algum outro sinal feminino de alarme, mas a expressão da Janet mal mudou, seu único sinal de preocupação foi um leve arregalar dos olhos, que quem a estivesse observando de muito perto — como ele esteve fazendo — teria percebido.

Ele podia não gostar da ideia de mulheres na guerra, mas tinha que admitir, sua reação tranquila sob pressão era tão impressionante quanto a de qualquer guerreiro endurecido pela batalha.

Ela não perdeu tempo com perguntas sobre sua certeza.

— O quanto eles estão perto?

— Cerca de quatro quilômetros a leste, indo por este caminho. Eu os vi do topo — ele apontou para a colina acima deles — então com a distância e obstáculos, não posso ter certeza, mas eu acharia que tem pelo menos quarenta homens.

Um leve empalidecer de suas bochechas disse a ele que ela entendia completamente o perigo.

— Como eles conseguiram nos rastrear?

— Eles devem ter tido sorte — se eram os mesmos homens de antes ou novos, ele não sabia. E com toda a certeza não iria perguntar a eles. Eles eram o inimigo, isso era tudo o que importava.

Ewen tinha coberto a trilha deles o melhor que pôde, mas os cavalos, a velocidade em que estavam viajando, a escuridão e o chão úmido tornava impossível esconder todos os rastros. Um bom rastreador — um rastreador muito bom — que sabia o que estava procurando, e adivinhava sua direção geral, podia encontrá-los. Na luz do dia, é claro.

— A escuridão deve atrasá-los.

Ele deu uma olhada para a neve caindo suavemente cobrindo o chão em uma camada fina de branco. Em vez da beleza, tudo que podia ver era desastre. Por que diabos não podia ter nevado enquanto eles dormiam?

Ele não percebeu que franzia o cenho até que ela perguntou:

— Mas?

— Mas a neve vai mostrar nosso caminho como um mapa.

Novamente ela não piscou, e sua estima por ela subiu outro degrau.

— Qual é o plano?

— Nós estávamos justamente discutindo isto — Magnus intercedeu.

Pelo modo que ela olhou de um lado para outro entre os homens, parecia ter adivinhado que havia alguma discordância. Existia. MacLean queria ir mais alto nas colinas e atraí-los para uma armadilha, enquanto Ewen e Sutherland não queriam lutar com Janet por perto. Embora houvesse noventa e nove por cento de certeza que eles ganhariam, sempre havia esse um por cento de chance que alguma coisa pudesse dar errado.

Felizmente, MacKay concordava com eles — por um ponto.

— Nós iremos em direção às colinas e tentaremos despistá-los — disse.

Os ingleses não gostavam de se aventurar no selvagem, por uma boa razão. Bruce tinha o controle do interior, usando as colinas e florestas em sua vantagem para seu novo estilo de pirata de guerra.

— E se não conseguirmos? — Ela perguntou.

— Vamos nos livrar deles de outro modo — MacKay respondeu.

Primeiro tentariam a escolha conservadora, mas se não pudessem despistar seus perseguidores, eles lutariam.

Sutherland sorriu.

— Não tema. De uma forma ou de outros nós conseguiremos te devolver para a Escócia e sua irmã em segurança.

Janet dirigiu o sorriso para ele, mas seus olhos estavam em Ewen.

— Não duvido.

A missão. Ela sabia que ele a realizaria. A exibição de fé devia servir como um elogio, mas ao invés disso pareceu um desafio: Isso é tudo?

Maldição, isto é tudo que podia ser.

Seus olhos se prenderam por um tenso minuto, mas aí ele virou se afastando, a necessidade de partir o mais rápido possível assumindo o comando.

— Certifique-se de não deixar nada para trás — ele a advertiu.

Os homens não precisavam ser informados, mas ela provavelmente não estava acostumada a tomar tais precauções. Ele não queria deixar nenhum sinal de sua presença para trás e facilitar alguém rastreá-los.

Não muitos minutos mais tarde, eles estavam montados e correndo tão rápido quanto a tempestade, e envoltos pela luz que o luar permitia, entrando mais alto a oeste das colinas de Ettrick. Não se atreveram a tentar usar uma tocha, seria como um maldito farol piscando em cima no lado da montanha. O movimento era mais fácil de detectar em colinas como esta, e impedir a si mesmos de serem vistos seria desafio suficiente. Felizmente, o progresso deles não precisava ser dificultado por esforços de esconder sua trilha. Com a neve, Ewen não se deu ao trabalho, a neve não estava descendo forte o suficiente para cobri-los ou quaisquer esforços para varrê-los de lado a tempo.

Seria lento. Os cavalos, apesar de bons, com todo propósito de cavalgar, não eram os cavalos de viagem rápidos, ágeis e de passadas firmes preferidos por Bruce para a assim chamada guerra de piratas da Guarda das Highlands. Mas foram destinados estes cavalos que estavam disponíveis para eles. Nas colinas, neve e escuridão era uma batalha constante para manter os cavalos em um ritmo acelerado.

Mas a cavalgada não era o único problema. Embora fosse uma amazona capaz, Janet não tinha a experiência e fibra de um guerreiro. MacKay, que tinha sido só um cavaleiro passável quando eles começaram, através de anos de experiência, e a teimosia e determinação de um Highlander estoico, forçou uma aptidão que a natureza não pretendia. Mas Janet não tinha aquele tipo de experiência, e estava claro que a noite longa de cavalgada no dia anterior cobrou sua conta.

Conforme a noite chegava, ela lutou para se manter na sela e o controle do cavalo aumentou. Um cavalo precisava de um cavaleiro forte e confiante em um tempo como este, e Janet estava vacilante a cada quilômetro.

Mas ela não reclamou. Mesmo quando sua montaria deu um passo em falso que quase a jogou fora da sela.

Ewen viu isso acontecer no que parecia ser a metade do ritmo normal do tempo. Ele estava observando constantemente o subir e descer de sua sombra quando de repente o ritmo foi interrompido. Ela balançou para o lado — o coração dele fazendo o mesmo — e gritou. Ele a viu deslizando, viu a distância até o chão e percebeu o quanto aquele chão seria duro. Alguns centímetros de neve não amorteceriam e evitariam seus ossos de quebrar.

Ele se atirou adiante para tentar pegá-la, torcendo sua perna no processo. Se não estivesse tão focado nela, a queimação perfurante de dor poderia tê-lo preocupado.

De alguma forma ela conseguiu se estabilizar.

Ele agarrou as rédeas, puxando-as para uma parada.

— Você está bem? — Aconteceu muito depressa, não teve tempo para manter a emoção fora de sua voz. Ela o assustou, maldição. Mais do que ele queria pensar.

O rosto dela estava perdido nas sombras e na escuridão, mas ele pôde ver o movimento dela acenando com a cabeça.

— Acho que sim.

Sua voz tremeu um pouco e ele teve que lutar para não a puxar para dentro de seus braços.

Não é sua.

— Eu sinto muito, tentarei ter mais cuidado.

Ele podia vê-la reajustar o plaid que usava por cima da cabeça como um capuz, que escorregou quando ela quase caiu.

Sua boca endureceu.

— Não é sua culpa. Estas são condições de cavalgada traiçoeiras para qualquer um.

MacKay não viu o que aconteceu por que estava cavalgando adiante com Sutherland, mas deve ter adivinhado.

— Nós estamos forçando você demais.

— Não, realmente, eu posso fazer isto. Vou prestar mais atenção.

MacKay e Ewen trocaram olhares. Apesar de seu protesto, ambos sabiam que isto não estava funcionando.

Quando eles saíram da caverna, tinham cerca de cento e doze quilômetros ou mais para alcançar a embarcação em Ayr, a maior parte disto em terreno áspero. Eles não usariam estradas — não que existissem muitas pelas colinas e florestas no sudoeste da Escócia. Nas poucas horas que passaram, indo o mais rápido que se atreviam, provavelmente cobriram não mais do que dezesseis quilômetros. Ainda que pudessem ultrapassar os ingleses à noite, o inimigo os alcançaria em algumas horas na luz do dia.

Se os ingleses ainda os estivessem seguindo, isto é. E cada instinto em seu corpo clamava que eles estavam. Ewen não podia vê-los, mas podia senti-los pressionando, uma força muito mais ameaçadora que a escuridão nevada ao redor deles. A última vez que se sentiu assim foi cinco anos atrás, quando ele e o resto da Guarda estavam fugindo com Bruce do oeste através das Highlands e o rei fora forçado a buscar refúgio nas Ilhas. Na época, como agora, sentiu como se estivessem sendo caçados. Acostumado a perseguir e não ser a presa, foi uma sensação estranha para ele — e não uma que ele apreciasse.

Eles não tinham escolha. Não se arriscaria com ela. Seu primeiro — e único — objetivo era mantê-la segura.

— Nós precisamos nos separar.

O coração de Janet foi para o chão.

— Separar? Não podemos nos separar. — E se os ingleses os alcançarem? As chances eram horrivelmente contra eles desse jeito.

É por minha causa. Janet odiava saber que os estava atrasando. Não era frequente ser forçada a confrontar suas fraquezas tão abertamente, mas não as escondia deles.

Ela podia não ter a força física ou resistência desses homens, mas era tão determinada quanto e não tinha nenhuma intenção de desistir.

— Por favor — seu olhar ia de um para o outro entre as quatro sombras, desejando poder ver seus rostos. — Eu posso fazer isto.

Pela preocupação na voz de Ewen antes, pensou que ele poderia ter estado preocupado com ela, mas não havia o menor pingo de preocupação agora quando ele estalou.

— Não, você não pode. Você não é um cavaleiro forte suficiente.

Ela se encolheu. Ewen não se deu ao trabalho de suavizar o golpe. A pior parte, claro, era que ele estava certo.

Sir Kenneth tentou aliviar a ferroada das palavras do Ewen.

— O que Lamont quis dizer...

Ela o cortou.

— Está tudo bem. Ele está certo. Não sou forte suficiente. Mas não vejo como isso vai mudar se nos separarmos.

— Eles não estarão seguindo você — disse Ewen com sua típica falta de explicação. O soldado assumiu para conseguir que o trabalho fosse feito. Ele virou para Magnus. — Pegue os cavalos e vá para o norte em direção a Broad law. Com um pouco de sorte Boyd e Seton ainda estarão ali com Douglas e você pode dar a nossos perseguidores ingleses uma boa surpresa. Eu vou para oeste com a moça e usarei como cobertura a floresta. Assim que for seguro, acharei alguns cavalos e os alcançarei em Ayr.

Pelo menos ele queria ir com ela. Não sabia o que teria feito se ele tentasse enviá-la com outra pessoa.

— Eu vou com você — Sir Kenneth disse. Ewen pareceu pronto para discutir quando seu cunhado acrescentou. — Se isto não der certo você vai precisar da minha espada. — Ele fez uma pausa. — Ela é minha irmã.

A mostra de lealdade de família a tocou, mas ainda assim não entendeu.

— Mas como pode ter certeza que eles não seguirão nossa trilha ao invés disso?

Ela quase podia ouvir Ewen sorrindo.

— Nós não teremos nenhuma.

Ela entendeu o que ele quis dizer alguns minutos mais tarde quando se achou trotando pela água gelada de um pequeno riacho. Eles levaram os cavalos para a água, fazendo parece como se o grupo tivesse parado para descansar, e então com Ewen na liderança e Sir Kenneth atrás dela, eles três foram a pé através da água, não deixando nenhum rastro na neve recém-caída (que felizmente tinha diminuído), enquanto Magnus e Eoin cavalgavam para longe com todos os cinco cavalos.

Ela estava tão fria que quase sentiu falta dos cavalos. Quase. Seus pés podiam estar congelando, mas seus músculos e bunda doloridos deram boas-vindas a mudança de movimento, especialmente quando eles pareciam estar indo descer a colina.

Ewen estava certo, os ingleses nunca seriam capazes de seguir o caminho deles agora. Mas quando disse isso em voz alta, ele a corrigiu.

— Rastros podem ser seguidos em água rasa. Você pode sentir as pedras se mexendo debaixo de seus pés? Um bom rastreador veria os sinais. Não é fácil, mas se você souber pelo que procurar é possível. Claro, nossos perseguidores não saberão procurar por isto. — Ele girou ao redor. — Olhe seu passo, tem uma pedra grande adiante.

Janet tomou nota da sombra esticando para fora poucos centímetros da água e deu a volta ao redor dela, puxando seu plaid bem apertado e tendo certeza que a parte de baixo ficava fora da água. Enrolou as extremidades de seus calções de couro, tentando conter o desconforto dos pés e calções molhados.

Ela não perguntaria quanto tempo. Não iria. Ainda que isso a matasse. Não importa o quão frio e miserável, não reclamaria. Não seria capaz de montar um cavalo tão bem como eles podiam, mas certamente podia caminhar longas distâncias. Como mensageira, ela caminhou por quilômetros. Embora nunca assim rápido e nunca através da água fria em dezembro. Suspeitava que se não fosse por ela eles estariam correndo, mesmo carregados com armas e levando todas as bolsas, inclusive as suas. Estava determinada a impressionar Ewen, ainda que isso a matasse.

— Como sabe tanto sobre rastrear? — Perguntou.

— É o que eu faço.

Por que sentiu que era uma atenuação? Suspeitava que ele era bom nisto — muito bom nisto.

— Você realmente é um dos fantasmas do Robert, não é? Movendo-se por aí como um fantasma.

Ela disse isto como um gracejo, mas ambos os homens caíram em um estranho silêncio. Seu cunhado se recuperou primeiro, rindo lá trás.

— O que você acha, Lamont? Quer ser um fantasma? Quem sabe devêssemos perguntar ao rei se ele precisa de novos recrutas quando nós retornarmos?

— Ouvi que eles tomam quase qualquer um hoje em dia — Ewen respondeu enquanto caminhava, o que fez Janet sentir que estava perdendo algo.

— Devo admitir que fiquei surpresa ao ouvir que o irmão da Christina tem reputação de ser um dos ilustres fantasmas — ela disse. — Eu me lembro de Lachlan MacRuairi como um encrenqueiro com o temperamento meio difícil. Ele deve ter mudado.

Nenhum dos homens respondeu. Ewen parou para ajudá-la subir em um galho que caiu no fluxo. Apesar de segurar sua mão só por um instante, foi suficiente para fazer seu coração acelerar.

Ele a soltou no momento em que ela se estabilizou.

— Vocês o conhecem? — Ela perguntou, sua voz um pouco ofegante.

Ela estava ficando acostumada a pausas do nada. Ewen finalmente respondeu.

— Um pouco.

— Ele mudou?

Outra pausa.

— Não. É melhor ficar longe dele.

Janet deu outro passo dentro da água gelada, tentando ignorar a sensação molhado em suas botas e franziu a testa.

— Não estarei lá tempo suficiente para ver muito de qualquer um além da minha irmã. Devo estar de volta a Roxburgh assim que for possível. Preciso voltar a tempo para o Dia de St. Drostan.

Sir Kenneth começou a dizer alguma coisa, mas Ewen o cortou nitidamente.

— Assumindo que você pode convencer o rei a deixá-la voltar.

Ele estava sendo extremamente complacente, ela sabia como ele se sentia sobre sua parte nesta guerra.

— Existe algo que você não está me contando?

— Pensei que estivesse certa que uma vez que você explicasse isto ao rei, ele concordaria.

Ela eriçou sabendo que ele a estava desafiando, mas era incapaz de resistir.

— Estou.

— Então não tem nada com que se preocupar.

Ela apertou sua boca, pensando que não era do feitio dele capitular tão facilmente.

Ela estava prestes a questioná-lo ainda mais quando ele disse.

— Não me meta nisso. Não é minha briga. É entre você e Bruce.

Ele estava certo, não que ela gostasse de ser lembrada de como ele não estava interessado.

— Quanto mais tempo de atraso você acha que isto vai nos custar?

Ela não podia se atrasar. Algo importante estava sendo preparando, e se ela perdesse?

A sombra escura de seus ombros largos encolheu.

— Uma vez que eu tenha certeza que eles engoliram a isca e seguiram MacKay e MacLean, vamos encontrar alguns cavalos. Espero que pela manhã, não mais que um dia e meio, acho.

Ela soltou um suspiro de alívio.

Eles caminharam por horas, eventualmente alcançando o fim do fluxo próximo a uma pequena aldeia. Naquela hora seus pés não estavam mais frios, estavam dormentes demais para sentir qualquer coisa.

Ewen estava falando com Sir Kenneth.

— Tem uma velha estrada romana que atravessa a aldeia. Nós podemos pegá-la até que peguemos outro rio...

Ele parou de repente, pegando um vislumbre dela tremendo e murmurou um palavrão que ela ouviu bastante distintamente.

— Por que diabos não me disse que você estava com frio?

Depois de caminhar pesadamente pela água e neve por horas em um ritmo que ela consideraria mais correr que caminhar, Janet não estava com humor para sua atitude superprotetora de macho. Apesar do que ele gostaria de pensar, ela não iria quebrar como uma boneca de porcelana. Nem sentiria culpa por bater os dentes. Deus do Céu! Os dentes de qualquer pessoa normal estariam chacoalhando.

— É claro que estou com frio — ela estalou de volta. — Acabei de caminhar através de um rio gelado. Qualquer ser humano normal estaria sentindo um pouco de frio, mas não é nada que eu não possa lidar ou não fiz incontáveis vezes antes.

O céu tinha clareado e havia luar suficiente para decifrar ligeiramente a expressão do Ewen pego de surpresa.

Seu irmão por casamento deu uma risada afiada.

— Eu me atrevo a dizer que estou com frio também, minha senhora. Apesar de todas as aparências, Lamont é bastante humano e imagino que ele também, embora suspeite que ele preferisse roer as unhas a admitir isto. — Ele lhe deu uma piscada marota. — Mary me disse que você podia ficar de igual para igual com qualquer um e não se intimidava facilmente. Posso ver que ela estava certa. Meu amigo ali não é exatamente conhecido por seu tato, especialmente próximo das sensibilidades delicadas das senhoras.

— Eu notei — Janet disse secamente.

— Delicada? — Ewen debochou baixinho. — A moça não sabe o significado da palavra.

Ela sabia que ele não quis dizer isto como um elogio, mas aceitou como um.

— Obrigada.

Ele fez uma cara feia para ela com aquele mesmo olhar por que você não se encaixa nesta bela caixa em que você deveria que seu irmão Duncan costumava ter.

— Sua irmã ficará muito feliz em ter você de volta — Sir Kenneth disse. — Ela sentiu sua falta terrivelmente.

Janet empalideceu, a ansiedade familiar a roendo.

— E-eu senti falta dela também.


— Ela nunca desistiu de procurar por você. Acho que ela deve ter visitado cada igreja e hospital entre Berwick e Newcastle.

Janet olhou para ele, surpresa.

— Ela procurou?

Ele assentiu.

— Aye, ela disse que sempre sentiu que você ainda estava viva. Disse que saberia se você não estivesse.

Emoção de repente agarrou sua garganta. Era verdade? Mary a perdoou? Não a culpava pelo que aconteceu?

Janet pôde apenas acenar com a cabeça.

Ela olhou de relance para Ewen. Ele não estava mais fazendo cara feia, mas observando-a com um olhar intrigado no rosto. Temendo que revelasse mais do que pretendia, ela ergueu seu queixo e disse.

— Vamos continuar nos movendo?

Achou que ele sorriu, mas sem dúvida era um truque do luar. Com uma curvatura em reverência, ele disse.

— Como quiser, minha senhora. Não me deixe desapontá-la.

Ela não podia acreditar nisto: ele a estava provocando. Um brilho suave espalhou dentro dela, aquecendo um pouco do frio de seus ossos.

— Não vou — ela provocou de volta, passando rapidamente por ele no que ela esperava fosse a direção certa.

Não levou muito tempo antes deles encontrarem a velha estrada que ele mencionou. Era estranho imaginar romanos legionários marchando aqui centenas de anos atrás. Embora evitassem a maioria das estradas antes, com o número de viajantes que usavam a estrada mesmo na neve, Ewen disse que seria difícil para qualquer pessoa que estivessem seguindo-os identificar seus rastros específicos.

Apesar de seus protestos anteriores, quando eles saíram da estrada e vagaram por um trecho de floresta muito escuro até uma pequena pradaria acima da qual se sentava as ruínas de um antigo forte, ela estava exausta e, como o rosnado vindo de seu estômago sugeria, faminta. Desnecessário dizer, ela não discutiu quando Ewen disse que eles descansariam aqui durante algum tempo.

Abrigando-se no que restava das fundações de pedra do forte, eles se sentaram no chão rochoso com suas costas na parede e comeram uma refeição fria e bastante sem graça de carne de veado seca e bolo de aveia, empurrada com uma escolha entre uísque ou cerveja inglesa — ela escolheu a última. Seus pés estavam gelados quando ela tirou suas meias e botas para esquentá-los no pequeno fogo que Ewen fez. Parecia como o céu, e lentamente um pouco do frio deixou seus ossos.

Ewen não se sentou por mais de cinco minutos antes de se levantar novamente.

Sacudindo a cabeça, Janet observou sua grande forma sólida desaparecer na escuridão.

— Ele alguma vez descansa? — Ela disse para seu cunhado.

Sir Kenneth riu.

— Não muito quando está em uma missão. Mas não se preocupe, está acostumado a isto. Todos nós estamos. Ele vai descansar um pouco quando for seguro.

— “Nós “?

Algo faiscou no olhar dele.

— Exército do Bruce — ele disse rapidamente, mas ela teve a sensação que ele tinha se referido a outra coisa.

Eles ficaram em silêncio durante algum tempo, os sons da noite os envolvendo. Estava tão quieto. Quase estranhamente demais.

— Você acha que estamos seguros?

— Aye, moça. Lamont é o melhor. Precisaria mais do que sorte para os ingleses nos encontrar agora.

— E Magnus e Eoin?

Ele riu.

— Não se preocupe com eles. Eles podem se cuidar. MacLean provavelmente já escolheu o lugar perfeito para um ataque surpresa. Os ingleses não têm chance.

— Mas quarenta contra dois?

— Com sorte eles alcançaram Douglas, Sir James — ele esclareceu. Mas ele não precisava. Douglas, o Negro, era bem conhecido ao longo das fronteiras. — Mas ainda que não tenham alcançado, quarenta ingleses não são suficientes para dois Highlanders.

Janet fez pouco de seu modo de se gabar como um exagero típico de Highlander. Tinha que ser um exagero, não é? Então por que ele parecia genuinamente despreocupado?

Ewen retornou alguns minutos mais tarde, e ela soltou um suspiro de alívio.

— Acho que eles engoliram a isca — ele disse. — Nós podemos descansar aqui por algumas horas. De manhã vou ver se de acho alguns cavalos na aldeia.

Ela assentiu e deitou sua cabeça para trás contra a parede, fechando os olhos. A dificuldade dos dias passados pareceu alcançá-la ao mesmo tempo. Ela não notou o chão duro, o travesseiro de pedra ou o frio, e nem se deu ao trabalho de deitar, tudo em que podia pensar era dormir.

Sentindo o peso de seu olhar nela, seus olhos tremularam para abrir justo antes dela estar prestes a cochilar. Algo feroz e pungente passou entre eles. Algo inegável. Algo que a fez se sentir segura.

— Durma — ele disse.

E pelo menos uma vez na sua vida, Janet obedeceu sem discutir.

Ela despertou assustada. Com uma premonição. Com uma sensação de medo. Era quase amanhecer, e uma rápida olhada ao redor disse a ela que uma vez mais Ewen se foi. Sir Kenneth esteve dormindo, mas se esticou ante seu movimento.

— O que é?

Janet sacudiu a cabeça.

— Eu não sei. — Ela apertou seu plaid bem apertado, como se isto fosse protegê-la na ausência dele. Mas então ela ouviu um som. Um uivo agudo distante como um lamento.

— O que é isto? Um lobo?

Como um fantasma convocado por sua voz, Ewen apareceu na entrada.

— Não é um lobo, é um cão de caça. Precisamos nos mover... agora.

 

 

 

 

C O N T I N U A