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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


THE SHADOW FAERIE
THE SHADOW FAERIE

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.


CONTINUA

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.


CONTINUA

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.


CONTINUA

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.


CONTINUA

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.


CONTINUA

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.


CONTINUA

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.


CONTINUA

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.


CONTINUA

Capítulo 15

 

 

— QUEM ERA? — DASH PERGUNTA IMEDIATAMENTE. Seu corpo ficou rígido, com as mãos equilibradas ao lado do corpo, como se estivesse pronto para pegar um par de brilhantes armas dos guardiões do ar.

— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — diz Aurora. Ela envolve o braço ao redor dele e o leva para o jardim. Ela o leva descendo as escadas e para o sol, enquanto Roarke faz o mesmo comigo, sua mão pressionando contra minhas costas.

— Aquela mulher é uma bruxa, — diz Dash.

Uma bruxa. Eu olho por cima do meu ombro novamente, minha mente vasculhando tudo o que aprendi nas últimas semanas e parando nas memórias associadas à palavra ‘bruxa’. Aurora disse que passou seus primeiros anos com uma bruxa, antes que a mulher se cansasse dela e a deixasse aqui. E Jack, filho de Violet e Ryn disse que as bruxas mataram sua irmã anos antes de ele nascer.

— Olhe para onde você está indo, — Roarke diz para mim quando eu quase tropeço no próximo degrau.

— Sim, ela é uma bruxa, — responde Aurora. — O que é que tem?

Dash puxa o braço para longe dela enquanto eles continuam a descer os degraus à nossa frente. — Você está certa. Não sei por que estou surpreso. Vocês, Unseelies, têm magia semelhante às bruxas. Faz sentido encontrar vocês conspirando com elas.

— Conspirando, — Roarke repete com uma risada. — Seu amigo é muito desconfiado para o seu próprio bem, Emerson.

Eu não o respondo. Eu estou me perguntando se essa bruxa pode ser a mulher que eu ouvi em seu quarto. A mulher que falou com ele sobre aquele lugar sombrio.

— Você não precisa se preocupar com qualquer conspiração, — Aurora assegura Dash. — Ela é uma convidada aqui, e você também é. Nós não queremos que nossos convidados briguem.

— Sério? — Dash pergunta levemente. — Imagino que isso traria uma nova e fascinante forma de entretenimento nesta Corte.

— Sabe, você pode ter descoberto algo. Vou ter que perguntar à mamãe sobre isso. Talvez nossa próxima festa possa incorporar brigas de convidados.

Ao meu lado, Roarke respira profundamente pelo nariz. Ele tira o braço das minhas costas e segura a minha mão. — Embora esse tipo de brincadeira desleixada seja divertida, você e eu precisamos tomar um chá, — ele diz para mim, aumentando o ritmo e me puxando junto com ele. — Aurora, Dash, — diz ele quando passamos por eles. — Vamos nos ver lá.

Roarke e eu atravessamos uma pequena ponte sobre um fluxo de água que brilha com as cores translúcidas do arco-íris. Ao som de um rugido distante, olho para cima. Agora eu sei que a figura indistinta acima de mim é na verdade um dragão. Eu olho ansiosamente para cima por mais alguns segundos antes de Roarke puxar minha atenção de volta com um aperto na minha mão.

Chegamos ao caramanchão da rainha, uma área do jardim sombreada por enormes galhos salientes carregados de milhares de flores roxas e brancas. Assentos feitos de galhos entrelaçados estão pendurados a partir dos galhos. Entre esses assentos suspensos, inúmeras mesas estão cobertas com bebidas e iguarias de todas as formas e tamanhos. Em um ambiente tão bonito ao ar livre, eu esperava cores pastel e xícaras de chá pintadas com flores, mas cada item da comida é preto ou branco. As xícaras de chá listradas também são em preto e branco e as taças de champanhe estão preenchidas com um líquido preto efervescente.

Muitos dos convidados estão vestindo roupas coloridas, mas tenho o prazer de ver a rainha em um vestido justo preto, branco e dourado. Pelo menos não preciso me sentir muito deslocada com a minha roupa cinza-carvão. Quando Roarke e eu nos aproximamos da rainha Amrath, ela levanta a taça e toma um gole. Observo atentamente para ver se a bebida manchará seus lábios de preto, mas quando ela abaixa a taça, seus lábios permanecem com um vermelho escuro e brilhante.

Roarke e eu cumprimentamos sua mãe, e Roarke me apresenta aos amigos e primos que estão sentados ao seu redor. Dash e Aurora se apressam atrás de nós e Aurora apresenta Dash como um amigo que ela conheceu há vários meses. — Lembra quando Mizza e eu passamos uma semana na casa da família dela em Nordbrook enquanto a minha suíte era redecorada?

— Ah, sim. — A rainha concorda.

— Passei muito tempo com ele naquela semana e decidi convidá-lo para sua festa. Lembra que eu falei sobre ele?

— Sinto muito, querida. — A rainha pega a mão de Aurora e a aperta. — Deve ter esquecido. Por que você não pega algo para comer e beber para mim. Dash, se você é um amigo especial de Aurora, adoraria conhecê-lo melhor. — Ela dá a ele o mesmo sorriso que me deu na minha primeira noite aqui. Educada, mas não chega aos olhos dela.

Nós passeamos pelas mesas, selecionando petiscos para adicionar aos nossos pratos, e Dash finalmente acaba ao meu lado. — Você deve se preocupar que há uma bruxa aqui, — diz ele em voz baixa.

— Devo? — Eu pergunto. — Tenho certeza que a adição de uma bruxa não pode tornar este lugar mais perigoso do que já é.

— A maioria das bruxas mantém distância dos faeries. Faeries de qualquer tipo. Não pode ser nada bom que ela esteja aqui.

Eu adiciono um bolo de chocolate quadrado com glacê preto e granulado de prata no meu prato. — Talvez as bruxas não sejam tão ruins. Você não pode julgar todas elas por matar o bebê de seus amigos.

— O quê? — Dash franze a testa. — Você quer dizer... Alguém te contou sobre Victoria?

— Se Victoria é a irmã que Jack mencionou, então sim, — continuo. — Ele disse que ela foi morta por bruxas.

Dash entorna uma taça com o líquido preto na garganta e deixa a taça em cima da mesa. — Bem, foi algo parecido. Vi e Ryn acreditam que a magia das bruxas foi responsável pela morte de Victoria, embora tenha sido realmente uma faerie que colocou a magia nela. E sim, essa é uma razão para minha intensa aversão a bruxas, mas existem muitas outras.

— Então o que você quer fazer? Encontrar a bruxa e exigir saber por que ela está aqui? Você deveria passar despercebido para poder sair deste lugar vivo, sem provocar o inimigo. — Naquele momento, um lagarto com asas de penas cai sobre a mesa, me assustando e quase virando um prato de bombons de coco. O lagarto pula da mesa, bate no chão e se afasta.

— Passar despercebido, — repete Dash, trazendo minha atenção de volta para ele. — Já ouvi isso várias vezes em seu mundo para descobrir seu significado. E que tipo de guardião — ele sussurra a última palavra tão baixo que mal consigo ouvi-la — você acha que eu sou? Certamente não vou andar por ai exigindo informações. Eu nunca teria me formado dessa maneira. Não, Em, sou perfeitamente capaz de passar despercebido como você mencionou e também descobrir tudo o que preciso saber.

— Dashiell, querido, — Aurora chama do outro lado da mesa mais próxima. — Minha mãe quer conversar com você.

Dash franze a testa por um momento. — Eu disse a ela meu nome completo?

Eu dou de ombros. — Talvez Dash seja sempre a abreviação de Dashiell.

— Certo. Hora de conversar com a velhinha.

Como revirar os olhos é considerado nada feminino, e eu já cometi o terrível ato de encolher os ombros, me contento com um suspiro enquanto Dash volta para o lado da rainha. Eu reuni mais algumas guloseimas de aparência estranha antes de ir ao encontro de Aurora. Ela e Roarke estão sentados ao lado do círculo que se formou ao redor da rainha. As costas de Aurora estão quase contra as de Dash, e presumo que ela esteja prestando muita atenção ao que ele está dizendo, preparando-se para intervir, se precisar. Eu ando em volta das mesas e passo perto de Dash, perto o suficiente para ouvir, mas não perto o suficiente para ser incluída na conversa. Suponho que serei forçada a participar em algum momento, mas vou desfrutar dos lanches até que esse momento chegue.

— Oh, sim, é lindo aqui, — diz Dash em resposta a uma das perguntas da rainha. — Considero-me verdadeiramente sortudo por ter visitado os dois palácios agora.

Uma leve confusão cruza o rosto da rainha. — Os dois palácios? — Ela pergunta.

— Sim. Você tem esse que é verão e inverno, para dia e noite, e o outro que está envolto em sombras esfumaçadas.

Observo o sorriso de Aurora congelar no lugar. Seus olhos se agitam através da reunião e se estabelecem em Roarke, que repentinamente está direcionando toda a sua atenção para Dash. Com um olhar confuso, a rainha diz, — Não sei o que você quer dizer. Temos inúmeras mansões em todo o mundo, mas apenas um palácio. Você está se referindo a uma das nossas festas passadas, talvez? Tivemos uma há alguns anos com o tema de... qual era, querida? — Ela pergunta a Aurora.

— Fogo de obsidiana, — Aurora fornece, girando em seu assento para olhar em volta. — É nisso que você está pensando, mãe?

— Sim, foi isso. Toda superfície era de uma lustrosa obsidiana. Tínhamos fogo negro dançando através das paredes e fumaça escura que assumia a forma de uma fênix. Ah, e todo mundo vestido de prata, lembra? Foi magnífico. Um efeito impressionante.

— Isso parece encantador, Majestade, — diz Dash, — mas não, eu não estava aqui nessa festa. Refiro-me a um palácio completamente diferente — ou talvez seja mais preciso se referir a esse como um castelo — com jardins onde a fumaça negra como sombra se enrolava e subia de todas as árvores e plantas. Até mesmo das próprias paredes. — Ele dá um sorriso inocente para Aurora. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Parecia quase... um mundo completamente diferente.

Embora o sorriso de Aurora ainda esteja congelado, seus olhos contêm uma fúria mal mascarada. Se fosse possível matar uma pessoa simplesmente olhando para ela, não tenho dúvida de que Dash estaria morto agora.

Roarke quebra o silêncio com uma risada. — Parece que seu amigo aqui comeu algumas daquelas frutas na última festa que você o convidou, Aurora. Aqueles alucinógenos verdes. Eu não tinha ideia de que eles eram tão eficazes. Vou ter que eu mesmo experimentá-los algum dia.

— Roarke, — A rainha diz em um tom horrorizado. — Isso não é apropriado para um príncipe.

Roarke ri mais alto com isso, e várias pessoas se juntam. Talvez seja normal a rainha advertir seu filho na frente das companhias. A conversa retorna ao normal então. O assento voador de Dash o afasta da sua mãe enquanto a rainha está olhando para outro lugar. Roarke retorna à sua conversa com um homem um pouco robusto, lançando um olhar ocasional para Dash enquanto ele caminha em minha direção.

— O que diabos foi isso? — Eu sussurro para Dash quando ele chega ao meu lado.

— Você não quer respostas sobre aquele lugar? — Ele pergunta. — Eu nunca estive em nenhum lugar assim. Ainda não consigo descobrir exatamente onde ou o que era ou como chegamos lá. Ou como saímos, por sinal.

— Mas você tinha que perguntar sobre isso agora? Na frente de todas essas pessoas? Não é isso que eu chamaria de ‘passar despercebido’.

— Sim. — Ele olha para mim, sorrindo educadamente para a pessoa que passa entre mim e a mesa atrás de mim. — Eu queria ver a reação deles. Agora sabemos que Roarke e Aurora estão escondendo esse lugar de todos, até dos membros de sua própria corte.

— Exceto... — Olho ao redor da reunião enquanto penso na mulher que ouvi enquanto estava escondida no quarto de Roarke. Se não era a bruxa, poderia muito bem ter sido uma das damas deste chá.

— Exceto? — Dash incita.

— Eu ouvi Roarke falando com alguém sobre isso, — murmuro. — Uma mulher. Eles chamaram aquele lugar de outro mundo.

— Sério? Eles realmente disseram isso?

— Sim. E há pelo menos uma outra pessoa que sabe disso. Havia mais alguém lá no dia em que você e eu vimos esse lugar. Ouvimos uma voz masculina, lembra? Alguém chamou Roarke e Aurora, e foi aí que eles nos mandaram fugir, como se não quisessem que essa pessoa soubesse que estávamos lá.

— O rei?

— Possivelmente. Eu acho que era a voz dele.

A testa de Dash franze. Então, como se lembrando onde ele está, ele pisca e cola um sorriso enquanto olha em volta. — Eu preciso descobrir mais sobre aquele lugar, — ele sussurra, ainda sorrindo artificialmente. — Aquele mundo, ou o que quer que seja. Se o rei Unseelie e seus filhos estão mantendo isso em segredo para todos, isso não pode significar nada de bom para o resto do mundo.

— Você não pode saber disso, — eu digo, mais para mim do que para ele. Preciso acreditar que os Unseelies não são tão ruins quanto Dash acredita ser. — Poderia ser apenas outro palácio privado que eles queiram manter escondido de todos, exceto de sua família.

— E da rainha?

— Tenho certeza de que os Seelies também escondem palácios, — acrescento, ignorando sua interjeição.

— É outro mundo, Em, — diz Dash sorrindo, rangendo os dentes. — Pelo menos, é o que parece. E se isso for verdade, é diferente de tudo em... bem, na história. Sempre houve dois mundos. Se houver um terceiro? Isso é apenas... isso é enorme. — Ele olha em volta novamente. — Roarke está certo. Eu deveria estar aproveitando o fato de que estou aqui e reunir o máximo de informações possível.

— Claro, se você quiser acabar morto.

— Eu não vou. Eu vou tomar cuidado. Esses Unseelies estão escondendo algo, e eu preciso descobrir o que é.

— Por quê? — O medo começa a se desdobrar no meu peito. — Por que tem que ser você? Apenas deixe este lugar com sua vida intacta e deixe que outra pessoa lide com isso.

O sorriso de Dash se torna mais genuíno. Sua mão envolve uma das minhas. — É bom saber que você se importa, Em, mas eu não fujo de situações perigosas. — Seu olhar passa por alguém atrás de mim e ele volta ao sorriso falso brilhante. Minha atenção, no entanto, parece estranhamente atraída pela maneira como o polegar dele se move contra a parte interna do meu pulso. — Parece que as pessoas querem falar com sua futura princesa, — ele sussurra, sua mão se afastando da minha. — Não se esqueça de sorrir.


Capítulo 16

 

 

 

— VOCÊ ESTÁ ATRASADA, — DIZ AURORA na manhã seguinte. Seus braços permanecem em posição, seus olhos fixos firmemente em seu alvo, enquanto corro em direção à área onde nossa prática de arco e flecha está acontecendo. — Eu deveria te dar uma lição antes de seguirmos para os dragões.

— Eu sei, me desculpe. Eu estava procurando o Dash. Ele disse que se juntaria a mim no café da manhã, mas ele não apareceu. Você o viu por aí?

Com um assobio e silvo, sua flecha atinge o centro do alvo. Ela abaixa o arco e se vira para mim com uma careta. — Dash foi embora tarde da noite passada. Ele não se despediu de você?

Eu pisco. — Não. Eu não o vejo desde o jantar. Por que ele foi embora? Eu pensei... — Balanço a cabeça, essas notícias inesperadas não fazem sentido para mim. — Roarke foi tão insistente para que ele ficasse. Já que, você sabe, ele não confiava que Dash não trouxesse um monte de guardiões de volta com ele.

A carranca de Aurora se aprofunda. — Roarke não falou com você ontem à noite? Mais tarde, quero dizer. Algum tempo depois do jantar.

— Não, eu estava dormindo. — Ter que falar com tantas pessoas durante o chá da rainha — que durou a tarde inteira — me deixou exausta, e então Roarke queria que eu praticasse as palavras da cerimônia de união novamente no início da noite. Eu planejava conversar com Dash depois do jantar, para pressionar nele a importância de não se esgueirar e se meter em problemas, mas adormeci completamente vestida e não acordei até hoje de manhã.

— Meu pai recebeu notícias de um ataque a um grupo de guardiões. Vários deles foram mortos, junto com os membros da família que estavam com eles. Foi aquela mulher que não consegue manter sua magia de vidro sob controle.

Um calafrio congela meu sangue. — Ada?

Aurora encolhe os ombros. — Eu não sei qual é o nome dela. Enfim, Roarke falou comigo sobre isso, e decidimos que Dash deveria saber. Quero dizer, não nos incomoda se os guardiões morrerem. Eles não são nossos aliados. Mas eles são o povo de Dash, por isso achamos injusto manter as informações dele.

— Vocês... — eu paro. — Eu não entendo.

— Por que você ainda acha que somos os vilões, Em? Não somos. — Ela coloca outra flecha e olha através de um olho para o alvo. — Nossos caminhos são apenas diferentes, isso é tudo. Achamos que Dash talvez conhecesse alguns dos guardiões que foram mortos, e não seria correto ele perder a cerimônia de comemoração da vida. — Silvo. A flecha dela pousa um pouco à esquerda da marca no centro do alvo.

— Não seria correto? — Mais uma vez, uma imagem do homem que perdeu a cabeça inteira vem à tona. — Você acabou de dizer que seus caminhos são diferentes. Eu pensei que isso incluísse sua compreensão do certo e do errado.

Aurora olha para a flecha antes de se virar para mim novamente. — Sim, mas não para algo assim. É certo honrar os mortos e dar-lhes uma despedida adequada. Podemos não gostar do fato de Dash ser um guardião, mas não somos tão cruéis a ponto de privá-lo da oportunidade de dizer um último adeus às pessoas que ele gostava.

— Então Roarke o deixou ir? Isso ainda não faz sentido para mim. Certamente Roarke não colocaria em risco toda a sua corte apenas para permitir que um guardião comparecesse a um funeral.

— Ele não colocou ninguém em risco. Ele disse a Dash que só poderia sair se permitisse que um encantamento fosse colocado sobre ele.

— Que encantamento?

— Ele ficará confuso sempre que tenta pensar ou falar sobre a Corte Unseelie. Nada do que ele disser fará sentido se tentar contar a alguém onde está, e seus pensamentos ficarão confusos demais para que ele se aproxime daqui.

Isso parece muito com a proteção que os rebeldes Griffin lançaram sobre seu esconderijo. — E ele concordou com isso? — Eu pergunto.

— Sim, aparentemente. Roarke disse que Yokshin realizou o encantamento. E, para ser honesta, Em, — ela acrescenta enquanto curva um dedo para um dos assistentes de arco e flecha, um jovem garoto, para se aproximar, — Dash teria sido forçado a colocar esse encantamento nele, não importa quando ele planejasse ir embora do Palácio.

Eu aceno lentamente. — Faz sentido. Mas ainda não entendo por que ele não apareceu e se despediu de mim.

— Bem, você disse que estava dormindo. — Ela entrega o arco ao garoto e pega o copo de água que ele lhe oferece. — E talvez ele estivesse com pressa. Eu sei que ele se importa com você, Em. Ele nunca teria arriscado vir aqui se não se importasse. Mas ele também se preocupa com os companheiros guardiões. Ele deve ter ficado desesperado para voltar para descobrir quem morreu.

— Sim, — eu digo baixinho. — Tenho certeza de que ele ficou.

— Oh, um leque, por favor, — acrescenta Aurora em um tom de comando enquanto o garoto se afasta com seu arco. Ele corre de volta, faz alguns movimentos estranhos no ar com uma mão e uma enorme folha de palmeira aparece. Ele rapidamente abaixa o arco no chão e agarra a palmeira com as duas mãos. Aurora inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, e tento não revirar os olhos enquanto o pobre garoto fica lá e a abana. — Tudo bem, isso é o suficiente. — Ela acena para o garoto ir embora depois de alguns momentos, depois levanta o copo e bebe toda a água. — Certo. Hora do dragão.

— Finalmente, — eu murmuro.

— Em, — diz ela, inclinando a cabeça pensativamente para o lado quando começamos a andar. — Existe algo que você não me contou sobre Dash?

— Hmm? O que você quer dizer?

— Você está apaixonada por ele?

Não posso evitar o riso que explode em mim. — Não, claro que não, — eu consigo dizer assim que me recupero. — Estou apenas preocupada com ele.

— Mas ele ama você.

— Hum, não. Tenho certeza de que ele não ama.

— Então por que ele arriscou sua vida para tentar salvar você de nós?

— Talvez ele sentisse que era seu dever. Ele tem toda essa coisa de ego guardião, então provavelmente é difícil resistir a ser o herói que resgata a donzela em perigo. Ou, pelo menos, qualquer donzela que ele pense estar em perigo.

— Hmm. — Ela coloca o cabelo por cima do ombro. — Eu acho que ele se importa com o seu bem-estar.

— Talvez. Um pouco. De um jeito não apaixonado.

Ela me dá um sorriso condescendente. — Ninguém se importa tanto assim. A menos que sejam motivados pelo amor.

Com um suspiro, pergunto, — Você conheceu muitos guardiões, Aurora? Eu não os conheço há muito tempo, mas todos parecem ter esse desejo louco de lutar, proteger e resgatar, mesmo que isso signifique acabar machucado ou morto.

Ela geme. — Eu sei. Eles são todos tão irritantemente altruístas. Não podemos competir, por isso nem tentamos.

Toda a vergonha que senti ao tentar convencer Dash — e a mim mesma — de que não estou piorando tudo dando minha Habilidade Griffin aos Unseelies, volta ao meu corpo. — Sim, também não posso dizer que me identifico com toda essa coisa de guardião, — digo baixinho.

— Sério? Por favor, lembre-me, minha doce irmã, por que você concordou em vir aqui em primeiro lugar.

Eu olho para cima. — Pela minha mãe.

— Exatamente. Agora, diga que você não pode se identificar com as palavras ‘lutar’, ‘proteger’ e ‘resgatar’.

— Sim, mas ela é minha mãe, — eu explico. — Possivelmente minha única família viva. Eu a amo mais que tudo. Eu lutaria e morreria por ela, mas isso não significa que eu faria isso por pessoas que eu mal conheço. Eu não sou tão altruísta.

— E é exatamente por isso que você vai se encaixar tão bem conosco, Em. Nós cuidamos dos nossos. Dane-se o resto do mundo, — ela acrescenta com uma risada. Ela envolve um braço em volta de mim e me dá um rápido abraço lateral enquanto nos aproximamos do enorme galpão que abriga todas as carruagens.

As palavras de Aurora deveriam me fazer feliz. Eu sempre quis pertencer a algum lugar, e a casa de Chelsea nunca seria esse lugar. Mas suas palavras me deixam desconfortável. Eu nunca me considerei nada parecida com essas pessoas, mas será que ela está certa? E se eu tiver mais Unseelie no coração do que jamais imaginei? E se...

Eu sufoco um suspiro quando o pensamento me ocorre.

E se eu sou Unseelie? E se minha mãe veio desta corte? E se as práticas mágicas cruéis que os Unseelies usam fazem parte da minha história, meu sangue, minha própria essência? É por isso que eu gosto de andar de dragão? É algo ruim ser associado a Corte Unseelie? Não pode ser. Certamente os dragões podem ser bons ou maus com base nas coisas boas ou más que seus cavaleiros lhes dizem para fazer. Não são apenas os Unseelies que gostam de voar nas costas de um dragão.

Quando passamos pelo galpão, paro, momentaneamente distraída. — Espere, — eu digo para Aurora. — Apenas me dê um minuto. — Corro de volta e me aproximo da mulher ocupada, dirigindo duas carruagens sem cavalo para fora do galpão, parada na frente delas e fazendo sinal com as mãos. — Bom dia, — eu digo a ela. — Você estava de serviço tarde da noite passada?

A mulher parece assustada ao ser abordada por mim, mas ela se recupera rapidamente. — Não, minha senhora. Era Henkin. Ele está de folga agora, mas deve estar oh, lá está ele. — Ela aponta para trás de mim. — Seu próximo turno começa em breve.

— Obrigada. — Eu ando rapidamente em direção ao homem, e depois que ele se curva e me cumprimenta formalmente, pergunto, — Você viu alguém sair do palácio tarde da noite passada? Um homem — hum, um faerie. Um faerie homem. Verde em seus cabelos?

— Sim, minha senhora. Eu o ajudei a entrar em uma carruagem. Quatro guardas o acompanharam.

Eu aceno lentamente. — Tudo bem. E, hum... ele não estava amarrado ou algo assim? Como um prisioneiro?

Linhas vincam a testa do condutor quando ele franze a testa. — Não, minha senhora. Presumi que ele fosse um convidado de honra. O próprio príncipe apertou a sua mão e se despediu dele antes dele subir na carruagem.

— Oh. Tudo bem, bom. Muito obrigada.

Corro de volta para Aurora, que está me observando com as mãos nos quadris. — O que foi aquilo?

— Nada.

Com seu habitual sorriso provocador, totalmente ausente de seu rosto, seus olhos procuram os meus. — Você estava checando minha história, não estava? Sobre o Dash.

— Sim, — eu admito. — Mas você não pode me culpar, pode? Ainda não sei se posso confiar completamente em você e em Roarke.

— Como você pode...

— Eu confio que você quer que eu esteja aqui, mas eu sei como você se sente sobre os guardiões. E Dash não foi exatamente convidado, então talvez você queira se livrar dele, em vez de deixá-lo por aí dizendo coisas inapropriadas, como ele fez no chá ontem, ou entrando furtivamente em lugares que não deveria estar e enfiando o nariz onde não deve.

— E agora? — ela exige. — Você se sente melhor por ter conversado com um dos condutores? Ele confirmou minha história?

— Confirmou. Me desculpe, eu duvidei de você.

Ela me observa mais um momento, depois sorri. — Você está perdoada. — Ela gira e continuamos em direção às árvores.

— Mas eu notei, — acrescento com cuidado, — a maneira como você e Roarke reagiram a Dash dizendo a sua mãe sobre aquele lugar sobrenatural onde tudo era sombrio e sem cor.

Os passos de Aurora vacilam por um momento, mas ela continua andando. Quando ela não me responde, pressiono mais. — Que lugar era aquele? Era... outro mundo? Em algum lugar que não seja o reino humano ou o reino fae? E por que isso é um segredo?

Sem olhar para mim, ela diz, — Você precisará perguntar a Roarke sobre isso.

— Aurora, se você quer que eu confie em você, então —

— Pergunte ao Roarke, — diz ela, olhando diretamente para mim, sua expressão séria. — Não quero mentir para você e sei que Roarke também não. Ele vai falar sobre isso. Ele provavelmente está apenas esperando até saber que pode confiar plenamente em você.

Vários segundos estudando seu rosto me convencem de que ela está dizendo a verdade. — Tudo bem, — eu digo eventualmente.

Ficamos em silêncio conforme atravessamos as árvores, o que é incomum para Aurora. Mas não parece desconfortável. Mais como se tivéssemos outras coisas em mente. Enquanto caminhamos, ela distraidamente acena uma mão perto da parte de trás da sua cabeça e seu cabelo trança rapidamente. Eu levanto minha mão e me concentro em fazer a mesma coisa. Depois do nosso primeiro passeio, decidi que ela estava certa em memorizar feitiços que me ajudarão a me preparar mais rápido. Não quero perder um segundo do tempo que posso gastar no ar.

— Muito bem, — diz Aurora, e percebo que ela está me observando. — Você está ficando mais rápida nisso.

— Obrigada. Esse é o plano.

Dez minutos depois, estamos no cercado de Imperia e Phillyp está preparando a sela dupla para nós. Meu coração começa a bater mais rápido, já antecipando a liberdade dos céus. Confiando que Imperia me conhece bem o suficiente agora para não me mastigar ao meio, passo pela perna da frente e estendo a mão para passar uma mão pelas escamas cintilantes do seu pescoço. Ela balança a cabeça lentamente para me olhar através de um olho laranja ardente. — Você pode ser a melhor coisa deste lugar, — digo a ela.

— Ei, — Aurora objeta atrás de mim.

— Oh, eu quero dizer... além de você. — Eu a encaro e acrescento com um sorriso, — Você também é ótima.

Ela ri e balança a cabeça. — Obrigada, mas eu estava realmente pensando no meu irmão. Ele pode ficar desapontado ao saber que você não acha que ele é a melhor coisa daqui.

— Desapontado? Sério. Eu acho que ele não se importa tanto.

— Bem, ele se importa. Ele não me confidenciou muito, mas acho que ele espera que você venha a cuidar dele e... bem, possivelmente até amá-lo.

— Aurora... — Minha voz está hesitante quando ela sobe as escadas até as costas de Imperia. — Você sabe que minha única razão de estar aqui é...

— ...sua mãe. Sim. Eu sei. Mas... você acha que poderia dizer de verdade as palavras? — Ela olha para mim do topo da escada. — As palavras que você tem praticado. Os votos. Eu sei que você não as quer dizer de verdade na cerimônia. Mas, você sabe... com o tempo... você acha que poderia?

Sua pergunta me deixa momentaneamente atordoada. — Eu não sei.

— Você deve ter pensado sobre isso, — ela continua enquanto sobe no banco da frente da sela. — Você deve ter se perguntado sobre o futuro. Vocês ficarão juntos por anos. Por séculos, provavelmente. Você deve se perguntar se, durante esse tempo, você vai amá-lo?

Em vez de respondê-la, me concentro nos degraus enquanto os subo. Não me perguntei se poderia vir a amar Roarke porque não planejo que essa união seja permanente. E se isso acontecer, espero que não aconteça. Se eu tiver a chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke antes da cerimônia, eu farei. Eu chego ao topo da escada e sento no banco de trás de Aurora.

— De qualquer forma, como está indo a prática da pronúncia? — Aurora pergunta, recebendo claramente a mensagem de que não estou disposta a falar sobre a possibilidade de amar seu irmão. — Deve ser terrivelmente romântico.

— Sim, realmente romântico, decorar a pronúncia precisa de cada palavra. Eu decorei a primeira parte, a parte pública, mas os votos privados são mais difíceis. As palavras são mais difíceis de envolver minha língua. Super estranho.

— Não é mais estranho do que a primeira parte, certo? É o mesmo idioma, afinal.

— Eu não sei. Parece-me mais difícil. Sola-thuk-ma... uk-na-math ra... me-la-soni-ra... — Suspiro enquanto prendo uma correia no meu corpo para me impedir de cair da sela. — Parece uma criança aprendendo a falar. É embaraçoso.

Aurora vira a cabeça para o lado, embora não o suficiente para olhar para mim. — Que outras palavras você acha muito difícil?

— Hum, todas elas, — brinco. — Isin-vir-na. Zo-thu-maa. Men-va. Eu enuncio as palavras devagar, tentando acertar cada sílaba. — De qualquer forma, eu não deveria estar lhe dizendo. Deveria ser privado e tudo mais.

Ela olha para a frente novamente, as mãos enroladas firmemente nas rédeas. — Sim. Verdade. — Espero que ela instigue Imperia para o ar, mas suas mãos permanecem imóveis nas rédeas.

— Está tudo bem? — Eu pergunto a ela. — Por que não estamos nos movendo?

Ela revira os ombros e respira profundamente. — Sim, está tudo bem. Eu estava pensando que deveríamos passar a noite na biblioteca. Preciso encontrar mais livros para você.

— Oh, hum... eu não terminei a última série que você me deu.

— Bem, você precisa de mais. Então você tem a tarde para terminar o que eu já lhe dei.

— Tudo bem. — Franzo a testa para a parte de trás da cabeça dela, me perguntando se é minha imaginação ou se o tom dela foi um pouco afiado. Mas ela move as rédeas, e eu rapidamente esqueço tudo. Eu esqueço dela agindo um pouco estranha, eu esqueço Dash muito longe e incapaz de encontrar o caminho de volta para cá, e me preparo para me perder na deliciosa onda de adrenalina.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

 

 

 

NAQUELA NOITE, A NEVE CAI SUAVEMENTE DO LADO DE FORA DAS JANELAS DO PALÁCIO, ENQUANTO DENTRO DA BIBLIOTECA, um fogo crepitante mantém a sala notavelmente aconchegante, considerando seu tamanho. É o tipo de cena que parece perfeita do lado de fora: Aurora folheando livros em uma das mesas; eu enrolada em uma poltrona de couro, finalizando o volume final da última coleção que Aurora juntou para mim; canecas de chocolate quente com especiarias que aparentemente não mancharão nada se as derrubarmos. Sob a superfície confortável, porém, minha mente está alcançando novos níveis de paranoia. Dash retornou com segurança à sua guilda, ou os guardas que o acompanharam foram instruídos a machucá-lo quando ele deixasse o Palácio Unseelie? Ou talvez todo mundo esteja mentindo para mim — Aurora, Roarke, os condutores — e Dash nunca realmente foi embora. O rei Unseelie já poderia ter matado ele.

Pare! Eu me instruo enquanto passo para a última página do livro. Não tenho outra razão para esses pensamentos irracionais, a não ser o fato de que Dash apareceu do nada e desapareceu tão abruptamente quanto. Se isso não tivesse acontecido, eu estaria sentada aqui lendo calmamente meu livro e continuando esperando uma chance de usar minha Habilidade Griffin em Roarke. Ninguém está mentindo para você, eu sussurro em silêncio. Aquele condutor nem sabia quem você era. Pare. De. Enlouquecer!

Eu respiro lentamente pela boca e me forço a ler a última página do livro. Terminando, fecho, tendo absorvido talvez metade do seu conteúdo. Metade parece bom o suficiente para mim, no entanto. O livro é essencialmente uma lista de todas as criaturas mágicas que habitam a Corte Unseelie, e dificilmente parece necessário memorizá-lo.

Envolvo as duas mãos em volta da minha caneca e tomo um gole de chocolate com especiarias, o que faz um excelente trabalho em me confortar e em relaxar minha mente paranoica. Eu sei que existem coisas que Roarke e Aurora estão escondendo de mim, mas não acho que eles mentiriam totalmente para mim. Se Aurora disse que Dash foi mandado para casa, eu escolho acreditar que ela está dizendo a verdade.

Eu tiro minhas pernas debaixo de mim e me levanto, puxando meu vestido para baixo. Bandit, que estava aconchegado ao meu lado em alguma forma peluda, muda rapidamente para um rato e sobe do meu braço para meu ombro. Eu ando pelos corredores, lendo as lombadas dos livros conforme eu passo. — Ooh, combate mágico. — eu digo, puxando um dos livros da prateleira. — Era sobre isso que você estava me contando, Rora? A outra habilidade que você queria aprender, mas sua mãe disse que apenas o arco e flecha era permitido?

— Hmm? — Aurora olha com uma careta. — Em, você está se distraindo. Você deveria terminar esses outros livros.

— Li todos, — digo a ela. Eu folheio rapidamente o livro de combate mágico, lendo trechos sobre as técnicas mentais que podem tornar a mente mais rápida e sobre diferentes posturas de luta e maneiras de jogar magia. Talvez, se eu for forçada a ficar no palácio por um tempo, eu possa voltar a este livro. Devolvo-o à prateleira e olho mais algumas lombadas enquanto ando mais adiante no corredor.

Quando meus olhos deslizam por uma lombada espessa e colorida com a palavra Dragões, paro. Pego o livro pesado da prateleira e sento de pernas cruzadas no chão para olhar mais de perto as pinturas detalhadas em cada página. — Eles não são lindos? — Eu sussurro para Bandit. Ele pula do meu ombro e senta no meu joelho. Um momento depois, ele se torna algum tipo de ave predadora, fofa demais para ser totalmente adulta. — Oh, isso é legal, — eu digo baixinho enquanto ele inclina a cabeça e olha mais de perto o livro do dragão. — Acho que nunca vi essa forma antes, Bandit.

— Certifique-se de que ele se comporte, — Aurora sussurra alto. — Ao contrário do chocolate, se Bandit fizer uma bagunça, teremos que limpar.

Bandit bate as asas e cai no chão ao lado da minha perna. Com um bater de suas penas, ele muda de forma novamente — e de repente, um dragão está ao meu lado. — Oh, uau, — eu digo, esquecendo de ficar quieta agora. — Bandit, isso é incrível. — Ele não está nem perto do tamanho de Imperia, ele ocupa tanto espaço quanto um cachorro grande, mas ainda estou impressionada.

— Em! — Aurora assobia. — Eu disse que ele precisa se comportar para ficar aqui.

— Ele está se comportando, — digo a ela no momento em que Bandit tosse na direção da estante de livros mais próxima. Uma pequena faísca voa de sua boca. — Oh, droga. — Eu pulo, agarro o livro em que a faísca caiu e bato no chão até que apenas um ponto chamuscado permaneça na capa.

— O que você estava dizendo? — Aurora pergunta secamente.

— Tudo bem, Bandit, — sussurro para o pequeno dragão depois de recolocar o livro em sua prateleira. — Embora esta forma seja realmente incrível, não é apropriada na biblioteca. Vamos guardá-la para outra hora, ok? — Ele pisca, depois muda de volta para a forma de rato. — Mas eu quero que você saiba que você é um dragão espetacular, — eu sussurro enquanto o coloco no meu bolso. Eu estou usando um vestido sem mangas que parece de inspiração japonesa, além de luvas que atingem quase minhas axilas. O vestido tem bolsos pequenos, mas eles eram tão pequenos quando eu coloquei esse vestido que eu mal podia colocar minhas mãos neles. Então, peguei um dos primeiros livros de feitiços que Aurora me deu e quase gritei de prazer quando consegui aumentar com sucesso os bolsos para que Bandit pudesse entrar. Eu só tinha que ter certeza de manter minhas mãos nos bolsos enquanto eu caminhava para a biblioteca esta noite, para que ninguém notasse o caroço estranho no meu quadril direito.

Com minha mente voltada para a magia de combate, ando até a janela mais próxima. Depois de olhar por cima do ombro para garantir que Aurora esteja absorvida mais uma vez em um livro, abro silenciosamente a janela. Eu levanto minha mão e espero até que eu tenha acumulado uma pequena quantidade de energia acima dela, tremendo um pouco quando o ar frio flutua sobre meus ombros nus. Então olho para fora e escolho uma árvore a qual mirar. Inclino-me sobre o peitoril da janela e atiro a magia para frente. A esfera brilhante atinge a árvore, lança uma pequena explosão de neve no ar e arranca um dos galhos. Bato uma mão na boca enquanto meus lábios se esticam em um sorriso. Talvez eu não seja tão inútil quanto pensei. Posso não ser capaz de transformar minha magia em algo, mas pelo menos posso jogar poder bruto se tiver que lutar um dia para sair daqui.

— Em! — Aurora chama. — Sério! O que há de errado com você esta noite?

Eu fecho a janela rapidamente e encaro Aurora, confusa com a raiva dela. Ela normalmente não se importa de violar as regras. Eu meio que esperava que ela se juntasse a mim na janela e começasse a jogar sua própria magia na noite. Na verdade, era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse. Eu poderia ter aprendido algo útil com ela. — Eu sinto muito. Eu só... pensei em tentar.

— Você não precisa tentar. O combate mágico não é uma habilidade necessária para nenhuma de nós.

— Bem, nem andar de dragão, mas nós duas queremos fazer isso, então —

— Em! — Ela me dá um olhar exasperado.

— O quê? Por que você está tão irritada hoje à noite?

— Eu estou apenas — Ela se interrompe com um aceno de cabeça. Ela passa as mãos pelos cabelos. Estou apenas procurando algo e você continua me distraindo.

— Sinto muito, — repito calmamente. — Hum, talvez Bandit e eu devamos ir para a cama. — E antes de irmos para a cama, posso jogar mais magia da minha varanda sem Aurora ficar chateada.

— O que Bandit está fazendo na biblioteca em primeiro lugar? — uma voz pergunta da porta da biblioteca.

Olho em volta e vejo Roarke entrando, seus passos silenciosos no chão acarpetado e seu casaco preto semelhante a uma túnica ondulando em torno de seus tornozelos.

— Hum, ele está escondido no meu bolso, — respondo. — E se comportando. Obviamente.

Ele me observa por um momento antes de responder. — Bom.

— Você já ouviu algo de Dash? — Eu pergunto. — Ele voltou para a Guilda com segurança?

Roarke cruza os braços sobre o peito. — Não, não tenho notícias dele e não espero. Não é como se tivéssemos trocado contato pelo âmbar.

— Mas —

— Tudo bem, — Mordo o lábio antes de acrescentar. — Suponho que ele deve ter retornado com segurança então.

Roarke inclina a cabeça. — Por que você está tão preocupada com ele? Vocês dois eram amantes?

— O quê? Não! — O calor queima meu pescoço e bochechas.

— Você parece sentir muita falta dele agora que ele se foi.

— Ele era meu amigo. Claro que sinto falta dele. — Mais do que eu esperava, na verdade. Neste palácio em que ainda não tenho certeza em quem posso confiar, Dash era a única pessoa com quem eu poderia ser completamente honesta.

— Mas você tem Aurora agora. Ela é uma amiga maravilhosa, não é? — Roarke olha para ela do outro lado da sala, então franze a testa. — Aurora, está tudo bem? Parece que você pode estar doente.

Ela fecha a capa de um livro e engole em seco enquanto olha para cima. — Eu... me desculpe. — Ela solta uma risada sem fôlego. — Você sabe que eu não suporto alguns desses livros de história. Eles são terrivelmente horríveis e gráficos quando falam sobre a maneira como as pessoas morreram.

— Então por que você está lendo eles?

Ela empurra o livro para o lado e puxa outro para mais perto. — Estou procurando livros para Em. Ela ainda tem muito a aprender. De qualquer forma, podemos definitivamente esquecer esse. Vou encontrar algo menos horrível. — Ela abre o próximo livro e inclina a cabeça sobre ele.

Roarke a observa por um longo momento antes de retornar seu olhar para mim. — Eu vim aqui para sugerir que pratiquemos os votos novamente. Sua pronúncia precisa ser perfeita, Emerson.

O movimento chama minha atenção quando a cabeça de Aurora se levanta novamente. Eu olho para ela, e ela olha de volta, sua expressão ilegível. — O quê? — Eu pergunto.

— Você tem certeza de que está bem? — Roarke pergunta a ela. — Talvez você esteja lendo demais.

Um sorriso levanta um lado da boca dela. — Não existe tal coisa, querido irmão.

Ele ri. — Suponho que não, se você gosta tanto de livros. — Seus olhos encontram os meus e ele inclina a cabeça em direção à porta da biblioteca, sugerindo que sigamos por esse caminho. Embora com Roarke, eu sei que não é realmente uma sugestão. Eu permito que ele pegue meu braço e coloque-o no dele quando deixamos a biblioteca. — Ela definitivamente está agindo estranhamente esta noite, — ele reflete. — Acho que talvez ela tenha ciúmes de nós.

Não consigo deixar de rir. — Isso é ridículo. Por que ela ficaria com ciúmes?

— Você se tornou uma boa amiga para ela em um curto espaço de tempo. Ela tem suas damas de companhia, primas e outras mulheres nobres para manter sua companhia, é claro, mas ultimamente ela tem passado a maior parte do tempo com você. Eu posso dizer que ela prefere assim.

— Mesmo? — Quando subimos um degrau, levanto a parte inferior do meu vestido para evitar pisar nele e tropeçar em mim mesma. — Mas eu sou muito... inculta e nem um pouco refinada.

— É verdade, mas você não tem nada a esconder e não está jogando como muitas outras damas. Você foi honesta desde o início sobre porque está aqui e o que deseja. Isso é refrescante. — Suas palavras causam um arrepio desconfortável na minha espinha. Graças a Deus ele não sabe a verdade: estou jogando um jogo muito mais perigoso do que qualquer outra mulher daqui. Elas arriscam fofocas e uma má reputação se falharem em seus jogos. Provavelmente estou arriscando minha vida se tentar — e falhar — escapar dessa união.

Tento me livrar da minha ansiedade e me convencer de que, como Roarke disse, não tenho nada a esconder. — Então você está sugerindo, — digo a Roarke, — que Aurora está ficando com ciúmes porque você e eu em breve passaremos mais tempo juntos?

— Sim. Vou tirar a nova melhor amiga dela.

— Talvez ela esteja com ciúmes porque estou te afastando dela. Vocês dois sempre foram íntimos, não é? Provavelmente é estranho ela imaginar o irmão casado, em vez de estar disponível para passar o tempo livre com ela.

Ele balança a cabeça. — Eu não acho que é isso. Já cortejei outras mulheres, e Aurora sempre deixou óbvio quando ela não gosta delas. Se ela se sentisse assim sobre você, você já deveria saber. Ela tornaria sua vida muito desagradável e certamente não lhe daria aulas de magia, arco e flecha e andar no dragão, nem caçaria a melhor combinação de livros para você ler.

Os guardas à nossa frente abrem a porta da suíte de Roarke. Roarke abaixa meu braço e gesticula para que eu ande na frente dele. — Bem, estou aliviada que ela goste de mim, — digo enquanto entro na sala de estar. — Não tenho certeza de como teria sobrevivido nas últimas semanas sem ela.

Sento no sofá enquanto Roarke recupera o pergaminho com os votos. — Porque você não recita os votos como você se lembra deles, — diz ele enquanto se senta ao meu lado. Ele desenrola o pergaminho, mas não me entrega. — Anotarei onde você errou e o que precisa ser corrigido.

Inclino minha cabeça para trás com um suspiro. — Isso vai ser tão romântico quando falarmos no dia de verdade. Uma ótima surpresa.

Ele me dá um olhar divertido. — Eu não sabia que você estava procurando romance, Lady Emerson. Certamente posso me esforçar mais, se é isso que você gostaria.

Eu levanto uma sobrancelha. — Você realmente não precisa se preocupar. Eu estava brincando. Como você apontou antes, nenhum de nós está nisso pelo romance.

Roarke se aproxima, descartando o pergaminho no chão. — Isso não significa que não devemos tentar, — ele sussurra enquanto se inclina para mim. Desvio o olhar e ele pressiona um beijo na lateral do meu pescoço, enviando um arrepio pelos meus braços. Eu xingo silenciosamente enquanto fecho meus olhos. Por que diabos eu tive que falar sobre o romance? Embora... talvez Roarke esteja certo. Enquanto ele arrasta um rastro de beijos pelo meu pescoço, me pergunto se talvez eu devesse estar fazendo um esforço com ele. Talvez eu descubra que gosto dele de verdade. Talvez mamãe e eu acabemos ficando, e não haverá necessidade de escapar, e viveremos aqui felizes pelo resto de nossas —

Mas aquela imagem do rei em sua caverna e do homem com a cabeça pendendo, pendendo, pendendo para o lado se desenrola na parte de trás das minhas pálpebras. Eu ouço a voz de Dash em minha mente, lembrando por que o rei Unseelie me quer. Você pode facilitar o trabalho sujo deles... Essas pessoas não são boas.

Eu abro meus olhos. — Roarke, eu não sei se eu — caramba! — Eu suspiro e me arrasto para trás no sofá conforme uma forma escura se ergue por trás de Roarke. Ele se espalha em câmera lenta como a capa de um vilão pronta para se acomodar sobre seus ombros. Roarke se afasta de mim, gira, murmura uma série de palavras que não consigo seguir e, com um flash de luz brilhante, a forma escura se divide em mil tentáculos de fumaça antes de desaparecer.

Pressiono minha mão contra o peito enquanto meu coração se recusa a desacelerar. — Que diabos foi aquilo?


Capítulo 18

 

 

 

ROARKE CORRE PARA O SEU QUARTO E VOLTA COM UM COLAR EM SUAS MÃOS, QUE COLOCA sobre minha cabeça sem hesitar. Ele dá um passo para trás e solta um longo suspiro. — Você já sabe o que era isso. Ou pelo menos, você já viu um antes.

Engulo, olhando para o pingente encostado sobre o meu peito. É o mesmo que vi Aurora usando com frequência. Prateado com uma pedra negra no centro. — Algum tipo de criatura das sombras, — eu digo com uma voz trêmula enquanto olho para Roarke. — Daquele lugar que você e Aurora me levaram.

Ele concorda. — Você não me perguntou nada sobre aquele dia.

— Eu não pensei nisso até... até muito recentemente. Está acontecendo muita coisa. Tantas coisas novas ocupando meus pensamentos.

— Aquela criatura, — Roarke diz enquanto se coloca ao meu lado no sofá novamente, — é o mesmo tipo de criatura que matou um homem nos jardins há algumas semanas. Ela sugou a vida dele. Não apenas a vida, mas a magia e a juventude também.

— E teria feito o mesmo conosco agora, — eu sussurro.

— Não comigo. Eu estava protegido. — Ele pega uma corrente no pescoço, uma corrente escondida embaixo da roupa e a liberta. No final da corrente, um pingente pendurado muito semelhante ao meu. — E agora você também está protegida, — ele acrescenta. — A magia embutida no amuleto afasta as sombras. Pedi a Yokshin para fazer um para você, e ele terminou hoje cedo. Eu deveria ter dado a você no momento em que entramos nesta sala, mas eu esqueci. Sinto muito, meu —

— Você esqueceu? E quanto a todos os outros dentro deste palácio? Todos deveriam estar usando esses amuletos.

— Está tudo bem, Em. As criaturas não deveriam estar no palácio. O que aconteceu alguns minutos atrás — e o que aconteceu com o guarda — não é normal e não acontecerá novamente. Quem deixar ela passar terá muitos problemas quando descobrir quem...

— Mas e se acontecer de novo?

— Não vai.

— E como elas estão chegando aqui? O que elas são? O que era aquele lugar sombreado? Por que Dash e eu não conseguimos abrir o caminho das fadas e por que tudo desapareceu atrás de nós quando encontramos nosso caminho de volta ao mundo mágico —

Roarke levanta uma mão. — Apenas ouça e eu vou lhe contar tudo. Queria contar tudo desde o primeiro dia em que te levei para lá, mas precisava saber que podia confiar em você.

Meu peito continua a subir e descer com respirações superficiais. — Como você sabe que pode confiar em mim agora?

— Eu não sei. Não inteiramente. Mas espero desesperadamente que você esteja do meu lado, porque eu quero muito mostrar tudo e explicar tudo para você. Porque você e eu, Emerson... — Ele segura minhas duas mãos nas dele enquanto um sorriso se estende por seu rosto. — Você e eu vamos governar esse mundo. Eu serei seu rei e você será minha rainha. Não apenas uma princesa, mas uma rainha.

— Eu... eu não entendo. — Tento me lembrar exatamente do que ouvi enquanto estava escondida no quarto dele, mas minha memória não inclui muito mais do que as palavras ‘reivindicação’ e ‘território’. — Já existem duas cortes. Seelie e Unseelie. Você está dizendo que o lugar das sombras não pertence a nenhuma corte?

— É exatamente o que estou dizendo. É um mundo completamente diferente. Um mundo que nem existia duas décadas atrás. — Roarke se aproxima e eu pego uma almofada e a abraço com força. Bandit se contorce contra meu quadril, e é estranhamente reconfortante lembrar que ele está lá. — Você sabe o que aconteceu naquela época, Emerson? — Roarke pergunta. — Cerca de dezoito anos atrás?

— Provavelmente me disseram, mas não me lembro.

— Uma magia poderosa rasgou o véu que separa o mundo mágico do mundo não-mágico. Mas depois que o corte apareceu no céu, não ficou assim. Não era simplesmente uma enorme porta entre dois mundos. Ele se dividiu ainda mais e os dois mundos começaram a se consumir. Um monumento antigo conseguiu detê-lo, mas você sabe o que, Emerson? Eu sempre me perguntei onde os pedaços de cada mundo foram parar. Eles não poderiam simplesmente ter desaparecido, poderiam?

Eu engulo e balanço a cabeça. — Eu não sei. As coisas pararam de fazer sentido quando descobri a magia.

Ele inclina a cabeça para o lado, me observando por alguns momentos. — Você conhece os caminhos das fadas, não é? Você sabe que eles são espaços escuros entre este mundo e o mundo em que você cresceu?

— Sim.

— Alguém já lhe disse que, com a quantidade certa de esforço, ao se recusar a pensar em alguma coisa, você pode ficar dentro dela por um tempo?

— Hum... talvez? — Dash pode ter mencionado algo assim, mas com todas as outras revelações me bombardeando quando cheguei aqui, é difícil lembrar exatamente.

— Aurora e eu fizemos isso. Perto do monumento onde o véu foi rasgado sobre Velazar II — essa é a parte da ilha onde está a abertura. A Guilda dividiu a ilha na metade há anos, para que a prisão pudesse permanecer em Velazar I. — Roarke levanta. — De qualquer forma, eu sempre fui tão curioso sobre essa abertura no ar, — continua ele, enquanto começa a andar de um lado do sofá para o outro. — Fiz muitas perguntas sobre isso durante minhas aulas, quando eu era criança. E ninguém parecia ter respostas suficientes. Então, Aurora e eu decidimos investigar sozinhos. Passamos de um lado para outro através da abertura do mundo mágico para o mundo não-mágico. Tentamos permanecer ocultos, é claro, mas os guardiões parados no monumento acabaram nos vendo. Eles tentaram nos perseguir e um deles agarrou Aurora, para que não pudéssemos simplesmente sair dos caminhos das fadas em segurança. Ela conseguiu chutá-lo enquanto estávamos dentro dos caminhos, mas a essa altura eles estavam perto o suficiente para que pudessem seguir o rastro de nossa magia.

— Então nos escondemos. Focamos furiosamente em nada, e os guardiões logo desapareceram. Não podíamos mais ouvir suas vozes na escuridão. Aurora disse que deveríamos sair caso ficássemos presos nos caminhos para sempre, mas foi quando vi à distância: luz acinzentada e nuvens de fumaça tão negras quanto a sombra. E o limite de dois mundos.

Se eu mesma não tivesse visto, e se a magia não se tornasse parte comum de minha vida cotidiana, estaria convencida de que Roarke pertencia à mesma instituição em que minha mãe passou os últimos cinco anos. — O limite dos dois mundos? — Eu sussurro.

— Foi o que vimos quando nos movemos em direção à luz. Um terreno gramado igual ao que atravessamos na ilha Velazar. Então terminou abruptamente e tornou-se um campo de grama alta cercado por três lados por uma cerca. Estes eram dois pedaços de terra distintamente diferentes, de dois mundos completamente diferentes — coexistindo em um mundo totalmente novo. Eles eram versões suaves dos originais, como se a maioria das cores tivesse sido sugada deles, mas eram reais. Inclinei-me e passei os dedos pela grama, para saber que não era uma ilusão. — Roarke para de andar e olha para mim. — Finalmente tive minha resposta, Emerson. Eu finalmente sabia o que tinha acontecido com aquelas partes de cada mundo que desapareceram. Eles não deixaram de existir; foram forçados a um novo mundo completamente.

— Então o que você fez?

Roarke se senta na beira do sofá e olha através da sala. — Aurora estava com medo. Ela disse que precisávamos sair. Ela tentou abrir um portal para os caminhos das fadas, mas não adiantou. Foi quando ela começou a pensar que deveríamos estar mortos. Ela acreditava que os guardiões haviam nos matado, e foi isso que aconteceu depois. Algum tipo de vida após a morte. Mas eu não acreditei. Minha mente já estava funcionando para entender esse mundo, para entender como funcionava. Pareceu que o mundo das sombras existia no mesmo espaço que os caminhos das fadas. Tecnicamente, ainda estávamos dentro dos caminhos das fadas, e é por isso que Aurora não conseguiu abrir um portal.

— Como você saiu? Quando Dash e eu estávamos lá, corremos até ver a abertura no véu e continuamos até parar na Ilha Velazar. Não conseguíamos sair de outra maneira.

— Ah, mas existe outra maneira. Mais de uma maneira, na verdade. — Ele olha para mim. — Como você normalmente sairia dos caminhos das fadas?

— Você se concentra em onde deseja parar, certo? São seus pensamentos que o levam até lá.

— Sim. E você pode deixar o mundo das sombras da mesma maneira, mas precisa realmente se concentrar. Eu acho que é como se você estivesse tão profundamente nos caminhos das fadas que é preciso um esforço conjunto e intensa concentração para sair. Um estado quase meditativo.

Meu polegar corre para cima e para baixo na borda da almofada enquanto processo sua explicação. — Isso não parece prático.

— Não. Não é. Por isso, vinculamos um feitiço para o caminho das fadas a uma vela viajante. Foi ideia de Aurora. Ela lembrou que é assim que as bruxas viajam. Elas não usam os caminhos das fadas. Em vez disso, elas adicionam um feitiço de viagem a uma vela. Quando a vela está acesa, a pessoa que a segura pode viajar para determinados lugares imaginando esse local. Muito parecido com o modo como os caminhos das fadas funcionam.

— Tudo bem, então você acende uma dessas velas especiais, mas e a intensa parte da concentração semelhante à meditação?

— Oh, a intensa concentração ainda está lá. Apenas precisa ser empregado ao criar e aplicar o feitiço à vela. — Roarke acena com a mão com desdém. — Magia de nível superior. Você chegará lá em algum momento. De qualquer forma, as velas também não são o método mais fácil de viajar. Elas acabam, é claro, e novas velas precisam ser feitas. Então eu fui um passo além. — Ele se levanta mais uma vez e pega minha mão. — Eu criei um portal. Bem aqui na minha suíte, para acesso contínuo e fácil.

Minha mente volta ao círculo de magia que vi na parede do banheiro de Roarke. Sem uma palavra, deixei que ele me levantasse. Ele me leva pelo quarto e abre a porta do banheiro. Não preciso fingir surpresa quando vejo o portal; o medo no meu rosto provavelmente faz um trabalho bom o suficiente para esconder o fato de que eu já estive aqui antes. — É assim que as criaturas de sombras estão chegando a este mundo, — eu digo.

— Sim. Eu tenho homens do outro lado protegendo o portal das criaturas, embora eles claramente precisem ser lembrados de como fazer seu trabalho corretamente. Não temos certeza o que são essas criaturas, mas as chamamos de Sombras de Tinta. Na maioria das vezes, elas se movem lentamente, como tinta preta se espalhando pela água. Outras vezes, elas se misturam tão completamente com as sombras que parece que elas se tornam sombras.

Estremeço ao me lembrar de me esconder sozinha aqui. Uma Sombra poderia ter surgido a qualquer momento e sugado a vida de mim. — Então isso vai acontecer novamente, — eu digo com uma voz trêmula. — Outra Sombra passará, e se você não vir e matá-la, machucará alguém.

Roarke esfrega meu braço, como se isso pudesse me confortar. — Isso não vai acontecer novamente. Também vou colocar guardas deste lado. Se uma sombra de tinta escorregar para este mundo, será morta antes que possa chegar a alguém. — Ele dá um passo em direção ao portal antes de voltar e estender a mão para mim. — Podemos?

Eu balanço minha cabeça vigorosamente. — Não, obrigada. Não preciso voltar para lá.

— Mas você está segura agora. Você tem um amuleto. Elas não podem te machucar.

Franzo o cenho ao perceber algo. — Eu não estava segura da primeira vez. Dash também não. Você nos disse para nos escondermos quando ouviu seu pai chegar, o que significava que estávamos sozinhos naquele mundo estranho. Sombras de tinta poderiam ter nos matado. Uma quase conseguiu.

Roarke olha para baixo, sua expressão se tornando convenientemente arrependida. — Eu sinto muito. Já tínhamos nossos amuletos havia um tempo. Esquecemos que havia necessidade de ter medo.

— Você esqueceu? Você continuou falando sobre quão poderosa e valiosa é minha Habilidade Griffin, e então me deixou sozinha em um mundo estranho com criaturas perigosas que poderiam ter sugado minha magia e vida de mim?

— Você deveria se esconder, não fugir. Eu apontei para você a direção certa. Se você seguisse esse caminho, teria visto a porta na cerca que levava às passagens subterrâneas.

— Nós seguimos o caminho que você apontou. Eu não vi nenhuma...

— Emerson. — Ele agarra meus ombros e me dá uma pequena sacudida. — Simplesmente pare. Me desculpe, tudo bem? Eu nunca quis que nenhuma criatura fosse atrás de você. E agora que você está devidamente protegida, ficará bem. Você pode ver esse mundo incrível como ele é.

— Incrível? O que há de tão incrível nas criaturas das sombras e em um mundo incolor e etéreo?

— Por favor, — diz Roarke. — Por favor, venha comigo e eu vou lhe mostrar. Isso é tudo que eu queria que você visse desde que nos conhecemos. Prometo que não há nada assustador neste mundo agora que você está usando esse amuleto. As sombras de tinta simplesmente passarão por você.

Eu me pergunto se devo recusar, apenas para ver se ele vai me forçar. Para ver se Dash estava certo sobre ele. Mas tenho muito medo de deixá-lo com raiva. Então eu aceno e pego a mão dele, e ele me leva para a magia em espiral.


Capítulo 19

 

 

A MAGIA DO PORTAL GIRA EM CÍRCULOS AO MEU REDOR, E EU FICO QUASE INSTANTENEAMENTE TONTA. Fecho meus olhos, agarro a mão de Roarke e dou alguns passos desajeitados para frente. — Você pode abrir os olhos, — ele me diz enquanto a tontura desaparece. Eu abro e pisco algumas vezes antes de me concentrar no mundo quase incolor ao meu redor. A grama, as flores, as árvores e as cercas — tudo está variando em tons de cinza azulado. A única cor vibrante pertence aos quatro guardas que prestam atenção na nossa repentina aparição.

— Vocês gostariam de me explicar, — Roarke diz a eles, — por que acabei de matar um sombra de tinta em minha sala?

O guarda mais próximo pisca. — S-Sua Alteza?

Eu ando lentamente para longe deles enquanto eles gaguejam desculpas e Roarke ameaça dá-los como comida para o dragão favorito de sua irmã. Olho em volta, tentando descobrir onde eu estava quando Roarke e Aurora me trouxeram aqui pela primeira vez e para que lado eu e Dash corremos. Em algum lugar à direita, eu acho. Vejo sebes mais artisticamente cortadas nessa direção, e o banco em que eles podem ter se sentado ao me apresentar sua oferta. Ando um pouco mais e vejo um castelo à distância. Bem, parte de um castelo, para ser mais precisa. Parece aberto e inacabado de um lado, e estranhamente turvo devido aos fragmentos de uma substância negra semelhante a fumaça ondulando no ar aqui e ali. Além do castelo, o mundo desaparece na escuridão.

— Incrível, não é? — Roarke diz, caminhando até mim.

— Você me disse que encontrou um pedaço de terra com grama ao lado de um campo quando descobriu este mundo. Então, de onde veio tudo isso?

— Aurora e eu construímos.

Eu viro meu olhar para ele. — Com magia?

— Sim, com magia. Por isso está parcialmente construído. Só podemos fazer um pouco de cada vez. Esgota nossa magia rapidamente, e então precisamos descansar antes que possamos fazer mais. — Ele pega minha mão e a aperta enquanto sorri. — Você vê agora, Emerson? Você vê por que você é a rainha perfeita para este mundo?

Olho para o meu pulso, onde o rubi na minha pulseira está quase completamente vermelho. Uma parcela de pedra transparente em uma extremidade indica que me restam cerca de duas horas até que a energia retorne à minha voz pela segunda vez hoje. — Porque minha Habilidade Griffin pode construir qualquer coisa? — Eu pergunto, olhando para cima novamente.

— Você pode literalmente falar e trazer existência a este mundo. — Ele estende a mão livre e passa os dedos pelas folhas cinza-prateadas do arbusto ao lado. Um tentáculo negro, tipo fumaça, se enrola lentamente em torno de sua mão e desaparece. — Além disso, sua magia tornará muito mais simples reivindicar esse mundo como nosso.

— O que você quer dizer?

— Este mundo será nosso, Emerson. Oficialmente. Você e eu seremos seus governantes.

Olho para nossas mãos entrelaçadas. E como, eu me pergunto, a mulher com quem você estava sussurrando no seu quarto está envolvida em tudo isso? No entanto, não há como perguntar isso, então eu faço uma pergunta diferente. — Pelo que você sugere, suponho que se tornar o governante de um mundo envolve mais do que apenas colocar uma bandeira no chão?

Roarke me dá um olhar confuso. — Essa pode ser a maneira que eles fazem as coisas no reino humano, mas no reino fae, há magia envolvida em reivindicar adequadamente um território. A magia e as criaturas da terra estarão ligadas a você. Isso não significa que eles não podem desobedecer a você, apenas os torna mais inclinados a agir a seu favor. A Corte Unseelie e a Corte Seelie são territórios que foram reivindicados com magia. Com sua Habilidade Griffin, podemos reivindicar este mundo para nós.

— Mas não entendo por que você precisa da minha Habilidade Griffin. As pessoas obviamente já fizeram esse tipo de feitiço antes sem meu tipo específico de magia.

— É verdade, mas estou falando de magia complexa envolvendo sangue real e sacrifícios e muitas palavras específicas. Com sua Habilidade Griffin, poderemos simplesmente dizer ao mundo que ele pertence a nós, e isso é tudo.

— Você realmente acha que é assim tão simples?

— Em breve descobriremos, — ele murmura, olhando a terra que ele já começou a construir.

Eu mordo o lábio enquanto olho para a torre no lado completo do castelo. Provavelmente não devo dizer o que vou dizer, mas preciso entender Roarke e seus motivos. — Por que não fazer agora? Você já me obrigou esta noite — me disse o que dizer quando minha Habilidade Griffin reabasteceu — mas você pode mudar isso. Você poderia me forçar com outra poção de compulsão para dizer a este mundo que ele pertence a você. Se é isso que você realmente procura, então por que está perdendo tempo em uma união?

Ele me encara completamente e segura cada uma das minhas mãos nas dele. — Primeiro, este mundo não é tudo o que eu quero. Quero me juntar a uma das faeries mais poderosas que já conheci. Você. E segundo... você ainda não entende que eu não sou como meu pai? Não quero forçar ninguém a fazer nada. Sim, quero este mundo mais do que tudo e farei o que puder para convencê-lo de que nossa união é uma boa ideia. Mas se você recusar, eu nunca te forçaria.

— Você nunca me forçaria? — Repito, incrédula. — Roarke, você me obriga todos os dias a dizer exatamente o que quer que eu diga cada vez que minha Habilidade Griffin está pronta para ser usada.

— Para manter meu pai feliz até a união, eu obrigo você a dizer o que ele quer que você diga. Ele ainda não confia em você.

— Então por que ele de repente confiaria em mim depois da união? Ele quer o meu poder tanto quanto você. Ele nunca vai parar de me obrigar. Ele nunca se arriscaria a usar minha magia contra ele ou qualquer outra pessoa em sua corte.

Um sorriso curva os lábios de Roarke. — Você está conhecendo meu pai, entendi.

— Então você concorda comigo?

— Concordo. Meu pai nunca vai parar de forçar você a falar à vontade dele. Mas uma vez que você e eu estivermos unidos e o mundo das sombras ser nosso, este será o nosso lar. Estaremos longe dele e da terra e posição que ele não me permitirá herdar por séculos. Ele terá que declarar guerra ao próprio filho para colocar as mãos em você.

— Então esse é o seu plano final? Ir contra seu pai e assumir um novo território?

— Sim. Se eu não fizer isso, levará séculos para que eu possa dominar qualquer coisa.

— E se seu pai realmente declarar guerra a você? Ele tem exércitos. Certamente ele te derrotaria?

Roarke levanta os ombros em um preguiçoso meio encolher de ombros. — Há muitos na corte que são leais a mim. Eles nos seguiriam para cá. Eles lutariam por nós. Mas sim, há uma boa chance de meu pai ainda me derrotar. Você, no entanto... — Ele tira uma mecha de cabelo da minha bochecha. — Ele nunca iria derrotá-la.

Um arrepio percorre minha pele. Um sussurro de excitação se agita profundamente dentro de mim. Em minha mente, começo a ver uma vaga imagem de um futuro que nunca esperei. A promessa de poder, a promessa de finalmente estar no controle da minha própria vida. Não apenas a minha, mas muitas outras. E mamãe também estaria lá, vibrante, saudável e me aconselhando. Essa imagem do meu futuro é sedutora de uma maneira que reconheço que não é saudável. Mas eu nasci com esse poder. Talvez este novo mundo seja para eu usá-lo. — Você pode estar certo, — murmuro.

— Então você vê agora? — Eu ouço o entusiasmo na voz de Roarke. — Você vê as infinitas possibilidades deste mundo e seu poder dentro dele?

Eu concordo. Olho em volta. — Então a abertura no véu é naquele caminho? — Eu pergunto, apontando para a minha direita.

— Sim.

— Você sabe que a Guilda está planejando fechá-la, certo?

— Eu sei disso, sim.

— O que você acha que vai acontecer com este mundo então? E se deixar de existir? Todos os seus planos serão por nada então.

Roarke balança a cabeça. — Acho que não vai desaparecer. Fechar o véu não fará que os mundos sejam como antes. Fechará a abertura, só isso. Se, no entanto, o véu fosse mais aberto...

Eu franzo a testa, seguindo sua lógica. — Então este mundo aumentaria?

— Eu acredito que sim. É limitado no momento. Muito pequeno. Tentamos empurrar os limites, mas acabamos construindo na escuridão completa dos caminhos das fadas. Precisamos de mais espaço aqui. Precisamos estender esse mundo.

— Mas se você abrir ainda mais o véu, destruirá mais ainda o mundo humano e fae no processo.

Com um contorcer despreocupado de sua boca, Roarke diz, — Esses mundos já são grandes o suficiente. Eles podem sobreviver ficando um pouco menores.

Como um arrepio frio que se arrasta quando a noite cai, meu corpo começa a esfriar. — Partes desses mundos desaparecerão para sempre. Pessoas vão morrer. Ou... ou se tornarão parte das sombras deste mundo. Não sei, mas de qualquer forma, estaríamos matando-os.

— Não seja tão dramática, — diz ele com uma risada. — Além disso, seu mundo já está superpovoado. O meu está indo na mesma direção. Estaríamos ajudando esses mundos usando-os para estender o nosso. — Ele caminha na direção do castelo, me puxando junto com ele. — Examinei mais de perto aquele monumento na ilha de Velazar nos últimos meses e meus espiões me disseram tudo o que sabem sobre esse feitiço de restauração de véus que a Guilda implementará em breve. Eu acho que podemos interrompê-lo. Quebrá-lo. Aumentá-lo. Nós só precisamos saber quando acontecerá, para que possamos estar preparados. E então, minha adorável Emerson, podemos continuar construindo este mundo.

O calafrio que se arrasta pela minha pele não é mais um arrepio de excitação. Mal posso acreditar no que ele planeja fazer. O que ele planeja para eu fazer. Ele realmente acha que eu ficaria feliz com isso? Eu pintei uma imagem tão sombria do meu velho mundo que ele acha que eu alegremente destruiria partes dele? Olho para longe dele, meu coração afundando rapidamente. Por alguns instantes, pensei ter descoberto meu propósito, meu futuro. A casa que eu sempre quis para mamãe e eu. Mas não posso fazer o que ele está sugerindo. Eu não posso destruir mundos. Eu não posso matar pessoas.

E também não posso deixar que Roarke faça nenhuma dessas coisas.

Mas como diabos eu o pararia? Seria quase impossível. Eu precisaria ter controle sobre minha própria magia Griffin e teria que colocar um comando nele e todos os outros que responderem a ele. E isso teria que acontecer depois que ele curasse mamãe; de jeito nenhum ele faria algo por ela se eu estragasse seus planos de dominação mundial. E mamãe e eu teríamos que estar prontas para escapar assim que ordenasse a Roarke que não rasgasse mais o véu.

É muito arriscado. Há muitas coisas que podem dar errado. Quem sou eu para impedir um príncipe de qualquer maneira? Eu não sou ninguém. Eu preciso apenas me concentrar em tirar mamãe e eu daqui, depois que Roarke a curar. O que quer que ele faça sozinho depois disso estará em sua consciência, não na minha.

Eu não sou corajosa ou altruísta. Estou apenas fazendo o que tenho que fazer para sobreviver.

Meus pés param de se mover quando minhas palavras de ontem voltam para mim em uma corrida doentia, seguida imediatamente pela resposta de Dash: Você pode dizer a si mesma a mentira que quiser, mas eu sei que você é mais do que isso.

— Eu não sou, — eu sussurro.

— Hum? Você não é o quê? — Roarke olha para mim. — Você não vai ajudar esses mundos?

O mundo das sombras volta a se concentrar ao seu redor, e minhas aspirações passageiras de bravura desaparecem de volta aos recessos da minha imaginação. — Desculpe, — eu digo com uma risada forçada. — Eu acabei em uma linha de raciocínio. Eu só quis dizer... que atualmente não estou fazendo diferença para ninguém nem para nada. Eu me via como insignificante. Mas agora, com meu poder e este mundo, posso fazer a diferença. — Eu olho corajosamente em seus olhos, esperando ter coberto meu erro bem o suficiente. Pelo seu sorriso e pela maneira como seu olhar percorre avidamente meu rosto, vejo que lhe dei exatamente o tipo de resposta que ele esperava.

— Eu sabia que você iria entender. Mal posso esperar pelo dia da união. — Ele me puxa para mais perto e pressiona seus lábios nos meus. Fico tão chocada que quase o empurro de volta. RELAXE, grito silenciosamente antes que eu possa me entregar. Eu forço minhas pálpebras fecharem. Entrelaçando meus braços timidamente em torno de seu pescoço, tento me fundir contra ele. Tento fingir que estou gostando da sensação estranha de lábios desconhecidos se movendo contra os meus.

Quando mantenho o ato de beijar durante o tempo que posso aguentar, me afasto. Minhas palavras estão ofegantes quando digo, — Também estou empolgada. Vamos voltar para sua suíte e continuar praticando os votos? Eu quero acertá-los direito. Não quero que nada dê errado nesse dia.

Roarke olha para mim como se não pudesse ter pedido nada melhor. Ele coloca um braço em volta de mim e nos afastamos do castelo e voltamos para o portal. — Há algo que você queira me perguntar? Sobre o mundo das sombras?

A mulher com quem você estava conversando no seu quarto, eu quero dizer. Quem é ela? Como ela se encaixa no seu novo mundo? — Não, — digo em vez disso, porque não sou corajosa o suficiente para arriscar a raiva dele. — Ainda não tenho outras perguntas. Estou ansiosa para experimentar minha Habilidade Griffin em algo útil, como trazer plantas, edifícios e criaturas à existência.

— Eu também. Podemos tentar amanhã. Eu já a obriguei a dizer algo mundano hoje, quando a sua Habilidade Griffin retornar; pode muito bem deixar assim. Você pode descansar um pouco e voltaremos aqui amanhã para tentar algo emocionante.

Depois de retornar pelo portal, passo mais meia hora praticando os votos com a assistência de Roarke. Felizmente, ele não tenta nada mais íntimo do que descansar a mão no meu joelho. Quando volto para o meu quarto, tiro Bandit do bolso. Ele se transforma em um gato nos meus braços, e eu o abraço com força enquanto olho a noite de inverno pela janela.

As palavras de Dash voltam novamente — eu sei que você é mais do que isso — e gostaria de poder me explicar a ele. Eu não cresci como você, eu diria a ele. Eu nunca quis salvar ninguém, exceto minha própria mãe. Salvar Stanmeade foi apenas um acaso. Eu não sou uma heroína e não consigo parar o Roarke.

Antes de ir para a cama, tiro a roupa e afundo em uma piscina quente cheia de água fumegante e bolhas de prata. Eu deslizo para baixo, deixando a água cobrir minha cabeça, esperando que ela remova a vergonha do meu corpo.


Capítulo 20

 

 

AGORA QUE EU SEI SOBRE O MUNDO DAS SOMBRAS, ROARKE ESTÁ ANSIOSO PARA ME TRAZER DE VOLTA PARA LÁ. EU MAL comi algo da bandeja de café da manhã na minha sala de estar quando dois de seus guardas chegaram para me acompanhar até a sua suíte. Eu ando pelos corredores lustrosos com eles, me sentindo um pouco melhor do que na noite passada. Provavelmente porque consegui empurrar minha culpa para os confins da minha mente, onde não preciso pensar muito sobre isso.

— Em, estou tão feliz que você saiba tudo sobre esse lugar agora, — diz Aurora quando me recupero da tontura do outro lado do portal. — Eu odiava manter isso em segredo de você. — O sorriso dela não alcança os olhos, no entanto, e começo a me perguntar se Roarke pode estar certo: talvez ela tenha medo de perder sua nova amiga assim que a união ocorrer. Mas não posso perguntar a ela sobre isso agora. Seria estranho com Roarke aqui.

— Eu também, — digo a ela, forçando um sorriso largo no meu rosto. — Mal posso esperar para ver o que minha Habilidade Griffin pode fazer aqui.

— Yokshin fez mais velas, — Aurora diz a Roarke, removendo uma bolsa do ombro. Ela olha para ele e segura a bolsa em direção a um dos guardas de Roarke. — Por favor, atravesse o castelo e, onde quer que você veja uma cômoda, adicione algumas velas nas gavetas. — O guarda responde com um aceno de cabeça e rapidamente se apressa para fazer o que lhe foi dito.

Olho em volta, observando que a luz parece ser exatamente a mesma de quando Roarke e eu estávamos aqui ontem à noite. — Que horas são? — Eu pergunto.

— Dia e noite parecem não existir aqui, — diz Roarke. — Não vimos sol ou lua, e a mesma luz acinzentada sempre enche o céu. Nós não sabemos a fonte da luz. Talvez seja uma cópia mágica da luz que iluminava o mundo original de onde veio esta terra.

— Isso é tão estranho.

— Sim. Podemos tentar mudar isso, talvez, mas por enquanto, deixe-me mostrar sua futura casa, — diz Roarke, colocando um braço em volta de mim e me levando para frente.

Enquanto nos dirigimos para o castelo, não posso deixar de compará-lo ao palácio em que passei as últimas semanas. Mármore brilhante, acabamentos dourados e uma estrutura complexa tornam o Palácio Unseelie um edifício bonito e impressionante de se ver. O castelo de Roarke é mais plano e parece muito mais fortificado com suas paredes de pedra, fosso e ponte levadiça. — Não parece particularmente acolhedor, — comento.

— Não é para ser, — diz Roarke. — Espero que alguém tente tirar esse mundo de nós, por isso estou preparado para lutar por ele. Você notará que o castelo ainda exige muito mais trabalho. Construímos apenas cerca da metade. E até agora o fosso fica apenas em frente ao portão principal. Ainda precisamos estendê-lo por todo o castelo.

— Então, você espera que minha magia possa ajudá-lo com isso?

— Sim.

Tentáculos pretos e esfumaçados se erguem do chão e se enrolam preguiçosamente ao nosso redor enquanto caminhamos. A sombra opaca e indistinta projetada por um dos arbustos cortados ornamentalmente se torna mais escura e mais sólida. Se eleva do chão como uma gota de tinta preta dispersando-se na água, coalescendo grosseiramente na forma de uma arraia sem cauda. Paro de andar e me abaixo quando a sombra de tinta vem em nossa direção, mas ela simplesmente sobrevoa e continua no seu caminho.

— Você está protegida pelo seu amuleto, lembra? — Roarke diz.

— O interior do castelo também é protegido, — acrescenta Aurora. — Bem, quase tudo. As torres ainda não estão seguras, mas à medida que construímos cada sala, adicionamos os encantos de proteção às paredes internas para que as sombras de tinta não entrem.

— Planejamos erradicar todas elas, é claro, — continua Roarke, — mas, caso não consigamos, nossa casa estará ao menos segura por dentro.

Olho por cima do ombro para me certificar de que ainda há guardas parados do lado de fora do portal. Não que eu esteja super confiante em suas habilidades, se eles já conseguiram deixar duas sombras de tinta passar por eles sem nem perceber. Quero sugerir mais uma vez que todos no palácio tenham um amuleto, mas posso ver por que Roarke não está interessado nessa precaução. Exigiria que ele ou o pai explicassem por que os amuletos são necessários — e isso não acontecerá enquanto eles mantiverem este mundo em segredo.

— Presumo que seu pai saiba de todo o edifício que você está construindo neste mundo? — Eu pergunto, olhando para frente novamente.

— Sim, embora ele pense que é para a família. Ele vê este lugar como mais um retiro — um destino de férias — e está feliz por podermos preenchê-lo da maneira que quisermos. Ele não tem ideia de que logo reivindicarei este mundo como meu. Como nosso, — ele corrige, segurando minha mão.

Olho para o meu outro lado para Aurora. — E você não se importa?

Ela mantém os olhos voltados para frente. — Não me incomoda que Roarke queira governar seu próprio território. Eu não estou interessada nesse tipo de coisa. Mas eu me recuso a escolher lados, se ele e o pai acabarem brigando.

Roarke solta uma risada baixa. — Espero que o Pai entenda.

Tendo conhecido o Rei Unseelie, duvido que ele responda razoavelmente quando descobrir que seu filho assumiu este território e roubou a nova e brilhante arma Dotada Griffin — eu — só para ele. Mas, com alguma sorte, mamãe e eu já teremos ido embora quando o rei retaliar.

Atravessamos a grama cinza e seguimos para a ponte levadiça. Uma vez dentro do castelo, Roarke e Aurora passam a próxima hora ou duas me mostrando tudo o que já construíram e discutindo exatamente o que devo tentar com minha Habilidade Griffin. Roarke continua olhando para o rubi no meu pulso, que, no final da manhã, está quase completamente cheio de cor.

À medida que minha magia Griffin se aproxima do ponto em que está pronta para ser usada, caminhamos pelos corredores frios de pedra em direção ao lado inacabado do castelo. Chegamos a uma sala vazia com apenas três paredes, aberta de um lado onde deveria estar a quarta parede. Saio para a grama e me viro para olhar para as salas parcialmente formadas e mobiliadas deste lado do castelo.

— Quanto você quer tentar construir? — Pergunta Aurora. — Um quarto? Uma suíte? Uma ala inteira?

— Eu não faço ideia. Não sei do que minha magia é capaz.

— Experimente o que sugerimos um pouco antes, — diz Roarke. — Uma sala completa com móveis dentro.

Eu pisco para ele. — Você não vai me compelir?

Seus olhos se voltam brevemente para Aurora antes de voltar para mim. — Não vejo necessidade. Confiamos um no outro agora, não é? Você não vai se rebelar e usar sua magia contra nós. Você vai? — ele adiciona.

— Claro que não. — Mas é exatamente isso que minha mente pensa. Esta poderia ser minha chance. Eu poderia ordenar que Aurora ficasse aqui, e ordenar que Roarke deixasse este mundo comigo. Eu poderia deixá-lo em algum lugar, buscar minha mãe e dizer a ele — com qualquer magia Griffin me restasse — para curá-la. E os guardas... eu poderia ordenar que eles ficassem aqui também? A magia funcionaria se eles estivessem no portal e não pudessem me ouvir?

— Emerson? — Roarke franze a testa para mim. — Você parece incerta sobre alguma coisa. Você gostaria de me dizer o que está planejando para a sua magia?

— Desculpe, só estou pensando. Nem sempre sei qual a melhor forma de expressar esses comandos. — Olho para Aurora, mas ela está mordendo o lábio e olhando para o chão, com a mente claramente em outro lugar. — Hum, quero dizer... quantos detalhes você acha que preciso dizer? Seria o suficiente dizer a uma cadeira para se formar e depois imaginar como ela se parece na minha cabeça? Ou você acha que preciso falar sobre a cor da almofada, o formato da cadeira e... — eu paro, metade da minha mente ainda tentando descobrir se posso arriscar usar minha habilidade para comandar todas as pessoas do mundo das sombras em vez de fazer o que Roarke quer que eu faça.

— Eu não sei, — diz Roarke. — Não é minha magia. Você precisa experimentar e ver o que acontece.

Aurora pigarreia, parecendo retornar de quaisquer pensamentos em que se perdeu. — Bem, com a sua experiência nas últimas semanas com todos os comandos maçantes que Roarke a obrigou a dizer, aprendemos que suas intenções e pensamentos são quase tão importantes quanto as palavras que você diz em voz alta. Então, acho que você não precisa falar todos os detalhes. Basta imaginá-los e, com sorte, sua Habilidade Griffin fará o resto.

Sem ter que olhar para o rubi, sinto o momento em que meu poder está totalmente carregado e pronto para escapar de mim. Decido então que não posso arriscar comandar Roarke agora. Ainda não tenho controle suficiente e, se não disser tudo perfeitamente, poderia facilmente acabar como uma prisioneira em vez de uma noiva.

— Ah, e tente não deixar toda a sua magia ir em um comando, — acrescenta Aurora. — Veja quanto você pode segurar.

Olho para a sala vazia de três paredes na minha frente e começo a falar. — Há outra sala aqui, — digo, imaginando a sala se formando ao nosso redor, adicionando sobre a existente. Minha voz reverbera daquela maneira estranha e profunda que ainda soa assustadora para meus ouvidos. — Tem uma janela grande de um lado, com um assento embaixo da janela e almofadas espalhadas pelo assento. Painéis de madeira cobrem as paredes e o chão, cortinas penduradas na janela e três poltronas no meio da sala.

A magia corre de mim e eu cerro as mãos em punhos, meu corpo todo tenso enquanto tento segurar a inundação. Imagino-me lentamente virando uma torneira, soltando apenas a quantidade necessária de energia. E então, ao nosso redor, as paredes começam a subir do chão. Observo com total espanto os painéis de madeira se materializando para cobrir as paredes, e um teto se espalha pelo ar acima de nós. Onde o teto encontra as paredes, molduras ornamentais se transformam em cornijas que parecem exatamente do jeito que eu as imaginava.

— Oh, olha! — Aurora exclama quando uma das paredes se empurra para fora em uma janela. Um assento se ergue e almofadas coloridas se expandem em cima dele. Cortinas iguais às do meu quarto no palácio caem dos dois lados da janela.

— Oh! — Eu jogo minhas mãos para me firmar conforme um piso de madeira aparece sob nossos pés. Uma sensação estridente e retumbante viaja pelo meu corpo — a fundação se forma sob o solo? — antes de desaparecer alguns segundos depois. Então, quando três cadeiras se desdobram do ar bem à nossa frente, recuamos apressadamente. As poltronas se expandem, suas almofadas fofas e as pernas moldadas no design vintage de garras que já vi em muitas das cadeiras que decoram o Palácio Unseelie. Imaginei-as como garras de dragão na minha cabeça e, quando as cadeiras deslizam para suas posições finais no centro da sala, as garras se alongam e afiam em versões de madeira sólida dos pés de Imperia.

Finalmente, tudo fica quieto. Uma onda de cansaço ondula sobre mim, embora não seja suficiente para atenuar a maravilha absoluta que sinto por ter criado tudo dentro desta sala. Levanto minha mão, toco levemente a parede mais próxima de mim para ter certeza de que é real e, em seguida, inclino meu peso com mais força contra ela.

— Incrível, — Roarke murmura. — Estudamos feitiços de arquitetura, mas tudo ainda leva muito tempo para ser criado. Então você vem e completa uma sala inteira em menos de um minuto. É alucinante.

— Absolutamente, — Aurora respira, seus olhos traçando o conteúdo da sala antes de finalmente pousar em mim. — Como você está se sentindo?

— Bastante cansada, mas ainda não esvaziei todo o meu poder. Consegui segurar um pouco, embora fosse difícil. Eu posso senti-lo lutando para se libertar. — Afasto da parede, parte da minha atenção focada em lutar com a minha magia Griffin restante em submissão. — Devo tentar outra coisa? Algo maior? Se for demais para a minha magia, presumo que simplesmente... não acontecerá?

— Eu não sei. Talvez. O que você quer tentar? — ela pergunta.

— Hum... algo lá fora? — Sei que não criei uma saída desta sala além da janela, mas um simples comando resulta em uma porta se formando entre essa sala e a sala vazia ao lado. Andamos até uma das salas que ainda estão abertas de um lado e seguimos para a grama. Eu procuro algo a acrescentar a essa paisagem monótona para torná-la um pouco mais bonita. Posso adicionar cor? Eu poderia adicionar um sol, lua ou estrelas?

Eu ergo meu olhar para o céu cinzento acima e profiro um simples comando, — Há estrelas no céu. — É um alívio deixar o restante da minha magia Griffin sair do meu corpo. Muito acima, pontadas de luz começam a aparecer. Tenho uma vaga lembrança de como as estrelas são realmente formadas, mas não tenho ideia se essas são estrelas de verdade lá em cima, ou se são apenas bolas de luz mágica flutuando acima... acima...

A luz fica mais brilhante e o mundo fica branco. Tonturas nauseantes correm sobre mim. Minha cabeça se inclina para trás e caio sem peso no nada. O branco fica preto. Escuridão total me envolve.

Após um período indeterminado, a luz fraca se reúne lentamente em minha visão. Percebo que estou deitada na grama com tentáculos de fumaça negra subindo preguiçosamente no ar em ambos os lados de mim e uma voz chamando fracamente meu nome de longe. Os lábios de Aurora se movem quando ela se inclina sobre mim, seus traços confusos. — Em? Em! — Sua voz é um eco que se aproxima lentamente, eventualmente se sobrepondo ao movimento de seus lábios. — Em. Emerson!

— Hum?

Roarke aparece ao lado dela. — Aqui, deixe-me dar isso a ela. Peguei nos suprimentos de Yokshin.

— Tem certeza de que é a coisa certa?

— Sim. Eu já tomei isso antes. — Roarke levanta minha parte superior do corpo e me puxa contra seu peito. Ele remove a tampa de uma pequena garrafa de vidro marrom que, por um momento, me lembra os remédios de ervas de Chelsea. É tão estranho pensar em seu pequeno salão comum em sua casinha comum, quando estou deitada no chão de um mundo estranho sob um punhado de estrelas que criei com minha própria magia. Uma risada ofegante me escapa, o que aumenta a preocupação no rosto de Aurora e faz Roarke parar com a garrafa bem na frente dos meus lábios.

— Em? — Aurora diz com uma voz que soa mais alta que o normal. — Por que você está rindo?

Então lembro que Chelsea não está mais viva e nunca fará outro remédio herbal, e o sopro dá risada morre nos meus lábios.

— Eu vou dar a ela, tudo bem? — Roarke diz.

— Espere, — diz Aurora, parando sua mão antes que ele possa colocar a garrafa contra os meus lábios. — Essa poção serve para restaurar a magia normal depois de usar muito, mas Em estava usando a magia Griffin. Seus níveis de magia normal devem estar totalmente bons. Essa poção não vai ajudá-la.

— Também não pode doer, — diz Roarke, derramando um pouco de líquido na minha boca.

Eu já começo a me sentir menos tonta, mesmo antes do líquido desconhecido queimar na parte de trás da minha garganta. Eu lambo meus lábios e empurro meu cabelo para longe do meu rosto. — Por que eu desmaiei?

— Acho que você tentou fazer demais, — diz Aurora. — Sua Habilidade Griffin tentou executar seu comando, mas você não tinha magia suficiente para encher um céu inteiro de estrelas. — Seus olhos ainda estão arregalados enquanto ela se senta desajeitadamente na grama na minha frente em sua volumosa saia amarela coberta de folhas douradas. — Você precisa aprender seus limites antes de tentar algo tão grande, Em. Você não quer se matar acidentalmente.

Eu pisco para ela. — Você acha que isso poderia realmente acontecer?

— Eu não sei! — Ela joga as mãos para cima. — Ninguém mais tem magia como a sua. Ainda estamos descobrindo, lembra?

— Por que você está brava comigo?

— Porque você deveria ter sido mais cuidadosa.

— Ela está preocupada, só isso, — diz Roarke. Ele ainda está com um braço em volta de mim, mas sou forte o suficiente para me sentar sozinha, então me afasto gentilmente dele.

— Eu também estou preocupada, — eu digo. — Não sabia que minha Habilidade Griffin chegaria ao limite com algo tão simples. Obviamente, não é tão poderosa quanto todo mundo pensa que é.

Roarke ri. — Você criou estrelas, Emerson. E não apenas duas ou três; dezenas delas apareceram antes que você perdesse a consciência. Isso é muito mais poderoso do que qualquer magia que um faerie comum possui. E acho que se você guardar tudo — se não a usar imediatamente toda vez que sentir o poder vindo — provavelmente poderá fazer coisas maiores.

— É perigoso testar essas 'coisas maiores', — diz Aurora, com a testa franzida em uma carranca profunda. — Você precisa ser cuidadosa.

— Não se preocupe, — Roarke diz a ela. — Não deixarei nada acontecer com Emerson.

Ela olha diretamente para ele, cruzando os braços sobre o peito. — Você não deixará?

— Claro que não. — Ele parece ofendido. — Você sabe o quão rápido eu corri de volta ao palácio para pegar aquela poção? Não confiei em nenhum dos meus homens para chegar lá o mais rápido possível. — Ele coloca uma mão sobre a minha. — Fiquei aterrorizado ao pensar que você podia não se recuperar, Emerson. Eu sei que nenhum de nós está nisso por amor, mas eu me importo com você.

— Você se importa com a Habilidade Griffin dela, — murmura Aurora.

Roarke fixa seu olhar escuro de borgonha nela. — Por favor, não faça comentários desdenhosos assim. Não é o tipo de comportamento que combina com uma princesa. Você é melhor que isso, Aurora.

Ela nivela seu olhar fervendo por vários momentos antes de desviar o olhar. — Você está certo. Peço desculpas. Eu só quero que você e Em sejam felizes, é claro. Para cuidar um do outro.

— E é exatamente isso que faremos. — Roarke passa o braço em volta de mim novamente. Seu polegar esfrega para cima e para baixo a pele nua logo acima do meu cotovelo de uma maneira que parece desconfortavelmente íntima. — Para o resto das nossas vidas.

Aurora assente e sorri, mas seus olhos continuam olhando para longe, e seu sorriso está longe de ser genuíno.


Capítulo 21

 

 

EU NÃO VEJO AURORA NO DIA SEGUINTE, O QUE É IMPRESSIONANTE CONSIDERANDO QUE TEM ALGUMA ATIVIDADE ou outra planejada para nós duas a cada poucas horas desde o momento em que cheguei aqui. Ela não aparece para o arco e flecha de manhã e, pior ainda, não se junta a mim no salão privado da rainha à tarde para receber minhas instruções semanais sobre etiqueta. Já sobrevivi a duas dessas lições de etiqueta, mas suspeito que foi apenas porque Aurora estava lá para torná-las suportáveis, zombando de sua mãe — algo que eu adoraria fazer, mas não ousaria por medo de receber algum tipo de punição mágica horrível de que nunca ouvi falar. Então, eu mantenho minha boca fechada e tento não adormecer enquanto a rainha Amrath continua.

Suponho que talvez Aurora não esteja se sentindo bem, mas quando Roarke chega ao meu quarto no início da noite e pergunto como ela está, ele diz, — Acredito que ela esteja em perfeita saúde. Eu a vi fazendo um piquenique esta tarde com suas damas de companhia.

— Oh. — Uma pontada inesperada de dor perfura meu peito. — Então, ela passou de ser excessivamente amigável e dizer que espera me ter como irmã para me ignorar?

Ele suspira. — Ela está apenas sendo mal-humorada. Tenho certeza de que ela vai superar isso depois que a união for realizada. E o que importa se ela não superar? Você vai me ter. — Ele coloca meu cabelo atrás da orelha e arrasta um dedo brevemente ao longo da minha mandíbula. — Você não deve se preocupar.

— Não devo me preocupar? — Cruzo os braços sobre o peito e levanto uma sobrancelha. — Você planeja continuar usando esse tom condescendente quando nos casarmos?

Seus lábios se esticam em um sorriso, seus olhos escuros brilhando com diversão. — Você planeja continuar birrenta quando nos casarmos?

Eu dou de ombros. — Provavelmente.

— Boa. Gosto muito da sua raiva. — Ele levanta minha mão e a beija, o que envia um arrepio por todo o meu braço.

— Você acha que está sendo muito bom, não é? — Digo com um revirar dos olhos.

— Bem, está funcionando, não está?

Se você está tentando me deixar desconfortável, sim, eu quase digo. Mas é melhor ele achar que suas tentativas de charme estão funcionando. Ele não me obrigou a dizer nada com a minha Habilidade Griffin hoje à noite, e se eu conseguir que ele fique por aqui até mais tarde, talvez eu possa usar meu poder nele. — Talvez, — eu digo com o que espero que seja um meio sorriso sensual. — Se você ficar e jantar comigo esta noite, podemos descobrir.

Ele ri enquanto abaixa minha mão. — Oh, como eu gostaria de poder dizer sim a isso. Infelizmente, vou sair por algumas horas. Se a Aurora não solicitou sua companhia hoje, presumo que você vá comer sozinha. Vou dizer à Clarina para trazer o seu jantar para cá.

— Tudo bem. — A decepção se instala sobre meus ombros, mas eu não vou desistir ainda. — Talvez você possa parar quando voltar mais tarde e dizer boa noite.

— Sim, talvez. Vou ver se não for muito tarde.

Algo cutuca meu tornozelo, e olho para baixo para ver Bandit esfregando o comprimento de seu corpo cinza em forma de um gato ao longo da minha perna. — Procurando atenção, hein? — Eu digo a ele.

Roarke dá um passo para trás. — Bem, tenha uma boa noite, meu amor. Se não te ver mais tarde, então — Oh, quase esqueci de lhe dar sua segunda dose de poção de compulsão do dia.

O peso leve de decepção em meus ombros se torna mil vezes mais pesado. Eu seguro um suspiro e dou a Roarke uma careta educada. — Você acha que é necessário? Isso me cobrou muito quando tentei usar muita energia mais cedo então assumi que minha habilidade levaria mais tempo para reabastecer. Tenho certeza de que vou dormir quando isso acontecer.

Roarke olha para o rubi no meu braço enquanto ele remove uma pequena garrafa de um bolso escondido dentro do casaco. — Hmm. Seu poder pode ser um pouco mais lento ao se reabastecer, mas parece que ainda estará pronto para uso em algum momento mais tarde esta noite. Prefiro não perder uma oportunidade para você usar sua habilidade. — Ele estende a garrafa de poção na minha direção, mas não faço nenhum movimento para pegá-la.

— Eu pensei que confiávamos um no outro agora, Roarke.

— Confiamos. — Ele abaixa a voz. — Mas meu pai tem maneiras de descobrir as coisas que acontecem dentro de seu palácio. Se eu não forçar você, ele provavelmente descobrirá. Melhor mantê-lo feliz, não acha?

É claro que é melhor manter o rei feliz, mas isso significa perder mais uma oportunidade de dar um comando em Roarke. É inútil argumentar, porém, e Roarke pode até suspeitar. Então eu pego a garrafa dele e tomo uma pequena quantidade.

— Bom. — Ele pega a garrafa e coloca a tampa novamente. — Então, Emerson, quando sua Habilidade Griffin aparecer, você dirá a palavra ‘abrir.’

— Abrir? Abrir o quê?

— Isso é com você. Como Aurora apontou ontem, está ficando claro que suas intenções — e não apenas suas palavras — desempenham um papel na instrução de sua Habilidade Griffin. Gostaria que você desse um comando o mais simples possível — a palavra ‘abrir’ — enquanto decide em sua mente exatamente o que deve abrir. Uma janela, uma gaveta, suas portas da varanda, seu guarda-roupa. Qualquer coisa.

— Tudo bem. — Claro, agora estou me perguntando se há alguma maneira de usar isso para minha vantagem. Qual porta posso abrir que nunca tive permissão para abrir antes? E qual é a probabilidade de o rei Savyon estar atrás de qualquer porta que eu escolher, pronto para descontar sua ira em mim no momento em que ele me descobrir esgueirando por aí?

— Ah, e amanhã à noite você vai jantar com minha família, — Roarke diz enquanto abre a porta da minha sala de estar. — Só nós quatro e você. Meu pai gostaria de ver a melhoria que você teve desde que o conheceu. — Meu medo deve estar óbvio no meu rosto, porque Roarke acrescenta rapidamente, — Não se preocupe, tenho certeza de que você se sairá bem. Use uma roupa apropriada, fale educadamente sobre tópicos adequados e faça uso ocasional de magia básica enquanto estiver na mesa. Ele só quer ter certeza de que você não se destaca como humana entre os faeries, só isso.

— Certo. Claro. — Eu pigarreio. — E, de manhã, podemos tentar um pouco mais de construção no mundo das sombras? Estou animada para ver o que mais meu poder pode fazer.

Roarke sorri. — Certamente. Estou ansioso por isso. — Então ele sai e fecha a porta, me deixando com o coração quase martelando para fora do meu peito.

Amanhã é o dia. Amanhã finalmente vou fazer o que vim fazer aqui. Roarke e eu estaremos no mundo das sombras com quase nenhum guarda por perto, e quando ele me permitir construir o que eu quiser, eu colocarei um comando nele.

Vou até a mesa e sento entre os livros e papéis em que escrevi anotações. Não consigo escrever que pretendo usar a minha Habilidade Griffin — não posso arriscar que alguém descubra — mas rabisco enquanto penso. Enquanto eu decido o que dizer aos guardas, o que dizer a Aurora, se ela estiver lá, e o que dizer a Roarke.

Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la.

Repito as palavras silenciosamente repetidamente, até que estejam incorporadas no meu cérebro. Então começo a me perguntar o quão complicado pode ser a magia necessária para curar minha mãe. Provavelmente não me lembrarei de tudo que Roarke vai me dizer. O que significa que eu preciso instruí-lo a escrever tudo. Depois que ele fizer isso, usarei qualquer magia Griffin que me restar para dizer aos caminhos das fadas para abrir. Se eu conseguir lidar com isso, não preciso encontrar uma dessas velas ou correr até a abertura sobre a ilha Velazar.

O frio penetra lentamente em meus ossos enquanto o fogo do outro lado da sala diminui de toras ardentes para brasas brilhantes. Pego meu casaco pendurado em uma das outras cadeiras — uma coisa ridícula que parece algo que um mestre de circo pode usar. Vermelho com lapelas douradas, longo o suficiente para alcançar meus tornozelos e ondular atrás de mim enquanto caminho. Clarina combinou com calças pretas e douradas e uma camisa branca com babados na frente, e me disse que a rainha adoraria. Agora que penso nisso, a rainha Amrath sorriu quando entrei na sala dela esta tarde, então talvez Clarina estivesse certa.

Levanto e caminho até a lareira conforme visto o casaco. Usando magia, consigo levantar vários pedaços de madeira do balde de cobre e adicioná-los ao fogo sem ser muito desajeitada. Então eu vasculho meu cérebro para que o feitiço certo acenda não apenas uma chama, mas muitas. Quando o fogo volta à vida, não consigo deixar de sorrir. Se eu não estivesse tão ansiosa com o amanhã, provavelmente também bateria palmas.

Uma batida forte na minha porta tira o sorriso do meu rosto. Eu me viro rapidamente quando a porta se abre. Ainda não pronunciei uma palavra, o que significa que só pode ser —

— Em, eu tenho mais livros para você, — anuncia Aurora enquanto entra com uma pilha de livros flutuando atrás dela. — Espero que você tenha terminado o último lote.

Eu pisco para ela. — Não, eu não terminei o último lote que você me deu apenas dois dias atrás.

— Bem, esses são mais importantes. — Ela direciona a pilha de livros para a mesa e eles caem na minha página de rabiscos. Ela fica na minha frente e coloca as mãos nos quadris. — Estou falando sério. Eles contêm eventos históricos importantes da história dos Unseelie. Você precisa lê-los antes da cerimônia de união.

— Antes da cerimônia? Aurora, eu não sou uma leitora rápida como você. Você não pode me ignorar o dia inteiro, me deixar sozinha para encarar sua mãe e depois entrar aqui para me dizer para ler um bilhão de livros em menos de duas semanas.

Ela cobre a boca com a mão enquanto ri. — Em, não seja boba. Eu não tenho ignorado você. Eu tive que participar de um piquenique de aniversário com uma das minhas damas. Noraya não trouxe minha mensagem para você?

Cruzo os braços, mas estou começando a me sentir boba agora. Eu não pude deixar de me sentir magoada ao ser excluída do piquenique que Roarke mencionou, mas se não era evento de Aurora — se era o aniversário de outra pessoa — é claro que não tinha nada a ver comigo. — Não, Noraya não me disse nada, — digo em voz baixa.

— Bem, isso é muito estranho. E você sabe que eu não te dei nem perto de um bilhão de livros. Você poderá finalizá-los em alguns dias. Comece hoje. Continue lendo até mais tarde, se precisar.

— Aurora, isso —

— É importante, é isso que é. — Não há alegria em seu tom, nem brilho de riso em seus olhos. — Nosso mundo pode ser um lugar frio para quem não se encaixa, Em. Você quer sobreviver, não é?

— Claro. — Abaixo minhas mãos para os meus lados. — Por que você está sendo tão —

— Ótimo. Se você encontrar algo que não entende, eu explicarei as coisas com prazer. Talvez possamos ir juntas ao spa amanhã. Vou fazer com que as damas preparem alguns tratamentos de beleza para nós. Você pode me contar tudo sobre o que leu.

— Oh. Tem um spa aqui?

— Sim. Podemos ir à tarde. Roarke me disse que você estará visitando o mundo das sombras novamente de manhã?

Eu concordo. Se tudo der certo, não voltarei a este palácio. Não vou fazer nenhum tratamento de beleza e provavelmente nunca mais vou ver minha nova amiga. — Hum, sim. Podemos fazer a coisa do spa à tarde.

— Ótimo. A menos que você mude de ideia sobre ver Roarke. Então podemos fazer o spa de manhã.

Concordo com a cabeça novamente, embora não tenha intenção de mudar meus planos.

— Bem, boa noite então. E feliz leitura. — Aurora gira, sua saia balançando ao redor dos tornozelos e sai com a mesma arrogância com que ela entrou.

Olho para o sofá onde Bandit está enrolado em uma almofada, me olhando através de olhos semicerrados. — Ela ainda está sendo estranha, — digo a ele. Volto à mesa e empurro a pilha de livros para o lado. Eu vou embora amanhã, então não faz sentido ler nenhum deles. Sei o que vou dizer a Roarke amanhã, mas ainda preciso decidir como comandar os guardas que estarão no mundo das sombras conosco. Eu escovo a pena da caneta na minha bochecha enquanto pondero diferentes comandos. Então eu franzo a testa quando noto que o livro no topo da pilha mais nova é o mesmo livro que fez Aurora ofegar de horror na outra noite na biblioteca. O livro apresenta mortes gráficas e terríveis de figuras históricas. Ela disse que definitivamente não leríamos esse, mas ela mudou de ideia ou o incluiu acidentalmente.

Ao aproximar o livro, noto que nenhuma das palavras gravadas em ouro escritas na capa escura é em inglês. Aurora sabe que ainda não aprendi nenhum idioma estrangeiro fae, portanto deve ser um acidente que este livro esteja aqui. Abro e folheio as primeiras páginas manchadas pelo tempo, cada uma delas preenchida com a mesma combinação estranha de letras e símbolos desconhecidos.

Fecho o livro, mas, ao colocá-lo de lado, percebo algo: um pequeno pedaço de papel saindo entre as páginas. Papel novo e mais branco que as páginas antigas, acima e abaixo. Deslizo o livro em minha direção mais uma vez e abro a página com o canto do papel para fora. O papel é um pequeno quadrado com algumas palavras rabiscadas às pressas. Um rabisco que identifico imediatamente como a letra de Aurora.

 

Eu juro que não sabia disso.

 

Meu coração começa a tamborilar novamente. Afasto a nota e dou uma olhada mais de perto na página em que estava. Rabiscado entre as linhas de palavras estranhas, vejo frases parciais em inglês, como se Aurora não tivesse tempo para traduzir tudo corretamente.

 

A partir dos caminhos das bruxas... um dos poucos métodos para separar a magia da essência da vida... a maioria dos sujeitos sobrevive ao feitiço, apesar de toda a magia ser removida... a magia é transferida integralmente para o destinatário... o feitiço depende de voluntariedade completa... não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçado... recitação das seguintes palavras... usado em conjunto com um feitiço de sangue, como o feitiço de união.

 

Com minha respiração acelerada agora e meus dedos tremendo, viro a página — e as palavras impressas nela são palavras que reconheço. Palavras que venho repetindo há dias. Palavras que vou cochichar em particular para Roarke depois de cortarmos nossas mãos, tatuar marcas nos dedos e pronunciar as palavras públicas do feitiço da cerimônia de união. Essas são as palavras — que então ele me levou a acreditar — que eram nossos votos particulares. E graças a Aurora, agora posso ler o que elas significam.

 

Eu venho a você por vontade própria,

com um coração disposto e uma mente disposta,

para te dar meu poder,

cada parte da minha magia.

Eu entrego totalmente,

Não deixando nada para mim.

Minha magia é sua.

 

Eu pisco para as palavras por vários segundos, incapaz de me mover, quase incapaz de respirar. — Meer-da, — eu sussurro. Então empurro o livro para longe de mim e levanto tão abruptamente que minha cadeira cai para trás. De jeito nenhum, meu cérebro me diz. De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Roarke não faria algo assim. Ele quer governar ao meu lado. Ele quer que eu seja rainha do mundo das sombras.

Exceto... que ele não quer.

Minha mente dispara enquanto junto as peças do plano de Roarke. Agora entendo por que ele sempre enfatizou o fato de nunca me forçar a nada: porque um sujeito disposto é exatamente o que esse feitiço exige. Minhas mãos se enrolam em punhos tão apertados que minhas unhas cavam nas palmas das mãos. Tudo — tudo — que ele fez tem sido sobre ganhar minha confiança, me colocando do lado dele. Seus presentes, sua gentileza e paquera ocasional, até mesmo permitindo que Dash ficasse para que eu tivesse um amigo — tudo isso foi parte de me atrair para o momento em que eu me casasse com ele de bom grado, enquanto inconscientemente entregava minha magia.

Parada ali em um silêncio chocado, eu chego abruptamente a outra realização: Roarke nunca iria curar minha mãe. Uma vez que minha magia fosse dele, ele irá direto para o mundo das sombras, reivindicá-lo como seu e destruirá qualquer um que tentar detê-lo ou tirar esse mundo dele. Acordar minha mãe e curar sua mente não chegará nem perto da lista de tarefas dele.

E Dash? Roarke nunca o teria deixado ir. Ele é um prisioneiro? Morto? E Aurora... ela estava dizendo a verdade sobre não conhecer os planos de Roarke de usar esse feitiço? Ou ela poderia saber o tempo todo e de repente mudou de ideia? Mas Roarke é seu irmão. Por que ela iria agir pelas costas dele e me contaria sobre esse feitiço? Esta informação é algum tipo de armadilha?

Bandit se esfrega contra minhas pernas novamente, sob a forma de um gato ruivo desta vez. Inclino-me e o pego, abraçando-o com tanta força que tenho medo de machucá-lo. — Eu não sei o que fazer, — sussurro nos cabelos ao longo de suas costas, tão silenciosamente que nem consigo ouvir minha própria voz.

Um barulho alto na porta me faz pular. — Emerson, meu amor? — A voz de Roarke chama.

Eu pressiono minha mão sobre a boca para cobrir meu suspiro. Bandit cai dos meus braços, muda para um pássaro e investe sobre meu ombro. Olho em volta, perdida por um momento sem pensar, sem plano. Então, rapidamente volto a cadeira caída à sua posição habitual, pego o livro ofensivo e enfio-o sob a almofada. — Emerson, você está aí? — Roarke pergunta. Corro para as portas da varanda. Abro e fecho-as o mais silenciosamente que posso, o ar frio me atinge imediatamente. Quando Bandit decola e voa, eu balanço minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer.


Capítulo 22

VIOLET

 

 

VIOLET SE INCLINOU NA CABINE, ERGUEU A TAÇA DE VIDRO DE NOITE GELADA E TOMOU UM GOLE. Ryn fez o mesmo com sua caneca de cerveja. Os dois estavam fazendo o possível para parecerem à vontade, mas era difícil em uma taberna no coração do território dos Unseelie. Violet puxou as mangas um pouco mais para baixo, certificando-se de que as marcas no pulso estivessem cobertas. As coisas ficariam rapidamente ruins se os clientes desta taberna descobrissem dois guardiões entre sua companhia, e ela duvidava que alguém lhes desse uma chance de explicar seu status de ex-guardiã.

Ryn abaixou a caneca e se inclinou para frente. — Não entendo por que não conseguimos encontrar, — disse ele em voz baixa. — Já estivemos lá antes. Por que está escondido de nós agora?

— Faz muito tempo desde que estivemos lá, — lembrou Violet. — Os Unseelies obviamente aumentaram a segurança em torno de seu palácio. O deixou invisível para aqueles que não deveriam estar lá. — Ela bateu no copo com as unhas. — Calla entrará. Você sabe que ela entrará.

— E se o Palácio Unseelie tiver algum tipo de feitiço que detecta Habilidade Griffin sobre sua entrada, como a Guilda tem? — Ryn perguntou. — Ela vai ser pega enquanto segue os guardas. Não importa que ela seja invisível. Eles saberão que alguém está lá.

Violet se inclinou um pouco mais na cabine, tentando parecer entediada. Debaixo da mesa, ela chutou o pé de Ryn. Ele chamaria a atenção se não começasse a parecer mais relaxado. — Eu duvido muito que os Unseelies tenham esse tipo de magia em sua entrada, — disse ela. — Eles não se incomodam com as Habilidades Griffin, lembra? Eles as valorizam, de fato. Eles não querem apenas usar o poder de Em; eles querem que ela seja uma deles. — As notícias do noivado do príncipe Unseelie com uma garota Dotada Griffin chegaram à Guilda logo após a decisão inesperada de Dash de subir em uma carruagem Unseelie, e Perry passou as notícias para Calla imediatamente. Confirmou a suspeita de Dash de que a garota de quem sua mãe ouviu rumores era de fato Emerson. Mas já faz quatro dias desde esse anúncio, e Dash ainda não havia retornado com Emerson.

Ryn balançou a cabeça. — Pobre garota. Depois de tudo o que ela passou com a mãe e a mulher com a magia de vidro e todos a caçando por causa da sua Habilidade Griffin, agora ela está sendo forçada a se unir a um Unseelie.

— E ela é tão jovem, — murmurou Violet. — Ainda nem tem dezoito anos.

— Ela nunca deveria ter deixado o — nosso refúgio seguro. — A mão de Ryn apertou a caneca. — Por que ela foi tão tola? Se ela tivesse ficado conosco, poderíamos mantê-la segura.

Violet deu outro chute embaixo da mesa e Ryn finalmente se recostou e suavizou a expressão. — O que está feito está feito, — disse ela. — Quando tivermos Em de volta à segurança, ela pode explicar.

— Dash já deveria tê-la recuperado. Por que está demorando tanto?

— Provavelmente porque ele não tem a habilidade de Calla de lançar ilusões, — apontou Violet. — Ele não pode simplesmente sair de lá com Em. É uma maravilha que ele tenha entrado no palácio.

— Se ele entrou, — lembrou Ryn. — Ainda não sabemos se algo aconteceu com ele depois que ele entrou na carruagem Unseelie.

Violet tomou outro gole lento de sua bebida antes de responder, precisando de alguns momentos para se convencer mentalmente de que nada terrível havia acontecido com Dash. — Ele está bem. Tenho certeza que ele está bem. Ele é um bom guardião. Calla entrará, encontrará ele e Em e os três voltarão em segurança para nós.

— Deveríamos ter ido com ela, — disse Ryn. — Calla poderia facilmente ter tornado nós três invisíveis.

— Sim, mas teria sido mais difícil para ela lançar outra ilusão ao mesmo tempo, — lembrou Violet. Eles passaram por isso várias vezes ontem e hoje de manhã, enquanto planejavam que Calla seguisse os primeiros guardas Unseelie que pudesse encontrar. — E precisamos estar disponíveis para responder a qualquer outra emergência que Ana possa nos informar. Agora você pode, por favor, parar de ficar tão ansioso? Vou ficar sem coisas tranquilizadoras para dizer.

Do outro lado da mesa, Ryn deu um pequeno sorriso. — Se você pudesse parar de ficar tão ansiosa, talvez eu conseguisse superar minha própria preocupação. Mas é difícil quando tenho que sentir a minha e a sua.

Violet começou a bater na lateral do copo novamente, sentindo-se culpada — como sempre fazia — quando suas emoções negativas acabavam afetando Ryn. — Eu sinto muito. Eu pensei que estava fazendo um trabalho melhor me convencendo a não me preocupar. Mas, apesar da minha preocupação — ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou a mão na dele — acredito que eles ficarão bem. Dash e Calla já escaparam de situações perigosas antes; eles podem fazer isso de novo, com Em desta vez.

Ryn assentiu. — Mudando de assunto, — disse ele, — você notou a insistência de Calla em se envolver com a busca por Em? Ela deveria estar com Chase hoje para parar o assalto em Paris, mas ela pediu a Darius para ir em seu lugar.

— Sim. Eu notei isso, — disse Violet, recostando-se novamente. — Eu me perguntei se talvez ela tivesse se ligado a Em mais do que eu percebi enquanto Em estava em nosso porto seguro. Mas... eu não sei. Em não ficou conosco por muito tempo.

— Ela também está mais distraída ultimamente, — continuou Ryn. — E ela sai mais frequentemente do que o habitual sem nos dizer para onde está indo. Acho que ela está investigando algo que não sabemos.

— Você provavelmente está certo. Mas ela não precisa nos contar tudo, não é? Vivendo com a família, trabalhando com a família... — Violet esfregou o dedo sobre uma gota condensada sobre a mesa. — Bem, pode ser difícil às vezes quando todo mundo sabe tudo sobre você. Não a culpo por esconder algumas coisas de nós. E ela está conversando com Chase, pelo menos. Eu vi os dois sussurrando juntos. Então, o que quer que esteja acontecendo, ela não está lidando sozinha.

— Verdade, — Ryn diz.

Uma vibração na lateral da sua perna alertou Violet para uma mensagem em seu âmbar. Ela o tirou do bolso e manteve o dispositivo retangular embaixo da borda da mesa enquanto tocava na superfície brilhante. — Mensagem de Perry, — disse ela enquanto seus olhos disparavam através das palavras. — Hmm. Outro ataque de vidro a um grupo de guardiões. Maldita mulher. Ah, e isso é importante. A Guilda finalmente decidiu sobre uma data para a grande cerimônia chique que eles querem ter enquanto realizam o feitiço de restauração do véu.

— Idiotas, — Ryn murmura. — Por que eles estão fazendo tanto barulho por isso?

— Bem, é uma coisa importante. Faz o quê? Dezessete, dezoito anos desde que ele foi rasgado?

— Sim, mas a Guilda está praticamente pedindo para alguém aparecer e interferir. Teria sido mais seguro se eles já tivessem feito isso silenciosamente, sem qualquer alarde.

Violet suspirou enquanto afastava o âmbar. — Vai acontecer daqui a quatro dias. A última vez que falamos sobre isso, Dash sugeriu que devíamos estar lá, e agora Perry está dizendo a mesma coisa. Eu acho que eles estão certos. Devemos nos esconder lá e vigiar. Apenas alguns de nós — você e eu, qualquer pessoa que não esteja ocupada nesse momento. Caso suas previsões se realizem e algo dê errado.

Ryn levantou uma sobrancelha. — Você não acha que eles podem lidar com as coisas sem a nossa ajuda?

Violet revirou os olhos. — Eu gostaria que pudessem, mas eles são conhecidos por estragar tudo antes.

— Eles são conhecidos por estragar tudo espetacularmente, — disse Ryn. — Acredito que essa é a palavra que você estava procurando.

— Eu acredito que você está certo, — disse ela com um sorriso. — Então, como não estamos fazendo nada de útil no momento, podemos planejar como vamos nos esconder naquele pedacinho de ilha que fica ao redor do monumento.


Capítulo 23

 

 

MEUS PÉS BATEM NO CHÃO COBERTO DE NEVE DE UM CANTEIRO BEM ABAIXO DA MINHA VARANDA. EU ME ABAIXO imediatamente, caso alguém andando por perto me ouça. Com meu coração ainda batendo forte no peito, olho em volta. Eu preciso correr. Não para fugir — ainda não descobri como escapar — mas para correr como Val e eu costumávamos fazer. O mais rápido possível, pulando, subindo e dando cambalhotas. Esquecendo tudo, exceto o chão batendo sob nossos pés, a picada áspera dos tijolos e a picada fria de metal contra nossas mãos. A alegria de correr do ponto A ao ponto B com mais rapidez do que o tempo anterior.

Eu não posso fazer isso aqui. Esses jardins não contêm os tipos certos de obstáculos, e meu casaco comprido seria um obstáculo. Mas pelo menos eu posso correr. E se alguém me ver — se alguém me pegar — posso contar uma história em que eles precisam acreditar: Estou praticando parkour. Você já me viu fazer isso antes, certo? Você me viu mostrando à princesa Aurora alguns saltos e quedas? Por que estou fazendo isso no meio de uma noite fria de inverno, você pergunta? Bem, é preciso treinar em todas as condições, você não acha? Seus guardas treinam em todas as condições, não é?

Depois de esperar mais alguns momentos para garantir que ninguém esteja andando por perto, eu me endireito e vou embora imediatamente. Minhas pernas correm cada vez mais rápido. Meus braços bombeiam para os meus lados, e meu casaco chicoteia no ar conforme ele voa atrás de mim. Eu desvio entre as roseiras e em torno do caramanchão da rainha. Eu salto através de um dos pavilhões menores e continuo. Eu corro para mais longe do palácio do que jamais estive antes.

Quando meus pulmões começam a doer e meu rosto está quase entorpecido pelo frio, finalmente paro. À minha frente há uma seção circular de pavimento — descoberto pela neve, de alguma forma — com uma fonte no centro. Fluxos de água, que fluem das mãos e da boca de uma ninfa para a piscina abaixo, estão congelados no lugar. Eu ando até a beira da piscina enquanto recupero o fôlego. Bandit, ainda um pássaro, passa voando e pousa no meu ombro. Ele muda para algo pequeno e peludo e desce pelo meu braço e para o bolso do meu casaco. Fecho os olhos por um momento, forçando meu cérebro confuso a procurar pelas palavras de um feitiço que me manterá aquecida. Quando finalmente encontro as palavras, levanto a mão sobre a cabeça, falo as palavras em voz baixa e me permito relaxar um pouco, enquanto o calor cobre meu corpo.

Então eu sento ao lado da piscina.

E tento entender a minha situação.

Eu não posso continuar com essa união. Isso está claro. Mas como vou embora daqui com minha vida intacta? E o Dash? Reconheço agora que Roarke não o deixaria ir embora, o que significa que Dash é um prisioneiro em algum lugar ou está morto. Eu enterro meu rosto em minhas mãos enquanto estremeço. Ele não pode estar morto, ele não pode estar morto, repito silenciosamente. É horrível imaginá-lo morto da mesma maneira que o homem na caverna perdeu a vida.

Ele não está morto, digo a mim mesma novamente, desta vez com mais firmeza. Roarke pode ser cruel e odiar todos os guardiões, mas ele gosta de aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam. Ele sabe que Dash sabe muito mais do que deveria sobre os rebeldes Griffin. Roarke poderia usar Dash para tentar obter acesso aos rebeldes, se ele quiser colocar mais mãos nas Habilidades Griffin. Quanto mais penso nisso, mais consigo me convencer de que Dash deve estar vivo. Onde? Não sei a localização de nenhuma prisão neste mundo. Dash pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Depois de ficar sentada em silêncio por um tempo, olhando através do jardim congelado e nem me aproximando de decidir o que fazer, sinto minha Habilidade Griffin se reabastecendo. Eu empurro minha manga para cima e olho para a pulseira; o rubi está quase completamente vermelho. Quando meu poder estiver pronto para ser usado novamente, terei que dizer algo para 'abrir', o que parece um comando inútil aqui, onde não há portas. Vou ter que dizer para um botão de rosa congelado abrir ou algo assim.

Sentindo-me desconfortável, mudo minhas pernas para uma posição diferente. Bandit se mexe no meu bolso, depois se arrasta e senta no meu joelho. — Como vamos sair daqui? — Eu sussurro para ele. Sua única resposta é uma contração de sua pequena orelha de rato. Então ele se transforma em alguma criatura do tipo libélula com um pequeno rosto humanoide e asas brilhantes. — Lindo, — Ele muda novamente, piscando entre várias formas indistinguíveis antes de se tornar um dragão pequeno o suficiente para caber no meu colo. — Minha nova forma favorita, — digo a ele com um sorriso. — Eu acho incrível como você pode — Um minuto de silêncio passa quando eu percebo o que ele está me dizendo. — Um dragão. Podemos fugir em um dragão! — Bandit tosse e uma faísca escapa de sua boca. — Você é tão esperto, — digo a ele, passando um dedo pelas costas macias e escamosas.

Mas minha empolgação diminui quando considero todos os obstáculos que preciso ultrapassar para que este plano de dragão tenha sucesso. Não sei como abrir um daqueles elevadores no chão que me levariam ao fundo do poço. Não sei como abrir a sala com as selas e as escadas. Não conheço o feitiço para remover o escudo, impedindo que cada dragão voe para longe. E não sei se Imperia gosta de mim o suficiente para me deixar subir nas costas dela sem Aurora ou Phillyp por perto.

Eu verifico o rubi no meu pulso novamente e olho para algo que eu possa abrir sem chamar a atenção para esta área do terreno. Eu me pergunto se há algum sentido em ter cuidado, no entanto. Estou tão longe do palácio agora que duvido que alguém notaria se eu dissesse um buraco para abrir no chão ou um tronco de árvore para —

— Espere um minuto, — murmuro, interrompendo meus próprios pensamentos. Não consigo abrir nenhuma porta aqui, mas e entradas? Portais para os caminhos das fadas, para ser mais específica. Ouvi várias vezes que os caminhos das fadas são inacessíveis na maioria das partes deste palácio e seus terrenos, mas Aurora sempre se referia ao tipo de acessibilidade que se poderia obter com uma stylus. Talvez, se eu voltar meus pensamentos para os caminhos das fadas quando dizer a palavra ‘abrir’, uma entrada se formará.

Embora ainda tenha mais alguns minutos para poder usar minha Habilidade Griffin, tiro Bandit do meu colo e fico de pé. Uma emoção faz meu sangue bombear mais rápido pelas minhas veias. Isso pode realmente funcionar. Eu posso escapar dos Unseelies hoje. Bandit se torna um lagarto minúsculo e corre até a borda do meu casaco. Ele volta para o meu bolso enquanto eu pulo para cima e para baixo em antecipação.

E é então que eu ouço um som estranho. Um lamento, quase. Uma pessoa chorando. Paro de pular e olho em volta, mas não vejo ninguém. Ando devagar pela fonte, espiando o jardim ao meu redor, vendo pouco mais do que uma neve branca cintilante.

Até quase tropeçar em alguma coisa.

Olhando para baixo, encontro um círculo de metal aproximadamente do tamanho de uma tampa de bueiro embutida no pavimento. Tem uma dobradiça de um lado, e é sobre isso que quase tropecei, e no centro há um anel de metal. Um alçapão? Eu me agacho e dou uma olhada no símbolo gravado no metal. É um esboço simples de duas mãos presas pelos pulsos. Fico de joelhos e abaixo a orelha perto do metal frio. Ouço outro grito e, ao me endireitar, lembro de algo que Aurora mencionou de passagem. Algo sobre Yokshin mostrando a ela seus experimentos em uma prisão. Apenas uma pequena que temos aqui, ela disse.

Meus pensamentos se voltam imediatamente para Dash. Se ele não tinha permissão de ir embora e não foi morto, provavelmente poderia estar em algum lugar abaixo desse alçapão. Hesito por um momento, depois puxo a manga do casaco sobre a mão e seguro o anel de metal. Eu puxo suavemente, então um pouco mais forte. Mas o alçapão não se move. Meus instintos de sobrevivência me dizem para ficar longe dessa prisão, mas minha preocupação com Dash me mantém presa no local. Tento o feitiço simples de desbloqueio que Aurora me ensinou, mas também não faz diferença.

Um poderoso comando mágico, no entanto, pode forçá-lo a abrir.

Começo a balançar a cabeça assim que o pensamento me ocorre. Eu levanto e dou um passo para longe do alçapão. Não posso usar minha Habilidade Griffin para isso. Eu tenho que abrir os caminhos das fadas. A palavra ‘abrir’ — esse único comando ambíguo de compulsão que recebi — pode ser minha única chance de sair daqui.

Mas e Dash, minha consciência provoca. Você sabe que ele provavelmente está lá embaixo. Você não pode abandoná-lo.

— Droga, — eu murmuro. E então, — Espere. — Eu pisco quando algo que deveria ter sido óbvio me ocorre: eu posso fazer as duas coisas. Não será preciso muito do meu poder para abrir um portal para o caminho das fadas. Certificarei de guardar qualquer poder que me restar, depois de dar o meu comando ‘abrir’, e vou usá-lo para desbloquear o alçapão. Mas então... o portal para os caminhos das fadas não ficará aberto por muito tempo. Fechará se não houver parte do meu corpo dentro para mantê-lo aberto, o que significa que não posso entrar no alçapão para descobrir se Dash está lá. Ou... eu posso dizer ao portal para permanecer aberto por um longo tempo? Durante o tempo que for preciso para voltar? Talvez isso funcione, mas se exigir muita magia, poderá usar todo o meu poder Griffin de uma só vez. Então vou ter que esquecer o alçapão e ir embora sozinha.

E deixar Dash para trás, minha consciência sussurra.

Mas não sei ao certo. Dash pode estar de volta em casa, completamente bem. Não tenho como saber onde ele está e agora estou prestes a me prender embaixo da terra.

Não, eu não vou fazer isso. Eu não sou uma heroína; Eu sou uma sobrevivente. Sempre fui assim, e Dash sabe disso.

Viro as costas para o alçapão conforme sinto minha magia Griffin fervendo sob a superfície do meu controle. Não posso desperdiçar esta oportunidade. Eu preciso voltar para mamãe. Ela sempre foi minha prioridade e preciso encontrar outra maneira de ajudá-la agora que o plano Unseelie fracassou. Se acontecer de Dash nunca ter chegado em casa, direi aos rebeldes Griffin que ele provavelmente está aqui, e eles podem vir e resgatá-lo.

E você estará colocando ainda mais vidas em perigo, o que é exatamente o que você estava tentando evitar quando chegou aqui.

Afasto minha culpa e olho para o rubi mais uma vez. Um pedaço pequeno — tão pequeno que mal consigo ver — ainda precisa ser preenchido. Eu assisto e espero. E espero. Eu imagino os caminhos das fadas. Eu me imagino focando intensamente neles enquanto dou meu comando de uma palavra.

Então sinto o formigamento, a magia subindo pela minha espinha, minha voz se preparando para mudar. Eu viro e aponto para o alçapão. — Abra, — ofego antes que a pessoa horrível e egoísta que eu sou no meu coração possa me fazer mudar de ideia.

Com um som suave, o alçapão se abre lentamente.


Capítulo 24

 

 

 

EU DEVERIA TER ME CONCENTRADO MAIS, MAS ESTAVA TÃO EMPOLGADA COM O TERRÍVEL ESFORÇO DE FAZER a coisa certa que me esqueci completamente de controlar minha magia Griffin. Que me escapa de uma só vez, e não sobra nada. Fecho os olhos por um momento e fecho minhas mãos em punhos, mas não faz sentido me arrepender do que fiz. Eu escolhi abrir o alçapão. Agora preciso descobrir o que está escondido debaixo dele.

Eu olho para o círculo escuro do espaço e as escadas que levam para baixo. Uma brisa gelada passa pela parte de trás do meu pescoço, me lembrando que perdi minha força tênue no feitiço que me mantinha aquecida. Eu respiro fundo e coloco o pé no primeiro degrau. Pode haver cem guardas esperando ao pé da escada. Pode haver todos os tipos de criaturas horripilantes ou magia ameaçadora. Tento não pensar nas muitas possibilidades ao descer. O brilho branco da lua e a paisagem com neve se filtram pela abertura do alçapão, iluminando os degraus à minha frente. Mas quanto mais abaixo eu vou, mais fraca a luz se torna.

Finalmente, chego ao final. Nenhum guarda se adiantou para me agarrar. Nenhuma criatura salta da escuridão para me despedaçar. Nenhuma força mágica invisível me derruba no chão. Avanço ainda mais, olhando ao redor. À medida que meus olhos se acostumam à luz opaca, qualquer dúvida que eu tenha tido sobre encontrar uma prisão aqui embaixo desaparece. Mas é diferente de qualquer prisão que eu já vi na TV. Grandes esferas de vidro escuro preenchem o vasto espaço à minha frente, cada uma contendo um único prisioneiro. Algumas esferas repousam no chão, enquanto outras pairam no ar em diferentes níveis a partir de cordas parecidas com videiras. As que estão no chão parecem estar mais ou menos alinhadas, presumivelmente para que os guardas possam patrulhar os corredores irregulares do espaço entre elas.

Com uma respiração instável, eu ando para frente, a primeira fila de esferas à minha direita, e a parede — parcialmente coberta por trepadeiras rasteiras — à minha esquerda. Ao me aproximar do primeiro prisioneiro, começo a perceber mais detalhes, como uma parte aberta ao lado de cada esfera, e as barras verticais de vidro escuro que revestem cada espaço aberto. Uma superfície plana forma o piso dentro de cada esfera. Na primeira, uma mulher está deitada no chão, enrolada e dormindo. Ela não se move quando meus passos passam pela sua cela. Mesmo quando outro uivo ecoa pela prisão cavernosa, ela permanece adormecida.

Passo por cada esfera o mais rápido e silenciosamente possível depois de verificar para garantir que não vejo Dash dentro de nenhuma delas. Quando noto uma figura masculina com cabelos loiros sujos, diminuo a velocidade, mas à medida que me aproximo, percebo que a cor emaranhada com o loiro é mais turquesa do que verde. Ele rola quando eu passo por sua esfera, confirmando para mim que ele não é o Dash. Seus olhos encontram os meus e ele começa a rir. Risos enlouquecidos que deveriam me fazer correr. Mas minha atenção é capturada pelas marcas em seus pulsos: marcas de guardiões.

— Emerson. — Meus olhos voltam para os dele, um choque de adrenalina passando por mim ao som do meu próprio nome deixando os lábios rachados desse estranho. — Em que confusão... nos metemos, — ele fala indistintamente. — E a ironia. A ironia! — ele grita antes que o riso rouco o consuma mais uma vez. — Eu pensei que estava... fazendo a coisa certa... pela primeira vez na minha vida, e veja onde isso me levou. Me deixaram... de volta... à mercê de um príncipe Unseelie.

— Como você —

— Em? — É uma voz diferente desta vez, da próxima esfera. A voz que eu escuto desde que desci as escadas.

— Dash! — Corro para a sua cela e caio de joelhos. Ele está deitado de lado, com o braço esticado em minha direção. Contusões marcam as bochechas e um lado do pescoço, e uma barba grossa cobre a mandíbula. — Você está bem? Me desculpe. Você estava certo sobre Roarke. Ele nunca iria me ajudar. E então eu percebi que ele nunca teria deixado você ir, e que você deveria estar preso em algum lugar, ou... ou... — Ou pior, sussurro silenciosamente para mim mesma. Empurro minha mão através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Você está bem? Você está machucado? Quero dizer, além dos hematomas.

— Estou... bem. — Ele se puxa fracamente em direção às barras, movendo-se apenas alguns centímetros antes de cair novamente. Mas a mão dele está perto o suficiente agora. Eu consigo apenas alcançar seus dedos.

— O que eles fizeram com você?

— Eu me sinto... bêbado. Mais ou menos.

— O quê?

— Uma poção. Uma droga. Nos deixa... fracos e desorientados. E minha magia. Eu tento alcançá-la... e está quase lá... e depois desliza do meu alcance. — Suas pálpebras abaixam. — Como água... deslizando pelos meus dedos.

— Dash. Ei. Acorde. — Envolvo meus dedos nos dele e aperto sua mão.

— Estou acordado, — ele murmura. Seus olhos se abrem, mas ele leva um momento para se concentrar em mim. — Esse é o problema. Essa poção... me deixa sonolento e fraco... mas nunca me deixa dormir.

— Eu sinto muito. Isso é horrível. — Ele assente, mas não responde. Seus olhos se fecham mais uma vez. — Dash, o que eles fizeram com você? Há contusões por todo o lado. Isso é... isso não é normal para um faerie, certo?

Na esfera próxima, o homem ri novamente. — Não é normal, — diz ele. — Definitivamente não é normal. Mas normal... por aqui.

Dash se move até ficar deitado de costas, olhando para cima. — Às vezes, — ele diz com uma voz fraca, — eles rolam as esferas. Ou as fazem balançar... de um lado para o outro... de uma grande altura. — Ele gira a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Nós batemos dentro das nossas celas de vidro. Mas o vidro nunca quebra. Nos agride quando nossos corpos são arremessados ao redor... mas nunca morremos.

— Dash. — Aperto sua mão com mais força quando lágrimas não derramadas fazem minha garganta doer e a culpa queima quente no meu peito. Não é exatamente esse o tipo de coisa que eu esperava evitar quando decidi deixar os rebeldes Griffin em casa? — Estou muito feliz por você não estar morto. Vou tirar você daqui.

— Isso seria... um tipo doce de... karma, de fato, — o homem ao lado murmura. — Eu a salvo, e ela me salva.

Faço uma careta para ele antes de me inclinar para mais perto da cela de Dash. — Quem é aquele homem? — Eu pergunto em voz baixa. — Como ele me conhece?

— Nós conversamos... nós dois... quando ninguém está por perto. Eu devo ter contado a ele sobre você. — Com um grande esforço, Dash se levanta e se inclina contra o vidro. — O nome dele é Zed.

— Zed, — repito. — E há quanto tempo Zed está aqui? Tempo suficiente para começar a enlouquecer?

— Eu posso ouvir você, sabe, — diz Zed, rolando e piscando até que seus olhos se concentrem em mim. — E não, não sou eu quem... enlouqueci. Essa aflição pertence a... alguém com quem você se importa.

Eu me afasto ainda mais de sua esfera. Parte de mim quer ficar brava com Dash por contar a esse estranho sobre mim e minha mãe, mas não posso. Duvido que alguém aqui embaixo tenha muito controle sobre o que diz. E não posso culpar Dash por conversar com esse homem quando ele estaria completamente sozinho. A esfera do outro lado, percebo, está vazia.

— Dash, precisamos planejar como sairemos daqui. Posso usar minha Habilidade Griffin para abrir essa esfera, mas ela precisa ser reabastecida e isso só acontecerá amanhã, no final da manhã. E Roarke já sabe que algo não está certo. Ele veio ao meu quarto hoje, mas eu corri antes que ele pudesse me ver. Ele provavelmente está se perguntando onde estou e, se eu não voltar nas próximas horas, ele enviará guardas para me procurar.

— Tudo é... um esforço tão grande, — diz Dash. — Falar. Se mover. Viver.

— Ei, — eu digo, mais alto do que eu pretendia, suas palavras me perturbando mais do que eu gostaria de admitir. — Não diga coisas assim. É apenas a poção falando. Você quer viver, e é por isso que precisa me ajudar com nosso plano de fuga.

Com os olhos fechados, ele assente. — Roarke não sabe... que você sabe sobre a prisão dele. Ele não procurará aqui primeiro. Teremos... algum tempo.

— Tudo bem. Sim. Esperançosamente. Então, nosso próximo problema é que você está drogado e não pode usar sua própria magia.

— Eu mal posso... mover, — ele me lembra.

— Verdade. Então, quanto tempo leva para esta poção desaparecer? Porque teremos que nos esconder em algum lugar enquanto isso acontece. E quando você puder se mover facilmente e usar sua magia, Roarke saberá que você também foi embora. Teremos que encontrar um esconderijo muito bom para esperar enquanto minha Habilidade Griffin recarrega e suas drogas sumam.

— Há muita... espera... neste plano, — diz Zed.

— Bem, não é seu plano de fuga, então você não precisa se preocupar com os detalhes.

— Você vai... ajudá-lo também? — Dash diz. — Não pode deixá-lo aqui. Ele é um guardião. Ele é... meu companheiro.

Meu primeiro instinto é rejeitar essa ideia. Será mais difícil escapar com três do que com dois. Mas esse homem se tornou amigo de Dash. Não posso deixá-lo para trás. Mas então... olho em todas as esferas. E todo mundo aqui embaixo?

Não. Pare. Você não pode pensar nisso, eu me instruo severamente. Eu não posso salvar todo mundo. E muitas dessas pessoas provavelmente são criminosas. Eles devem ter desobedecido ao rei de alguma maneira, para terem parado aqui. Se eu tentar resgatar todos eles, Dash e eu nunca iremos fugir. — Sim, tudo bem, eu vou tirar o Zed também.

— E o que acontece, — Zed pergunta, — depois de toda a espera... e se esconder? Você sabe que os caminhos das fadas não podem... ser abertos a partir daqui... certo?

— Sim, eu sei disso. Mas minha Habilidade Griffin é mais poderosa que a magia comum. Eu posso dizer aos caminhos para abrir um portal para nós, e deve funcionar.

— Eu não sei... sobre isso, — diz Dash. — Existem feitiços poderosos... sobre as duas cortes reais... para impedir o acesso aos caminhos.

— E você não acha que minha magia é poderosa o suficiente para superar esses feitiços?

Dash dá de ombros. Aparentemente, responder mais que isso é muito esforço em seu estado atual.

— Bem, temos que tentar, — digo a ele, — porque essa é a única saída em que consigo pensar. Bem, além de roubar um dragão ou dois e sair daqui, mas temos muito mais chances de ser pegos dessa maneira.

Dash assente. — Tudo bem. Vamos tentar... os caminhos. — Seus olhos se fecham lentamente mais uma vez. — E agora?

— Agora... — Eu envolvo minha mão livre em torno de uma das barras. — Acho que a melhor coisa a fazer é voltar para o meu quarto. — É a última coisa que quero fazer, mas tomei minha decisão quando optei por abrir o alçapão em vez dos caminhos das fadas. Eu não vou fugir hoje. — Eu preciso garantir que Roarke pense que está tudo bem, — continuo. — Então eu vou me esgueirar de manhã cedo antes que ele venha ao meu quarto para me compelir.

— Não venha até... o meio da manhã, — diz Zed. — Você não encontrará os guardas dessa maneira.

Eu franzo a testa para ele. — Como você tem alguma ideia de que hora do dia ou da noite é aqui embaixo?

— Estou aqui há tempo suficiente. Os guardas conversam. Eu escuto. Eles vêm... logo após o café da manhã.

— Tudo bem. Tudo certo. — Aperto a mão de Dash, depois solto e me levanto. — Vejo você amanhã. — Eu o observo por mais alguns momentos antes de me virar.

— Sinto muito por ter falhado com você, — diz ele.

Eu faço uma pausa, depois giro lentamente para encará-lo. — O que você quer dizer? Isso é tudo culpa minha, lembra? Eu escolhi vir aqui. Eu me coloquei nessa bagunça, o que significa que eu coloquei você nessa bagunça também. Fui eu quem falhou, não você.

— É minha... responsabilidade... há anos. Cuidar de você.

— Mas essa tarefa — missão — como você chama — terminou quando você me trouxe a este mundo. Você não precisa cuidar de mim. — Eu me agacho e pego sua mão mais uma vez. — Dash, você não me deve nada. Quero dizer. Sou eu quem te deve. Então, vou garantir que você saia daqui vivo.

— Isso significa, — ele pergunta, — que quando isso acabar... podemos esquecer a coisa do penhasco?

Demoro alguns segundos para lembrar do que ele está falando, e então um sorriso surge no meu rosto. — Considere isso esquecido.

Ele agarra minha mão com um pouco mais de força do que antes. — Parece que você pode se tornar uma heroína, afinal.

Balanço a cabeça, mas meu sorriso continua. — Eu não estou salvando o mundo, Dash. Só você. — Eu levanto e olho para Zed. — Bem, e seu amigo. Mas é isso. Eu não vou chegar perto de ser uma heroína.

Eu passo silenciosamente pelas esferas e subo as escadas, parando perto do topo e ouvindo antes de subir os últimos degraus até a piscina congelada. Não tomo uma linha reta de volta ao palácio. Em vez disso, corro um pouco para a direita antes de virar para as brilhantes luzes douradas à distância. Se alguém me parar agora, pelo menos não parecerá que estou vindo da direção da prisão. Começo a correr de novo, cada vez mais rápido, em parte porque quero voltar para o calor do meu quarto o mais rápido possível e em parte porque talvez precise convencer alguém que estava aqui praticando minha corrida, escalada e salto mortal.

Mas volto ao palácio sem que ninguém me pare. Considero entrar por uma das portas no andar do solo e subir as escadas, mas é mais rápido subir. Dou um passo para trás e olho para cima para me certificar de que estou mirando para a varanda correta e começo a minha subida. É tarde — depois da meia-noite, tenho certeza — para que a maioria das cortinas esteja fechadas e ninguém olhe para fora enquanto eu passo pelas janelas. Quando entro na minha sala de estar e silenciosamente fecho a porta da varanda atrás de mim, dou um longo suspiro. Tiro Bandit do bolso e o coloco sobre a mesa, entre os papéis e livros que parecem ter permanecido intocados na minha ausência.

— Emerson.

Com um suspiro mal disfarçado, eu me viro, batendo a mão no meu peito, onde meu coração já entrou em ação.

Na porta do meu quarto, seus braços cruzados firmemente sobre o peito, está Roarke.


Capítulo 25

 

 

 

— CARAMBA, ROARKE, VOCÊ QUASE ME DEU UM ATAQUE CARDÍACO. — EU ABAIXO MINHA MÃO PARA O MEU LADO, MAS MEU CORAÇÃO continua acelerado em ritmo de pânico.

— Onde você estava? — Sua expressão não dá a menor dica de sorriso, e seu tom é mortalmente sério.

— Oh, apenas praticando um pouco de parkour. — Eu tiro o casaco, deixo-o sobre as costas de uma cadeira e sento para tirar os sapatos. É mais fácil parecer relaxada e despreocupada se eu mantiver minhas mãos ocupadas. — Sabe, as coisas que eu tenho mostrado a Aurora. Correr e escalar paredes e tudo isso.

— No meio da noite? No inverno?

— Sim. — Eu olho para cima. — Minha amiga e eu costumávamos praticar à noite o tempo todo. Tudo bem, não fazíamos isso no inverno. Era muito frio. Mas meus dias aqui se tornaram tão ocupados. Se eu quiser continuar praticando, preciso fazer isso à noite. — Empurro meus sapatos para o lado e cruzo uma perna sobre a outra. — Além disso, me deu um motivo para praticar o feitiço que mantém meu corpo quente. Estou melhorando.

Roarke caminha lentamente em minha direção, cada passo uma ameaça silenciosa. — Você espera que eu acredite nisso? Você espera que eu acredite que você não estava bisbilhotando, tentando encontrar algo fechado para usar sua Habilidade Griffin?

Permito que toda a mágoa e horror que senti ao ler o feitiço da bruxa se tornem evidentes em minha expressão. — Você está falando sério? Eu pensei que você confiasse em mim.

— Estou achando um pouco difícil agora que você desapareceu do quarto que você deveria estar a cada —

— Oh, sem essa. Você continua falando sobre como nunca me forçaria a nada, que esta é a minha casa agora e que eu sou quase um membro da sua família — e então você me diz que eu devo ficar no meu quarto a cada noite como uma prisioneira? Isso não faz sentido. E foi você quem decidiu me compelir a dizer a palavra ‘abrir’. Não pedi isso. E tenho muito medo de seu pai para procurar algo que está fechado e não deve ser aberto.

— Então em que você usou sua Habilidade Griffin hoje à noite? E não tente me dizer que ainda não aconteceu. — Seu olhar se move para o meu pulso, onde a pulseira está aparecendo abaixo da borda da minha manga. — Eu posso ver pelo rubi que você já usou seu poder. Quase não tem cor.

— Uma flor, — digo a ele, minha voz alta em uma raiva falsa. — Eu usei em uma flor, ok? Eu pensei que estava sendo inteligente, na verdade, já que estava do lado de fora e não havia portas para abrir. Eu pensei que acabaria desperdiçando o poder, direcionando-o para lugar nenhum, e então vi uma flor. Um botão de rosa fechado. Então eu olhei e disse para abrir, e abriu.

Vários momentos de silêncio desconfortável passam quando os olhos de Roarke perfuram furiosamente os meus enquanto eu olho desafiadoramente de volta. — Uma flor? — ele diz eventualmente.

— Sim. Uma flor. — Cruzo os braços sobre o peito e dirijo uma carranca para o chão entre nós, esperando que Roarke possa dizer o quanto ele machucou os sentimentos de sua noiva acusando-a de mentir. — Felizmente, eu teria contado tudo a você se você tivesse perguntado, em vez de me acusar de me esgueirar por aí.

Depois de mais alguns momentos olhando, ele se afasta de mim sem responder. Eu não posso ver sua expressão, mas ele está de frente para o espelho acima da lareira. No reflexo do espelho, por apenas um momento, vejo seu rosto se contrair com uma fúria feroz e aterrorizante. Ele mostra os dentes enquanto seus punhos se fecham brevemente ao lado do corpo. Então ele fecha os olhos, respira fundo e sua raiva é substituída por uma expressão vazia.

Eu ficaria totalmente confusa se tivesse testemunhado isso ontem. Agora eu sei. A paciência de Roarke não passa de um ardil e, claramente, ele está tendo dificuldades para controlar sua raiva agora. Quão frustrante deve ser para ele interpretar o noivo gentil, porém cauteloso, quando tudo o que ele quer fazer é consumir minha magia e torná-la dele. Muito difícil — e ainda absolutamente necessário — se ele está esperando que eu vá de bom grado a ele.

— Sinto muito, — ele diz enquanto vira de volta para mim, sua expressão suave agora. — Eu estraguei tudo.

Isso mesmo, eu quero dizer. Você deveria estar me cortejando em total conformidade e, em vez disso, me chateou e me fez duvidar de que confia em mim.

— Eu simplesmente... eu não consegui encontrar você, — continua ele, — e eu estava preocupado que... que talvez você tenha se aproveitado de mim. Que talvez você esteja mentindo para mim esse tempo todo. E eu tenho... — ele respira fundo, preparando-se para revelar algo. — Eu me preocupo com você mais do que pensei nesse curto espaço de tempo. Dói pensar que você possa ter traído minha confiança. Doeu muito mais do que eu esperava.

Eu quase o parabenizo por ter uma ótima explicação para sua raiva. Se eu não soubesse a verdade, quase acreditaria nele. — Eu... eu realmente não sei o que dizer sobre isso.

— Você não se sente da mesma maneira?

Seria fácil dizer que sim, mas não posso ir longe demais ou ele saberá com certeza que estou mentindo. — Eu... tudo bem, olhe. Nós dois sabemos que estamos apenas participando dessa união porque cada um obterá algo disso. Nenhum de nós começou a procurar amor ou qualquer coisa sentimental. Mas... eu... — Eu gostaria de poder corar sob exigência. Eu gostaria de poder parecer tão tímida e envergonhada quanto pretendo estar. Olho para baixo, o espio entre os meus cílios. — Eu acho que realmente gosto de você. Eu esperava te odiar, mas... mas não odeio. E o mundo das sombras... admito que ainda é um pouco assustador com todas as sombras de tinta, mas também é emocionante. Mal posso esperar para ver como tudo ficará quando terminarmos a construção.

A boca de Roarke se estica lentamente em um sorriso. Então, sem aviso, ele diminui a distância entre nós. Suas mãos estão segurando meus braços e seus lábios estão pressionados nos meus, movendo-se famintos contra eles. Sou uma estátua sólida, chocada demais para me mexer. Mas tenho que dar crédito a ele por isso. Sua atuação é muito melhor que a minha. Ele parece totalmente apaixonado nesse beijo, quando tudo que eu quero fazer é afastá-lo de mim. Mas não é assim que se joga este jogo. Então eu tento jogar. Eu me pressiono um pouco contra ele, coloco meus braços em volta dele e digo a mim mesma para imaginar que estou beijando outra pessoa. Alguém que eu possa gostar de beijar. Mas já faz um tempo desde que eu me apaixonei por alguém, então não consigo imaginar nenhum rosto, exceto breves vislumbres de celebridades bonitinhas que não significam nada para mim. Então o rosto sorridente de Dash toma seu lugar na minha imaginação — o que é super estranho, então eu rapidamente afasto esse pensamento.

— Lady Emerson, você está... Oh, Caramba, me desculpe.

Ao som da voz de Clarina, eu me afasto de Roarke. — Está — está tudo bem, — digo com uma risada envergonhada. Felizmente, não sou a única me sentindo estranha neste momento. Clarina está parada na porta principal da minha suíte, seu olhar apontado firmemente para longe de nós e suas bochechas ficando rosadas. — Nós não deveríamos — antes da união... quero dizer, não é apropriado, é? — Não sei quase nada sobre os costumes deste mundo para saber o que é apropriado e o que não é, mas espero que as pessoas sejam mais conservadoras aqui do que no mundo humano. Eu posso fingir um beijo, mas acho que não posso fingir mais do que isso.

— Não se preocupe, meu amor, — diz Roarke, pegando minha mão e passando o polegar pela minha pele. — Não tenho intenções inapropriadas.

Certo. Exceto a intenção de roubar toda a minha magia. — Tudo bem, bem... então vejo você amanhã?

— Sim. — Ele beija minha mão. — Eu adoraria se você se juntasse a mim no café da manhã.

— Oh. Hum. Eu ia tomar café da manhã com Aurora. Temos algumas coisas sobre garotas para conversar. — Espero que isso me dê mais uma hora extra antes que alguém venha me procurar.

— Bem, vejo você depois do café da manhã. — Ele abaixa a voz para que Clarina não possa ouvir. — Podemos decidir o que construir em seguida para a nossa nova casa.

Eu o vejo passar por Clarina e sair da minha suíte. Sem olhar para mim, ela me diz com o mínimo de palavras possível que está aliviada ao ver que nada aconteceu comigo enquanto eu estava desaparecida esta noite. Então ela se apressa antes que eu possa perguntar quanto tempo levou para Roarke começar a dizer às pessoas que eu estava 'desaparecida’.

Finalmente sozinha de novo, visto o pijama, eu pego todos os livros de feitiços que encontro na minha suíte e vou para a cama. Espalho os livros ao meu redor e começo a folhear um por vez. Eu deveria estar dormindo, mas espero encontrar algum tipo de feitiço de invisibilidade para que eu possa me esconder facilmente no jardim amanhã. Lembro de Calla nos escondendo com a invisibilidade quando ela, Violet e Ryn me resgataram, mas ela usou sua Habilidade Griffin para isso, então talvez a invisibilidade não seja possível com a magia normal.

Depois de ler quase todos os meus livros e não encontrar nada, em desespero, leio um livro que detalha alguns dos rituais nada agradáveis dos Unseelie. Entre outras coisas, fala sobre métodos para ganhar energia extra. Certos métodos que os Unseelies aparentemente compartilham com as bruxas. Finalmente, me deparo com um feitiço que parece útil. Não me deixará invisível, mas me ajudará a ser imperceptível ao detectar meu ambiente e refleti-lo de volta para mim. Uma forma de camuflagem, suponho. Repito as palavras várias vezes na minha cabeça até memorizá-las. Então chego à instrução final, que me diz que preciso de um 'sacrifício' a partir do meu entorno. Esse sacrifício formará um vínculo entre mim e meu ambiente enquanto eu estiver segurando o feitiço em minha mente.

A palavra ‘sacrifício’ faz com que eu me sinta imediatamente desconfortável, assim como a palavra ‘vida’, que está escrita entre parênteses ao lado desta última instrução. Um sacrifício vivo não parece nada bom. Olho em volta, mas a única outra coisa viva no meu quarto é Bandit, e de jeito nenhum eu o sacrifico. Gostaria de saber se o jardim conta como o mesmo ambiente do meu quarto. Como o feitiço sabe se esse ‘sacrifício’ vem da área em que estou ou de alguma outra área? Por outro lado, como a minha Habilidade Griffin sabe exatamente a quem ou ao o que estou me referindo quando dou uma instrução?

Magia não faz sentido.

Caio de volta contra os meus travesseiros, prestes a desistir dessa coisa de camuflagem. Então eu pisco para as luzes no teto. — Brilhantes, — eu sussurro. Brilhantes são criaturas vivas. Talvez eu possa usar um deles para formar esse vínculo mágico com o meu ambiente. Eu saio da cama, subo na cadeira no canto do quarto e tiro um inseto do teto. A sensação de seu pequeno corpo mole entre meus dedos me faz estremecer. Eu o largo rapidamente no chão e me ajoelho ao lado dele. Não consigo ver uma cabeça ou pernas, apenas um corpo em forma de bolha cheio de luz dourada. É bonito, e eu não quero matá-lo, mas é essencialmente apenas um inseto, certo? Se eu estivesse no reino humano, não teria problema em golpear uma mosca ou esmagar uma barata. Por que é diferente apenas porque esse inseto tem alguma magia nele?

Eu tiro o livro mais pesado da cama. Então prendo a respiração e pressiono rapidamente o brilhante com o livro enquanto murmuro o feitiço. Quando eu termino, levanto e olho através do quarto para o espelho dentro da porta aberta do guarda-roupa — e respiro rapidamente enquanto vejo minha pele e roupas assumirem o design do tapete, à borda da cama, a parede atrás de mim e uma pequena seção da janela.

Um pequeno pio vem da direção da cama. Bandit em forma de coruja me observa com olhos enormes. — Shh, — digo a ele. Olho meu reflexo novamente e percebo que a camuflagem não cobre tudo em mim. Partes do meu corpo ainda parecem normais. Olho o livro de feitiços novamente e releio a linha sobre o sacrifício. Um sacrifício de tamanho adequado e composição mágica. O que exatamente significa 'adequado'? Talvez um brilhante não seja grande o suficiente. Não tenho ideia de qual criatura vou usar quando estiver no jardim amanhã, mas enfrentarei esse obstáculo quando chegar lá.

Eu solto meu controle mental do feitiço e pulo rapidamente de volta para a cama. Estou dividida entre euforia por ter me ensinado um novo feitiço e mal-estar que eu tenha que matar uma criatura no processo. Você vai se encaixar tão bem conosco, Aurora me disse apenas alguns dias atrás. Viro, ignoro a sensação de mal estar na boca do estômago e tento adormecer.


Capítulo 26

 

 

 

O SONO CONSEGUE ME ESCAPAR DURANTE A MAIOR PARTE DA NOITE, E MEUS OLHOS ESTÃO ABERTOS QUANDO A PRIMEIRA LUZ DO amanhecer espreita por baixo das cortinas fechadas nas janelas. Levanto e testemunho, pela primeira vez, como o inverno derrete no chão e dá lugar a uma manhã de primavera fresca e vibrante.

Depois de admirar o único nascer do sol que espero ver deste palácio, atravesso meu quarto até o guarda-roupa e procuro uma roupa que possa ser considerada confortável. Algo parecido com o conjunto de calças, camisa e casaco que Clarina mostrou ontem, já que provou ser fácil de correr. Prefiro ficar sem o casaco — em algumas horas estará quente demais para vestir um, e pode atrapalhar se eu precisar correr — mas eu ficaria evidente sem ele. Segundo Clarina, esse tipo de roupa não é considerado formal o suficiente sem o casaco. Ela me colocaria em um vestido se soubesse que eu planejo sair mais tarde, no meio da manhã, mas um vestido está fora de questão. Eu definitivamente não consigo escalar com um.

Depois de escolher o que considero uma combinação adequada — calça preta, camisa preta com babados dourados na frente e casaco verde com detalhes dourados — me visto rapidamente e deslizo a stylus que roubei semanas atrás de Aurora em um dos bolsos do casaco. Eu pedi minha própria stylus todas as vezes que aprendi um feitiço que requer uma, mas aparentemente Roarke queria que eu esperasse até que ele pudesse me presentear com uma stylus especial. Uma stylus coberta de diamantes e safiras, ou algo escandalosamente desnecessário assim. Eu sei que era apenas uma desculpa para não me dar uma antes da união.

Eu calço sapatos flexíveis, sem salto, e depois escrevo uma nota para Clarina dizendo que acordei cedo e decidi devolver alguns livros à biblioteca antes de ir aos aposentos de Aurora para o café da manhã. Espero que ela não verifique minha história com os guardas que patrulham o corredor do lado de fora do meu quarto. Acordo Bandit, encorajo-o a mudar para algo menor que um gato — ele escolhe uma pequena forma do tipo hamster com cabelo azul da mesma cor que o meu — e o deixo subir em um dos meus bolsos. Não no mesmo bolso que a stylus; Ainda não acredito que essas coisas não tenham magia residual e não quero que Bandit se machuque acidentalmente.

Estou prestes a entrar na varanda quando me lembro do livro de feitiços de bruxa escondido debaixo de uma almofada em uma das cadeiras. Se Roarke encontrar, ele perceberá que foi Aurora quem me alertou sobre seu plano. Não sei o que ele faria com ela se descobrisse sua traição, mas prefiro que ela não tenha que descobrir. Há muito tempo que o fogo na lareira da sala de estar se apagou, mas atravesso a sala até ela, coloco o livro sobre as cinzas e adiciono mais alguns pedaços de madeira. Eu digo em voz baixa o feitiço para acender um fogo e recuo quando uma única chama se acende na capa do livro. Eu observo queimando por vários momentos antes de me virar.

Do lado de fora, na varanda, olho para baixo e ao redor para ver se alguém está patrulhando por perto. Então jogo minhas pernas sobre a balaustrada e começo a descer. É cedo o suficiente para que a maioria dos ocupantes dos quartos pelos quais eu passo ainda estejam dormindo com as cortinas fechadas.

Eu me escondo em um dos canteiros de flores enquanto faço o feitiço de camuflagem, usando um pássaro que Bandit pega para mim enquanto está em uma de suas formas de gato. O pássaro tem uma pequena coroa de ouro no topo da cabeça e suas asas são quase transparentes com manchas de ouro. Eu me sinto tão mal por ter que matar essa linda criatura que quase não consigo. Mas eu me lembro que Dash continuará sendo um prisioneiro torturado e provavelmente acabará morto se eu for pega antes de chegar à prisão.

O feitiço funciona. Afasto minha náusea quando minha pele e roupas rapidamente assumem a aparência do meu ambiente. A terra escura, os arbustos verdes e flores coloridas. A parte mais estranha é olhar para mim mesma enquanto me levanto e saio do canteiro de flores — minha aparência muda continuamente, de modo que me misturo aproximadamente com o que estiver ao meu redor.

Como tenho que esperar até o meio da manhã para não encontrar os guardas, passo o tempo andando pelos jardins. Olho frequentemente para baixo para ter certeza de que ainda estou camuflada e tento ignorar a constante ansiedade fraca que torce meu interior em nós. Tudo vai dar certo, digo a mim mesma repetidamente. Quando chego à piscina com a fonte — não mais congelada — me escondo atrás de uma roseira próxima com flores azuis. Provavelmente eu poderia soltar meu feitiço de camuflagem, mas não quero arriscar ser vista. Além disso, não parece que está drenando muito da minha magia.

Quanto mais espero, mais ansiosa fico. As pessoas com quem me preocupo giram em volta da minha cabeça: mamãe, Dash e os rebeldes Griffin que provavelmente estão tentando entrar nessa corte porque Dash nunca retornou para casa. Minha imaginação me mostra as piores coisas que poderiam acontecer a todos, e eventualmente tenho que fechar os olhos e dizer à minha mente para não pensar em nada como se alguém estivesse me levando pelos caminhos das fadas.

Exceto pelo feitiço de camuflagem. Não posso não pensar nisso. Abro os olhos e olho para o padrão da grama na minha mão. Vou me concentrar nisso.

Quando ouço passos, minhas costas começam a doer e minha perna esquerda fica dormente. Encolho ainda mais enquanto espio entre as folhas da roseira. Uma fila com cerca de dez guardas marcha em direção à fonte. Eles param no outro lado, onde fica o alçapão. O guarda na frente se inclina para frente com uma stylus na mão, mas depois que ele se abaixa, não consigo ver o que ele está fazendo e não consigo ouvir se ele está dizendo alguma coisa.

Eu lentamente rolo meus ombros algumas vezes, verifico o rubi no meu pulso e lembro de ser paciente. Eu tenho que esperar até que os guardas se retirem e minha Habilidade Griffin tenha se restaurado completamente. A menos que... eu paro com meus ombros puxados para trás. E se eu me esgueirar agora? Bem por trás dos guardas? Então não preciso usar minha Habilidade Griffin para abrir o alçapão. Não precisarei correr o risco de perder acidentalmente todo o meu poder em um comando e ter que esperar até tarde da noite para libertar Dash e Zed de suas esferas.

Mordo o lábio enquanto vejo os guardas descerem as escadas um de cada vez. Quão perto posso arriscar chegar perto deles? Quão bem esse feitiço de camuflagem funciona? E se o guarda no final da fila virar para fechar o alçapão?

Mas... e se eu não conseguir soltar Dash e Zed até hoje à noite, e Roarke descobrir onde estou antes?

Não me dou outro segundo para pensar sobre isso. Eu me levanto e ando na ponta dos pés silenciosamente pela grama. Eu chego à piscina segundos antes do último guarda descer pelo alçapão. Com uma última olhada para os meus pés para garantir que não consigo ver nada mais do que um contorno fraco, passo silenciosamente pelo alçapão. Paro no topo da escada, esperando para ver se o guarda à minha frente planeja se virar e fechar o alçapão. Mas ele continua descendo sem olhar para trás.

Prendendo a respiração, desço as escadas na ponta dos pés, encolhendo nas sombras de um lado quando chego ao final. Não ouso me aventurar mais na vasta câmara subterrânea enquanto todos os guardas ainda estão presentes. Eles se espalham, cada um indo em uma direção diferente. Aqui e ali, noto várias esferas descendo lentamente e desaparecendo entre as muitas outras esferas.

Na primeira fila, um guarda para ao lado da esfera mais próxima de mim. O prisioneiro lá dentro — a mulher que estava enrolada e dormindo ontem — corre para o outro lado da cela. Mas quando o guarda balança a mão dele, ela desliza abruptamente pelo chão e bate contra as barras com um gemido. O guarda se agacha e percebo que ele está segurando uma garrafa na mão. Ele enfia uma stylus na garrafa, depois alcança através das barras o braço da mulher. Ele escreve algumas palavras na pele dela antes de se levantar e passar para a próxima esfera. Momentos depois, quando a mulher cai contra as barras, parte do chão dentro de sua esfera brilha e ondula. Uma bandeja de comida aparece e, depois de encará-la por um tempo, ela estende a mão desajeitada e arrasta a bandeja para mais perto.

Eu espero enquanto o guarda executa o mesmo feitiço no próximo prisioneiro e depois no próximo. Pelo que vejo em outra fileira de esferas, parece que os outros guardas estão fazendo a mesma coisa. No momento em que as orbitas abaixadas da prisão sobem para o ar novamente e os guardas começam a marchar de volta para as escadas, a mulher que eu estava observando terminou de comer e sua bandeja desapareceu.

Eu me agacho e mantenho minha cabeça abaixada enquanto os guardas sobem, sobem, sobem a escada. Finalmente, quando o alçapão é fechado e tenho certeza de que ele foram embora, deixo de lado o feitiço de camuflagem em que estou presa há horas. Eu me endireito devagar e espio as escadas mais uma vez. Depois, passo pelas esferas na ponta dos pés, não querendo atrair a atenção de nenhum prisioneiro, caso eles comecem a me chamar e seus gritos se tornem audíveis fora da prisão.

Corro os últimos passos em direção à cela de Dash e me agacho ao lado de suas barras. Ele está deitado de lado, com os olhos semicerrados, uma mão enrolada frouxamente em torno de uma barra. — Ei, — eu sussurro para ele enquanto toco sua mão. — Pronto para continuar com essa coisa de fuga?

Seu olhar se move para mim. Ele me dá um sorriso fraco. — Você conseguiu. Ninguém... viu você?

— Não. Encontrei algum tipo de feitiço de camuflagem em um livro ontem à noite. — Faço uma pausa, olhando apressadamente por cima do ombro o som de uma voz. Mas é apenas um gemido de uma das outras esferas. — Um feitiço estranho que exigia um sacrifício, — continuo, — mas consegui fazer.

Dash se coloca em uma posição sentada, seus olhos se arregalando mais do que eu teria pensado possível, dado seu estado drogado. — Um sacrifício?

— Apenas um animal. Obviamente, não pessoa. — Eu empurro minha manga para cima para examinar a cor do rubi.

— Em, não, — ele geme. — Você não deveria... ter feito isso. Especialmente aqui. Você não quer... acabar... vinculada magicamente... a essa corte.

— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Isso é possível?

— Você está bem, — diz Zed da esfera vizinha. Não sabia que ele estava prestando atenção em nós. — É preciso... muito mais... para vender a alma. Você nem está... perto.

— Ainda assim... não está certo, — diz Dash.

— Foi apenas um pássaro. — Foi o que eu disse a mim mesma várias vezes antes de torcer o pescoço do pobre coitado, e não me ajudou a me sentir melhor.

— Não está certo, Em, — repete Dash.

— Olha, eu não queria, ok? — Eu assobio. — Foi horrível. Mas eu não tinha muitas opções. Não tenho milhares de feitiços na ponta dos dedos. Eu sou meio nova nessa coisa de magia, lembra? Eu precisava de uma maneira de voltar para vocês, invisível, e esse feitiço foi tudo o que pude encontrar.

Dash não diz mais nada. Ele simplesmente me olha com os olhos semiabertos enquanto se inclina contra as barras.

Eu solto um longo suspiro. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de ser rude. Eu só... me sinto horrível com a coisa do pássaro, então não ajuda quando você fica mostrando que está errado.

— Desculpe, — ele sussurra. Ele gesticula para a minha pulseira. — Quanto tempo?

— Mais uma hora ou duas. — Eu olho de soslaio para o rubi. — Uma hora e meia, talvez. Eu não sei dizer exatamente. Quanto tempo até a droga que prejudica magia desaparecer? Presumo que é isso que os guardas estavam fazendo? — Eu adiciono. — Quando eles estavam escrevendo nos braços dos prisioneiros?

— Sim, — responde Zed. — Eles fazem isso... duas vezes por dia. Então, obviamente... não...

— Não dura um dia inteiro, — termino por ele. Sei que eles não podem evitar, mas estou tendo dificuldade em não ficar frustrada com o discurso lento e arrastado. — Tudo bem. Isso é bom.

— Alguns dos outros, — Zed diz, — estão usando metal... isso bloqueia a magia. Uma pulseira... um anel... — Ele se recosta na borda curvada de sua esfera. — Parece que os Unseelies... ficaram sem... os metais. Essa coisa de droga na bebida... é nova.

— É melhor, — acrescenta Dash. — O metal... não pode ser facilmente removido.

— Tudo bem. Então, nesta noite, vocês dois devem ser capazes de se mover e usar magia?

Dash assente, depois geme e lentamente abaixa a cabeça no chão ao lado das barras. — Fica pior... agora. Logo depois... que eles escrevem... em nós.

— Girando, — Zed murmura. Enquanto eu observo, ele desliza lentamente para o chão da sua cela. — Girando... girando...

— Minha magia está... tão perto... ainda tão longe. — A mão de Dash passa lentamente pelo chão, como se estivesse tentando agarrar alguma coisa. — Eu não posso... tocar... nunca... tocar.

Por mais perturbador que seja vê-lo assim, preciso acreditar que ele ficará bem. — Ei, não se preocupe com isso. Você recuperará sua magia em breve. Você estará totalmente normal hoje à noite. — Eu me aproximo da esfera dele e encosto minhas costas nas barras. Levanto os joelhos e, quando Dash e Zed ficam em silêncio, me preparo para mais uma espera. Eu garanto mais uma vez que tudo ficará bem no final. Dash não ficará confuso e letárgico para sempre. Nós dois vamos sair daqui. Retornaremos com segurança aos rebeldes Griffin. Eu voltarei para mamãe. Vou deixar esse episódio desastroso dos Unseelie para trás e de alguma forma — de alguma forma — vou descobrir como ajudá-la.


Capítulo 27

 

 

ALGUM TEMPO MAIS TARDE, BANDIT COMEÇA A SE CONTORCER NO MEU BOLSO. EU ENDIREITO MINHAS PERNAS PARA QUE ELE POSSA sair. Em sua forma de hamster azul, ele fareja o chão, correndo para mais longe de mim enquanto explora seu novo ambiente estranho. Preciso me lembrar — quando começo a me preocupar que ele possa se perder — de que ele me seguiu com sucesso pelo reino das fadas várias vezes, geralmente sem o meu conhecimento. Acho que não preciso me preocupar com ele.

Enquanto levanto meu braço para verificar o rubi, Dash se move e abre os olhos. Ele se agarra às barras e consegue se levantar até que ele se incline de lado contra elas. — Ei, — eu digo a ele. — Eu pensei que talvez você estivesse dormindo. — Eu me movo até que também inclino meu ombro contra as barras.

Ele balança a cabeça. — Não posso. Eu meio que cochilo, mas nunca durmo.

— Suas palavras parecem menos distorcidas agora.

— Sussurrar ajuda, eu acho. É preciso menos esforço. Minha magia ainda está fora de alcance, no entanto.

— Me desculpe por isso. Não vai demorar muito, pelo menos.

Ele assente e fecha os olhos por um momento. — Eu devo parecer terrível, hein?

— Não, não está tão ruim. — Eu levanto minha mão e corro meu polegar brevemente ao longo de sua mandíbula com barba por fazer. — Você tem aquela aparência robusta. Algumas garotas gostam disso. O cheiro, por outro lado... — Franzo o nariz antes de rir. — Bem, isso é outra história.

Ele faz uma careta. — Sim. Falta chuveiros aqui embaixo. Não estou impressionado com a... qualidade deste... estabelecimento.

Um momento de silêncio passa antes de eu perguntar, — Como você acabou neste excelente estabelecimento? Me disseram que você tinha permissão para voltar para casa. Um guarda até viu você se despedindo de Roarke e subindo em uma das carruagens, mas essa carruagem obviamente não o levou para casa.

— Não. Quatro guardas estavam na carruagem comigo. Eles atacaram e me atordoaram quase imediatamente. Eu estava completamente nocauteado até que eu acordei aqui. Onde estamos exatamente?

— Sob os jardins. Muito longe do palácio. Eu estava correndo noite passada. Não tentando fugir, apenas... eu precisava correr. — Olho para as minhas mãos no meu colo. — Eu descobri o que Roarke planeja fazer comigo, e eu só precisava sair daquele palácio e compreender as coisas. Foi quando encontrei o alçapão e usei minha magia Griffin para abri-lo.

Dash estreita os olhos. — O que Roarke planeja fazer com você?

— Ele... — Mordo o lábio, depois conto tudo sobre o feitiço de bruxa e as palavras que venho praticando como parte dos meus votos. As palavras que no final não tinham absolutamente nada a ver com uma união.

— Bastardo, — Dash respira quando eu termino.

Eu olho surpresa. — Bastardo? Verdade? Duvido que sua mãe aprovaria esse tipo de linguagem.

— Ele quer possuir sua magia, Em. Tudo isso. Eu nem consigo... imaginar... como você sobreviveria a isso.

Eu levanto um ombro incerto. — Aparentemente, esse feitiço é uma das poucas maneiras pelas quais uma pessoa pode sobreviver tendo sua magia removida.

— Mas... sua magia é parte do que a mantém viva. O que você vai ser sem ela? Algum tipo de... casca?

Um arrepio desliza pela minha espinha. — Não precisamos descobrir, porque não vou seguir com a união ou o feitiço de bruxa. Então, de qualquer maneira. — Eu tento afastar meu medo. — Roarke veio te ver? Ele disse por que não... matou você? Estou muito feliz que ele não tenha, obviamente, — corro para acrescentar. — Eu só estou me perguntando por que ele te manteve vivo.

Os olhos semiabertos de Dash me encaram. — Ele estava aqui quando eu acordei. Disse que ele planeja me entregar... a Guilda... e exigir indenização por... um guardião se envolvendo em... assuntos Unseelie sem autorização. Ele também informará a eles que... que eu sei muito mais do que deveria sobre... os rebeldes Griffin. Disse que ele também pode se divertir... com a minha aparição inconveniente em sua corte.

— Bastardo, — Eu murmuro.

Dash hesita, seus olhos verdes se focando em mim. — Sim, você está certa. Minha mãe não gostaria dessa palavra.

Eu dou um pequeno sorriso para ele. — Mesmo se eu explicar a ela que é aplicado de forma adequada neste caso?

— Hmm. Ela pode entender. Só desta vez. — Ele faz uma tentativa fraca de rir e acrescenta, — Na verdade, você não é mais uma boca suja. Você melhorou desde que chegou a este mundo.

— Sabe, eu nunca parei para pensar sobre isso até que você falou. — Eu franzo meu rosto em pensamentos. — Acho que me lembro de minha mãe me repreendendo anos atrás, quando eu era pequena por usar palavrões, mas depois cheguei a Chelsea, e ela não parecia se importar. Na verdade, ela e Georgia usavam esse tipo de linguagem o tempo todo, então acabei falando assim também. — Eu dou de ombros. — Assim como a maioria das pessoas no meu mundo, eu acho. Não é grande coisa.

— Não é grande coisa para muitas pessoas neste mundo também. — Sua voz está perto de um sussurro novamente, o que parece facilitar a fala. — Minha mãe é a única razão pela qual não uso palavrões.

— O feitiço do sabão, sim. Não acreditei em você quando o mencionou pela primeira vez.

— Infelizmente para os jovens fae em todo o reino mágico, esse feitiço é muito real.

Eu puxo meus joelhos até o peito novamente e envolvo meus braços em torno deles. — Sua mãe deve estar muito preocupada com você.

Ele concorda. — Provavelmente. Mas... ela é minha mãe e eu sou um guardião. Então, ela está sempre preocupada comigo. E tenho certeza que ela sabe que Ryn ou um dos outros está me procurando. Isso deve lhe dar esperança.

— Você acha que eles realmente estão tentando entrar nos terrenos do palácio? Roarke disse que ninguém pode ver o palácio a menos que esteja na companhia de um guarda Unseelie.

— Isso não significa que eles vão parar de tentar encontrar uma maneira de entrar. E não apenas por mim, mas por você também. Eles nunca te deixariam nas garras dos Unseelies quando descobrissem que você estava aqui.

Eu cubro meu rosto com as mãos, a culpa me corroendo novamente. — Isso não deveria acontecer, Dash. Eles deveriam desistir de mim e passar a ajudar alguém. Porque, você sabe, eles mal me conhecem e eu só lhes causei problemas desde que os conheci. Agora eles desperdiçaram seu tempo e recursos comigo. Não consigo imaginar o quão zangados eles ficarão quando você e eu finalmente voltarmos para eles.

— Tudo bem, seu primeiro erro, — diz Dash, — está em assumir que eles desistiriam de você.

Abaixo minhas mãos e olho para ele. — Você quer dizer que meu primeiro erro foi assumir que todos são tão egoístas quanto eu?

— Em. Se você fosse tão egoísta quanto pensa, teria ido embora sem mim.

Eu afasto o olhar do seu olhar meio drogado e decido não lhe dizer que quase parti sem ele. Isso certamente daria a Ryn, Violet e os outros um motivo suficientemente bom para ficar com raiva de mim. Duvido que eles...

Espere. Meus pensamentos se desviam quando algo me ocorre. — Ei, Dash, — eu digo a ele. — Eu pensei que o encantamento protetor no refúgio seguro dos rebeldes nos impedia de pensar ou falar sobre isso para alguém que ainda não o conhece.

— Sim. Algo parecido.

— Mas como eles levam alguém novo para lá? Como eles me levaram lá? Como eles puderam pensar nisso quando eu estava com eles?

— Os líderes — Ryn e Vi, Chase e Calla, alguns dos outros — têm um lugar encantado diferente neles. Eles não podem falar sobre o lugar... e não conseguem pensar exatamente sobre isso... mas podem pensar sobre... a área? Não sei os detalhes, mas eles conseguem pensar na área ao redor e, quando chegam lá, podem ver o local de verdade. Algo parecido.

— Parece complicado.

— Sim. Eu acho que precisa ser. Para manter todos em segurança. — Seu olhar abaixa. — Quanto tempo agora? Para sua Habilidade Griffin, quero dizer.

— Em breve. — Afasto minha manga e olho de soslaio para o rubi. — Meia hora, talvez.

— Tudo bem.

Mais alguns minutos passam com apenas o som ocasional de um gemido ou choro chegando até nós. Depois, algumas batidas repetidas, como se alguém estivesse batendo contra o interior de sua esfera, e então o som abafado do choro. Quando o choro desaparece mais uma vez, Dash pergunta, — Como você está se sentindo sobre Chelsea e Georgia?

Náuseas leves giram no meu estômago, como sempre acontece quando penso em minha tia e prima. Ninguém mais perguntou sobre elas desde que contei a Roarke o que aconteceu, mas isso não significa que elas não estejam em minha mente. — Ainda não sei o que deveria estar sentindo, — admito. — Sempre que penso nelas, é com pesar e culpa. Como se eu devesse ter feito um esforço maior com elas enquanto estavam vivas. Talvez eu tivesse descoberto que elas não eram tão terríveis como sempre pareciam ser. E eu nunca deveria ter deixado Ada chegar perto da casa delas.

— Você não teve exatamente escolha de Ada aparecer em Stanmeade. Não sabemos como ela sabia que você estava lá.

— Sim, eu sei. — Eu aceno lentamente. — Eu sei que não foi diretamente minha culpa. Mas ainda assim... tudo aconteceu porque Ada veio atrás de mim.

Dash se agarra às barras e se endireita um pouco. — Lembra que eu te contei sobre meu colega de classe e mentor que morreu?

— Hum, sim. Acho que sim.

— Eu disse a você que foi minha culpa?

Eu hesito, procurando na minha mente. — Não. Acho que me lembraria se você mencionasse que a culpa é sua.

— Era para ser uma missão emparelhada com supervisão. Ou seja, meu colega de classe e eu faríamos isso juntos enquanto um mentor observava. Apenas no caso de algo dar errado e... precisássemos de ajuda. É assim que funciona... nos primeiros anos de treinamento. Grupos, duplas e um guardião mais experiente observando e... se envolvendo, se necessário. — Ele faz uma pausa para respirar fundo. Mesmo sussurrando, ainda é claramente um esforço para ele falar. — No dia em que deveríamos fazer essa missão emparelhada, acabei ferido em uma sessão de treinamento. Minha perna ainda não estava curada, então a Guilda deu ao meu mentor e colega de classe uma tarefa diferente. Algo que eles achavam adequado para um aprendiz. Mas deu terrivelmente errado... e tanto meu colega quanto meu mentor foram mortos.

— Oh, isso é horrível. Eu sinto muito. — Engulo em seco e acrescento cautelosamente, — Mas certamente você não pode estar me dizendo que sentiu que a culpa foi sua? Não é o mesmo que aconteceu com Chelsea e Georgia. Basicamente, levei Ada à sua porta. Mas você não pôde para de estar machucado.

— Verdade. Não pude. Mas se todos tivéssemos cumprido nossa missão original juntos... talvez eles estivessem vivos.

— E talvez eles não tivessem. Talvez sua missão em pares também teria dado errado e eles teriam morrido de qualquer maneira.

— E talvez Chelsea e Georgia... teriam morrido de qualquer maneira. Um acidente de carro, ou... alguma outra tragédia aleatória.

Olho para longe dele e balanço a cabeça. Pressiono meus dedos contra as têmporas. — Esta é uma discussão inútil.

— Assim como é inútil se culpar por... algo que você não fez. Eu sei, porque eu tive que descobrir isso sozinho. Para que eu pudesse seguir em frente. — Ele segura minha mão esquerda e gentilmente a afasta do meu rosto. — Você descobrirá também, Em.

— Talvez, — eu digo baixinho, abaixando a mão direita e envolvendo-a nas pernas. Minha mão esquerda repousa no chão da esfera entre duas barras, ainda no agarro de Dash. Eu não afasto. — Mas ainda não. Ainda não parece certo seguir em frente.

— Tudo bem, — diz ele. — Está bem.

— Obrigada por me contar sobre seu mentor e seu amigo. Deve ser difícil falar sobre eles.

— Faz alguns anos desde... desde que aconteceu. Agora é mais fácil falar sobre eles.

Inclino minha cabeça contra as barras enquanto o observo. — Acho que nunca perguntei por que você escolheu ser um guardião.

— Hmm. Acho que nunca quis ser... qualquer outra coisa. Sempre gostei de todas as histórias que meu pai me contou sobre as coisas heroicas que ele fez... e as vidas que ele salvou. Eu queria ser como ele. Minha mãe pensou... que era uma ideia horrível. Há anos que ela tem medo de perdê-lo... e agora também precisa ter medo de me perder. Eu entendi de onde ela tirava isso, mas... eu escolhi essa vida de qualquer maneira. E nunca me arrependi. Há vidas que poderiam não ter sido salvas se... se eu não estivesse lá para salvá-las.

Alguns meses atrás, eu teria revirado os olhos para esse último comentário. Mas não há traço de arrogância no tom de Dash. Ele está simplesmente declarando um fato. — E apenas pense, — acrescento com um sorriso, — de todas as garotas bonitas que seriam privadas de desmaiar pelo seu belo e heroico salvador se você não se tornasse um guardião.

Ele consegue dar uma risada silenciosa. — Exatamente. E eu não teria conhecido você.

Meu sorriso desaparece. — Sim. Você não estaria trancado em uma prisão agora.

— Ah, bem. — Ele desvia o olhar enquanto encolhe os ombros. — Vale a pena.

Alguma coisa se mexe dentro de mim. Algo quente e estranhamente agradável. Algo que reconheço imediatamente e digo a mim mesma que é ridículo estar me sentindo assim agora. — Você realmente não quis dizer isso, não é? — Eu digo para Dash.

Ele franze a testa enquanto continua olhando para longe. — Eu realmente não estava pensando no que estava dizendo, mas... — Ele se concentra em mim. Sua mão se move um pouco sobre a minha, seus dedos roçando minha pele antes de ficarem imóveis novamente. — Mas acho que quis dizer isso. Não consigo imaginar... não te conhecer. Você faz parte da minha vida há anos. Um mistério que eu não tinha como... resolver, mas um mistério que eu não conseguia parar de pensar. E você estava tão linda... no baile. Eu gostaria de poder... dançar mais com você.

Um arrepio não relacionado ao frio ou medo percorre os meus braços e pescoço. Não consigo deixar de lembrar o que Aurora disse sobre Dash: Ninguém se importa tanto. A menos que sejam motivados pelo amor. Argumentei então que Dash estava motivado por sua necessidade de ser um herói, e ainda estou convencida de que isso não tem nada a ver com amor. Essa poção com drogas que foi escrita em seu braço mais cedo provavelmente tem muito a ver com o que ele acabou de dizer. O que não explica é porque, de repente, sinto que cem asas de borboleta estão tremulando contra o interior do meu estômago, mas isso é —

— Ei, — Zed geme. Ele se levanta o suficiente para virar a cabeça e olhar em nossa direção. — Agora... definitivamente... não é a hora.

Eu estreito meus olhos para ele. — Não é hora de —

— Além disso... sua mãe diria... que você é jovem demais para ter um namorado, Emerson.

— Eu — com licença? — Chamas ardentes de vergonha lambem o seu caminho até o meu pescoço. Afasto minha mão da de Dash e a envolvo em minhas pernas. — Não é isso que está acontecendo agora. E você não tem ideia do que minha mãe diria.

— Apenas tentando... ajudá-la a evitar distrações, — ele murmura. — Não quero que essa tentativa de fuga tome outro rumo.

Eu volto meu olhar para Dash e o encontro rindo tão baixinho que é pouco mais que um tremor silencioso. Espero que ele esteja rindo de si mesmo e da improvável noção de que ficar preso nessa prisão possa ‘valer a pena’ porque ele me encontrou. Eu limpo minha garganta e olho para o rubi no meu pulso. — Oh, ei, está quase na hora.

— Bom, — Zed murmura. — Acho que é melhor... me preparar. — Ele agarra as barras da cela e se ergue.

— O que você vai dizer quando seu poder estiver pronto? — Dash pergunta.

— Hum... — Olho para trás entre a esfera dele e a de Zed. — Algo como, a esfera de Dash e a esfera de Zed, abertas. Parece estúpido, mas deve funcionar.

Dash assente. — Tudo bem. E quanto a todos os outros?

Com um suspiro, fecho os olhos. Por que ele tinha que trazer isso à tona? Eu esperava não ter que pensar sobre isso novamente. Não quero enfrentar o dilema moral ao qual não tenho resposta. — Não sei se devo fazer isso, Dash. Tenho certeza de que algumas dessas pessoas não merecem estar aqui, mas a maioria provavelmente merece. Como vamos distinguir os inocentes dos culpados? E não sei se é possível abrir todas as esferas. Se exigir muita energia, acabarei desmaiando.

Dash pisca. — Sério? Isso aconteceu?

— Sim. Eu me esforcei demais tentando fazer muita coisa com um comando. Acho que se eu permitisse que minha Habilidade Griffin fosse reabastecida várias vezes sem usá-la, talvez eu fosse capaz de fazer mais, mas não temos tempo para isso agora.

— Mas Em, você... você trouxe duas pessoas de volta da morte. Isso deve ter exigido... uma enorme quantidade de poder. Abrir apenas duas esferas não deve usar... muito. Tenho certeza de que você pode tentar abrir mais.

— E se eu estiver libertando criminosos?

— Se eles são inimigos do rei, provavelmente estão do nosso lado.

— É verdade, — admito, — mas como sei quem deve ser libertado e quem não deve?

— Não podemos salvar todos, — diz Zed. — Não é possível. Eles vão — ele se interrompe, um olhar de horror se espalhando pelo rosto. Então ele solta uma risada amarga, olhando melancolicamente para longe. — Finalmente entendo. Se ao menos eu... tivesse entendido anos atrás. Eu poderia ter... feito eles entenderem também. Nada disso teria acontecido. — Ele olha para mim. — Nada disso.

Eu olho de volta, completamente confusa. — Hum...

— Não podemos deixar pessoas inocentes para trás, — pressiona Dash, afastando minha atenção de Zed.

— Então você pode contar à sua Guilda quando voltar para casa em segurança. Eles vão consertar isso. Esse é o trabalho deles, não é? Corrigir esse tipo de erro.

Zed ri de novo. — Todos esses anos... eles disseram a mesma coisa. Voltaremos para você... eles disseram. E eles nunca voltaram.

— Ei, eu pensei que você estava do meu lado nisto, — digo a ele. — Não podemos salvar todos, lembra?

Ele concorda. — Não podemos salvar todos.

— Não todo mundo, — Dash concorda, — mas alguns.

— E então, Dash? Digamos que deixei um monte de gente livre. E então vamos dizer que eu realmente não consigo abrir os caminhos das fadas. Tipo, eu fico sem energia, ou não é possível abrir com uma Habilidade Griffin, ou algo assim. Então, o que acontece com todas as pessoas que libertei? Eles não podem usar sua magia, e os guardas virão correndo aqui embaixo para prendê-los novamente. Alguns deles revidam e podem acabar mortos. O que significa que serei indiretamente responsável pela morte de mais pessoas. Não quero isso em minha consciência, Dash. Talvez você pense que sou uma covarde egoísta por não querer libertar mais ninguém — e isso provavelmente é parcialmente verdade — mas também não quero que as pessoas acabem mortas porque não temos um plano adequado para tirar todo mundo daqui. Então, só vou libertar vocês dois. Vamos escapar desta corte, e você pode contar a Guilda sobre todos aqui embaixo. Eles podem vir e investigar.

Dash balança a cabeça. — Não funciona... dessa maneira. A Guilda não pode simplesmente entrar. Existe... um equilíbrio. Eles correm o risco de iniciar uma guerra entre as cortes.

— Eles não precisam fazer nada, tudo bem? Eles podem apenas pedir detalhes de quem está preso e por quê. Certamente eles têm o direito de fazer isso?

— Talvez, mas os Unseelies não vão gostar.

— Então sua preciosa Guilda terá que perturbar o equilíbrio. Se muitas pessoas estão presas injustamente aqui, talvez valha a pena começar uma guerra.

— Isso... — Zed diz, apontando fracamente para mim. — Era disso que precisávamos... todos esses anos atrás. Alguém disposto a começar... uma guerra por nós. Alguém que não escolheu nos deixar na prisão.

— Estou de acordo com você, — Dash protesta, sua respiração ainda mais pesada agora. — Mas estou dizendo que devemos... tirar todo mundo agora.

— Acho que ele ainda está confuso, — digo a Dash. — Drogado demais para fazer sentido.

— Estou fazendo sentido, — diz Zed, seus olhos nunca deixando os meus. — Você vai ver.

Eu viro para Dash. — Por favor, apenas confie em mim. Minha Habilidade Griffin tem limites. Preciso abrir as duas esferas, dizer para a poção para sair de seus sistemas e abrir os caminhos das fadas. Acho que não posso fazer tudo isso e libertar todos. — Não acrescento que, se alguma magia Griffin sobrar após esses três comandos, eu devo ser capaz de segurá-la. Se eu acabar com algum poder restante, podemos decidir o que fazer com ela.

Finalmente, Dash cede. — Tudo bem. Você conhece seu poder melhor do que eu. Quando voltar... a Guilda... vou ver o que posso fazer sobre... libertar essas pessoas.

Fico de pé quando sinto aquele arrepio de poder se preparando para irradiar minha espinha. Não sei como essas esferas normalmente se abririam, mas imagino as barras de vidro inquebráveis quebrando e caindo. Quando meu poder corre para a superfície, eu o paro. Ele luta para se libertar, mas eu consigo liberá-lo lentamente enquanto falo. — Essas duas esferas se abrirão, — digo, recuando e olhando primeiro para a cela redonda de Dash e depois para a de Zed. Minha voz soa distante e dentro da minha cabeça. — A poção com drogas deixará seus corpos e vocês terão acesso total à sua magia. E os caminhos das fadas, — acrescento, virando e falando para próprio ar, — abrirão um portal.

Eu viro para encarar as esferas enquanto ouço um estalo. Então outro estalo. As barras de Dash estalam e caem no chão com vários sons estridentes, seguido quase imediatamente pelas barras que prendem Zed. Dash levanta a mão e faíscas saltam para a vida imediatamente, zunindo em torno de seus dedos. Com um sorriso, e seus olhos brilham com vida e energia, ele sai rapidamente da cela da prisão e me arrasta para um abraço breve e apertado. Um sorriso estica meus lábios quando eu o abraço de volta, depois giro em seu aperto para olhar atrás de mim.

O ar ondula, distorcendo minha visão da parede coberta de videira além. As ondulações se tornam ondas, ondulando repetidamente e violentamente, como se algo estivesse tentando rasgar o próprio ar. Meu poder Griffin começa a drenar do meu corpo. Eu o agarro mentalmente, puxando-o para parar quando minhas mãos se apertam em punhos e meu corpo fica tenso. Sucesso. Não sei quantificá-lo, mas sinto que ainda há poder fervendo sob a superfície do meu controle.

Eu relaxo os membros e foco o espaço à minha frente, esperando que um portal esteja prestes a se materializar.

Mas os segundos passam e nada acontece.


Capítulo 28

 

 

— NÃO FUNCIONOU, — EU DIGO, MEUS OMBROS CAINDO COMO SE UM PESO OS ESTIVESSE ESMAGANDO LENTAMENTE.

— Portanto, não é possível, afinal, — Dash diz calmamente.

— Eu não entendo. Obviamente, eu não tinha como saber se funcionaria, mas realmente pensei que minha Habilidade Griffin seria poderosa o suficiente para acessar os caminhos. Quero dizer, não é preciso muita magia para abrir um portal, certo? — Eu me viro para encarar Dash.

— Não precisa, — diz ele. — Talvez tivesse funcionado se os caminhos das fadas estivessem aqui para obedecer seu comando. Mas talvez eles não existam aqui.

— Eu pensei que existiam em todos os lugares.

Ele balança a cabeça. — Eu não sei, Em. Talvez os encantamentos antigos que os impedem de serem acessados nesta parte do mundo sejam tão poderosos que até a sua Habilidade Griffin não possa conseguir acessar.

— Emerson, — diz Zed. Eu olho para ele. Ele se aproxima, mas para a alguns passos de mim. Seu olhar é intenso enquanto ele me observa de perto. — Obrigado.

Eu me pergunto se é descrença que estou vendo no rosto dele. Talvez ele duvidasse que eu realmente o libertaria. — Hum... claro. De nada.

— Então, — diz ele. — Dragões são a única saída, então?

— Você está livre, — diz uma mulher de algum lugar atrás de nós. — Como você se libertou?

Eu olho para trás e vejo uma mulher na esfera depois da vazia ao lado da esfera de Dash. Ela nos observa com os olhos arregalados, depois corre para frente da cela e agarra as barras. — Deixe-me ser a próxima a sair, garota.

— Eu... eu não posso. Eu sinto muito. Minha magia acabou. — O que é mentira, é claro, mas sei que precisaremos do resto do meu poder Griffin para escapar deste palácio. — O feitiço que usei — os ingredientes — só tive o suficiente para duas celas.

— Mentirosa! — ela chia. — Eu ouvi você. Tudo o que você fez foi falar. Você não aplicou nenhum encantamento adicional. Se você pode abrir as celas deles, você pode abrir a minha.

Eu me afasto, não querendo enfrentar a culpa de abandonar todo mundo. — Eu não posso. Eu sinto muito. — Olho em volta e vejo outros rostos nos observando. Alguns visíveis entre os espaços entre as esferas de Dash e Zed, outros pendurados mais acima. — Vamos lá, — murmuro para Dash e Zed.

— Espere, por favor, — diz a mulher, uma mão alcançando as barras enquanto sua expressão muda de suspeita para desespero. — Eu não quis acusar você de nada. Estou aqui há tanto tempo. Por favor me ajude. Por favor.

Eu balanço a cabeça. — Não posso, mas mandarei alguém voltar para você.

Seu rosto se contorce de repente em uma máscara de raiva. — Deixe-me. Sair, — ela assobia por entre os dentes. — Deixe-me sair!

Dou outro passo para trás conforme o medo tece seu caminho através das minhas entranhas. — Por que ela não é lenta e torpe como vocês dois?

— Eu acho que eles não a drogaram, — diz Dash.

— Eles não drogaram, — diz Zed. — Viu a pulseira de metal no pulso dela? Bloqueia sua magia. Ela não pode acessá-la, mas ela ainda tem sua força comum. Ela não está sentindo o cansaço que experimentamos.

— Precisamos sair antes que ela grite e alerta os guardas, — eu digo, virando as costas para a mulher. Nós nos apressamos em direção às escadas, mas seus gritos só ficam mais altos.

— Não se atreva a ir embora! Eu vou MATAR VOCÊ, sua PUTINHA!

— Putinha? Caramba. — Olho por cima do ombro e a vejo puxando as barras da cela, balançando loucamente para frente e para trás.

— Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! — ela grita.

— Então, a que distância estão os dragões? — Zed pergunta quando chegamos à escada.

— Do outro lado do palácio.

— Maravilha, — Dash murmura.

— Mas para a esquerda. Portanto, não precisamos chegar muito perto do próprio palácio. Espero que possamos chegar lá sem ser vistos.

— Esse é o desafio, — diz Zed. — Tudo neste lugar é guardado.

— Eu ainda tenho algum poder Griffin. Eu tenho praticado segurar e consegui impedir que tudo escape de uma vez. Talvez eu possa usá-lo para imitar o feitiço de camuflagem. Se eu ainda tiver energia depois de abrir o alçapão.

— Se você não conseguir, talvez tenhamos que nos esconder até escurecer, — diz Dash. — Talvez devêssemos fazer de qualquer maneira, para que ninguém veja um dragão voando quando não deveria.

Estamos na metade da escada quando ouço um ruído baixo. Eu congelo e olho para cima. Uma luz forte brilha do alçapão. — Guardas, — Dash murmura. Ele gira, me puxando com ele. Nós três descemos as escadas com tanta rapidez que fico surpresa por não tropeçar e cair um sobre o outro até o final.

— Lá está ela! — alguém grita atrás de nós.

Saltamos os últimos degraus e corrermos entre as fileiras de esferas. Uma luz dourada brilha à minha direita e depois à minha esquerda. Um olhar apressado para os dois lados me diz que Dash e Zed estão com lâminas de guardiões nas mãos. Do tipo mágico e brilhante que aparece do nada.

— Duvido que haja outro lugar para descer aqui, — diz Zed, enquanto nos esquivamos à esquerda sob uma esfera baixa e corremos entre outras duas fileiras. — Eles logo vão nos encurralar.

— Então lutaremos com eles, — responde Dash.

— Você olhou para trás quando chegamos ao final da escada? — Zed pergunta. — Deve haver dezenas deles correndo pelo alçapão.

— Nós podemos lidar com isso, — diz Dash.

— Você viu Bandit em algum lugar? — Eu pergunto, lembrando de repente que ele não está mais no meu bolso.

— Um pouco preocupado aqui, Em, — Dash diz, começando a parecer ofegante. — Mas tenho certeza que ele está bem. Ele é esperto. Ele provavelmente já saiu da prisão.

Com uma parede à frente, nós corremos para a direita e viramos entre outras duas fileiras de esferas — e eu bato na parte de trás de Dash quando ele derrapa. No outro extremo da fileira, pelo menos dez guardas correm em nossa direção. As facas de Dash desaparecem, substituídas instantaneamente por um arco. Ele levanta e —

— Corra enquanto ainda podemos! — Zed diz, me puxando de volta entre as esferas antes que eu possa ver onde a flecha de Dash pousa. — Vamos lutar quando não tivermos outra opção.

— Eu odeio correr, — Dash grita, mas ouço seus passos batendo no chão logo atrás de nós.

— Adoro correr, — murmuro.

— Voltamos para as escadas? — Zed chama por cima do ombro para Dash. — Vamos lutar contra os guardas que estão esperando lá — Aaah!

A dor esmaga meu lado e o mundo gira. Minha cabeça bate em algo sólido. Eu paro abruptamente, sentindo um chão frio ao longo do comprimento do meu corpo. Eu suspiro, meus pulmões sem ar procurando desesperadamente ar e não recebendo nada. Me mexendo no chão, me levanto e olho loucamente ao redor, tentando entender as coisas enquanto meus pulmões clamam por oxigênio. Eu vejo uma das esferas rolando para longe de mim, batendo em outra esfera. Ao meu redor, prisioneiros estão gritando.

— Mova-se! — Dash grita. Uma força invisível me empurra para o lado, me rolando repetidamente em uma pilha desorientada. Olho para cima a tempo de ver uma esfera passando por mim a uma velocidade aterradora. Ela colide com mais duas esferas, as enviando girando, o que, por sua vez, faz mais esferas rolar.

— Droga, — eu suspiro quando finalmente consigo um pouco de oxigênio. — É como uma mesa de sinuca gigante aqui.

Mãos seguram meus braços e me puxam para cima. Empurro para trás com o cotovelo e meu atacante solta um grunhido de dor. — Sou só eu, — geme Zed.

— Merda, desculpe.

Dash passa por uma esfera rolando e corre até mim. — Você está bem?

— Sim.

— Há muitos para lutar, — diz Zed, girando, olhando para todos os lados. No entanto, ele se move para que suas costas fiquem contra as de Dash e levanta uma espada dourada e brilhante em cada mão. Uma besta se materializa no aperto de Dash. Eu me pressiono para mais perto de ambos, meus olhos correndo ao redor. Em todo lugar que olho, vejo homens e mulheres em uniformes Unseelie correndo em nossa direção entre as esferas rolando, armas erguidas e magia faiscando de seus dedos.

— Droga, droga, — murmuro, desejando saber como lutar ou usar magia de combate.

— Diga alguma coisa, Em, — Dash me diz. — Essa é a única maneira de sairmos daqui.

— Eu... eu não sei o que —

— Qualquer coisa!

Eu permito que o poder vaze em minha voz e digo, — Os guardas não podem nos ver! — Antes de segurar os últimos fragmentos da minha magia. Dash segura sua besta em uma mão e envolve a outra em volta do meu braço. Ele me puxa rapidamente para o lado entre duas esferas que estão prestes a bater uma na outra. Zed corre atrás de nós e atravessamos a brecha logo antes que as esferas colidam e se separem. Os guardas ainda nos cercam por todos os lados, mas alguns deles estão diminuindo a velocidade agora e outros estão olhando em volta, confusos, enquanto eles correm. Nem um único guarda está focado diretamente em nós.

— Somos invisíveis? — Dash sussurra.

— Eu acho que eles acham que somos. — Um breve sorriso estica meus lábios. — Funcionou.

— Droga, sua voz é esquisita quando você está usando sua Habilidade Griffin, — diz Zed.

— Muito estranha, — diz Dash. — Agora, se conseguirmos passar por todos os guardas, podemos subir as escadas e passar pelo alçapão.

— Rapidamente, — eu sussurro. — Eles não são estúpidos. Eles bloquearão nosso caminho em breve.

Deslizamos entre esferas e guardas passando, caminhando em direção às escadas mais rápido do que eu pensava ser possível. Atrás de nós, os guardas gritam uns com os outros, chegando rapidamente à conclusão de que nenhum deles pode nos ver.

Então alguém grita, — Bloqueie a escada!

Nós chegamos à base da escada. Corremos para cima sem parar. Curiosamente, um esquilo pula de um degrau para o outro logo à nossa frente. — Bandit? — Eu chio, e o esquilo congela. Sua cauda se contrai. Então ele pula quando passamos, aterrissando em meus braços em forma de gato.

Uma vez lá fora, Dash gira, balança a mão no ar e o alçapão se fecha. — Faça um feitiço de bloqueio, — diz Zed imediatamente.

Dash se agacha e depois olha para cima. — Eu não tenho stylus.

— Oh. Aqui. — Como se soubesse que preciso de minhas mãos, Bandit muda para uma forma menor e corre pela lapela do meu casaco. Pego a stylus de Aurora o mais rápido possível. Dash a tira das minhas mãos e se abaixa — assim que algo bate no alçapão por baixo.

— Merda. — Ele bate as duas mãos no alçapão.

Zed cai de joelhos e coloca as duas palmas logo acima do alçapão. Não vejo magia, mas os dentes cerrados sugerem que ele está exercendo algum tipo de força invisível no alçapão. — Rápido! — ele diz. Dash escreve através do alçapão e depois puxa a mão para trás. Lentamente, Zed faz o mesmo. Batidas e o som de gritos chegam aos nossos ouvidos, mas o alçapão permanece fechado.

— Eles vão quebrar o encantamento rapidamente, — diz Dash, levantando-se e dando um passo para trás, enquanto me devolve a stylus incrustada de joias.

Corremos pelo jardim, mais ou menos em direção ao lado esquerdo do palácio. Contornamos os pavilhões vazios e saltamos através dos riachos. Somente quando chegamos a um par de árvores prateadas com entalhes elaborados em seus largos troncos, paramos para reavaliar nossa situação. Eu levo alguns momentos para recuperar o fôlego, encostada no tronco da árvore com uma mão. Quando minha respiração finalmente diminui e a adrenalina não está mais bombeando pelo meu sistema, sou capaz de senti-la: um vislumbre da magia Griffin. Consegui segurar um pouco depois de dizer aos guardas que eles não podiam nos ver.

— Você acha que seu comando se aplica a todo guarda Unseelie? — Dash pergunta. — Ou apenas aos guardas na prisão?

— Não faço ideia. — Olho para trás por onde viemos, mas não vejo ninguém nos caçando pelo jardim. Se os guardas conseguiram abrir o alçapão da prisão, estão nos procurando em outro lugar agora. — Não sei exatamente o que estava pensando quando lhes dei o comando, e tudo o que eu disse foi 'os guardas'. Espero que tenham sido todos eles, mas acho que isso teria exigido mais poder do que me restava.

— Descobriremos em breve, — diz Zed.

— Prefiro não descobrir, — responde Dash. — Em, você acha que podemos chegar ao recinto dos dragões agora sem ser vistos, ou devemos esperar até escurecer?

— Hum... agora provavelmente é melhor. Mesmo se não tentarmos escapar até o anoitecer, há um bosque com árvores logo antes do foço do dragão pelo qual quase ninguém passa. Será mais seguro se esconder lá do que se esconder deste lado do palácio.

— Tudo bem. Então vamos nos mover agora. — diz Zed.

Continuamos nossa missão furtiva pelos jardins, não passando por nada mais ameaçador que algumas pequenas criaturas voadoras e rastejantes. — Ei, eu nunca perguntei de que Guilda você é, — diz Dash a Zed a certa altura, quando paramos atrás de um arbusto espesso para examinar novamente o ambiente.

Zed esfrega o pescoço enquanto olha através dos galhos frondosos do arbusto. — É uma longa história, mas não sou mais afiliado a nenhuma Guilda em particular.

— Oh. Mas suas marcas —

— Minhas marcas ainda estão ativas, sim. Mas é uma história para outra hora. Vamos sair daqui vivos primeiro.

Acontece que eu concordo com o Zed. Especialmente agora que acabei de descobrir nosso primeiro grande obstáculo. — Ei, acho que temos um problema, — digo a eles. Os dois estão examinando tão atentamente o jardim do outro lado da mata que ainda não perceberam o que está acontecendo ao longe atrás de nós.

— O que aconteceu? — Dash pergunta, virando-se para encarar o mesmo caminho que eu estou encarando. — Ah. Eu vejo. Onde está o tecido pendurado entre aquelas estátuas?

— Sim. Um piquenique está prestes a acontecer lá. Acabei de ver as últimas cestas de comida sendo colocadas em volta dos cobertores, e as primeiras damas acabaram de chegar. Ah, e aí vem mais gente, — acrescento enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres vestidos com cores vivas caminha em direção à área de piquenique.

— Eu suponho que planejávamos atravessar esse local para chegar aos dragões? — Dash pergunta.

— Sim. Infelizmente.

— Podemos voltar um pouco e dar a volta pelo outro lado do palácio, — sugere Zed.

— Vai demorar muito mais, — digo a ele, — e nos leva pela entrada principal, onde todas as carruagens entram e saem. Teremos que fazer quase uma volta completa do castelo.

— Péssima ideia, — diz Dash. — Vamos para a esquerda e dar a volta no piquenique.

— Eu nunca estive nessa parte do terreno, — digo a ele, — então não sei o que encontraremos lá. Suspeito que haja casas assim para alguns fae que trabalham aqui, mas não tenho certeza.

— Bem, não podemos passar pelo palácio, — diz Dash, — portanto, ir mais à esquerda é nossa melhor opção. Além disso, a maioria das pessoas devem estar trabalhando durante o dia, certo? Portanto, se houver casas nesse caminho, espero que estejam vazias.

— Tudo bem. Mas espero que você esteja pronto para lutar, porque pode ser necessário.

— Você aprendeu alguma magia de combate desde que chegou aqui? — Zed me pergunta conforme saímos de trás do arbusto.

— Não. Não oficialmente. Eu experimentei um pouco de magia sozinha, mas duvido que eu consiga produzir rápido o suficiente para usá-la em uma luta real. — Deslizamos para trás de nosso próximo esconderijo — a primeira de uma fileira de árvores cortadas em formas de pássaros gigantes — e nos agachamos. E então... um som estranho chega aos meus ouvidos de algum lugar atrás de nós.

— Oh, caramba, — diz Dash. — Os guardas saíram.

Eu olho em volta. Uma onda de homens e mulheres uniformizados está se movendo pelo jardim em nossa direção. Eles apunhalam suas espadas nos arbustos, cortam as folhas e acenam com as lâminas ao lado de cada árvore. — Parece que eles não estão muito preocupados em nos esfaquear ou cortar um membro ou dois, — eu digo.

— Precisamos seguir em frente, — diz Dash, — ou não demorará muito para que eles cheguem até nós.

Mantendo a cabeça baixa, corremos ao lado da fileira de topiaria de pássaros. A parte de trás do meu casaco se arrasta pela grama atrás de mim. Eu gostaria de ter tempo para parar, desfazer os botões e tirar a roupa sufocante. Estou começando a assar dentro dela. No outro extremo, andamos cuidadosamente em espaço aberto novamente. Estamos a uma boa distância do piquenique, desde que não façamos movimentos bruscos, não devemos chamar a atenção de ninguém —

— Ali está ela!

O grito distante vem da direção do piquenique. Eu congelo e olho através do jardim. Estou muito longe para ter certeza, mas acho que é um dos guardas que fica parado perto do meu quarto desde o dia em que cheguei aqui. Ele se lança para frente e corre em nossa direção. Outros dois guardas se separam da reunião e se juntam a ele.

— Bem, isso responde à nossa pergunta sobre os outros guardas nos verem, — diz Zed quando começamos a correr.

Minha mente corre, tentando visualizar uma maneira de sair disso. Se conseguirmos derrotar os guardas nos fossos dos dragões, podemos pular em um deles. Espero que não quebremos os tornozelos ou as pernas ou nos tornemos comida para Imperia. Então, podemos pedir a Phillyp para remover o escudo sobre o cercado e nos deixar voar — ou ameaçar sua vida se ele não o fizer. Não é a melhor maneira de fazer as coisas, principalmente porque eu gosto de Phillyp, mas é a nossa única opção agora.

Até que de repente, nossa única opção desaparece.

Quase bem à nossa frente, da área em que nunca estive antes, dezenas e dezenas de guardas entram em cena. — Merda, — murmuro, derrapando até parar junto com Dash e Zed. — Vamos voltar para o outro lado. O longo caminho ao redor do palácio. Pelo menos os guardas da prisão não podem nos ver. — Nós partimos na outra direção, mas os três guardas do piquenique estão nos alcançando. Corra, corra, CORRA, digo a mim mesma, acompanhando facilmente Dash e Zed. Eles podem ser guerreiros de elite, mas sinto que passei minha vida treinando para este momento: fugir de um pequeno exército de guardas Unseelie.

Nós passamos pela frente do palácio, oferecendo entretenimento excelente para quem está em suas suítes com vista para o jardim. Não tenho ideia do que faremos quando chegarmos ao lado onde todas as carruagens entram e saem, e dezenas de homens e mulheres ficam de guarda ao longo das paredes. Minha mente se depara com ideias semi-formadas de como eu posso usar a última parte restante do meu poder Griffin.

Mas nunca tive a chance de tomar uma decisão, porque ao virar o canto do palácio aparece mais um grupo de faeries uniformizados.

 

 


CONTINUA