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QUARTA-FEIRA, 28 de fevereiro
TEERÃ: 6:55H. McIver continuou a separar as pastas e os papéis que tirara do cofre grande do escritório, colocando na maleta só os que eram de extrema importância. Estava fazendo isso desde às cinco e meia da manhã e agora sua cabeça e suas costas doíam e a maleta estava quase cheia. Eu deveria levar tanta coisa mais, pensou, trabalhando o mais depressa que podia. Dentro de uma hora, talvez menos, a turma de empregados iranianos chegaria e ele teria que parar.
Que pestes, pensou irritado, nunca estavam aqui quando precisávamos deles, mas agora, nestes últimos dias, não consigo me livrar deles, são como uma praga: "Oh, não, Excelência, por favor, deixe-me trancar o escritório para o senhor, permita-me este privilégio"... ou então: "Oh, não, Excelência, eu abro o escritório para o senhor, eu insisto, isto não é trabalho para Vossa Excelência". Talvez eu esteja ficando paranóico, mas é como se fossem todos espiões, com instruções para nos vigiar, os sócios estão mais intrometidos do que nunca. Quase como se houvesse alguém atrás de nós.
E no entanto, até agora — deixa eu bater na madeira — está tudo funcionando perfeitamente. Ao meio-dia, mais ou menos, nós partimos; Rudi já está preparado para sexta-feira, com todo o pessoal extra e um carregamento de peças que saiu de Bandar Delam por terra e foi para Abadan, onde um Trident da BA conseguiu pousar, com autorização do amigo do Duke, Zataki, para retirar operários britânicos; em Kowiss, nesta altura, Duke já deve ter escondido o combustível de reserva, e todos os rapazes têm licença para partir amanhã no 125 — deixa eu bater de novo na madeira — três caminhões carregados de peças já foram para Bunshire para serem embarcados em navio para Al Shargaz; 'Pé-quente', o coronel Changiz e aquele maldito mulá, Hussein, ainda estão se comportando direito — tenho que bater na madeira mais umas cinqüenta vezes; em Lengeh, Scrag não deve estar tendo problemas, há muitos navios disponíveis para as suas peças e não há mais nada a fazer a não ser esperar pelo dia D, não, pelo dia T.
O único ponto negativo é Azadeh. E Erikki. Por que ela não falou comigo antes de sair atrás do pobre Erikki? Meu Deus, ela foge de Tabriz para salvar a pele e depois torna a cair na armadilha. Mulheres! São todas malucas. Resgate? Conversa fiada! Eu aposto que é outra armadilha preparada pelo pai dela, aquele velho filho da mãe. Ao mesmo tempo, é como Tom Lochart disse: "Ela teria ido de qualquer maneira, Mac, e você teria contado a ela a respeito da Operação Turbilhão?
Seu estômago começou a arder. Mesmo que todos nós consigamos partir, ainda resta o problema de Erikki e Azadeh. E também o de Tom e Xarazade. Como vamos conseguir pô-los a salvo? Tenho que pensar em alguma coisa. Nós ainda temos dois dias, talvez...
Ele se virou, surpreso, pois não tinha ouvido a porta se abrir. O seu chefe de escritório, Gorani, estava em pé na porta, alto e careca, um xiita devoto, um homem bom, que estava com eles há muitos anos,
— Salaam, aga.
— Salaam, você chegou cedo. — McIver viu a surpresa estampada no rosto do homem por causa de toda aquela bagunça. Normalmente, McIver era extremamente arrumado. E sentiu como se tivesse sido apanhado com a boca na botija.
— Seja como Deus quiser, aga. O imã ordenou que tudo voltasse ao normal e que todo mundo trabalhasse bastante para o sucesso da revolução. Posso ajudá-lo?
— Bem, ahn, não, não, obrigado, eu, ahn, eu estou com pressa. Tenho muito o que fazer hoje, vou até a embaixada. — McIver sabia que estava falando demais, mas não conseguiu parar. — Eu, ahn, eu tenho encontros marcados o dia inteiro e tenho que estar no aeroporto ao meio-dia. Preciso fazer o dever de casa para o komiteh de Doshan Tappeh. Não voltarei para o escritório depois do aeroporto, e você pode fechar mais cedo... aliás, você pode tirar o dia todo de folga.
— Oh, obrigado, aga, mas o escritório deve ficar aberto até..
— Não, vamos fechar depois que eu sair. Irei direto para casa e estarei lá caso precisem de mim. Por favor, volte dentro de dez minutos, q"uero enviar algumas mensagens por telex.
— Sim, aga, certamente, aga. — O homem saiu.
McIver detestava distorcer a verdade. O que acontecerá com Gorani? — tornou a perguntar a si mesmo, com ele e com todo o nosso pessoal espalhado pelo Irã, alguns tão bons, com eles e suas famílias?
Inquieto, ele terminou o melhor que pôde. Havia cem mil riais em caixa, ele deixou o dinheiro, tornou a trancar o cofre e enviou algumas mensagens sem importância. O principal ele tinha passado às cinco e meia da manhã para Al Shargaz, com uma cópia para Aberdeen, caso Gavallan se tivesse atrasado: "Cinco engradados de peças enviados para Al Shargaz, para reparos, conforme o planejado". Traduzindo, a mensagem em código significava que Nogger, Pettikin e ele, e os dois últimos mecânicos que ele ainda não tinha conseguido retirar de Teerã estavam se preparando para embarcar no 125 hoje, conforme o planejado, e todos os sistemas ainda estavam acionados.
— Que engradados são esses, agal — Gorani tinha conseguido achar as cópias do telex.
— São os que vieram de Kowiss, eles serão embarcados no 125 na semana que vem.
— Oh, muito bem. Eu vou verificar para o senhor. Antes de sair, será que o senhor poderia dizer-me quando o nosso 212 vai voltar? Aquele que emprestamos para Kowiss.
— Na semana que vem, por quê?
— Sua Excelência, o ministro Ali Kia, também diretor do Conselho, estava querendo saber, aga.
McIver ficou gelado.
— Ah, é? Por quê?
— Provavelmente o ministro tem algum serviço para ele, aga. O seu assistente esteve aqui na noite passada depois que o senhor saiu e me perguntou. O ministro Kia também queria um relatório para hoje, a respeito da situação dos nossos três 212 que foram enviados para reparos. Eu, ahn, eu disse que o aprontaria. Ele virá aqui hoje de manhã, por isso eu não posso fechar o escritório.
Eles nunca tinham conversado a respeito dos três aparelhos nem do grande número de peças que estavam sendo enviadas para fora de caminhão, de carro ou como bagagem pessoal, uma vez que não havia espaço nos aparelhos para carga. Era mais que possível que Gorani soubesse que os 212 não precisavam de conserto. Ele deu de ombros e torceu pelo melhor.
— Eles estarão prontos na época prevista. Deixe um recado na porta.
— Oh, mas isso seria muito indelicado. Eu mesmo transmitirei o recado. Ele disse que voltaria antes da oração do meio-dia e insistiu em ter um encontro com o senhor. Ele tem um recado confidencial do ministro Kia.
— Bem, eu tenho que ir à embaixada. — McIver pensou um pouco. — Voltarei assim que puder. — Irritado, ele apanhou a maleta e desceu as escadas rapidamente, maldizendo Ali Kia e acrescentando uma maldição para Ali Babá.
Ali Babá — assim chamado porque fazia McIver lembrar dos quarenta ladrões — era a metade puxa-saco do casal que tinha trabalhado na casa deles durante dois anos e que desaparecera quando começou a confusão. Na véspera, de madrugada, Ali Babá voltara, sorrindo satisfeito e agindo como se só tivesse estado fora por um fim-de-semana e não por quase cinco meses, insistindo alegremente em retomar o seu antigo quarto:
— Oh, aga, a casa terá que estar muito limpa e preparada para a volta de Sua Alteza; na semana que vem, a minha esposa estará aqui para fazer isso, mas enquanto isso, eu vou lhe preparar um chá com torradas como o senhor gosta. Eu fiz um sacrifício pelo senhor hoje e pechinchei muito para comprar pão fresco e leite no mercado a um preço razoável, mas os ladrões me cobraram cinco vezes mais do que no ano passado, uma pena, mas por favor, dê-me o dinheiro agora e assim que os bancos abrirem o senhor pode me pagar o meu microscópico salário atrasado...
Maldito Ali Babá, a revolução não o fizera mudar nem um pouco. "Microscópico"? Ainda é um pão para nós e cinco para ele, mas não faz mal, foi ótimo tomar chá com torradas na cama — mas não um dia antes de fugirmos. Como é que Charlie e eu vamos fazer para retirar a nossa bagagem sem que ele desconfie?
Na garagem, ele abriu a porta do carro.
— Lulu, minha garota — disse — sinto muito, mas chegou a hora da Grande Despedida. Não sei como vou fazer, mas não vou deixá-la aqui para ser usada por algum maldito iraniano.
Talbot estava esperando por ele num escritório elegante e espaçoso.
— Meu caro McIver, você madrugou, eu soube das aventuras do jovem Ross. Nós todos tivemos muita sorte, você não acha?
— Sim, sim, tivemos, e como está ele?
— Recuperando-se. Bom homem, fez um ótimo trabalho. Eu vou almoçar com ele e vamos retirá-lo daqui hoje num vôo da BA, no caso dele ter sido localizado, temos que ser muito cautelosos. Alguma notícia de Erikki? A embaixada finlandesa nos procurou, pedindo ajuda.
McIver contou-lhe sobre o bilhete de Azadeh.
— Ridículo.
Talbot estalou os dedos.
— O resgate não me parece muito viável. Existem, ahn, rumores de que o khan está muito doente. Ele teve um ataque.
McIver franziu a testa.
— Isso é melhor ou pior para Azadeh e Erikki?
— Não sei. Se ele morrer, bem, isto certamente desequilibrará a balança do poder no Azerbeijão por algum tempo, o que certamente encorajará os nossos amigos do norte da fronteira a armarem mais confusão do que de costume, o que fará Carter e seus asseclas levantarem mais poeira.
— Que diabo ele está fazendo agora?
— Nada, meu velho, este é que é o problema. Ele espalhou os seus amendoins e se mandou.
— Mais alguma coisa a respeito da nossa nacionalização? Armstrong disse que era iminente.
— É bem possível que você perca o controle da sua frota muito em breve — disse Talbot, com um cuidado estudado, e McIver ficou imediatamente atento. — Pode ser, ahn, uma questão de aquisição pessoal por parte de pessoas interessadas.
— Você está se referindo a Ali Kia e aos sócios? Talbot deu de ombros.
— Não nos compete perguntar por que, não é?
— Isto é oficial?
— Meu caro amigo, é claro que não! É só uma observação pessoal, confidencial. O que posso fazer por você?
— Confidencialmente, de acordo com as instruções de Andy Gavallan, está bem?
— Vamos tratar disso oficialmente.
McIver viu o rosto sério, ligeiramente corado, e se levantou, aliviado.
— De jeito nenhum, sr. Talbot. Foi idéia de Andy pô-lo a par da situação, não minha.
Talbot suspirou eloqüentemente.
— Muito bem, extra-oficialmente. McIver tornou a sentar-se.
— Nós, ahn, estamos transferindo o nosso QG para Al Shargaz hoje.
— Uma decisão muito sábia. E daí?
— Nós partimos hoje. E o restante do pessoal estrangeiro. No nosso 125.
— Muito sábio. E daí?
— Nós, ahn, estamos encerrando todas as nossas operações no Irã. Na sexta-feira.
Talbot suspirou cansado.
— Sem pessoal, eu diria que é axiomático. E daí? McIver estava achando muito difícil dizer o que pretendia.
— Nós, ahn, estamos retirando toda a nossa frota na sexta-feira. Nesta sexta-feira.
— Benza-me Deus — disse Talbot, com franca admiração. — Meus parabéns! Como foi que você conseguiu dobrar o safado do Kia para conseguir as autorizações? Você deve ter-lhe prometido um lugar vitalício no camarote real em Ascot!
— Ahn, não, não foi bem assim. Nós decidimos não pedir autorização, era perda de tempo. — McIver levantou-se. — Bem, vejo-o em,.
O rosto de Talbot quase despencou.
— Sem autorização?
— Isso mesmo. Você sabe que os nossos aparelhos vão ser confiscados, nacionalizados, seja lá o nome que tenha, não havia nenhum modo de conseguir autorizações de saída, então nós simplesmente decidimos ir embora. — McIver acrescentou displicentemente: — Na sexta-feira nós damos o fora daqui.
— Minha nossa! — Talbot sacudiu a cabeça vigorosamente, brincando com uma pasta que estava sobre a sua mesa. — Minha nossa, isto é muito de-saconselhável.
— Não há outra alternativa. Bem, sr. Talbot, isso é tudo, tenha um bom dia. Andy quis avisá-lo para que o senhor pudesse... pudesse fazer seja lá o que for.
— Que história é essa? — Talbot explodiu.
— Como é que eu vou saber? — McIver também estava irritado. — O seu papel é proteger os seus conterrâneos.
— Mas vo...
— Eu simplesmente não vou permitir que me deixem sem trabalho e ponto final!
Talbot tamborilou nervosamente com os dedos.
— Acho que estou precisando de uma xícara de chá. — E apertou o interfone. — Célia, duas xícaras do seu melhor chá e acho bom misturar um pouco de Nelson 's Blood.
— Sim, sr. Talbot — uma voz fanhosa respondeu e espirrou.
— Saúde — Talbot disse automaticamente. Ele parou de tamborilar na mesa e sorriu docemente para McIver. — Estou contentíssimo por você não ter me contado nada, meu velho.
— Eu também.
— Fique tranqüilo, se eu souber que você foi preso, ficarei feliz em visitá-lo em nome do governo de Sua Majestade e tentarei tirá-lo do mau caminho. — Talbot ergueu as sobrancelhas. — Furto! Minha nossa! Mas desejo-lhe boa sorte, meu velho.
NO APARTAMENTO DE AZADEH: 8:10H. A velha empregada carregou a pesada bandeja de prata pelo corredor — quatro ovos cozidos, torradas, manteiga e geléia, duas finíssimas xícaras de café, um bule cheio de café bem quente e lindos guardanapos de algodão egípcio. Ela descansou a bandeja e bateu na porta.
— Entre.
— Bom dia, Alteza. Salaam.
— Salaam — respondeu Xarazade. Ela estava recostada em vários travesseiros na cama sobre o tapete, com o rosto inchado de tanto chorar. A porta do banheiro estava aberta, ouvia-se barulho de água correndo. — Pode colocar ali, em cima da cama.
— Sim, Alteza. — A velha obedeceu. Com um olhar enviesado para o banheiro, ela saiu silenciosamente.
— Café, Tommy — disse Xarazade, tentando parecer animada. Nenhuma resposta. Ela deu de ombros, fungou um pouco, prestes a recomeçar a chorar, depois levantou os olhos quando Lochart voltou para o quarto. Ele estava barbeado e vestido com roupas de piloto, botas, calças, camisa e um suéter grosso. — Café? — perguntou, esboçando um sorriso, detestando o rosto fechado dele e o seu ar de preocupação.
— Daqui a um minuto — ele respondeu sem entusiasmo. — Obrigado.
— Eu... eu mandei que trouxessem tudo como você gosta.
— Parece bom, não espere por mim. — Ele foi até a cômoda e começou a dar o nó na gravata.
— Azadeh foi maravilhosa em nos emprestar este apartamento enquanto está fora, não foi? Aqui é muito mais agradável do que lá em casa.
Lochart olhou-a pelo espelho.
— Na hora você não disse isso.
— Oh, Tommy, você tem toda a razão, mas não vamos discutir.
— Eu não estou discutindo. Já disse tudo o que tinha a dizer e você também. — Não agüento mais, pensou angustiado, sabendo que ela estava tão infeliz quanto ele e sem poder fazer nada. Quando Meshang o desafiou na frente dela e de Zarah, há duas noites atrás, o pesadelo tinha começado e ainda não acabara, afastando-os um do outro, levando-o às raias da loucura. Dois dias e duas noites de lágrimas de desespero, e ele repetindo sem parar: "Não se preocupe, nós vamos dar um jeito, Xarazade", e depois discutindo o futuro. Que futuro?, perguntou ao seu reflexo no espelho, prestes a explodir de novo.
— Aqui está o seu café, Tommy querido.
Ele o aceitou, inflexível e zangado, e se sentou numa cadeira em frente a ela, sem olhá-la. O café estava quente e delicioso, mas não lhe tirou o gosto amargo da boca, e ele o deixou quase intato, levantou-se e foi apanhar a sua jaqueta. Graças a Deus tenho um vôo hoje para Kowiss, pensou. Droga!
— Quando eu o vejo de novo, querido, quando é que você volta?
Ele deu de ombros, odiando a si mesmo, com vontade de tomá-la nos braços e falar-lhe sobre a profundidade do seu amor, mas ele já tinha passado por esta agonia quatro vezes nos últimos dois dias e ela ainda estava tão inflexível quanto o irmão.
— Deixar o Irã? Sair de casa para sempre? Ela tinha exclamado. Oh, eu não posso, não posso!
— Mas não será para sempre, Xarazade. Nós passaremos algum tempo em Al Shargaz e depois iremos para a Inglaterra, você vai adorar a Inglaterra, a Escócia e Aber...
— Mas Meshang disseque...
— Foda-se Meshang! — Ele tinha gritado e visto o medo dela e isso só tinha aumentado a sua fúria. — Meshang não é Deus Todo-Poderoso, por favor! Ele não sabe de nada. — E ela soluçara como uma criança apavorada, afastando-se dele. — Oh, Xarazade, eu sinto muito... — E ele a tomara nos braços, quase cantando o amor que sentia por ela, retendo-a em segurança nos seus braços.
— Tommy, querido, ouça, você estava certo e eu estava errada, a culpa foi minha, mas eu sei o que fazer, amanhã eu vou procurar Meshang, vou convencê-lo a nos dar uma mesada e... o que foi?
— Você não ouviu nem uma palavra do que eu disse.
— Oh, ouvi sim, ouvi com toda a atenção, por favor, não fique zangado outra vez, você tem razão em ficar zangado, mas eu ouvi...
E ele respondeu, zangado:
— Você não ouviu o que Meshang disse? Nós não temos dinheiro. O dinheiro acabou, o prédio acabou, ele tem controle total sobre o dinheiro da família, total, e a menos que você obedeça a ele e não a mim, você não receberá mais um tostão. Mas isso não tem importância, eu posso ganhar o suficiente para nós dois! Eu posso! A questão é que temos que deixar Teerã. Por algum tempo.
— Mas eu não tenho documentos, não tenho, Tommy, não posso consegui-los agora e Meshang tem razão quando diz que se eu sair sem documentos eles nunca mais me deixarão voltar, nunca.
Mais lágrimas e mais discussão, sem conseguir fazê-la entender, mais lágrimas até que foram se deitar, tentando dormir sem conseguir, nenhum dos dois.
— Você pode ficar aqui, Tommy. Por que você não pode ficar, Tommy?
— Oh, pelo amor de Deus, Xarazade, Meshang deixou isso bem claro. Eu não sou desejado aqui, os estrangeiros estão fora. Nós iremos para outro lugar. Nigéria ou Aberdeen, qualquer outro lugar. Arrume a mala. Você embarcará no 125 e nós nos encontraremos em Al Shargaz. Você tem um passaporte canadense. Você é canadense!
— Mas eu não posso partir sem documentos — ela gemeu e soluçou, repetindo sempre os mesmos argumentos e derramando mais lágrimas.
Então, na véspera de manhã, com ódio de si mesmo, ele deixara o orgulho de lado e fora ao bazar para falar com Meshang, para tentar fazê-lo ceder — tudo o que ia dizer fora cuidadosamente ensaiado. Mas ele tinha se deparado com um muro que ia até o céu.
— Meu pai tinha interesses na CHI que, evidentemente, passaram para mim.
— Oh, isso é ótimo, isso faz uma grande diferença, Meshang.
— Isso não faz nenhuma diferença. A questão é como você pretende pagar as suas dívidas, pagar à sua ex-mulher e sustentar a minha irmã e o filho dela sem uma grande dose de caridade.
— Um emprego não é caridade, Meshang, não é caridade. Poderia ser muito lucrativo para nós dois. Eu não estou sugerindo uma sociedade, nada disso, eu trabalharia para você. Você não entende do negócio de helicópteros, eu sim, de trás para frente. Eu poderia dirigir a nova sociedade para você, torná-la lucrativa imediatamente. Eu conheço pilotos e sei como operar. Conheço todo o Irã, quase todos os campos de petróleo. Isso resolveria tudo para nós dois. Eu trabalharia como louco para proteger os interesses da família, nós ficaríamos no Irã, Xarazade poderia ter o bebê aqui e...
— O Estado islâmico só vai contratar pilotos iranianos, o ministro Kia me garantiu. Cem por cento.
Subitamente, ele compreendera. O seu mundo desabou.
— Ah, agora estou entendendo, sem exceções, hein? Especialmente eu. E viu Meshang dar de ombros desdenhosamente.
— Eu estou muito ocupado. Para ser franco, você não pode ficar no Irã. Você não tem nenhum futuro no Irã, Xarazade não tem nenhum futuro com você e ela nunca se exilará para sempre, o que vai acontecer se ela partir sem a minha permissão e sem documentos apropriados. Portanto, vocês têm que se divorciar.
— Não.
— Mande Xarazade de volta do apartamento do khan, esta tarde, aliás, mais uma caridade, e saia imediatamente de Teerã. O casamento de vocês não foi muçulmano, logo não vale nada. A cerimônia civil canadense será anulada.
— Xarazade nunca concordará com isso.
— Ah, é? Esteja em minha casa às seis horas da tarde e nós resolveremos isso. Depois que você tiver partido, eu saldarei todas as suas dívidas no Irã, não posso ter dívidas ameaçando o nosso bom nome. Às seis horas em ponto. Bom dia.
Ele não se lembrava de como tinha voltado para o apartamento, depois contara tudo a ela e ela chorara ainda mais e depois tinham ido para a casa dos Bakravan naquela noite e Meshang repetira tudo o que dissera antes, furioso com as súplicas de Xarazade.
— Não seja ridícula, Xarazade! Pare de se lamentar, isso é para o seu próprio bem, para o bem do seu filho e da família. Se você partir com um passa porte canadense e sem documentos iranianos, você nunca terá permissão para voltar. Morar em Aberdeen? Que Deus a proteja, você morreria de frio no fim de um mês e o seu filho também. A babá Jari não irá com você, e nem ele poderia pagar por ela; ela não é louca, não vai abandonar o Irã e a família dela para sempre. Você nunca mais tornará a ver-nos, pense nisso... pense no seu filho... — E repetiu isto várias vezes até que Xarazade ficou fora de si e Tommy também.
— Tommy.
Isto o despertou do seu devaneio.
— Sim? — perguntou, percebendo o velho tom de voz que ela estava usando.
— Você vai me deixar para sempre? — perguntou em farsi.
— Eu não posso ficar no Irã — ele respondeu, em paz agora, com a doçura dela apaziguando-o. — Quando fecharmos a companhia aqui, não haverá emprego para mim, eu não tenho dinheiro, e mesmo que o prédio não tivesse pegado fogo... bem, eu nunca fui de pedir esmolas. — Seus olhos não tinham ódio. — Meshang tem razão sobre uma porção de coisas. A vida comigo não seria grande coisa e você tem razão em ficar, sem documentos seria mesmo perigoso partir e você tem que pensar na criança, eu sei disso. E há também... não, deixe-me terminar disse docemente, não permitindo que ela falasse... — há também o HBC. — Isto o fez lembrar-se do primo dela, Karim. Mais uma coisa terrível que ela teria que saber. Pobre Xarazade...
— Você está me deixando para sempre?
— Estou partindo hoje para Kowiss. Ficarei lá alguns dias e depois irei para Al Shargaz. Vou ficar lá um mês, esperando. Isto vai lhe dar tempo para refletir, para decidir o que quer fazer. Para entrar em contato comigo, basta enviar uma carta ou telex aos cuidados do aeroporto de Al Shargaz. Se você quiser ir se encontrar comigo, a embaixada canadense providenciará tudo imediatamente, já tratei disso... e é claro que ficarei em contato com você.
— Através de Mac?
— Através dele ou de alguma outra forma.
— Você vai se divorciar de mim?
— Não, nunca. Se você quiser o divórcio ou... deixe-me colocar de outra forma, se você achar que isso é necessário para proteger o nosso filho ou por qualquer outro motivo, então eu farei o que você quiser.
Eles ficaram em silêncio e ela o observou, com uma expressão estranha nos seus enormes olhos escuros, parecendo mais madura do que antes e, no entanto, muito mais jovem e mais frágil, com a camisola transparente envolvendo sua pele dourada, os cabelos soltos cobrindo os ombros e os seios.
Lochart sentiu-se totalmente impotente, morrendo por dentro, querendo ficar mas sabendo que não havia mais razão para isso. Já foi dito tudo e agora depende dela. Se eu fosse ela, não hesitaria, pediria o divórcio, aliás, nunca me teria casado. Ele disse em farsi:
— Cuide-se bem, meu amor.
— E você também, meu amor.
Ele apanhou a jaqueta e saiu. Logo depois, ela ouviu a porta da frente bater. Durante um longo tempo, ficou olhando para a porta por onde ele tinha saído, depois, pensativa, serviu-se de café e começou a tomá-lo, quente, forte, doce e reanimador
Seja como Deus quiser, disse a si mesma, sentindo-se em paz. Ou ele volta ou não volta. Ou Meshang acaba cedendo ou não. De qualquer maneira, eu preciso ser forte e comer por dois e ter bons pensamentos enquanto carrego o meu filho. Ela tirou a casca de um ovo. Estava perfeitamente cozido e delicioso.
NO APARTAMENTO DE McIVER: 11:50H. Pettikin entrou na sala carregando uma mala e ficou surpreso ao ver o criado, Ali Babá, limpando o aparador.
— Eu não o ouvi entrar. Pensei ter-lhe dado o dia de folga — disse irritado, pousando a mala no chão.
— Oh, sim, aga, mas há muito o que fazer aqui, o apartamento está imundo e a cozinha... — E revirou os olhos eloqüentemente.
— Sim, sim, é verdade, mas você pode começar amanhã. — Pettikin viu-o lançar um olhar para a mala e praguejou. Logo depois do café, ele mandara Ali Babá tirar o dia de folga com instruções de voltar à meia-noite, o que normalmente significava que ele não voltaria até a manhã seguinte. — Agora trate de ir.
— Sim, aga, o senhor vai sair de férias ou de licença?
— Não, eu, ahn, vou passar uns dias com um dos pilotos, portanto trate de limpar o meu quarto amanhã. Oh, sim, é melhor você me dar a sua chave, eu não sei onde deixei a minha. — Pettikin estendeu a mão, danado por não ter pensado nisso antes. Com uma estranha relutância, Ali Babá entregou-lhe a chave. — O capitão McIver quer ficar sozinho aqui, ele tem um trabalho para fazer e não quer ser incomodado. Vejo-o em breve, até logo!
— Mas, aga...
— Até logo! — Ele viu se Ali Babá estava levando o casaco, abriu a porta e quase o empurrou para fora, tornando a fechá-la. Nervosamente, deu uma olhada no relógio. Quase meio-dia e nada de McIver, e eles já deveriam estar no aeroporto. Foi até o quarto, apanhou a outra mala, já arrumada, que estava no armário, depois voltou e colocou-a ao lado da outra, perto da porta.
Duas malas pequenas e um saco, pensou. Não é muita coisa depois de todos esses anos aqui no Irã. Não importa, eu prefiro viajar com pouca bagagem e talvez desta vez possa ter sorte e ganhar mais dinheiro ou começar algum negócio, e ainda há Paula. Como é que eu vou poder tornar a casar? Casar? Você está louco? O máximo que você pode conseguir é um caso. Sim, mas bem que eu gostaria de me casar com ela e...
O telefone tocou e ele deu um pulo, de tão desabituado que estava com o barulho. Atendeu com o coração batendo.
— Alô.
— Charlie? Sou eu, Mac, graças a Deus que este maldito aparelho está funcionando. Resolvi arriscar. Estou atrasado.
— Está com algum problema?
— Não sei, Charlie, mas vou ter que ir ver Ali Kia. O filho da mãe mandou seu maldito assistente e um Faixa Verde para me apanharem.
— Que diabo ele quer com você? — Lá fora, por toda a cidade, os muezins começavam a chamar os fiéis para a oração de meio-dia, perturbando-o.
— Não sei. O encontro é daqui a meia hora. É melhor você ir para o aeroporto e eu chegarei lá assim que puder. Faça com que Johnny Hogg atrase a partida.
— Certo, Mac. E quanto à sua bagagem, está no escritório?
— Eu a tirei daí hoje cedo, enquanto Ali Babá estava roncando, e ela está na mala da Lulu. Charlie, na cozinha tem um dos panos bordados por Genny, "abaixo a torta de carne". Enfie-o na sua mala para mim, sim? Ela me mataria se eu o deixasse. Se tiver tempo, irei até aí para ver se está tudo em ordem.
— Quer que eu feche o gás ou desligue a eletricidade?
— Cristo, não sei. Deixe assim mesmo, está bem?
— Está bem. Tem certeza de que não quer que eu espere? — perguntou, com as vozes metálicas dos muezins falando pelos alto-falantes aumentando a sua inquietação. — Eu não me importo de esperar. Talvez seja melhor, Mac.
— Não, você vai indo. Eu estarei lá assim que puder. Até logo.
— Até logo. — Pettikin franziu as sobrancelhas, depois, conseguindo o sinal de discar, ligou para o escritório deles no aeroporto. Para seu espanto, a ligação foi completada.
— Helicópteros Iranianos, alô?
Ele reconheceu a voz do gerente de cargas.
— Bom dia, Adwani, aqui é o capitão Pettikin. O 125 já chegou?
— Ah, capitão, sim, deve pousar dentro de poucos minutos.
— O capitão Lane está aí?
— Sim, um momento...
Pettikin esperou, imaginando o que Kia poderia querer.
— Alô, Charlie, aqui é Nogger. Você tem amigos importantes?
— Não, o telefone simplesmente voltou a funcionar. Pode falar em particular?
— Não. Não é possível. O que está havendo?
— Eu ainda estou no apartamento. Mac está atrasado. Ele vai ter que se encontrar com Ali Kia. Estou saindo para o aeroporto agora e ele vai para aí diretamente do escritório de Kia. Você está pronto para carregar?
— Sim, Charlie, estamos enviando os motores para conserto conforme o capitão McIver mandou. Estamos seguindo todas as instruções.
— Ótimo. Os dois mecânicos estão aí?
— Sim. Essas duas peças também estão prontas para serem embarcadas.
— Ótimo. Nenhum problema?
— Até agora não, meu chapa.
— Até já então. — Pettikin desligou. Colocou o pano bordado na mala e deu uma última olhada no apartamento, sentindo-se um pouco triste. Bons e maus tempos, mas a melhor época foi quando Paula ficou hospedada aqui. Pela janela, ele notou fumaça sobre Jaleh e agora que as vozes dos muezins tinham-se calado, ele escutou os costumeiros tiros a distância.
— Para o diabo com todos eles — resmungou. Ele se levantou e saiu com a bagagem, trancando cuidadosamente a porta. Quando saiu da garagem, viu Ali Babá se esconder numa entrada do outro lado da rua. Havia dois outros homens desconhecidos com ele. Que diabo aquele safado estará fazendo? pensou inquieto.
NO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES: 13:07H. A enorme sala estava gelada apesar da lareira acesa, e o ministro Kia usava um sobretudo de astracã, caríssimo, com um chapéu combinando e estava zangado.
— Eu repito, preciso de transporte para Kowiss amanhã e quero que o senhor me acompanhe.
— Amanhã eu não posso, sinto muito — disse McIver, disfarçando o nervosismo. — Eu ficaria feliz em encontrar-me com o senhor na semana que vem. Digamos na segunda-feira...
— Estou espantado que depois de toda a 'cooperação' que lhe prestei eu ainda tenha que argumentar. Amanhã, capitão, ou... ou eu cancelarei todas as autorizações para o nosso 125. Aliás, eu o prenderei no solo hoje e o deixarei aqui aguardando investigações.
McIver estava em pé diante da enorme escrivaninha, e Kia estava sentado atrás dela, numa cadeira imensa que o fazia parecer um anão.
— Não poderia ser hoje, Excelência? Nós temos um Alouette para levar para Kowiss. O capitão Lochart está...
— Amanhã. Hoje não. — Kia ficou ainda mais zangado. — Estou mandando como diretor do Conselho: o senhor irá comigo, nós partiremos às dez horas. Está entendendo?
McIver balançou a cabeça, tentando imaginar uma maneira de se livrar da armadilha. Então um plano começou a se esboçar na sua mente.
— Onde o senhor quer se encontrar comigo?
— Onde está o helicóptero?
— Em Doshan Tappeh. Nós vamos precisar de uma autorização. Infelizmente há um major Delami lá, e também um mulá. E eles são muito difíceis, e eu não sei como poderemos conseguir.
Kia fechou ainda mais a cara.
— O primeiro-ministro deu novas ordens com relação a mulás e a interferências com o governo legal e o imã concorda totalmente. É melhor que eles se comportem. Eu o verei amanhã às dez horas e...
Nesse momento, houve uma grande explosão do lado de fora. Eles correram para a janela mas só conseguiram ver uma nuvem de fumaça subindo para o céu na outra esquina.
— Parece ser outro carro-bomba — disse McIver, desanimado. Nos últimos dias, tinha havido várias tentativas de assassinato e ataques de carros-bomba por parte de extremistas de esquerda, a maioria contra aiatolás que exerciam postos importantes no governo.
— Terroristas imundos, que Deus os amaldiçoe e aos seus pais! — Kia estava francamente assustado, o que agradou a McIver.
— É o preço da fama, ministro — disse, com a voz carregada de preocupação. — Aqueles que ocupam postos importantes, pessoas como o senhor, são os alvos mais procurados.
— Sim... sim... nós sabemos. Malditos terroristas...
McIver foi sorrindo até o carro. Então Kia quer ir para Kowiss. Vou providenciar para que ele chegue lá e o Turbilhão vai continuar conforme o planejado.
Dobrando a esquina, a rua principal, lá na frente, estava parcialmente bloqueada com destroços, um carro ainda estava pegando fogo, outros já estavam queimados, e havia um buraco no asfalto no lugar em que o carro-bomba explodira, destruindo a frente de um restaurante e o banco estrangeiro que ficava ao lado, e vidros espalhados por toda parte. Havia muitas pessoas feridas, alguns mortos e outros morrendo. Pânico, agonia e o fedor de borracha queimada.
O tráfego estava engarrafado para os dois lados. Não havia mais nada a fazer a não ser esperar. Depois de meia hora a ambulância chegou, junto com alguns Faixas Verdes e um mulá que começaram a dirigir o tráfego. Depois de algum tempo, McIver recebeu ordem de avançar. Ao passar pelos destroços, com todo o tráfego enlouquecido, ele não reparou no corpo decapitado de Talbot, meio enterrado sob os destroços do restaurante, nem reconheceu Ross vestido em roupas civis, inconsciente ali ao lado, imprensado contra a parede, com o casaco rasgado, e sangue saindo do nariz e dos ouvidos.
NO SAGUÃO DO AEROPORTO DE AL SHARGAZ — DO OUTRO LADO DO GOLFO: 14:05H. Scot Gavallan estava no meio da multidão que esperava ao lado de fora da área de alfândega e imigração, com o braço direito na tipóia. Pelo alto-falante, vinham os avisos de partidas e chegadas de aviões, em árabe e inglês, e o grande balcão de embarque e desembarque fervilhava, bem como os portões de embarque, enfim, todo o terminal. Ele viu o pai passar pela porta verde, seu rosto se iluminou e ele se adiantou para encontrá-lo.
— Oi, papai!
— Oh, Scot, meu rapaz! — Gavallan disse alegremente e abraçou-o com cuidado por causa do ombro. — Como vai você?
— Eu estou ótimo papai, de verdade. Eu lhe disse, agora estou ótimo.
— Sim, estou vendo. — Desde que Gavallan tinha partido na segunda-feira, ele tinha falado muitas vezes com o filho pelo telefone. Mas falar pelo telefone não é a mesma coisa, pensou. — Eu... eu estava tão preocupado...
Gavallan não tinha querido partir, mas o médico inglês do hospital lhe assegurara que Scot estava bem, e havia assuntos urgentes para tratar na Inglaterra e a tão adiada reunião do Conselho para enfrentar.
— O raio-X não mostra nenhuma lesão no osso, sr. Gavallan. A bala atravessou parte do músculo, a ferida foi feia mas vai ficar curada.
Para Scot, o médico dissera:
— Vai doer um bocado e você não vai poder pilotar por dois meses ou mais. Quanto às lágrimas... você também não precisa se preocupar. É uma reação bastante normal quando se leva um tiro. O vôo de Zagros para cá também não ajudou... você escapou num caixão, não foi? Isso é o bastante para deixar qualquer um nervoso, imagine depois de ter levado um tiro. Eu ficaria uma pilha. Vamos manter você aqui até amanhã.
— É necessário, doutor? Eu... eu estou me sentindo bem melhor... — Scot tinha se levantado, mas seus joelhos dobraram e ele teria caído se Gavallan não tivesse conseguido segurá-lo.
— Primeiro nós temos que consertá-lo. Uma boa noite de sono e ele estará novinho em folha, sr. Gavallan, eu juro. — O médico deu um sedativo a Scot e Gavallan ficara com ele, tranqüilizando-o a respeito da morte de Jordon.
— Se alguém é responsável, este alguém sou eu, Scot. Se eu tivesse ordenado a evacuação antes do xá partir, Jordon ainda estaria vivo.
— Não, isso não seria certo, papai... as balas eram para mim... Gavallan tinha esperado até ele adormecer. Nessa altura, já tinha perdido a sua conecção, mas conseguiu apanhar o vôo da meia-noite e chegou em Londres a tempo.
— Que diabo vai acontecer no Irã? — Linbar perguntara sem preâmbulos.
— Onde estão os outros? — retrucara Gavallan, com firmeza. Só havia mais um diretor na sala, Paul Choy, que tinha o apelido de 'Lucrativo' e que tinha vindo de Hong Kong. Gavallan o respeitava muito pela sua perspicácia nos negócios. A única nuvem entre eles era o envolvimento deste na morte acidental de David MacStruan e na sucessão de Linbar. — Nós deveríamos esperar por eles, vocês não acham?
— Ninguém mais virá — respondeu Linbar. — Eu cancelei sua vinda porque não preciso deles. Eu sou tai-pan e posso fazer o que quiser. Por...
— Não com a S-G Helicópteros. — Gavallan olhou firmemente para Choy. — Eu proponho um adiamento.
— É claro que podemos adiar — Choy disse calmamente — mas que diabo, Andy, eu vim especialmente para isso e nós três damos quorum à reunião, se quisermos votar.
— Eu voto que sim — disse Linbar. — Do que é que você está com medo?
— De nada. Mas...
— Ótimo. Então nós temos quorum. Agora, e quanto ao Irã? — Gavallan controlou a raiva.
— Sexta-feira é o dia D, se o tempo permitir. A operação Turbilhão foi preparada da melhor maneira possível.
— Tenho certeza disso, Andy. — O sorriso de Choy era amigável. — Linbar me disse que você esta planejando retirar apenas os 212, não é? — Ele era um homem bem-apessoado, imensamente rico, de quase quarenta anos, um dos diretores da Struan's e de muitos dos seus conselhos subsidiários há alguns anos e tinha muitos outros interesses fora da Struan's, em navios, produtos farmacêuticos em Hong Kong e no Japão, e no mercado de ações na China. — E quanto aos nossos 206 e Alouettes?
— Vamos ter que deixá-los. É impossível retirá-los. Não há nenhuma maneira. — A sua explicação foi seguida de silêncio.
— Qual é o plano final da Operação Turbilhão? — perguntou Paul Choy.
— Na sexta-feira às sete horas, se o tempo permitir, eu passo pelo rádio a mensagem em código dizendo para iniciarem a operação. Todos os aparelhos decolam. Nós teremos quatro 212 posicionados em Bandar Delam sob o comando de Rudi, eles se dirigirão para Bahrain, serão reabastecidos, e depois seguirão para Al Shargaz; os nossos dois 212 que estão em Kowiss terão que ser reabastecidos na costa e depois seguirão para o Kuwait para se reabastecerem de novo, e depois para Jellet, é uma pequena ilha perto da Arábia Saudita onde nós escondemos combustível, depois seguirão para Bahrain e Al Shargaz. Os três que estão em Lengeh sob o comando de Scragger não deverão enfrentar nenhum problema, eles vão diretamente para Al Shargaz. Erikki vai pela Turquia. Assim que eles chegarem, nós começaremos a desmontá-los para embarcá-los no 747 que eu já fretei e depois dar o fora o mais depressa possível.
— Quais são as chances de não perdermos nenhum homem e nenhum aparelho? — Choy perguntou, com os olhos subitamente severos. Ele era um conhecido jogador e proprietário de cavalos de corrida e um dos administradores do Jockey Club de Hong Kong. Havia rumores de que era também membro do sindicato de apostas de Macau.
— Eu não sou um homem de apostas. Mas as chances são boas. Senão eu não teria nem pensado nisso. McIver já conseguiu retirar três 212, já é uma economia de mais de três milhões de dólares. Se nós retirarmos todos os nossos 212 e a maior parte das peças, a S-G ficará em boas condições.
— Péssimas condições — disse Linbar, secamente.
— Em melhores condições do que se encontra a Struan's este ano. Linbar enrubesceu.
— Você deveria estar preparado para esta catástrofe, você e o seu maldito McIver. Qualquer idiota podia ver que o xá não se agüentava nas pernas.
— Chega dessa história, Linbar — Gavallan exclamou. — Eu não voltei para brigar, só para comunicar em que pé estão as coisas, então vamos terminar logo com isso para que eu possa apanhar o meu avião de volta. O que mais, Choy?
— Andy, mesmo que você consiga retirá-los, o que me diz do fato da Imperial estar suplantando vocês no mar do Norte, tirando vinte e tantos contratos das mãos de vocês? E há também a sua encomenda de seis X63.
— Uma decisão estúpida e fora de hora — disse Linbar.
Gavallan afastou o olhar de Linbar e se concentrou. Choy tinha o direito de perguntar e ele não tinha nada a esconder.
— Enquanto eu tiver os meus 212, posso voltar à luta; há muito trabalho para eles. Vou começar a negociar com a Imperial na semana que vem. Sei que vou conseguir de volta alguns dos contratos. O resto do mundo está louco atrás de petróleo, e a ExTex vai aparecer com novos contratos na Arábia Saudita, na Nigéria e na Malásia, e quando eles receberem os nossos relatórios sobre os X63, vão dobrar os seus negócios conosco. E as companhias mais importantes farão o mesmo. Nós estaremos em condições de prestar-lhes um serviço melhor, com mais segurança em más condições de tempo, com menor custo por quilômetro por passageiro. O mercado é ótimo, a China estará entrando nele dentro de pouco tempo e...
— Sonhos — disse Linbar. — Você e o maldito Dunross têm a cabeça nas nuvens.
— A China nunca vai servir para nós — disse Choy, com um olhar estranho. — Eu concordo com Linbar.
— Pois eu não. — Gavallan notou algo de estranho com relação a Choy, mas a raiva o fez continuar. — Vamos esperar para ver. A China tem que ter petróleo em algum lugar, em abundância. Para finalizar, eu estou em grande forma, os lucros do ano passado foram superiores a cinqüenta por cento e este ano vão ser iguais ou melhores. Na semana que vem eu...
Linbar interrompeu.
— Na semana que vem você estará fora do mercado.
— Este fim-de-semana é que vai decidir isso. — Gavallan respondeu com um ar de desafio. — Eu proponho que tornemos a nos reunir na próxima segunda-feira. Isso me dará tempo para voltar.
— Paul e eu voltaremos para Hong Kong no domingo. Vamos nos reunir lá.
— Isso não é possível para mim e...
— Então nós vamos ter que passar sem você. — Linbar perdeu a calma. — Se a operação Turbilhão falhar, a S-G Helicópteros estará liquidada, uma nova companhia, a Helicópteros do Mar do Norte, que aliás já está formada, comprará o ativo e eu duvido que paguemos mais de meio centavo por dólar.
Gavallan ficou vermelho.
— Isso é roubo!
— É apenas o preço do fracasso! Por Deus, se a S-G falir, você está acabado e já não será sem tempo no que me diz respeito, e se você não puder comprar a sua própria passagem para a reunião de diretoria, não fará nenhuma falta.
Gavallan estava fora de si de raiva, mas se controlou. Então, com uma súbita inspiração, ele olhou para Choy.
— Se Turbilhão for um sucesso, você me ajudará a comprar a parte de Struan na companhia?
Antes que Choy pudesse responder, Linbar berrou:
— A nossa parte não está à venda.
— Talvez devesse estar, Linbar — Choy disse Pensativamente. — Desta forma talvez você consiga sair do buraco em que está metido. Por que não se livrar de um pomo de discórdia? Vocês dois vivem brigando e para quê? Por que não acabar com isso, hein?
Linbar disse tensamente.
— Você financiaria esta operação?
— Talvez. Sim, talvez, mas só se você concordasse, Linbar. Esta é uma questão de família.
— Eu nunca vou concordar, Choy! — O rosto de Linbar se contorceu e ele olhou para Gavallan. — Eu quero vê-lo apodrecendo... você e o seu maldito Dunross!
Gavallan levantou-se.
— Verei vocês na próxima reunião do Conselho Central. Veremos o que eles terão a dizer.
— Eles farão o que eu mandar. Eu sou o tai-pan. Aliás, vou tornar Choy um dos membros.
— Você não pode fazer isso, é contra as regras de Dirk. — Dirk Struan, fundador da Struan's, tinha determinado que todos os membros do Conselho teriam que pertencer à família, por mais distantes que fossem as relações, e teriam que ser cristãos. — Você jurou por Deus obedecer às regras.
— Para o inferno com as regras de Dirk. — Linbar respondeu — Você não tem nada a ver com as regras e nem com a herança de Dirk, só o tai-pan, e o que eu jurei obedecer é problema meu. Você se acha tão esperto, pois não é! Choy tornou-se membro da Igreja Episcopal, no ano passado ele se divorciou e dentro em breve vai se casar com alguém da família, uma das minhas sobrinhas, com a minha bênção. Ele vai ser mais da família do que você! — E deu uma gargalhada.
Gavallan não nu. E nem Choy. Eles se mediram com o olhar, a sorte estava lançada.
— Eu não sabia que você tinha se divorciado — disse Gavallan. — Eu deveria lhe dar os parabéns pela... pela sua nova vida e pela indicação.
— Sim, obrigado — foi tudo o que o seu inimigo disse.
No aeroporto de Al Shargaz, Scot se abaixou para apanhar a mala do pai, com os outros passageiros passando apressados, mas Gavallan disse:
— Obrigado, Scot, pode deixar. — E apanhou a mala. — Eu estou precisando de um banho e de umas duas horas de sono. Detesto viajar à noite.
— Genny está esperando lá fora com o carro. — Scot tinha notado o cansaço do pai desde o primeiro momento. — Você teve muitos problemas em Londres?
— Não, não, de jeito nenhum. Estou contente por você estar tão bem. Quais são as novidades aqui?
— Está tudo ótimo, papai, andando de acordo com os planos. Como um relógio.
NOS SUBÚRBIOS AO NORTE DE TEERÃ: 14:35H. Jean-Luc, elegante como sempre no seu uniforme bem cortado e botas sob medida, saltou do táxi. Como tinha prometido, ele pegou uma nota de cem dólares e rasgou-a cuidadosamente ao meio.
—Voilàl
O motorista examinou a sua metade da nota cuidadosamente.
— Só uma hora, aga! Em nome de Deus, aga, não mais do que isso?
— Uma hora e meia, conforme combinamos, depois diretamente de volta para o aeroporto. Eu vou levar alguma bagagem.
— Insha'Allah! — O motorista olhou em volta nervosamente. — Eu não posso esperar aqui. Há muitos olhos. Uma hora e meia. Vou ficar na esquina. Ali! — Ele apontou em frente e arrancou.
Jean-Luc subiu as escadas e abriu a porta do apartamento 4a, que dava para a rua arborizada e que estava virado para o sul. Aquele era o canto dele, embora sua esposa, Marie-Christine, o tivesse achado e arrumado para ele e ficasse lá durante as suas raras visitas. Um quarto, com uma cama baixa e espaçosa, uma cozinha bem equipada, uma sala com um sofá confortável, uma boa vitrola e toca-fita:
— Para distrair as suas amigas, chérí, desde que você não importe nenhuma para a França!
— Eu, chériel Eu sou um amante, não um importador!
Ele sorriu para si mesmo, satisfeito por estar em casa e só um pouco irritado por ser obrigado a deixar tanta coisa — a vitrola era das melhores, os discos ótimos, o sofá charmoso, a cama tão confortável, o vinho dera tanto trabalho para conseguir, e ainda havia os seus apetrechos de cozinha.
— Espèce de con — disse em voz alta e foi até o quarto e experimentou o telefone. Não estava funcionando.
Tirou uma mala de dentro do armário bem organizado e começou a arrumá-la, com rapidez e eficiência, pois já tinha pensado muito sobre o que iria levar. Primeiro as suas facas favoritas e a sua panela de omelete, depois seis garrafas dos melhores vinhos, as outras quarenta e tantas ficariam lá para o próximo inquilino, um inquilino temporário, caso ele um dia voltasse, que estava alugando o apartamento dele a partir do dia seguinte — que ia pagar em francos franceses, depositando na Suíça o aluguel mensal adiantadamente, com mais um bom depósito em dinheiro para consertos, também adiantado.
O acordo já estava sendo negociado desde antes dele sair de licença no Natal. Enquanto todo mundo ainda estava de antolhos, eu estava tomando as minhas providências. Mas é claro que eu levo uma grande vantagem sobre os outros. Eu sou francês.
Ele continuou a fazer a mala alegremente. O novo morador também era francês, um amigo idoso da embaixada que há semanas vinha precisando arranjar uma garçonnière bem equipada para a sua amante adolescente georgiana-circassiana que estava jurando que iria deixá-lo a menos que ele lhe arranjasse um apartamento:
— Jean-Luc, meu querido amigo, deixe-me alugá-lo por um ano, seis meses, três. Eu lhe digo enfaticamente, dentro em pouco, os únicos europeus residentes aqui serão diplomatas. Não diga a mais ninguém, mas eu ouvi isso de uma pessoa importante ligada a Khomeini, em Neauphle-le-Château! Francamente, nós sabemos de tudo o que está acontecendo. Muitos dos assessores mais íntimos de Khomeini não falam francês e não foram educados em universidades francesas? Por favor, eu imploro, eu simplesmente tenho que satisfazer à luz da minha vida.
Meu pobre amigo, Jean-Luc pensou tristemente. Graças a Deus eu nunca terei que me ajoelhar para nenhuma mulher — que sorte tem Marie-Christine por estar casada comigo que posso zelar sabiamente pela sua fortuna!
Os últimos artigos que ele guardou na mala foram os seus instrumentos de vôo e meia dúzia de pares de óculos escuros. Ele tinha guardado todas as suas roupas num armário trancado. É claro que eu serei indenizado pela companhia e comprarei roupas novas. Quem é que precisa de roupas velhas?
Agora ele já tinha acabado, estava tudo bem arrumado. Olhou para o relógio. Só tinha levado 22 minutos. Perfeito. A La Doucette que estava na geladeira estava gelada, apesar dos cortes de eletricidade, a geladeira ainda estava funcionando. Ele abriu a garrafa e experimentou-a. Perfeita. Três minutos mais tarde alguém bateu na porta. Perfeito.
— Sayada, chérie, como você está linda — disse afetuosamente e beijou-a, mas estava pensando, você não está com uma aparência nada boa, parece cansada e desanimada. — Como vai você, chérie?
— Eu tive um resfriado, nada de sério — respondeu. Naquela manhã, ela tinha visto as suas olheiras e as rugas de preocupação no espelho e sabia que Jean-Luc notaria. — Nada sério e agora já estou boa. E você, chérP.
— Hoje estou bem. Amanhã? — E deu de ombros, ajudou-a a tirar o casaco, levantou-a nos braços com facilidade e atirou-se no sofá. Ela era muito bonita e ele estava triste por deixá-la. E por deixar o Irã. Como a Argélia, pensou.
— Em que está pensando, Jean-Luc?
— Em 1963, quando fui obrigado a sair da Argélia. De certa forma, igual ao Irã. Nós estamos sendo forçados a sair do mesmo jeito. — Ele a sentiu estremecer nos seus braços. — O que foi?
— O mundo às vezes é tão horrível. — Sayada nunca lhe contara nada sobre a sua vida real. — Tão injusto — disse enojada, lembrando-se da guerra de 1967 em Gaza e da morte dos seus pais, depois da sua fuga. A história dela era muito parecida com a dele. Lembrando-se também do horror da morte de Teymour e deles. Ela sentiu uma onda de náusea ao pensar no jovem Yassar e no que eles fariam com o seu filho caso ela não se comportasse. Se ao menos eu conseguisse descobrir quem são eles...
Jean-Luc estava servindo o vinho que tinha posto na mesa.
— Não é bom ficarmos sérios, chérie, não temos muito tempo. Saníél O vinho estava gelado e delicioso.
— Quanto tempo? Você não vai ficar?
— Eu tenho que partir dentro de uma hora.
— Para Zagros?
— Não, chérie, para o aeroporto, e depois para Kowiss.
— E quando você volta?
— Eu não voltarei — ele disse e sentiu-a retesar-se. Mas ele a abraçou com firmeza e, um instante depois, ela tornou a relaxar, e ele continuou. Não havia motivo para não confiar nela. — Só entre nós, Kowiss é temporário, extremamente. Nós estamos saindo do Irã, a companhia toda. É óbvio que não somos desejados, não podemos mais operar livremente, a companhia não está sendo paga. Nós fomos expulsos de Zagros, um dos nossos mecânicos foi morto por terroristas há poucos dias e o jovem Scot Gavallan escapou de ser morto por um milímetro. Então só vamos dar o fora. Cestfini.
— Quando?
— Em breve. Não sei exatamente.
— Eu... eu vou sentir... vou sentir saudades de você, Jean-Luc — ela disse e chegou mais perto.
— E eu vou sentir saudades de você, chérie — ele respondeu gentilmente, notando as lágrimas silenciosas que corriam pelo seu rosto. — Quanto tempo você vai ficar em Teerã?
— Eu não sei. — Ela disfarçou a tristeza. — Vou lhe dar um endereço em Beirute, eles saberão onde me encontrar.
— Você pode me encontrar através de Aberdeen.
Eles ficaram sentados no sofá, ela deitada nos braços dele, o relógio sobre a lareira, que geralmente batia tão baixinho, agora estava batendo tão alto, com ambos conscientes do tempo que estava passando e do fim que tinha chegado, não por vontade deles.
— Vamos fazer amor — ela murmurou, sem vontade, mas sabendo que aquilo era esperado dela.
— Não — ele disse galantemente, fingindo ser forte, sabendo que era esperado que ele fosse para a cama e que depois eles se vestissem e fossem franceses e sensatos a respeito do fim do seu caso. Ele olhou para o relógio. Restavam 43 minutos.
— Você não me quer?
— Mais do que nunca. — Ele acariciou-lhe os seios e roçou-lhe o pescoço com os lábios, seu perfume era leve e agradável, pronto para começar.
— Fico contente — ela murmurou com a mesma voz doce — e mais contente ainda por você ter dito não. Eu quero você, mas não por alguns minutos —, Não agora. A pressa estragaria tudo.
Por um momento, ele ficou perdido, sem esperar aquele lance no jogo que estavam jogando. Mas agora que tinha sido dito, ele também ficou satisfeito. Como ela era corajosa em renunciar a tanto prazer, pensou, amando-a profundamente. Era muito melhor recordar os bons momentos do que fazer as coisas apressadamente. Isso realmente me poupa um bocado de esforço e eu não verifiquei se havia água quente. Agora nós podemos sentar, conversar e apreciar o vinho, chorar um pouco e nos sentir felizes.
— Sim, eu concordo. — Mais uma vez ele roçou-lhe o pescoço com os lábios. Ele a sentiu tremer e por um momento ficou tentado a provocá-la. Mas decidiu não fazê-lo. Pobrezinha, por que atormentá-la?
— Como é que vocês todos vão partir, querido?
— Nós vamos voar juntos. Vinho?
— Sim, sim, por favor, está tão bom. — Ela tomou o vinho, enxugou as lágrimas e conversou com ele, investigando essa extraordinária retirada. Tanto eles quanto a Voz achariam tudo isso extremamente interessante, talvez isso até a fizesse descobrir quem eles eram. Enquanto eu não souber, não poderei proteger o meu filho. Oh, Deus, ajude-me a encurralá-los.
— Eu o amo tanto, chéri — ela disse
NO AEROPORTO DE TEERÃ: 18:05H. Johnny Hogg, Pettikin e Nogger olharam para McIver sem entender.
— Você vai ficar? Não vai partir conosco? — Pettikin gaguejou.
— Não. Já disse — McIver respondeu bruscamente. — Tenho que acompanhar Kia a Kowiss amanhã. — Eles estavam ao lado do carro dele no estacionamento, longe de ouvidos estranhos, o 125 estava no pátio, operários embarcavam as últimas peças, com o inevitável grupo de Faixas Verdes observando. E um mulá.
— Nós nunca vimos esse mulá antes — disse Nogger, nervosamente, tentando disfarçar como todos os outros.
— Ótimo. Está todo mundo pronto para embarcar?
— Sim, Mac, exceto Jean-Luc. — Pettikin estava muito inquieto. — Você não acha melhor esquecer Kia?
— Isto seria loucura, Charlie. Não há nada com que se preocupar. Você pode organizar tudo no aeroporto de Al Shargaz com Andy. Eu estarei lá amanhã. Vou embarcar no 125 amanhã, em Kowiss, junto com o restante dos rapazes.
— Mas pelo amor de Deus, todos eles têm autorizações, você não — disse Nogger.
— Pelo amor de Deus, Nogger, nenhum de nós está autorizado a sair daqui — disse McIver, rindo. — Como vamos ter certeza dos nossos rapazes de Kowiss até que eles estejam voando e fora do espaço iraniano? Não há motivo para preocupações. Vamos cuidar de uma coisa de cada vez, nós temos que mandar ao ar esta parte do espetáculo — Ele olhou para o táxi que estava parando. Jean-Luc saltou, entregou ao motorista a outra metade da nota e se aproximou carregando uma mala.
— Alors, mes amis — disse com um sorriso satisfeito. — Ça marchei — McIver suspirou.
— Muito leal de sua parte anunciar que está saindo de férias, Jean-Luc
— O quê?
— Deixa pra lá. — McIver gostava de Jean-Luc pela sua habilidade, sua cozinha e sua sinceridade. Quando Gavallan contara a Jean-Luc a respeito do Turbilhão, Jean-Luc dissera imediatamente:
— Não há dúvida de que retirarei um dos 212 de Kowiss, desde que eu possa estar no vôo de quarta-feira para Teerã e possa ficar umas duas horas por lá.
— Para fazer o quê?
— Mon Dieu, vocês ingleses! Para dizer adieu para o imã, quem sabe? — McIver sorriu para o francês.
— Como estava Teerã?
— Magnifiquel — Jean-Luc devolveu o sorriso e pensou: Há muito tempo que não vejo Mac com um ar tão jovem. Quem será a moça? — Et toi, mon vieux!
— Vou muito bem. — Atrás dele, McIver viu Jones, o co-piloto, descer os degraus de dois em dois, dirigindo-se para onde eles estavam. Agora não havia mais caixotes no chão e a turma de solo iraniana estava voltando para o escritório.
— Está tudo pronto a bordo?
— Tudo pronto, capitão, exceto pelos passageiros — disse Jones, com calma. — A torre de controle está ficando nervosa e diz que estamos atrasados. Venham o mais rápido que puderem, certo?
— Você ainda tem autorização para parar em Kowiss?
— Sim, sem problemas. McIver respirou fundo.
— Está bem, aqui vamos nós, exatamente como planejamos, exceto que eu vou levar os papéis, Johnny. — Johnny Hogg entregou-lhe os papéis e os três, McIver, Hogg e Jones, foram na frente, direto para o mulá, na esperança de distrai-lo. Conforme eles tinham combinado de antemão, os dois mecânicos já estavam a bordo, ostensivamente como carregadores.
— Bom dia, aga — disse McIver, e estendeu os papéis para o mulá, bloqueando a visão da escada. Nogger, Pettikin e Jean-Luc subiram a escada rapidamente e desapareceram lá dentro.
O mulá folheou os papéis, obviamente desacostumado com aquilo.
— Bom. Agora inspeção — disse, com um sotaque carregado.
— Não há necessidade disso, aga — McIver parou. O mulá e os dois guardas já estavam se dirigindo para a escada. — Assim que vocês estiverem a bordo, ligue os motores, Johnny — disse baixinho e seguiu-os.
A cabine estava cheia de caixotes, os passageiros já estavam sentados com os cintos amarrados. Todos os olhos evitaram cuidadosamente o mulá. O mulá olhou para eles.
— Quem são os homens?
McIver disse animadamente — Turmas de substituição, aga. — Sua excitação cresceu quando os motores começaram a roncar. Ele apontou ao acaso para Jean-Luc. — Piloto para substituição em Kowiss, aga. — Depois, com mais pressa ainda: — O komiteh da torre quer que o aparelho parta imediatamente. Depressa, sim?
— O que há nos caixotes? — O mulá olhou para a cabine do piloto quando Johnny Hogg gritou num farsi perfeito:
— Desculpe interromper, Excelência, seja como Deus quiser, mas a torre está ordenando que decolemos imediatamente. Com a sua permissão, por favor?
— Sim, sim, é claro, Excelência piloto. — O mulá sorriu. — O seu farsi é muito bom, Excelência.
— Obrigado, Excelência, que Deus o proteja, e que abençoe o imã.
— Obrigado, Excelência piloto, que Deus o proteja. — O mulá saiu. Quando estava saindo, McIver inclinou-se para a cabine.
— O que foi que você disse, Johnny? Eu não sabia que você falava farsi.
— Eu não falo — Hogg disse secamente. — Eu acabei de aprender aquela frase, achei que podia ajudar.
— Você vai para o primeiro lugar da classe! — McIver sorriu e depois abaixou a voz. — Quando chegar em Kowiss, faça Duke conseguir com 'Pé-quente', seja lá como for, que os rapazes partam o mais cedo possível. Eu não quero Kia lá quando eles partirem. Diga a ele para tirá-los de lá bem cedo, do jeito que for. Certo?
— Sim, é claro, eu tinha me esquecido disso. É uma idéia muito boa.
— Tenha um bom vôo. Vejo você em Al Shargaz. — E ergueu os polegares para eles animadamente enquanto eles taxiavam pela pista.
Assim que decolaram, Nogger explodiu:
— Nós conseguimos! — Todo mundo se juntou a ele, exceto Jean-Luc, que se benzeu supersticiosamente e Pettikin, que bateu na madeira.
— Merde — Jean-Luc exclamou. — Guarde o seu entusiasmo, Nogger, você pode ficar preso em Kowiss. Poupe o seu entusiasmo para sexta-feira, muita coisa pode acontecer entre hoje e sexta.
— Você tem razão, Jean-Luc — disse Pettikin, do assento da janela ao lado dele, vendo o aeroporto ficar para trás. — Mac estava de bom humor. Há meses que não o via tão contente e ele estava desanimado hoje de manhã. É estranho como as pessoas podem mudar.
— Sim, estranho. Eu ficaria muito zangado se tivesse que mudar os meus planos dessa maneira. — Jean-Luc estava procurando uma posição confortável e se encostou no assento, pensando em Sayada e na despedida deles que tinha sido docemente triste. Olhou para Pettikin e viu que ele estava com um ar preocupado. — O que foi?
— De repente, fiquei pensando como é que Mac vai chegar em Kowiss.
— De helicóptero, é claro. Ainda há dois 206 e um Alouette.
— Tom levou o Alouette para Kowiss hoje e não há mais nenhum piloto lá.
— Então ele vai de carro, é claro. Por quê?
— Você não acha que ele seria suficientemente louco para ir pilotando, acha?
— Você está louco? É claro que não, ele não é... — Jean-Luc franziu a testa — Merde, ele é bastante maluco para isso.
NO QG DO SERVIÇO SECRETO; 18:30H. Hashemi Fazir estava em pé diante da janela do seu amplo escritório, olhando por sobre os telhados da cidade e dos minaretes, enormes cúpulas de mesquitas no meio dos modernos hotéis e edifícios, com o último dos chamados dos muezins ainda ecoando. Uma quantidade um pouco maior de luzes acesas do que de costume. Tiros ao longe.
— Filhos de um cão — resmungou, depois, sem se virar, disse asperamente: — Foi só isso que ela falou?
— Sim, Excelência, "dentro de poucos dias". Ela disse que tinha "quase certeza" de que o francês não sabia exatamente quando iriam partir.
— Ela devia ter-se certificado. Negligente. Agentes negligentes são perigosos. Apenas 212, hein?
— Sim, ela tinha certeza quanto a isso. Eu concordo que foi negligente e que deve ser castigada.
Hashemi percebeu o prazer malicioso na voz mas não deixou que isso perturbasse o seu bom humor, deixou simplesmente a sua mente vagar, decidindo o que fazer a respeito de Sayada Bertolin e sua informação. Ele estava muito satisfeito consigo mesmo.
Hoje tinha sido um dia excelente. Um dos seus associados secretos fora nomeado o número dois de Abrim Pahmudi na Savama. Ao meio-dia, um telex de Tabriz confirmara a morte de Abdullah Khan. Imediatamente, ele passara um telex de volta para conseguirem um encontro no dia seguinte com Hakim Khan e requisitara um dos aviões da Savama. A operação para mandar Talbot para o inferno fora realizada com êxito e ele não encontrara nenhuma pista dos responsáveis — um time do Grupo Quatro — quando inspecionou a área bombardeada, já que, evidentemente, ele fora chamado imediatamente. Os que estavam por perto não tinham visto ninguém estacionar o carro:
— Num momento havia a paz de Deus, no outro a fúria de Satã.
Há uma hora atrás, Abrim Pahmudi telefonara pessoalmente, ostensivamente para lhe dar os parabéns. Mas ele evitara a armadilha e negara cautelosamente que a explosão tivesse algo a ver com ele — é melhor não chamar atenção para a semelhança com o primeiro carro-bomba que matou o general Janan, é melhor deixar Pahmudi sem saber e sob pressão. Ele disfarçara o riso e dissera gravemente:
— Seja como Deus quiser, Excelência, mas este foi outro ataque terrorista dos malditos esquerdistas. Talbot não era o alvo, embora a sua morte tenha convenientemente eliminado esse problema. Sinto dizer, mas o ataque foi, mais uma vez, contra os partidários do imã. — Culpar os terroristas e dizer que o ataque fora contra os aiatolás e mulás que costumavam freqüentar o restaurante iria assustá-los e isso desviaria a pista de Talbot e evitaria uma possível retaliação britânica. Certamente da parte de Robert Armstrong se ele viesse a descobrir, e assim ele esmagava vários escorpiões com uma só pedra.
Hashemi virou-se e olhou para o homem de rosto esperto, Suliman al Wiali, o líder do Grupo Quatro que tinha colocado o carro-bomba de hoje — o mesmo homem que apanhara Sayada Bertolin no quarto de Teymour.
— Dentro de poucos minutos estarei partindo para Tabriz. Estarei de volta amanhã ou depois. Um inglês alto, Robert Armstrong, estará comigo. Designe um dos seus homens para segui-lo, certifique-se de que o homem saiba onde Armstrong mora, depois faça-o acabar com ele de algum modo, em algum lugar no meio da rua, depois que escurecer. Não o faça você mesmo.
— Sim, Excelência. Quando?
Hashemi tornou a passar em revista o seu plano e não encontrou nenhuma falha.
— No dia seguinte.
— Este é o mesmo homem com quem o senhor quis que Sayada dormisse?
— Sim. Mas agora eu mudei de idéia. — Robert não tem mais nenhum valor, pensou. Mais do que isso, a sua hora chegou.
— O senhor tem algum outro trabalho para ela, Excelência?
— Não, nós destruímos a rede de Teymour.
— Seja como Deus quiser. Posso fazer uma sugestão?
Hashemi estudou-o. Suliman era o seu líder do Grupo Quatro mais eficiente, confiável e perigoso, com uma cobertura de agente do Serviço Secreto ligado diretamente a ele. Suliman dizia que tinha vindo das montanhas ao norte de Beirute depois da sua família ter sido assassinada e ele ter sido expulso de lá por soldados cristãos, e Hashemi o tirara cinco anos mais tarde de uma prisão síria, comprando a sua liberdade, pois ele fora condenado à morte por assassinato e banditismo dos dois lados da fronteira, e sua única defesa era: "Eu só matei judeus e infiéis conforme Deus ordenou, logo eu faço o trabalho de Deus. Eu sou um vingador."
— Que sugestão? — perguntou
— Ela é uma mensageira comum da OLP, nem é muito boa e atualmente é perigosa e pode representar uma ameaça. É fácil de ser controlada por judeus ou agentes da CIA e de ser usada contra nós. Como bons fazendeiros, nós deveríamos plantar sementes onde poderemos ter uma boa colheita. — Suliman sorriu. — O senhor é um fazendeiro inteligente, Excelência. A minha sugestão é dizer a ela que está na hora de voltar para Beirute, que nós, os dois que a apanhamos se prostituindo, queremos agora que ela trabalhe para nós lá. Nós a deixamos ouvir uma conversa particular entre nós e fingimos fazer parte de uma célula de milícia cristã do sul do Líbano, agindo sob ordens dos israelenses para os seus senhores da CIA. — O homem riu silenciosamente, ao ver a surpresa do seu patrão.
— É então?
— O que transformaria uma palestina copta medíocre, anti-Israel, numa fera fanática, com sede de vingança? — Hashemi olhou para ele
— O quê?
— Digamos que alguns desses mesmos soldados da milícia cristã, agindo sob ordens de Israel para os seus senhores da CIA, ferissem propositalmente o seu filho, o ferissem gravemente, na véspera dela chegar, e depois desaparecessem, isso não a Tornaria uma inimiga fanática dos nossos inimigos?
Hashemi acendeu um cigarro para disfarçar o seu nojo.
— Eu só concordo que a utilidade dela acabou — ele disse e viu um Iampejo de irritação.
— Que valor tem o filho dela, e que futuro? Suliman disse com desprezo. — Com uma mãe dessas e vivendo com parentes cristãos ele vai continuar sendo cristão e irá para o inferno
— Israel é nosso aliado. Fique fora das questões do Oriente Médio ou eles vão comê-lo vivo. Está proibido!
— Se o senhor diz que está proibido, está proibido, mestre. — Suliman curvou-se e balançou a cabeça, concordando. — Juro pelos meus filhos.
— Ótimo. Você trabalhou muito bem hoje. Obrigado. — Ele foi até o cofre e apanhou um maço de notas usadas de dólares do estoque que mantinha lá. Viu o rosto de Suliman iluminar-se. — Aqui está uma gratificação para você e seus homens.
— Obrigado, obrigado, Excelência, que Deus o proteja! Este homem, Armstrong, pode considerar-se morto. — Cheio de gratidão, Suliman fez uma mesura e saiu.
Agora que estava sozinho, Hashemi destrancou uma gaveta e serviu-se de um uísque. Mil dólares são uma fortuna para Suliman e seus três homens, mas são um bom investimento, pensou satisfeito. Oh, sim. Estou satisfeito por ter tomado uma decisão a respeito de Robert. Ele sabe demais, suspeita de muita coisa — não foi ele quem deu o nome aos meus grupos?
— Os times do Grupo Quatro devem ser usados para o bem e não para o mal, Hashemi — ele tinha dito naquele tom de voz de quem sabe tudo. — Quero apenas alertá-lo, o poder deles pode ser embriagador e voltar-se contra você. Lembre-se do Velho da Montanha, hein?
Hashemi tinha rido para disfarçar o choque por Robert ter lido o que se passava no fundo da sua mente.
— O que tem al-Sabbah e seus assassinos a verem comigo? Nós estamos vivendo no século XX e eu não sou um fanático religioso. E o que é mais importante, Robert, eu não tenho um castelo Alamut!
— Mas ainda existe haxixe., e coisas melhores.
— Eu não quero viciados nem assassinos, apenas homens em quem eu possa confiar.
A palavra assassino derivou-se de hashshashin, aqueles que tomavam haxixe. A lenda diz que no século XI, em Alamut — a fortaleza inexpugnável de Hasan ibn al-Sabbah nas montanhas perto de Qazvin — ele tinha mandado construir jardins secretos iguais aos Jardins do Paraíso descritos no Corão, onde vinho e mel jorravam das fontes e onde viviam lindas raparigas. Os devotos do haxixe eram levados secretamente para lá e desfrutavam de uma amostra da felicidade eterna e erótica que os aguardava no Paraíso depois da morte. Então, depois de um, dois ou três dias, o 'Abençoado' era 'trazido de volta para a terra', com a promessa de voltar para lá em breve — em troca de obediência total à sua vontade.
Vindo de Alamut, o bando fanático de viciados em haxixe de Hasan ibn al-Sabbah — os Assassinos — aterrorizou a Pérsia e, logo depois, todo o Oriente Médio. Isso continuou por quase dois séculos. Até 1256. Então um neto e Gengis Khan, Hulugu Khan, foi para a Pérsia e lançou as suas hordas contra Alamut, não deixando pedra sobre pedra da fortaleza do alto da montanha e arrasando com os assassinos.
Os lábios de Hashemi eram uma linha fina. Ah, Robert, como foi que você conseguiu erguer o véu e descobrir o meu plano secreto: modernizar a idéia de al-Sabbah, tão fácil fazer isso agora que o xá partiu e o país está em reboliço. Tão fácil, com drogas psicodélicas, alucinógenos e uma quantidade inesgotável de fanáticos simplórios, já imbuídos do desejo do martírio, que só precisam ser guiados e levados na direção certa — para remover quem quer que eu escolha. Como Janan e Talbot. E você.
Mas com que carniça eu tenho que lidar para maior glória do meu feudo. Como podem as pessoas ser tão cruéis? Como podem se divertir com tanta crueldade gratuita, como arrancar os órgãos genitais de um homem ou maltratar uma criança? Será que é só porque vêm do Oriente Médio, vivem no Oriente Médio e não se adaptam a nenhum outro lugar? Que coisa terrível não poderem aprender conosco, não poderem se beneficiar da nossa antiga civilização. O império de Ciro e Dario tem que voltar, nisto o xá tinha razão. Os meus assassinos mostrarão o caminho, até mesmo para Jerusalém.
E tomou o uísque, muito satisfeito com o seu dia de trabalho. Estava muito bom. Ele o preferia sem gelo.
QUINTA-FEIRA, 1 de marco
NA ALDEIA PERTO DA FRONTEIRA SETENTRIONAL: 5:30H. Sob a luz do falso amanhacer, Erikki calçou as botas. Depois vestiu a jaqueta, sentindo o couro macio e gasto, tirou a faca da bainha e enfiou-a na manga. Abriu a porta da cabana. A aldeia estava adormecida sob o manto de neve. Ele não viu nenhum guarda. O abrigo do helicóptero também estava silencioso, mas ele sabia que o aparelho estava muito bem guardado. Ele tinha verificado várias vezes durante o dia e de noite. Em cada uma das vezes, os guardas que ficavam nas cabines tinham apenas sorrido para ele, alerta e educados. Não havia nenhuma maneira de lutar contra os três e decolar. A sua única chance era a pé, e ele vinha planejando isso desde que se confrontara com o xeque Bayazid há dois dias.
Seus sentidos se aguçaram na escuridão. As estrelas estavam ocultas atrás de uma camada fina de nuvens. Agora! Com firmeza, ele saiu e caminhou ao longo da fileira de cabanas, em direção às árvores, e então se viu preso na rede que parecia ter caído do céu, lutando por sua vida.
Havia quatro nativos nas pontas da rede usada para apanhar cabritos selvagens. Com muita habilidade, eles o prenderam cada vez mais apertado, e embora ele urrasse de ódio e com sua imensa força conseguisse arrebentar algumas das cordas, em pouco tempo estava caído na neve, impotente. Por um instante, ficou caído lá, ofegante, mas logo tornou a tentar livrar-se das cordas, com a sensação de impotência fazendo-o berrar. Mas quanto mais ele lutava contra as cordas, mais apertadas elas ficavam. Finalmente, parou de lutar e se deitou, tentando recuperar o fôlego, e olhou em volta. Estava cercado. Toda a aldeia estava acordada, vestida e armada. Obviamente, estavam esperando por ele. Ele nunca tinha visto nem sentido tanto ódio.
Foi preciso cinco homens para erguê-lo e arrastá-lo para a cabana de reuniões e atirá-lo rudemente no chão de terra diante do xeque Bayazid que estava sentado de pernas cruzadas em cima de algumas peles, no seu lugar de honra junto ao fogo. A cabana era ampla, encardida de fumaça e estava cheia de homens da tribo.
— Então — disse o xeque —, então você ousou me desobedecer? Erikki ficou quieto, recuperando as forças. O que poderia dizer?
— Durante a noite, um dos meus homens voltou do palácio do khan. — Bayazid estava tremendo de ódio. — Ontem à tarde, por ordem do khan, o meu mensageiro teve a garganta cortada, contra todas as leis do cavalheirismo. O que você tem a dizer sobre isso? Ele teve a garganta cortada como um cão! Como um cão!
— Eu... eu não posso acreditar que o khan tenha feito uma coisa dessas — disse Erikki — não posso acreditar.
— Pelos Nomes de Deus, a garganta dele foi cortada. Ele está morto e nós estamos desonrados. Todos nós, inclusive eu! Desgraçados, e por sua causa!
— O khan é um demônio. Eu sinto muito, mas não...
— Nós tratamos o khan com honradez e tratamos você com honradez, você foi um despojo de guerra tirado dos inimigos do khan e nossos, você é casado com a filha dele e ele tem mais sacos de ouro do que os pêlos de um cabrito. O que são dez milhões riais para ele? Um pouco de merda de cabrito. Mas o pior é que ele nos privou da nossa honra. Morte para ele!
Elevou-se um murmúrio entre os que estavam observando e esperando, sem compreender inglês, mas percebendo a cólera do chefe. Mais uma vez ele exclamou com ódio:
— Insha'Allah! Agora nós vamos soltá-lo como você deseja, a pé, e depois vamos caçá-lo. Nós não o mataremos com balas e nem você verá o pôr-do-sol, e a sua cabeça será um presente para o khan. — O xeque repetiu o castigo na sua própria língua e fez um gesto com a mão. Os homens avançaram.
— Espere, espere! — Erikki gritou, com o medo dando-lhe uma idéia.
— Você deseja implorar misericórdia? — Bayazid disse com desprezo. — Eu pensei que você fosse um homem. Foi por isso que não ordenei que cortassem a sua garganta enquanto você dormia.
— Não quero misericórdia, mas sim vingança! — Então Erikki urrou: — Vingança! — Houve um silêncio de assombro. — Para você e para mim! Você não merece vingar-se de tal desonra?
O xeque hesitou.
— Que truque é esse?
— Eu posso ajudá-lo a recuperar a honra. Só eu posso. Vamos invadir o palácio do khan e nos vingar dele. — Erikki rezou aos seus antigos deuses para que transformassem suas palavras em ouro.
— Você está louco!
— O khan é mais meu inimigo do que seu. Por que ele desgraçaria a nós dois a não ser para lançar a sua fúria contra mim? Eu conheço o palácio. Posso colocar você e mais 15 homens armados dentro do pátio em poucos segundos e...
— Loucura — respondeu o xeque. — Você acha que vamos desperdiçar as nossas vidas como os idiotas tomadores de haxixe? O khan tem muitos guardas.
— Cinqüenta e três dentro dos muros, não mais do que quatro ou cinco de serviço de cada vez. Os seus soldados são tão fracos que não possam lidar com cinqüenta e três? Nós temos a surpresa do nosso lado. Um ataque repentino vindo do céu, uma investida impiedosa para vingar a sua honra. Eu poderia fazê-lo entrar e sair do mesmo jeito em questão de minutos. Abdullah Khan está doente, muito doente, os guardas não estarão preparados e nem os empregados. Eu sei como entrar, onde ele dorme, tudo...
Erikki ouviu a sua própria voz animando-se, sabendo que poderia conseguir: o ataque violento por cima dos muros e o pouso súbito, depois saltaria, mostraria o caminho para entrar no palácio, subiria as escadas, atravessaria o corredor, derrubaria Ahmed e quem mais estivesse no caminho, entraria no quarto do khan, depois deixaria Bayazid e seus homens fazerem o que bem entendessem, chegaria na ala norte e salvaria Azadeh, e se ela não estivesse lá, ou se estivesse ferida, então mataria, mataria o khan, os guardas, aqueles homens, todo mundo.
Ele estava possuído pelo seu plano.
— O seu nome não seria lembrado por mil anos por causa da sua ousadia? Xeque Bayazid, aquele que ousou humilhar e desafiar o khan de todos os Gorgons dentro do seu covil por uma questão de honra? Os menestréis não cantariam eternas canções sobre você, em volta das fogueiras de todos os curdos? Não é isto o que Saladino, o Curdo, teria feito?
Ele viu os olhos brilhando de uma forma diferente, viu Bayazid hesitar, com o silêncio crescendo, ouviu-o falar em voz baixa com o seu povo e então um dos homens riu e gritou alguma coisa e os outros se juntaram a ele e então, a uma só voz, eles berraram a sua aprovação.
Mãos ansiosas o soltaram. Homens brigavam pelo privilégio de participar do ataque. Os dedos de Erikki tremiam quando ele apertou o botão de arranque. O primeiro dos jatos explodiu e ganhou vida.
NO PALÁCIO DO KHAN: 6:35H. Hakim despertou violentamente. O seu guarda-costas, que estava perto da porta, levou um susto.
— O que foi, Alteza?
— Nada, nada, Ishtar, eu estava... eu estava sonhando. — Agora que estava bem acordado, Hakim tornou a deitar-se e espreguiçou-se devagar, ansioso pelo novo dia. — Traga-me café. Depois do meu banho, vou tomar café aqui e peça à minha irmã para vir para cá
— Sim, Alteza, imediatamente.
O guarda-costas saiu. Ele se espreguiçou de novo. A madrugada estava escura. O quarto, amplo e enfeitado, era frio e cheio de correntes de ar, mas era o quarto do khan. Na enorme lareira, o fogo crepitava, alimentado a noite inteira pelo guarda, e ninguém tinha permissão de entrar ali, exceto o guarda — que ele escolhera pessoalmente entre os 53 que havia no palácio, aguardando uma decisão sobre o seu futuro. Como saber em quais posso confiar, pensou, depois saiu da cama, agasalhando-se bem com o robe de brocado — um dos cinqüenta que encontrara no armário — ficou de frente para Meca e para o Corão, ajoelhou-se e fez a primeira oração do dia. Quando terminou, ficou lá, contemplando o antigo Corão, imenso, cravejado de pedras preciosas, escrito à mão e inestimável, o Corão do Gorgon Khan — o seu Corão. Há tanto o que agradecer a Deus, pensou, tanto o que aprender ainda, tanto o que fazer, mas o começo já foi maravilhoso.
Na véspera, pouco depois da meia-noite, diante de toda a família reunida, ele tirara o anel de ouro e esmeralda, símbolo do antigo khanato, do dedo indicador da mão direita do seu pai e o colocara no próprio dedo. Tivera que fazer força para o anel passar sobre a camada de gordura e que fechar o nariz para o fedor da morte que impregnava o quarto. Sua excitação tinha vencido a repulsa e agora ele era realmente khan. Depois, toda a família se ajoelhara e beijara-lhe a mão, jurando-lhe lealdade, Azadeh, orgulhosamente, em primeiro lugar, depois Aysha, assustada e tremendo, depois os outros, Najoud e Mahmud aparentemente servis, mas secretamente agradecendo a Deus pela morte do khan.
Depois, lá embaixo, no salão, com Azadeh em pé atrás dele, Ahmed e os guardas também juraram lealdade — o resto da família viria mais tarde, junto com outros líderes tribais, criados pessoais e da casa. Imediatamente, ele dera ordens para o funeral e depois tinha-se permitido olhar para Najoud.
— Então?
— Alteza — disse Najoud, com uma voz untuosa —, de todo o coração, diante de Deus, nós nos congratulamos com o senhor e juramos servi-lo no que estiver ao nosso alcance.
— Obrigado, Najoud. Obrigado. Ahmed, qual foi a sentença decretada pelo khan antes de morrer a respeito da minha irmã e da sua família? — Houve uma súbita tensão no salão.
— Banimento, sem dinheiro, para as terras desertas ao norte de Meshed, Alteza, sob escolta, imediatamente.
— Sinto muito, Najoud, você e toda a sua família partirão ao amanhecer conforme foi decidido.
Ele recordou como o seu rosto ficara lívido e o de Mahmud também e ela tinha gaguejado:
— Mas Alteza, agora o senhor é o khan, a sua palavra é lei. Eu não esperava... o senhor é o khan agora.
— Mas o khan, nosso pai, deu a ordem enquanto ele era a lei, Najoud. Não seria correto passar por cima dele.
— Mas o senhor é a lei agora — dissera Najoud, com um sorriso falso — o senhor deve fazer o que é certo.
— Com a ajuda de Deus, eu vou tentar, Najoud. Mas não posso passar por cima do meu pai no seu leito de morte.
— Mas Alteza... — Najoud tinha chegado mais perto. — Por favor, podemos... podemos discutir isso em particular?
— É melhor que seja aqui, na frente da família, Najoud. O que você queria dizer?
Ela tinha hesitado e chegara mais perto ainda, e ele sentiu Ahmed ficar tenso e se preparar para empunhar a faca, e sentiu os cabelos da nuca se arrepiarem.
— Só porque Ahmed disse que o khan deu esta ordem, não quer dizer que... quer? — Najoud tinha tentado sussurrar, mas as suas palavras ecoaram na sala.
Ahmed suspirou.
— Que Deus me faça arder para sempre se eu menti.
— Eu sei que você não mentiu, Ahmed — Hakim dissera com tristeza.
— Eu não estava lá quando o khan decidiu? Eu estava lá, Najoud, bem como Sua Alteza, minha irmã. Eu sinto...
— Mas você pode ser misericordioso! — gritara Najoud. — Por favor, por favor, tenha piedade!
— Oh, mas eu tenho, Najoud. Eu a perdôo. Mas o castigo foi por você ter mentido em nome de Deus — disse gravemente —, não por ter mentido sobre minha irmã e eu, causando-nos anos de sofrimento, fazendo-nos perder o amor do nosso pai. É claro que nós a perdoamos por isso, não é, Azadeh?
— Sim, sim, isso está perdoado.
— Isso está publicamente perdoado. Mas mentir em nome de Deus? O khan deu uma ordem. Eu não posso passar por cima dela
— Eu não sabia de nada disso, Alteza, nada, juro por Deus, eu acreditei nas mentiras dela — gritou Mahmud. — Eu me divorcio formalmente dela por ser uma traidora, eu nunca soube de nada a respeito das mentiras dela!
No salão, todo mundo os viu rastejar, uns com ódio, outros com desprezo por terem falhado quando estavam com o poder nas mãos.
— Ao amanhecer, Mahmud, você será banido, você e toda a sua família — ele dissera com tristeza —, sem um tostão, sob escolta, até quando me aprouver. Quanto ao divórcio, ele é proibido na minha casa. Se você quiser fazer isso em Meshed... Insha'Allah. Você ainda será banido, até quando me aprouver...
Oh, você foi perfeito, Hakim, disse para si mesmo, encantado, pois é claro que todo mundo sabia que aquele era o seu primeiro teste. Você foi perfeito! Nem uma vez você se vangloriou abertamente ou revelou o seu verdadeiro propósito, nem uma vez você levantou a voz, mantendo-se calmo, gentil e grave, como se estivesse realmente triste com a sentença do seu pai mas não pudesse ignorá-la. E a promessa bondosa de "até quando me aprouver"? O que me apraz é que vocês todos sejam banidos para sempre e se eu souber de alguma conspiração, eu os mandarei para o inferno. Por Deus e pelo Profeta, cujo nome seja louvado, eu farei o fantasma do meu pai orgulhoso deste khan de todos os Gorgons. Deus permita que ele esteja no inferno por ter acreditado nas mentiras maldosas daquela encrenqueira perversa.
Há tanto o que agradecer a Deus, pensou, hipnotizado pelos lampejos que o fogo causava nas jóias do Corão. Os anos todos de banimento não lhe ensinaram a ser dissimulado e paciente? Agora você tem o seu poder para cimentar, o Azerbeijão para defender, um mundo para conquistar, esposas para encontrar, filhos para criar e uma linhagem para iniciar. Que Najoud e suas crias apodreçam!
Ao amanhecer, ele tinha, "infelizmente", sido obrigado a ir com Ahmed assistir a partida deles. Espertamente, tinha insistido para que nenhuma outra pessoa da família fosse despedir-se deles. "Para que aumentar a tristeza deles e a minha?" Lá, de acordo com as instruções que tinha dado, ele assistira Ahmed e os guardas rasgarem as montanhas de malas, retirando tudo o que fosse de valor, até que só houvesse uma mala para cada um deles e seus três filhos, que olhavam apavorados.
— As suas jóias, mulher — tinha dito Ahmed.
— Você já me tirou tudo, tudo... por favor, Hakim... Alteza, por favor... — Najoud soluçou. A sua caixa de jóias, escondida num compartimento secreto da mala, já tinha sido acrescentada à pilha de objetos de valor. Abruptamente, Ahmed estendeu a mão e arrancou-lhe o broche, abrindo a gola do vestido. Ela estava usando uma dúzia de colares, de diamantes, rubis, esmeraldas e safiras.
— Onde você conseguiu isso? — Hakim tinha perguntado, perplexo.
— Eles são... eles são da minha mãe e meus, eu os comprei ao longo dos anos — Najoud calou-se quando Ahmed puxou a faca. — Está bem... está bem... — Ela os tirou rapidamente e os entregou a ele. — Agora você já tem tudo.
— Seus anéis!
— Mas Alteza, deixe-me ficar com alguma coisa. — Ela gritou quando Ahmed, impaciente, agarrou um dos seus dedos para cortá-los fora junto com o anel, mas ela tirou os anéis e também o bracelete que tinha escondido na manga, urrando de tristeza e os atirou no chão. — Agora você tem tudo.
— Agora apanhe tudo e entregue a Sua Alteza, de joelhos! — Ahmed disse com ódio e quando ela não obedeceu imediatamente, ele a agarrou pelos cabelos, enfiando-lhe a cara no chão, e ela obedeceu.
Ah, aquilo foi uma festa, pensou Hakim, rememorando cada detalhe da humilhação deles. Depois que estiverem todos mortos, Deus os queimará.
Ele fez outra mesura, deixou Deus de lado até a próxima oração do meio-dia e ficou de pé, cheio de energia. Uma empregada estava de joelhos, servindo café, e ele viu o medo nos olhos dela e ficou muito contente. Assim que se tornou khan, ele viu que era vital trabalhar rapidamente para segurar as rédeas do poder. Na véspera de manhã, ele inspecionara o palácio. A cozinha não estava suficientemente limpa para ele, e então fez com que o cozinheiro-chefe fosse espancado até perder os sentidos e fosse colocado do lado de fora dos muros, depois tinha promovido o segundo cozinheiro para o lugar do primeiro, com ameaças terríveis. Quatro guardas tinham sido expulsos por dormirem demais, duas empregadas chicoteadas por desleixo.
— Mas Hakim, meu querido — tinha dito Azadeh, quando ficaram a sós —, não havia necessidade de bater nelas.
— Dentro de um ou dois dias não haverá mais necessidade — respondera.
— Nesse meio tempo, o palácio vai ficar do jeito que eu quero.
— É claro que você é quem sabe, meu querido. E quanto ao resgate?
— Ah, sim, imediatamente. — Ele tinha mandado chamar Ahmed.
— Sinto muito, Alteza, o khan, seu pai, ordenou que a garganta do mensageiro fosse cortada ontem à tarde.
Ele e Azadeh tinham ficado apavorados.
— Mas isso é terrível! O que podemos fazer agora? — Ela tinha exclamado.
— Eu vou tentar entrar em contato com os homens da tribo. Talvez, já que o khan, seu pai, está morto, eles... eles tornem a negociar. Eu vou tentar — disse Ahmed.
Sentado lá no lugar do khan, Hakim notara a confiança de Ahmed e percebera a armadilha em que estava metido. O medo tomou conta dele. Seus dedos brincavam com o anel de esmeralda que tinha no dedo.
— Azadeh, volte dentro de meia hora, por favor.
— É claro — ela disse obedientemente, e quando ficou sozinho com Ahmed, ele perguntou:
— Quais são as armas que você carrega?
— Uma faca e uma automática, Alteza.
— Dê-mas. — Ele recordou como o seu coração tinha batido e que havia uma secura incomum na sua boca, mas isso tivera que ser feito e a sós. Ahmed hesitara e depois obedecera, nada satisfeito em ser desarmado. Mas Hakim fingira não notar, apenas examinara a arma e a empunhara Pensativamente. — Agora ouça atentamente, conselheiro: você não vai tentar entrar em contato com os homens da tribo, você fará isso muito depressa e fará todos os acordos necessários para que o marido de minha irmã volte são e salvo. Sua cabeça responde por isso... por Deus e pelo Profeta!
— Eu... é claro, Alteza — Ahmed tentou disfarçar a raiva. Preguiçosamente, Hakim apontou a arma para a cabeça dele, mirando.
— Eu jurei por Deus que o trataria como primeiro conselheiro e o farei, enquanto você viver. — Ele sorriu de lado. — Mesmo que você fique aleijado, seja talvez castrado, até mesmo cegado pelos seus inimigos. Você tem inimigos, Ahmed Dursak, o Turcomano?
Ahmed riu, tranqüilizado, satisfeito com o homem que se tinha tornado khan, que não era o garoto que ele imaginara — era tão mais fácil lidar com um homem, pensou, sentindo voltar a sua confiança.
— Muitos, Alteza, muitos. Não é costume medir-se a qualidade de um homem pela importância dos seus inimigos? Insha'Allah! Eu não sabia que o senhor sabia lidar com armas.
— Há muitas coisas a meu respeito que você não sabe, Ahmed — ele tinha dito com uma satisfação amarga, tendo conseguido uma vitória importante. E devolvera a faca a Ahmed, mas não a automática. — Vou guardar isto aqui como pishkesh. Durante um ano e um mês não venha armado à minha presença.
— Então como poderei protegê-lo, Alteza?
— Com sabedoria. — Ele permitira que uma pequena parcela da violência que mantivera oculta durante anos aparecesse. — Você tem que provar o seu valor para mim. Só para mim. O que agradava ao meu pai não irá necessariamente agraciar a mim. Esta é uma nova era, com novas oportunidades e novos perigos. Lembre-se, por Deus, o sangue do meu pai corre nas minhas veias.
Durante o resto do dia e parte da noite, ele recebera homens importantes de Tabriz e do Azerbeijão e fizera-lhes perguntas sobre a insurreição e sobre os esquerdistas, os mujhadins, os fedayims e outras facções. Tinham vindo lojistas do bazar, mulás, dois aiatolás, os comandantes do exército local e o seu primo, o chefe de polícia, e ele confirmara o homem no posto. Todos tinham trazido um pishkesh adequado.
E tinham mesmo que trazer, pensou satisfeito, recordando o desprezo deles no passado quando a sua fortuna era zero e todo mundo sabia que ele fora banido para Khoi. O desprezo deles vai lhes custar muito caro...
— O seu banho está pronto, Alteza, e Ahmed está esperando lá fora.
— Faça-o entrar, Ishtar. Você fica. — E ficou olhando para a porta. Ahmed estava cansado e amarrotado.
— Salaam, Alteza.
— E quanto ao resgate?
— Ontem à noite, bem tarde, eu encontrei os homens da tribo. Eram dois. Eu expliquei a eles que Abdullan Khan estava morto e que o novo khan ordenara que eu lhes entregasse metade do resgate pedido imediatamente, como um sinal de confiança, prometendo-lhes o restante para quando o piloto estivesse de volta, são e salvo. Eu os mandei para o norte num dos nossos carros, com um motorista de confiança, e mandei que outro carro os seguisse secretamente.
— Você sabe quem são eles, onde é a aldeia deles?
— Eles me disseram que eram curdos, um se chamava Ishmud, o outro Alilah, o chefe deles era al-Drah e a aldeia chama-se Árvore Quebrada e fica ao norte de Khoi. Tenho certeza de que é tudo mentira, Alteza, e embora eles digam que são curdos, não são nada. Eu diria que são apenas nativos, na maioria bandidos.
— Ótimo. Onde você conseguiu o dinheiro para o resgate?
— O khan, seu pai, entregou-me vinte milhões de riais para emergências.
— Traga-me o balanço deste dinheiro antes do pôr-do-sol.
— Sim, Alteza.
— Você está armado? Ahmed ficou perplexo.
— Só estou com a minha faca, Alteza.
— Dê-ma — disse, disfarçando a satisfação por Ahmed ter caído na armadilha que preparara para ele, recebendo a faca das mãos dele. — Eu não lhe disse para não vir armado à minha presença durante um ano e um dia?
— Mas como... como o senhor me devolveu a faca, eu pensei... eu pensei que a faca... — Ahmed calou-se, vendo Hakim de pé em frente a ele segurando corretamente a faca, com os olhos escuros e duros, parecidos com os do pai. Atrás dele, o guarda Ishtar observava boquiaberto. Os pêlos do pescoço de Ahmed se eriçaram. — Perdoe-me, Alteza, por favor, eu pensei que tivesse a sua permissão — disse, realmente amedrontado.
Por um momento, Hakim Khan ficou simplesmente olhando para Ahmed, com a faca na mão, depois deu um golpe de baixo para cima, com grande habilidade, só a ponta da faca atravessou o casaco de Ahmed, tocou em sua pele mas só o suficiente para marcá-lo e tornou a sair na posição perfeita para o golpe fatal. Mas Hakim não deu esse golpe, embora tivesse vontade de ver o sangue jorrar e aquele fosse um bom momento, mas não era o momento perfeito. Ele ainda precisava de Ahmed.
— Eu lhe devolvo o seu... o seu corpo. — E escolheu esta palavra e tudo o que estava implícito nela com grande deliberação. — Intacto, mas só desta vez.
— Sim, Alteza, obrigado, Alteza — murmurou Ahmed, estarrecido por ainda estar vivo, e caiu de joelhos. — Eu... isto nunca mais tornará a acontecer.
— Não, não tornará. Fique aqui. Espere lá fora, Ishtar. — Hakim recostou-se nas almofadas e brincou com a faca, esperando o seu nível de adrenalina baixar, lembrando-se que a vingança era um prato para ser comido frio. — Conte-me tudo o que sabe sobre o soviético, o homem chamado Mzytryk; que poder ele tinha sobre o meu pai e meu pai sobre ele.
Ahmed obedeceu. Contou-lhe o que Hashemi Fazir dissera no 125, o que o khan lhe contara confidencialmente ao longo dos anos, sobre a fazenda perto de Tbilisi que ele também visitara, como o khan entrava em contato com Mzytryk, as palavras em código, o que Hashemi Fazir dissera e ameaçara, o que estava escrito na carta de Mzytryk, e o que ele ouvira e vira há poucos dias.
Hakim bufou de raiva.
— Meu pai ia levar a minha irmã para... ele ia levá-la para essa fazenda e entregá-la a Mzytryk?
— Sim, Alteza, ele ordenou até que eu a mandasse para o norte caso ele tivesse que ir para o hospital em Teerã.
— Mande chamar Mzytryk. Urgentemente. Ahmed, faça isso agora. Imediatamente.
— Sim, Alteza — Ahmed respondeu e tremeu com a violência reprimida do khan. — É melhor que, ao mesmo tempo, o senhor o faça lembrar-se das suas promessas a Abdullah Khan, e lhe diga que o senhor espera que elas sejam cumpridas.
— Sim, muito bem. Você me disse tudo?
— Que eu me lembre, sim — Ahmed respondeu com sinceridade. — Deve haver outras coisas, no devido tempo eu posso contar-lhe todo tipo de segredos, khan de todos os Gorgons, e torno a jurar diante de Deus que vou servi-lo fielmente. — Vou contar-lhe tudo, pensou com fervor, exceto o modo como o khan morreu e que agora, mais do que nunca, eu desejo Azadeh como esposa. De algum modo eu vou fazer com que ele concorde. Ela será a minha única proteção contra você, rebento de Satã.
NOS LIMITES DE TABRIZ: 7:20H. O 212 de Erikki se aproximou em grande velocidade. Todo o tempo, Erikki tinha-se mantido acima das árvores, evitando estradas, campos de aviação, cidades e aldeias, com a mente voltada para Azadeh e para a sua vingança contra o khan, sem pensar em mais nada. Agora, a cidade surgiu subitamente à sua frente. Na mesma hora, ele foi tomado de uma grande inquietação.
— Onde fica o palácio, piloto? — O xeque Bayazid gritou alegremente. — Onde fica?
— No topo da montanha, aga — disse no microfone, uma parte dele desejando acrescentar: É melhor repensarmos tudo isso, decidir se o ataque é aconselhável, e outra parte gritando: Esta é a sua única chance, Erikki, você não pode mudar os planos, mas como é que você vai escapar com Azadeh do palácio e deste bando de maníacos? — Diga aos seus homens para apertarem os cintos de segurança, esperarem até que as pás toquem o chão, diga-lhes para não abrirem os cintos enquanto não estivermos no chão, depois eles se espalham e mande dois deles guardarem o helicóptero e defendê-lo com a própria vida. Eu vou começar a contar de dez para baixo a partir do pouso e... e então irei na frente.
— Onde está o palácio?, não consigo vê-lo.
— Lá no topo da montanha, a um minuto daqui. Fale com eles! — As árvores foram ficando embaçadas à medida que eles se aproximavam delas, Erikki com os olhos presos na garganta no alto da montanha, o horizonte distorcendo-se. — Eu quero uma arma — disse, nervoso com a expectativa.
Bayazid mostrou os dentes.
— Nada de armas até invadirmos o palácio.
— Aí eu não vou mais precisar — disse com um palavrão. — Eu tenho que ter uma...
— Você pode confiar em mim, aliás, você tem que confiar. Onde é este palácio dos Gorgons?
— Lá! — Erikki apontou para o topo que estava bem acima deles. — Dez, nove, oito...
Ele tinha decidido aproximar-se pelo leste, parcialmente oculto pela floresta, com a cidade à sua direita, a garganta protegendo-o. Mais cinqüenta metros. Seu estômago se contraiu.
As rochas cresceram na direção deles. Ele sentiu mais do que viu Bayazid gritar e levantar as mãos para se proteger da batida, mas Erikki passou pela garganta e começou a descer em direção aos muros. No último instante, ele cortou toda a força, passou com o helicóptero a um centímetro do muro, preparando-se para um pouso de emergência, inclinou ligeiramente o aparelho na direção do pátio e deixou-o cair, calculando a queda com perfeição, e desceu, deslizando um pouco e depois parando. Com a mão direita desligou os circuitos, com a esquerda abriu o cinto de segurança e a porta, e foi o primeiro a saltar, correndo para a escada. Bayazid veio logo atrás, as portas da cabine se abriram e os homens começaram a saltar, tropeçando uns nos outros na sua excitação, com as hélices ainda girando e os motores parando.
Quando ele alcançou a porta da frente e a abriu, os empregados e um guarda perplexo vieram correndo para ver que confusão era aquela. Erikki arrancou o rifle das mãos dele e deixou-o desacordado. Os empregados se espalharam e fugiram, alguns reconhecendo-o. O corredor estava limpo.
— Vamos! — gritou, então, quando Bayazid e alguns dos outros se juntaram a ele, correu pelo hall e subiu as escadas. Um guarda esticou a cabeça por cima do corrimão e apontou a arma, mas um dos homens acertou nele. Erikki pulou por cima do cadáver e correu pelo corredor.
Uma porta se abriu lá na frente. Outro guarda apareceu, atirando. Erikki sentiu as balas atravessarem o seu casaco, mas não foi ferido. Bayazid atirou no homem e, juntos, eles avançaram na direção do quarto do khan. Uma vez lá, Erikki abriu a porta com um pontapé. Começaram a atirar lá de dentro mas os tiros não acertaram nele nem no xeque, e sim no homem que estava ao lado dele. Os outros se espalharam em busca de proteção e o homem ferido avançou na direção do seu agressor, levando mais tiros, mas atirando até depois de morto.
Por um segundo ou dois, houve uma trégua, então para surpresa de Erikki, Bayazid atirou uma granada para dentro do quarto. A explosão foi terrível. A fumaça se espalhou pelo corredor. Imediatamente, Bayazid pulou para dentro do quarto, com a arma apontada e Erikki ao seu lado.
O quarto estava em ruínas, as janelas arrancadas, cortinas destroçadas, a cama destruída, os restos de um guarda amontoados contra uma parede. Na alcova que ficava num dos cantos do enorme quarto, meio oculta do resto, havia uma mesa virada, uma empregada gemendo e dois corpos inertes, meio enterrados debaixo da toalha e da louça quebrada. O coração de Erikki parou quando ele reconheceu Azadeh. Em pânico, ele correu e tirou o entulho de cima dela — ao passar, notou que a outra pessoa era Hakim — ergueu-a nos braços, com os cabelos soltos, e levou-a para a luz. Só voltou a respirar quando teve certeza de que ela estava viva — inconsciente, talvez ferida, mas viva. Ela estava usando um roupão de cashmere azul que escondia tudo, mas prometia tudo. Os nativos ficaram embasbacados com a sua beleza. Erikki tirou a jaqueta e envolveu-a com ela, esquecido de tudo.
— Azadeh... Azadeh...
— Quem é este, piloto?
Erikki viu que Bayazid estava ao lado dos destroços.
— Este é Hakim, o irmão da minha esposa. Ele está morto?
— Não. — Bayazid olhou em volta, furioso. Não havia nenhum lugar em volta para o khan se esconder. Seus homens estavam amontoados na porta e ele os xingou, mandando que tomassem posições defensivas de cada lado do corredor e que outros fossem guardar o pátio lá fora. Então ele foi até onde estavam Erikki e Azadeh e olhou para o rosto lívido, os seios e as pernas sob o cashmere.
— Sua esposa?
— Sim.
— Ela não está morta. Que bom.
— Sim, mas só Deus sabe o quanto está ferida. Tenho que chamar um médico...
— Depois, primeiro temos que...
— Agora! Ela pode morrer!
— Seja como Deus quiser, piloto — disse Bayazid e depois gritou, com raiva: — Você disse que conhecia tudo, sabia onde o khan estava. Em nome de Deus, onde está ele?
— Eu não sei. Aqui... aqui era o quarto dele, aga. Eu nunca vi nenhuma outra pessoa aqui, nem mesmo a mulher dele tinha permissão para entrar sem autorização e... Uma rajada de tiros lá fora o interrompeu. — Ele tem que estar aqui, já que Hakim e Azadeh estão aqui.
— Onde? Onde ele poderia esconder-se?
Nervoso, Erikki olhou em volta, ajeitou Azadeh o melhor que pôde e correu até a janela — elas tinham grades e o khan não poderia ter fugido por ali. De lá, um canto bem protegido do palácio, ele não podia ver o pátio nem o helicóptero, só os jardins e pomares e a cidade a um quilômetro de distância, lá embaixo. Ainda não havia outros guardas ameaçando-os. Quando ele se virou, notou um movimento na alcova, viu a automática, empurrou Bayazid, tirando-o do caminho da bala que o teria matado, e precipitou-se para Hakim, que estava deitado no meio do entulho. Antes que os outros homens pudessem reagir, ele imobilizou o rapaz, tirou-lhe a arma da mão e gritou com ele, tentando fazê-lo entender:
— Você está seguro, Hakim, sou eu, Erikki, nós somos amigos, viemos salvar você e Azadeh do khan... viemos salvá-los!
— Salvar-me... salvar-me de quê? — Hakim estava olhando para ele sem entender, ainda tonto, com o sangue pingando de um pequeno ferimento na cabeça. — Salvar?
— Do khan e... — Erikki viu o seu olhar de terror, virou-se a agarrou o cano do rifle de Bayazid bem a tempo. — Espere, aga, espere, não é culpa dele, ele ainda está tonto... espere... ele estava apontando para mim, não para você, espere, ele vai nos ajudar. Espere!
— Onde está Abdullah Khan? — gritou Bayazid, com os homens em volta dele, as armas apontadas e prontos para matar. — Diga-me logo ou vocês são homens mortos!
E quando Hakim não respondeu imediatamente, Erikki exclamou:
— Pelo amor de Deus, Hakim, diga-lhe onde ele está ou seremos todos mortos.
— Abdullah Khan está morto, ele está morto... morreu na noite passada... não, há duas noites atrás. Cerca de meia-noite... — disse Hakim com a voz fraca e eles o olharam incrédulos, sua mente estava voltando aos poucos ao normal e ele ainda não podia entender por que estava deitado ali, com a cabeça latejando, sem sentir as pernas, com Erikki segurando-o, se Erikki tinha sido raptado por nativos, se ele estava tomando café com Azadeh, depois tiros e ele correndo para se proteger, os guardas atirando e depois a explosão e metade do resgate tinha sido paga.
De repente, sua mente clareou.
— Em nome de Deus — exclamou. Tentou levantar-se mas não conseguiu. — Erikki, em nome de Deus, por que vocês me atacaram, metade do seu resgate já foi pago... por quê?
Erikki se levantou, furioso.
— Não houve nenhum pagamento, a garganta do mensageiro foi cortada, Abdullah Khan mandou cortar a garganta do homem!
— Mas o resgate... a metade foi paga. Ahmed fez isto ontem à noite.
— Paga? Paga a quem? — Bayazid perguntou furioso. — Que mentiras são essas?
— Não são mentiras, a metade foi paga a noite passada, foi paga pelo novo khan como... como um ato de confiança pelo... pelo erro cometido contra o mensageiro. Diante de Deus, eu juro. A metade foi paga!
— Mentira — Bayazid respondeu furioso e apontou o revólver para ele. — Onde está o khan?
— Não é mentira! Eu mentiria diante de Deus? Eu lhe digo, por Deus! Mande chamar Ahmed, mande chamar o homem que se chama Ahmed, ele pagou.
Um dos nativos gritou alguma coisa, Hakim empalideceu e repetiu em turco:
— Em nome de Deus, metade do resgate já foi paga! Abdullah Khan está morto! Ele está morto e metade do resgate já foi paga. — Um murmúrio de espanto percorreu o quarto. — Mande chamar Ahmed, ele lhes dirá a verdade. Por que vocês estão nos atacando? Não há razão para isso!
Erikki intercedeu:
— Se Abdullah Khan está morto e metade já foi paga, aga, e a outra metade prometida, então a sua honra está vingada, aga, por favor, faça o que Hakim está pedindo, mande chamar Ahmed, ele lhe dirá a quem pagou e como.
Havia muito medo agora no quarto, Bayazid e seus homens não estavam gostando daquele confinamento, queriam estar ao ar livre, queriam estar nas montanhas, longe daquelas pessoas e daquele lugar horrível, sentindo-se traídos. Mas se Abdullah Khan estava morto e metade tinha sido paga...
— Piloto, vá buscar Ahmed — disse Bayazid — e lembre-se, se me trair, encontrará a sua mulher desfigurada. — E arrancou a automática da mão de Erikki. — Vá buscá-lo!
— Sim, sim, é claro.
— Erikki, primeiro me ajude. — Hakim falou com a voz fraca e rouca.
Erikki estava tentando compreender aquilo tudo enquanto o erguia e colocava no sofá ao lado de Azadeh. Ambos viram o seu rosto pálido, mas também notaram a sua respiração regular.
— Graças a Deus — murmurou Hakim.
Então, mais uma vez, Erikki se viu num pesadelo, saindo do quarto, desarmado, indo até o alto da escada, gritando para Ahmed não atirar:
— Ahmed, Ahmed, preciso falar com você, estou sozinho...
Agora ele estava lá embaixo e ainda sozinho, sem ter levado nenhum tiro. Mais uma vez ele gritou por Ahmed, mas suas palavras ecoaram nas paredes e ele vagou pelas salas vazias, todo mundo tinha desaparecido, e então enfiaram-lhe um revólver na cara e outro nas costas. Ahmed e um guarda, ambos nervosos.
— Ahmed, rápido — exclamou — é verdade que Abdullah Khan está morto e que há um novo khan e que metade do resgate foi paga?
Ahmed ficou olhando para ele.
— Pelo amor de Deus, é verdade?
— Sim, sim, é verdade. Mas...
— Rápido, você tem que dizer a eles! — E sentiu uma onda de alívio, pois não tinha acreditado muito em Hakim. — Rápido, eles vão matá-lo e matar Azadeh. Vamos!
— Então o... então eles não estão mortos?
— Não, é claro que não. Vamos!
— Espere. O que disse o... Sua Alteza, exatamente?
— Que diferença faz...
Ele enfiou o revólver na cara de Erikki.
— O que foi que ele disse exatamente!
Erikki vasculhou a memória e repetiu o melhor que pôde, depois acrescentou:
— Agora, pelo amor de Deus, vamos!
Para Ahmed, o tempo parou. Se ele fosse com o infiel, provavelmente morreria, Hakim Khan morreria, sua irmã morreria e o infiel, que era o responsável por toda aquela confusão, provavelmente escaparia com os malditos nativos. Mas por outro lado, se eu conseguir convencê-los a deixar o khan e sua irmã vivos, convencê-los a sair do palácio, terei provado a minha lealdade sem sombra de dúvida, para o khan e para ela, e posso matar o piloto mais tarde. Ou posso matá-lo agora e fugir facilmente e ficar vivo — mas como um fugitivo, desprezado por todos, como aquele que traiu o seu khan. Insha'Allah.
— Seja como Deus quiser. — E deu um sorriso. Tirou a faca e entregou-a, junto com o revólver, para o guarda apavorado e saiu andando.
— Espere — disse Erikki. — Diga ao guarda para mandar buscar um médico. Urgente. Hakim e minha esposa... eles podem estar feridos.
Ahmed deu a ordem ao guarda, atravessou o corredor e subiu as escadas. Lá em cima, os nativos o revistaram rudemente para ver se ele estava armado e depois o escoltaram até o quarto do khan, empurrando-o para dentro e segurando Erikki na porta, com uma faca encostada na garganta — e quando Ahmed viu que o seu khan estava mesmo vivo, sentado nas almofadas ao lado de Azadeh, que ainda estava inconsciente, murmurou:
— Graças a Deus — e sorriu para ele. — Alteza — falou calmamente — mandei buscar um médico. — Então viu Bayazid.
— Eu sou Ahmed Dursak, o Turcomano — disse orgulhosamente, falando em turco com grande formalidade. — Em nome de Deus: é verdade que Abdullah Khan está morto, é verdade que eu paguei metade do resgate, cinco milhões de riais, na noite passada, da parte do novo khan, a dois mensageiros do chefe al-Drah da aldeia da Árvore Quebrada, como um ato de confiança por causa da desonra imerecida do seu mensageiro, ordenada pelo falecido Abdullah Khan. Seus nomes eram Ishmud e Alilah e eu os mandei para o norte num bom carro. — Um murmúrio de espanto percorreu o quarto. Não podia haver nenhum erro, porque todos conheciam os nomes falsos, nomes de código, dados para proteger a aldeia e a tribo. — Eu disse a eles, em nome do novo khan, que a outra metade seria paga assim que o piloto e seu aparelho fossem entregues em segurança.
— Onde está este novo khan, se é que ele existe? — disse Bayazid, com desprezo. — Deixe-o falar por si mesmo.
— Eu sou o khan de todos os Gorgons — disse Hakim e fez-se um súbito silêncio. — Hakim Khan, filho mais velho de Abdullah Khan.
Todos os olhos se voltaram para Bayazid, que percebeu a surpresa no rosto de Erikki. Ele resmungou, inseguro.
— Só porque você está dizendo isso não significa que...
— Você está me chamando de mentiroso na minha própria casa?
— Eu só estou dizendo para esse homem — e Bayazid fez um gesto com o polegar na direção de Ahmed — que só pelo fato dele estar dizendo que pagou o resgate, metade do resgate, isto não exclui a possibilidade dele ter pago e depois ter armado uma emboscada para os homens e os matado, como fez com o meu outro mensageiro, por Deus!
— Eu lhe disse a verdade, diante de Deus, e torno a repetir, diante de Deus, que os mandei para o norte, em segurança e com o dinheiro. Dê-me uma faca, pegue outra e eu vou mostrar-lhe o que um turcomano faz com quem o chama de mentiroso! — Os nativos ficaram horrorizados por seu líder ter-se colocado numa posição tão ruim. — Você está chamando a mim e ao meu khan de mentirosos?
No silêncio que se fez, Azadeh se mexeu e gemeu, distraindo-os. Imediatamente, Erikki fez menção de ir até ela, mas a faca do nativo não se afastou de onde estava, o nativo praguejou e Erikki ficou quieto. Houve mais um gemido que quase o enlouqueceu, então ele viu Hakim se aproximar da irmã com dificuldade e segurar-lhe a mão e isso o acalmou um pouco.
Hakim estava com medo, sentindo dores pelo corpo todo, sabendo que estava tão indefeso quanto ela e precisando urgentemente de um médico; que Ahmed estava ameaçado, Erikki impotente, sua própria vida ameaçada e o seu khanato em ruínas. Mesmo assim, ele conseguiu recuperar a coragem. Eu não derrotei Abdullah Khan, Najoud e Ahmed para deixar que estes cães saiam vitoriosos! Ele levantou o rosto e olhou implacavelmente para Bayazid.
— Bem, você está dizendo que Ahmed é mentiroso. Sim ou não? — disse severamente em turco, de modo que todos pudessem entender e Ahmed amou-o por sua coragem. Todos os olhos agora estavam em Bayazid. — Um homem deve responder a esta pergunta. Você o está chamando de mentiroso?
— Não — murmurou Bayazid. — Ele falou a verdade, eu aceito como verdade. — Alguém disse "Insha'Allah", os dedos soltaram os gatilhos mas o nervosismo não abandonou o quarto.
— Seja como Deus quiser. — disse Hakim, disfarçando o alívio, e continuou a falar, cada vez mais senhor de si. — Mais briga não vai adiantar nada. Então, metade do resgate já foi paga e a outra metade estava prometida para quando o piloto fosse libertado. O... — Ele parou tomado por uma onda de náusea, mas dominou-a, desta vez com mais facilidade. — O piloto está aqui são e salvo, bem como o seu aparelho. Portanto, eu vou pagar o resto imediatamente.
Ele viu os olhares cobiçosos e prometeu a si mesmo vingar-se de todos eles.
— Ahmed, as jóias de Najoud estão em algum lugar perto daquela mesa. — Ahmed abriu caminho arrogantemente por entre os nativos e começou a procurar no meio do entulho a bolsa de couro. Hakim estava mostrando as jóias para Azadeh na hora em que começou o ataque, dizendo-lhe alegremente que as jóias faziam parte da herança da família, que Najoud tinha admitido tê-las roubado e, arrependida, as havia entregue a ele antes de partir.
— Estou contente por você não ter cedido, Hakim, muito contente — Azadeh tinha dito. — Você nunca estaria seguro com ela e os filhos por perto.
Eu nunca mais estarei seguro, ele pensou sem medo, observando Ahmed. Estou satisfeito por ter deixado Ahmed inteiro, pensou, e satisfeito por termos tido o juízo, Azadeh e eu, de ficar na alcova, protegidos pela parede quando o tiroteio começou. Se nós estivéssemos aqui nesta parte do quarto...
Insha'Allah. Seus dedos seguraram o pulso dela e o calor o agradou, sua respiração ainda era regular
— Graças a Deus — murmurou, e então viu os homens ameaçando Erikki.
— Você — disse apontando imperiosamente para um deles — largue o piloto!
— Espantado, o homem rude e barbado olhou para Bayazid que fez um sinal positivo com a cabeça. Imediatamente, Erikki aproximou-se de Azadeh, ajeitou o suéter pesado que estava usando para poder ter um acesso mais fácil à faca presa no meio das costas e depois ajoelhou-se, segurando a mão dela e ficando de frente para Bayazid, protegendo a ela e a Hakim com o seu corpo.
— Alteza! — Ahmed entregou a bolsa a Hakim Khan. Sem pressa, ele a abriu, despejando as jóias nas mãos. Esmeraldas, diamantes e safiras, co-lares, braceletes, pingentes. Os homens suspiraram. Criteriosamente, Hakim escolheu um colar de rubis que valia 10 ou 15 milhões de riais, fingindo não notar que todos os olhos estavam fixos nas jóias nem que um cheiro quase físico de cobiça invadira o quarto. Abruptamente, ele descartou os rubis e escolheu um pingente que valia duas ou três vezes mais.
— Tome — disse, ainda falando em turco —, aqui está o resto do pagamento. — E levantou o pingente de diamante e ofereceu-o a Bayazid que, hipnotizado pelo fulgor da única pedra, aproximou-se com a mão estendida. Mas antes que ele pudesse apanhá-lo, Hakim fechou a mão. — Diante de Deus, você aceita isto como pagamento integral?
— Sim... sim, como pagamento intregal, diante de Deus — Bayazid murmurou, sem acreditar que Deus lhe tivesse concedido tamanha riqueza, o bastante para comprar rebanhos e armas e granadas e sedas e roupas quentes. Ele estendeu a mão — eu juro por Deus!
— E você sairá daqui imediatamente, em paz, diante de Deus? — Bayazid tentou não pensar nas jóias.
— Primeiro nós temos que chegar à nossa aldeia, aga, nós precisamos da máquina e do piloto.
— Não, por Deus, o resgate é pelo aparelho e pelo piloto, nada mais. — Hakim abriu a mão, sem tirar os olhos de Bayazid, que agora só enxergava a pedra. — Jura por Deus?
Bayazid e seus homens olhavam fixamente para a pedra que brilhava sobre a mão estendida.
— O que... o que me impede de levar tudo isso, tudo — disse truculentamente —, o que me impede de matá-lo? Matá-lo e pôr fogo no palácio e levá-la como refém para forçar o piloto, hein?
— Nada. Exceto a honra. Os curdos não têm honra? — Hakim respondeu enquanto pensava, como isto é excitante, o prêmio é a vida e o fracasso significa a morte. — Isto aqui é um pagamento mais do que justo.
— Eu... eu aceito isto diante de Deus como pagamento pelo piloto e... e pelo aparelho. — Bayazid tirou os olhos da pedra. — Pelo piloto e pelo aparelho. Mas e por você, por você e pela mulher... — O suor escorria pelo rosto dele. Tanta riqueza ali, sua mente estava gritando, tanta, tão fácil mas há a questão da honra. — Por você e pela mulher também deveria haver um bom resgate.
Lá fora alguém deu partida em um carro. Os homens correram para a janela destruída. O carro estava se afastando em direção ao portão principal e enquanto eles olhavam, o carro saiu em direção à cidade.
— Rápido — Bayazid disse para Hakim —, decida-se.
— A mulher não vale nada — disse Hakim, com medo da mentira, consciente de que tinha que negociar ou então estariam perdidos. Ele escolheu um bracelete de rubis e ofereceu-lhe. — De acordo?
— Para você a mulher pode não ter valor, mas tem para o piloto. O bracelete e o colar, aquele ali, e mais o bracelete com as pedras verdes.
— Por Deus, isto é demais — Hakim explodiu — este bracelete é mais do que suficiente. Vale mais do que o piloto e o aparelho!
— Filho de um cão! Este aqui, o colar e aquele outro bracelete, aquele com as pedras verdes.
Eles continuaram a discutir, cada vez mais zangados, com todo mundo ouvindo atentamente, exceto Erikki, que ainda estava preso no seu inferno particular, preocupado apenas com Azadeh, imaginando onde estaria o médico e como ele poderia ajudar a ela e a Hakim. Acariciando-lhe os cabelos, foi ficando cada vez mais nervoso na medida em que os homens trocavam insultos cada vez mais violentos. Então Hakim achou que estava na hora e deu um gemido que também fazia parte do jogo da barganha.
— Você é um negociador bom demais para mim, por Deus! Assim você vai me deixar na miséria! Esta é a minha última oferta! — Ele pôs o bracelete de diamantes, o menor dos colares de esmeraldas e o pesado bracelete de ouro no tapete. — Estamos de acordo?
Agora a oferta era justa, não tanto quanto Bayazid queria, mas muito mais do que tinha esperado.
— Sim — ele disse e ergueu o seu prêmio e a alegria invadiu o quarto. — Você jura por Deus que não vai nos perseguir? Que não vai nos atacar?
— Sim, juro por Deus.
— Ótimo. Piloto, eu preciso que você nos leve para casa... — Bayazid disse em inglês, e vendo a raiva no rosto de Hakim, acrescentou apressadamente: — Estou pedindo e não mandando, aga. Tome — e ofereceu o bracelete de ouro a Erikki. — Eu quero contratar os seus serviços, aqui está o paga... — Ele parou e se virou quando um dos seus homens, que estava guardando o pátio, gritou:
— Há um carro vindo da cidade! — Bayazid estava suando cada vez mais.
— Piloto, eu juro por Deus que não lhe farei mal.
— Não posso levá-lo — disse Erikki — não tenho gasolina suficiente.
— Então só até a metade do caminho, só até a meta...
— A gasolina não é suficiente.
— Então leve-nos apenas até as montanhas. É só um pedacinho. Estou pedindo. Pedindo, não mandando — Bayazid disse e depois acrescentou: — Pelo Profeta, eu os tratei de maneira justa e... e não a molestei. Estou lhe pedindo.
Todos tinham notado a ameaça velada que havia nas suas palavras e Erikki sabia como era frágil aquela história de "honra " e de "diante de Deus", que desapareceria com a primeira bala, e sabia que agora dependia dele consertar o desastre que tinha causado com aquele ataque, perseguindo um khan que já estava morto, com um resgate já pago pela metade, e agora Azadeh estava ali, ferida, e Hakim quase tinha morrido. Decididamente, ele tocou nela mais uma vez, olhou para o khan e depois balançou a cabeça, ergueu-se e agarrou o rifle que estava na mão do nativo mais próximo.
— Eu aceito a sua palavra diante de Deus e o matarei se você tentar me enganar. Vou deixá-lo ao norte da cidade, nas montanhas. Todos para o helicóptero. Diga a eles!
Bayazid detestou a idéia de uma arma nas mãos daquele monstro vingativo. Nenhum de nós esqueceu que fui eu que atirei a granada que talvez tenha matado um huri, ele pensou. Insha'Allah! Rapidamente, ele ordenou a retirada. Levando o corpo do companheiro morto, eles se retiraram.
— Piloto, nós vamos sair todos juntos. Obrigado, aga, Hakim Khan, que Deus esteja com você — disse e recuou em direção à porta, com a arma preparada. — Vamos!
Erikki levantou a mão em despedida para Hakim, cheio de angústia pelo que tinha causado.
— Sinto muito..
— Que Deus esteja com você, Erikki, e volte são e salvo. — respondeu Hakim e Erikki sentiu-se melhor com isso. — Ahmed, vá com ele, ele não pode pilotar e usar uma arma ao mesmo tempo. Cuide para que ele volte são e salvo. — Sim, pensou friamente, eu ainda tenho contas a ajustar com ele pelo ataque ao meu palácio!
— Sim, Alteza, obrigado, piloto — Ahmed apanhou a arma que estava com Erikki, verificou se estava carregada, depois sorriu de lado para Bayazid.
— Por Deus e pelo Profeta, cujo nome seja louvado, que ninguém tente nos enganar. — Educadamente, fez sinal para Erikki passar e saiu atrás dele. Bayazid saiu por último.
NA SUBIDA PARA O PALÁCIO: 11:05H. O carro da polícia subia pela estrada sinuosa em direção aos portões, seguido de outros carros e de um caminhão do exército cheio de soldados. Hashemi Fazir e Armstrong estavam no banco de trás do carro que ia na frente e que entrou derrapando pelo portão e parou no pátio, onde já havia uma ambulância estacionada. Eles saltaram e seguiram o guarda até o salão. Hakim Khan esperava por eles no seu lugar de honra, pálido e abatido mas imponente, cercado de guardas, na parte do palácio que não fora atingida.
— Alteza, graças a Deus o senhor não foi ferido. Nós acabamos de saber do ataque. Posso apresentar-me? Eu sou o coronel Hashemi Fazir do Serviço Secreto e este é o superintendente Armstrong, que vem nos assessorando há muitos anos e é especialista em certas áreas que poderiam interessá-lo, aliás, ele fala farsi. O senhor poderia contar-nos o que aconteceu? — Os dois homens escutaram atentamente enquanto Hakim Khan contava a sua versão do ataque. Eles já tinham ouvido alguns detalhes, ambos impressionados com o seu porte.
Hashemi tinha ido preparado. Antes de deixar Teerã na véspera à noite, ele examinara meticulosamente a ficha de Hakim. Durante anos, ele e a Savak o haviam mantido sob vigilância em Khoi:
— Eu sei quanto ele deve e a quem, Robert, quais os favores que deve e a quem, o que gosta de comer e de ler, sua habilidade com um revólver, um piano e uma faca, sei de todas as mulheres e garotos com quem foi para a cama. Armstrong tinha rido.
— E quanto às suas tendências políticas?
— Ele não tem nenhuma. É inacreditável mas é verdade. Ele é iraniano, do Azerbeijão, e mesmo assim não se juntou a nenhum grupo, não tomou nenhum partido e nunca disse nada que fosse nem um pouco sedicioso, nem mesmo contra Abdullah Khan. E Khoi foi sempre um ninho de cobras.
— Religião?
— Xiita, mas calmo, consciencioso, ortodoxo, nem de direita nem de esquerda. Desde que foi banido, não, isto não é verdade, desde os sete anos, quando sua mãe morreu e ele e a irmã foram morar no palácio, ele tem sido uma pena agitada por um simples sopro do seu pai, esperando, amedrontado, por um desastre inevitável. Seja como Deus quiser, mas é um milagre que ele seja o khan, um milagre que aquele filho de um cão tenha morrido sem fazer mal a ele e à irmã. Estranho! Num momento ele está com a vida ameaçada, no outro passa controlar uma riqueza incomensurável, um poder incomensurável, e eu tenho que lidar com ele.
— Isto deve ser fácil, se o que você disse é verdade.
— Você está desconfiado como sempre. Será esta a força dos ingleses?
— É apenas uma lição aprendida por um velho tira ao longo dos anos. Hashemi tinha sorrido consigo mesmo e tornou a fazê-lo agora, concentrando-se no rapaz, khan de todos os Gorgons, que estava diante dele, observando-o atentamente, estudando-o em busca de pistas. Quais são os seus segredos? Você tem que ter algum segredo!
— Alteza, há quanto tempo o piloto partiu? — perguntava Armstrong. Hakim consultou o relógio.
— Há cerca de duas horas e meia.
— Ele disse quanto combustível havia no aparelho?
— Não, disse apenas que os levaria até um certo ponto e os deixaria lá.
Hashemi e Robert Armstrong estavam parados diante da plataforma elevada com seus ricos tapetes e almofadas onde estava Hakim Khan, vestido formalmente com brocados, um fio de pérolas em volta do pescoço, com um pingente de diamante quatro vezes maior do que o que ele trocara pela vida deles.
— Talvez — Hashemi disse delicadamentre — talvez, Alteza, o piloto estivesse mancomunado com os curdos e não volte.
— Não, e eles não eram curdos embora afirmassem sê-lo, eram apenas bandidos comuns e raptaram Erikki e o obrigaram a atacar o khan, meu pai. — O jovem khan franziu a testa e depois disse com firmeza: — O khan, meu pai, não deveria ter mandado matar o mensageiro deles. Ele deveria ter tentado baixar o preço do resgate, pagar, e depois matá-los pela sua impertinência.
Hashemi pegou a deixa.
— Eu providenciarei para que eles sejam apanhados.
— E todos os meus bens recuperados.
— É claro. Existe alguma coisa que eu e o meu departamento possamos fazer pelo senhor? — Ele estava observando o rapaz atentamente e viu, ou achou que viu, um certo ar de desprezo e isso o intrigou. Neste momento, a porta se abriu e Azadeh entrou. Ele nunca fora apresentado a ela, embora a houvesse visto muitas vezes. Ela deveria pertencer a um iraniano, pensou, não a um maldito estrangeiro. Como ela consegue agüentar aquele monstro? Ele não notou que Hakim o estava observando com a mesma atenção. Armstrong sim, pois observava o khan disfarçadamente.
Ela estava vestida com roupas ocidentais, de um tom verde-acinzentado que combinava com os seus olhos verdes, meias compridas e sapatos macios. Seu rosto estava muito pálido e ligeiramente maquilado. Ela caminhava vagarosamente e com uma certa dificuldade, mas inclinou-se diante do irmão com um sorriso doce.
— Desculpe interromper, Alteza, mas o médico me pediu para lembrá-lo de que deve repousar. Ele está indo embora, você gostaria de falar com ele?
— Não, não, obrigado. Você está bem?
— Oh, sim, — ela disse e forçou um sorriso. — Ele disse que estou bem.
— Posso apresentar-lhe o coronel Hashemi Fazir e o sr. Armstrong, superintendente Armstrong — Sua Alteza, minha irmã, Azadeh.
Eles a cumprimentaram e ela respondeu.
— Superintendente Armstrong? — Ela disse em inglês, franzindo a testa. — Eu não me lembro do título, mas nós já nos encontramos antes, não?
— Sim, Alteza, uma vez, no Clube Francês, no ano passado. Eu estava com o sr. Talbot, da embaixada britânica, e com um amigo do seu marido da embaixada da Finlândia, Christian Tollonen. Acho que era aniversário do seu marido.
— O senhor tem boa memória, superintendente. Hakim Khan deu um sorriso estranho.
— Esta é uma das características do M16, Azadeh.
— Só dos ex-policiais, Alteza — disse Armstrong. — Eu sou apenas um consultor do Serviço Secreto. — E dirigindo-se a Azadeh: — Eu e o coronel Fazir ficamos muito aliviados ao saber que nem a senhora nem o khan estavam feridos.
— Obrigada — ela disse, com os ouvidos e a cabeça ainda doendo muito e com problemas nas costas. O médico tinha dito: "Teremos que esperar alguns dias, Alteza, apesar de que iremos radiografá-los o mais cedo possível. É melhor a senhora e o khan irem para Teerã, eles têm um equipamento melhor. Com uma explosão como aquela nunca se sabe, Alteza, é melhor ir, eu não gostaria de ser responsável..."
Azadeh suspirou.
— Por favor, desculpe interromper — ela se calou abruptamente, escutando, com a cabeça ligeiramente inclinada. Eles também escutaram. Era só o vento e um carro ao longe.
— Ainda não é desta vez — disse Hakim, bondosamente. Ela tentou sorrir e murmurou:
— Seja como Deus quiser — e depois saiu. Hashemi quebrou o silêncio.
— Nós também deveríamos deixá-lo, Alteza — disse com deferência, falando em farsi outra vez. — Foi muita bondade sua receber-nos hoje. Talvez pudéssemos voltar amanhã? — Ele viu o jovem khan tirar os olhos da porta e olhar para ele por baixo das sobrancelhas escuras, com o rosto bonito e em repouso, os dedos brincando com o punhal cravejado de pedras que trazia na cintura. Ele deve ser feito de gelo, pensou, esperando educadamente que ele os despachasse.
Mas ao invés disto, o khan despachou todos os guardas, exceto um que estava parado na porta, de onde não podia ouvir a conversa, e fez sinal para os dois homens chegarem mais perto.
— Agora nós vamos falar em inglês. O que é que vocês desejam realmente pedir-me? — Ele disse baixinho.
Hashemi suspirou, certo de que Hakim Khan já sabia, e mais certo agora de que aqui ele tinha um adversário ou um aliado à altura.
— Ajuda em duas questões, Alteza: a sua influência no Azerbeijão poderia ajudar-nos imensamente a derrotar elementos hostis que estão rebelados contra o governo.
— E a segunda?
Ele percebeu o tom de impaciência e isso o divertiu.
— A segunda é um tanto delicada, Alteza. Ela diz respeito a um soviético chamado Petr Oleg Mzytryk, um conhecido do seu pai que, há alguns anos costuma vir aqui de vez em quando, assim como Abdullah Khan costumava visitar a sua fazenda em Tbilisi. Apesar de Mzytryk se fazer passar por amigo de Abdullah Khan e do Azerbeijão, na realidade ele é um membro muito graduado da KGB e muito hostil.
— De cada cem soviéticos que vêm para o Irã, 98 são da KGB e portanto inimigos, e os outros dois são da GRU e portanto inimigos. Como khan, o meu pai tinha que lidar com todo o tipo de inimigos — mais uma vez Hashemi notou o sorriso irônico — e com todo o tipo de amigos e também com o meio-termo. E então?
— Nós gostaríamos muito de entrevistá-lo. — Hashemi esperou alguma reação, mas não houve nenhuma e a sua admiração pelo rapaz aumentou. — Antes de Abdullah Khan morrer, ele tinha concordado em nos ajudar. Através dele, nós soubemos que o homem tencionava atravessar a fronteira secretamente no sábado passado e de novo na terça-feira, mas das duas vezes ele não apareceu.
— E como ele irá atravessar a fronteira?
Hashemi contou-lhe, sem saber ao certo quanto ele sabia, experimentando o terreno com grande cautela.
— Nós achamos que o homem pode entrar em contato com o senhor; neste caso, o senhor poderia por favor nos avisar? Em particular.
Hakim Khan decidiu que estava na hora de pôr este inimigo teerani e o seu lacaio inglês no seu devido lugar. Filho de um cão, será que eu sou tão ingênuo a ponto de não saber o que está acontecendo?
— Em troca de quê? — perguntou bruscamente. Hashemi foi igualmente brusco.
— O que o senhor quer?
— Primeiro: que todos os oficiais graduados da Savak e da polícia no Azerbeijão sejam suspensos imediatamente, aguardando uma revisão, que será feita por mim, e que todos os que forem designados daqui para a frente sejam submetidos à minha aprovação prévia.
Hashemi enrubesceu. Nem mesmo Abdullah Khan jamais pedira isso.
— E qual é a segunda coisa? — perguntou secamente.
Hakim Khan riu.
— Bom, muito bem, aga. A segunda coisa vai esperar até amanhã ou depois, bem como a terceira e talvez a quarta. Mas quanto ao seu primeiro ponto, amanhã às dez horas, traga-me um relatório dizendo como eu poderia ajudar a parar com toda a luta no Azerbeijão e como você, pessoalmente, se estivesse ao seu alcance, como você iria... — Ele pensou por um momento e depois continuou: — Como nos poria a salvo dos inimigos internos e externos. — Ele desviou a sua atenção para Armstrong.
Armstrong estava desejando que a discussão continuasse para sempre, extasiado por estar tendo a oportunidade de assistir em primeira mão a este novo khan enfrentando um adversário tão duro quanto Hashemi. Minha nossa, se este garoto consegue agir com tanta confiança assim dois dias depois de se tornar khan, depois de ter sido quase desintegrado por uma explosão há poucas horas atrás, é melhor que o governo de Sua Majestade o coloque no topo da lista dos elementos perigosos. Ele viu os olhos fixos nele. Com esforço, manteve o rosto calmo, resmungando por dentro: Agora é sua vez!
— Quais as áreas de sua especialidade que poderiam interessar-me?
— Bem, Alteza, eu, ahn, trabalhei no Special Branch e entendo um pouco de espionagem e contra-espionagem. É claro que boas informações, informações confidenciais são essenciais para alguém na sua posição. Se o senhor quisesse, talvez eu pudesse, junto com o coronel Fazir, sugerir maneiras de melhorar isto para o senhor.
— Uma boa idéia, sr. Armstrong. Por favor, mande-me as suas sugestões por escrito, o mais cedo possível.
— Seria um prazer. — Armstrong decidiu jogar. — Mzytryk poderia fornecer-lhe rapidamente um bocado de respostas, a maioria das respostas que o senhor precisa acerca dos inimigos "internos e externos" que o senhor mencionou, especialmente se o coronel pudesse, ahn, conversar com ele em particular. — As palavras ficaram pairando no ar. Ele viu Hashemi arrastar os pés nervosamente ao seu lado. Eu aposto a minha vida como você sabe mais do que diz, Hakim, meu rapaz, e aposto os meus testículos como você não passou todos esses anos sendo apenas uma maldita "pena"! Cristo estou precisando de um cigarro!
Os olhos de Hakim estavam cravados nele e teria adorado poder dizer. Pelo amor de Deus, pare com toda esta besteira e mije ou saia do pinico... Então imaginou este khan de todos os Gorgons mijando no assento de uma privada, com tudo pendurado para fora, e teve que tossir para não rir.
— Desculpe — disse, tentando parecer humilde. Hakim Khan franziu a testa.
— E como eu poderia ter acesso a essas informações? — perguntou, e os dois homens viram que ele estava fisgado.
— Como o senhor quiser, Alteza — disse Hashemi —, como o senhor quiser.
Houve outra pausa.
— Eu vou pensar no que... Hakim parou, escutando. Agora todos eles ouviram o barulho das hélices e dos motores. Os dois homens se dirigiram para as janelas altas. — Esperem — disse Hakim. Um de vocês, por favor, me ajude.
Perplexos, eles o ajudaram a se levantar.
— Obrigado. Assim está melhor. São as minhas costas. Eu devo ter dado um mau jeito nelas durante a explosão. — Hashemi ofereceu-lhe o braço e ele foi mancando até a janela que dava para o pátio.
O 212 se aproximava devagar, preparando-se para pousar. Quando o aparelho se aproximou, eles viram Erikki e Ahmed nos assentos da frente, mas Ahmed estava curvado e claramente ferido. Havia alguns buracos de bala no aparelho e um grande naco fora arrancado da janela lateral. O aparelho fez um pouso perfeito. No mesmo instante os motores começaram a parar. Eles viram o sangue na manga e no colarinho de Erikki.
— Cristo — murmurou Armstrong.
— Coronel — disse Hakim, com urgência, para Hashemi — veja se consegue evitar que o médico saia. — Na mesma hora, Hashemi saiu.
De onde estavam, eles podiam ver os degraus da frente. A enorme porta se abriu e Azadeh saiu e ficou ali parada por um instante, imóvel, com outras pessoas se juntando a ela, guardas, empregados e algumas pessoas da família. Erikki abriu a porta e saltou com dificuldade. Ele se dirigiu para ela com um ar de cansaço. Mas o seu andar era firme e um segundo depois ela estava em seus braços.
NA CIDADE DE KOWISS: 12:10H. Ibrahim Kyabi aguardava impacientemente que o mulá Hussein saísse da mesquita e viesse para a praça apinhada de gente. Ele estava encostado na fonte em frente à enorme porta, abraçado ao saco de lona que ocultava o seu M16 pronto para atirar. Seus olhos estavam vermelhos de cansaço, todo o seu corpo doía em conseqüência da viagem de quase seiscentos quilômetros de Teerã até Kowiss.
Ele reparou num europeu alto caminhando no meio da multidão. O homem seguia um Faixa Verde e usava roupas escuras, casaco e gorro. Ele viu os dois contornarem a mesquita e desaparecerem no beco que ficava ao lado. Ali perto ficava a entrada do bazar. Sua obscuridade, calor e segurança o fizeram sentir-se tentado a sair do frio.
— Insha'Allah — murmurou automaticamente, depois lembrou a si mesmo que deveria parar de usar essa expressão, agasalhou-se melhor com o velho sobretudo e recostou-se mais confortavelmente na fonte que, quando o gelo do inverno derretesse, mais vez jorraria para que os passantes pudessem beber e lavar as mãos e o rosto antes de entrar para rezar.
— Como é este mulá Hussein? — tinha perguntado ao vendedor de rua que lhe servia uma porção de horisht de feijão que fervia num enorme caldeirão. Era de manhã e ele tinha acabado de chegar, depois de uma série interminável de atrasos, 15 horas depois do previsto. — Como é ele?
O homem era velho e desdentado e deu de ombros.
— Um mulá.
Um outro freguês, que estava perto, praguejou.
— Você merece ser torturado! Não ouça o que ele diz, forasteiro, o mulá Hussein é um verdadeiro líder do povo, um homem de Deus, que possui apenas uma arma e munição para matar os inimigos de Deus. — Outros fregueses se juntaram ao rapaz de barba e contaram a ele sobre a tomada da base aérea.
— O nosso mulá é um verdadeiro seguidor do imã, ele vai nos conduzir ao Paraíso, por Deus.
Ibrahim quase gritou de raiva. Hussein e todos os mulás merecem morrer por ensinarem tanta bobagem a esses pobres camponeses. Paraíso? Belas roupas e vinho e quarenta virgens deitadas em sofás de seda?
Eu não vou pensar em amor, não vou pensar em Xarazade, ainda não.
Suas mãos acariciaram a arma escondida. Isso melhorou um pouco o seu cansaço e a sua fome, mas não a sua total solidão.
Xarazade. Agora parte de um sonho. É melhor assim, muito melhor: ele esperava por ela no café quando Jari se aproximou, dizendo:
— Em nome de Deus, o marido voltou. Aquilo que nunca começou está terminado para sempre. — E depois desaparecera no meio da multidão. Imediatamente, ele saíra, apanhara a arma e caminhara até a estação de ônibus. Agora estava esperando, devendo em breve ser martirizado ao se vingar da tirania cega, em nome do povo. Faltava tão pouco agora. Logo ele veria a escuridão ou a luz, alcançaria o esquecimento ou a compreensão, sozinho ou junto com outros: profetas, imãs, demônios, quem?
Ele fechou os olhos, extasiado. Em breve eu saberei o que acontece quando morremos e para onde vamos. Será que finalmente nós encontramos a resposta para a grande charada: Maomé foi o último Profeta de Deus ou um louco? O Corão é verdadeiro? Deus existe?
No beco ao lado da mesquita, o Faixa Verde que levava Starke parou e apontou para um casebre. Starke pulou por cima da vala e bateu na porta. Esta se abriu.
— Que a paz esteja com o senhor, Excelência Hussein — disse em farsi, tenso e em guarda. — O senhor mandou me chamar?
— Salaam, capitão. Sim, mandei — o mulá Hussein respondeu em inglês e fez sinal para que ele entrasse.
Starke teve que se abaixar para entrar no casebre de um só cômodo. Dois bebês dormiam profundamente num colchão de palha no chão de terra. Um menino olhava para ele, agarrado a um velho rifle, e ele o reconheceu como sendo a mesma criança que estava presente quando houve a briga entre os homens de Hussein e os de Zataki. Um AK47 muito bem tratado estava encostado na parede. Ao lado da pia, uma velha vestindo um chador preto e manchado estava sentada numa cadeira bamba.
— Estes são os meus filhos e esta é a minha esposa — disse Hussein. Salaam Starke disfarçou o espanto por ela ser tão velha. Então olhou-a melhor e viu que ela não era velha em idade.
— Eu o mandei chamar por três motivos: primeiro para que visse como vive um mulá. A pobreza é um dos primeiros deveres de um mulá. Bem como educação, liderança e aplicação da lei. Além disso, aga, eu sei que o senhor é cem por cento sincero nas suas crenças.
E aprisionado por elas, Starke teve vontade de acrescentar, odiando aquele quarto e a pobreza terrível e interminável que representava, o seu fedor e a impotência que ele sabia que não precisaria existir, mas que continuaria a existir para sempre ali e em milhares de outros lares de todas as religiões, no mundo inteiro. Mas não na minha família, graças a Deus! Graças a Deus eu nasci texano, graças a Deus trilhões de vezes por eu pensar diferente e por meus filhos jamais terem precisado viver na sujeira como estas pobres crianças. Com esforço, ele se controlou para não espantar as moscas que estavam pousadas em cima deles, com vontade de xingar Hussein por se conformar com uma situação que não precisava suportar.
— O senhor falou em três motivos, aga.
— O segundo é: Por que quase todos os homens vão partir hoje?
— Eles estão com as licenças vencidas há muito tempo, aga. O trabalho na base está lento, este é um bom momento. — A ansiedade de Starke aumentou. Esta manhã, antes dele ter sido chamado pelo mulá, já haviam chegado três telex e duas chamadas pelo HF do QG em Teerã, a última de Siamaki, agora membro do Conselho, querendo saber onde estavam Pettikin, Nogger Lane e os outros. Ele o havia enrolado, dizendo que McIver entraria em contato com ele assim que chegasse lá com o ministro Kia, muito consciente da curiosidade de Wazari.
Ele tinha ouvido falar da visita de Ali Kia pela primeira vez na véspera. Charlie Pettikin, durante a sua breve escala a caminho de Al Shargaz, contara a ele o que havia acontecido com McIver e os seus receios com relação a ele.
— Jesus — foi só o que conseguiu dizer.
Mas nem tudo tinha corrido mal na véspera. John Hogg trouxera o esquema preparado por Gavallan para a operação Turbilhão, com códigos, horários e coordenadas das alternativas de reabastecimento do outro lado do golfo.
— Andy mandou dizer que estas instruções já foram encaminhadas a Scrag em Lengeh e a Rudi em Bandar Delam e que levam em consideração os problemas das três bases. Dois 747 de carga estão reservados para a madrugada de sexta-feira, em Al Shargaz. Isso nos dará bastante tempo, segundo Andy. Eu trarei outras instruções quando vier buscar os rapazes, Duke. O último botão não será apertado antes das sete horas de sexta-feira, sábado ou domingo. Se isso não acontecer, a operação terá sido suspensa — dissera Hogg.
Nenhum dos espiões de Esvandiary estava por perto, e Starke conseguira enfiar outro caixote de peças de 212 muito valiosas no 125. E houve mais coisas boas: todos os vistos de saída do pessoal ainda estavam válidos, havia tanques de combustível de oitocentos litros em número suficiente, escondidos na costa, e Tom Lochart tinha chegado a tempo de Zagros, agora engajado na operação Turbilhão.
— Por que a mudança, Tom? Pensei que você fosse totalmente contra — ele tinha perguntado, perturbado com os modos de Lochart. Mas o amigo apenas levantara os ombros e ele não insistira.
Mesmo assim, pensou, a idéia da retirada dos 212 o preocupava muito. Na realidade, eles não tinham nenhum plano, apenas uma série de possibilidades. Com esforço, ele se concentrou, com o quarto tornando-se cada vez mais sufocante.
— Eles estão com as licenças vencidas — tornou a dizer.
— Quando chegarão os substitutos?
— No sábado, é quando estão sendo esperados.
— Esvandiary disse que você tem retirado muitas peças.
— As peças precisam ser substituídas e consertadas de vez em quando, aga.
Hussein analisou-o e depois concordou, pensativo.
— O que foi que causou o acidente que quase matou Esvandiary?
— A carga se soltou. É uma operação arriscada. Outra pausa.
— Quem é esse homem, Ali Kia?
Starke não estava preparado para estas perguntas e imaginou se estaria sendo testado outra vez e quanto o mulá saberia.
— Disseram-me que ele é um dos ministros do primeiro-ministro Bazargan, que está fazendo uma viagem de inspeção. — E depois acrescentou: — Também soube que ele foi, ou é, um consultor da nossa firma, a CHI, talvez mesmo um diretor, mas não sei ao certo.
— Quando é que ele chega?
— Não tenho certeza. O nosso diretor, capitão McIver, recebeu ordens para acompanhá-lo.
— Ordens?
— Pelo que sei, sim.
— Por que um ministro seria consultor de uma companhia particular?
— Acho que o senhor terá que perguntar a ele, aga.
— Sim, eu concordo. — O rosto de Hussein endureceu. — O imã jurou que acabaria com toda a corrupção. Nós iremos juntos para a base. — Apanhou o AK47 e o pendurou no ombro. — Salaam — disse para a família.
Starke e o Faixa Verde seguiram Hussein pelo beco até uma porta lateral da mesquita. Lá, o mulá tirou os sapatos, apanhou-os e entrou. Starke e o Faixa Verde fizeram o mesmo, só que Starke tirou também o gorro. Atravessaram um corredor e entraram por outra porta, chegando na mesquita propriamente dita, um único cômodo sob a abóbada, coberto de tapetes e sem enfeites. Apenas ladrilhos decorativos aqui e ali, com citações do Corão lindamente incrustadas. Um atril com o Corão aberto perto de um toca-fita moderno e alto-falantes, os fios esticados ao acaso e todas as lâmpadas elétricas descobertas e fracas. Dos alto-falantes vinha a voz cantada de um homem recitando o Corão.
Havia homens rezando, outros conversando, outros dormindo. Os que viram Hussein sorriram para ele e ele retribuiu o sorriso, mostrando o caminho até uma alcova cheia de colunas. Lá ele parou e pousou os sapatos e a arma, fazendo sinal para o Faixa Verde sair.
— Capitão, o senhor pensou um pouco mais sobre o que nós discutimos durante o seu interrogatório?
— Como assim, aga? — A apreensão de Starke aumentou e ele sentiu o estômago revirar.
— Sobre o Islã, sobre o imã, que a paz de Deus esteja com ele, sobre ir procurá-lo?
— É impossível para mim ir procurá-lo, mesmo que eu quisesse.
— Talvez eu pudesse arranjar isso. Se o senhor visse o imã, se o ouvisse falar, encontraria a paz de Deus que tanto procura. E a verdade.
Starke ficou comovido com a evidente sinceridade do mulá.
— Se eu tivesse esta chance, tenho certeza que... que a aproveitaria se pudesse. O senhor falou em três coisas, aga.
— Esta é a terceira. O Islã. Torne-se muçulmano. Não há um momento a perder. Submeta-se a Deus, aceite o fato de que só existe um Deus e de que Maomé é o Seu Profeta, aceite isto e conquiste a vida eterna no Paraíso.
Os olhos do mulá eram escuros e penetrantes. Starke já havia notado isso antes e achou-os quase hipnóticos.
— Eu... eu já lhe disse, aga, talvez eu o faça, quando Deus quiser. — Ele desviou os olhos e sentiu diminuir a força dominadora. — Se vamos voltar, é melhor que seja agora. Não quero perder o embarque dos rapazes.
Foi quase como se ele não tivesse falado.
— O imã não é o mais santo dos homens, o mais corajoso, o mais implacável inimigo da opressão? O imã é tudo isso, capitão. Abra os seus olhos e o seu espkito para ele.
Starke percebeu o que estava por trás daquele fervor e o aparente sacrilégio o deixou inquieto.
— Eu espero pacientemente. — E tornou a olhar para os olhos que pareciam estar olhando através dele, através das paredes, em direção ao infinito. — Se vamos partir, é melhor que seja agora — repetiu o mais delicadamente que pôde.
Hussein suspirou. A luz desapareceu dos seus olhos. Ele pôs a arma no ombro e saiu na frente. Na porta principal, ele calçou os sapatos e esperou até que Starke fizesse o mesmo. Mais quatro Faixas Verdes se juntaram a eles.
— Nós vamos até a base — Hussein comunicou a eles.
— Eu estacionei o meu carro logo depois da praça. — disse Starke, sentindo-se imensamente aliviado por estar outra vez ao ar livre, liberto do feitiço do homem. — É uma caminhonete, podemos ir todos, se o senhor quiser.
— Ótimo. Onde ele está?
Starke apontou e saiu andando no meio das barracas. Ele era quase uma cabeça mais alto que a maioria das pessoas e agora a sua cabeça estava cheia de idéias desencontradas, refletindo sobre o que o mulá tinha dito, tentando planejar o que fazer com relação à operação Turbilhão.
— Maldição — resmungou, assustado com o perigo. Eu espero que Rudi desista, então eu também desisto, não importa o que faça Scrag. Automaticamente, seus olhos vigiaram a redondeza, como o faziam na cabine de pilotagem e ele notou uma certa confusão perto da fonte. Por causa da sua altura, ele foi o primeiro a ver o rapaz com a arma e a multidão se espalhando. Ele parou petrificado e Hussein se aproximou. Mas não havia nenhum engano, o rapaz, furioso, corria em sua direção.
— Assassino — exclamou, com os homens e mulheres que estavam na sua frente fugindo aterrorizadas, correndo, tropeçando, saindo do caminho do homem. Agora o caminho estava livre. Apatetado, viu o homem parar e apontar a arma diretamente para ele.
— Cuidado! — Mas antes que pudesse mergulhar no chão ou se proteger atrás de uma barraca, sentiu o impacto da primeira bala, atirando-o para trás, em cima de um dos Faixas Verdes. Mais balas, alguém gritou, depois outra arma começou a disparar, deixando-o surdo.
Era Hussein. Seus reflexos tinham sido muito bons. Imediatamente, ele compreendera que o ataque era contra ele e o sinal que Starke lhe dera havia sido suficiente. Com um só movimento, ele tinha empunhado a arma, mirado e apertado o gatilho, com o cérebro gritando: Não há nenhum outro Deus além de...
Seus tiros foram certeiros. Ele matou Ibrahim, arrancando-lhe a arma da mão e atirando-o no chão. Rapidamente, o mulá parou de atirar e viu que ainda estava em pé, sem acreditar que não estivesse ferido, achando impossível o assassino ter errado, impossível ele não estar a caminho do Paraíso. Abalado, ele viu a confusão à sua volta, feridos sendo ajudados, outros gemendo e xingando, um dos seus Faixas Verdes caído, morto, muitos passantes feridos. Starke estava caído sob as barracas.
— Graças a Deus, Excelência Hussein, o senhor não está ferido — disse um Faixa Verde.
— Seja como Deus quiser... Deus é grande... — Hussein ajoelhou-se ao lado de Starke. Viu que o sangue pingava da sua manga esquerda e que o rosto dele estava branco. — Onde foi atingido?
— Eu... não tenho certeza. Acho que no ombro ou no peito. — Era a primeira vez que Starke levava um tiro. Quando a bala o atingiu e o atirou de costas no chão, ele não sentiu dor, mas o seu cérebro gritou: Eu estou morto, o filho da mãe me matou, nunca mais verei Manuela, nunca mais voltarei para casa, nunca mais verei as crianças, estou morto... Então tinha sentido uma vontade enorme de correr, de escapar da própria morte. Ele quis se levantar, mas a dor o impediu e agora Hussein estava ajoelhado ao lado dele.
— Deixe-me ajudá-lo — disse Hussein, depois virou-se para o Faixa Verde
— Segure o outro braço dele.
Ele gritou quando o viraram e tentaram ajudá-lo a levantar-se.
— Esperem... pelo amor de Deus... — Quando o espasmo passou, viu que não podia mover o braço esquerdo, mas que o direito estava bom. Com a mão direita, ele se apalpou e depois mexeu com as pernas. Não sentiu dor. Parecia estar tudo funcionando, exceto o braço e o ombro esquerdos e sua cabeça estava confusa. Trincando os dentes, abriu o casaco e a camisa. Havia sangue escorrendo do buraco que tinha mo meio do ombro, mas não estava jorrando e ele não-estava com muita dificuldade para respirar, só sentia uma pontada forte quando se movia. — Eu... eu acho que a bala está no meu pulmão.
— Ora essa, piloto — disse o Faixa Verde, com uma risada. — Olhe, há outro buraco nas costas do seu casaco, a bala deve ter atravessado o seu ombro.
— E enfiou um dedo sujo no buraco e Starke xingou-o violentamente. — Xingue a si mesmo, infiel — disse o homem. — Xingue a si mesmo e não a mim. Talvez Deus, na sua misericórdia, tenha-lhe devolvido a vida, embora por que o fizesse... — Ele deu de ombros e se levantou, olhou para o companheiro morto ali perto e para o outro, ferido, tornou a dar de ombros, caminhou até Ibrahim Kyabi que estava caído no chão e começou a revistar-lhe os bolsos.
A multidão que enchia a praça avançava, cercando-os, então Hussein se levantou e fez sinal para que se afastassem.
— Deus é grande, Deus é grande — gritou. — Afastem-se. Ajudem aos que estão feridos! — Depois que conseguiu abrir espaço, ele se ajoelhou ao lado de Starke. — Eu não o avisei de que o tempo era curto? Deus o protegeu desta vez para dar-lhe outra chance.
Mas Starke mal escutou. Ele tinha encontrado o seu lenço e o apertava de encontro à ferida, tentando estancar o sangue, sentindo-o escorrer pelas costas, resmungando e xingando, agora não mais cheio de terror, mas ainda com medo de passar a vergonha de fugir.
— Por que aquele filho da mãe estava tentando me matar? — resmungou. — Filho da puta maluco!
— Ele estava tentando matar a mim, não a você. Starke olhou para o mulá.
— Fedayim, mujhadin!
— Ou do Tudeh. Que importância tem isso, ele era um inimigo de Deus. Deus o matou.
Starke sentiu outra pontada no peito. Abafou um palavrão, odiando toda aquela conversa de Deus, sem querer pensar em Deus, mas apenas em Manuela e nas crianças e numa vida normal e em sair dali. Estou cheio de toda essa loucura, em matar em nome da sua versão estreita de Deus.
— Filhos da puta! — resmungou, as palavras abafadas pelo barulho. Seu ombro estava latejando, a dor se espalhava. Enrolou o lenço o melhor que pôde, usando-o como um curativo e fechou o casaco, murmurando obscenidades.
Que diabo eu vou fazer agora, pelo amor de Deus? Maldito filho da mãe, como é que eu vou pilotar agora? Mudou ligeiramente de posição. Deu outro gemido, soltou outro palavrão, desgostoso consigo mesmo, desejando ser estóico.
Hussein despertou do seu devaneio, angustiado por Deus ter decidido deixá-lo vivo, quando, mais uma vez, ele deveria ter sido martirizado. Por quê? Por que eu sou tão amaldiçoado? E este americano, é impossível que as balas não o tenham matado também — por que ele também foi deixado vivo?
— Nós vamos para a sua base. Você pode levantar-se?
— Eu... claro, só um instante. — Starke se preparou. — Está bem, cuidado... oh, meu Deus... — Mesmo assim ele conseguiu se levantar, nauseado de dor. — Um dos seus homens pode ir guiando?
— Sim. — Hussein chamou o Faixa Verde que estava ajoelhado ao lado de Kyabi — Firouz, depressa! — Obedientemente, o homem voltou.
— Só havia estas moedas no bolso dele, Excelência, e isto aqui. O que está escrito?
Hussein examinou atentamente o cartão.
— É uma carteira de identidade da Universidade de Teerã.
A fotografia mostrava um rapaz bonito sorrindo para a câmera. IBRAHIM KYABI, 3º ANO, SEÇÃO DE ENGENHARIA. DATA DE NASCIMENTO: 12 DE MARÇO DE 1955. Hussein virou o cartão.
— Há um endereço em Teerã.
— Universidades nojentas — disse outro Faixa Verde. — Entes do demônio e da maldade ocidental.
— Quando o imã reabrir as universidades, que Deus lhe dê paz, os mulás ficarão encarregados delas. Nós acabaremos com todas as idéias ocidentais, contrárias ao Islã, para sempre. Entregue o cartão ao komiteh, Firouz. Eles podem mandá-lo para Teerã. Os komitehs em Teerã interrogarão a sua família e os seus amigos, e lidarão com eles. — Hussein viu Starke olhando para ele. — Sim, capitão?
Starke tinha visto o retrato.
— Eu só estava pensando que dentro de poucos dias ele faria 24 anos. Um desperdício, não?
— Deus castigou a sua maldade. Agora ele está no inferno.
AO NORTE DE KOWISS: 16:10H. O 206 cruzava as colinas de Zagros com McIver nos controles e Ali Kia cochilando ao lado dele. McIver estava se sentindo muito bem. Desde que decidira que ele mesmo pilotaria o helicóptero para Ali Kia, vinha sentindo a cabeça leve. Era a solução perfeita, a única solução.
— O meu exame médico não está atualizado, e daí? Nós estamos numa operação de guerra, temos que aceitar riscos e eu ainda sou o melhor piloto da companhia.
Ele olhou para Kia. Se você não fosse um pé no saco, eu o abraçaria por esta oportunidade. Ele sorriu e apertou o botão do microfone.
— Kowiss, aqui é HotelTangoraioX, a trezentos metros de altura, rumo de 185 graus, vindo de Teerã com o ministro Kia a bordo.
— HTX. Mantenha esta direção, comunique-se quando estiver chegando.
O vôo e o reabastecimento no aeroporto internacional de Isfahan tinham sido sem novidades, exceto por alguns minutos, depois de aterrissarem, quando Faixas Verdes nervosos, cercaram o helicóptero gritando ameaçadoramente, mesmo depois dele ter recebido autorização para pousar e reabastecer
— Fale pelo rádio, insista para que o supervisor venha até aqui imediatamente — Kia tinha dito para McIver, nervoso. — Eu represento o governo.
McIver tinha obedecido.
— A, ahn, torre diz que se não reabastecermos e partirmos dentro de uma hora, o komiteh apreenderá o aparelho. — E acrescentou brandamente, encantado de transmitir a mensagem: — Eles disseram: "Pilotos estrangeiros e aviões estrangeiros não são bem-vindos a Isfahan, nem os cães de guarda do governo de Bazargan, dominado pelos estrangeiros!"
— Bárbaros, camponeses ignorantes — Kia tinha dito com desprezo, mas só quando estava novamente no ar, a salvo, e McIver enormemente aliviado por ter podido pousar num aeroporto civil e não ser forçado a usar a base da Força Aérea onde Lochart reabastecera o seu helicóptero.
McIver podia ver toda a base aérea de Kowiss agora. Do outro lado do campo, perto do complexo da CHI, ele viu o 125 da companhia e o seu coração deu um salto. Eu disse a Starke para tirar os rapazes daqui cedo, pensou, zangado.
— CHI, controle, HTX de Teerã com o ministro Kia a bordo.
— CHI, controle, HTX, pouse na pista dois. O vento está soprando a 35 nós, 135 graus.
McIver podia ver Faixas Verdes no portão principal, outros perto da pista junto com Esvandiary e os empregados iranianos. Um grupo de mecânicos e pilotos também estava reunido ali perto. Meu comitê de recepção, pensou, reconhecendo John Hogg, Lochart, Jean-Luc e Ayre. Nada de Starke. Eu estou ilegal, e daí, o que eles podem fazer? Eu sou o superior deles, mas se o DAC descobrir, vai ficar uma fera. Ele já estava com o discurso preparado: "Peço desculpas, mas para atender às exigências do ministro Kia, eu precisava tomar uma decisão imediatamente. E claro que isto não tornará a acontecer." Isto não teria acontecido se a operação Turbilhão não existisse. Ele se inclinou e sacudiu Kia.
— Estaremos pousando dentro de poucos minutos, aga.
Kia tirou do rosto o ar de cansaço, olhou para o relógio, depois consertou a gravata, penteou os cabelos e ajeitou cuidadosamente o chapéu de astracã. Ele estudou as pessoas lá embaixo, os hangares impecáveis, e todos os helicópteros alinhados: dois 212, três 206, dois Alouettes. Meus helicópteros, pensou satisfeito.
— Por que a viagem foi tão demorada? — perguntou secamente.
— Estamos no horário, ministro. Tivemos um pouco de vento contrário. — McIver estava concentrado no pouso, precisando fazê-lo muito bem-feito. E o fez.
Esvandiary abriu a porta de Kia.
— Excelência ministro, eu sou Kuran Esvandiary, chefe da IranOil nesta região, bem-vindo a Kowiss. O senhor diretor gerente Siamaki ligou para certificar-se de que estávamos preparados para recebê-lo. Seja bem-vindo!
— Obrigado. — Ostensivamente, Kia disse para McIver: — Piloto, esteja pronto para decolar amanhã às dez horas. Eu posso querer visitar alguns campos de petróleo com Sua Excelência Esvandiary antes de voltar Não se esqueça, eu tenho que estar em Teerã a tempo para a minha reunião das 19 horas com o primeiro-ministro. — Ele saltou e foi levado para inspecionar os helicópteros. Imediatamente, Ayre, Lochart e os outros se aproximaram da janela de McIver. Ele ignorou a cara de preocupação deles e sorriu.
— Olá, como estão as coisas?
— Deixe-me terminar o pouso para você, Mac — disse Ayre. — Nós temos...
— Obrigado, mas eu sou perfeitamente capaz — disse McIver, bruscamente —, depois falou no microfone: — HTX desligando os motores. — Ele viu o ar de preocupação de Lochart e tornou a suspirar. — Eu sei que estou um pouco fora das regras, Tom, e daí?
— Não é isto, Mac — Lochart disse depressa. — Duke levou um tiro
— McIver escutou estarrecido enquanto Lochart contava o que tinha acontecido. — Ele está na enfermaria agora. O doutor Nutt acha que o pulmão dele pode estar perfurado.
— Meu Deus! Então embarque no 125, ande Johnny, vá...
— Ele não pode fazer isso, Mac — Lochart falou depressa — 'Pé-quente' suspendeu a partida do 125 até depois da inspeção de Kia. Ontem o velho Duke tentou de todas as maneiras conseguir que ele partisse antes da sua chegada, mas 'Pé-quente' é um filho da puta. E isso não é tudo, eu acho que Teerã sabe dos nossos planos.
— O quê!
Lochart contou-lhe sobre os telex e as chamadas pelo HF.
— Siamaki está enchendo os ouvidos de 'Pé-quente', deixando-o nervoso. Eu atendi a última chamada de Siamaki — Duke tinha ido falar com o mulá — e ele estava uma fera. Eu disse a mesma coisa que Duke tinha dito e o despachei dizendo que você ligaria assim que chegasse, mas Jesus, Mac, ele sabe que você e Charlie tiraram tudo do apartamento.
— Ali Babá! Ele deve ter sido posto lá para nos espionar. — A cabeça de McIver estava fervendo. Então ele notou o pequeno São Cristóvão de ouro que geralmente pendurava na bússola quando estava pilotando. Era um presente de Genny, o seu primeiro presente, um presente de guerra, logo depois que eles se conheceram, ele na RAF, ela uma WAAF.
— É para você não se perder, garoto — ela tinha dito. — Você não tem muito senso de direção.
Ele sorriu e se sentiu agradecido.
— Primeiro vou ver Duke. — Ele podia ver Esvandiary e Kia percorrendo a fileira de helicópteros. — Tom, você e Jean-Luc vejam se conseguem acompanhar Kia, amaciá-lo um pouco, puxar o saco dele, eu vou me encontrar com vocês assim que puder. — Eles obedeceram imediatamente.
— Freddy, espalhe a notícia de que assim que conseguirmos autorização para o 125 partir, todo mundo deve embarcar rapidamente e sem chamar a atenção. A bagagem já está a bordo?
— Sim, mas e quanto a Siamaki?
— Deixe que eu me preocupo com isso, pode ir. — McIver saiu apressado.
Johnny Hogg gritou atrás dele:
— Mac, preciso falar com você assim que for possível. Ele percebeu a urgência na voz de Hogg e parou.
— O que é,Johnny?
— Urgente e confidencial de Andy: se o tempo piorar, ele talvez adie o Turbilhão para sábado. O vento mudou. Agora está contrário e não a favor.
— Você está pensando que eu não sei distinguir um sudeste de um noroeste?
— Desculpe. Andy disse também que já que você está aqui, ele não poderá transmitir-lhe o sim ou não que prometeu.
— Está certo. Peça a ele para transmitir a Charlie. O que mais?
— O resto pode esperar. Eu não contei nada aos outros.
O doutor Nutt estava na enfermaria com Starke. Este estava deitado numa cama, com o braço na tipóia e o ombro todo enfaixado.
— Olá, Mac, fez boa viagem? — disse severamente.
— Não comece! Olá doutor! Duke, vamos embarcá-lo no 125.
— Não. Temos que pensar em amanhã.
— Amanhã é amanhã e você vai embora no 124... 125! Pelo amor de Deus — disse McIver irritado; o alívio de ter feito um vôo seguro e de ver Starke vivo o fez perder o controle. — Não aja como se fosse Deadeye Dick no Álamo!
— Ele não estava no maldito Álamo — Starke respondeu zangado — e quem é você afinal para agir como Chuck Yeageri
O doutor Nutt disse calmamente:
— Se vocês dois não se acalmarem, eu vou pedir duas lavagens para vocês.
Os dois homens começaram a rir e Starke sentiu uma pontada de dor.
— Pelo amor de Deus, doutor, não me faça rir... — E McIver disse:
— Duke, Kia insistiu que eu o acompanhasse. Eu não podia dar-lhe um fora.
— Claro — Starke grunhiu. — Como foi?
— Ótimo.
— E o vento?
— Não é um impedimento para amanhã. Ele pode tornar a mudar rapidamente.
— Se continuar assim, será um vento contrário de trinta nós ou mais e nós não vamos conseguir atravessar o golfo. Não há maneira de carregarmos combustível suficiente...
— Sim, doutor, o que é?
— Duke deve ser radiografado o quanto antes. A clavícula foi atingida e há algum estrago no músculo e nos tendões, a ferida está limpa. Pode haver uma ou duas perfurações no pulmão esquerdo e ele perdeu um pouco de sangue, mas no geral ele teve muita sorte.
— Eu me sinto bem, doutor, posso me locomover — disse Starke. — Um dia não vai fazer tanta diferença assim. Eu posso ir amanhã.
— Desculpe, meu velho, mas você está abalado. Balas fazem isso. Você pode não estar sentindo agora, mas vai sentir daqui a uma ou duas horas, eu garanto. — O doutor Nutt estava muito contente por estar indo embora no 125. Não quero lidar mais com isso, disse a si mesmo. Não quero mais ver corpos jovens e sadios feridos e mutilados. Para mim chega. É, mas vou ter que agüentar mais alguns dias, vai haver mais gente para tratar porque o Turbilhão não vai dar certo. Não vai, eu estou sentindo nos ossos. — Sinto muito, mas você atrapalharia qualquer operação, mesmo uma sem importância.
— Duke — disse McIver — é melhor você partir imediatamente. Tom, você leva um... não é necessário que Jean-Luc fique.
— E que diabo você vai fazer? McIver sorriu satisfeito.
— Eu vou ser um dos passageiros. Enquanto isso, sou apenas o piloto particular de Kia.
NA TORRE: 16:50H. — Eu repito, sr. Siamaki — McIver disse irritado no microfone — há uma conferência importante em Al Shargaz...
— E eu repito, por que não fui informado disso imediatamente? — O homem estava irritadíssimo.
Os nós dos dedos de McIver estavam brancos de tanto apertar o microfone e ele estava sendo atentamente observado por um Faixa Verde e por Wazari, cujo rosto ainda estava inchado da surra que levara de Zataki.
— Eu repito, aga Siamaki — disse, nervoso — o capitão Pettikin e o capitão Lane foram chamados para uma conferência em Al Shargaz e não houve tempo para informá-lo.
— Por quê? Eu estou aqui em Teerã. Por que o escritório não foi informado? Onde estão os vistos de saída? Onde?
McIver fingiu estar um pouco irritado.
— Eu já lhe disse, aga, não houve tempo, os telefones em Teerã não funcionam, e eu consegui os vistos com o komiteh do aeroporto, Sua Excelência o mulá responsável autorizou pessoalmente. — O Faixa Verde, que não entendia inglês, bocejou e Pigarreou barulhentamente. — Agora, se me der licença...
— Mas o senhor e o capitão Pettikin retiraram os seus pertences do apartamento. Não é verdade?
— Apenas uma precaução para não atrair os mujhadins, fedayims, ladrões e bandidos enquanto estamos fora — McIver disse tranqüilamente, consciente da atenção de Wazari e certo de que a torre da base aérea estava ouvindo a conversa. — Agora, se me der licença, o ministro Kia está solicitando a minha presença.
— Ah, o ministro Kia, ah, sim! — Siamaki acalmou-se um pouco. — A que horas vocês chegam amanhã em Teerã?
— Depende do vento... — McIver ficou apavorado porque sentiu um súbito impulso de contar tudo sobre a operação Turbilhão. Eu devo estar ficando biruta, pensou. — Depende do ministro Kia, do vento, do reabastecimento, mas devemos chegar durante a tarde.
— Estarei esperando por vocês; posso até esperá-los no aeroporto se souber o seu ETA; há cheques para serem assinados e muita coisa para discutir. Por favor, dê lembranças minhas ao ministro Kia e diga-lhe que eu desejo que ele tenha uma boa estada em Kowiss. — A transmissão foi interrompida. McIver suspirou e pousou o microfone.
— Sargento, enquanto estou aqui, gostaria de falar com Bandar Delam e com Lengeh.
— Vou ter que pedir à base — disse Wazari.
— Faça isso. — McIver olhou pela janela. O tempo estava piorando, com o sudeste açoitando a biruta e os mastros das antenas de radia Trinta nós, aumentando para 35. É demais, pensou. O tanque de lama que tinha despencado pelo telhado estava a poucos metros de distância. Ele podia ver Hogg e Jones esperando pacientemente na cabine do 125, a porta da cabine de passageiros convidativamente aberta. Por outra janela, viu que Kia e Esvandiary tinham terminado a inspeção e estavam-se dirigindo para os escritórios que ficavam embaixo de onde estava. Ele viu que um conector da antena principal do telhado estava solto, depois notou o fio quase desligado.
— Sargento, é melhor o senhor consertar aquilo, senão poderá perder toda a transmissão.
— Jesus, claro, obrigado. — Wazari levantou-se e parou. Pelo alto-falante ouviu-se:
— Aqui é a torre de Kowiss. Solicitação para chamar Bandar Delam e Lengeh aprovada. — Ele respondeu, trocou de freqüência e fez a ligação.
— Aqui é Bandar Delam, prossiga Kowiss. — McIver sentiu o coração disparar, ao reconhecer a voz de Rudi Lutz.
Wazari entregou-lhe o microfone, com os olhos no fio solto lá fora.
— Filho da puta — murmurou, apanhou algumas ferramentas, abriu a porta que dava para o telhado e saiu. Ele ainda estava perto o bastante para escutar a conversa. O Faixa Verde bocejou, desinteressado.
— Alô, capitão Lutz, McIver. Vou passar a noite aqui. — McIver disse calmamente, escolhendo as palavras com muito cuidado. — Tive que acompanhar um VIP, o ministro Kia, de Teerã. Como estão as coisas em Bandar Delam?
— Está tudo bem, mas se... — Ele parou. McIver tinha percebido a preocupação dele, logo controlada. Ele olhou para Wazari, que estava agachado ao lado do conector. — Quanto tempo... quanto tempo você vai ficar aí, Mac? — Rudi perguntou.
— Estarei a caminho amanhã conforme o planejado. Desde que o tempo permita — acrescentou cautelosamente.
— Compreendo. Não se preocupe.
— Não estou preocupado. Todos os sistemas estão em perfeitas condições. E você?
Outra pausa.
— Está tudo bem. Todos os sistemas estão em perfeitas condições e viva o imã!
— Certo. O motivo da chamada é que o QG em Aberdeen quer informações urgentes sobre o seu 'arquivo atualizado'. — Este era o código para as providências do Turbilhão. — Está pronto?
— Sim, está. Para onde devo mandá-lo? — O que em código significava: Ainda vamos para Al Shargaz?
— Gavallan está em Al Shargaz, numa viagem de inspeção, então mande para lá. É importante que você faça um esforço para que isto chegue lá o quanto antes. Eu soube, em Teerã, que haveria um vôo da BA para Abadan amanhã. Envie-o para Al Shargaz por este vôo, está bem?
— Alto e claro. Tenho trabalhado nisso o dia todo.
— Excelente. Como está a situação da substituição do nosso pessoal?
— Muito boa. O pessoal já partiu e os substitutos devem chegar no sábado, ou no máximo no domingo. Está tudo preparado para a chegada deles. Eu estarei na próxima troca de pessoal.
— Ótimo. Eu estarei aqui se precisar de mim. Como está o tempo aí? Uma pausa.
— Ruim. Está chovendo. Temos um sudeste.
— Aqui está a mesma coisa. Não se preocupe.
— Antes que eu me esqueça: Siamaki ligou umas duas vezes para Munir, o nosso gerente da IranOil.
— Para quê? — perguntou McIver.
— Só para checar a base, foi o que Munir disse.
— Ótimo — McIver disse cautelosamente. — Fico contente por ele estar interessado na nossa operação. Chamarei amanhã, está tudo tranqüilo. Feliz aterrissagem.
— Para você também. Obrigado por chamar.
McIver desligou xingando Siamaki. Maldito filho da mãe intrometido! Ele olhou para fora. Wazari ainda estava de costas para ele, ajoelhado ao lado da antena da base, perto da clarabóia que dava para o escritório lá embaixo, totalmente concentrado, então ele o deixou lá e fez a ligação para Lengeh.
Scragger atendeu imediatamente.
— Olá, cara. Sim, nós soubemos que você estava fazendo uma viagem de rotina acompanhando um VIP. Andy ligou de Al Shargaz. O que é que há?
— Rotina. Está tudo correndo conforme o planejado. O QG de Aberdeen está precisando de informações a respeito do seu 'arquivo atualizado'. Já está pronto?
— Prontinho. Para onde devo mandá-lo?
— Para Al Shargaz. Fica mais fácil para você. Pode enviá-lo amanhã?
— Tudo bem, meu velho, vou tratar disto. Como está o tempo aí?
— Ventos de sudeste, entre 30 e 35 nós. Johnny disse que pode ser que melhore amanhã. E aí?
— A mesma coisa. Vamos torcer para melhorar. Para nós isso não é problema.
— Ótimo. Eu torno a chamar amanhã. Feliz aterrissagem.
— Igualmente. Por falar nisto, como vai Lulu?
McIver disse um palavrão, porque na excitação da mudança de planos, tendo que acompanhar Kia, ele tinha esquecido completamente do juramento que fizera ao seu carro de salvá-lo de um destino pior do que a morte. Ele o tinha simplesmente deixado num dos hangares para que o seu pessoal soubesse que voltaria no dia seguinte.
— Está bem — ele disse. — E o seu exame médico?
— Está ótimo. E o seu, meu chapa?
— Vejo-o em breve, Scrag. — McIver desligou. Ele estava se sentindo muito cansado. Espreguiçou-se e levantou-se, viu que o Faixa Verde tinha saído e que Wazari estava em pé na porta que dava para o telhado, com um ar estranho.
— Qual é o problema?
— Eu... nada, capitão. — O rapaz fechou a porta, tremendo de frio, e ficou espantado ao ver que estavam sozinhos na torre. — Onde está o Faixa Verde?
— Não sei. — Rapidamente, Wazari verificou as escadas, depois virou-se para ele e baixou a voz.
— O que está acontecendo, capitão? O cansaço de McIver desapareceu.
— Não estou entendendo.
— Todos esses chamados de Siamaki, telex, gente saindo de Teerã sem autorização, todo o pessoal daqui indo embora, peças sendo retiradas às escondidas, o ministro chegando de repente.
— Turmas precisam ser substituídas, peças tornam-se supérfluas. Obrigado pela ajuda. — McIver virou-se para sair, mas Wazari bloqueou o caminho.
— Há alguma coisa acontecendo! O senhor não pode me dizer que... — Ele parou, ouvindo passos se aproximando. — Ouça, capitão — murmurou ansiosamente. — Eu estou do seu lado, tenho um trato com o capitão Ayre, ele vai me ajudar...
O Faixa Verde entrou na sala e disse alguma coisa em farsi para Wazari, cujos olhos se arregalaram.
— O que foi que ele disse? — McIver perguntou.
— Esvandiary quer vê-lo lá embaixo. — Wazari sorriu sardonicamente depois voltou para o telhado e se agachou ao lado do conector.
NO ESCRITÓRIO DE ESVANDIARY: 17:40H. Tom Lochart estava paralisado de raiva e McIver também.
— Mas os nossos vistos de saída estão em dia e nós temos autorização para retirar o pessoal hoje, agora!
— Com a aprovação do ministro Kia, as autorizações estão suspensas até chegarem os substitutos — Esvandiary disse secamente. Ele estava sentado atrás da escrivaninha, com Kia ao lado, Lochart e McIver em pé diante dele. Sobre a escrivaninha havia uma pilha de vistos e passaportes. Já estava quase escurecendo. — Aga Siamaki também está de acordo.
— Isto mesmo. — Kia estava se divertindo com a irritação deles. Malditos estrangeiros. — Não há necessidade de toda essa pressa, capitão. É muito melhor fazer as coisas ordenadamente, muito melhor.
— Nós estamos agindo ordenadamente, ministro Kia — McIver disse com raiva. — Nós temos as autorizações. Eu insisto que o avião parta conforme estava planejado!
— Isto aqui é o Irã, não a Inglaterra — Esvandiary debochou. — E mesmo lá eu duvido que o senhor pudesse insistir em alguma coisa. — Ele estava muito satisfeito consigo mesmo. O ministro Kia tinha ficado encantado com o seu pishkesh: os rendimentos de um futuro poço de petróleo e tinha-lhe oferecido imediatamente um lugar na diretoria da CHI. Então para sua grande alegria, Kia tinha explicado que se deveria cobrar uma taxa para cada visto de saída:
— Deixe os estrangeiros espernearem — o ministro tinha acrescentado. — Até sábado, eles estarão loucos para pagar, digamos, trezentos dólares americanos, em dinheiro, por cabeça.
— Como o ministro disse — ele falou com um ar de importância — nós devemos agir ordenadamente. Agora eu estou ocupado, boa...
A porta se abriu e Starke entrou no escritório, com o rosto pálido, e o braço esquerdo na tipóia.
— Que diabo está acontecendo com você, Esvandiary? Você não pode cancelar os vistos.
— Os vistos foram adiados e não cancelados. Adiados! — O rosto de Esvandiary contorceu-se de raiva. — E quantas vezes vou precisar dizer a vocês, gente sem educação, para bater antes de entrar? Bater! Este escritório não é seu, é meu, eu dirijo esta base e o ministro Kia e eu estamos tendo uma reunião que você interrompeu. Agora saiam, todos vocês! — Ele se virou para Kia, como se os dois estivessem sozinhos e disse em farsi com outro tom de voz: — Ministro, eu peço desculpas por tudo isso, o senhor está vendo o tipo de coisas com que eu tenho que lidar. Recomendo que todos os aviões estrangeiros sejam nacionalizados e que usemos apenas os nossos próprios pil...
Starke fechou o punho.
— Escuta aqui, seu filho da puta!
— SAIA! — Esvandiary estendeu a mão para a gaveta onde havia uma pistola. Mas não chegou a apanhá-la. O mulá Hussein entrou pela porta, acompanhado de Faixas Verdes. Houve um súbito silêncio na sala.
— Em nome de Deus, o que está acontecendo aqui? — Hussein disse em inglês, com seus olhos frios e duros pousados em Esvandiary e Kia. Imediatamente, Esvandiary levantou-se e começou a explicar, falando em farsi, Starke se meteu e em pouco tempo os dois estavam aos berros. Impacientemente, Hussein levantou a mão. — Primeiro você, aga Esvandiary. Por favor, fale em farsi para que o meu komiteh possa entender. — E escutou impassivamente a longa tirada em farsi, com os seus quatro Faixas Verdes amontoados na porta. Depois fez um sinal para Starke. — Capitão?
Starke foi breve e direto. Hussein olhou para Kia.
— Agora o senhor, Excelência ministro. Posso ver a sua autorização para passar por cima da autoridade de Kowiss e cancelar os vistos de saída?
— Cancelar, Excelência mulá? Adiar? Eu não — Kia disse calmamente. — Eu sou apenas um servo do imã, que a paz de Deus esteja com ele, e do primeiro-ministro indicado por ele e do seu governo.
— Excelência Esvandiary disse que o senhor aprovou o adiamento.
— Eu simplesmente concordei com o desejo dele de uma substituição ordenada de pessoal.
Hussein olhou para a escrivaninha.
— Estes são os vistos de saída e os passaportes? Esvandiary sentiu a boca seca.
— Sim, Excelência.
Hussein apanhou-os e os entregou a Starke.
— Os homens e o avião partirão imediatamente.
— Obrigado, Excelência. — Disse Starke, sentindo-se fraco por ficar tanto tempo em pé.
— Deixe-me ajudá-lo — McIver apanhou os passaportes e os vistos. — Obrigado, aga — disse para o mulá, radiante com a vitória.
Os olhos de Hussein estavam tão duros e frios como antes.
— O imã disse: "Se os estrangeiros quiserem partir, deixem-nos partir, nós não precisamos deles!"
— Ahn, sim, obrigado — disse McIver, não se sentindo nada à vontade perto daquele homem. Ele saiu, seguido de Lochart
Starke estava dizendo em farsi:
— Acho que vou ter que partir neste avião também, Excelência. — E repetiu o que o doutor Nutt tinha dito, acrescentando em inglês: — Eu não quero ir, mas não posso fazer nada. Insha'Allah.
Hussein concordou com a cabeça, pensativo.
— O senhor não precisa de um visto de saída. Pode embarcar. Eu vou explicar ao komiteh. Agora vou assistir à partida do avião. — Ele saiu e foi até a torre para comunicar a sua decisão ao coronel Changiz.
O 125 ficou cheio em pouco tempo. Starke foi o último a embarcar, com as pernas bambas. O doutor Nutt tinha-lhe dado analgésicos para que ele pudesse embarcar.
— Obrigado, Excelência — disse a Hussein por sobre o ruído dos jatos, ainda temendo-o, mas ao mesmo tempo gostando dele, sem saber por quê. — Que a paz de Deus esteja com o senhor.
Hussein estava com um ar estranho.
— A corrupção e a mentira são contra as leis de Deus, não são?
— Sim, são. — Starke viu a indecisão no rosto de Hussein. Então o momento passou.
— Que a paz de Deus esteja com o senhor, capitão. — Hussein virou-se e se afastou. O ar ficou mais leve.
Muito fraco, Starke subiu os degraus, usando a mão boa para se apoiar, procurando caminhar ereto. Lá no alto, ele se segurou no corrimão e se virou por um momento, com a cabeça latejando e o peito doendo. Tanta coisa estava sendo deixada para trás, tanta coisa, não apenas helicópteros e peças e coisas materiais, muito mais do que isso. Droga, eu devia ficar e não partir. Com um ar tristonho, ele deu adeus para os que estavam ficando para trás e fez um sinal com os polegares para cima, dolorosamente consciente de que estava agradecido por não estar entre eles.
No escritório, Esvandiary e Kia observavam o 125 taxiando na pista. Que Deus os amaldiçoe, que vão todos para o inferno por se intrometerem, Esvandiary pensou. Então ele controlou a raiva, concentrando-se na grande festa que alguns amigos, que desejavam ardentemente conhecer o ministro Kia, seu amigo e colega de diretoria, tinham preparado, na apresentação das dançarinas e nas ligações amorosas temporárias...
A porta se abriu. Para seu espanto, Hussein entrou, lívido de raiva, acompanhado por Faixas Verdes. Esvandiary levantou-se.
— Sim, Excelência? O que posso fazer... — Ele parou quando um Faixa Verde o empurrou rudemente para permitir que Hussein se sentasse atrás da escrivaninha. Kia ficou onde estava, perplexo.
Hussein disse:
— O imã, que a paz esteja com ele, ordenou que os komitehs acabassem com toda a corrupção, onde quer que ela existisse. Este é o komiteh da base aérea de Kowiss. Vocês dois são acusados de corrupção.
Kia e Esvandiary empalideceram e começaram a falar ao mesmo tempo, declarando que aquilo era ridículo e que eles estavam sendo falsamente acusados. Hussein estendeu a mão e deu um puxão na pulseira de ouro do relógio também de ouro que estava no pulso de Esvandiary
— Quando foi que você comprou isto e como foi que pagou?
— Minhas... minhas economias e...
— Mentiroso. Pishkesh por dois serviços. O komiteh sabe. Agora, e quanto ao seu plano de lesar o Estado, oferecendo secretamente rendimentos de petróleo para corromper funcionários?
— Ridículo, Excelência, é tudo mentira! — Esvandiary gritou, em pânico. Hussein olhou para Kia que também tinha ficado lívido.
— Que funcionários, Excelência? — Kia perguntou, mantendo a voz calma, certo de que seus inimigos tinham-lhe preparado uma cilada bem longe da sua área de influência. Siamaki! Tem que ser Siamaki!
Hussein fez sinal para um dos Faixas Verdes, que saiu e voltou com o operador de rádio, Wazari.
— Diga a eles, diante de Deus, o que você me disse — ordenou.
— Conforme eu lhe disse, Excelência, eu estava no telhado — Wazari disse nervosamente. — Eu estava checando uma das nossas linhas e escutei a conversa deles pela clarabóia. Eu o ouvi fazer a oferta. — Ele apontou para Esvandiary, encantado pela oportunidade de se vingar. Se não fosse por Esvandiary, eu nunca teria sido apanhado por aquele louco do Zataki, não teria sido surrado e quase morto.
— Eles estavam falando em inglês e ele disse: "Eu posso dar um jeito de desviar rendimentos de petróleo dos novos poços, posso manter os poços fora das listas e desviar fundos para você"...
Esvandiary estava perplexo. Ele tivera o cuidado de mandar sair do escritório todo o pessoal iraniano e, além disso, tinha falado em inglês como medida de segurança. Agora estava perdido. Ele viu Wazari terminar de falar e Kia começar a responder calmamente, evitando toda cumplicidade, dizendo que estava apenas dando corda àquele homem mau e corrupto:
— Pediram-me para vir aqui exatamente para isso, Excelência, fui mandado pelo governo do imã, que Deus o proteja, exatamente com este objetivo: acabar com a corrupção onde quer que ela esteja. Permita-me congratular-me com o senhor por ser tão zeloso. Se o senhor permitir, assim que eu chegar a Teerã, vou recomendá-lo diretamente ao próprio Komiteh Revolucionário e, é claro, ao primeiro ministro.
Hussein olhou para os Faixas Verdes.
— Esvandiary é culpado ou inocente?
— Culpado, Excelência.
— Este homem, Kia, é culpado ou inocente?
— Culpado — Esvandiary gritou antes que eles pudessem responder. Um dos Faixas Verdes deu de ombros.
— Todos os teeranis são mentirosos. Culpado. — Os outros concordaram com ele.
Kia disse educadamente:
— Os mulás e os aiatolás de Teerã não são mentirosos, Excelência, o Komiteh Revolucionário não é composto de mentirosos, nem o imã, que Deus o guarde, é mentiroso e ele talvez possa ser considerado teerani porque vive agora em Teerã. Eu nasci na sagrada Qom, Excelência — ele acrescentou, abençoando este fato pela primeira vez na vida.
Um dos Faixas Verdes quebrou o silêncio.
— O que ele diz é verdade, não é, Excelência? — E coçou a cabeça. — A respeito dos teeranis?
— Que nem todos os teeranis são mentirosos? Sim, isto é verdade. — Hussein olhou para Kia, também inseguro. — Diante de Deus, você é ou não é culpado?
— É claro que não sou culpado, Excelência, diante de Deus! — Os olhos de Kia eram inocentes. Idiota! Você acha que pode me pegar com isto? O Ta-qiyah me dá o direito de me proteger caso eu considere a minha vida ameaçada por um falso mulá!
— Como o senhor explica o fato de ser um ministro do governo e também o diretor desta companhia de helicópteros?
— O ministro encarregado... — Kia parou, pois Esvandiary estava balbuciando acusações em voz alta. — Sinto muito, Excelência, seja como Deus quiser, mas com este barulho é difícil falar sem gritar.
— Levem-no para fora! — Esvandiary saiu arrastado. — Bem?
— O ministro encarregado da Aviação Civil me pediu para fazer parte da diretoria da CHI como representante do governo — Kia disse, distorcendo a verdade como se estivesse revelando um segredo de Estado, cometendo exageros com o mesmo ar de importância. — Nós não estamos seguros da lealdade dos diretores. Posso dizer-lhe ainda, confidencialmente, Excelência, que dentro de poucos dias todas as companhias de aviação estrangeiras serão nacionalizadas.
Ele falou intimamente com eles, modulando a voz para causar mais efeito, e quando achou que era o momento certo, parou e suspirou:
— Diante de Deus, eu confesso que sou tão inocente quanto o senhor, Excelência, e embora não tenha sido chamado por Deus como o senhor, também tenho dedicado a minha vida a servir ao povo.
— Que Deus o proteja, Excelência — o Faixa Verde exclamou.
Os outros concordaram e até Hussein se deixou convencer. E ia investigar um pouco mais quando se ouviu ao longe um muezin chamando para a oração da noite, e ele admoestou a si mesmo por ter desviado o pensamento de Deus.
— Vá com Deus, Excelência — disse, encerrando o julgamento, e levantou-se.
— Obrigado, Excelência. Que Deus o guarde e a todos os mulás por salvar-nos e à nossa grande nação islâmica das obras de Satã!
Hussein saiu da frente. Lá fora, seguindo o seu exemplo, todos se lavaram ritualmente, viraram-se na direção de Meca e rezaram: Kia, os Faixas Verdes, os operários, o pessoal do escritório, os empregados da cozinha — todos felizes e contentes por poderem, mais uma vez, dar testemunho, publicamente, da sua submissão pessoal a Deus e ao Profeta de Deus. Só Esvandiary chorou de forma abjeta enquanto rezava.
Kia voltou para o escritório silencioso. Ele se sentou atrás da escrivaninha e se permitiu um suspiro, congratulando-se consigo mesmo. Como foi que aquele filho de um cão do Esvandiary ousou acusar-me! A mim, o ministro Kia! Que Deus mande para o fogo do inferno a ele e todos os inimigos do Estado. Lá fora houve uma explosão de tiros. Calmamente, ele apanhou um cigarro e acendeu-o. Quanto mais cedo eu sair deste monte de merda, melhor, pensou. Uma rajada de vento sacudiu o prédio. A chuva bateu nas vidraças.
LENGEH: 18:50H. O entardecer estava ameaçador, o céu escuro e coberto de nuvens.
— Amanhã de manhã o tempo vai estar fechado, Scrag — disse o piloto americano, Ed Vossi, com os cabelos escuros e encaracolados despenteados por causa do vento que soprava de Ormuz para Abadan, através do golfo. — Maldito vento!
— Nós não vamos ter problemas, meu chapa. Mas e Rudi, Duke c os outros? Se o vento continuar assim ou piorar, eles vão ficar encrencados.
— Maldito vento! Por que foi escolher logo hoje para mudar de direção? — Os dois homens estavam em pé no promontório que dava para o golfo, sob o mastro da bandeira, vendo as águas cinzentas e, lá no estreito, cobertas de espuma branca. Atrás deles, estava a base e o campo de aviação, ainda molhados em conseqüência da tempestade daquela manhã. Lá embaixo, à direita, ficava a praia e o flutuador de onde eles costumavam nadar. Desde o dia em que o tubarão aparecera, ninguém mais tinha se aventurado a ir até lá, preferindo ficar no raso, caso houvesse algum outro tubarão emboscado à espera deles. Vossi resmungou:
— Eu vou ficar muito contente quando tudo isto estiver terminado. Scragger concordou distraidamente, pensando nas condições atmosféricas, tentando prever o que aconteceria nas próximas 12 horas, o que era difícil nesta época do ano, quando o golfo, geralmente tranqüilo, podia agitar-se com uma violência súbita e monstruosa. Durante 363 ou 364 dias por ano, costumava soprar um vento de noroeste. Mas agora não.
A base estava calma. Só estavam lá Vossi, Willi Neuchtreiter e dois mecânicos. Todos os outros pilotos e mecânicos e o gerente deles de escritório, inglês, tinham partido há dois dias, na terça-feira, enquanto ele estava voltando de Bandar Delam com Kasigi.
Willi os embarcara por mar para Al Shargaz:
— Nós não tivemos nenhum problema, Scrag, graças a Deus — Willi tinha dito assim que ele desembarcou. — O seu plano funcionou. Mandá-los de barco foi uma ótima idéia, melhor do que de helicóptero, e mais barato. O komiteh simplesmente deu de ombros e se apossou de um dos trailers.
— Eles estão dormindo na base, agora?
— Alguns deles, Scrag. Três ou quatro. Eu providenciei para que tivessem bastante arroz e horisht. Não são um grupo ruim. Masoud também está tentando manter as boas graças deles. — Masoud era o gerente da IranOil.
— Por que você ficou, Willi? Eu sei como você se sente com relação a esta operação, eu disse para você partir no barco, não havia necessidade de ficar.
— Claro que não, Scrag, mas você vai precisar de um piloto de verdade ao seu lado. Você é capaz de se perder.
Bom e velho Willi, Scragger pensou. Que bom que ele ficou. E que pena.
Desde a sua volta de Bandar Delam na terça-feira, Scragger vinha se sentindo muito inquieto, nada que ele pudesse localizar, apenas uma sensação de que elementos que ele não podia controlar estavam esperando para atacar. A dor de barriga tinha diminuído, mas de vez em quando havia um pouco de sangue na sua urina. O fato de não ter avisado a Kasigi sobre a operação Turbilhão aumentava o seu desconforto. Que inferno, pensou, eu não poderia ter assumido este risco, fiz o melhor que pude mandando Kasigi procurar Gavallan.
Ontem, quarta-feira, Vossi tinha levado Kasigi para o outro lado do golfo. Scragger entregara a Vossi uma carta endereçada a Gavallan, explicando o que havia acontecido em Bandar Delam e expondo o seu dilema com relação a Kasigi, deixando para Gavallan a decisão sobre o que fazer. Na carta, ele também dava detalhes do seu encontro com Georges de Plessey que estava muito preocupado, achando que haveria mais problemas no complexo de Siri:
"Os estragos nos sistemas de extração e canalização de Siri foram piores do que pensamos no primeiro momento e não creio que ele possa produzir este mês. Kasigi vai ficar de mãos atadas, uma vez que tem três petroleiros marcados para chegar em Siri nas próximas três semanas conforme o acordo feito com Georges. E um beco sem saída, Andy. Não há nada que possamos fazer. Há pouca chance de se evitar uma sabotagem se os terroristas resolverem mesmo agir. É claro que não contei nada a Georges. Faça o que puder por Kasigi. Vejo-o em breve, Scrag."
Na chamada de rotina que recebeu de Al Shargaz naquela manhã, Gavallan tinha dito apenas que recebera o relatório e que estava tomando providências. Fora isso, foi bastante evasivo.
Scragger não havia mencionado McIver, nem Gavallan. Ele sorriu satisfeito. Aposto que o Dirty Duncan pilotou o 206! Eu jamais imaginaria que aquele velho seguidor de regras do McIver pudesse fazer uma coisa dessas! Também aposto que ele ficou radiante com essa chance e não é de espantar, eu também ficaria.
— Scrag!
Ele se virou. Bastou olhar para a cara de Willi Neuchtreiter para saber que havia alguma coisa errada.
— O que foi que houve?
— Acabei de descobrir que Masoud entregou os nossos passaportes para os guardas. Todos eles!
Vossi e Scragger olharam para ele de boca aberta. Vossi disse:
— Por que diabos ele fez isso? Scragger foi mais vulgar.
— Foi na terça-feira, Scrag, quando os outros partiram de barco. É claro que havia um guarda para acompanhá-los, para vê-los embarcar, e foi então que ele pediu a Masoud os nossos passaportes. Então Masoud os entregou. Se fosse eu teria feito o mesmo.
— Mas para que ele queria os passaportes? Willi explicou pacientemente:
— Para revalidar os nossos vistos de permanência em nome de Khomeini, Scrag, ele queria legalizar os nossos passaportes, você tinha pedido para eles fazerem isso uma porção de vezes, não tinha? — Scragger ficou um minuto inteiro dizendo palavrões e não repetiu nenhum.
— Pelo amor de Deus, Scrag, temos que apanhá-los de volta, — Vossi disse, nervoso. — Temos que apanhá-los ou então o Turbilhão está acabado.
— Eu sei disso, meu chapa — Scragger estava estudando as diferentes possibilidades.
— Talvez pudéssemos conseguir novos passaportes em Al Shargaz ou em Dubai. Dizer que perdemos os velhos — disse Willi.
— Pelo amor de Deus, Willi — Vossi explodiu. — Pelo amor de Deus, eles nos poriam na cadeia num piscar de olhos. Você se lembra do Masterson? — Um dos mecânicos deles, há uns dois anos, tinha esquecido de renovar o seu visto de entrada em Al Shargaz e tinha tentado passar pela Imigração. Embora o visto só estivesse vencido há quatro dias e o seu passaporte estivesse válido, o Serviço de Imigração o pusera na cadeia e ele tinha penado lá por seis semanas e depois tinha sido solto, mas expulso para sempre.
— Droga — dissera o funcionário britânico de lá —, você tem muita sorte de sair com uma pena tão leve. Você conhece a lei. Nós estamos cansados de avisar..
— Eu não saio daqui sem o meu de jeito nenhum — disse Vossi. — Não posso. O meu está cheio de vistos para todos os países do golfo, para a Nigéria, o Reino Unido e mais um montão de lugares, eu levaria meses para conseguir outros, meses, se conseguisse... e quanto a Al Shargaz, hein? E um lugar maravilhoso, mas sem um maldito passaporte e um visto vai-se direto para a cadeia
— Você está certo. Ed. Maldição! E amanhã é dia santo e está tudo fechado. Willi, você se lembra do nome do guarda? Ele era um dos regulares ou era um Faixa Verde?
Depois de pensar um pouco, Willi disse:
— Ele não era um Faixa Verde, Scrag, era um dos regulares. Aquele velho de cabeça branca.
— Qeshemi, o sargento?
— Sim, Scrag, ele mesmo. Scragger tornou a praguejar.
— Se o velho Qeshemi disser que vamos ter que esperar até sábado ou até a semana que vem, não tem jeito. — Naquela área, os guardas ainda funcionavam como antigamente, faziam parte das Forças Armadas, sem essa história de Faixa Verde, só que agora eles não usavam mais os distintivos do xá e sim braçadeiras com o nome de Khomeini.
— Não me esperem para jantar — Scragger saiu pisando duro.
NA DELEGACIA DE POLICIA DE LENGEH: 19:32H. O guarda bocejou e sacudiu a cabeça educadamente, falando em farsi com o operador de rádio da base, Ali Pash, que Scragger tinha levado com ele para servir de intérprete. Scragger esperou pacientemente, já muito acostumado com a maneira iraniana para saber que não devia interrompê-los. Eles já estavam nisso há meia hora.
— Oh, você quer saber dos passaportes dos estrangeiros? Os passaportes estão no cofre que é o lugar deles — o guarda estava dizendo. — Passaportes são coisas muito valiosas e nós temos que mantê-los trancados.
— Perfeitamente correto, Excelência, mas o capitão dos estrangeiros gostaria de tê-los de volta, por favor. Ele diz que precisa deles para uma troca de pessoal.
— É claro que ele pode tê-los de volta. Não são propriedade dele? Seus homens não têm executado muitas missões ao longo dos anos para o nosso povo? Certamente, Excelência, assim que o cofre for aberto.
— Por favor, ele pode ser aberto agora? O estrangeiro ficaria muito grato pela sua gentileza. — Ali Pash foi igualmente educado e não demonstrou nenhuma pressa, esperando que o guarda prestasse voluntariamente a informação que estava procurando. Ele era um teerani bem-apessoado, de quase trinta anos, que tinha sido treinado na Escola de Rádio americana em Isfahan e que estava com a CHI em Lengeh há três anos. — Seria um grande favor.
— Certamente, mas ele não pode tê-los de volta até a chave aparecer.
— Ah, e posso saber onde está a chave, Excelência?
O guarda apontou para o enorme cofre antiquado que dominava o escritório.
— Olhe, Excelência, o senhor pode ver por si mesmo, a chave não está no gancho. É mais do que provável que ela esteja com o sargento.
— Isto é muito sábio e correto, Excelência. Provavelmente Sua Excelência o sargento está em casa agora?
— Sua Excelência estará aqui pela manhã.
— No dia santo? Posso dar a minha opinião de que nós temos sorte dos
nossos policiais possuírem um senso de dever tão alto para trabalhar com tanto afinco? Imagino que ele não vá chegar cedo.
— O sargento é o sargento, mas o escritório abre às sete e meia da manhã embora, é claro, a delegacia fique aberta noite e dia. — O guarda apagou o cigarro. — Voltem de manhã.
— Ah, obrigado, Excelência. O senhor gostaria de um outro cigarro enquanto eu explico ao capitão?
— Obrigado, Excelência. É raro conseguir-se um cigarro estrangeiro, obrigado. — Os cigarros eram americanos e muito apreciados, mas nenhum deles mencionou isso.
— Posso oferecer-lhe fogo, Excelência? — Ali Pash acendeu o seu cigarro também e contou a Scragger o que havia sido dito.
— Pergunte a ele se o sargento está em casa agora, Ali Pash.
— Já perguntei, capitão. Ele disse que Sua Excelência estará aqui de manhã. — Ali Pash disfarçou o seu cansaço, educado demais para dizer a Scragger que tinha percebido em poucos segundos que este homem não sabia nada, não faria nada e que toda aquela conversa era uma perda de tempo. E é claro que os guardas preferiam não ser incomodados de noite por uma questão tão insignificante. Que importância tem isto? Alguma vez eles perderam um passaporte? É claro que não! Que troca de pessoal?
— Se o senhor me permite um conselho, aga, deixe para amanhã. Scragger suspirou. "De manhã" podia significar amanhã ou no dia seguinte. Não adiantava insistir mais, pensou irritado.
— Agradeça-lhe por mim e diga que estaremos aqui amanhã bem cedinho. Ali Pash obedeceu. Seja como Deus quiser, o guarda pensou, cansado, com fome e preocupado pelo fato de ter-se passado outra semana e ele ainda não haver recebido nenhum pagamento, há meses que não era pago, e os agiotas do bazar o estavam pressionando para pagar os empréstimos, e a minha amada família está quase passando fome.
— Shab be khayr, Agha — ele disse a Scragger. — Boa noite.
— Shab be khayr, Agha. — Scragger esperou, sabendo que a partida seria tão demorada quanto a conversa.
Lá fora na pequena rua que era a rua principal da cidade, ele se sentiu melhor. Passantes curiosos, todos homens, cercavam a sua velha caminhonete amassada, com o símbolo da SG na porta.
— Salaam — ele disse e alguns responderam. Os pilotos da base eram muito populares, a base e as plataformas de petróleo eram fontes lucrativas de trabalho, as missões de salvamento deles com qualquer tempo eram muito conhecidas e Scragger era facilmente identificável:
— Aquele é o chefe dos pilotos — um homem idoso cochichou para o seu vizinho. — Foi ele que ajudou o jovem Abdullah Turik a ir para o hospital de Bandar Abbas, onde geralmente só entram ricos. Ele foi até visitar a aldeia dele perto de Lengeh e foi ao seu enterro.
— Turik?
— Abdullah Turik, o filho do filho da minha irmã! O rapaz que caiu da plataforma de petróleo e foi comido pelos tubarões.
— Ah, sim, eu me lembro, o rapaz que dizem que foi assassinado pelos esquerdistas.
— Não fale tão alto, nunca se sabe quem pode estar ouvindo. Que a paz esteja com o senhor, piloto, saudações, piloto!
Scragger acenou para eles e arrancou.
— Mas a base é para o outro lado, capitão. Onde é que nós vamos? — Ali Pash perguntou.
— Visitar o sargento, é claro. — Scragger assoviou entredentes, ignorando a desaprovação de Ali Pash.
A casa do sargento ficava na esquina de uma ruazinha de terra cheia de poças por causa da tempestade daquela manhã, apenas outra porta nos muros altos que ficavam do outro lado da vala. Estava ficando escuro, por isso Scragger deixou os faróis ligados e saltou. Não havia nenhum sinal de vida na rua inteira. Apenas algumas das janelas altas estavam fracamente iluminadas. Sentindo o nervosismo de Ali Pash, ele disse:
— Você fica no carro. Não há problema, eu já estive aqui antes. — Ele bateu com força na porta, com a sensação de que estava sendo observado de todos os lados.
A primeira vez que ele estivera lá tinha sido há um ano, quando havia levado uma enorme cesta de comida, com dois carneiros, alguns sacos de arroz e caixotes de frutas, como um presente da base para comemorar o fato do seu sargento ter sido condecorado com a Medalha de Bronze do xá por bravura em combate contra os piratas e contrabandistas, que eram endêmicos naquelas águas. A última vez, há poucas semanas, ele tinha acompanhado um guarda preocupado, que queria que ele comunicasse imediatamente a tragédia de Siri Um, quando ele tinha retirado Abdullah Turik das águas infestadas de tubarões. Em nenhuma das duas vezes ele havia sido convidado para entrar na casa, mas havia ficado no pequeno pátio, do outro lado da grande porta de madeira, e das duas vezes era de dia.
A porta se abriu com um rangido. Scragger não estava preparado para a luz súbita que o cegou momentaneamente. O círculo de luz hesitou, depois foi para o carro e se deteve em Ali Pash, que deu um salto para fora do carro, inclinou-se respeitosamente e disse:
— Meus cumprimentos, Excelência, que a paz esteja com o senhor. Peço desculpas pelo fato do estrangeiro o estar incomodando na sua casa e ousar...
— Meus cumprimentos — Qeshemi o interrompeu bruscamente, desligou a lanterna e desviou a sua atenção para Scragger.
— Salaam, aga Qeshemi — Scragger disse, já com os olhos mais acostumados à escuridão. Ele viu o homem de traços fortes o observando, com o casaco do uniforme desabotoado e o revólver solto na cartucheira.
— Salaam, capitão.
— Desculpe vir até aqui, aga, à noite — Scragger disse devagar e cautelosamente, sabendo que o inglês de Qeshemi era tão limitado quanto o seu farsi, que era quase nulo. — Loftan, gozar nameh. Loftan. — Por favor, preciso de passaportes. Por favor.
O sargento resmungou, surpreso, e depois fez um sinal com a mão na direção da cidade.
— Passaportes na delegacia, capitão.
— Sim. Mas, me desculpe, não há chave. — Scragger imitou o gesto de alguém abrindo uma fechadura com uma chave. — Não tem chave — ele repetiu.
— Ah, sim. Compreendo. Sim, não tem chave. Amanhã. Amanhã o senhor pega.
— É possível esta noite? Por favor. Agora? — Scragger percebeu a sua curiosidade.
— Por que esta noite?
— Ahn, para uma troca de pessoal. Homens vão para Shiraz. Troca de pessoal.
— Quando?
Scragger sabia que tinha que arriscar.
— No sábado. Se me der a chave, vou até a delegacia e volto imediatamente.
Qeshemi sacudiu a cabeça.
— Amanhã. — Depois ele falou asperamente com Ali Pash que na mesma hora se inclinou e agradeceu profusamente, mais uma vez desculpando-se por incomodá-lo.
— Sua Excelência está dizendo que o senhor pode pegá-los amanhã. É melhor nós irmos embora, capitão.
Scragger forçou um sorriso.
— Mamnoon am, Agha. — Obrigado, Excelência. — Mamnoon am, Agha Qeshemi. — Ele gostaria de pedir a Ali Pash para perguntar ao sargento se poderia apanhar os passaportes assim que a delegacia fosse aberta, mas não quis agitar o sargento desnecessariamente. — Eu irei depois da primeira oração.
— Mamnoon am, Agha. — Scragger estendeu a mão e Qeshemi apertou-a. Cada um sentindo a força do outro. Então ele entrou no carro e foi embora.
Pensativamente, Qeshemi fechou e trancou a porta.
No verão, o pequeno pátio, com seus muros altos, trepadeiras e uma pequena fonte era fresco e convidativo. Agora estava sem vida. Ele o atravessou e abriu a porta que dava para a sala, tornando a trancá-la. Ouviu-se o barulho de uma criança tossindo lá em cima. Uma lareira dava um pouco de calor à casa, mas esta era cheia de correntes de ar, nenhuma das portas e janelas fechava direito.
— Quem era? — Sua mulher perguntou lá de cima.
— Nada, nada de importante. Um estrangeiro da base aérea. O velho. Ele queria os passaportes deles.
— A esta hora da noite? Que Deus nos proteja! Toda a vez que batem na porta eu fico esperando mais problemas... os malditos Faixas Verdes ou os desgraçados dos esquerdistas! — Qeshemi balançou a cabeça, distraído, mas não disse nada, esquentando as mãos no fogo, mal ouvindo o que ela dizia:
— Por que ele veio até aqui? Os estrangeiros são tão mal-educados. Para que ele iria precisar dos passaportes a esta hora da noite? Você os entregou a ele?
— Eles estão trancados no cofre. Normalmente eu trago a chave comigo, mas ela sumiu. — A criança tornou a tossir. — Como está a pequena Sousan?
— Ela ainda está com febre. Traga-me um pouco d'água quente, isto vai ajudar. Ponha um pouco de mel na água. — Ele pôs a chaleira no fogo, suspirou, ouvindo-a resmungar: — Passaportes a esta hora da noite! Por que eles
não podem esperar até sábado? Que falta de consideração! Você disse que a chave sumiu?
— Sim. Provavelmente aquele idiota do Lafti a apanhou e se esqueceu de tornar a colocar no lugar. Seja como Deus quiser.
— Muhammed, por que será que o estrangeiro queria os passaportes a esta hora da noite?
— Não sei. É estranho. Muito estranho.
NO CAMPO DE AVIAÇÃO DE BANDAR DELAM: 19:49H. Rudi Lutz estava na varanda do seu trailer contemplando a chuva.
— Scheiss— resmungou. Atrás dele, a porta estava aberta e o reflexo da luz fazia brilharem as gotas de chuva. Ele estava ouvindo Mozart no toca-fitas. A porta do trailer ao lado, o trailler-escritório, se abriu e ele viu Pop Kelly sair segurando um guarda-chuva e vir pulando pelas poças até onde ele estava. Nenhum dos dois notou o iraniano nas sombras. Em algum lugar da base um gato estava miando.
— Oi, Pop. Entre. Você conseguiu?
— Sim, sem problemas. — Kelly sacudiu a chuva da roupa. Dentro do trailer estava quente e agradável, tudo muito arrumado. O HF estava desencapado e ligado, com a estática se misturando com a música. Havia um bule de café no fogão.
— Café?
— Obrigado. Eu me sirvo. — Kelly entregou-lhe o papel e foi até a cozinha. O papel tinha colunas de números escritas apressadamente, temperaturas, direções de vento, e força do vento para cada trezentos metros, pressão barométrica e a previsão de tempo para o dia seguinte. — A torre de Abadan disse que estava atualizada. Eles disseram que incluía todos os dados fornecidos hoje. Não parecia assim tão mau, hein?
— Se estiver correta. — A previsão indicava uma diminuição da precipitação por volta da meia-noite e uma redução da força do vento. Rudi aumentou o volume do toca-fitas e Kelly sentou-se ao lado dele. Rudi baixou a voz. — Poderia estar tudo bem para nós, e uma droga para Kowiss. Nós ainda vamos precisar reabastecer durante o vôo para chegar até Bahrain.
Kelly tomou um gole de café com satisfação, estava quente e forte, com uma colher de leite condensado.
— O que você faria se fosse Andy?
— Com as três bases com que me preocupar, eu... — Houve um ligeiro barulho lá fora. Rudi se levantou e olhou pela janela. Nada. Então, mais uma vez o barulho do gato, mais perto. — Malditos gatos, eles me dão arrepios.
— Eu gosto de gatos. — Kelly sorriu. — Nós temos três lá em casa: Mateus, Marcos e Lucas. Dois são siameses, o outro é um vira-lata; Betty diz que os garotos estão deixando-a maluca, querendo mais um para arredondar a conta.
— Como está ela?
O vôo de hoje da BA para Abadan trouxera Sandor Petrofi para pilotar o quarto 212, junto com uma carta de Gavallan. Desde o início dos problemas, a correspondência era enviada através do QG em Aberdeen, a primeira em muitas semanas.
— Está bem, aliás está ótima... faltam três semanas. Ela geralmente se mantém dentro do prazo. Eu vou ficar feliz de estar em casa quando ela tiver o bebê. — Kelly sorriu satisfeito. — O médico disse que acha que finalmente vai ser uma menina.
— Parabéns! Isso é maravilhoso! — Todo mundo sabia que os Kelly estavam torcendo para isso. — Sete meninos e uma menina, é um bocado de gente para alimentar. — Rudi pensou no quanto achava difícil pagar as contas e as mensalidades do colégio com apenas três filhos e nenhuma prestação da casa, a casa deixada para a mulher pelo pai dela, que Deus abençoe o velho filho da mãe. — Um bocado de bocas, não sei como você consegue.
— Oh, nós damos um jeito, que Deus seja louvado. — Kelly olhou para a previsão do tempo e franziu a testa. — Sabe, se eu fosse Andy, forçaria a barra e não adiaria nada.
— Se dependesse de mim, eu cancelaria a operação e esqueceria toda esta maluquice. — Rudi continuou falando baixo e chegou mais perto. — Eu sei que vai ser duro para Andy, talvez a companhia tenha que fechar, talvez. Mas nós todos podemos conseguir novos empregos, até melhores, nós temos que pensar na família e eu detesto esta história de agir contra as regras. Como é que nós vamos conseguir dar o fora? Não é possível. Se nós... — Faróis de automóvel iluminaram a janela, um carro se aproximou e parou lá fora.
Rudi foi o primeiro a chegar na janela. Ele viu Zataki saltar com alguns Faixas Verdes, depois Numir, o gerente da base, sair do escritório com um guarda-chuva e se juntar a eles.
— Scheiss — Rudi tornou a resmungar, então baixou a música, checou rapidamente o trailer para ver se havia alguma coisa que os incriminasse e colocou a previsão do tempo no bolso.
— Salaam, coronel — disse, abrindo a porta. — O senhor estava me procurando?
— Salaam, capitão, sim, estava. — Zataki entrou na sala, com uma metralhadora do exército americano pendurada no ombro. — Boa noite. Quantos helicópteros há aqui no momento, capitão?
Numir começou:
— Quatro 212 e..
— Eu perguntei ao capitão — Zataki exclamou — não a você. Se eu quiser que você me dê alguma informação, eu peço! Capitão?
— Quatro 212 e dois 206, coronel.
Para grande espanto deles, especialmente de Numir, Zataki disse:
— Ótimo. Eu quero que dois 212 sejam enviados para a Irã-Toda amanhã às oito horas para trabalhar sob as ordens do aga Watanabe, o chefe de lá. A partir de amanhã, vocês deverão fazer isto diariamente. O senhor o conhece?
— Ahn, sim, ahn, uma vez eles tiveram uma emergência e nós os ajudamos. — Rudi tentou controlar-se. — Ahn, eles... eles vão trabalhar no dia santo, coronel?
— Sim. E vocês também. Numir disse:
— Mas o aiatolá dis...
— Ele não é a lei. Cale-se. — Zataki olhou para Rudi. — Esteja lá às oito horas.
Rudi balançou a cabeça.
— Ahn, sim. Posso, ahn, oferecer-lhe um café, coronel?
— Obrigado. — Zataki encostou a metralhadora num canto e se sentou na mesa, com os olhos em Pop Kelly. — Eu não o vi em Kowiss?
— Sim, é verdade — ele respondeu. — Aquela é a minha base. Eu, ahn, vim trazer um 212. Eu sou Ignatius Kelly. — E desabou numa cadeira em frente a ele, tão abalado quanto Rudi, encolhendo-se sob o seu olhar. — Está uma noite para peixes, hein?
— O quê?
— A, ahn, a chuva.
— Ah, sim — disse Zataki. Estava satisfeito por estar falando inglês, melhorando o seu inglês, convencido de que os iranianos que soubessem falar a língua internacional e fossem educados seriam muito procurados, mulás ou não. Desde que começara a tomar as pílulas que o dr. Nutt lhe dera, ele se sentia muito melhor, as dores de cabeça tinham melhorado. — A chuva vai impedir os vôos de amanhã?
— Não...
— Isso depende — Rudi disse rapidamente da cozinha — do tempo melhorar ou piorar. — Ele trouxe a bandeja com duas xícaras de açúcar e leite condensado, ainda tentando enfrentar este novo desastre. — Por favor, sirva-se, coronel. Com relação à Irã-Toda — ele disse cautelosamente — todos os nossos helicópteros estão sob contrato com a IranOil e o aga Numir aqui é o encarregado. — Numir concordou com a cabeça, começou a dizer alguma coisa, mas mudou de idéia. — Nós temos contratos com a IranOil
O silêncio ficou mais pesado. Todos eles olhavam para Zataki. Sem pressa, ele colocou três Colheres cheias de açúcar no seu café, mexeu e tomou um gole.
— Está muito bom, capitão. Sim, muito bom, e sim, eu sei sobre a IranOil, mas resolvi que neste momento a Irã-Toda tem preferência sobre a IranOil e amanhã você vai fornecer dois 212 às oito horas para a Irã-Toda.
Rudi olhou para o gerente da base, que evitou o seu olhar.
— Mas... bem, desde que a IranOil não faça objeções...
— Não há objeções — Zataki disse para Numir. — Não é, aga?
— Sim, sim, aga — Numir concordou humildemente. — É claro que eu vou informar aos meus superiores da sua... da sua eminente decisão.
— Ótimo. Então está tudo combinado. Ótimo.
Não está nada combinado, Rudi teve vontade de gritar.
— Posso perguntar, ahn, como vamos ser pagos pelo, ahn, novo contrato? — perguntou, sentindo-se um imbecil.
Zataki pendurou a arma no ombro e levantou-se.
— A Irã-Toda tomará as providências. Obrigado, capitão, eu voltarei depois da primeira oração amanhã. O senhor pilotará um dos helicópteros e eu o acompanharei.
— Ótima idéia, coronel — Pop Kelly exclamou repentinamente, sorrindo e Rudi teve ganas de matá-lo. — Não há necessidade de vir antes das oito horas, isto seria melhor para nós. Há tempo bastante para se chegar lá digamos às oito e quinze. É uma grande idéia trabalhar para a Irã-Toda. Nós sempre desejamos este contrato, como podemos agradecer-lhe, coronel! Fantástico! De fato, Rudi, nós deveríamos levar todos os quatro aparelhos, fazer os rapazes tomarem conhecimento do trabalho imediatamente, isto pouparia tempo, imediatamente, sim senhor, eu vou prepará-los para você! — E saiu apressado.
Rudi ficou olhando para a porta, quase vesgo de fúria.
PERTO DO AEROPORTO DE AL SHARGAZ: 20:01H. A noite estava linda e perfumada com o cheiro das flores e Gavallan e Pettikin estavam sentados no terraço do Hotel Oásis, ao lado do campo de aviação, na beira do deserto. Eles tomavam uma cerveja antes do jantar, Gavallan estava fumando um cigarro fino e olhando para o horizonte onde o céu, roxo e cheio de estrelas, se encontrava com a terra mais escura. A fumaça do cigarro subia em espiral. Pettikin se mexeu na sua cadeira.
— Eu gostaria que houvesse mais alguma coisa que eu pudesse fazer.
— Eu queria que o velho Mac estivesse aqui, eu iria quebrar o seu maldito pescoço — Gavallan disse e Pettikin riu. Alguns hóspedes já estavam na sala de jantar que ficava atrás deles. O Oásis era velho e decadente, estilo barroco, e tinha sido a residência britânica quando os britânicos eram a única potência do golfo e, até 1971, evitavam a pirataria e mantinham a paz. Uma música tão antiga quanto o conjunto de três componentes se fazia ouvir — piano, violino e baixo, duas senhoras idosas e um senhor de cabeça branca no piano.
— Meu Deus, isto não é Chu Chin Chowly. Você me pegou, Andy. — Pettikin olhou para trás, viu Jean-Luc na sala de jantar, conversando com Nogger Lane, Rodrigues e alguns dos outros mecânicos. Ele tomou um gole da sua cerveja e viu que o copo de Gavallan estava vazio. — Quer mais uma?
— Não, obrigado. — Gavallan deixou os olhos vagarem com a fumaça.
— Acho que vou até o escritório da meteorologia e depois dar uma passada no nosso.
— Eu vou com você.
— Obrigado, Charlie, mas por que você não fica aqui para o caso de alguém telefonar?
— Claro, como você quiser.
— Não me espere para jantar, eu me encontro com você para o cafezinho. Vou dar uma passada no hospital para ver o Duke quando estiver voltando.
— Gavallan levantou-se, atravessou a sala de jantar cumprimentando o pessoal da sua equipe que estava lá, e entrou no saguão, que também já tinha conhecido dias melhores.
— Sr. Gavallan, desculpe-me effendi, mas há uma chamada para o senhor. — O recepcionista apontou para a cabine telefônica que ficava ali ao lado. Era forrada de feltro e não tinha nem ar condicionado nem privacidade.
— Alô, Gavallan falando — ele disse.
— Alô, patrão, Liz Chen... é só para dizer que recebemos uma chamada a respeito das duas encomenda de Luxemburgo e elas vão chegar atrasadas.
— "Encomendas de Luxemburgo" era o código para os dois 747 de carga que ele tinha fretado. — Não podem chegar na sexta-feira. Eles só podem garantir que cheguem no domingo às 16 horas.
Gavallan ficou abalado. Ele fora avisado pelos fretadores de que estavam com uma agenda muito apertada entre um frete e outro e que poderia haver um atraso de 24 horas. Ele tivera muita dificuldade para conseguir os aviões. Obviamente, ele não pôde se dirigir a nenhuma das companhias aéreas que serviam o golfo ou o Irã e teve que ser vago a respeito do motivo do frete e da sua carga.
— Ligue para eles imediatamente e tente antecipar esta data. Seria mais seguro se elas chegassem no sábado, muito mais seguro. O que mais?
— A Imperial Air se ofereceu para assumir a nossa posição com os novos X63.
— Mande-os para o inferno. O que mais?
— A ExTex reformulou a sua oferta com relação aos novos contratos na Arábia Saudita, Singapura e Nigéria, baixando o preço em dez por cento.
— Aceite a oferta por telex. Marque um almoço com o chefão em Nova York na terça-feira. O que mais?
— Estou com a lista de números de peças que você queria.
— Ótimo. Espere um instante. — Gavallan apanhou o bloco que carregava sempre com ele e encontrou a página que queria. Ela continha a lista dos registros iranianos dos dez 212 que ainda estavam no Irã, todos começando com 'EP' para Irã, depois 'H' para helicóptero e mais duas letras. — Pronto. Pode dizer.
— AB, RV, Kl
Enquanto ela lia as letras, ele as escrevia ao lado da coluna anterior. Por segurança, ele não colocou o registro novo por inteiro, omitindo 'G' para Grã-Bretanha e 'H' para helicóptero, anotando apenas as duas letras novas finais. Ele releu a lista e ela combinava com os dados que ele tinha.
— Obrigado, está tudo certo. Eu ligo para você hoje à noite, Liz. Ligue para Maureen e diga-lhe que está tudo bem.
— Está bem, patrão. Sir Ian telefonou há meia hora atrás para desejar-lhe boa sorte.
— Oh, que bom! — Gavallan tinha tentado falar com ele durante todo o tempo em que esteve em Aberdeen e Londres, mas não tinha conseguido. — Onde ele está? Ele deixou o telefone?
— Sim. Ele está em Tóquio: 73 73 84. Ele disse que ficará lá por algum tempo e que se você não conseguisse falar com ele, tornaria a ligar-amanhã. Ele também disse que estará de volta dentro de duas semanas e que gostaria de vê-lo.
— Melhor ainda. Ele mencionou o assunto?
— Óleo para as lamparinas da China — disse sua secretária, em código. O interesse de Gavallan aumentou.
— Maravilhoso. Marque uma data o mais cedo que ele puder. Ligo para você mais tarde, Liz, tenho que correr.
— Está bem. Só quero lembrar-lhe que amanhã é aniversário do Scot.
— Deus do céu, eu tinha esquecido. Obrigado, Liz. Falo com você mais tarde. — Ele desligou, satisfeito com as notícias de Ian Dunross, abençoando o sistema telefônico de Al Shargaz e a discagem direta à distância. Ele discou. Em Tóquio eram cinco horas a mais, cerca de uma hora da manhã.
— Hafl — disse uma voz de mulher, sonolentamente.
— Boa noite. Desculpe ligar tão tarde, mas recebi um recado para ligar para Sir Ian Dunross. Aqui é Andrew Gavallan.
— Ah, sim. Ian não está aqui no momento, ele só voltará amanhã, sinto muito. Talvez às dez horas. O senhor pode deixar o seu telefone, sr. Gavallan?
Gavallan deu o telefone, desapontado.
— Há algum outro número onde possa encontrá-lo?
— Não, sinto muito.
— Por favor, peca-lhe para me telefonar, a qualquer hora. — Ele tornou a agradecer e desligou, pensativo.
Lá fora estava o carro que tinha alugado. Entrou nele e se dirigiu para a entrada principal do aeroporto. Um 707 estava se aproximando da pista, com os faróis acesos, e as luzes da cauda e das asas piscando.
— Boa noite, sr. Gavallan — disse Sibbles, o funcionário da meteorologia. Ele era inglês, magro, pequeno, desidratado, e estava no golfo há dez anos. — Aqui está. — Ele entregou a Gavallan a longa fotocópia com a previsão do tempo. — O tempo vai ficar instável por aqui nos próximos dias. — Entregou-lhe mais três folhas. — Lengeh, Kowiss e Bandar Delam.
— E qual é a última previsão?
— São quase todas iguais, com uma diferença de 10 ou 15 nós para mais ou para menos, algumas centenas de pés de teto... desculpe, não consigo me acostumar com o sistema métrico. Uns cem metros de teto. Nos próximos dias o vento deve voltar ao normal, o simpático noroeste. A partir de meia-noite, estamos prevendo chuva e nuvens baixas e neblina sobre quase todo o golfo, ventos de sudeste de cerca de 20 nós com pancadas de chuva, e alguma turbulência. — Ele levantou os olhos e sorriu. — E turbilhões.
O estômago de Gavallan deu um salto, embora Sibbles tivesse dito aquilo sem segundas intenções e não estivesse a par do segredo. Pelo menos, eu acho que não está, pensou. Esta é a segunda coincidência estranha de hoje. A outra foi o americano que estava almoçando numa mesa perto da minha com um shargazi cujo nome eu não entendi.
— Boa sorte amanhã — o homem tinha dito com um sorriso simpático, bem-humoradamente, na hora que estava saindo
— Perdão?
— Glenn Wesson, da Wesson Oil Marketing, o senhor é Andrew Gavallan, certo? Nós soubemos que o senhor e seus rapazes estão organizando uma., uma 'corrida de camelos' amanhã no oásis de Dez-al, certo?
— Nós não, sr. Wesson. Não nos interessamos muito por camelos.
— É mesmo? O senhor deveria experimentar, é muito divertido. De qualquer maneira, boa sorte.
Pode ter sido uma coincidência. Corridas de camelo eram uma diversão comum entre os estrangeiros e o oásis de Dez-al um dos lugares favoritos para o fim-de-semana islâmico.
— Obrigado, sr. Sibbles, vejo-o amanhã. — Ele guardou as previsões no bolso e desceu as escadas até o saguão do terminal-, dirigindo-se para o escritório da companhia, que ficava ali ao lado. Nada de positivo ainda, estava pensando. Sábado é mais seguro do que amanhã. É preciso arriscar. Não posso esperar mais muito tempo.
— Como você vai decidir? — sua mulher, Maureen, tinha perguntado, ao se despedir dele na madrugada do dia anterior, com Aberdeen quase inundada e continuando a chover.
— Não sei, garota. Mac tem um bom faro, ele vai ajudar.
E agora nada de Mac! Mac ficando biruta, Mac pilotando sem um exame médico, Mac convenientemente preso em Kowiss e a única saída sendo o Turbilhão; Erikki ainda desaparecido, e o pobre Duke uma fera por estar fora da lista, mas teve uma sorte danada em vir para cá. O doutor Nutt estava certo. As radiografias mostraram que várias lascas de osso tinham perfurado o seu pulmão esquerdo e que havia mais uma dúzia ameaçando uma artéria. Ele olhou para o relógio do saguão: 20:27h. Nesta altura ele já deve ter acordado da anestesia.
Tenho que decidir logo. De comum acordo com Charlie Pettikin tenho que tomar logo uma decisão.
Ele entrou pela porta que dizia PROIBIDA A ENTRADA EXCETO PARA QUEM VIER A SERVIÇO, atravessou o corredor com janelas de vidro em toda a sua extensão. Na pista, o 707 estava sendo guiado para o local de desembarque por um carro-guia e o aviso estava escrito em inglês e em farsi. Vários ônibus de quarenta lugares para transporte de passageiros estavam estacionados ali perto, no meio de um Jumbo da Pan Am que fazia parte do esquema de evacuação de Teerã e de meia dúzia de jatos particulares. Gostaria que hoje fosse sábado, pensou. Não, talvez não.
Na porta do conjunto de escritórios da companhia estava escrito: S-G HELICÓPTEROS, SHEIK AVIATION
— Olá, Scot
— Olá, papai. — Scot sorriu. Ele estava sozinho, era o oficial de plantão e estava sentado diante do HF com um livro no colo e o braço direito na tipóia. — Nada de novo exceto um recado para ligar para Roger Newbury na casa dele. Posso fazer a ligação?
— Daqui a pouco, obrigado. — Gavallan entregou-lhe os relatórios da meteorologia. Scot examinou-os rapidamente. O telefone tocou. Sem parar de ler, ele atendeu.
— S-G? — Ele ouviu por um momento. — Quem? Oh, sim. Não, ele não está aqui, sinto muito. Sim, eu digo a ele. Até logo. — Ele desligou e suspirou. — A nova conquista de Johnny Hogg, Alessandra. Manuela a chama de 'Tamale apimentado' porque ela tem certeza de que ele vai ficar com a boca ardendo. — Gavallan riu. Scot levantou os olhos dos relatórios. — Nem uma coisa nem outra. Pode ser muito bom, dá bastante cobertura. Mas se o vento aumentar pode ser horrível, sábado é melhor do que sexta-feira. — Seus olhos azuis observavam o pai que estava olhando pela janela para o tráfego na pista, onde os passageiros do jato estavam desembarcando.
— Eu concordo. — Gavallan disse, neutramente. — Há algo.. — Ele parou porque o HF começou a funcionar.
— Al Shargaz, aqui é o escritório de Teerã, estão me ouvindo?
— Aqui é o escritório de Al Shargaz, você está quatro por cinco, continue - disse Scot.
— O diretor Siamaki quer falar imediatamente com o sr. Gavallan. Gavallan balançou a cabeça negativamente.
— Eu não estou aqui — murmurou.
— Posso anotar o recado? — Scot perguntou no microfone. — Já está um pouco tarde, mas eu darei o recado o mais cedo possível.
Espera. Estática. Depois ouviu-se a voz arrogante que Gavallan detestava.
— Aqui é o diretor Siamaki. Diga a Gavallan para ligar para mim esta noite. Eu estarei aqui até as dez e meia ou a partir das nove da manhã. Sem falta. Entendido?
— Cinco por cinco, escritório central — Scot disse docemente. — Câmbio e desligo.
— Metido, filho da mãe — Gavallan resmungou. Depois perguntou: — Que diabo ele está fazendo no escritório a essa hora da noite?
— Deve estar bisbilhotando, e se está planejando trabalhar no dia santo.. vsso é muito suspeito, não?
Mac disse que podia tirar do cofre tudo o que fosse importante e atiraT a chave dele e a sobressalente na vala.
— Aposto que esses metidos têm duplicatas — disse Gavallan. — Vou ter que esperar até amanhã pelo prazer de falar com ele. Scot há alguma maneira de evitar que ele ouça as nossas ligações?
— Não, não se usarmos freqüências da companhia, que são as únicas que temos.
O pai concordou com a cabeça.
— Quando Johnny chegar, lembre a ele que eu posso querer que ele levante vôo amanhã a qualquer momento. — Era parte do plano da operação Turbilhão usar o 125 como um VHF transmissor-receptor de alta altitude para cobrir os helicópteros que só possuíam VHF. — De sete horas em diante.
— Então vai ser mesmo amanhã.
— Ainda não. — Gavallan apanhou o telefone e discou. — Boa noite, sr. Newbury, por favor, aqui é o sr. Gavallan. — Roger Newbury era um dos funcionários do consulado britânico que tinha sido muito gentil, facilitando a obtenção dos vistos. — Alô, Roger, você queria falar comigo? Desculpe, você não esta jantando, está?
— Não, foi bom você ligar. Duas coisas: primeiro, uma má notícia, acabamos de saber que George Talbot foi assassinado.
— Meu Deus, como foi?
— Acho que foi muito azar. Ele estava num restaurante onde havia alguns aiatolás importantes. Um carro-bomba terrorista explodiu o lugar e ele foi junto. Ontem, na hora do almoço.
— Que horror!
— Sim. Havia um certo capitão Ross com ele. Ele também ficou ferido. Acho que você o conhece.
— Sim, sim, eu o conheci. Ele ajudou a esposa de um dos nossos pilotos a sair de uma encrenca em Tabriz. Um rapaz simpático. Ele está muito ferido?
— Nós não sabemos, é tudo muito confuso, mas a nossa embaixada em Teerã mandou-o para o Hospital Internacional do Kuwait ontem. Amanhã eu vou saber direito e digo para você. Agora, você me perguntou se eu podia descobrir o paradeiro do capitão Erikki Yokkonen. — Houve uma pausa e o ruído de papéis e Gavallan ficou de dedos cruzados. — Nós recebemos um telex esta noite de Tabriz, pouco antes de eu sair do escritório: "Em resposta às suas indagações a respeito do capitão Erikki Yokkonen, acredita-se que ele tenha escapado dos seus seqüestradores e que esteja agora com a sua esposa na palácio de Hakim Khan. Um relatório mais detalhado será encaminhado amanhã, assim que isto possa ser verificado."
— Você quis dizer Abdullah Khan, Roger. — Excitadamente, Gavallan cobriu o bocal e cochichou para Scot: — Erikki está a salvo!
— Fantástico! — Scot disse, imaginando quais teriam sido as más notícias.
— O telex diz Hakim Khan — Newbury estava dizendo.
— Não faz mal, graças a Deus ele está a salvo. — E graças a Deus foi removido mais um grande empecilho à operação Turbilhão, pensou. — Você podia mandar-lhe uma mensagem minha?
— Eu poderia tentar. Ligue amanhã. Não posso garantir que vá chegar a ele, a situação no Azerbeijão ainda é muito instável. Mas podemos tentar.
— Não sei como posso agradecer-lhe, Roger. Foi muita gentileza sua informar-me. Sinto muito sobre Talbot e o jovem Ross. Se houver algo que eu possa fazer para ajudar Ross, fale comigo.
— Sim, sim, farei isto. A propósito, nós estamos sabendo. — Isto foi dito de sopetão.
— Perdão?
— Vamos dizer, 'Turbulências' — Newbury disse delicadamente. Por um momento, Gavallan ficou em silêncio, depois se recuperou.
— Ah, é?
— É. Parece que um certo sr. Kasigi queria que você prestasse serviços à Irã-Toda a partir de ontem e você disse a ele que não poderia lhe dar uma resposta antes de trinta dias. Então nós, ahn, somamos dois mais dois e com todos os boatos que andam por aí ficamos curiosos.
Gavallan estava tentando manter-se calmo.
— Não prestar serviços à Irã-Toda é uma decisão comercial, Roger, nada mais. Atualmente é muito difícil operar no Irã, você sabe disso. Eu não poderia assumir uma tarefa extra.
— É mesmo? — A voz de Roger ficou seca. Então, ele acrescentou severamente: — Bem, se o que soubemos é verdade, nós o aconselhamos a não fazê-lo.
Gavallan disse teimosamente:
— Você certamente não me aconselharia a apoiar a Irã-Toda quando todo o Irã está se desintegrando, não é?
Mais uma pausa. Um suspiro. Então.
— Bem, não quero prendê-lo, Andy. Talvez,possamos almoçar juntos No sábado.
— Sim, obrigado, eu teria muito prazer. — Gavallan desligou.
— Qual foi a má notícia? — Scot perguntou.
Gavallan contou-lhe a respeito de Talbot e Ross e depois sobre 'Turbulências'. — Isto está perto demais de Turbilhão para ser engraçado.
— Que história é essa a respeito de Kasigi?
— Ele queria imediatamente dois 212 de Bandar Delam para prestarem serviço à Irã-toda. Eu tive que desconversar. — O encontro deles fora breve e direto:
— Sinto muito, sr. Kasigi, não é possível atendê-lo esta semana nem na próxima. E não poderei fazê-lo nos próximos trinta dias.
— Mas meu diretor ficaria muito grato. Acho que o senhor o conhece?
— Sim, e se eu pudesse ajudar, certamente o faria. Sinto muito, mas não é possível.
— Mas... então o senhor pode sugerir uma alternativa? Eu preciso do apoio de helicópteros.
— Que tal uma companhia japonesa?
— Não há nenhuma. Existe... existe mais alguém que possa me atender?
— Não que eu saiba. A Guerney jamais voltará, mas eles podem saber de alguém. — Ele tinha dado o telefone da Guerney para ele e o infeliz japonês tinha ido embora.
Ele olhou para o filho.
— Foi uma pena, mas eu não podia fazer nada por ele.
— Se a notícia tiver se espalhado... — Scot ajeitou a tipóia. — Se a notícia tiver se espalhado, então temos que dar o fora. Mais um motivo para apressar as coisas.
— Ou para cancelar a operação. Acho que vou dar uma passada no hospital para ver Duke. Comunique-se comigo se alguém ligar. Nogger vai substitui-lo?
— Sim. À meia-noite. Jean-Luc ainda está com lugar reservado no vôo da madrugada para Bahrain e Pettikin para o Kuwait. Eu confirmei as reservas. — Scot ficou olhando para ele.
Gavallan não respondeu à pergunta não formulada
— Deixe as coisas como estão por enquanto. — Ele viu o filho sorrir e concordar e seu coração encheu-se de amor, orgulho e preocupação por ele, misturado com suas próprias esperanças de um futuro que dependia dele ser capaz de arrancar todos eles das garras do Irã. Ficou surpreso ao se ver perguntando:
— Você não gostaria de deixar de pilotar, rapaz?
— O quê?
Gavallan sorriu do espanto do filho. Mas agora que tinha falado, resolveu continuar.
— Isto faz parte de um plano a longo prazo. Para você e a família. De fato eu tenho dois planos... só entre nós. É claro que os dois dependem de nós continuarmos no negócio ou não. O primeiro é você desistir de pilotar e ir para Hong Kong por uns dois anos para aprender sobre o ramo de lá da Struan's, depois você voltaria para Aberdeen talvez por mais um ano e depois tornaria a voltar para Hong Kong onde ficaria trabalhando. O segundo seria para você fazer um curso sobre X63, passar uns seis meses nos Estados Unidos, talvez um ano, aprendendo esta parte do negócio, depois passaria uma temporada no mar do Norte. E depois iria para Hong Kong.
— Sempre de volta a Hong Kong?
— Sim. A China algum dia abrirá as portas à exploração de petróleo e eu e Ian queremos que a Struan's esteja preparada com uma operação completa, helicópteros de apoio, plataformas, o pacote todo. — E sorriu estranhamente. "Petróleo para as lamparinas da China" era o código para o plano secreto de Ian Dunross, do quai Linbar Struan não estava a par. — A Air Struan será a nova companhia e ficará responsável pela China, os mares da China e toda a bacia da China. O nosso plano é que você dirija esta companhia.
— Não há muito potencial lá — Scot disse com uma indiferença fingida. — Você acha que a Air Struan terá algum futuro? — E então ele deixou o sorriso aparecer.
— Mais uma vez, isto é só entre nós, Linbar ainda não sabe disto. Scot franziu a testa.
— Ele vai aprovar a minha ida para lá, entrando para a Struan's e fazendo tudo isto?
— Ele me odeia, Scot, não a você. Ele não se opôs ao seu namoro com a sobrinha dele, se opôs?
— Ainda não. Não, não se opôs ainda.
— O momento é este e nós temos que ter um plano para o futuro, para a família. Você está na idade certa, eu acho que você poderia fazer isto. — Gavallan animou-se. — Você é metade Dunross, é um descendente direto de Dirk Struan, e portanto tem responsabidades que estão além da sua própria vontade. Você e sua irmã herdaram as ações da sua mãe, você poderá candidatar-se ao conselho interno se for bom o bastante. Aquele cretino do Linbar vai ter que se aposentar algum dia, nem mesmo ele vai conseguir destruir completamente a Casa Nobre. O que você acha do meu plano?
— Eu gostaria de pensar um pouco sobre isto, papai. O que há para pensar, rapaz?, ele pensou.
— Boa noite, Scot, talvez eu passe por aqui mais tarde. — Ele bateu-lhe de leve no ombro e saiu. Scot não vai me desapontar, ele disse a si mesmo, cheio de orgulho.
No espaçoso salão da Alfândega Imigração, passageiros faziam fila para passar pela Imigração, outros esperavam por suas bagagens. O quadro de chegadas anunciava que o vôo da Gulf Air n? 52 de Muscat, capital do Omã, tinha chegado na hora e que deveria partir dentro de 15 minutos para Abu Dhabi, Bahrain e Kuwait. A banca de jornal ainda estava aberta, e ele foi até lá para ver que jornais havia. Estava estendendo a mão para apanhar o Times de Londres quando viu o cabeçalho PRIMEIRO-MINISTRO CALLAGHAN ANUNCIA OS SUCESSOS DO PARTIDO TRABALHISTA e mudou de idéia. Para que eu quero saber disto?, pensou. Então ele viu Genny McIver.
Ela estava sentada sozinha, perto do portão de embarque, com uma pequena mala ao lado.
— Olá, Genny, o que você está fazendo aqui? Ela sorriu docemente.
— Eu vou para o Kuwait. Ele também sorriu docemente.
— E para quê?
— Porque eu preciso de umas férias.
— Não seja ridícula. O botão ainda nem foi apertado e de qualquer maneira não há nada que você possa fazer lá, nada. Você só atrapalharia. É muito melhor ficar esperando aqui. Genny, pelo amor de Deus, seja razoável.
O sorriso continuou o mesmo.
— Você já terminou?
— Sim.
— Eu sou razoável, sou a pessoa mais razoável do mundo. Mas Duncan McIver não é. Ele é o cara mais torto e desorientado que eu já conheci e é para o Kuwait que eu vou. — Tudo isso foi dito com uma calma fantástica.
Espertamente, ele mudou de tática.
— Por que você não me contou que estava indo ao invés de sair de fininho? Eu ficaria morto de preocupação se você sumisse.
— Se eu tivesse falado com você, você teria tentado me fazer desistir. Eu pedi a Manuela para lhe contar depois, dizer-lhe a hora do vôo, o nome do hotel, e o telefone. Mas estou contente que esteja aqui, Andy. Você pode se despedir de mim. Eu gostaria de ter alguém que viesse se despedir de mim, detesto não ter ninguém para me trazer, bem você sabe o que eu quero dizer.
Foi então que ele viu o quanto ela parecia frágil.
— Você está bem, Genny?
— Oh, sim... É só que... bem, é só que eu preciso estar lá, não posso ficar aqui sentada, e de qualquer maneira uma parte disto foi idéia minha, eu também me sinto responsável e não quero que nada... nada dê errado.
— Nada vai dar errado — disse e os dois bateram na madeira do banco. Então ele passou o braço pelo ombro dela. — Vai dar tudo certo. Ouça, uma boa notícia. — E contou a ela sobre Erikki.
— Oh, isto é maravilhoso. Hakim Khan? — Genny vasculhou a memória. — Este não é o irmão de Azadeh, aquele que estava vivendo em... droga, esqueci o nome, algum lugar perto da Turquia, o nome dele não era Hakim?
— Talvez o telex estivesse certo e ele seja Hakim 'Khan'. Isto seria ótimo para eles.
— Sim. O pai dela parecia ser um homem horrível. — Ela o olhou ansioso. — Você já decidiu? Vai ser amanhã?
— Não, ainda não.
— E quanto ao tempo? Ele lhe contou.
— Isto não ajuda muito — ela disse.
— Gostaria que Mac estivesse aqui. Ele saberia o que fazer numa situação como esta.
— Não mais do que você, Andy. — Eles olharam para o quadro de embarque enquanto o locutor chamava os passageiros do vôo 52. Eles se levantaram. — Se isso adianta de alguma coisa, Andy, se tudo continuar como está, Mac decidiria por amanhã.
— Como é que você sabe?
— Eu conheço Duncan. Até logo, querido Andy. — Ela o beijou apressadamente e não olhou para trás.
Esperou até que ela tivesse desaparecido. Ele saiu, muito pensativo, e não notou Wesson perto da banca de jornais, guardando a sua caneta.
AL SHARGAZ — HOTEL OÁSIS: 5:37H. Gavallan estava parado diante da janela, já vestido, e lá fora ainda era noite, exceto a leste, e estava quase amanhecendo. Havia traços de neblina vindos da costa, a meio quilômetro de distância, que desapareciam rapidamente na direção do deserto. O céu estava sem nuvens a leste, mas aos poucos foi se cobrindo de nuvens. De onde ele estava, podia ver quase todo o campo de aviação. As luzes da pista estavam acesas, um pequeno jato se preparava para decolar e o vento trazia um cheiro de querosene. Houve uma batida na porta.
— Entre! Ah, bom dia, Jean-Luc, bom dia, Charlie.
— Bom dia, Andy. Se quisermos pegar o nosso vôo está na hora de sairmos — disse Pettikin, com o nervosismo fazendo-o falar atropeladamente. Ele estava escalado para ir para o Kuwait e Jean-Luc para Bahrain.
— Onde está Rodrigues?
— Está esperando lá embaixo.
— Ótimo, então é melhor vocês irem logo. — Gavallan ficou satisfeito por sua voz soar calma. Pettikin ficou radiante, Jean-Luc resmungou merde. — Se você concordar, Charlie, eu proponho apertar o botão às sete horas conforme o planejado, desde que nenhuma das bases dê o contra antes. Se o fizerem, tentaremos outra vez amanhã. De acordo?
— De acordo. Não houve nenhuma chamada ainda?
— Ainda não.
Pettikin mal podia conter a sua excitação.
— Bem, lá vamos nós. Vamos, Jean-Luc! Jean-Luc levantou as sobrancelhas.
— Mon Dieu, é a vez dos escoteiros! — Então encaminhou-se para a porta. — As notícias sobre Erikki foram ótimas, Andy, mas como é que ele vai dar o fora?
— Eu não sei. Vou procurar Newbury no consulado para tentar mandar uma mensagem para ele, para sair via Turquia. Vocês dois me telefonem assim que aterrissarem. Eu estarei no escritório a partir das seis. Vejo-os mais tarde.
E fechou a porta atrás deles. Agora estava feito. A menos que uma das bases desistisse.
EM LENGEH: 5:49H. Mal se percebia a claridade do amanhecer através das nuvens. Scragger estava usando uma capa de chuva e atravessou as poças d'água em direção à cozinha que era o único lugar da base que estava com a luz acesa. O vento sacudia o seu boné de piloto, fazendo a chuva bater no seu rosto.
Para sua surpresa, Willi já estava na cozinha, sentado perto do fogão a lenha, tomando café.
— Bom dia, Scragger, café? Acabei de fazer. — Ele fez um sinal com a cabeça em direção a um dos cantos. Enroscado no chão, profundamente adormecido perto do calor do fogo, estava um dos Faixas Verdes do campo. Scragger fez que sim com a cabeça e tirou a capa.
— Chá para mim, filho. Você acordou cedo. Onde está o cozinheiro? Willi deu de ombros e colocou a chaleira de volta no fogo.
— Atrasado. Eu quis tomar café cedo. Vou mexer uns ovos. Quer que eu faça para você também?
Scragger ficou faminto de repente.
— Ótimo! Quatro ovos para mim e duas torradas e no almoço eu vou comer pouco. Nós temos pão, cara? — Ele viu Willi abrir a geladeira. Três pães de fôrma, bastante manteiga e ovos. — Oba! Não sei comer ovos sem torradas com manteiga. O gosto não fica bom. — Ele olhou para o relógio.
— O vento virou quase na direção do sul e está a trinta nós
— O meu nariz diz que vai diminuir.
— O meu rabo diz que vai diminuir mas que ainda vai ser foda.
— Tenha confiança, cara. — riu Scragger.
— Vou ficar muito mais confiante com o meu passaporte.
— Eu também, mas o plano ainda está de pé. — Na noite passada, quando ele voltou da casa do sargento, Vossi e Willi estavam esperando por ele. Bem longe de ouvidos indiscretos, ele lhes contou o que tinha acontecido.
Willi dissera imediatamente:
— É melhor avisarmos Andy de que talvez tenhamos que desistir. — E Vossi tinha concordado.
— Não — dissera Scragger. — Eu estou imaginando o seguinte, cara: se Andy não der sinal verde para o Turbilhão de manhã, eu terei o dia inteiro para pegar os passaportes. Se ele der a ordem, será às sete horas em ponto. Isto me dá bastante tempo para chegar na delegacia às sete e meia e estar de volta às oito. Enquanto eu estiver fora, vocês vão providenciando tudo.
— Jesus, Scrag, nós já...
— Ed, quer me ouvir? Nós partimos de qualquer jeito mas evitamos Al Shargaz, onde temos certeza de que teríamos problemas e nos refugiamos em Bahrain. Eu conheço o oficial do porto de lá. Nós invocamos a sua proteção, talvez tenhamos alguma 'emergência' na praia. Enquanto isso, falamos por rádio com Al Shargaz assim que sairmos do espaço aéreo do Irã para que alguém vá nos encontrar para pagar as nossas fianças. Isso foi o melhor que eu pude pensar e pelo menos ficaremos cobertos de qualquer jeito.
E ainda é o melhor que eu consigo pensar, ele disse a si mesmo, observando Willi no fogão, a manteiga começando a chiar na frigideira.
— Eu pensei que os ovos iam ser mexidos.
— É assim que se faz ovos mexidos. — A voz de Willi soou impaciente.
— Não é mesmo — Scragger disse secamente. — Você tem que usar água ou leite e...
— Pelo amor de Deus — Willi respondeu — se você não quer... Scheissl Desculpe, Scrag, eu não queria ser agressivo.
— Eu também estou nervoso, cara. Não tem problema
— É assim que minha mãe costuma fazer. Você coloca os ovos na frigideira sem batê-los, deixa a parte branca cozinhar e então, rápido como um raio, você coloca um pouco de leite e mexe, assim a clara fica branca e a gema amarela... — Willi não conseguia parar de falar. Ele tinha passado uma noite ruim... com pesadelos e maus pressentimentos e agora não estava se sentindo melhor
Lá no canto o Faixa Verde se mexeu, sentindo o cheiro de manteiga derretida e se espreguiçou, cumprimentou-os sonolentamente, depois se ajeitou mais confortavelmente e voltou a dormir. Quando a água da chaleira ferveu, Scragger preparou um pouco de chá, e olhou para o relógio: 5:56h. Atrás dele, a porta se abriu e Vossi entrou e sacudiu a água do guarda-chuva.
— Oi, Scrag! Ei, Willi, café, duas torradas com ovos e bacon para mim
— Vá à merda!
Todos riram, tontos de ansiedade. Scragger tornou a olhar para o relógio. Pare com isso! Ordenou a si mesmo. Você tem que manter a calma, assim eles também ficarão calmos. É fácil ver que os dois estão prestes a explodir
EM KOWISS: 6:24H. McIver e Lochart estavam na torre olhando para a chuva e para o céu carregado. Ambos estavam vestidos com os uniformes de vôo, McIver sentado em frente ao HF, Lochart em pé perto da janela. Não havia nenhuma luz acesa — só os verdes e vermelhos do equipamento. Nenhum ruído, exceto o zumbido agradável e o barulho não tão agradável do vento que entrava pelas janelas quebradas, fazendo as antenas sacudirem.
Lochart olhou para o marcador de vento. Vinte e cinco nós, com rajadas de trinta de sul-sudeste. Lá no hangar, dois mecânicos estavam lavando os já limpos 212 e o 206 que McIver tinha trazido de Teerã. Havia luzes na cozinha. Exceto por uma pequena equipe de cozinha, McIver tinha dito ao pessoal do escritório e aos operários para tirarem o dia de folga. Depois do choque da execução sumária de Esvandiary por 'corrupção', eles não tinham precisado de nenhum encorajamento para sair.
Lochart olhou para o relógio. O ponteiro grande parecia vagoroso demais. Um caminhão passou lá embaixo. Mais um. Agora eram exatamente seis e meia.
— Sierra Um, aqui é Lengeh. — Era Scragger chamando, conforme tinha sido planejado. McIver ficou muito aliviado. Lochart ficou mais sério ainda.
— Lengeh, aqui é Sierra Um, você está cinco por cinco. — A voz de Scot lá em Al Shargaz estava clara. Sierra Um era o código para o escritório no aeroporto de Al Shargaz, Gavallan não queria chamar mais atenção para o pequeno domínio do que o estritamente necessário.
McIver ligou o transmissor.
— Sierra Um, aqui é Kowiss.
— Kowiss, aqui é Sierra Um, você está quatro por cinco.
— Sierra Um, aqui é Bandar Delam. Ambos perceberam o tremor na voz de Rudi.
— Bandar Delam, aqui é Sierra Um. Você está dois por cinco. Agora só se ouvia estática no alto-falante. McIver enxugou o suor das mãos.
Até agora tudo bem O café estava frio e com um gosto horrível, mas ele terminou de bebê-lo.
— Rudi pareceu nervoso, não? — disse Lochart.
— Tenho certeza que eu também. E Scrag. — McIver observou-o, preocupado com ele; Lochart não o encarou, apenas foi até a chaleira elétrica e ligou-a na tomada. Na escrivaninha havia quatro fones, duas linhas internas e duas externas. Ambas ainda mudas. Já há dois dias. Mortas como eu. Não há nenhum modo de entrar em contato com Xarazade, nem pelo correio.
— Há um cônsul canadense em Al Shargaz — disse McIver — Eles poderiam falar com Teerã de lá para você.
— Claro. — Uma rajada de vento sacudiu a tábua que estava cobrindo a janela quebrada. Lochart não prestou nenhuma atenção, pensando em Xarazade, rezando para ela ir se encontrar com ele. Encontrar-se comigo para quê? A chaleira começou a apitar. Ele ficou olhando. Desde que saíra do apartamento, ele tinha bloqueado o futuro na sua cabeça. Mas de noite tudo voltava à sua mente, por mais que ele tentasse evitar-
Da base veio o primeiro chamado do muezin.
Venham rezar, venham melhorar, rezar é melhor do que dormir
EM BANDAR DELAM: 6:38H. Um amanhecer encharcado, a chuva era ligeira, o vento mais fraco do que na véspera. No campo de aviação, Rudi Lutz, Sandor Petrofi e Pop Kelly estavam no trailer de Rudi, com as luzes apagadas, tomando café. Lá fora na varanda, Marc Dubois estava de guarda. Não havia nenhuma luz acesa na base. Rudi consultou o relógio.
— Confio em Deus que seja hoje. — disse Rudi.
— É hoje ou nunca — Kelly estava muito sério. — Faça a ligação, Rudi.
— Ainda falta um minuto.
Pela janela, Rudi podia ver a entrada do hangar e os 212. Nenhum deles tinha tanques de longo alcance. Em algum lugar na escuridão, Fowler Joines e três mecânicos estavam colocando silenciosamente o resto do combustível de reserva a bordo, terminando os preparativos iniciados cautelosamente na noite anterior enquanto os pilotos distraíam os guardas e Numir. Pouco antes de irem para a cama, os quatro tinham feito os seus cálculos separadamente. Nenhum tinha uma diferença acima de dez milhas náuticas com relação aos outros.
— Se o vento se mantiver como está, estaremos todos no mar — Sandor dissera baixinho, era difícil falar com o barulho da música e perigoso falar sem ela. Mais cedo, Fowler Joines tinha visto Numir se escondendo perto do trailer de Duke.
— Sim —. concordara Marc Dubois. — Cerca de dez quilômetros para dentro do mar
— Talvez a gente deva desistir de Bahrain e se dirigir para o Kuwait, Rudi.
— Não, Sandor, nós temos que deixar o Kuwait livre para Kowiss. Já pensou, seis helicópteros com registro iraniano indo todos para lá? Eles iam ter um ataque.
— Onde estão os novos registros que nos prometeram? — perguntou Kelly, com seu nervosismo aumentando a cada momento.
— Nós vamos ser esperados. Charlie Pettikin vai para o Kuwait e Jean-Luc para Bahrain.
— Mon Dieu, que azar o nosso — Dubois tinha dito, aborrecido. — Jean-Luc está sempre atrasado, sempre. Aqueles Pieds Noirs, eles pensam como árabes.
— Se Jean-Luc estragar as coisas desta vez, ele vai virar picadinho. Olhem, a respeito da gasolina, talvez a gente consiga mais um pouco com a Irã-Toda. Vai ficar um bocado suspeito carregar toda esta gasolina só para ir até lá.
— Rudi, faça a ligação, está na hora.
— Certo, certo! — Rudi respirou fundo e apanhou o microfone. — Sierra Um, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? Aqui é...
NO QG DE AL SHARGAZ: 6:40H. — ... Bandar Delam, está me ouvindo? Gavallan estava sentado diante do HF, com Scot ao seu lado, Nogger Lane encostado numa mesa atrás deles e Manuela sentada na única cadeira. Todos estavam rígidos, com os olhos pregados no alto-falante, todos certos de que a chamada significava problemas, uma vez que a operação Turbilhão exigia silêncio no rádio antes das sete horas e durante a fuga em si, exceto em emergências.
— Bandar Delam, Sierra Um — Scot disse com voz rouca. — Vocês estão dois por cinco, continuem.
— Nós não sabemos como está o seu dia, mas temos alguns vôos planejados para esta manhã e gostaríamos de comunicá-los agora. Vocês aprovam?
— Fique na linha — disse Scot.
— Maldição — resmungou Gavallan. É essencial que todas as bases partam ao mesmo tempo. Então mais uma vez o HF deu sinal.
— Sierra Um, aqui é Lengeh — a voz de Scragger estava muito mais alta e clara e mais ríspida. — Nós também temos vôos para fazer, mas quanto mais tarde melhor. Como está o tempo aí?
— Aguarde na linha, Lengeh. — Scot olhou para Gavallan, esperando.
— Chame Kowiss — disse Gavallan e todo mundo relaxou um pouco. — Vamos checar com eles primeiro.
— Kowiss, aqui é Sierra Um, está me ouvindo? — Silêncio. — Kowiss, aqui é Sierra Um , está me ouvindo?
— Aqui é Kowiss, continue. — A voz de McIver soou tensa e estava indo e vindo.
— Você escutou?
— Sim. Prefiro uma posição firme conforme o planejado.
— Isso decide tudo. Sierra Um para todas as bases, o tempo está instável. Daremos a previsão definitiva às sete horas.
— Entendido. — disse Scragger.
— Entendido — a voz de Rudi soou fraca.
— Entendido. — McIver pareceu aliviado.
O transmissor ficou novamente silencioso. Gavallan disse para ninguém em especial:
— É melhor nos mantermos dentro do plano. Não quero alertar desnecessariamente a torre de controle nem tornar aquele intrometido do Siamaki mais difícil do que o normal. Rudi poderia ter desistido se fosse urgente, ele ainda pode fazer isso. — Ele se levantou e se esticou, depois tornou a sentar-se. Estática. Eles estavam na escuta também do canal de emergência, 121.5. O Jumbo da Pan Am decolou, sacudindo as janelas.
Manuela mexeu-se na cadeira, sentindo-se demais mesmo depois de Gavallan ter dito:
— Manuela, você fica conosco, você é a única que fala farsi. — O tempo não custava tanto a passar para ela. O seu homem estava a salvo, um pouco avariado mas a salvo, e seu coração estava cantando de alegria pelo golpe de sorte que o tirara do turbilhão.
— Porque é isto que a operação é, querido — ela tinha dito a ele na noite anterior no hospital.
— Talvez, mas sem a ajuda de Hussein eu ainda estaria em Kowiss. Se não fosse por aquele mulá, você nunca teria sido atingido, ela tinha pensado, mas não disse nada, não querendo agitá-lo.
— Quer que eu providencie alguma coisa para você, querido?
— Uma cabeça nova!
— Eles vão trazer uma pílula dentro de um minuto. O médico disse que você estará pilotando em seis semanas, que você tem a constituição de um búfalo.
— Eu me sinto como um frango. Ela tinha rido.
Agora ela deixou a mente divagar relaxadamente, não tendo que ficar ansiosa com a espera como os outros, especialmente Genny. Faltavam dois minutos. Estática. Gavallan tamborilava com os dedos. Um jato particular decolou e ela pôde ver outro avião descendo na pista, um jumbo com as cores da Alitalia. Será que é vôo de Paula vindo de Teerã?
O ponteiro dos minutos chegou no 12. Às sete horas Gavallan pegou o microfone.
— Sierra Um para todas as bases: A nossa previsão está pronta e esperamos que o tempo melhore, mas estejam atentos a pequenos turbilhões. Entendido?
— Sierra Um, aqui é Lengeh. — Scragger parecia animado. — Entendido e vamos prestar atenção nos turbilhões. Desligo.
— Sierra Um, aqui é Bandar Delam, entendido e ficaremos atentos a turbilhões. Desligo.
Silêncio. Os segundos foram passando. Inconscientemente, Gavallan mordeu o lábio inferior, depois ligou o botão de transmissão.
— Kowiss, está me ouvindo?
EM KOWISS: 7:04H. McIver e Lochart olhavam para o HF. Eles verificaram os relógios quase ao mesmo tempo. Lochart murmurou:
— Não vai ser hoje — e se sentiu aliviado. Um dia de adiamento, pensou. Talvez hoje os telefones voltem a funcionar, talvez hoje eu consiga falar com ela...
— Eles chamariam mesmo assim, faz parte do plano, eles chamariam de qualquer jeito. — McIver ligou e desligou o interruptor. As luzes todas funcionaram. Os mostradores também. — Que diabo — disse e ligou o transmissor. — Sierra Um, aqui é Kowiss, está me ouvindo? — Silêncio. Mais uma vez, com mais ansiedade ainda. — Sierra Um, aqui é Kowiss, está me ouvindo? — Silêncio.
— Que diabo está havendo com eles? — Lochart disse entredentes.
— Lengeh, aqui é Kowiss, está me ouvindo? — Nenhuma resposta. Repentinamente, McIver se lembrou, deu um salto e correu para a janela. O cabo principal do transmissor estava solto, balançando com o vento. Praguejando, McIver abriu a janela que dava para o telhado e saiu. Seus dedos eram fortes, mas as porcas estavam enferrujadas demais para se mexerem e ele viu que o anel de solda estava corroído pela ferrugem e tinha se quebrado.
— Maldição...
— Tome. — Lochart estava ao lado dele e entregou-lhe o alicate.
— Obrigado. — McIver começou a raspar a ferrugem. A chuva tinha parado quase completamente mas nenhum dos dois notou isto. Ouviu-se um trovão. Um relâmpago iluminou as montanhas Zagros, quase todas encobertas. Enquanto trabalhava apressadamente, ele contou a Lochart que Wazari tinha passado um bocado de tempo no telhado na véspera, consertando o cabo. — Quando eu cheguei aqui hoje de manhã, fiz uma chamada de rotina para ver se estava funcionando e nós estávamos sendo ouvidos alto e claro às seis e meia e de novo às seis e quarenta. O vento deve ter soltado o fio depois disso... — O alicate escapuliu e ele cortou o dedo e praguejou mais ainda.
— Quer que eu faça isso?
— Não, tudo bem. Só um segundo.
Lochart voltou para a torre: 7:07h. A base ainda estava quieta. Lá na base aérea havia alguns caminhões se movimentando, mas nenhum avião. No hangar, os dois mecânicos ainda estavam mexendo nos 212 e, de acordo com o plano, Freddy Ayre estava com eles. Então ele viu Wazari se aproximando de bicicleta. Seu coração deu um salto.
— Mac, Wazari está chegando, vindo do lado da base.
— Detenha-o, diga-lhe qualquer coisa mas faça-o parar. — Lochart saiu correndo pelas escadas. O coração de McIver estava disparado. — Vamos, pelo amor de Deus — disse, e tornou a xingar a si mesmo por não ter checado. É preciso checar e checar e tornar a checar, a segurança não depende do acaso, tem que ser planejada.
Mais uma vez o alicate escorregou. Mais uma vez ele tentou e agora as porcas estavam girando. Um dos lados estava apertado. Por um segundo ele ficou tentado a arriscar, mas a precaução venceu a sua ansiedade e ele apertou o outro lado. Deu um puxão no cabo. Estava firme. Ele voltou correndo, suando em bicas: 7:16h.
Por um instante ele não conseguiu recobrar o fôlego.
— Vamos, McIver, pelo amor de Deus! — Ele respirou profundamente e isto ajudou.
— Sierra Um, aqui é Kowiss, está me ouvindo? A voz ansiosa de Scot respondeu imediatamente.
— Kowiss, aqui é Sierra Um, continue
— Vocês têm alguma confirmação do tempo para nós? Imediatamente, a voz de Gavallan se fez ouvir, ainda mais ansiosa:
— Kowiss, nós enviamos a seguinte mensagem, exatamente às sete horas: a nossa previsão está pronta e esperamos que o tempo melhore, mas fiquem atentos a pequenos turbilhões. Entendido?
McIver soltou o ar.
— Entendido e vamos estar atentos a pequenos turbilhões. Os outros receberam a mensagem.?
— Afirmativo.
NO QG DE AL SHARGAZ: — ...Torno a repetir, afirmativo. — Gavallan repetiu no microfone. — O que foi que aconteceu?
— Nenhum problema — respondeu McIver, com o sinal fraco. — Vejo-o em breve. Desligo. — Agora o transmissor estava silencioso. Um grito de alegria irrompeu na sala, Scot abraçou seu pai e gemeu com a dor que sentiu no ombro, mas ninguém notou no meio do pandemônio. Manuela abraçava Gavallan e dizia:
— Vou telefonar para o hospital, Andy, voltarei em um segundo — e saiu correndo. Nogger dava pulos de alegria e Gavallan dizia, alegre:
— Acho que todos os que não estão pilotando merecem uma boa garrafa de cerveja!
EM KOWISS: McIver desligou o aparelho e recostou-se na cadeira, tentando acalmar-se, sentindo-se estranho — a cabeça leve e a mão pesada.
— Não faz mal, vamos em frente! — disse.
Estava calmo na torre, exceto pelo barulho do vento que fazia ranger a porta que, na pressa, ele tinha deixado aberta. Ele a fechou e viu que a chuva tinha parado, apesar das nuvens ainda estarem ameaçadoras. Então ele viu que seu dedo ainda estava sangrando. Ao lado do HF havia uma toalha de papel e ele arrancou um pedaço e enrolou o dedo de qualquer jeito. Suas mãos estavam tremendo. Num súbito impulso, ele saiu e se ajoelhou ao lado do conector. Precisou de toda a sua força para soltá-lo. Depois ele tornou a checam a torre, enxugou o suor da testa e desceu as escadas.
Lochart e Wazari estavam no escritório de Esvandiary. Wazari com a barba por fazer e imundo, uma eletricidade estranha no ar. Não há tempo de me preocupar com isso, pensou McIver, Scrag e Rudi já estão no ar.
— Bom dia, sargento — McIver disse secamente, consciente do olhar de Lochart. — Eu pensei que tivesse lhe dado o dia de folga, nós não temos nenhum tráfego importante hoje.
— Sim, capitão, o senhor deu, mas eu, ahn, não consegui dormir e... não me sinto seguro na base. — Wazari notou o rosto vermelho de McIver e o curativo de papel. — O senhor está bem?
— Estou muito bem, apenas cortei o dedo numa janela quebrada. — McIver olhou para Lochart que suava tanto quanto ele — É melhor irmos andando, Tom. Sargento, nós vamos checar os 212. — Ele viu Lochart olhá-lo rapidamente.
— Sim senhor, vou informar a base. — disse Wazari.
— Não há necessidade. — Momentaneamente, McIver ficou sem saber o que dizer, e então a resposta veio-lhe à cabeça. — Para o seu próprio bem, se você for ficar por aqui, é melhor ír-se preparando para enfrentar o ministro Kia.
O rosto do homem perdeu a cor
— O quê?
— Ele deve estar aqui daqui a pouco para a viagem de volta a Teerã. Você não foi a única testemunha contra ele e aquele desgraçado do 'Pé-quente'?
— Claro, mas eu ouvi o que eles conversaram — disse Wazari, sentindo necessidade de se justificar. — Kia é um filho da mãe e um mentiroso, assim como 'Pé-quente', e eles estavam tramando aquilo tudo. O senhor se esqueceu que foi 'Pé-quente' quem mandou que batessem em Ayre? Eles quase o mataram, o senhor se esqueceu disso? Tudo o que eu disse sobre Esvandiary e Kia foi verdade.
— Tenho certeza que sim. Eu acredito em você. Mas se ele o vir, vai ficar uma fera, não vai? E também a equipe do escritório, eles estavam todos muito zangados. Eles certamente vão entregá-lo. Talvez eu possa distrair Kia — disse McIver, na esperança de mantê-lo do lado deles —, talvez não. Se eu fosse você, me manteria fora de circulação, não fique por aqui. Vamos, Tom. — McIver se virou para sair, mas Wazari ficou no caminho.
— Não se esqueça de que fui eu que evitei um massacre dizendo que a carga de Sandor tinha se soltado, se não fosse por mim ele estaria morto, se não fosse por mim, todos vocês estariam diante de um komiteh... o senhor tem que me ajudar... — As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto — o senhor tem que me ajudar...
— Farei o que puder — disse McIver, com pena dele, e saiu. Lá fora ele teve que se controlar para não ir correndo atrás dos outros, sabendo da ansiedade deles, então Lochart alcançou-o.
— Turbilhão? — perguntou, tendo que andar depressa para acompanhá-lo.
— Sim, Andy deu o sinal verde às sete em ponto, conforme estava combinado, Scrag e Rudi escutaram e provavelmente já estão a caminho — disse McIver, atropelando as palavras, sem perceber o súbito desespero de Lochart. Eles chegaram junto de Ayre e dos mecânicos.
— Turbilhão! — McIver exclamou e a palavra soou como um toque de clarim para todos eles.
— Ótimo. — Freddy Ayre manteve a voz calma, controlando a excitação que sentia por dentro. Os outros não.
— Por que o atraso? O que foi que aconteceu?
— Conto-lhes mais tarde, vamos começar logo com isso! — McIver dirigiu-se para o primeiro 212, Ayre para o segundo, com os mecânicos pulando para dentro das cabines. Neste momento, um carro oficial trazendo o coronel Changiz e alguns soldados fez a curva e parou diante do prédio de escritórios. Todos os soldados traziam armas e estavam usando braçadeiras verdes
— Ah, capitão, o senhor vai levar o ministro Kia de volta para Teerã? - Changiz parecia um pouco afobado e zangado.
— Sim, sim, às dez horas.
— Eu recebi um recado de que ele queria antecipar a sua partida para as oito horas, mas o senhor não deve ir antes das dez, conforme está determinado. Está claro?
— Sim, mas o..
— Eu teria telefonado, mas os seus telefones estão mudos de novo e há algt errado com o rádio de vocês. Vocês não checam o seu equipamento? Estava funcionando e depois parou. — McIver viu o coronel olhar para os três helicópteros alinhados, e começar a caminhar na direção deles. — Eu não sabia que haveria vôos de inspeção hoje.
— Só estamos checando um deles e os outros têm que testar os instrumentos para a mudança de pessoal amanhã na plataforma Abu Sal, coronel — disse McIver, apressadamente, e, para distraí-lo: — Qual é o problema com o ministro Kia?
— Não há nenhum problema — disse, irritado, então deu uma olhada no relógio e mudou de idéia quanto a inspecionar os helicópteros. — Mande alguém consertar o rádio e venha comigo. O mulá Hussein quer vê-lo. Estaremos de volta a tempo.
Lochart começou a falar:
— Eu posso levar o capitão McIver daqui a um minuto, há algumas coisas aqui que ele...
— Hussein quer ver o capitão McIver, não você. Vá tratar do rádio! — Changiz mandou que os homens esperassem por ele, entrou no carro e fez sinal a McIver para sentar-se a seu lado. Impassível, McIver obedeceu. Changiz arrancou e seu motorista caminhou na direção do escritório, os outros soldados se espalharam, espiando os helicópteros. Os dois 212 estavam lotados com o resto das peças importantes, que tinham sido carregadas na noite anterior. Tentando parecer naturais, os mecânicos fecharam as portas da cabine e começaram a limpar os aparelhos.
Ayre e Lochart ficaram olhando para o carro que se afastava.
— E agora? — perguntou Ayre.
— Não sei, não podemos partir sem ele. — Lochart sentiu o estômago embrulhado.
EM BANDAR DELAM: 7:26H. Os quatro 212 estavam do lado de fora do hangar, prontos para decolarem. Fowler Joines e os outros três mecânicos estavam enfiados no fundo da cabine, esperando impacientemente. Havia tambores de oitocentos litros de gasolina amarrados lá dentro. Muitos caixotes de peças. Malas escondidas debaixo de lonas.
— Andem logo, pelo amor de Deus — disse Fowler e enxugou o suor. O ar da cabine estava pesado com o cheiro de gasolina.
Pela porta aberta da cabine, ele podia ver Rudi, Sandor e Pop Kelly ainda esperando no hangar, com tudo pronto, conforme o planejado, exceto pelo último piloto, Dubois, que estava dez minutos atrasado e ninguém sabia se ele
havia sido interceptado pelo gerente da base, Numir, por um dos funcionários ou pelos Faixas Verdes. Então ele viu Dubois sair pela porta e quase teve um ataque. Com uma indiferença Gaulesa, Dubois estava carregando uma mala, e tinha uma capa pendurada no braço. Quando ele passou pelo escritório, Numir apareceu na janela.
— Vamos — disse Rudi e andou em direção à sua cabine o mais calmamente que pôde, colocou o cinto e ligou os motores. Sandor fez o mesmo, Pop Kelly um segundo atrás dele, e os rotores foram ganhando velocidade. Sem nenhuma pressa, Dubois jogou a mala para Fowler, pendurou cuidadosamente a capa e sentou no lugar do piloto, ligando imediatamente o aparelho, sem se importar com o cinto nem em checar os instrumentos. Fowler estava praguejando incoerentemente. Os jatos estavam trabalhando lindamente e Dubois cantarolou uma canção, ajustou os fones nos ouvidos e quando estava tudo preparado, amarrou o cinto. Ele não viu Numir vir correndo do escritório.
— Onde você vai? — Numir gritou para Rudi pela janela.
— Irã-Toda, está no relatório. — Rudi continuou com os procedimentos de decolagem. VHF ligado, HF ligado, agulhas dos mostradores entrando no verde.
— Mas você não pediu a Abadan licença para...
— Hoje é dia santo, aga, o senhor pode fazer isto para nós. Numir gritou zangado.
— Isto é tarefa sua! Você tem que esperar por Zataki. Tem que esperar pelo...
— Certo, eu quis ter certeza de que o helicóptero estaria pronto para quando ele chegasse, é muito importante agradá-lo, não é?
— Sim, mas por que Dubois estava carregando uma mala?
— Oh, o senhor conhece os franceses — disse, sendo a primeira coisa que lhe veio à cabeça —, para eles as roupas são importantes; ele acha que vai ficar baseado na Irã-Toda e está levando um uniforme de reserva. — Ele ligou o interruptor de transmissão. Não fique impaciente, disse a si mesmo, não fique impaciente, todos eles sabem o que fazer.
Então, atrás de Numir, através da neblina, com uma visibilidade de poucas centenas de metros, Rudi viu o caminhão dos Faixas Verdes passar pelo portão e parar, seu barulho abafado pelos jatos. Mas não era Zataki, eram alguns dos guardas normais e eles ficaram lá em grupo, observando curiosamente os 212. Nunca quatro 212 tinham sido ligados ao mesmo tempo.
Pelos fones, ele ouviu Dubois dizer:
— Estou pronto, mon vieux — depois Pop Kelly e depois Sandor, e ele disse no microfone:
— Agora! — inclinou-se para a janela e fez um sinal para Numir. — Não há necessidade dos outros esperarem, eu estou esperando.
— Mas vocês receberam ordens para ir em grupo e as suas licenças... — A voz do gerente da base foi abafada pelos motores acelerados ao máximo, num procedimento de decolagem de emergência, de acordo com o plano que tinha sido feito em segredo durante a noite, Dubois indo para a direita, Sandor para a esquerda, Kelly para cima em linha reta. Em segundos eles estavam no ar, voando muito baixo. O rosto de Numir ficou roxo. — Mas vocês receberam ordens de.
— Isto é para a sua segurança, aga, nós estamos tentando protegê-lo. — Rudi falou por sobre o ruído dos motores, fazendo sinal para ele se aproximar de novo, com todas as suas agulhas no verde. — Assim é melhor, aga, assim nós faremos o trabalho sem problemas. Nós temos que proteger o senhor e a IranOil. — Pelo fone ele ouviu Dubois quebrar o silêncio e dizer com urgência:
— Há um carro se aproximando dos portões.
Neste instante, Rudi o viu e reconheceu Zataki no banco da frente. Acelerou ao máximo.
— Aga, vou só elevá-lo um pouco, o meu contador de rotação está pulando...
O que quer que Numir tenha gritado ficou perdido no meio do barulho. Zataki estava a menos de cem metros. Rudi sentiu as hélices cortando o ar e então subiu. Por um momento, pareceu que Numir ia pular numa das pás, mas ele se abaixou e se afastou, com o esqui roçando nele e caiu enquanto Rudi dava um impulso para a frente e se afastava, quase explodindo de excitação. Lá na frente, os outros estavam sobrevoando o campo. Ele sacudiu o helicóptero e quando os outros se juntaram a ele, levantou os polegares e foi na frente em direção ao golfo, a seis quilômetros de distância.
Numir estava engasgado de raiva ao se levantar e o carro de Zataki parou ao lado dele cantando pneus.
— Por Deus, o que está havendo? — perguntou Zataki, furioso, saltando do carro, depois dos helicópteros já terem desaparecido no meio da neblina, com o som dos motores se afastando rapidamente. — Estava combinado que eles iam esperar por mim.
— Eu sei, eu sei, coronel, eu disse a eles, mas... eles simplesmente decolaram e.... — Numir gritou quando o soco o atingiu de um dos lados do rosto, derrubando-o. Os outros Faixas Verdes observaram indiferentemente, acostumados a estas explosões. Um dos homens ajudou Numir a levantar-se e deu-lhe um tapa no rosto para ele voltar a si.
Zataki estava xingando o céu e quando o ataque de raiva passou, ele disse:
— Tragam este pedaço de merda de camelo e sigam-me. — Entrando no hangar, ele viu os dois 206 estacionados no fundo, algumas peças arrumadas por ali e um ventilador secando algumas peças recém-pintadas. Tudo aquilo uma camuflagem cuidadosamente preparada por Rudi para ganhar mais alguns minutos. — Eu vou fazer aqueles cães desejarem ter esperado — murmurou com a cabeça doendo.
Ele abriu a porta do escritório com um pontapé e foi se sentar ao lado do transmissor de rádio.
— Numir, faça contato com aqueles homens!
— Mas, o nosso operador de rádio, Jahan, ainda não chegou e eu...
— Faça o que estou mandando
Aterrorizado, o homem ligou o VHF com a boca sangrando e quase sem poder falar.
— Base chamando o capitão Lutz! — esperou e depois repetiu o chamado, acrescentando: 'Urgente'.
NOS HELICÓPTEROS: Eles estavam a pouco mais de três metros de altura sobre o terreno pantonoso e a poucas centenas de metros de distância quando ouviram a voz zangada de Zataki:
— Todos os helicópteros devem retornar à base, retornar à base! Apresentem-se! — Rudi fez um pequeno ajuste na força do motor. No helicóptero mais próximo, ele viu Dubois apontar para os seus fones e fazer um gesto obsceno. Ele sorriu e fez o mesmo, depois notou o suor que lhe escorria pelo rosto.
— TODOS OS HELICÓPTEROS DEVEM VOLTAR À BASE; TODOS...
NO CAMPO DE AVIAÇÃO: — ...OS HELICÓPTEROS DEVEM VOLTAR À BASE. — Zataki estava berrando no microfone. — TODOS OS HELICÓPTEROS DEVEM VOLTAR À BASE!
Ele só obteve estática como resposta. De repente, Zataki bateu com o microfone na mesa. — Ligue para a torre de Abadan! DEPRESSA! — gritou e o aterrorizado Numir, com o sangue escorrendo pela barba, trocou de canal e depois de tentar seis vezes, desta vez em farsi, conseguiu comunicar-se com a torre.
— Aqui é a torre de Abadan, aga, por favor, continue. Zataki arrancou-lhe o microfone das mãos.
— Aqui é o coronel Zataki, do Komiteh Revolucionário de Abadan — disse em farsi — chamando do campo de aviação de Bandar Delam.
— Que a paz esteja com o senhor, coronel — a voz era respeitosa. — O que podemos fazer pelo senhor?
— Quatro dos nossos helicópteros decolaram sem autorização, dirigindo-se para a Irã-Toda. Faça-os retornar, por favor.
— Um momento, por favor. — Vozes abafadas. Zataki esperou, com a cara fechada. Esperou um bocado e então: — O senhor tem certeza, aga? Não os estamos vendo na tela do radar.
— É claro que tenho certeza. Chame-os de volta!
Mais vozes abafadas e mais demora, Zataki estava quase explodindo, então uma voz em farsi disse:
— Os quatro helicópteros que saíram de Bandar Delam devem retornar à base. Respondam por favor. — Eles repetiram a transmissão. Depois a voz acrescentou: — Talvez o rádio deles esteja com defeito, aga, que Deus o abençoe.
— Continue tentando! Eles estão voando baixo na direção da Irã-Toda.
Mais vozes abafadas, depois novamente uma voz falando em farsi e depois uma voz disse em inglês com sotaque americano:
— Podem deixar comigo! Aqui é o controle de Abadan. Helicópteros voando no rumo 090 graus, estão me ouvindo?
NA CABINE DE DUBOIS: A sua bússola estava marcando 091 graus. Mais uma vez ele ouviu a voz soar nos seus fones:
— Aqui é o controle de Abadan, helicópteros voando na direção 090 graus, a um quilômetro da costa, estão me ouvindo? — Uma pausa. — Controle de Abadan, helicópteros voando no rumo 090 graus, troquem para o canal 121.9... estão me ouvindo? — Aquele era o canal de emergência em que todos os aparelhos deviam estar automaticamente sintonizados. — Helicópteros voando no rumo 090 graus, a um quilômetro da costa, retornem para a base, estão me ouvindo?
Através da neblina, Dubois viu que a costa estava se aproximando rapidamente, a menos de um quilômetro de distância, mas voando assim tão baixo, ele duvidava que o radar os estivesse captando. Olhou para a esquerda. Rudi apontou para os fones e depois pôs um dedo nos lábios indicando silêncio. Ele ergueu os polegares e passou adiante a mensagem para Sandor, que estava à sua direita e se virou e viu Fowler Joines entrando na cabine e se sentando ao lado dele. Ele mostrou os fones sobressalentes pendurados sobre o assento. A voz estava mais áspera agora:
— Todos os helicópteros que saíram de Bandar Delam na direção da Irã-Toda devem retornar à base. Estão me ouvindo?
Fowler falou pelo interfone:
— Espero que os desgraçados caiam mortos.
Então, mais uma vez, a voz e seus sorrisos murcharam:
— Controle de Abadan para o coronel Zataki. Está me ouvindo?
— Sim, continue.
— Nós captamos um sinal momentâneo no radar, provavelmente não foi nada, mas pode ter sido um helicóptero ou grupo de helicópteros voando bem juntos na direção 090 graus — a transmissão estava ficando fraca — isto os levaria diretamente para...
NO CAMPO DE AVIAÇÃO: .. .a Irã-Toda. Não pedir autorização para decolar e não manter contato pelo rádio é uma violação séria. Por favor, dê-nos os seus códigos e os nomes dos seus capitães. O VHF da Irã-Toda ainda está quebrado, senão nós entraríamos em contato com eles. Sugiro que mandem alguém lá para prender os pilotos e apresentá-los diante da torre de controle do komiteh de Abadan imediatamente por violação das normas de vôo. Entendido?
— Sim... sim, eu compreendo. Obrigado. Um momento. — Zataki enfiou o microfone na mão de Numir. — Eu vou até a Irã-Toda. Se eles voltarem antes de mim, prenda-os! Informe ao controle o que eles estão querendo saber! — Ele saiu, deixando na base três homens armados de metralhadoras.
Numir começou:
— Controle de Abadan, aqui Bandar Delam: HVV, HGU, HKL, HXC, todos 212. Capitães Rudi Lutz, Marc Dubois..
NA CABINE DE POP KELLY: "...Sandor Petrofi e Ignatius Kelly, todos a serviço da IranOil e enviados à Irã-Toda por ordem do coronel Zataki
__ Obrigado, Bandar Delam, mantenha-nos informados.
Kelly olhou para a direita e levantou os polegares entusiasticamente para Rudi, que respondeu
NA CABINE DE RUDI: .e fez o mesmo para Dubois que também respondeu. Então ele tornou a examinar a neblina.
A formação de helicópteros estava quase na linha da costa. A Irã-Toda estava à esquerda, a cerca de um quilômetro de distância, mas Rudi não conseguiu enxergá-la através da neblina. Ele acelerou ligeiramente para ficar na frente, depois trocou do rumo sul para leste. Isto forneceu-lhes uma rota diretamente por cima da fábrica e ele aumentou a altitude para ultrapassar os edifícios. O complexo foi ultrapassado rapidamente, mas ele sabia que quem estivesse lá embaixo prestaria atenção neles por terem surgido tão repentinamente. Uma vez ultrapassada a fábrica, ele tornou a baixar a altitude e manteve o mesmo curso, agora dirigindo-se para o interior por um pouco mais de 15 quilômetros. Lá a terra era deserta, não havia aldeia por perto. Mais uma vez, de acordo com o plano, ele tomou o rumo sul em direção ao mar.
Imediatamente a visibilidade começou a piorar. Lá embaixo, a sete metros, a visibilidade mal chegava a meio quilômetro, com uma nebulosidade difusa em que não havia nenhuma distinção entre céu e mar. À sua frente, quase diretamente no seu caminho, estava a ilha de Kharg, com seu radar superpotente e, mais adiante, a uns 350 quilômetros de distância, o seu alvo, Bahrain. Pelo menos duas horas de vôo. Com aquele vento, mais do que isso, o sudeste de 35 nós transformando-se num vento de proa de 20 nós.
Ali no mar era bastante perigoso. Mas eles acharam que poderiam esgueirar-se por baixo do radar, caso as telas estivessem sendo controladas, e poderiam evitar interceptação, caso houvesse alguma.
Rudi balançou o helicóptero e tocou no botão de transmissão do HF.
— Delta Quatro, Delta Quatro — disse claramente, o código para indicar a Al Shargaz que todos quatro helicópteros de Bandar Delam estavam a salvo, abandonando a costa. Viu Dubois apontar para cima, pedindo para subir. Ele sacudiu a cabeça negativamente, apontou para a frente e para baixo, indicando que continuariam voando baixo, de acordo com o plano. Obedientemente, eles se espalharam e, juntos, deixaram a costa e entraram na neblina.
NO QG DE AL SHARGAZ:Gavallan estava falando no telefone com o hospital:
— Rápido, ligue-me com o capitão Starke, por favor... Alô, Duke, aqui é Andy, eu só queria dizer que recebemos Delta Quatro de Rudi há um minuto, não é maravilhoso?
— É formidável! Quatro já foram, só faltam cinco. Sim, mas são seis, não se esqueça de Erikki
LENGEH: 8:04H. Scragger ainda estava aguardando na sala de espera da delegacia. Ele estava sentado desconsoladamente num banco de madeira em frente ao cabo, que olhava para ele de detrás de uma escrivaninha alta que estava do outro lado de uma divisória.
Mais uma vez Scragger consultou o relógio. Ele tinha chegado às 7:20h, para o caso do escritório abrir mais cedo, mas o cabo só tinha chegado às 7:45h e tinha feito sinal para ele se sentar no banco e esperar. Era a espera mais longa da sua vida.
Rudi e os rapazes de Kowiss já devem ter decolado, pensou, infeliz, e nós já teríamos decolado também se não fosse por estes malditos passaportes. Só vou esperar mais um minuto. Não dá para esperar mais. Nós ainda vamos levar uma hora ou mais para partir e tenho certeza de que vai haver algum deslize em algum lugar, entre as três bases, algum intrometido vai começar a fazer perguntas e pôr lenha na fogueira pelo rádio, sem contar com aquele cretino do Siamaki. Na noite anterior, Scragger tinha ficado no HF e ouvira as ligações petulantes de Siamaki para Gavallan em Al Shargaz e também para McIver em Kowiss, dizendo que o esperaria no aeroporto de Teerã.
Desgraçado! Mas eu ainda acho que fiz bem em não ligar para Andy e abortar. Que diabo, nós estamos com a parte mais fácil e se eu adiasse o Turbilhão para amanhã, certamente surgiria outro problema, conosco ou com um dos outros, e o velho Mac não poderia deixar de voltar para Teerã hoje com o maldito Kia. Não posso arriscar isso, não posso. Era fácil perceber que Mac estava tão nervoso quanto uma velha navegando numa canoa em alto-mar.
A porta se abriu e ele levantou a cabeça. Dois jovens guardas entraram, arrastando um rapaz todo machucado, com as roupas sujas e rasgadas.
— Quem é ele? — perguntou o cabo.
— Um ladrão. Nós o pegamos roubando, cabo, o idiota estava roubando arroz da loja de Ismael. Nós o apanhamos durante a nossa ronda, pouco antes do amanhecer.
— Seja como Deus quiser. Coloque-o na segunda cela. — Então o cabo gritou para o rapaz, assustando Scragger que não entendeu o que ele estava dizendo em farsi:
— Filho de um cão! Como você pôde ser estúpido para se deixar apanhar? Você não sabe que agora não é mais só uma surra? Quantas vezes vamos ter que repetir? Agora é a lei islâmica! A lei islâmica!
— Eu... eu estava com fome... minha...
O rapaz gemeu, apavorado, enquanto um dos guardas o sacudia rudemente,
— Fome não é desculpa. Eu estou com fome, nossas famílias estão com fome, nós todos estamos com fome! — Eles arrastaram o rapaz para fora da sala.
O cabo tornou a xingá-lo, com pena dele, depois olhou para Scragger, sacudiu ligeiramente a cabeça e voltou ao seu trabalho. Que estupidez do estrangeiro ir até lá num dia santo, mas se o velho quiser ficar esperando o dia inteiro e a noite inteira até o sargento chegar, isto é problema dele.
A sua pena arranhava o papel, fazendo ranger os dentes de Scragger: 8:1 Ih. Ele se levantou, desanimado, agradeceu ao cabo que, gentilmente, perguntou se ele não queria ficar esperando. Então dirigiu-se para a porta e quase deu um encontrão em Qeshemi.
— Oh, desculpe, meu chapa! Salaam, aga Qeshemi, salaam.
— Salaam, aga. — Qeshemi percebeu o alívio e a impaciência de Scragger. Sarcasticamente, fez sinal para ele esperar e foi até a escrivaninha, olhando para o cabo com os seus olhos argutos.
— Saudações, Ahmed, que a paz de Deus esteja com você.
— Com o senhor também, Excelência sargento Qeshemi.
— Qual é o problema que temos hoje?, eu sei o que o estrangeiro quer.
— Houve outro encontro islâmico-marxista por volta da meia-noite nas docas. Um mujhadin foi morto e nós temos mais sete nas celas. Foi fácil, a emboscada funcionou bem, graças a Deus, e os Faixas Verdes nos ajudaram. O que vamos fazer com eles?
— Obedeça às novas regras — Qeshemi disse pacientemente. — Apresente os prisioneiros diante do Komiteh Revolucionário quando eles chegarem aqui amanhã de manhã. O que mais? — O cabo contou-lhe a respeito do rapaz. — Faça a mesma coisa com ele. Filho de um cão, como foi se deixar apanhar!
Qeshemi atravessou a porta da divisória que dava para o cofre, apanhou a chave e começou a abri-lo.
— Graças a Deus, pensei que a chave estivesse perdida — disse o cabo.
— Estava, mas Lafi achou. Eu fui até a casa dele hoje de manhã. Ele estava com ela no bolso. — Os passaportes estavam sobre caixas de munição. Ele os levou até a mesa, verificou-os cuidadosamente, assinou os vistos em nome de Khomeini e tornou a verificá-los. — Aqui estão, aga piloto — disse e entregou-os a Scragger.
— Mamnoon am, Agha, khoda haefez. — Obrigado, Excelência, até logo.
— Khoda haefez, Agha. — O sargento Qeshemi apertou a mão estendida e observou-o sair, Pensativamente. Pela janela, ele viu Scragger arrancar rapidamente com o carro. Rápido demais.
— Ahmed, nós temos gasolina no carro?
— Ontem nós tínhamos, Excelência.
NO AEROPORTO DE BANDAR DELAM: 8:18H. Agora Numir corria freneticamente de um trailer para outro, mas estavam todos vazios. Ele correu de volta para o escritório. Jahan, o operador de rádio, olhou para ele, espantado.
— Eles foram embora! Todo mundo foi embora, pilotos, mecânicos... e a maioria dos pertences deles! — Numir gaguejou, com o rosto ainda lívido do soco que tinha levado de Zataki. — Aqueles filhos de um cão!
— Mas... mas eles foram só até a Irã-Toda, Excel...
— Estou dizendo que eles fugiram e fugiram com os nossos helicópteros!
— Mas os nossos dois 206 estão no hangar, eu os vi, tem até um ventilador secando a tinta. Excelência Rudi não deixaria um ventilador ligado se..
— Por Deus, eu estou dizendo que eles foram embora. Jahan, um homem de meia-idade que usava óculos, ligou o HF:
— Capitão Rudi, aqui é a base, está me ouvindo?
NA CABINE DE RUDI: Tanto Rudi quanto o seu mecânico, Faganwitch, ouviram a chamada claramente.
— Base para o capitão Rudi, está me ouvindo?
Rudi moveu ligeiramente os comandos e depois tornou a relaxar, olhando para a direita e para a esquerda. Ele viu Kelly fazer sinal para os seus fones, levantar dois dedos e gesticular. Ele respondeu. Então sua alegria desapareceu.
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Nenhuma resposta. — Lengeh, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
— Bandar Delam, aqui é Lengeh, você está dois por cinco. Continue. Houve imediatamente uma explosão de farsi por parte de Jahan que Rudi não entendeu, depois os dois operadores ficaram falando entre si. Depois de uma pausa, Jahan disse em inglês:
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Estática. A chamada foi repetida. Estática. Depois: — Kowiss, está me ouvindo? — Depois silêncio outra vez.
— Por enquanto — resmungou Rudi.
— Que confusão foi essa, capitão? — perguntou Faganwitch.
— Fomos apanhados. Não faz nem uma hora que partimos e já fomos apanhados! — Havia bases militares em volta deles e logo adiante ficava uma muito grande e eficiente, em Kharg. Ele não tinha nenhuma dúvida de que se fossem interceptados seriam abatidos da mesma forma que o HBC. Com toda razão, pensou. E embora eles estivessem seguros por enquanto, ali embaixo, sobre as ondas, com a visibilidade agora abaixo de meio quilômetro, em pouco tempo a neblina melhoraria e eles estariam desprotegidos. Mais uma vez a voz de Jahan:
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Estática. — Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Nenhuma resposta.
Rudi praguejou. Jahan era um bom operador de rádio, persistente, e iria continuar chamando Teerã e Kowiss até obter resposta. E então? Isto é problema deles, não meu. O meu é tirar os meus quatro daqui em segurança, é só com isto que eu tenho que me preocupar. Tenho que levar os meus quatro em segurança.
Três ou quatro metros abaixo deles estavam as ondas, ainda não cobertas de espuma, mas cinzentas e ameaçadoras e o vento não tinha melhorado. Ele olhou para Kelly e balançou a mão da esquerda para a direita, o sinal para se espalharem mais e não tentarem manter contato visual caso a visibilidade piorasse. Kelly respondeu e fez o mesmo sinal para Dubois, que transmitiu a mensagem para Sandor, na sua extrema direita, e depois dedicou-se a alcançar o máximo de rendimento com o mínimo de combustível, forçando os olhos a enxergarem no meio do nevoeiro à sua frente. Logo eles estariam realmente nos domínios do mar
LENGEH, NO CAMPO DE AVIAÇÃO: 8:31H. — Jesus, Scrag, nós pensamos que você tivesse sido preso — exclamou Vossi, acompanhado por Willi, ambos aliviados, com os três mecânicos agrupados em volta do carro. — O que foi que aconteceu?
— Consegui os passaportes, então vamos logo.
— Nós estamos com um problema — Vossi estava branco. Scragger fez uma careta, ainda suando por causa da espera e da viagem de volta.
— O que foi agora?
— Ali Pash está aqui. Está falando no HF. Ele veio normalmente, nós tentamos dispensá-lo, mas ele não quis e...
Impacientemente, Willi interrompeu:
— E nos últimos cinco minutos, Scrag, nos últimos cinco ou dez minutos, ele está se comportando de uma forma muito estranha e...
— Como se tivesse um vibrador enfiado no rabo, Scrag, eu nunca o vi assim — Vossi parou. Ali Pash saiu para a varanda da sala de rádio e fez um sinal urgente para Scragger.
— Já vou, Ali — Scragger gritou. — E cochichou para Benson, o mecânico-chefe: — Você e seus rapazes estão com tudo pronto?
— Sim, senhor — Benson era pequeno, magro e nervoso. — Coloquei as suas coisas no helicóptero antes de Ali Pash aparecer. Nós vamos dar o fora?
— Espere até eu chegar no escritório. Todo o...
— Nós recebemos o chamado de Delta Quatro, Scrag — disse Willi — mas nada dos outros.
— Ótimo. Todo mundo deve ficar esperando até eu dar o sinal. — Scragger respirou fundo e se afastou, cumprimentando os Faixas Verdes que encontrava pelo caminho.
— Salaam, Ali Pash, bom dia — disse, notando o nervosismo e a ansiedade do outro. — Eu pensei que lhe houvesse dado o dia de folga.
— Aga, há algo que...
— Só um segundo, meu filho! — Scragger se virou e fingiu estar irritado, ao gritar: — Benson, eu já disse que se você e Drew quiserem ir fazer um piquenique, podem ir, mas é melhor estarem de volta às duas horas! E o que é que vocês dois estão esperando? Vão fazer a revisão de terra ou não vão?
— Sim, Scrag, desculpe, Scrag!
Ele quase riu ao vê-los tropeçando uns nos outros, Benson e o mecânico americano, Drew, pulando no velho caminhão e se afastando, Vossi e Willi dirigindo-se para as suas cabines. Uma vez dentro do escritório, ele respirou com mais facilidade, colocando a pasta com os passaportes sobre a mesa.
— Agora, qual é o problema?
— Você vai nos deixar, aga — disse o jovem para espanto de Scrag.
— Bem, ahn, não estamos indo embora — Scragger começou, estamos fazendo uma revisão...
— Oh, mas vocês estão indo embora, estão sim! Não há... não há nenhuma troca de pessoal amanhã, não há necessidade de malas, eu vi o aga Benson com duas malas, e por que todas as peças foram retiradas e todos os pilotos e mecânicos.— As lágrimas começaram a correr pelo rosto do homem.
— .. é verdade.
— Agora escute, meu filho, você está perturbado. Tire o dia de folga.
— Mas o senhor vai partir como o pessoal de Bandar Delam, o senhor vai partir hoje e o que vai ser de nós?
Uma explosão de farsi no alto-falante interrompeu-o. O rapaz enxugou as lágrimas e ligou o transmissor, respondendo em farsi e depois acrescentando em inglês:
— Aguarde na linha — e disse, infeliz: — Era o aga Jahan, de novo, repetindo o que transmitiu há dez minutos. Os quatro 212 de lá desapareceram, aga. Eles partiram, aga. Eles decolaram às 7:32h para ir para a Irã-Toda, mas não pousaram lá, dirigiram-se para o interior.
Scragger agarrou a cadeira, tentando aparentar calma. Outra vez o HF, em inglês agora:
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
— Ele chama Teerã a cada dez minutos, e Kowiss também, mas não tem resposta... — Outras lágrimas saltaram dos olhos do rapaz. — Os de Kowiss também já foram embora, aga? O seu povo deixou Teerã? O que vamos fazer quando vocês tiverem partido? — Na rampa, o primeiro dos 212 ligou barulhentamente os motores, seguido do segundo. — Aga — disse Ali Pash, aflito — nós deveríamos pedir licença a Kish para ligar os motores.
— Não precisamos incomodá-los no feriado, não é um vôo, é só um teste — disse Scragger. Ele ligou o VHF e limpou o queixo, sentindo-se sujo e muito perturbado. Ele gostava de Ali Pash e o que o rapaz tinha dito era verdade. Sem eles, não haveria trabalho, e para os Ali Pashes, só existia o Irã, e só Deus sabia o que iria acontecer lá. Pelo VHF ouviu-se a voz de Willi:
— O meu conta-giros está com problemas, Scrag. Scragger pegou o microfone.
— Leve o helicóptero para a plantação de repolhos e teste-o lá. — Era uma área a uns dez quilômetros dali, bem longe da cidade, onde eles podiam testar os motores e praticar procedimentos de emergência. — Fique lá, Willi, qualquer problema comunique-me, eu posso chamar o Benson se você precisar de um ajuste. Como vai indo, Ed?
— Ótimo, Scrag, ótimo. Se não houver problema, eu gostaria de praticar alguns cortes de motor, está chegando a época da renovação da minha licença e Willi pode me ajudar, certo?
— Certo. Chame-me dentro de uma hora — Scragger foi até a janela, satisfeito por estar de costas para Ali Pash e longe daqueles olhos tristes e acusadores. Os dois helicópteros decolaram e se dirigiram para longe da costa. O escritório parecia mais abafado do que normalmente. Ele abriu a janela. Ali Pash estava sentado melancolicamente ao lado do rádio
— Por que você não tira o dia de folga, rapaz''
— Eu tenho que responder a Bandar Delam. O que devo dizer, aga!
— O que foi que Jahan perguntou?
— Ele disse que aga Numir queria saber se eu tinha notado alguma coisa estranha, peças sendo retiradas, aparelhos partindo, pilotos e mecânicos sumindo.
Scragger observou-o.
— Parece-me que não há nada de estranho acontecendo por aqui. Eu estou aqui, os mecânicos foram fazer um piquenique, Ed e Willi estão fazendo verificações de rotina. Rotina, certo? — Ele olhou fixamente para o rapaz, querendo forçá-lo a ficar do lado dele. Não tinha nenhuma maneira de convencê-lo, nada para lhe oferecer, nenhum pishkesh, exceto... — Você aprova o que está acontecendo aqui, meu filho? — perguntou cautelosamente. — Isto é, que futuro você tem aqui?
— Futuro? O meu futuro é com a companhia. Se... se vocês partirem, então... então eu não terei emprego, não poderei... não poderei mais fazer nada. Eu sou filho único...
— Se você quisesse partir, bem, haveria um emprego para você e um futuro. Fora do Irã. Garantido.
O rapaz olhou-o boquiaberto, entendendo, de repente, o que Scragger estava-lhe oferecendo.
— Mas... mas o que estaria garantido, aga! Uma vida no Ocidente, só para mim? E o meu povo, a minha família, a minha noiva?
— Isto eu não posso responder, Ali Pash — disse Scragger, com os olhos no relógio, consciente do tempo passando, das luzes e do ruído do HF, preparando-se para dominar o rapaz, que era mais alto do que ele, maior, uns 35 anos mais moço, e depois quebrar o HF e sair correndo... Sinto muito, meu filho, mas de um jeito ou de outro você vai ter que colaborar. Casualmente, ele chegou mais perto, posicionando-se melhor.
— Insha'Allah é a maneira que vocês têm de colocar as coisas — disse bondosamente e se preparou.
Ao ouvir estas palavras, saídas da boca daquele homem velho, bondoso e estranho que ele respeitava tanto, Ali Pash sentiu uma onda de afeição invadi-lo.
— Este é o meu lar, aga, a minha terra — disse Ali Pash, com simplicidade. — O imã é o imã e ele só obedece a Deus. O futuro é o futuro e está nas mãos de Deus. O passado também é o passado.
Antes que Scragger pudesse detê-lo, Ali Pash chamou Bandar Delam e agora estava falando em farsi no microfone. Os dois operadores conversaram por alguns momentos e depois, abruptamente, ele se despediu. Ele olhou para Scragger.
— Eu não o culpo por partir — disse. — Obrigado, aga, pelo... pelo passado. — Então, com grande determinação, ele desligou o HF, tirou uma peça e guardou no bolso. — Eu disse a ele que nós... que nós iríamos fechar pelo resto do dia.
Scragger respirou.
— Obrigado, meu filho.
A porta se abriu. Qeshemi estava lá.
— Eu gostaria de inspecionar a base — disse.
QG DE AL SHARGAZ: Manuela estava dizendo:
— ...e então, Andy, o operador de Lengeh, Ali Pash, disse para Jahan: "Não, não há nada de estranho por aqui", e depois acrescentou, um tanto abruptamente: "Estou fechando pelo resto do dia. Tenho que assistir às orações." Numir ligou para ele logo em seguida, pedindo-lhe para esperar alguns minutos, mas não obteve resposta.
— Abruptamente? — Gavallan perguntou, com Scot e Nogger também escutando atentamente. — Abruptamente, como?
— Como, como se ele estivesse de saco cheio ou tivesse uma arma apontada para a sua cabeça. Não é normal um iraniano ser tão abrupto. — Manuela acrescentou, inquieta: — Eu posso estar imaginando coisas, Andy.
— Isto significa que Scrag ainda está lá ou não?
Scot e Nogger fizeram uma careta, apavorados com a idéia. Manuela se mexeu nervosamente.
— Se estivesse lá, ele não teria respondido pessoalmente para nós sabermos? Acho que eu faria isso. Talvez ele... — O telefone tocou e Scot atendeu:
— SG? Oh, alô, Charlie, um momento. — Ele passou o fone para o pai. — É do Kuwait.
— Alô, Charlie, está tudo bem?
— Sim, obrigado. Eu estou no aeroporto do Kuwait, telefonando do escritório de Patrick na Guerney. — Embora as duas companhias fossem rivais no mundo inteiro, elas mantinham relações cordiais. — O que há de novo?
— Delta Quatro, nada mais até agora. Eu ligo assim que tiver notícias. Jean-Luc deu notícias de Bahrain, ele está com Delarne no Gulf Air de France se você quiser falar com ele. Genny está com você?
— Não, ela voltou para o hotel, mas estou com tudo preparado para quando Mac e os rapazes chegarem.
Gavallan disse calmamente:
— Você contou a Patrick, Charlie? — Ele ouviu o riso forçado de Pettikin.
— Que coisa engraçada, Andy, o representante da BA aqui, Patrick e dois outros caras estão com idéia maluca de que nós estamos tramando alguma coisa, como retirar todos os nossos pássaros. Você pode imaginar isso?
Gavallan suspirou.
— Não adiante as coisas, Charlie, siga o plano. — Isto significava ficar calado até que os helicópteros de Kowiss estivessem dentro do sistema do Kuwait, e depois então contar a Patrick. — Eu telefono quando tiver alguma notícia. Até logo. Oh, espere, eu quase me esqueci. Você se lembra de Ross? John Ross?
— E eu poderia esquecer? Por quê?
— Ouvi dizer que ele está no Hospital Internacional do Kuwait. Verifique assim que puder, sim?
— É claro. Imediatamente. O que há com ele?
— Não sei. Ligue para mim se tiver alguma notícia. Até logo. — E desligou o telefone. Tornou a respirar profundamente. — Já estão sabendo de tudo lá no Kuwait.
— Cristo, se... — Scot foi interrompido pelo toque do telefone. — Alô? Um momento. É o sr. Newbury, papai.
Gavallan atendeu.
— Bom dia, Roger, tudo bem?
— Sim. Bem, ahn, eu queria saber se está tudo bem. Como vão as coisas? Extra-oficialmente, é claro.
— Tudo ótimo — Gavallan disse com naturalidade. — Você vai ficar o dia todo no escritório? Eu passo por aí, mas telefono antes de sair daqui.
— Sim, faça isso, vou ficar aqui até o meio-dia. É um fim-de-semana comprido, você sabe. Por favor, ligue-me assim que tiver alguma notícia... extra-oficialmente. Na mesma hora. Nós estamos um tanto preocupados e, bem, podemos conversar quando você chegar. Até logo.
— Espere um instante. Você teve notícias do jovem Ross?
— Sim, tive. Sinto muito, mas soubemos que ele está gravemente ferido, com poucas chances de sobreviver. É uma pena, mas o que se pode fazer? Vejo-o antes do meio-dia. Até logo.
Gavallan desligou. Todos olhavam para ele.
— O que foi? — Manuela perguntou.
— Aparentemente... parece que o jovem Ross está gravemente ferido, com poucas chances de sobreviver.
— Que azar! Meu Deus, não é justo... — Nogger tinha falado com todo mundo sobre Ross, como este tinha salvo a vida deles e a de Azadeh.
Manuela fez o sinal-da-cruz e rezou fervorosamente para Nossa Senhora, por ele, depois implorou a Ela para trazer de volta, a salvo, todos os homens, todos eles, e também Azadeh e Xarazade e que eles conseguissem ter paz, por favor, por favor...
— Papai, Newbury contou-lhe o que aconteceu?
Gavallan sacudiu negativamente a cabeça, mal ouvindo o que ele estava dizendo. Ele estava pensando em Ross, da mesma idade que Scot, mais duro e experiente e indestrutível do que Scot e agora... Pobre rapaz! Talvez ele se recupere... Oh, Deus, eu espero que sim! O que se pode fazer? Continuar, é só o que se pode fazer. Azadeh vai ficar abalada, pobre garota. E Erikki vai ficar tão abalado quanto Azadeh, ele deve a vida dela a Ross.
— Estarei de volta num segundo — disse e saiu, dirigindo-se para o outro escritório, de onde podia ligar para Newbury em particular.
Nogger estava na janela, olhando para fora, na direção do campo de aviação, sem enxergar nada. Ele estava vendo o matador maníaco de Tabriz, segurando a cabeça decepada, com olhos selvagens e uivando como um lobo para o céu, o anjo da morte que se tornou o anjo da vida para ele, Arberry, Dibble e, principalmente, para Azadeh. Deus, se o senhor é mesmo Deus, salve-o como ele nos salvou...
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
— Cinco minutos em ponto — murmurou Scot — Jahan não se atrasa um segundo. Siamaki não disse que estaria no escritório a partir das nove horas?
— Disse. — Todos os olhares se dirigiram para o relógio. Estava marcando 8:45h
NO AEROPORTO DE LENGEH: 9:01H. Qeshemi estava no hangar, olhando para os dois 206 estacionados lá dentro. Atrás dele, Scragger e Ali Pash observavam nervosamente. Um raio de sol atravessou as nuvens e fez brilhar o 212 que estava esperando na pista, a cinqüenta metros de distância, com um carro de polícia amassado parado ao lado, com o motorista, cabo Ahmed, lá dentro.
— O senhor já voou num desses, Excelência Pash? — perguntou Qeshemi.
— No 206? Sim, Excelência sargento — disse Ali Pash, dando ao sargento o seu sorriso mais agradável. — O capitão às vezes me leva ou ao outro operador de rádio quando estamos de folga. — Ele estava com muita pena pelo fato do Demônio ter posto os pés lá hoje, mais do que com pena, porque agora ele estava irremediavelmente envolvido em uma traição. Traição por quebrar as regras, traição por mentir para a polícia, traição por não ter comunicado fatos estranhos. — O capitão poderá levá-lo quando o senhor quiser — disse agradavelmente, inteiramente concentrado agora em livrar-se do lodaçal em que o Demônio e o capitão o haviam colocado.
— Hoje seria um bom dia? Ali Pash quase se traiu.
— É claro, se o senhor pedir ao capitão, é claro, aga. Quer que eu peça? Qeshemi não disse nada, apenas saiu do hangar, sem se importar com os
Faixas Verdes, uma dúzia deles, que observavam curiosamente. Para Scragger, ele disse diretamente em farsi:
— Onde está todo mundo hoje, capitão?
Ali Pash serviu de intérprete para Scragger, embora torcendo as palavras, tornando-as mais aceitáveis, explicando que, sendo dia santo, sem vôos de inspeção, o pessoal iraniano tinha tido o dia de folga, o capitão tinha mandado os 212 para a área de treinamento, tinha deixado os mecânicos fazerem um piquenique e, ele próprio, ia sair para ir à mesquita assim que Sua Excelência o sargento tivesse terminado o que estava fazendo.
Scragger estava totalmente frustrado por não entender farsi, e estava detestando não pode controlar a situação. A sua vida e a dos seus homens estavam nas mãos de Ali Pash.
— Sua Excelência quer saber o que o senhor está planejando fazer o resto do dia.
— Está é uma boa pergunta. — Scragger murmurou. Então o lema da família veio-lhe à mente: "Enforcado por um carneirinho, enforcado por uma ovelha, então é melhor levar logo o rebanho inteiro." — O lema tinha sido passado pelo seu antepassado que fora deportado para a Austrália no início de 1800. — Por favor, diga-lhe que assim que ele terminar, eu vou para a plantação de repolhos ajudar Vossi a praticar. Está na época dele renovar a sua licença.
Ele ficou olhando e esperando e Qeshemi fez uma pergunta que Ali Pash respondeu e o tempo todo ele ficou imaginando o que faria se Qeshemi dissesse: "Ótimo, eu vou também."
— Sua Excelência quer saber se o senhor poderia emprestar um pouco de gasolina para a polícia.
— O quê?
— Ele quer um pouco de gasolina, capitão. Quer que o senhor empreste um pouco de gasolina.
— Oh. Oh, certamente, certamente, aga. — Por um momento, Scragger encheu-se de esperança. Não se anime tão depressa, meu filho, pensou. A plantação de repolho não fica assim tão longe e Qeshemi pode estar querendo gasolina para mandar o carro para lá e ir comigo no helicóptero.
— Venha, Ali Pash, você pode me dar uma ajuda — disse, não querendo deixá-lo sozinho com Qeshemi e caminhou até a bomba, fazendo um sinal para o carro de polícia. A biruta estava dançando. Ele viu que as nuvens estavam se avolumando, empurradas por um vento contrário. Aqui embaixo o vento ainda era o sudeste, embora estivesse virando para sul. Bom para nós, mas vai ser um tremendo vento de proa para os outros, pensou, preocupado.
NOS HELICÓPTEROS, PERTO DA ILHA DE KISH: 9:07H. Os quatro helicópteros de Rudi estavam à vista uns dos outros, mais juntos do que antes, viajando calmamente logo acima das ondas. A visibilidade variava entre duzentos e oitocentos metros. Todos os pilotos estavam poupando combustível, procurando tirar o melhor proveito, e mais uma vez Rudi inclinou-se para frente para dar uma pancadinha no mostrador. A agulha moveu-se ligeiramente, ainda marcando um pouco menos de meio tanque.
— Não há problema, Rudi, está funcionando perfeitamente — disse Faganwitch pelo interfone. — Nós temos tempo bastante para reabastecer, certo? Estamos no horário e dentro do que foi planejado, certo?
— Oh, sim. — Mesmo assim, Rudi tornou a calcular a distância, encontrando sempre a mesma resposta: o suficiente para alcançar Bahrain, mas não o suficiente para a quantidade de combustível de reserva.
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — A voz de Jahan soou nos seus fones de novo, irritando-o com sua persistência. Por um momento ele ficou tentado a desligar, mas achou que seria muito arriscado.
— Bandar Delam, aqui é Teerã, estamos ouvindo quatro por cinco, continue!
Houve uma explosão de farsi. Rudi ouviu várias vezes o nome "Siamaki", mas não entendeu quase nada além disso, enquanto os dois operadores falavam e então reconheceu a voz de Siamaki, irritada, arrogante e muito zangada.
— Aguarde, Bandar Delam! Al Shargaz, aqui é Teerã, está me ouvindo? — E mais zangado ainda: — Al Shargaz, aqui é o diretor Siamaki, está me ouvindo? — Nenhuma resposta. A chamada foi repetida, depois houve mais uma explosão de farsi e então Faganwitch gritou:
— Lá na frente, cuidado!
O superpetroleiro, com quase meio quilômetro de comprimento, estava crescendo na direção deles, ameaçadoramente, no meio da neblina, navegando em direção ao terminal do Iraque com a buzina de nevoeiro tocando. Rudi viu que estava perdido, não havia tempo de subir, não havia espaço para desviar o helicóptero para a esquerda nem para a direita, senão ele entraria em colisão com os outros, então começou a fazer uma parada de emergência. Kelly, à sua esquerda, desviou-se perigosamente para a esquerda, passando rente à popa. Sandor, na extrema direita, fez a volta pela proa. Dubois, em perigo, acelerou ao máximo, empurrou o controle para a direita e para trás, fazendo uma curva fechada em subida, cada vez mais fechada — cinqüenta, sessenta, setenta, oitenta graus, com a proa se aproximando dele, não vou conseguir, espèce de con..., não vou conseguir, controle para trás, a força G chupando a ele e a Fowler para o fundo dos assentos, a amurada do navio se aproximando deles, e então passaram a milímetros do deque de proa, com a tripulação correndo apavorada. Uma vez a salvo, Dubois deu uma volta de 180 graus para voltar para perto de Rudi, na esperança de que este tivesse conseguido diminuir o impacto e descido no mar.
Rudi estava com o controle puxado para trás, o nariz para cima, desacelerado, vendo o velocímetro cair, o nariz um pouco mais alto, o sinal de estol gemendo, não vou conseguir, o aviso de estol gritando, a qualquer momento ele vai despencar do céu, o petroleiro a poucos metros de distância, vendo rebites, vigias, ferrugem, pintura descascada, chegando mais perto deles mas mais devagar, mais devagar, tarde demais, tarde demais, mas talvez o suficiente para diminuir o impacto, agora caindo, controle para a frente, força total momentaneamente para diminuir o terrível impacto e a queda e de repente o aparelho estava flutuando um metro acima das ondas, com os esquis a centímetros do casco do petroleiro que passou deslizando suavemente por eles. Rudi conseguiu recuar um metro, depois outro e flutuou.
Quando seus olhos entraram em foco, ele olhou para cima. Na ponte do navio, tão alto que ele podia ver os oficiais olhando para ele lá embaixo, a maioria estava sacudindo os punhos com raiva. Um homem com a cara roxa de raiva estava gritando para eles com um alto-falante:
— Maldito idiota! — Mas ele não conseguiu ouvi-lo. A popa passou por eles, deixando uma esteira agitada que salpicou-os de água. O caminho à frente estava livre.
— Eu... eu vou ter que ir ao banheiro. — Faganwitch começou a engatinhar de volta para a cabine.
Faça por mim também, Rudi estava pensando, mas não teve forças para falar. Seus joelhos estavam tremendo e os dentes batiam.
— Cuidado — murmurou, então acelerou, ganhou altura e velocidade e em pouco tempo estava a salvo. Nenhum sinal dos outros. Então viu Kelly se aproximando, procurando por ele. Quando Kelly o viu, balançou o aparelho para um lado e para o outro, feliz, erguendo o polegar. Para evitar que os outros desperdiçassem combustível, voltando para procurá-lo, Rudi pôs os lábios bem perto do microfone e disse:
— Ponto-ponto-ponto-traço, ponto-ponto-ponto-traço, ponto-ponto-ponto-traço. O código particular que eles tinham combinado, indicando que cada um deveria seguir para Bahrain por sua conta, e para que soubessem que ele estava a salvo. Ele ouviu Sandor responder com o mesmo sinal de morse, depois Dubois, que surgiu ao seu lado no meio da neblina, aumentando a estática, e depois se afastou. Mas Pop Kelly estava sacudindo a cabeça, indicando que preferia ir junto com ele. Ele apontou para a frente
Mais uma vez eles ouviram:
— Al Shargaz, aqui é aga Siamaki em Teerã, está me ouvindo? — Depois mais farsi. — Al Shargaz.
NO QG DE AL SHARGAZ: "...aqui é aga Siamaki... — Então outra explosão de farsi. Gavallan tamborilou na mesa, aparentemente calmo, mas fervendo por dentro. Ele não tinha conseguido falar com Pettikin antes dele partir para o hospital e não havia o que pudesse fazer para tirar Siamaki e Numir do ar. Scot ajustou o volume ligeiramente, diminuindo o som do falatório, fingindo não estar ligando. Manuela disse com voz rouca: — Ele está uma fera, Andy
EM LENGEH: 9:26H. Scragger estava enchendo o tanque do carro da polícia. A mangueira escapuliu, transbordando e sujando-o de gasolina. Murmurando um palavrão, ele soltou a alavanca e pendurou a mangueira na bomba. Dois Faixas Verdes estavam ali perto, observando atentamente. O cabo apertou a tampa do tanque. Qeshemi falou com Ali Pash por alguns instantes.
— Sua Excelência está perguntando se o senhor poderia ceder-lhe alguns tambores de vinte litros. Evidentemente, cheios.
— Claro. Por que não? Quantos ele quer?
— Ele diz que poderia levar três na mala e dois dentro do carro. Cinco.
— Então cinco.
Scragger encontrou os tambores e encheu-os e, juntos, eles os colocaram no carro de polícia. Este carro é um verdadeiro coquetel molotov, pensou. Nuvens de tempestade estavam se formando rapidamente. Houve um relâmpago nas montanhas.
— Diga-lhe que é melhor não fumar dentro do carro
— Sua Excelência manda agradecer-lhe.
— Às ordens. — Ouviu-se uma trovoada nos lados da montanha. Mais relâmpagos. Scragger viu Qeshemi dar uma olhada em redor do campo. Os dois Faixas Verdes estavam esperando. Outros estavam agachados ao abrigo do vento, observando preguiçosamente. Agora ele não podia mais esperar.
— Bem, aga, eu preciso ir andando — disse, apontando para o 212 e depois para o céu. — Certo?
Qeshemi olhou-o estranhamente.
— Certo, por que certo, aga!
— Eu vou agora. — Scragger sacudiu os braços para mostrar que ia voar e manteve o sorriso forçado. — Mamnoon am, khoda haefez. — Obrigado, até logo. — E estendeu-lhe a mão.
O sargento olhou para a mão estendida e depois para ele, examinando-o com os seus olhos penetrantes. Então disse:
— Certo, até logo, aga — e apertou-lhe a mão com firmeza.
O suor escorria pelo rosto de Scragger e ele se controlou para não enxugá-lo.
— Mamnoon am, khoda haefez, agha. — Ele cumprimentou Ali Pash, desejando que aquilo fosse uma boa despedida, com vontade de trocar um aperto de mão com ele, mas não ousando abusar da sorte, então deu-lhe simplesmente um tapa nas costas ao passar por ele
— Até logo, meu filho. Felicidades.
— Feliz aterrissagem, aga — Ali Pash ficou olhando Scragger subir para a cabine e decolar, acenando ao se afastar. Ele acenou de volta, então viu Qeshemi olhando para ele. — Se o senhor me der licença, Excelência sargento, eu vou trancar tudo e depois vou até a mesquita.
Qeshemi balançou a cabeça, concordando, e tornou a olhar para o 212 que se afastava. Como eles são óbvios, estava pensando, o velho piloto e este jovem tolo. É tão fácil ler a mente dos homens se você for paciente e prestar atenção às pistas. É muito perigoso voar ilegalmente. Ainda mais perigoso ajudar estrangeiros a voar ilegalmente e ficar para trás. Loucura! Os homens são muito estranhos. Seja como Deus quiser.
Um dos Faixas Verdes, um rapaz quase imberbe com um AK47 no ombro, aproximou-se e olhou significativamente para os tambores de gasolina no fundo do carro. Qeshemi não disse nada, apenas cumprimentou-o com a cabeça. O rapaz respondeu, com um olhar duro, e se afastou insolentemente para se reunir aos outros.
O sargento sentou-se no lugar do motorista. Cães leprosos, pensou sarcasticamente, vocês ainda não são a lei em Lengeh — graças a Deus.
— Está na hora de ir embora, Ahmed, está na hora. — Enquanto o cabo entrava ao lado dele no carro, Qeshemi viu o helicóptero passar por cima da montanha e desaparecer. Ainda seria tão fácil apanhá-lo, velho, disse a si mesmo, confuso. Tão fácil alertar a rede, os nossos telefones estão funcionando e nós temos uma ligação direta com a base militar de Kish. Uns poucos litros de gasolina serão um pishkesh suficiente pela sua liberdade? Eu ainda não decidi.
— Eu o deixo na delegacia, Ahmed, depois vou ficar de folga até amanhã. O carro fica comigo.
Qeshemi arrancou. Talvez nós devêssemos ter partido com os estrangeiros — seria fácil obrigá-los a nos levar, a minha família e a mim, mas isto significaria viver do lado errado do nosso golfo Pérsico, viver no meio dos árabes. Eu nunca gostei dos árabes, nunca confiei neles. Não, o meu plano é melhor. Descer a velha estrada costeira durante um dia e uma noite depois tomar o barco do meu primo para o Paquistão, com bastante gasolina de reserva para servir de pishkesh. Muita gente nossa já está lá. Eu construirei uma vida boa para minha mulher e meu filho e para a pequena Sousan, até que, com a ajuda de Deus, nós possamos voltar para casa. Há muito ódio agora por aqui, foram muitos anos servindo o xá. Bons tempos. Como xá ele foi bom para nós. Nós sempre éramos pagos
AO NORTE DE LENGEH: 9:23H. A plantação de repolhos ficava dez quilômetros a nordeste da base, numa região deserta, coberta de pedras, no sopé das montanhas, e os dois helicópteros estavam parados, um ao lado do outro, com os motores funcionando. Ed Vossi estava em pé ao lado da janela da cabine de Willi.
— Estou com vontade de vomitar, Willi.
— Eu também. — Willi ajeitou os fones, o VHF estava ligado mas, de acordo com o plano, só deveria ser usado em caso de emergência, era só para ouvir
— Pegou alguma coisa, Willi? — Vossi perguntou.
— Não, só estática.
— Merda. Ele deve estar encrencado. Mais um minuto e eu vou ver o que houve, Willi.
— Vamos juntos. — Willi observou o relâmpago nas montanhas, a visibilidade era de cerca de um quilômetro, com as nuvens negras e ameaçadoras. — Este não é um bom dia para passeios, Ed.
— Não.
Então o rosto de Willi se acendeu como um foguete e ele apontou:
— Lá está ele! — O 212 de Scragger estava se aproximando a cerca de duzentos metros. Vossi correu para a sua cabine e entrou. Ouviu no seu fone:
— Como está o seu conta-giros, Willi?
— Nada bom, Scrag — Willi disse alegremente, seguindo o plano deles para o caso de alguém estar ouvindo. — Eu pedi a Ed para dar uma olhada nele, e ele também não está muito seguro. O rádio dele não está funcionando.
— Eu vou pousar e conversaremos. Scragger para a base, está me ouvindo? — Nenhuma resposta. — Scragger para a base, ficaremos algum tempo no chão. — Nenhuma resposta.
Willi ergueu o polegar para Vossi. Os dois aceleram, concentrando-se em Scragger que estava descendo devagar.
Quando estava no nível do chão, Scragger interrompeu a descida e se dirigiu para a costa. Agora a alegria era extrema, Vossi estava gritando de felicidade, até Willi estava sorrindo.
— Por Deus...
Scragger ultrapassou o cume e desceu do outro lado e agora podia ver a costa e o pequeno caminhão deles estacionado na praia rochosa pouco acima das ondas. Seu coração quase parou. Um rebanho de cabras com três pastores pontilhava a sua área de pouso. A cinqüenta metros da praia, havia um carro com alguns adultos e crianças brincando num lugar onde ele nunca havia visto ninguém. Um pequeno barco a motor navegava no mar. Podia ser um pesqueiro, e podia ser um dos barcos da patrulha vigiando contrabandistas e fugitivos, pois aqui, com Omã e a costa pirata tão próximos, sempre tinha havido muita vigilância costeira.
Não posso mudar os planos agora, pensou, com o coração disparado. Ele viu Benson e os dois outros mecânicos olharem para ele, pularem do caminhão e se dirigirem para a área de pouso. Atrás dele, Willi e Vossi tinham diminuído a velocidade para lhe dar tempo. Sem hesitação, ele desceu, com as cabras se espalhando, os pastores e as pessoas que faziam piquenique olhando, perplexos. Assim que tocou o solo, ele gritou:
— Vamos!
Não precisou falar duas vezes. Benson correu para a cabine e abriu a porta, voltou para ajudar os outros dois a descarregarem o caminhão. Juntos, eles retiraram malas, valises e bagagens e começaram a carregar o helicóptero a cabine já estava cheia de peças. Scragger olhou em volta e viu que Willi e Vossi estavam parados no ar, em guarda.
— Até agora tudo bem — disse alto, concentrando-se nos espectadores que tinham vencido o espanto e estavam se aproximando. Ele olhou em volta. Ainda não havia perigo. Mesmo assim, ele verificou a sua pistola Very e mandou que os mecânicos se apressassem, preocupado que o carro de polícia pudesse aparecer na estrada. Um segundo carregamento. Depois outro, depois o último, os três mecânicos suando, e agora dois subiram para a cabine, fechando a porta. Benson entrou ao seu lado, praguejou e fez menção de tornar a sair.
— Eu esqueci de desligar o caminhão.
— Deixe isso para lá. Vamos embora — Scragger acelerou e subiu, enquanto Benson trancava a porta, apertava o cinto e, logo, estavam sobre as ondas, no meio da neblina que cobria o golfo. Scragger olhou para a direita e para a esquerda. Willi e Vossi estavam bem ao lado dele, e ele desejou ter um HF para poder comunicar 'Lima Três' a Gavallan. Não faz mal, estaremos lá num instante.
Uma vez ultrapassadas as plataformas, ele começou a respirar melhor. Odeio deixar o jovem Ali Pash deste jeito, pensou, odeio deixar Georges de Plessey e seus rapazes, odeio deixar os dois 206, odeio partir. Bem, fiz o que pude. Deixei recomendações e promessas de emprego para quando voltarmos, se voltarmos, para Ali Pash e os outros na gaveta de cima da mesa do chefe do escritório, junto com todo o dinheiro que eu tinha.
Ele verificou o seu curso, em direção a sudoeste, para Siri, como se estivesse numa viagem de rotina, caso o radar os apanhasse. Perto de Siri viraria para sudeste, em direção a Al Shargaz e à sua casa. Se tudo correr bem, pensou, e tocou no pé de coelho que Nell tinha dado a ele há tantos anos atrás para dar sorte. Passaram por outra plataforma, Siri Seis. A tempestade elétrica fazia estalar os seus fones, depois, junto com os estalos, ele ouviu alto e claro:
— Ei, Scragger, você e les gars estão voando baixo, n'estcepas?
Era a voz de François Menange, o gerente da plataforma e ele xingou a vigilância do homem. Para fazê-lo calar a boca, ele ligou o transmissor.
— Cale a boca, François, nós estamos praticando, cale a boca, sim? Agora ele estava rindo.
— Bien sür, mas vocês são loucos de praticar tão baixo um dia como hoje. Adieu.
Ele estava suando de novo. Ainda tinha que passar por quatro plataformas antes de poder virar para mar aberto.
Eles atravessaram a primeira rajada de vento, sentindo-o açoitá-los, a chuva batendo nas janelas, relâmpagos por todo lado. Willi e Vossi voavam bem junto dele e ele estava feliz de estar voando com eles. Eu achei várias vezes que Qeshemi fosse dizer: "Venha comigo", e me levasse para a cadeia. Mas ele não o fez e aqui estamos nós e dentro de uma hora e quarenta minutos mais ou menos estaremos em casa e o Irã será apenas uma lembrança.
NO QG DA BASE AÉREA DE KOWISS: 9:46H. O mulá Hussein disse pacientemente:
— Fale-me mais sobre o ministro Kia, capitão. — Ele estava sentado atrás da escrivaninha do escritório do comandante da base. Um Faixa Verde de cara fechada guardava a porta.
— Já lhe disse tudo o que sabia — respondeu McIver, exausto.
— Então, por favor, fale-me a respeito do capitão Starke. — Educado, insistente e sem pressa, como se tivesse o dia e a noite inteiros e mais o dia seguinte.
— Eu também já lhe disse tudo sobre ele, aga. Há quase duas horas que estou falando sobre eles. Estou cansado e não há mais nada o que contar. — McIver levantou-se, esticou-se e tornou a sentar. Não adiantava tentar sair. Ele tinha feito isso uma vez e o Faixa Verde fizera sinal para ele voltar. — A menos que o senhor queira saber algo específico, eu não consigo pensar em mais nada.
Ele não tinha ficado nem um pouco surpreendido com o fato do mulá querer saber mais a respeito de Kia e tinha repetido inúmeras vezes como, há poucas semanas atrás, Kia surgira do nada e fora nomeado diretor, tinha relatado os seus contatos com ele nas últimas semanas embora não dissesse nada sobre os cheques dos bancos suíços que abriram caminho para o 125 e retiraram três 212 do caldeirão. Eu é que não vou bancar o Wazari com Kia, disse a si mesmo.
Kia é compreensível, mas por que Duke Starke? Onde Duke estudou, o que ele come, há quanto tempo está casado, se tem só uma esposa, há quanto tempo trabalha na companhia, se é católico ou protestante — tudo o que era possível perguntar e várias vezes. Insaciável. E sempre a mesma resposta evasiva à sua pergunta: Por quê?
— Porque ele me interessa, capitão.
McIver olhou pela janela. Estava caindo um chuvisco. Nuvens baixas. Trovoadas ao longe. Haveria pancadas de chuva e alguns furacões de verdade nas nuvens de tempestade a leste — grande camuflagem para a fuga através do golfo. O que estará acontecendo com Scrag, Rudi e os rapazes? Este pensamento dominou-lhe a mente. Com esforço, ele o afastou, deixando-o para depois, bem como o cansaço e a preocupação. Que diabo ele iria fazer quando o interrogatório terminasse? Está terminando. Tome cuidado! Concentre-se! Você vai cometer um erro se não estiver cem por cento, e aí estará perdido.
Ele sabia que estava quase sem reservas. Na noite anterior tinha dormido mal e isso não ajudava. Nem a tristeza de Lochart por causa de Xarazade. Era difícil para Tom enfrentar a verdade, impossível dizer a ele: isso não estava mesmo fadado ao fracasso, Tom, meu velho amigo? Ela é muçulmana, rica, você nunca o será, a herança dela é feita de aço, a sua de gaze, a família dela é a sua força vital, a sua não, ela pode ficar, você não, e ainda há uma espada suspensa sobre a sua cabeça, o HBC. É tão triste, pensou. Será que chegou a haver alguma chance de dar certo? Com o Xá, talvez. Com a inflexibilidade do novo governo?
O que eu faria se fosse Tom? Com esforço, forçou sua mente a parar de divagar. Podia sentir os olhos do mulá cravados nele. Mas a investigação era só para descobrir exatamente quando e com que freqüência o 125 deles ia até Kowiss, quantos Faixas Verdes estavam de serviço do lado deles da base e se eles cercavam e vigiavam o 125 durante todo o tempo em que este ficava no chão. O interrogatório fora casual, ele não tinha perguntado nada que demonstrasse mais do que um simples interesse, mas McIver estava certo de que a verdadeira razão era para planejar uma rota de fuga caso fosse necessário. A certeza final tinha sido o comentário: "Mesmo numa revolução ocorrem erros, capitão. Mais do que nunca é preciso ter amigos bem colocados, é triste mas é verdade." Ou você coca as minhas costas ou eu arranho as suas.
O mulá levantou-se.
— Eu o levarei de volta agora.
— Oh, está bem, obrigado. — McIver observou Hussein disfarçadamente. Os olhos castanhos escuros sob as grossas sobrancelhas não revelaram nada, a pele esticada sob as maçãs salientes, um rosto estranho e belo ocultando um espírito de grande determinação. Para o bem ou para o mal?, perguntou-se McIver.
NA TORRE DE RÁDIO: 9:58H. Wazari estava agachado perto da porta que dava para o telhado, ainda esperando. Quando McIver e Lochart o deixaram no escritório, ele tinha ficado dividido entre a vontade de fugir e de ficar, mas Changiz e os soldados tinham chegado, quase ao mesmo tempo que Pavoud e a outra equipe, então ele se escondera ali e estava escondido até agora. Pouco antes das oito horas, Kia tinha chegado de táxi.
Do local privilegiado em que se encontrava, ele tinha visto Kia ter um ataque de raiva porque McIver não estava esperando ao lado do 206, pronto para decolar. Os soldados de braçadeiras verdes transmitiram-lhe o que Changiz ordenara. Kia tinha protestado em altos brados. Os soldados deram de ombros, desculpando-se e Kia entrara no edifício, declarando aos berros que ia telefonar para Changiz e se comunicar imediatamente com Teerã, mas Lochart o interceptara no começo das escadas, dizendo-lhe que os telefones não estavam funcionando e que o aparelho de rádio estava com defeito e que não havia nenhum técnico para consertá-lo até o dia seguinte.
— Sinto muito, ministro, não há nada que possamos fazer, a menos que o senhor queira ir até o QG, pessoalmente. — Wazari tinha ouvido Lochart dizer a ele. — Tenho certeza de que o capitão McIver não vai demorar, o mulá Hussein mandou chamá-lo.
Na mesma hora, Kia perdeu metade da arrogância e isso o alegrou, mas não diminuiu a sua ansiedade e ele tinha ficado lá no vento e no frio, desamparado, perdido e infeliz
A segurança temporária não diminuiu em nada sua ansiedade, temores e suspeitas em relação a Kia, hoje, e em relação ao fato de que deveria comparecer diante do komiteh no dia seguinte. "A sua presença é necessária para maiores averiguações", e por que aqueles filhos da mãe do Lochart e do McIver estão tão nervosos, hein? Por que será que eles mentiram para aquele filho da puta, víra-casaca, do Changiz com relação a uma troca de pessoal na plataforma de Abu Sal? Não há necessidade alguma de trocar o pessoal de lá, a não ser que tenha sido ordenada durante a noite. Por que estamos só com três pilotos e dois mecânicos, com toda a carga de trabalho que começa na segunda-feira?, por que foram despachadas tantas peças? Oh, Deus, ajude-me a dar o fora daqui.
Estava tão frio que ele voltou para dentro da torre, mas deixou a porta aberta para uma fuga rápida. Cautelosamente, olhou pela janela e pelas fendas das tábuas. Se tomasse cuidado, poderia ver quase toda a base sem ser visto. Ayre, Lochart e os mecânicos estavam perto do 212.0 portão principal estava bem guardado pelos Faixas Verdes. Não viu nenhuma atividade na base. Um arrepio percorreu-o. Havia boatos de que o komiteh faria uma outra limpa e que agora ele estava no alto da lista por causa da sua denúncia contra Esvandiary e Kia.
— Pelo Profeta, eu soube que eles querem vê-lo amanhã. Você pôs sua vida em perigo falando daquele jeito, você não sabe que a primeira regra de sobrevivência aqui, há mais de quatro mil anos, tem sido manter a boca e os olhos fechados com relação às ações dos que estão acima de você, ou logo você fica sem língua e sem olhos? É claro que os que estão por cima são corruptos, alguma vez foi diferente?
Wazari gemeu, sentindo-se desamparado e a ponto de desistir. Desde que Zataki lhe dera aquela surra, quebrando-lhe o nariz, ele não conseguia respirar direito, tinha perdido quatro dentes, sentia uma dor de cabeça constante e estava sem ânimo e sem coragem. Ele nunca tinha apanhado antes. "Pé quente" e Kia eram ambos culpados, e daí? O que é que você tem com isso? E agora a sua estupidez vai acabar com você.
As lágrimas saltaram-lhe dos olhos - Pelo amor de Deus, me ajude.
Então a expressão "com defeito" veio-lhe à cabeça e ele se agarrou a ela. Que defeito? O rádio estava funcionando perfeitamente ontem.
Enxugou as lágrimas. Sem fazer barulho, foi até a escrivaninha e ligou o rádio, mantendo o volume no mínimo. Parecia estar funcionando. Checou os mostradores. Havia um bocado de estática e nenhuma transmissão. Estranho que não houvesse nenhum tráfego na freqüência da companhia, alguém deveria estar transmitindo em algum lugar. Sem ousar aumentar o volume, ele apanhou um par de fones de ouvido e conectou-os, deixando de usar o alto-falante. Agora podia ouvir o sinal no volume que quisesse. Estranho, nada ainda. Cuidadosamente, foi mudando de canal. Nada. Passou para VHF. Nada. Voltou para HF. Não conseguiu pegar nem um boletim meteorológico de rotina, gravado, que era transmitido de Teerã.
Ele era um bom operador de rádio e bem treinado e não demorou a ver qual era o defeito. Uma olhada por uma fenda da porta que dava para o telhado confirmou o fio solto. Filho da puta, pensou. Por que não reparei nisso quando estava lá fora?
Cuidadosamente, ele desligou o rádio e se arrastou para fora. Quando viu que o fio tinha sido arrancado, mas que a ferrugem fora raspada, foi tomado de raiva, depois de excitação. Aqueles filhos da mãe, pensou. Aqueles filhos da mãe hipócritas, McIver e Lochart. Eles deviam estar ouvindo e transmitindo quando eu cheguei. Que diabo estarão tramando?
Consertou o fio rapidamente. Ligou o HF e na mesma hora uma explosão de farsi encheu os seus ouvidos na freqüência da companhia: QG de Teerã falando com Bandar Delam, depois chamando Al Shargaz e Lengeh e a ele, em Kowiss. Algo sobre quatro helicópteros que não tinham ido para onde deveriam. Irã-Toda? Esta não é uma das nossa bases.
— Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
Ele reconheceu a voz de Jahan, falando de Bandar Delam. Automaticamente, seu dedo dirigiu-se para o botão de transmissão e então parou. Não há necessidade de responder ainda, pensou. As ondas da companhia estavam cheias agora, Numir e Jahan de Bandar Delam e Gehani de Teerã, com Siamaki tendo ataques.
— Filho da puta — murmurou, poucos minutos depois, compreendendo tudo.
NOS HELICÓPTEROS PRÓXIMOS DE SIRI: 10:05H. A ilha de Siri propriamente dita ficava um quilômetro à frente, mas antes que Scragger e seu grupo pudessem virar para sudeste em direção à fronteira internacional, tinham que ultrapassar mais três plataformas. Como um maldito campo minado, pensou Scragger. Até agora estamos a salvo. Todos os ponteiros estão no verde e os motores trabalhando bem. Benson, o mecânico, sentado ao seu lado, estava olhando as ondas que passavam bem debaixo deles. Havia estática nos fones. De vez em quando, vôos internacionais comunicavam suas posições ao radar de Kish, que controlava aquela área, e recebiam resposta imediatamente. Pelo interfone, Benson disse:
— Kish está a postos, Scrag.
— Nós estamos abaixo do radar deles. Não esquenta.
— Eu estou preocupado, você não?
Scragger balançou afirmativamente a cabeça. Kish estava a uns vinte quilômetros à direita deles. Olhou para a esquerda e para a direita. Vossi e Willi estavam um de cada lado e ele ergueu o polegar para eles, que responderam, Vossi entusiasticamente.
— Mais vinte minutos e atravessaremos a fronteira — disse Scragger — Do jeito que estamos indo, logo subiremos para duzentos.
— Ótimo. O tempo está melhorando, Scrag — disse Benson. A camada de nuvens acima deles tinha diminuído consideravelmente, a visibilidade continuava a mesma. Com bastante antecedência, eles viram o petroleiro à frente. Scrag e Willi desviaram-se para estibordo com bastante folga, mas Vossi subiu exuberantemente, passando por cima dele e depois desceu, emparelhando com eles
Imediatamente, eles ouviram:
— Aqui é o controle de Kish, helicóptero voando baixo num curso de 225, comunique altura e destinação.
Scragger balançou o aparelho de um lado para o outro para atrair a atenção de Willi e Vossi, apontou para sudoeste e mandou que eles se afastassem, indicando que deveriam continuar voando baixo e se afastar dele. Viu a relutância deles, mas fez um sinal para sudoeste, acenou em despedida e subiu, deixando-os na superfície do mar.
— Fique firme, Benson — disse, com um peso no estômago, então começou a transmitir, movendo o microfone para perto e para longe da boca para simular uma transmissão ruim: — Kish, aqui é o helicóptero HVX, que saiu de Lengeh levando peças para Siri Nove, curso 225. Achei que tinha visto um barco virado, mas não era. — Siri Nove era a plataforma mais distante que eles serviam normalmente, quase na fronteira entre o Irã e os Emirados, que ainda estava sendo construída e não estava equipada com o seu próprio VHF:
— Voltando para duzentos.
— Helicóptero HVX, você está dois por cinco, a sua transmissão está intermitente. Mantenha o curso e comunique quando estiver a duzentos metros. Confirme se foi informado das novas regras para decolar em Lengeh. — A voz do operador com sotaque americano, estava cinco por cinco, ríspida e profissional.
— Sinto muito, Kish, mas este é o primeiro dia depois da licença. — Scragger viu Willi e Vossi desaparecerem na neblina. — Eu preciso solicitar autorização para decolar de Siri Nove depois que tiver pousado lá? Ficarei pelo menos uma hora. — Scragger enxugou o suor. Kish estaria no seu direito se o mandasse descer lá primeiro para dar-lhe uma boa espinafração por ter quebrado o regulamento.
— Afirmativo. Aguarde.
No interfone, Benson disse, inquieto:
— E agora, Scrag?
— Eles devem estar tendo uma pequena conferência.
— O que vamos fazer?
— Depende do que eles fizerem. — Scragger riu e ligou o transmissor.
— Kish, HVX em duzentos metros.
— Kish. Mantenha o curso e a altitude. Aguarde.
— HVX. — Mais silêncio. Scragger estava pesando as alternativas, apreciando o perigo. — Isto é melhor do que pilotar um carregamento de leite, hein, filho? — falou para Benson.
— Para ser sincero, não é não. Se eu pusesse as mãos em Vossi, o faria em pedaços.
Scragger deu de ombros.
— Está feito. Nós poderíamos estar entrando e saindo do radar desde que decolamos. Talvez Qeshemi nos tenha denunciado. — Ele começou a assoviar desafinadamente. Eles já estavam longe da ilha de Siri com a plataforma Siri Nove cinco quilômetros à frente.
— Kish, aqui é HVX — disse Scragger, ainda balançando o microfone.
— Saindo de duzentos para pouso em Siri Nove.
— Negativo, HVX, mantenha-se em duzentos e aguarde. A sua transmissão está intermitente e dois por cinco
— H VX... Kish, por favor, repita, a sua transmissão está truncada. Vou repetir, saindo de duzentos para pouso Siri Nove — Scragger repetiu devagar, continuando a simular problemas de transmissão. Mais uma vez ele sorriu para Benson. — Um truque que aprendi na RAF, meu filho.
— HVX, Kish. Repito, mantenha-se em duzentos e aguarde.
— Kish, o helicóptero está jogando e a neblina está piorando. Passando para 180. Chamarei ao pousar e solicitarei permissão para decolar. Obrigado e bom dia — ele acrescentou, rezando.
— HVX, a sua transmissão está intermitente. Interrompa pouso em Siri Nove. Vire 310 graus, mantenha-se em duzentos e apresente-se em Kish.
Benson ficou branco. Scragger empalideceu.
— Repita, Kish, você está um por cinco.
— Repito, interrompa pouso em Siri Nove, vire 310 graus e apresente-se em Kish. — A voz do operador era calma.
— Roger, Kish, entendido, devemos pousar em Siri Nove e depois nos apresentar em Kish. Descendo para 150 metros para aproximação a pouca altitude, obrigado e bom dia.
— Kish, aqui é JAL Vôo 664 de Deli — entrou no circuito. — Sobrevoando a 12 mil metros em direção ao Kuwait em trezentos. Está me ouvindo?
— JAL 664, Kish. Mantenha curso e altitude. Chame o Kuwait em 118.8, bom dia.
Scragger espiou através da neblina. Ele viu a plataforma semiconstruída, com uma barcaça amarrada a uma das pilastras. Os ponteiros dos instrumentos estavam todos no verde e — ei, espere um instante, a temperatura subiu, a pressão do óleo baixou no motor número um. Benson também tinha visto. Ele deu um tapinha no mostrador, inclinando-se para a frente. O ponteiro que marcava a pressão do óleo subiu um pouco e depois tornou a cair, a temperatura estava alguns graus acima do normal — não há tempo para pensar nisso agora, prepare-se! O pessoal de terra tinha ouvido o barulho do helicóptero e parara de trabalhar, afastando-se do local de pouso. Quando estava a 15 metros da plataforma, Scragger disse:
— Kish, HVX pousando agora. Bom dia.
— HVX, apresente-se diretamente a Kish. Solicite permissão para decolar. Repito, apresente-se diretamente a Kish. Está me ouvindo?
Mas Scragger nem respondeu nem pousou. Quando estava a poucos metros de altura, ele ficou flutuando no ar, acenou para o pessoal de terra que o reconheceu e achou que ele estava apenas treinando algum piloto novo, como era seu hábito. Um último aceno. Então ele avançou, desceu, passando ao lado da plataforma e, pertinho do mar, virou para sudoeste acelerando ao máximo.
NA BASE AÉREA DE KOWISS: 10:21H. O mulá Hussein estava dirigindo e parou o carro diante do escritório. McIver saltou.
— Obrigado — disse, sem saber o que esperar, pois Hussein mantivera-se calado desde que saíram do escritório. Lochart, Ayre e os outros estavam perto dos helicópteros. Kia saiu do prédio, parou ao ver o mulá e depois desceu a escada
— Bom dia, Excelência Hussein, saudações, que prazer em vê-lo. — Ele estava usando um tom de voz ministerial próprio para se dirigir a um personagem importante, mas não a um igual, e depois disse secamente para McIver: — Temos que partir imediatamente.
— Ahn, sim, aga. Dê-me dois minutos para me preparar. — Ainda bem que eu não sou Kia, disse a si mesmo enquanto se afastava, com o estômago ardendo, e dirigiu-se a Lochart: — Olá, Tom.
— Você está bem, Mac?
— Sim. — E acrescentou em voz baixa: — Vamos ter que agir com muita cautela nos próximos minutos. Não sei o que o mulá está tramando. Tenho que esperar para ver o que ele vai fazer com Kia, não sei se Kia está encrencado ou não. Assim que soubermos, podemos agir. — E baixou ainda mais a voz. — Não posso deixar de levar Kia, a não ser que Hussein o agarre. Pretendo levá-lo até metade do caminho, até o outro lado das montanhas, fora do alcance do VHF, fingir uma emergência e aterrissar. Quando Kia estiver fora da cabine, esticando as pernas, eu decolo e vou me encontrar com vocês no lugar combinado.
— Não gosto dessa idéia, Mac. É melhor deixar-me fazer isso. Você não conhece o lugar e estas dunas são todas iguais. É melhor eu levá-lo.
— Já pensei nisso, mas aí eu estaria conduzindo os mecânicos sem licença. É melhor pôr Kia em risco, em lugar deles. Além disso, você poderia ficar tentado a voltar para Teerã.
— É melhor eu levá-lo e depois me encontar com você no lugar combinado. É mais seguro.
McIver sacudiu a cabeça, sentindo-se muito mal em encurralar o amigo.
— Você continuaria até Teerã, não? Depois de uma estranha pausa, Lochart disse:
— Enquanto eu estava esperando por você, se pudesse teria posto Kia no helicóptero e decolado. — Ele deu um sorriso irônico. — Os soldados não permitiram. Mandaram esperar. É melhor tomar cuidado com eles, Mac, alguns falam inglês. O que foi que aconteceu com você?
— Hussein apenas interrogou-me a respeito de Kia e de Duke. Lochart olhou-o espantado.
— Duke? O que ele queria saber?
— Tudo sobre ele. Quando eu perguntei a Hussein por que, ele só disse: "Ele me interessa." — McIver viu Lochart estremecer.
— Mac, acho melhor que eu leve Kia. Você pode não achar o lugar do encontro. Você pode ir em dupla com Freddy. Eu vou primeiro e espero por vocês.
— Sinto muito, Tom, mas não posso correr esse risco, você acabaria indo para Teerã. Se eu fosse você, faria o mesmo. Mas não posso deixá-lo voltar. Voltar agora seria um desastre. Um desastre para você, tenho certeza disso, Tom, bem como para nós. Esta é a verdade.
— Para o inferno com a verdade — Lochart disse com amargura. — Está bem, mas por Deus, assim que pousarmos no Kuwait, ou vocês me dão o mês de licença a que tenho direito ou eu me demito da S-G, o que preferirem.
— Está certo, mas tem que ser de Al Shargaz. Nós vamos ter que reabastecer os helicópteros no Kuwait e sair de lá o mais depressa possível, se tivermos a sorte de chegar até lá e se eles nos deixarem sair.
— Não. O Kuwait é o fim da linha para mim.
— Como você quiser — disse McIver, zangado. — Mas eu vou me certificar de que você não consiga um avião para Teerã, Abadan ou qualquer outro lugar no Irã.
— Você é um filho da mãe — disse Lochart, zangado por McIver ter percebido as suas intenções tão claramente. — Vá para o inferno!
— Sim. Sinto muito. Em Al Shargaz eu vou fazer tudo o que puder para ajudá-lo — McIver parou, vendo Lochart resmungar um palavrão. Ele se virou. Kia e Hussein ainda estavam conversando perto do carro. — O que foi?
— A torre.
McIver olhou para cima. Então viu Wazari, semi-oculto atrás de uma janela, fazendo sinal para eles. Não havia meio de fingir que não tinham visto. Enquanto olhavam, Wazari tornou a chamá-los com gestos e desapareceu.
— Desgraçado — Lochart estava dizendo. — Eu chequei a torre logo depois que você saiu para ter certeza de que ele não tinha se escondido lá e como ele não estava lá, achei que tinha fugido. — Ficou vermelho de raiva. — Pensando bem, eu não cheguei a entrar na sala, e ele podia estar escondido no telhado. — O filho da puta deve ter ficado lá o tempo todo.
— Minha nossa! Talvez ele tenha descoberto o fio partido. — McIver ficou nervoso.
— Fique aqui. Se ele tentar causar problemas, eu o mato — disse Lochart enfurecido.
— Espere, eu também vou. Freddy — ele chamou — voltaremos num instante.
Ao passar por Hussein e Kia, McIver disse:
— Eu vou pedir autorização para decolar, ministro. Podemos partir em cinco minutos.
Antes que Kia pudesse responder, Hussein disse enigmaticamente:
— Insha’Allah.
Kia falou secamente para McIver:
— Capitão, o senhor não se esqueceu de que tenho que estar em Teerã às 19 horas para uma importante reunião, esqueceu? Bem — e deu as costas para eles, voltando a dar atenção a Hussein: — O que o senhor estava dizendo, Excelência?
Os dois pilotos entraram no escritório, furiosos com a grosseria de Kia, evitaram Pavoud e o resto do pessoal e se dirigiram para a escada da torre.
A torre estava vazia. Então eles viram a porta do telhado aberta e ouviram Wazari cochichar:
— Estou aqui. — Ele estava do lado de fora, agachado junto à parede. — Não se moveu. — Eu sei o que vocês estão tramando. O rádio não está com defeito nenhum — ele disse, sem poder conter a excitação. — Quatro helicópteros decolaram de Bandar Delam e desapareceram. O diretor Siamaki está berrando como um porco no matadouro porque não consegue falar nem com Lengeh, nem conosco e nem com Al Shargaz, e o sr. Gavallan está lá. Eles só não estão respondendo, não é? Hein?
— E o que isso tem a ver conosco? — perguntou Lochart.
— Tem tudo a ver, tudo, porque tudo se encaixa. Numir, em Bandar Delam, diz que todos os estrangeiros partiram, que não sobrou nenhum em Bandar. Siamaki diz o mesmo com relação a Teerã, ele disse até a Numir, capitão McIver, que o seu empregado disse que a maioria das suas coisas e das coisas de um certo capitão Pettikin foram retiradas do apartamento. McIver deu de ombros e foi ligar o VHF.
— Simples medida de segurança enquanto eu e Pettikin estamos fora. Tem havido muitos assaltos.
— Não faça a ligação ainda, escute, por favor, eu imploro... o senhor não vai conseguir evitar que a verdade seja conhecida. Os seus 212 saíram de Bandar Delam com os rapazes. Lengeh está mudo, então deve ter acontecido a mesma coisa lá, Teerã está fechado, só resta esta base e vocês estão preparados para partir. — A voz de Wazari estava estranha e eles não sabiam o que ele estava pensando. — Eu não vou denunciá-los, quero ajudá-los. Juro que quero ajudá-los.
— Ajudar-nos a fazer o quê?
— A fugir.
— Por que você faria isso, mesmo que fosse verdade? — Lochart perguntou zangado.
— O senhor tinha razão em não confiar em mim antes, capitão, mas eu juro por Deus que pode confiar em mim agora, eu estou firme agora, e o senhor é a minha única esperança de escapar. Eu vou ter que comparecer diante do komiteh amanhã e... e olhem para mim, pelo amor de Deus! — Ele exclamou. — Eu estou horrível e a menos que consiga ir a um médico, vou ficar assim para sempre e talvez até morra. Estou com uma pressão aqui, com uma dor horrível — Wazari tocou no nariz quebrado. — Desde que aquele filho da mãe do Zataki me bateu, minha cabeça está doendo e eu estou fora de mim, sei disso, mas posso dar um jeito. Posso dar cobertura a vocês daqui se vocês me levarem, deixem-me en,trar no último helicóptero, eu juro que posso ajudar. — Seus olhos encheram-se de lágrimas. Os dois homens ficaram olhando para ele.
McIver ligou o VHF
— Torre de Kowiss, CHI testando, testando.
Uma longa pausa, depois em inglês com um sotaque carregado:
— Aqui é a torre, CHI, vocês estão cinco por cinco.
— Obrigado. Nós descobrimos o defeito do rádio. O nosso 206 vai partir para Teerã dentro de dez minutos, bem como os nossos vôos para as plataformas Quarenta, Abu Sal e Gordy, transportando peças.
— Certo. Comunique quando estiver no ar. Bandar Delam está tentando entrar em contato com vocês.
McIver começou a suar.
— Obrigado, torre, bom dia. — Ele olhou para Lochart, depois ligou o HF. Imediatamente, eles ouviram a voz de Jahan falando em farsi e Lochart começou a traduzir:
— Jahan está dizendo que a última notícia que tiveram dos helicópteros, eles estavam voando para nordeste, afastando-se da costa... que Zataki — por um instante a sua voz falseou — ... que Zataki havia ordenado que os quatro helicópteros fossem prestar serviço à Irã-Toda e que ele já deve ter chegado lá e que com certeza vai chamar ou mandar algum recado... — Então McIver reconheceu a voz de Siamaki. Lochart estava suando. — Siamaki está dizendo
que ficará fora do ar por cerca de meia hora ou uma hora e que chamará quando voltar, e que ele deve continuar a tentar comunicar-se conosco e com Al Shargaz. Jahan disse que está bem e que se tiver alguma notícia torna a chamar.
Ouviu-se o ruído da estática. Depois a voz de Jahan, falando em inglês:
— Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? Lochart murmurou.
— Se a torre está captando tudo isso, por que não estamos todos na cadeia?
— Hoje é sexta-feira. Não há nenhum motivo para eles controlarem a freqüência da companhia. — Wazari enxugou as lágrimas, mais controlado. — A equipe de sexta-feira é mínima. Não há vôos, nada acontece, o komiteh despediu todos os oficiais encarregados do radar e cinco sargentos. Mandou-os para o paredão. — Ele estremeceu e continuou depressa: — Talvez um dos caras tenha ouvido Bandar Delam de vez em quando, então Bandar perdeu contato com alguns dos seus helicópteros, e daí?, eles são estrangeiros e issos acontece o tempo todo. Mas, capitão, se o senhor não tirar do ar Bandar Delam e Teerã agora, eles vão... alguém vai desconfiar. — Ele tirou do bolso um lenço sujo e enxugou um fio de sangue que escorria do seu nariz. — Se o senhor mudar para o seu canal alternativo, estará seguro, a torre não pega esse canal.
McIver olhou-o com atenção.
— Você tem certeza?
— Claro, ouça, por que o senhor não... — Ele parou. Havia passos se aproximando. Sem fazer barulho, ele tornou a se esconder no telhado. Kia parou no meio da escada.
— Por que está demorando tanto, capitão?
— Eu... eu estou esperando que a autorização seja confirmada, ministro. Sinto muito, Mandaram-me esperar. Não posso fazer nada.
— É claro que pode! Nós podemos partir agora mesmo! Estou cansado de esperar.
— Eu também estou, mas não quero que me estourem os miolos. — McIver perdeu a paciência e gritou: — O senhor espere! Espere! Está entendendo? Trate de esperar e se não melhorar seus modos, eu cancelo a viagem e conto ao mulá Hussein sobre um ou dois pishkesh que esqueci de mencionar durante o interrogatório. Agora dê o fora daqui!
Por um momento eles pensaram que Kia fosse explodir, mas ele pensou melhor e foi embora. McIver esfregou o peito, aborrecido por ter perdido a calma. Então fez um sinal na direção do telhado e cochichou:
— Tom, e quanto a ele?
— Nós não podemos deixá-lo para trás. Ele poderia nos denunciar. — Lochart olhou para trás. Wazari estava na porta.
— Eu juro que vou ajudar — ele murmurou, desesperado. — Ouça, quando o senhor decolar com Kia, o que é que o senhor está planejando fazer, enganá-lo, não é? — McIver não respondeu, ainda inseguro. — Jesus, capitão, o senhor precisa confiar em mim. Olhe, chame Bandar Delam no canal alternativo e dê uma bronca em Numir como fez com aquele filho da mãe. Diga a ele que o senhor mandou que todos os helicópteros viessem para cá. Isto vai acalmá-los por uma ou duas horas.
McIver olhou para Lochart. Lochart disse, excitado:
— Por que não? Ora, é uma boa idéia, então você pode partir com Kia... e Freddy pode ir andando. Eu vou esperar aqui e... — Ele parou.
— E o quê, Tom? — disse McIver.
Wazari aproximou-se e ligou o canal alternativo, dizendo rapidamente para Lochart:
— O senhor fica por aqui mais um pouco, capitão, e depois que o capitão McIver tiver partido e Ayre estiver longe daqui, o senhor diz a Numir que tem certeza de que os quatro helicópteros devem ter desligado o HF, uma vez que não há necessidade de usá-lo, e que estão só com o VHF: isso lhe dará uma desculpa para decolar e então o senhor corre para o esconderijo onde está guardado o combustível. — Ele viu o olhar que eles trocaram. — Jesus, capitão, qualquer um sabe que vocês não podem atravessar o golfo sem reabastecer, então devem ter estocado combustível em algum lugar. Ou na praia ou em alguma das plataformas.
McIver respirou profundamente e apertou o botão do transmissor.
— Bandar Delam aqui é o capitão McIver de Kowiss, está me ouvindo?
— Kowiss — Bandar Delam, estamos tentando falar com vocês há horas e...
— Jahan, ponha Numir na linha — McIver disse secamente. Alguns segundos depois Numir atendeu, mas antes que o gerente da IranOil pudesse dizer qualquer coisa, McIver disse: — Onde estão os meus quatro helicópteros? Por que eles não se apresentaram? O que está havendo aí? E por que você é tão ineficiente que não sabe que eu mandei que os meus helicópteros e o meu pessoal viessem para cá?
NO QG DE AL SHARGAZ: ".. .e por que você não se lembrou que foram programadas mudanças de pessoal em Bandar Delam durante o fim-de-semana?"
A voz de McIver estava fraca mas clara no alto-falante, para onde Gavallan, Scot e Manuela olhavam fixamente, horrorizados pelo fato de McIver ainda estar em Kowiss. Será que isto significava que Lochart, Ayre e os outros também estavam lá ainda?
— Mas nós estamos chamando o senhor a manhã toda, capitão — disse Numir, com a voz ainda mais fraca. — O senhor mandou que os nossos helicópteros fossem para Kowiss? Mas por quê? E por que eu não fui informado? Os nossos helicópteros deveriam ter ido para a Irã-Toda hoje de manhã mas não pousaram lá e desapareceram. Aga Siamaki também está tentando comunicar-se com o senhor.
— Houve um defeito no nosso VHF. Agora escute aqui, Numir, eu mandei que os helicópteros viessem para Kowiss. Não aprovei nenhum contrato com a Irã-Toda, não sei nada a respeito de um contrato com a Irã-Toda, e isto é o suficiente. Agora pare de criar uma tempestade num copo d'água!
— Mas são os nossos helicópteros, e todo mundo foi embora, todo mundo, todos os mecânicos e pilotos e...
— Droga, eu mandei que viessem todos para cá para averiguações. Repito que estou muito insatisfeito com a sua operação. E vou comunicar isto à Irã-Toda. Agora pare de chamar!
No escritório, todos estavam ainda em estado de choque. Então McIver ainda estava em Kowiss e isso era um desastre. Turbilhão ia mal. Eram 10:42h e Rudi e os outros três estavam atrasados em relação à chegada prevista em Bahrain.
— ...mas não sabemos que tipo de vento eles pegaram, papai — Scot tinha dito — nem quanto tempo eles vão levar para reabastecer durante o vôo. Eles podem ter um atraso de 45 minutos ou uma hora e estarem bem. Digamos que cheguem em Bahrain entre 11 h e 11:15.
— Mas todo mundo sabia que não podia haver tanto combustível assim a bordo.
Nada ainda de Scrag e seus outros dois aparelhos, mas isto era esperado — eles não têm HF a bordo, Gavallan pensou. O vôo deles para Al Shargaz deve levar cerca de uma hora e meia. Se eles tiverem saído às 7:30 e apanhado os mecânicos e tornado a decolar sem incidentes, deverão chegar às 9:15.
— Não precisa se preocupar, Manuela, você sabe como são os ventos de proa — ele tinha dito —, e nós não sabemos ao certo a que horas eles partiram.
Tantas coisas podiam dar errado. Meu Deus, essa espera é horrível. Gavallan sentiu-se muito velho, pegou um dos telefones e ligou para Bahrain.
— Golf Air de France? Jean-Luc Sessonne, por favor. Jean-Luc, alguma notícia?
— Não, Andy. Acabei de ligar para a torre e não há nada no sistema. Pas problème. Rudi deve estar economizando gasolina. A torre disse que me ligaria assim que o vissem. Alguma notícia dos outros?
— Acabamos de descobrir que Mac ainda está em Kowiss. — Gavallan ouviu o susto dele e as obscenidades que disse. — Também acho. Torno a ligar para você. — Ele discou para o Kuwait. — Charlie, Genny está aí com você?
— Não, ela está no hotel. Andy, eu...
— Acabamos de saber que Mac ainda está em Kowiss e..
— Meu Deus, o que foi que aconteceu?
— Não sei, ele ainda está transmitindo. Tornarei a chamar quando souber de algo definido. Não conte a Genny ainda. Até logo.
Mais uma vez a espera agonizante, então o HF começou a transmitir.
— Teerã, aqui é Kowiss, capitão McIver. Continue.
— Kowiss, Teerã, estamos tentando nos comunicar com vocês a manhã toda. Aga Siamaki está tentando entrar em contato com o senhor. Ele voltará dentro de uma hora. Por favor confirme se o senhor ordenou que os quatro 212 fossem, para Kowiss.
— Teerã, aqui é Kowiss. Bandar Delam, ouça também: — A voz de McIver estava mais lenta, mais clara e muito zangada. — Eu confirmo, todos os meus 212 estão sob o meu controle. Todos eles. Não vou poder falar com aga Siamaki uma vez que estou autorizado a decolar daqui para
Teerã com o ministro Kia dentro de cinco minutos, mas espero encontrar-me com aga Siamaki no Aeroporto Internacional de Teerã. Dentro de alguns instantes estaremos fechando para reparos, por ordem das autoridades, e estaremos operando apenas em VHF. Para informação de vocês, o capitão Ayre partirá dentro de cinco minutos para a plataforma Abu Sal com peças de reposição e o capitão Lochart vai permanecer aqui para esperar os 212 que vêm de Bandar Delam. Entendido, Teerã?
— Afirmativo, capitão McIver, mas o senhor pode fazer o favor de.. McIver interrompeu-o.
— Entendido, Numir, ou você está mais ineficiente do que nunca?
— Sim, mas devo insistir que...
— Estou cansado de toda essa besteira. Eu sou o diretor executivo desta operação e enquanto operar no Irã é assim que vai ser, simples, direto e sem interferências. Kowiss vai fechar para reparos conforme ordens do coronel Changiz e tornará a se comunicar assim que estivermos no ar de novo. Permaneçam neste canal mas mantenham-no livre para verificação. Tudo vai prosseguir conforme foi planejado. Fim e desligo.
Neste momento a porta se abriu e Starke entrou, acompanhado por uma jovem enfermeira nervosa. Manuela ficou estarrecida. Gavallan deu um pulo e ajudou-o a se sentar, com o peito todo enfaixado. Ele estava usando calças de pijama e um robe de flanela.
— Eu estou bem. Andy — Starke disse. — Como vai, querida?
— Conroe, você ficou maluco?
— Não. Andy, conte-me o que está acontecendo. A enfermeira disse:
— Nós não podemos nos responsabilizar.. Starke disse pacientemente:
— Eu juro que é só por umas duas horas e vou tomar muito cuidado. Manuela, por favor, leve-a até o carro, sim? — E olhou-a com o olhar especial que os maridos têm para as mulheres e as mulheres para os maridos quando não é momento para discussões. Ela se levantou imediatamente e saiu com a enfermeira e, depois que tinham saído, Starke disse:
— Desculpe, Andy, mas não pude mais agüentar. O que está acontecendo?
EM KOWISS: 10:48H. McIver desceu as escadas da torre, sentindo-se mal e vazio sem saber nem mesmo se conseguiria chegar até o 206, quanto mais levar a cabo o resto do plano. Você vai conseguir, disse a si mesmo. Controle-se. O mulá Hussein ainda estava conversando com Kia, encostado no carro, com o seu AK47 pendurado no ombro.
— Está tudo pronto, ministro — disse McIver. — É claro, se estiver tudo em ordem, Excelência Hussein?
— Sim, como Deus quiser — Hussein disse com um estranho sorriso. Educadamente, ele estendeu a mão. — Até logo, ministro Kia.
— Até logo, Excelência. Kia virou-se e caminhou rapidamente em direção ao 206.
McIver estendeu a mão para o mulá, nervosamente.
— Até logo Excelência.
Hussein virou-se para ver Kia entrar na cabine. Mais uma vez o estranho sorriso.
— Está escrito: "Os moinhos de Deus trabalham lentamente, mas moem em pedaços bem pequenos." Não é verdade, capitão?
— Sim. Mas por que o senhor diz isso?
— É um presente de despedida. Você pode dizer isso ao seu amigo Kia quando pousarem em Teerã.
— Ele não é meu amigo. E por que nessa hora?
— O senhor faz bem em não tê-lo como amigo. O senhor vai ver o capitão Starke de novo?
— Não sei. Espero vê-lo em breve. — McIver viu o mulá olhar para Kia e o seu nervosismo aumentou. — Por quê?
— Eu gostaria de vê-lo em breve. — Hussein tirou a arma do ombro e entrou no carro, partindo com os seus Faixas Verdes.
— Capitão? — Era Pavoud. Ele estava nervoso e tremendo.
— Sim, sr. Pavoud? Só um instante. Freddy! — McIver fez um sinal para Ayre que veio correndo. — Sim, sr. Pavoud?
— Por favor, por que os 212 estão carregados de peças e bagagens e...
— Uma mudança de pessoal — McIver disse imediatamente e fingiu não notar o olhar de Ayre. — Estou esperando quatro 212 que vão chegar de Bandar Delam. É melhor o senhor preparar as acomodações. Quatro pilotos e quatro mecânicos. Eles devem chegar dentro de umas duas horas.
— Mas nós não temos nenhum motivo para...
— Faça o que estou mandando! — A tensão de McIver tornou a explodir. — Eu dei as ordens. Eu! Eu pessoalmente! Eu mandei que os meus 212 viessem para cá! Freddy, o que é que você está esperando? Vá andando com as suas peças.
— Sim, senhor. E o senhor?
— Eu vou levar Kia de volta, Tom Lochart está encarregado daqui até eu voltar. Vá logo. Não, espere, eu vou com você. Pavoud, o que você está esperando? O capitão Lochart vai ficar muito irritado se não estiver tudo pronto a tempo. — McIver se afastou com Ayre, rezando para que Pavoud estivesse convencido.
— Mac, que diabo está acontecendo?
— Espere até chegarmos perto dos outros. — Quando McIver chegou perto dos 212, ele virou de costas para Pavoud que ainda estava na escada que levava aos escritórios e contou-lhes rapidamente o que estava acontecendo. — Vejo-os na costa.
— Você está bem, Mac? — disse Ayre, muito preocupado com a cor dele.
— É claro que estou! Vá logo!
PERTO DE BAHRAIN: 10:59H. Rudi e Pop Kelly ainda estavam um atrás do outro, lutando contra o vento de proa, poupando os motores, com os mostradores de combustível no vazio e as luzes vermelhas acesas. Há uma hora atrás, os dois tinham ficado parados no ar. Os mecânicos tinham aberto a porta das cabines e se debruçado para fora, tirando a tampa dos tanques. Depois tinham desenrolado as mangueiras, enfiado o esguicho na boca do tanque e voltado para a cabine, começando a bombear o combustível de reserva dos tambores para dentro dos tanques. Nenhum dos dois mecânicos jamais tinha feito um reabastecimento em pleno vôo. Quando terminaram, tiveram um acesso de vômito. Mas a operação foi bem-sucedida.
A neblina ainda estava densa, o mar agitado e batido pelo vento e desde a hora em que quase colidiram com o petroleiro, todos os procedimentos tinham sido de rotina, buscando obter o máximo de rendimento dos helicópteros e torcendo para dar certo. — Rudi não tinha visto nenhum sinal de Dubois nem de Sandor. Um dos jatos de Rudi falhou, mas voltou logo a funcionar.
Faganwitch estremeceu.
— Quanto falta ainda?
— Muito. — Rudi ligou seu VHF, quebrando o silêncio do rádio. — Pop, troque para HF e fique na escuta — ele disse rapidamente e começou a transmitir. — Sierra Um, aqui é Delta Um, está me ouvindo?
— Alto e claro, Delta Um — Scot respondeu imediatamente — continue.
— Perto de Boston — o código para Bahrain — a duzentos, rumo 185, com pouco combustível. Delta Dois está comigo, Três e Quatro estão por sua própria conta.
— Bem-vindos da Britânia para as terras ensolaradas, G-HTXX e G-HJZI, repito, G-HTXX e G-HJZI! Jean-Luc está esperando por vocês. Ainda não temos notícias de Delta Três e Quatro.
— HTXX e HJZI! — Rudi respondeu imediatamente, usando os novos registros britânicos. — E quanto a Lima Três e Kilo Dois? — Lima para os três helicópteros de Lengeh e Kilo para os dois de Kowiss.
— Ainda não temos notícias, só sabemos que Kilo ainda não decolou. — Rudi e Pop Kelly tiveram um choque. Então ouviram:
— Aqui é o QG de Teerã, Al Shargaz, estão me ouvindo? Seguido da voz de Siamaki:
— Aqui é Teerã, quem está chamando neste canal? Quem são Kilo Dois e Lima Três? Quem é Sierra Um?
Scot respondeu:
— Não se preocupe, HTXX, algum idiota está usando o nosso canal. Telefone quando pousar — ele acrescentou para evitar mais conversas.
Pop Kelly exclamou, excitado:
— Bancos de areia à frente, HTXX!
— Estou vendo. Sierra Um, HTXX, estamos quase na costa...
Mais uma vez um dos motores de Rudi falhou, mais do que antes, mas tornou a pegar, com os mostradores girando loucamente. Então, através da neblina, ele viu a costa, um pontinho de terra e alguns bancos de areia e depois a praia, e soube exatamente onde estava.
— Pop, você se encarrega da torre. Sierra Um, diga a Jean-Luc que estou...
NO QG DE AL SHARGAZ: Gavallan já estava ligando para Bahrain e no alto-falante a voz de Rudi continuou a falar demonstrando urgência:
— ...eu estou na extremidade noroeste da praia de Abu Sabh, a leste... — houve um ruído de estática e depois silêncio.
Gavallan falou no telefone:
— Gulf Air de France? Jean-Luc, por favor. Jean-Luc, Andy. Rudi e Pop estão... Espere... — A voz de Kelly soou alto:
— Sierra Um, eu estou descendo atrás de Delta Um, ele está sem motor...
— Aqui é Teerã, quem está sem motor e onde? Quem está chamando por este canal? Aqui é Teerã, quem está...
NA COSTA DE BAHRAIN: A praia tinha uma areia branca e boa, mas estava quase vazia naquele momento, havia muitos barcos a vela e outras embarcações de passeio no mar, vários praticantes de windsurf aproveitando o dia ameno e a brisa agradável. Mais acima ficava o Hotel Starbreak, todo branco, com palmeiras, jardins e barracas coloridas espalhadas pelos terraços e pela praia. O 212 de Rudi saiu da neblina rapidamente, com os rotores girando, os motores tossindo e sem funcionar mais. A sua linha de descida dava-lhe poucas opções, mas ele estava contente por ser uma descida em terra firme e não no mar. A praia crescia em direção a eles e ele escolheu o local de pouso perto de uma barraca vazia, perto da estrada. Ele estava a favor do vento agora e muito perto, estabilizou o aparelho depois puxou o comando geral, alterando o grau de inclinação das lâminas para se segurar um pouco e suavizar o impacto e deslizou para frente na superfície irregular, inclinou um pouquinho o aparelho e parou.
— Minha nossa... disse Faganwitch, respirando de novo, com o coração batendo de novo, com o esfíncter contraído.
Rudi começou a manobra de pouso, tonto com o silêncio, com as mãos e os joelhos tremendo. Na praia, os banhistas e as pessoas que estavam nos terraços tinham se levantado e estavam olhando para eles. Então Faganwitch abriu a boca de espanto, assustando-o. Ele se virou e também abriu a boca.
Ela usava óculos escuros e quase nada mais debaixo da barraca solitária, sem a parte de cima do biquíni, e praticamente sem a parte de baixo, e estava apoiada no cotovelo olhando para eles. Sem se apressar, ela se levantou e vestiu a parte de cima do biquíni.
— Jesus Cristo... — Faganwitch estava sem fala. Rudi acenou e gritou com a voz rouca:
— Sinto muito, fiquei sem gasolina.
Ela riu, então Kelly apareceu e estragou tudo e os dois praguejaram contra ele, enquanto o vento dos seus rotores batia na barraca e nos cabelos compridos dela, fazendo voar a toalha e espalhando areia. Kelly também a viu e, gentilmente, recuou para mais perto da estrada e, tão distraído quanto os outros, pousou.
NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE BAHRAIN: 11:13H. Jean-Luc e o mecânico Rod Rodrigues saíram correndo do edifício e atravessaram a rua em direção a um pequeno caminhão de abastecimento com a marca GAdeF — Gulf Air de France — que tinham conseguido emprestado. O aeroporto estava movimentado, terminal moderno e os suntuosos prédios em volta todos pintados de branco. Havia muitos jatos de várias nacionalidades carregando ou descarregando, e um jumbo da JAL tinha acabado de pousar.
— On y va, vamos — disse Jean-Luc.
— É claro, Sayyid. — O motorista aumentou o volume do interfone e ligou o motor, engrenou e saiu. Ele era um jovem palestino cristão, usando óculos escuros e o macacão da companhia. — Para onde nós vamos?
— Você conhece a praia de Abu Sabh?
— Oh, sim, Sayyid.
— Dois dos nossos helicópteros pousaram lá, sem combustível. Vamos!
— Já estamos quase lá! — O motorista mudou de marcha e aumentou a velocidade. Eles ouviram pelo alto-falante do interfone:
— Alfa Quatro? — Ele apanhou o microfone e continuou a guiar exuberantemente com uma das mãos.
— Aqui é Alfa Quatro.
— Chame o capitão Sessonne.
Jean-Luc reconheceu a voz de Matias Delarne, o gerente da Gulf Air de France em Bahrain, um velho amigo dos tempos da Força Aérea Francesa e da Argélia.
— Aqui é Jean-Luc, meu velho — ele disse em francês. Também em francês, Delarne disse rapidamente:
— A torre me chamou para dizer que outro helicóptero acabou de entrar no sistema, no rumo que você está esperando. Dubois ou Petrofi, hein? A torre está chamando mas ainda não conseguiu fazer contato.
— Só um? — Jean-Luc ficou preocupado.
— Sim. Ele está se aproximando corretamente para pousar na pista 16. O problema que nós discutimos, hein?
— Sim. — Jean-Luc tinha contado ao amigo o que estava realmente acontecendo e o problema dos registros. — Matias, diga à torre que é o GHTTE e que está em trânsito — disse, fornecendo o terceiro dos quatro registros de chamada. — Depois ligue para Andy e diga a ele que vou mandar Rodrigues cuidar de Rudi e Kelly. Nós vamos tratar de Dubois ou Sandor, você e eu, onde nos encontramos?
— Meu Deus, Jean-Luc, depois disto nós vamos ter que entrar para a Legião Estrangeira. Encontre-me na frente do escritório.
Jean-Luc respondeu, e tornou a pendurar o microfone no gancho.
— Pare aqui! — O caminhão parou imediatamente. Rodrigues e Jean-Luc quase saíram pelo pára-brisa. — Rod, você sabe o que fazer. — Ele saltou. — Podem ir!
— Ouça, eu prefiro ir andando e... — O resto ele não ouviu, e saiu correndo de volta enquanto o caminhão arrancava cantando os pneus, passando pelo portão e pegando a estrada que levava à praia.
EM KOWISS, NA TORRE: 11:17H. Em Lochart e Wazari estavam olhando o 206 de McIver subindo em direção às Montanhas Zagros.
— Kowiss, aqui é HCC — McIver estava dizendo pelo VHF — estou deixando o seu sistema agora. Bom dia.
— HCC, Kowiss. Bom dia — disse Wazari. No alto-falante do HF, em farsi:
— Bandar Delam, aqui é Teerã, já tiveram notícias de Kowiss?
— Negativo. Al Shargaz, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Estática, então a chamada foi repetida, e depois outra vez o silêncio.
Wazari enxugou o rosto.
— O senhor acha que o capitão Ayre já chegou ao local do encontro? — Ele perguntou, tentando desesperadamente agradar. Não era difícil perceber que Lochart não gostava dele e nem confiava nele. — Hein?
Lochart apenas deu de ombros, pensando em Teerã e no que fazer. Ele tinha dito a McIver para mandar os dois mecânicos com Ayre:
— Para o caso de eu ser apanhado, Mac, ou de Wazari ser descoberto ou nos trair.
— Não faça nenhuma besteira, Tom, como ir para Teerã no 212, com ou sem Wazari.
— Não havia nenhuma maneira de voltar para Teerã sem pôr em alerta todo o sistema e estragar o Turbilhão. Eu teria que reabastecer o aparelho e eles me apanhariam.
Existe alguma maneira? Ele perguntou a si mesmo, então viu Wazari observando-o.
— O que é?
— O capitão McIver vai lhe dar algum sinal ou chamar depois que tiver largado Kia? — Lochart não respondeu e Wazari disse humildemente: — Droga, o senhor não está vendo que é a minha única chance de dar o fora daqui?
Os dois homens se viraram, sentindo-se observados. Pavoud estava olhando para eles através do corrimão da escada.
— Então é isso! — Ele disse baixinho. — Seja como Deus quiser. Vocês foram apanhados na sua traição.
Lochart deu um passo em direção a ele.
— Eu não sei o que está incomodando você — começou, com a garganta apertada. — Não há nada...
— Vocês foram apanhados! Você e o Judas! Vocês estão todos fugindo, fugindo com os nossos helicópteros!
O rosto de Wazari se contorceu e ele disse entre dentes:
— Judas, hein? Venha até aqui! Eu sei tudo sobre você e os seus amigos do Tudeh!
Pavoud ficou branco.
— Você não sabe o que está dizendo! Você é que foi apanhado, você é...
—Você é que é o Judas, seu maldito comunista! O cabo Ali Fedagi é meu companheiro de quarto e ele é o oficial na base e você é subordinado dele. Eu sei tudo sobre você. Ele tentou me fazer entrar no Partido há meses. Venha até aqui! — E quando Pavoud hesitou, Wazari avisou: — Se você não vier, eu vou chamar o komiteh e entregar você, Fedagi, junto com Muhammad Berani e mais uma dúzia de outros e não dou a mínima... — Ele esticou a mão para apertar o transmissor do VHF, mas Pavoud exclamou:
— Não — e subiu as escadas, parando, trêmulo, no patamar. Por um instante, nada aconteceu, então Wazari agarrou o homem apavorado e atirou-o num canto, e pegou uma chave inglesa para dar na cabeça do homem. Lochart impediu o golpe bem a tempo.
— Por que você está me impedindo, pelo amor de Deus? — Wazari estava tremendo de medo. — Ele vai nos trair.
— Não há necessidade... não há necessidade disso. — Lochart não conseguiu falar por um momento. — Seja paciente. Ouça, Pavoud, se você ficar quieto, nós também ficaremos.
— Eu juro por Deus, é claro que vou...
— Você não pode confiar neste filho da mãe — disse Wazari.
— Eu não confio — respondeu Lochart. — Rápido, ponha tudo por escrito! Rápido! Todos os nomes que você conseguir se lembrar. Rápido, e faça três cópias! — Lochart enfiou uma caneta na mão do homem. Wazari hesitou, depois pegou um bloco e começou a escrever. Lochart se aproximou de Pavoud que se encolheu, implorando piedade. — Cale a boca e ouça, Pavoud, eu vou fazer um trato com você, se você não disser nada, nós não diremos nada.
— Por Deus, é claro que eu não vou dizer nada, aga, eu não tenho servido fielmente a companhia, fielmente, por todos estes anos, eu não...
— Mentiroso — disse Wazari, depois acrescentou, dando um choque em Lochart: — Eu ouvi você e os outros mentindo e fazendo piadas com Manuela Starke, espiando-a de noite.
— Mentira, tudo mentira...
— Cale a boca, seu filho da mãe! — disse Wazari.
Pavoud obedeceu, paralisado com ódio do outro, e se encolheu no seu canto.
Lochart tirou os olhos do homem encolhido e apanhou uma das listas, colocando-a no bolso.
— Você fique com uma, sargento. Olhe aqui — disse para Pavoud, enfiando uma na cara dele. O homem tentou recuar, não conseguiu, e quando a lista foi-lhe enfiada na mão, ele gemeu e jogou-a no chão como se estivesse pegando fogo. — Se nós formos parados, eu juro por Deus que isto vai para as mãos do primeiro Faixa Verde que aparecer, e não se esqueça de que nós dois falamos farsi e que eu conheço Hussein! Entendeu? — Pavoud balançou a cabeça humildemente. Lochart inclinou-se e apanhou a lista, enfiando-a no bolso do homem. — Sente-se ali! — Ele apontou para uma cadeira num canto, depois enxugou o suor das mãos e ligou o VHF, apanhando o microfone.
— Kowiss chamando os helicópteros que estão vindo de Bandar Delam, estão me ouvindo? — Lochart esperou, depois repetiu o chamado. Depois disse: — Torre, aqui é a base, está me ouvindo?
Depois de uma pausa, ouviu-se uma voz cansada, com sotaque carregado:
— Sim, estamos ouvindo.
— Nós estamos esperando quatro helicópteros que vêm de Bandar Delam e que estão equipados apenas com VHF. Eu vou decolar para tentar me comunicar com eles. Estaremos fora do ar até eu voltar, certo?
— Certo.
Lochart desligou. Do HF veio:
— Kowiss, aqui é Teerã, está me ouvindo? Lochart perguntou:
— E quanto a ele? — Os dois olharam para Pavoud, quase se encolheu na cadeira.
A dor que Wazari estava sentindo atrás dos olhos era a pior que já havia sentido. Eu vou ter que matar Pavoud, esta é a única maneira de provar a Lochart que estou do lado dele.
— Eu trato dele — disse e se levantou.
— Não — atalhou Lochart. — Pavoud, você vai tirar o resto do dia de folga. Você vai descer as escadas, dizer aos outros que está doente e vai para casa. Não vai dizer mais nada e vai sair imediatamente. Nós podemos vê-lo e ouvi-lo daqui. Se você nos trair, por Deus, você e todos os homens desta lista serão traídos também.
— O senhor jura... que... o senhor jura que não vai contar a ninguém?
— Saia e vá para casa! E é a sua cabeça que está em perigo, não a nossa! Ande, saia logo! — Eles ficaram olhando o homem sair cambaleando. E quando o viram pedalando a sua bicicleta pela estrada em direção à cidade, sentiram-se um pouco melhor.
— Nós deveríamos tê-lo matado, capitão. Eu o teria feito.
— Deste jeito é tão seguro quanto... e, bem, matá-lo não resolveria nada. — Nem me ajudaria com Xarazade, pensou.
Mais uma vez no HF:
— Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
— Não é seguro deixar estes filhos da mãe transmitindo, capitão. A torre vai ouvi-los, por mais ineficientes e destreinados que sejam.
Lochart se concentrou no problema.
— Sargento, fale pelo HF um instante, finja ser um mecânico de rádio que está uma fera por terem estragado o seu feriado. Diga-lhes em farsi para calarem a boca, para ficarem fora do nosso canal até que esteja consertado, diga que o maluco do Lochart decolou para se comunicar com quatro helicópteros pelo VHF, que talvez um deles tenha tido uma emergência e os outros ainda estejam no chão com ele. Certo?
— Entendido! — Wazari fez tudo com perfeição. Depois que desligou, segurou a cabeça com as mãos por um momento, cego de dor. Então olhou para Lochart. — O senhor agora confia em mim?
— Sim.
— Eu posso ir com o senhor? Mesmo?
— Sim. — Lochart estendeu a mão. — Obrigado pela ajuda. — Ele tirou fora o cristal da freqüência do HF da companhia, arrebentou e tornou a colocá-lo, depois tirou fora o disjuntor do VHF e guardou-o no bolso. — Vamos.
No escritório, lá embaixo, ele parou um momento.
— Eu vou voar — disse aos três empregados que o olharam estranhamente. — Vou tentar me comunicar com os helicópteros de Bandar no VHF — Os três homens não disseram nada, mas Lochart sentiu que ele^também estavam a par do segredo. Então ele se virou para Wazari. Vejo-o amanhã, sargento.
— Espero que o senhor não precise de mim. Minha cabeça está doendo horrivelmente.
— Vejo-o amanhã. — Lochart andou pelo escritório, consciente da atenção dos outros, para dar tempo a Wazari de sair, rodear o hangar e se esconder no helicóptero. — Quando você sair do escritório estará por sua conta — Lochart tinha dito a ele — eu não vou checar a cabine, vou simplesmente decolar.
— Que Deus nos ajude a todos, capitão
NO AEROPORTO DE BAHRAIN: 11:28H. Jean-Luc e Matias Delarne estavam em pé ao lado de uma caminhonete, perto da pista, observando a chegada do 212, protegendo os olhos contra o sol, ainda incapazes de reconhecer o piloto. Matias era um homem baixo e forte, com cabelos escuros e ondulados com metade do rosto marcado por cicatrizes de queimaduras que sofrerá na Argélia.
— É Dubois — ele disse.
— Não, é Sandor. — Jean-Luc acenou, fazendo sinal para ele pousar contra o vento. Assim que os esquis tocaram o solo, Matias correu sob os rotores em direção à porta esquerda da cabine, sem prestar atenção ao que Sandor estava gritando para ele. Ele carregava um pincel e uma lata de tinta de pintar aviões e passou a tinta por cima das letras do registro iraniano logo abaixo da janela. Jean-Luc usou o estêncil que tinha preparado, tinta preta e pincel, depois tirou cuidadosamente o estêncil. Agora o helicóptero era G-HXXI e legal.
Enquanto isso, Matias fora até a cauda e retirara o CHI. Sandor mal teve tempo de tirar o braço do caminho enquanto Jean-Luc pintava entusiasticamente o segundo G-HXXI.
— Voilà! — Jean-Luc devolveu o material a Matias, que foi até a caminhonete e guardou-o debaixo de uma lona enquanto Jean-Luc apertava a mão de Sandor Petrofi e lhe contava sobre Rudi e Kelly e perguntava sobre Dubois.
— Não sei, meu velho — disse Sandor. — Depois da confusão — ele explicou sobre o quase acidente —, Rudi mandou que continuássemos cada um por si. Eu não tornei mais a vê-los. Eu fiz o possível para poupar gasolina, fiquei pertinho das ondas e rezei. Há quase dez minutos que estou no vazio, com as luzes vermelhas acesas. E quanto aos outros?
— Rudi e Kelly pousaram na praia de Abu Sabh. Rod Rodrigues está cuidando deles. Nada ainda sobre Scrag, Willi e Vossi, mas Mac ainda está em Kowiss.
— Jesus!
— Oui, junto com Freddy e Tom Lochart, pelo menos estavam lá há dez ou quinze minutos atrás. — Jean-Luc virou-se para Matias que se juntou a eles. — Você está sintonizado com a torre?
— Sim, não há problemas.
— Matias Delarne, Sandor Petrofi, Johnson, nosso mecânico^ Eles se cumprimentaram e trocaram um aperto de mão.
— Como foi a viagem... merde, é melhor não me contar — Matias acrescentou, depois que viu o carro se aproximando. — Encrenca — avisou.
— Fique na cabine de comando, Sandor — ordenou Jean-Luc. — Johnson, volte para a cabine.
O carro estava marcado OFICIAL e parou a uns vinte metros do 212. Dois bahrani saltaram, um capitão uniformizado da Imigração e um oficial da torre, o último usando uma longa veste branca e turbante, preso com um cordão preto. Matias foi até eles.
— Bom dia, Sayyid Yusuf, Sayyid Bin Ahmed. Este é o capitão Sessonne.
— Bom dia — ambos responderam educadamente e continuaram a observar o 212. — E o piloto?
— Capitão Petrofi. Sr. Johnson, um mecânico, está na cabine. — Jean-Luc sentiu-se mal. O sol estava realçando a pintura nova, mas não a velha, e o final do /tinha um resto de preto em cada ponta. Ele esperou pela pergunta inevitável:
— Qual foi o seu ponto de partida? — E então a sua resposta despreocupada:
— Basra, Iraque — como o lugar menos impossível. Mas seria tão simples checar a informação, e nem seria preciso checar, bastava passar o dedo na pintura nova para encontrar as letras que estavam por baixo. Matias estava igualmente nervoso. É fácil para Jean-Luc, pensou, ele não mora aqui, não tem que trabalhar aqui.
— Quanto tempo o G-HXXI vai ficar aqui, capitão? — O oficial da Imigração perguntou. Ele era um homem de cara raspada e olhos tristes.
Jean-Luc e Matias gemeram por dentro pela ênfase com que ele pronunciou as letras.
— Ele deve partir para Al Shargaz imediatamente, Sayyid — disse Matias —, para Al Shargaz, imediatamente, assim que tiver reabastecido. E também os outros que, ahn, ficaram sem gasolina.
Bin Ahmed, o oficial da torre, suspirou.
— É muita falta de planejamento ficar sem gasolina. Eu me pergunto o que aconteceu com os trinta minutos legais de reserva.
— O, ahn, o vento de proa, eu acho, Sayyid.
— Está muito forte hoje, é verdade. — Bin Ahmed olhou na direção do golfo, visibilidade de cerca de um quilômetro. — Um 212 aqui, dois na nossa praia, e o quarto... O quarto lá fora. — Ele tornou a olhar para Jean-Luc. — Talvez ele tenha voltado ao... ao ponto de partida.
Jean-Luc deu um sorriso amável.
— Eu não sei, Sayyid Bin Ahmed — respondeu cuidadosamente, querendo acabar com aquele jogo de gato e rato, querendo reabastecer e proceder a uma busca de meia hora.
Mais uma vez os dois homens olharam para o helicóptero. Agora o rotor tinha parado. As lâminas vibravam no vento. Aparentando naturalidade, Bin Ahmed tirou um telex do bolso.
— Nós acabamos de receber isto de Teerã, Matias, sobre alguns helicópteros que estão desaparecidos — disse gentilmente. — Do controle de tráfego aéreo de Teerã. Ele diz: "Por favor esteja atento a alguns dos nossos helicópteros que foram exportados ilegalmente de Bandar Delam. É favor apreendê-los, prender os que estiverem a bordo, informar a nossa embaixada mais próxima que providenciará a deportação imediata dos criminosos e o repatriamento do nosso equipamento." — Ele tornou a sorrir e entregou-lhe o telex. — Curioso, não?
— Muito — disse Matias. Ele leu o telex, olhou-o com um olhar parado, e depois devolveu-o a Bin Ahmed.
— Capitão Sessonne, o senhor já esteve no Irã?
— Sim, sim, já.
— Terrível, todas aquelas mortes, toda a inquietação, toda a matança. Muçulmanos matando muçulmanos. A Pérsia sempre foi diferente, sempre causou problemas para os outros que vivem no golfo. Chamando o nosso golfo de golfo Pérsico, como se nós, deste lado, não existíssemos — Bin Ahmed falou com naturalidade. — O xá não chegou até a declarar que a nossa ilha era iraniana só porque há três séculos atrás os persas nos conquistaram por alguns anos, nós que sempre fomos independentes?
— Sim, mas ele, ahn, abriu mão deste direito.
— Ah, sim, sim, isto é verdade, e ocupou as ilhas cheias de petróleo de Tums e Abu Musa. Os governantes da Pérsia são muito dominadores, muito estranhos, sejam quem forem, venham de onde vierem. É um sacrilégio colocar mulás e aiatolás entre o homem e Deus, não?
— Eles, ahn, eles têm a sua filosofia de vida — disse Jean-Luc — assim como os outros povos.
Bin Ahmed olhou para a mala da caminhonete. Jean-Luc viu a ponta do cabo do pincel saindo de debaixo da lona.
— Tempos perigosos esses que estamos vivendo aqui no golfo. Muito perigosos. Os soviéticos ateus cada dia mais próximos, vindos do norte, mais marxistas ateus ao sul, no Iêmen, armando-se a cada dia que passa, todos de olhos em nós e na nossa riqueza, e no Islã. Só o Islã se coloca entre eles e o domínio do mundo.
Matias teve vontade de dizer: E quanto à França e, é claro, à América? Mas em vez disso, ele disse:
— O Islã nunca fracassará. Nem os Estados do golfo, se estiverem vigilantes.
— Concordo, se Deus ajudar. — Bin Ahmed sorriu para Jean-Luc.
— Aqui na nossa ilha nós temos que estar muito vigilantes contra todos os que desejam nos causar problemas. Não?
Jean-Luc concordou com a cabeça. Ele estava achando difícil não olhar para o telex na mão do homem; se Bahrain tinha recebido um, o mesmo deveria ter sido passado para todas as torres deste lado do golfo.
— Com a ajuda de Deus, nós venceremos.
O oficial da Imigração balançou a cabeça amavelmente.
— Capitão, eu gostaria de ver os documentos do piloto e os do mecânico. E falar com eles, por favor.
— É claro, imediatamente — Jean-Luc foi até Sandor.
— Teerã passou um telex para eles estarem atentos a helicópteros com registros iranianos — murmurou apressadamente e Sandor ficou pálido.
— Não é preciso entrar em pânico, mon vieux, apenas mostre o seu passaporte para o funcionário da Imigração, não forneça nenhuma informação, você também, Johnson, e não se esqueçam de que vocês são G-HXXI, vindos de Basra.
— Mas, Jesus — Sandor gemeu — nós teríamos que ter carimbos de Basra, Iraque, e eu tenho carimbos iranianos em quase toda página.
— Você esteve no Irã, e daí? Comece a rezar, mon brave, vamos. O funcionário da Imigração pegou o passaporte americano. Estudou minuciosamente a fotografia, comparou-a com Sandor que tirou os óculos escuros, depois devolveu-o sem folheá-lo.
— Obrigado — ele disse e aceitou o passaporte britânico de Johnson. Mais uma vez o olhar atento só para a fotografia. Bin Ahmed deu um passo em direção ao helicóptero, Johnson tinha deixado a porta da cabine aberta.
— O que há a bordo?
— Peças de reposição — Sandor, Johnson e Jean-Luc disseram ao mesmo tempo.
— Vocês terão que passar pela alfândega. Matias disse educadamente:
— Na verdade ele está em trânsito, Sayyid Yusuf, e vai partir assim que reabastecer. Talvez fosse possível permitir que ele assinasse o formulário de trânsito, desde que ele não descarregue nada e não carregue nem armas, nem drogas nem munição. — Ele hesitou. — Eu posso garantir isto, se for de algum valor.
— A sua presença é sempre valiosa, Sayyid Matias — disse Yusuf. Estava quente na pista e cheio de poeira, e ele espirrou, pegou um lenço e assoou o nariz, depois dirigiu-se a Bin Ahmed, que ainda estava com o passaporte de Johnson na mão. — Suponho que para um avião britânico em trânsito isto seria correto, mesmo para os outros dois que estão na praia, não?
O homem da torre virou as costas para o helicóptero.
— Por que não? Quando os outros dois chegarem, nós os poremos aqui, Sayyid capitão Sessonne. O senhor traz o caminhão-tanque até aqui e nós autorizamos que eles partam para Al Shargaz assim que estiverem com os tanques cheios. — Mais uma vez ele olhou em direção ao mar e os seus olhos escuros mostraram a sua preocupação. — E o quarto, quando vai chegar? Presumo que também tenha um registro britânico.
— Sim, sim, tem — respondeu Jean-Luc, dando-lhe o novo registro, — Com... com sua permissão, os três voarão por meia hora, procurando o outro, e depois irão para Al Shargaz. — Vale a pena tentar, pensou, cumprimentando os dois homens com charme gaulês quando eles se afastaram, ainda sem acreditar no milagre daquela trégua temporária.
Ou eles estavam cegos ou não quiseram ver. Eu não sei, não sei, mas agradeço a Nossa Senhora por nos proteger mais uma vez.
— Jean-Luc, é melhor você telefonar para Gavallan e contar-lhe sobre o telex — disse Matias.
PERTO DA COSTA DE AL SHARGAZ: Scragger e Benson estavam de olho nos mostradores de óleo e pressão do motor número um. As luzes de alerta estavam acesas, o marcador de temperatura no máximo, em cima do vermelho, a pressão do óleo caindo, quase a zero. Agora eles voavam a duzentos metros, com tempo bom mas nublado, já tendo passado pela fronteira, com Siri e Abu Musa atrás deles e Al Shargaz bem à frente. A torre estava três por cinco nos seus fones, dirigindo o tráfego.
— Eu vou desligá-lo, Benson.
— Sim, é melhor não arriscar.
O barulho diminuiu e o helicóptero desceu trinta metros mas, quando Scragger aumentou a força do motor número dois e fez as correções necessárias, ele manteve a altitude. Ainda assim, os dois homens estavam inquietos.
— Não há nenhum motivo para isso, Scrag. Eu mesmo chequei os motores há poucos dias. Como estamos indo?
— Muito bem. Já estamos perto. Benson estava muito preocupado.
— Há algum lugar em que pudéssemos descer numa emergência? Bancos de areia? Uma plataforma?
— Claro, claro que sim. Uma porção. — Scragger mentiu, atentando para o perigo com olhos e ouvidos, mas não percebendo nenhum. — Você está ouvindo alguma coisa?
— Não, não... nada. Maldição, eu estou ouvindo cada virada do motor.
— Eu também. — Scragger riu. — Nós não deveríamos chamar Al Shargaz?
— Temos tempo de sobra para isto, meu filho. Eu estou esperando por Vossi ou Willi. — Eles continuaram voando e cada pequena turbulência ou mudança no barulho do motor, ou tremor de um ponteiro, aumentava-lhes a preocupação.
— Quanto tempo falta ainda, Scrag? — Benson adorava motores mas detestava voar, especialmente em helicópteros. Sua camisa estava molhada de suor.
Então eles ouviram a voz de Willi:
— Al Shargaz, aqui é EP-HBB se aproximando junto com EP-HGF a duzentos, curso 140 graus. ETA 12 minutos — e Scragger gemeu e prendeu a respiração, pois Willi tinha automaticamente fornecido os registros iranianos completos, quando eles tinham concordado em ver se poderiam dar apenas as últimas letras. A voz do controlador, falando em inglês, chegou até eles alta e clara:
— Helicóptero chamando Al Shargaz, sabemos que vocês estão em trânsito, se aproximando em 140 e, ahn, a sua transmissão não estava boa. Por favor confirme se vocês são, ahn, G-HYYR e G-HFEE. Repito: GolfHotel-YankeeYankeeRomeu e GolfHotelFoxtrotEchoEcho.
Cheio de excitação, Scragger deu um grito de alegria.
— Eles estão nos esperando!
A voz de Willi estava hesitante e a temperatura de Scragger subiu vinte pontos:
— Al Shargaz, aqui é... G-HY... YR.— então Vossi interrompeu excitadamente:
— Al Shargaz, aqui é GolfHotelFoxtrotEchoEcho e GolfHotelYankeeYan-keeRomeu, ouvindo alto e claro; estaremos com vocês dentro de dez minutos e pedimos autorização para aterrissar na pista norte, por favor informe à S-G.
— Certamente, G-HFEE — disse o controlador e Scragger percebeu claramente o alívio do homem — podem descer na pista norte e por favor chamem a S-G em 117.7. Bem-vindos! Bem-vindos a Al Shargaz, mantenham curso e altitude.
— Sim senhor! Sim senhoooor, 117.7 — disse Vossi. Imediatamente, Scragger mudou para o mesmo canal e mais uma vez ouviu a voz de Vossi:
— Sierra Um, aqui é HFEE e HYYR, está me ouvindo?
— Alto e maravilhosamente claro. Sejam todos bem-vindos. Mas onde está GolfHotelSierraVitorTango?
NO ESCRITÓRIO DE AL SHARGAZ: — Ele está atrás de nós, Sierra Um — estava dizendo Vossi.
Gavallan, Scot, Nogger e Starke estavam ouvindo pelo alto-falante do VHF na freqüência da companhia, com a freqüência da torre também sintonizada, todos muito conscientes de que qualquer transmissão poderia ser ouvida, especialmente o HF deles, por Siamaki em Teerã e Numir em Bandar Delam.
— Ele está alguns minutos atrás de nós, ele, ahn, ele mandou que viéssemos separados. — Vossi estava sendo propositalmente cuidadoso. — Nós, ahn, nós não sabemos o que aconteceu. — Então Scragger entrou na linha e eles todos sentiram a alegria na sua voz:
— Aqui é G-HSVT na sua cauda, portanto saiam da frente...
Os gritos de alegria ecoaram pela sala, Gavallan enxugou a testa e murmurou:
— Graças a Deus — doente de alívio, depois fez um sinal para Nogger:
— Vá andando, Nogger!
Alegremente, o rapaz saiu e quase derrubou Manuela que, com o rosto preocupado, estava chegando na sala com uma bandeja de bebidas geladas.
— Scrag, Willi e Ed estão chegando — gritou no meio da corrida.
— Oh, que maravilha! — Ela disse e correu para a sala. — não é... — Ela parou. Scragger estava dizendo:
— ...estou só com um motor, portanto solicito uma aterrissagem direta, e é melhor providenciarem um carro de bombeiros, só por precaução.
Willi disse imediatamente:
— Ed, faça um 180 e junte-se a Scrag, ajude-o a pousar. Como você está de gasolina?
— Tenho bastante. Já estou indo.
— Scrag, aqui é Willi. Eu vou providenciar o pedido de pouso direto. Como você está de gasolina?
— Tenho bastante. HSVT, hein? Isto é muito melhor do que HASVD! Eles ouviram a gargalhada dele e Manuela sentiu-se melhor.
Para ela a tensão daquela manhã, tentando controlar os seus temores, tinha sido terrível, ouvindo as vozes tão distantes e no entanto tão próximas, todas elas pertencentes a pessoas que ela gostava ou amava ou odiava — as do inimigo:
— É isso que eles são — ela dissera furiosa, há poucos minutos atrás, quase chorando porque o seu amigo Marc Dubois e o velho Fowler tinham desaparecido, desaparecido e oh, meu Deus, podia ter sido Conroe e pode haver outros: — Jahan é inimigo! Siamaki, Numir todos eles são, todos eles. — Então Gavallan dissera gentilmente:
— Não, Manuela, eles não são inimigos, não de verdade, estão só fazendo o seu trabalho... — Mas isso apenas enfurecera-a ainda mais, somando-se à sua preocupação pelo fato de Starke estar ali e não na cama do hospital, tendo sido operado apenas na noite passada, e ela tinha explodido:
— Isso é só um jogo para vocês, Turbilhão é só um maldito jogo para todos vocês! Vocês são um bando de garotos metidos a heróis e... e... — Então ela tinha corrido para fora da sala, ido para o banheiro e chorado. Quando a crise passou, ela deu um carão em si mesma por ter perdido o controle, lembrando que os homens eram estúpidos e infantis e que nunca mudariam. Então assoou o nariz, refez a maquilagem, arrumou o cabelo e foi apanhar as bebidas.
Manuela pousou a bandeja sem fazer barulho. Ninguém a notou.
Starke estava no telefone falando com o controle de terra, explicando quais as providências necessárias. Scot estava no VHF:
— Nós vamos cuidar de tudo, Scrag — disse Scot.
— Sierra Um, como vão as coisas? — Scragger perguntou. — Os seus Deltas e Kilos?
Scot olhou para Gavallan. Gavallan inclinou-se para a frente e disse com voz neutra:
— Delta Três vai bem, Kilo Dois... Kilo Dois ainda está no mesmo lugar, mais ou menos.
Silêncio no alto-falante. Na freqüência da torre eles ouviram o controlador inglês autorizando alguns pousos. Um pouco de estática. A voz de Scragger estava diferente agora.
— Confirme Delta Três.
— Confirmo Delta Três — disse Gavallan, ainda em estado de choque com as notícias sobre Dubois e o telex de Bahrain que Jean-Luc tinha dado pelo telefone há poucos minutos atrás, esperando uma explosão iminente da sua própria torre e do Kuwait. Para Jean-Luc ele tinha dito:
— Resgate aéreo no mar? É melhor chamarmos um Mayday.
— Nós vamos fazer o resgate, Andy. Não há mais ninguém. Sandor já saiu"para procurar. Assim que Rudi e Pop tenham reabastecido, eles também irão — eu planejei um esquema de busca para eles — depois eles irão diretamente para Al Shargaz como Sandor. Nós não podemos ficar por aqui, mon Dieux, você não pode imaginar como estivemos perto do desastre. Se ele estiver flutuando nós o acharemos. Há dezenas de bancos de areia para se pousar
— Isso não vai diminuir o alcance de vôo deles, Jean-Luc?
— Eles estarão bem, Andy. Marc não pediu um Mayday, então deve ter sido uma coisa repentina ou talvez o rádio dele tenha falhado ou mais provavelmente ele pousou em algum lugar. Há uma dúzia de possibilidades, ele pode ter pousado numa plataforma para reabastecer, se tiver pousado no mar, pode ter sido resgatado. Há várias alternativas, não se esqueça da ordem para manter silêncio no rádio. Não se preocupe, mon cher ami
— Estou muito preocupado.
— Alguma coisa sobre os outros?
— Ainda não...
Ainda não, ele pensou de novo e sentiu um arrepio.
— Quem é Delta Quatro? — Era Willi perguntando.
— O nosso amigo francês e Fowler — Gavallan disse naturalmente, sem saber quem poderia estar ouvindo. — Contarei tudo quando vocês pousarem.
— Entendido. — Estática, e depois — Ed, como você vai indo?
— Muito bem, Willi. Subindo para trezentos e indo bem. Ei, Scrag, qual é o seu rumo e a sua altitude?
— 142, duzentos, e se você abrir os olhos e olhar para duas horas vai me ver porque eu estou vendo você.
Silêncio por um momento.
— Scrag, você fez isso de novo!
Gavallan se levantou para se esticar e viu Manuela.
— Olá, minha querida! Ela sorriu, meio insegura.
— Tome — ela disse, oferecendo-lhe uma garrafa — você tem direito a uma cerveja e eu sinto muito.
— Nada de desculpas, nenhuma. Você teve razão. — Ele a abraçou e bebeu, agradecido. — Oh, isto está bom, obrigado, Manuela.
— E quanto a mim, querida? — disse Starke.
— A única coisa que você vai conseguir de mim, Conroe Starke, é água e um puxão de orelha. — Ela abriu a garrafa de água mineral e entregou a ele, mas seus olhos estavam sorrindo e ela o acariciou de leve, amorosamente.
— Obrigado, querida — ele disse, sentindo-se muito aliviado por ela estar aqui, em segurança, assim como os outros, embora Dubois e Fowler ainda fossem uma interrogação e ainda faltassem muitos outros. Seu ombro e seu peito estavam doendo muito e ele estava ficando cada vez mais enjoado, com a cabeça latejando. O doutor Nutt tinha-lhe dado um analgésico e dissera a ele que faria efeito durante umas duas horas:
— Isto vai segurá-lo até meio-dia, Duke, talvez menos. É melhor você bancar a Cinderela do meio-dia ou se sentirá muito mal... poderá ter até uma hemorragia. — Ele olhou para o relógio: 12:04h.
— Conroe, querido, você não quer voltar para a cama, por favor? O olhar dele mudou.
— Que tal em quatro minutos? — Ele disse baixinho.
Ela enrubesceu com o olhar que ele lhe lançou, depois riu e enfiou-lhe as unhas de leve no pescoço, como um gato.
— Sério, querido, você não acha...
— Eu estou falando sério.
A porta se abriu e o dr. Nutt entrou.
— Para a cama, Duke, diga boa noite como um bom menino.
— Oi, doutor — obedientemente, Starke começou a levantar-se, mas não conseguiu da primeira vez, recuperou-se e ficou ereto, praguejando por dentro. — Scot, nós temos um walkie-talkie ou um rádio portátil com as freqüências da torre?
— Sim, é claro que sim. — Scot abriu uma gaveta e entregou-lhe o pequeno aparelho. — Nós manteremos contato com você. Você tem um telefone ao lado da cama?
— Sim. Vejo-a mais tarde, querida, não, eu estou bem, você fica para ajudar se for preciso falar farsi. Obrigado — então ele olhou pela janela. — Ei, olhem lá!
Por um instante eles esqueceram todas as preocupações. O Concorde Londres—Bahrain estava taxiando na pista, preparando-se para decolar. Velocidade de cruzeiro, dois mil e quatrocentos quilômetros por hora a 23 mil metros, sete mil quilômetros de distância em três horas e vinte minutos.
— Este deve ser o pássaro mais lindo que existe — disse Starke ao sair.
— Eu adoraria viajar nele ao menos uma vez na vida — suspirou Manuela.
— É a única maneira de se viajar — Scot disse secamente. — Ouvi dizer que vão suspender este vôo no ano que vem. — Ele estava atento, controlando Willi, Scragger e Vossi, até agora nenhum problema com eles. Do seu lugar, ele podia ver o caminhão com Nogger, mecânicos, tinta e estênceis dirigindo-se para a pista de helicópteros, onde já havia um carro de bombeiros parado.
— São uns imbecis — disse Gavallan, falando para disfarçar a sua crescente ansiedade, vigiando com os olhos os aviões que chegavam. — O maldito governo não sabe distinguir entre o seu rabo e um buraco no chão, e os franceses a mesma coisa. Eles deviam cancelar os custos de pesquisa e desenvolvimento. Aliás, eles na realidade já não existem, então o Concorde seria um negócio perfeitamente viável para certas finalidades e de um valor inestimável. Los Angeles, Japão, Austrália, Buenos Aires, seria perfeito... Alguém está vendo os nossos pássaros?
— A torre está em melhor posição, papai. — Scot sintonizou na freqüência da torre. — Concorde 001, você é o próximo a decolar. Bon voyage — estava dizendo o controlador. — Quando estiver no ar, chame Bagdá em 119.9.
— Obrigado, 119.9. — O Concorde moveu-se orgulhosamente, consciente de que todos os olhos estavam voltados para ele.
— Francamente, vale a pena olhar para ele.
— Torre, aqui é Concorde 001. Para que o carro de bombeiros?
— Temos três helicópteros descendo na pista norte, um deles está só com um motor...
NA TORRE DE CONTROLE: — ...você gostaria que os desviássemos até o final da decolagem? — perguntou o controlador. Seu nome era Sinclair e ele era inglês, ex-oficial da RAF, como muitos dos controladores em ação no golfo.
— Não, não, obrigado, foi só curiosidade.
Sinclair era um homem baixo, forte, careca e estava sentado numa cadeira giratória atrás de uma escrivaninha baixa, com uma vista panorâmica. Trazia um binóculo pendurado no pescoço. Ele colocou o binóculo e focalizou-o. Agora podia ver os três helicópteros numa formação em V. Mais cedo ele tinha localizado o que estava com o motor quebrado na ponta do V — ele sabia que era Scragger, mas fingiu que não sabia. Em volta dele, na torre, havia uma abundância de radares de primeira qualidade, equipamentos de comunicação, telex, três estagiários e um controlador originários de Al Shargaz. O controlador estava concentrado na tela do seu radar, posicionando os outros seis aviões que se encontravam dentro do sistema.
Sem perder de vista os helicópteros, Sinclair ligou o transmissor:
— HSVT, aqui é a torre, como vai indo?
— Torre, HSVT. — A voz de Scragger era clara e precisa. — Nenhum problema. Tudo no Verde. Estou vendo o Concorde se aproximando para decolar. Você quer que eu espere ou vá mais depressa?
— HSVT, continue a sua aproximação em segurança máxima. Concorde, posicione-se e espere. — Sinclair chamou um dos estagiários do controle de terra: — Mohammed, assim que o helicóptero pousar, você se encarrega dele, certo?
— Sim, Sayyid.
— Você está em contato com o carro de bombeiros?
— Não, Sayyid.
— Então faça isso depressa! É responsabilidade sua. — O rapaz começou a se desculpar. — Não se preocupe, você cometeu um erro, só isto, agora ande logo!
Sinclair ajustou melhor o foco. Scragger estava a vinte metros do solo, numa aproximação perfeita.
— Mohammed, diga ao motorista do carro de bombeiros para andar logo. Vamos, pelo amor de Deus, aqueles idiotas deveriam estar com a mangueira de espuma preparada.
Ele ouviu o jovem controlador xingar os bombeiros, depois viu-os sair do carro e preparar a mangueira. Mais uma vez ele focalizou o binóculo no Concorde que estava esperando pacientemente, alinhado no centro da pista, pronto para decolar, sem correr nenhum risco, mesmo que os três helicópteros explodissem ao mesmo tempo. Reter o Concorde por trinta segundos por causa de uma chance contra um milhão de que a turbulência causada pela decolagem pudesse causar um pequeno turbilhão, prejudicando o helicóptero avariado, era um preço bem pequeno. Turbilhão. Deus do céu!
O boato de que a S-G ia tentar uma fuga ilegal do Irã vinha se espalhando pelo aeroporto há dois dias. O seu binóculo foi do Concorde para o helicóptero de Scragger. Os esquis tocaram o solo. Os bombeiros se aproximaram. Não houve nenhum incêndio.
— Concorde 001, tem licença para decolar — ele disse calmamente. — HFEE e HYYR, podem pousar quando for conveniente. Pan Am 116, tem permissão para pousar, pista 32, vento de vinte nós em 160.
Atrás dele, o telex começou a transmitir. Ele parou um momento, observando o Concorde decolar, admirando a sua força e o seu ângulo de subida, depois tornou a se concentrar em Scragger, evitando deliberadamente prestar atenção nas figuras abaixadas sob os rotores com tinta e estênceis. Um outro homem, Nogger Lane, que seguindo as instruções de Gavallan tinha-lhe informado sobre o que iria acontecer — embora ele já soubesse há muito tempo — estava mandando embora o carro de bombeiros. Scragger estava vomitando de um lado e o outro homem, ele presumiu que fosse o segundo piloto, urinava abundantemente. Os outros dois helicópteros pousaram. Os pintores correram na direção deles. Que diabo eles estão fazendo agora?
— Ótimo — ele murmurou — nem fogo nem confusão.
— Sayyid Sinclair, acho que o senhor deveria ler este telex.
— O quê? — Distraidamente, ele olhou para o rapaz que estava tentando desajeitadamente usar o binóculo de reserva para olhar os helicópteros. Bastou um olhar para o telex. — Mohammed, você esta com o binóculo ao contrário.
— Sayyid? — O rapaz ficou perplexo.
Sinclair apanhou o binóculo, tirou-o do foco e devolveu-o ao contrário.
— Focalize-o nos helicópteros e diga-me o que está vendo. O rapaz levou alguns instantes para centrar a imagem.
— Eles estão tão longe que eu não consigo vê-los direito.
— Interessante. Sente-se aqui na minha cadeira por um momento. — Todo orgulhoso, o rapaz obedeceu. — Agora chame o Concorde e peça a posição dele.
Os outros estagiários ficaram cheios de inveja e esqueceram todo o resto. Os dedos de Mohammed tremiam de excitação ao segurarem o transmissor.
— Concorde, aqui... aqui é a torre de Bahrain. A sua posição, por favor.
— Torre, 001, passando de 12 mil para 22 mil, Mach 1.3 para Mach 2. Dois mil e quatrocentos quilômetros por hora, rumo 290, abandonando a sua área neste momento.
— Obrigado, Concorde, bom dia. Oh, chame Bagdá em 119.9, bom dia!
— Ele disse, radiante, e na hora certa Sinclair apanhou o telex ostensivamente e franziu a testa.
— Helicópteros iranianos? — Ele entregou o binóculo de reserva ao rapaz.
— Você está vendo algum helicóptero iraniano por aqui?
Depois de examinar com muito cuidado os três helicópteros estrangeiros que tinham acabado de pousar, o rapaz sacudiu a cabeça.
— Não, Sayyid, aqueles são britânicos, todos os outros que estão aqui nós sabemos que são shargazi.
— Perfeitamente correto. — Sinclair estava com a testa franzida. Ele tinha visto que Scragger estava caído no chão com Lane e alguns dos outros em pé em volta dele. Isto não é típico de Scragger, ele pensou. — Mohammed, mande com urgência uma ambulância para onde estão os helicópteros britânicos. — Depois ele apanhou o telefone e discou: — Sr. Gavallan, os seus pássaros desceram sãos e salvos. Quando o senhor tiver um momento pode vir até aqui?
— Ele disse isso daquela forma bem casual, tipicamente britânica, que só um outro inglês pode compreender que significa 'com urgência'.
NO ESCRITÓRIO DA S-G: Gavallan respondeu:
— Irei imediatamente, sr. Sinclair, obrigado. Scot viu a expressão dele.
— Mais problemas, papai?
— Não sei. Chame-me se houver alguma coisa. — Na porta, Gavallan parou. — Droga, eu me esqueci de Newbury. Ligue para ele e veja se ele está livre hoje à tarde. Eu irei à casa dele, ou a qualquer outro lugar. Combine qualquer coisa. Se ele quiser saber o que está acontecendo, diga apenas: seis em sete até agora, um aguardando e dois faltando. — E saiu apressado, dizendo: — Até logo, Manuela. Scot, tente o Charlie de novo, descubra onde ele se enfiou.
— Certo. — Agora eles estavam sozinhos, Scot e Manuela. O ombro dele estava doendo e incomodando cada vez mais. Ele tinha visto a depressão dela.
— Dubois vai aparecer, você vai ver — ele disse, tentando parecer confiante e disfarçar o seu próprio temor de que eles estivessem perdidos. — E nada poderia matar o velho Fowler.
— Oh, eu espero que sim — ela respondeu, quase chorando. Ela tinha visto o marido vacilar e sabia o quanto ele estava sofrendo. Daqui a pouco eu vou ter que sair para o hospital e o farsi que vá para o diabo. — É a espera.
— Só mais algumas horas, Manuela, mais dois pássaros e cinco pessoas. Então poderemos comemorar. — Scot acrescentou, torcendo e pensando: Então o velho vai tirar este peso dos ombros e vai viver mais mil anos.
Meu Deus, desistir de voar? Eu adoro voar e não quero fazer trabalho burocrático. Passar uma parte do ano em Hong Kong seria ótimo, mas e Linbar? Eu não posso lidar com Linbar! O velho vai ter que lidar com ele — eu ficaria perdido...
E a velha e incômoda pergunta veio-lhe à mente: O que eu faria se o velho não estivesse por perto? Um arrepio percorreu-o. Não sei quando, mas isto vai acontecer algum dia... Pode acontecer a qualquer momento. Olhe para Jordon, Talbot — ou Duke ou eu — uma diferença de milímetros e você está morto — ou vivo. A vontade de Deus? Carma? Destino? Não sei e não quero saber! Tudo o que sei é que desde que fui ferido eu mudei, a minha vida inteira mudou, a certeza que eu tinha de que nada poderia me atingir desapareceu para sempre e tudo o que restou foi uma certeza gelada, terrível, de ser muito mortal. Meu Deus, será que isto sempre acontece? Será que Duke está sentindo a mesma coisa?
Ele olhou para Manuela. Ela estava olhando fixamente para ele.
— Desculpe, eu não estava ouvindo — ele disse, e começou a ligar para Newbury.
— Eu estava dizendo: "Não são três pássaros e oito pessoas? Você se esqueceu de Erikki e Azadeh, nove se contar com Xarazade."
TEERÃ, NA CASA DOS BAKRAVAN: 13:14H. Xarazade estava em pé, nua, em frente ao espelho comprido do seu banheiro, examinando o perfil da sua barriga, vendo se esta estava mais redonda. Naquela manhã ela tinha notado que os bicos dos seus seios estavam mais sensíveis e que os seios pareciam maiores.
— Não precisa se preocupar — tinha dito Zarah, a mulher de Meshang. — Daqui a pouco você vai estar igual a um balão e chorando porque nunca mais vai conseguir entrar nas suas roupas e porque está horrorosa! Não se preocupe, você vai voltar a entrar na sua roupa e não vai ficar horrorosa.
Xarazade estava muito feliz, começou a cantarolar e franziu a testa, chegando mais perto do espelho para ver se tinha alguma ruga, olhando-se de todos os lados, experimentando deixar os cabelos soltos, prendê-los para cima, enrolados ou puxados para o lado, muito satisfeita com o que via. As manchas roxas estavam desaparecendo. Seu corpo já estava quase seco do banho e ela passou talco e vestiu a roupa de baixo.
Jari entrou.
— Oh, princesa, a senhora ainda não está pronta? Sua eminência, o seu irmão, está sendo esperado a qualquer momento para o almoço e a casa inteira está com medo de que ele esteja com um dos seus acessos de raiva, oh, por favor, ande depressa, nós não queremos agitá-lo, queremos?...
Automaticamente, ela tirou a tampa da banheira e começou a arrumar as coisas, resmungando e apressando Xarazade. Em poucos instantes, Xarazade estava pronta. Meias — não havia meia-calça no mercado há meses, nem no mercado negro — ela não precisava de sutiã. Um vestido parisiense de cashmere azul com um casaco de mangas curtas combinando. Uma rápida escovadela nos cabelos naturalmente ondulados e eles ficaram perfeitos, um pequeno toque de cor nos lábios, um traço de kohl em volta dos olhos.
— Mas, princesa, a senhora sabe que o seu irmão não gosta de maquilagem!
— Oh, mas eu vou sair e Meshang não é... — Xarazade ia dizer meu pai, mas parou, sem querer relembrar a tragédia. Papai está no paraíso, disse para si mesma com firmeza. O Dia do Luto, o quadragésimo depois da morte é só daqui a 25 dias e até lá eu tenho que continuar vivendo.
E amando?
Ela não tinha perguntado a Jari o que havia acontecido no café no dia em que a havia mandado lá para dizer a ele que seu marido tinha voltado e que o que nunca havia começado estava acabado. Onde estará ele, será que continuará a visitar-me em sonhos?
Houve uma comoção lá embaixo, e viram que Meshang havia chegado. Ela se olhou uma última vez e depois foi encontrá-lo.
Depois da noite da sua briga com Lochart, Meshang tinha-se mudado para a casa com a família. A casa era muito grande, Xarazade tinha conservado os seus aposentos e estava contente com a algazarra que Zarah e as crianças faziam nos aposentos, espantando o silêncio e a tristeza que existiam lá antes. Sua mãe agora era uma reclusa, vivia na sua própria ala da casa, servida apenas pela sua criada particular, rezando e chorando quase o dia inteiro. Sem sair nunca, sem convidar nenhum deles para visitá-la.
— Deixem-me em paz! Deixem-me em paz! — Era tudo o que ela dizia por trás da porta trancada.
Durante as horas que Meshang passava dentro de casa, Xarazade, Zarah e as outras pessoas da família tinham o cuidado de agradá-lo e bajulá-lo.
— Não se preocupe — Zarah tinha dito a ela. — Ele vai ser dominado logo logo. Ele acha que eu esqueci que ele me insultou e me bateu e tem a coragem de se mostrar com a prostitutazinha que aquele filho de um cão do Kia usou para tentá-lo! Oh, não se preocupe, Xarazade querida, eu vou me vingar
— ele tratou você muito mal... e também o seu marido. Logo nós vamos poder viajar de novo... Paris, Londres, até Nova York... eu duvido que ele tenha tempo para nos acompanhar e então, oh, então nós vamos nos esbaldar, vamos usar roupas transparentes e ter cinqüenta admiradores cada uma!
— Não sei quanto a Nova York. Expormo-nos a todos os perigos de Satã
— tinha dito Xarazade. Mas no fundo do coração ela tremia de excitação com a idéia. Eu irei para Nova York com o meu filho, ela prometeu a si mesma. Tommy estará lá. Logo estaremos levando uma vida normal, o poder dos mulás sobre Khomeini desaparecerá, que Deus abra os olhos dele, eles deixarão de controlar os Faixas Verdes, o Komiteh Revolucionário será dissolvido, nós teremos um governo islâmico verdadeiramente democrático e justo sob a liderança do primeiro-ministro Bazargan, os direitos da mulher nunca mais serão violados, o Tudeh não será mais considerado fora da lei, mas trabalhará para todos nós, e haverá paz na terra, como ele disse que ia acontecer. Estou feliz por ser quem sou, pensou Xarazade.
— Olá, Meshang querido, como você está com boa aparência hoje, mas tão cansado, oh, você não deve trabalhar tanto por nós todos. Deixe-me servir-lhe mais um pouco de limonada, exatamente como você gosta.
— Obrigado. — Meshang estava deitado nos tapetes, recostado nas almofadas, sem sapatos, comendo. Havia um pequeno braseiro pronto para cozinhar os kebabs e havia vinte ou trinta pratos de horisht e arroz e legumes e frutas cristalizadas ao alcance dele. Zarah estava ali perto e fez sinal para Xarazade sentar-se no tapete ao lado dela.
— Como você se sente hoje?
— Muito bem, nem um pouco enjoada. Meshang fez uma cara azeda.
— Zarah ficava enjoada o tempo todo e desanimada, não como uma mulher normal. Vamos esperar que você seja normal, mas você é tão magra... Insha'Allah.
As duas mulheres forçaram um sorriso, disfarçando o seu ódio, compreendendo-se mutuamente.
— Pobre Zarah — disse Xarazade. — Como foi a sua manhã, Meshang? Deve ser muito difícil para você, com tanto o que fazer, com tantas pessoas para tomar conta.
— É difícil porque eu estou cercado de imbecis, querida irmã. Se eu tivesse uma equipe eficiente, treinada como eu sou, seria tudo muito fácil. — E muito mais fácil se você não tivesse enrolado o meu pai, fracassado com o seu primeiro marido e nos desgraçado com a sua escolha do segundo. Você tem me causado tantos aborrecimentos, querida irmã, com o seu rosto e corpo de tuberculosa e a sua burrice, eu que tenho trabalhado tanto para salvá-la de si mesma. Deus queira que os meus esforços tenham sido bem-sucedidos!
— Deve ser muito duro para você, Meshang, eu não saberia nem por onde começar — Zarah estava dizendo e pensava: é simples dirigir os negócios desde que se saiba onde estão as chaves, as contas bancárias, os papéis dos devedores e todos os esqueletos. Vocês não querem que nós tenhamos igualdade nem direito a voto porque nós os atiraríamos na sarjeta e conseguiríamos os melhores empregos.
O horisht de carneiro e o arroz dourado estavam deliciosos, temperados e perfumados como ele gostava e ele comeu com gosto. Não devo comer demais, disse a si mesmo. Não quero ficar muito cansado antes de me encontrar com a pequena Yasmin hoje à tarde. Eu nunca imaginei que uma zinaat pudesse ser tão suculenta nem que houvesse lábios tão cobiçosos. Se ela engravidar, eu me casarei com ela e Zarah que vá para o inferno.
Ele olhou para a mulher. Imediatamente ela parou de comer, sorriu para ele e entregou-lhe um guardanapo para limpar os vestígios de gordura da sua barba.
— Obrigado — ele disse educadamente e mais uma vez se concentrou no seu prato. Depois de possuir Yasmin, ele estava pensando, eu posso dormir uma hora e então voltar ao trabalho. Gostaria que aquele filho de um cão do Kia já estivesse de volta, nós temos muito que conversar, muito que planejar. E Xarazade...
— Meshang, querido, você ouviu o boato de que os generais decidiram dar um golpe e que o exército já está preparado para assumir o controle? — perguntou Zarah.
— É claro, o bazar inteiro está falando nisso. — Meshang sentiu uma pontada de ansiedade. Ele tinha se garantido da melhor forma possível caso isso acontecesse. — O filho de Mohammed, o ourives, jura que o seu primo, que é telefonista no QG do Exército, ouviu um dos generais dizer que eles esperaram para dar tempo a uma força-tarefa americana se organizar, e que esta será apoiada por um desembarque aéreo.
As duas mulheres ficaram chocadas.
— Pára-quedistas? Então nós devemos partir imediatamente, Meshang
— disse Zarah. — Não será seguro ficar em Teerã, é melhor nós irmos para a nossa casa no Cáspio e esperar que a guerra termine. Quando você poderia partir? Eu vou começar a arrumar as malas imediatamente.
— Que casa no Cáspio! Nós não temos nenhuma casa no Cáspio! — Meshang disse, irritado. — Ela não foi confiscada junto com todas as outras propriedades que nós levamos anos e anos para adquirir? Que Deus amaldiçoe aqueles ladrões, depois de tudo o que fizemos pela revolução e pelos mulás ao longo de gerações. — Ele estava vermelho de raiva. Um pouco de horish escorreu-lhe pela barba. — E agora...
— Perdoe-me, você tem razão, Meshang querido, você tem razão como sempre. Perdoe-me, eu falei sem pensar. Você está certo, mas se quiser, eu posso ficar na casa do meu tio, aga Madri, ele tem uma propriedade desocupada na costa, nós poderíamos partir amanhã...
— Amanhã? Não seja ridícula! Você acha que eu não vou ser avisado com antecedência? — Meshang limpou a barba, um tanto aborrecido com as humildes desculpas dela, e Xarazade pensou na sorte que tivera com os seus dois maridos, que nunca a maltrataram nem gritaram com ela. Fico imaginando se Tommy estará bem em Kowiss ou seja lá onde estiver. Pobre Tommy, imagine se eu poderia abandonar a minha casa e a minha família e me exilar para sempre.
— É claro que nós, bazaris, seremos avisados — Meshang tornou a dizer.
— Nós não somos nenhuns cabeças-ocas.
— Sim, sim, é claro, Meshang querido — Zarah disse apaziguadoramente.
— Sinto muito, eu estava só preocupada com a sua segurança e queria estar preparada. — Por pior que ele seja, ela pensou, fervendo por dentro, é a nossa única defesa contra os mulás e os seus Faixas Verdes. — Você acredita que o golpe será consumado?
— Insha'Allah — ele disse e arrotou. De qualquer maneira, eu estarei preparado, com a ajuda de Deus. Seja como for, ganhe quem ganhar, eles vão precisar dos bazaris. Sempre precisaram e sempre precisarão. Nós podemos ser tão modernos quanto qualquer estrangeiro, e mais espertos, alguns de nós podem, e eu com toda a certeza. Filho de um cão do Paknouri, que ele e os antepassados dele queimem no fogo do inferno por nos colocar em perigo! O Cáspio! O tio dela, Madri é uma boa idéia, uma idéia perfeita. Eu mesmo teria pensado nisto com o tempo. Zarah pode estar gasta e ter uma zinaat tão seca quanto a poeira do verão, mas ela é uma boa mãe e os seus conselhos, se você esquecer o seu mau humor, são sempre sábios.
— Outro boato é que o nosso glorioso ex-primeiro-ministro, Bakhtiar, ainda está escondido em Teerã, sob a proteção e o teto do seu velho amigo e colega, o primeiro-ministro Bazargan.
Zarah ficou estarrecida.
— Se os Faixas Verdes o pegarem...
Bazargan não vale mais nada. É uma pena. Ninguém o obedece mais, ninguém nem mesmo o ouve. O Komiteh Revolucionário os executaria a ambos, se eles fossem apanhados.
Xarazade estava tremendo.
— Jari disse que ouviu um boato no mercado esta manhã de que Sua Excelência Bazargan já havia pedido demissão.
— Isto não é verdade — Meshang disse rispidamente, contando um outro boato como se fosse uma informação particular. — Um amigo meu, que é íntimo de Bazargan, me contou que ele ofereceu sua demissão a Khomeini, mas que o imã a recusou, dizendo para ele ficar onde está. — Ele estendeu o prato para Zarah servi-lo. — Chega de horish, um pouco mais de arroz.
Ela lhe deu a parte tostada e ele começou a comer de novo, já com o estômago cheio. O boato mais interessante de hoje, cochichado de orelha em orelha, foi que o imã estava à beira da morte ou por causas naturais ou envenenado pelos comunistas do Tudeh ou pelos mujhadins ou pela CIA e, ainda pior, que as legiões soviéticas estavam esperando do outro lado da fronteira, prontas para marchar novamente sobre o Azerbeijão e sobre Teerã assim que ele estivesse morto.
Só haverá morte e destruição se isto for verdade, ele pensou. Não, isto não vai acontecer, não pode acontecer. Os americanos jamais permitirão que os soviéticos dominem o Irã, não podem deixar que eles assumam o controle de Ormuz — até Carter pode ver isto! Não. Vamos torcer para que só a primeira parte seja verdade — que o imã vá bem depressa para o paraíso.
— Seja como Deus quiser — ele disse, piedosamente, depois fez sinal para os criados saírem e, quando ficaram a sós, dirigiu-se à irmã. — Xarazade, o seu divórcio já está acertado, só faltam algumas formalidades.
— Oh — ela disse, pondo-se em guarda imediatamente, odiando o irmão por perturbar a sua calma, fazendo o seu cérebro fervilhar: eu não quero o divórcio, Meshang poderia facilmente ter-nos dado dinheiro das contas da Suíça e não ter sido tão mau para com o meu Tommy e então nós poderíamos ter partido. Não seja tola, você não poderia partir sem documentos e se exilar, e Tommy abandonou-a, a decisão foi dele. Sim, mas Tommy disse que seria só por um mês, não disse? Ele disse que esperaria um mês. Em um mês muita coisa pode acontecer.
— O seu divórcio não representa nenhum problema, nem o seu novo casamento.
Ela o olhou, sem fala.
— Sim, eu concordei em lhe dar um dote muito maior do que pretendia.
— Ele ia dizer 'para uma mulher divorciada duas vezes e que está carregando o filho de um infiel', mas ela era sua irmã e aquele era um ótimo casamento, então ele não disse nada. — O casamento será na próxima semana e ele a admira há anos, Sua Excelência Farazan.
Por um momento as duas mulheres mal puderam acreditar nos seus ouvidos. Xarazade enrubesceu, ainda mais confusa. Keyvan Farazan vinha de uma rica família de bazaris, tinha 28 anos, era bonito, tinha acabado de voltar da Universidade de Cambridge e os dois tinham sido amigos a vida inteira.
— Mas... eu pensei que Keyvan fosse se casar...
— Não é Keyvan — disse Meshang, irritado com a burrice dela. — Todo mundo sabe que Keyvan está noivo. Daranoush! Sua Excelência Daranoush Farazan.
Xarazade ficou perplexa. Zarah levou um susto e tentou disfarçar. Daranoush era o pai que, recentemente, tinha ficado viúvo da segunda mulher, que morrera de parto como a primeira, um homem muito rico, que tinha o monopólio do recolhimento do lixo de toda a área do bazar.
— Não... não é possível — ela murmurou.
— Oh, sim, é — disse Meshang, todo satisfeito, interpretando mal a surpresa dela. — Eu mesmo não acreditei quando ele propôs a idéia ao saber do seu divórcio. Com toda a sua riqueza e poder, nós dois, juntos, nos tornaremos o conglomerado mais poderoso do bazar, juntos...
Xarazade exclamou:
— Mas ele é horrível, baixo e velho, velho e careca e feio e gosta de garotos e todo mundo sabe que ele é um ped...
— E todo mundo sabe que você é divorciada duas vezes e que está grávida de um estrangeiro — Meshang explodiu — que você comparece a marchas de protesto e é desobediente, que a sua cabeça está cheia de besteiras ocidentais e que você é burra! — Ele derrubou alguns pratos na sua fúria. — Você não compreende o que eu fiz por você? Ele é um dos homens mais ricos do bazar, eu o convenci a aceitá-la e agora você...
— Mas Meshang...
— Você não compreende, sua cadela ingrata — ele berrou — ele concordou até em adotar o seu filho! Em nome de Deus, o que mais você quer?
Meshang estava roxo, tremendo de raiva, sacudindo o punho fechado na cara de Xarazade, enquanto Zarah olhava para os dois, horrorizada com a fúria dele.
Xarazade não estava ouvindo nada, não estava vendo nada, só pensava no que Meshang tinha decretado para ela: o resto da vida ligada àquele homenzinho que era alvo das piadas de todos os bazaris, que fedia constantemente a mijo, que a engravidaria uma vez por ano para parir e viver e parir de novo até morrer de parto, como as duas outras mulheres. Nove filhos da primeira, sete da segunda. Ela estava destinada a isto. Não havia nada que pudesse fazer. Princesa do Lixo da Noite até morrer
Nada.
Nada, a não ser que eu morra agora, não por suicídio, pois neste caso eu não poderia entrar no paraíso e estaria condenada ao inferno. Suicídio não. Nunca. Suicídio não, mas morrer fazendo o trabalho de Deus, morrer com o nome de Deus nos lábios.
O quê?
BASE DE KOWISS: 13:47H. O coronel Changiz, o mulá Hussein e alguns Faixas Verdes saltaram do carro. Os Faixas Verdes se espalharam pela base enquanto o coronel e Hussein se dirigiam ao escritório.
No escritório, os dois funcionários que ainda estavam lá levaram um susto com a chegada repentina do coronel.
— Sim... sim, Excelência?
— Onde está todo mundo? — gritou Changiz. — Onde?
— Deus é testemunha de que não sabemos de nada, Excelência coronel, a não ser que Sua Excelência, o capitão Ayre foi levar algumas peças para a plataforma Abu Sal e que Sua Excelência, o capitão McIver foi para Teerã com Sua Excelência o ministro Kia e que Sua Excelência, o capitão Lochart foi procurar os 212 que estão vindo para cá e...
— Que 212?
— Os quatro 212 que Sua Excelência o capitão McIver mandou que viessem de Bandar Delam para cá com pilotos e pessoal e nós estamos nos preparando... nos preparando para recebê-los. — O funcionário, cujo nome era Ismael, se encolheu sob o olhar penetrante do mulá. Deus é testemunha de que o capitão foi sozinho, para procurar por eles sozinho, pois eles não têm HF e talvez um VHF pudesse alcançá-los lá em cima.
Changiz ficou enormemente aliviado. Ele disse para Hussein:
— Se os 212 estão vindo para cá, não há razão para todo este pânico. — Ele enxugou a testa. — Quando é que eles vão chegar?
— Imagino que seja logo, Excelência — disse Ismael.
— Quantos estrangeiros há na base neste momento?
— Eu... eu não sei, Excelência, nós... nós estamos trabalhando num relatório e...
Um Faixa Verde entrou correndo no escritório.
— Não encontramos nenhum estrangeiro, Excelência — ele disse para Hussein. — Um dos cozinheiros disse que os dois últimos mecânicos partiram com os helicópteros grandes hoje de manhã. Os operários iranianos disseram que os ouviram dizer que as equipes substitutas deveriam chegar no domingo ou na segunda.
— Sábado, Excelências, eles nos disseram que seria amanhã — corrigiu Ismael. — Mas os quatro 212 que estão chegando vão trazer mecânicos a bordo, bem como pilotos e mais pessoal, Sua Excelência McIver disse. O senhor está precisando de mecânicos?
O Faixa Verde estava dizendo:
— Alguns dos quartos... parece que os infiéis arrumaram as malas apressadamente, mas ainda há três helicópteros no hangar.
Changiz virou-se para Ismael.
— De que tipo?
— Um... não, dois 206 e um francês, um Alouette.
— Onde está o chefe do escritório, Pavoud?
— Ele estava doente, Excelência coronel, ele saiu daqui doente, logo depois da oração do meio-dia e...
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