Cynthia Leighton acelerou pela estrada escura, as mãos no volante, o estrondo do motor abafando o som da sua respiração frenética. Os olhos dela olharam ansiosamente da estrada quase vazia para seu espelho retrovisor, onde um par de faróis de repente apareceu se aproximando dela na escuridão da madrugada.
A adrenalina já existente em seu sistema aumentou ainda mais quando ela pisou fundo no acelerador e colocou o grande SUV em um avanço gratificante.
Ela olhou para os faróis baixos, no chão, o frio azul de um sedan caro, se aproximando muito rápido. Estaria nela em segundos. Seria ele? Ele tinha descoberto seu engano e vindo atrás dela?
Ela agarrou o volante com mais força, as mãos tendo espasmos num protesto doloroso, quando o sedan chegou à sua traseira, tão perto que ela mal conseguia ver os faróis. Ela desviou de repente, tentando confundi-lo, convencida de que ele iria chocar contra ela se fosse necessário. O SUV dela ameaçou capotar, se inclinando em duas rodas quando ela deslizou para a próxima pista, o cinto de segurança fazendo um corte em seu pescoço enquanto ela lutava para mantê-lo em vista.
O sedan grande passou, o motorista nem mesmo olhou na direção dela quando se apressou para o seu próprio destino e um que não tinha nada a ver com ela. Cyn afundou no banco do motorista, engolindo a bílis de seu medo, sentindo o frio do ar condicionado enquanto o suor revestia seu corpo. Por que ela alguma vez pensara que fosse uma boa idéia se envolver novamente com os vampiros? Esperava que fossem todos como Raphael - belos e uns bastardos mentirosos como ele - era? Claro, ele tinha quebrado seu coração, mas todas essas virtudes de escoteiro, como honroso e digno de confiança, se aplicavam a ele também. Poderoso como ele era, ele governava o território com a lealdade e o respeito do seu povo, ao invés de medo.
Mas não foi isso que ela encontrou no Texas. Não, aqui ela tinha descoberto a face do mal em Jabril Karim, Lorde Vampiro do território Sul e a criatura mais desprezível e vil que ela já conheceu. Um vampiro que escravizava aqueles que ele desejava e destruía todos que estivessem em seu caminho. E agora, isso incluía Cyn… E o vampiro escondido no compartimento de carga atrás dela, um vampiro cuja vida dependia de Cyn conseguir chegar ao aeroporto antes de Jabril descobrir que tinham ido embora.
Ela pisou mais no acelerador, pisando uma linha tênue entre a velocidade e a cautela. Ela ousou um olhar sobre o relógio no painel. Era quase o amanhecer.
Se ela pudesse fazê-lo até lá, eles estariam seguros.
Ela dirigiu mais rápido.
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Capítulo 1
Houston, Texas, quatro dias antes.
Jabril Karim assistiu silenciosamente como seu tenente, Asim, escorregou pela porta do escritório, viu-o parar abruptamente confuso quando percebeu que seu Mestre estava estudando-o de seu lugar atrás da secretária. O peito estreito de Asim inchou com um suspiro enquanto ele lutava para conter de forma visível o seu medo e Jabril sorriu, perversamente satisfeito.
— Bem? — ele perguntou em um tom aborrecido.
— Ninguém viu Elizabeth em dois dias, meu senhor. — disse Asim, encolhendo-se ligeiramente enquanto entregava as notícias indesejadas. — E os guardas não têm registro dela atravessar o portão nessa altura, nem entrando nem saindo.
Jabril se afastou de sua mesa delicadamente e cruzou as pernas. — Então, a pequena escapou. — disse ele, pensativo, alisando o tecido da calça sobre o joelho. Ele olhou para Asim. — Ela não vai ter sucesso, é claro. Ela pertence a mim e, felizmente, a lei norte-americana está do meu lado no presente caso.
Mas… — Ele ergueu um dedo de advertência. — Como recuperar minha propriedade antes que seja tarde demais?
— Vou organizar uma busca. — Asim ofereceu ansiosamente. — Ela não pode ter ido longe.
— Possivelmente. Mas as crianças humanas têm grande liberdade de ação no país e, além disso, Elizabeth pode parecer bastante madura, quando ela quer.
Estou relutante em fazer isso, mas temo que podemos precisar de alguém para realizar esta pesquisa para nós. Alguém que entende a sociedade melhor, talvez alguém que se especializou nessas crianças em fuga?
Asim franziu o cenho. — Existem essas pessoas, é claro, se você acha que é sensato. Entrarei em contato com seus advogados e descobrirei quem lida com estas coisas. Deixe-os merecer uma parte do dinheiro que lhes paga para não fazer nada. Um investigador privado, talvez… — Ele deu a seu mestre um olhar assustado quando Jabril deu uma risada. — Senhor?
— Um investigador privado, Asim! Isso é muito perfeito. Você se lembra do negócio infeliz na costa oeste recentemente? Há rumores de que Raphael usou um investigador particular, um investigador particular muito próximo pelo que ouvi, mas que resistiu até ao charme daquele bastardo arrogante.
— Você contrataria uma mulher?
— Oh, dificilmente, Asim. — disse ele com um olhar desdenhoso. — Fale com os advogados e encontre um homem adequado para o trabalho. Mas chame essa mulher de Raphael de qualquer maneira. Quero conhecê-la, e eu acredito que o ego daquele bastardo poderia precisar ser espicaçado. Você acha que ele se importaria de compartilhar?
— Acho que ele preferiria dividir com uma cobra, meu senhor. — disse Asim com um sorriso afiado.
Jabril riu de novo, um som desagradável. — Exatamente, Asim. Exatamente.
Deixe-me pensar… era Cynthia qualquer coisa. Lawson ou Layland, ou algo assim. Você se lembra?
— Leighton. Cynthia Leighton. Seu pai é Harold Leighton da Leighton Investimentos.
— Sério? Bem, não é interessante? Raphael se move em círculos mais elevados do que eu pensava. Mais uma razão para dar uma olhada. Você pode encontrá-la?
— Claro, meu senhor.
— Excelente. Não lhe diga nada ao telefone, Asim. Insista para que ela venha em pessoa.
— E se ela se recusar?
— Oh, ela não vai recusar. Os seres humanos amam segredos. E nós somos muito bons em mantê-los.
Capítulo 2
Cynthia Leighton marchou até a rampa de embarque, seguindo os quadris bastante substanciais do advogado que tinha sido seu companheiro de assento e seu autonomeado melhor amigo durante a maior parte da manhã. Mais de três horas ouvindo sobre o mais recente e fascinante (bocejo) triunfo dele no mundo do direito penal. Cyn não era o tipo de garota que fazia amigos com facilidade, mas ela tentou ser educada. O advogado tinha frustrado até mesmo suas melhores intenções. Felizmente para ele, a máquina de raios X a fez deixar o seu spray de pimenta no controle de segurança em Los Angeles. Quando o terminal de Houston apareceu, ela ergueu a alça de sua mochila sobre o ombro e pegou em sua bagagem de mão, com a intenção de fazer uma fuga limpa.
O advogado fez uma jogada final, parando perto da porta para sugerir que ela se juntasse a ele para tomar uma bebida de comemoração em seu hotel. Cyn deu uma olhada intencional para seu relógio – pouco passava da uma da tarde.
Ela sorriu em arrependimento fingido e deslizou para longe, se perdendo rapidamente dele no aeroporto lotado. Teria o cara realmente pensado que ela estaria interessada? Ela parecia assim tão desesperada?
Soltando um suspiro exasperado, ela se concentrou na sinalização geral, procurando a zona para ir buscar a bagagem. Não que ela tivesse qualquer uma para ir buscar, mas era aí que o motorista da limusine tinha prometido vir ao seu encontro. Seguindo o fluxo geral da multidão em direção às escadas para baixo, ela foi atingida pela forma como todos os aeroportos pareciam iguais.
Não importam os supostos detalhes arquitetônicos únicos que apregoavam, eram ainda os mesmos corredores longos e intermináveis cheios com o mesmo tipo de chão e grandes espaços abertos que ecoavam todo esse barulho até que você mal podia ouvir-se pensar, muito menos ouvir o anúncio mais recente de embarque com som de má qualidade. Ela soltou um suspiro esgotado quando finalmente subiu na escada rolante, seu olhar caindo sobre um sinal que a acolhia ao Aeroporto Internacional Bush. Porque os políticos sempre colocam seus nomes em tudo? Ela não conseguia pensar em um único político que merecesse o seu nome em uma instalação de tratamento de esgoto, muito menos num grande aeroporto, onde todos tinham de olhar para ele o tempo todo.
Nossa, que resmungona! Você precisa de uma bebida, Cyn. Não, o que ela realmente precisava era de uma boa noite de sono, uma noite não perturbada por sonhos com um certo vampiro. Então, o que ela estava fazendo no Texas, prestes a aceitar realizar um trabalho para outro morto-vivo? Quando a chamada tinha chegado há dois dias, tudo em que ela conseguia pensar era em sair de L.A., pelo menos por um tempo. Colocar um estado ou dois entre ela e Raphael parecia uma boa idéia, dado que mais nada parecia funcionar. Além disso, metade do seu trabalho como investigadora particular era para um vampiro ou outro. A maioria das vezes eram coisas tediosas, rastrear contas bancárias antigas e familiares mais jovens, mas este novo caso tinha possibilidades. Talvez fosse interessante o suficiente para apagar as memórias remanescentes de brilhantes olhos negros e um sorriso lento. Ela suspirou.
Provavelmente não.
Um homem se aproximou quando ela desceu a escada rolante, seu terno preto liso, camisa branca e gravata preta gritando “Motorista de limusine” claro como o dia.
— Senhora Leighton? — Perguntou ele.
Cynthia assentiu sombriamente, um pouco surpresa que ele a reconhecesse.
Ela esperava um sinal com o seu nome, não uma saudação pessoal. — Sim. — admitiu ela. — Como você sabia?
Ele sorriu, um lampejo fugaz de dentes que mudou completamente seu rosto por um breve instante. — Eu não sabia, não com certeza. O Sr. Asim me deu uma descrição, mas ele foi muito vago. — Ele deu de ombros. —Você parecia corresponder.
— Quem é Asim?
Isso, obviamente, o surpreendeu. — Ele trabalha para o Senhor Jabril Karim, eu pensei…
— Ah. Falamos ao telefone, eu acho. — O que não explicava como ele sabia a aparência dela, mas lidar com vampiros nunca era simples nem fácil. — Tudo bem. — disse ela. —Então, como vamos sair daqui?
— Por aqui. Posso… — Ele tentou pegar sua mochila.
Ela tirou-a de seu alcance. — Não, eu levo isso. Você pode pegar a mala, obrigado. Qual a distância até ao hotel?
O motorista ignorou a alça em sua pequena mala, pegando-a ao colo em vez disso. — Cerca de 30 minutos, mas Sr. Asim me orientou a levá-la diretamente até a propriedade.
— Foi é? Que simpático da parte dele. — Ela sorriu para diminuir o veneno de suas palavras. — Infelizmente… — Ela fez uma pausa. — Você nunca me disse seu nome.
— Scott.
— Eu sempre gostei desse nome, a minha primeira paixão foi um Scott então eu vou te dizer, eu não quero causar problemas para você, mas eu me levantei esta manhã antes do amanhecer para pegar meu vôo, depois eu passei quase duas horas no check-in de segurança apenas para me encontrar presa em um cilindro metálico estreito com um advogado do caralho que esteve berrando no meu ouvido por mais de três horas. Eu estou cansada e eu estou irritada e não tive uma decente noite de sono em um mês. Então eu vou para o hotel, mas eu estou perfeitamente disposta a tomar um táxi se isso causar menos problemas para você. — Ela não mencionou que ela também iria para o hotel porque um pacote estaria esperando por ela ali. Um pacote que incluía sua escolha de armas, uma Glock 17 de 9mm. Cyn não tinha nenhuma intenção de visitar um vampiro estranho desarmada.
Ela empurrou a porta e sugou uma golfada de ar sujo do aeroporto. — Perfeito. — ela murmurou e levantou uma sobrancelha curiosa para Scott. — Então, eu preciso de um táxi?
Ele piscou para ela por um momento, como se ele ainda não tivesse adquirido sua fala novamente. — O Four Seasons, certo? — Disse ele finalmente.
— Sim. — Ela sorriu.
— O carro está ali.
À medida que se afastavam do meio-fio, Scott pegou seu reflexo no espelho.
— Você deveria tentar tomar um comprimido para dormir. — disse ele.
Cyn encontrou seus olhos. — Eu tentei. Eu tentei todos eles. O meu médico não me dá mais, o que é dizer algo em LA. Você pode obter praticamente qualquer comprimido que você quer lá, tudo que você tem a fazer é pedir.
— Meditação, talvez. — sugeriu ele, a sua atenção na longa fila de carros que passava por eles.
— Isso é uma idéia. — Cyn disse distraidamente. — Encontrar um guru para mim mesma. — Ela não precisava de um comprimido e ela não precisava de meditação. Ela precisava que Raphael desaparecesse de sua vida. Não que ele estivesse exatamente em sua vida. Não mais. Oh, não. O Senhor Raphael tinha tomado tudo o que queria e depois tinha corrido tão longe e tão rápido quanto o seu dinheiro conseguiu levá-lo. Ela achara que era amor. Acontece que era simplesmente um Buffet itinerante com ela como a entrada. Ela fechou os olhos contra a dor muito familiar de perda e sabia que não era tão simples. Raphael não a tinha deixado porque ele não a queria. Ele a deixou porque ele a queria.
Centenas de anos de idade e ele ainda não tinha evoluído além do medo que o sexo masculino tem de compromisso com uma só mulher.
Naturalmente, toda a verdade era provavelmente ainda mais complicada, mas isso era a base da questão e não havia nada que ela pudesse fazer a não ser ultrapassar isso. Mais de um mês se passara desde que ela o tinha visto, desde que ele foi embora sem olhar para trás. Ela nunca tinha se apaixonado antes, quanto tempo demorava a curar um coração partido?
Cyn inclinou a cabeça para trás contra o couro macio e fechou os olhos. No banco da frente, Scott tomou a dica, colocou um CD calmante para tocar e deixou a música suave preencher o silêncio até que chegaram ao hotel.
Ela rolou em seu sono, a cama macia do hotel se adaptando a seus movimentos, a embalando em seu calor. Um peso se moveu por trás dela e ela sorriu, pegando o cheiro de sua loção pós-barba - uma pitada de especiarias, quase inexistente. Ela sentiu o deslizar da sua pele quando ele se esticou ao lado dela, quando ele a puxou e aconchegou dentro da curva de seu corpo grande, fazendo-a se sentir segura, protegida. Ele era o único homem que a tinha feito se sentir assim, como alguém por quem valia a pena lutar, alguém para acalentar. Seu rosto era áspero contra o rosto dela, seus lábios macios quando eles exploraram sua mandíbula, beliscando seu lóbulo da orelha antes de beijar uma trajetória descendente que se arrastou ao longo da curva de seu pescoço. Ela se mexeu, seu corpo respondendo ao seu toque quando os dedos fortes deslizaram entre suas pernas e começaram a acariciar suavemente.
Um pequeno gemido passou pelos lábios dela enquanto ele inclinava sua perna para a frente e deslizava seu pênis para baixo da fenda de seu traseiro até à umidade entre suas pernas. Com o primeiro golpe dentro dela, ela ofegou, arqueando as costas para se abrir ainda mais, acolhendo sua invasão, começando a se mover com ele. O ritmo dele ganhou urgência e ele agarrou seus quadris, segurando-a firme contra ele enquanto ele dirigia cada vez mais fundo dentro de suas dobras escorregadias. Ela estendeu a mão e cobriu a mão dele com a dela, apertando com força, esmagando seu clitóris, sentindo seu sexo grosso deslizando para dentro e para fora, abrindo-a, esticando-a de forma apertada em torno dele.
Ele gemeu com fome, se inclinando para a curva do pescoço dela mais uma vez. Por uma fração de segundos o calor de sua respiração roçou seu pescoço e, em seguida, os dentes dele afundaram em sua veia. Ela gritou, seu orgasmo súbito e avassalador, passando de uma piscina tranqüila de necessidade para uma onda de êxtase no espaço de segundos. Ela gritou enquanto o orgasmo se abatia sobre ela, carregando-o em seu rastro, deixando o rugido de conclusão dele vibrando em seus ossos.
Ela permaneceu dentro do círculo de seus braços, entorpecida com a paixão do sexo que tinham feito, seus músculos relaxados, seu desejo saciado. No momento.
Como se soubesse o que ela estava pensando, ele deu uma risada baixa e sensual, a sua respiração suave na bochecha dela. — Doce, minha Cyn. — murmurou ele. — Tão doce.
O telefone vibrou, acordando Cynthia. Ela piscou no quarto escuro, se virando automaticamente para o corpo rígido masculino que deveria estar no espaço por trás dela e não encontrou nada, além do vazio. Ela fechou os olhos e obrigou as lágrimas a recuarem, curvando seu corpo em torno da dor em seu peito. O telefone tocou seu toque de despertar novamente, e ela estendeu a mão irritadamente, afastando o receptor para longe, escutando a voz automatizada falar. Ela ficou lá por um momento mais, sentindo a excitação de seu corpo, o brilho fino de suor que cobria sua pele. Foi tão real. Muito real. E foi tudo uma mentira.
Afastando as cobertas, ela se forçou a ficar de pé e foi para o chuveiro. Um dia de cada vez, não era o que todos os grupos de ajuda anônimos diziam? Um dia de cada vez.
Ela se perguntava o que eles pensariam sobre ela usando seu mantra contra a memória de seu amante vampiro.
Cyn praguejou quando as portas automáticas do saguão do hotel se abriram e ela saiu.
— Está congelando aqui fora. — disse ela para ninguém. — Eu pensei que o Texas fosse quente.
—Cynthia Leighton?
Ela congelou, virando ao redor para olhar o homem de pé ao lado de uma limusine longa e preta estacionada na porta do edifício. Não, não um homem.
Um vampiro. Não que a maioria das pessoas teria notado. As pequenas coisas o denunciaram - uma protuberância em seu lábio superior escondendo presas emergentes em um show instintivo de agressão, a forma demasiada parada em que ele a olhava da limusine. Cyn conhecia os vampiros, sabia que por muito que eles pudessem se assemelhar a humanos, eles eram definitivamente diferentes - melhores, mais fortes, mais rápidos. O Homem de Seis Milhões de Dólares1, mas sem o acidente de avião. Este vampiro em particular estava olhando para ela com desgosto, como se ele esperasse desesperadamente estar errado sobre sua identidade. Ela sorriu, feliz por arruinar a sua noite. — Sou eu!
O vampiro não sorriu, nem mesmo a sombra de um sorriso. — Senhor Jabril Karim está esperando.
Cyn fez questão de conferir o relógio. — Meu compromisso é às sete. — Eram seis horas, e a residência de Jabril era a cerca de quarenta minutos fora da cidade. Ela sabia por que tinha verificado.
O vampiro apenas olhou para ela. Cyn abriu a porta da limusine e deslizou pelo assento de couro macio. Iriam ser quarenta minutos muito longos.
1 Série televisiva sobre um ciborgue, também chamada de ‘O Homem Biônico’.
Capítulo 3
Mirabelle acordou. Não foi um despertar lento, não foi um retorno gradual dos sentidos como se ela tivesse estado a dormir. Foi a clareza da diferença entre o preto e o branco, a vida e a morte. Ela era uma vampira e ela estava acordada.
Permanecendo perfeitamente imóvel, ela ouviu os sons ao seu redor – um automóvel se deslocando lentamente para longe da casa, um pássaro cantando do lado de fora da janela, vozes vindas das cozinhas sob seu quarto. Mas nada mais. Segura. Por agora.
Ela se sentou no escuro quase perfeito de um closet, jogando fora os cobertores que ela não precisava, mas utilizava de qualquer maneira. Eles a confortavam, talvez uma lembrança de tempos melhores. A escuridão em si não era impedimento, seus olhos compensaram a ausência de luz, se servindo da pouca luz que espreitava por debaixo da porta, mostrando a ela os contornos e as sombras das prateleiras e cabides, roupas e calçados. Ela suspirou e se levantou, abriu a porta do armário e foi para o quarto ao fundo.
Era um quarto espaçoso, elegantemente mobiliado com uma cama enorme coberta com uma colcha de cetim e acessórios de veludo. Cortinas de brocado elaboradas cobriam as janelas largas, de tom vermelho vinho e azul para combinar com a cama. Era tudo muito bonito e muito caro… E nada que ela teria escolhido para si mesma. Mas então, ela nunca dormiu aqui. Ela se sentia mais segura, de alguma forma, se escondendo no armário. Era ridículo, e, no final, inútil. Mas ela fazia-o de qualquer maneira.
Um puxão na corda grossa e as cortinas se afastaram. Além da janela, a noite era afastada pela brilhante, quase berrante, iluminação artificial do terreno da propriedade. Mirabelle olhou lá para fora sem ver e se perguntou por que estava tão inquieta hoje à noite. Era uma noite como outra qualquer. Não era?
Uma batida soou na porta e ela se virou, atravessando a sala com um sorriso.
Provavelmente era sua irmã Elizabeth, que era sua única amiga verdadeira e um ponto brilhante em suas noites. Com apenas dezessete anos e ainda humana, Liz vivia em um prédio separado à beira da fazenda, juntamente com a governanta e outros servos. Tinham passado dias desde que elas se tinham visto pela última vez. Liz não podia vir todas as noites, mas ela tentava, e…
Mirabelle parou antes de chegar à porta e cheirou o ar com cuidado. Sua visita era definitivamente humana, mas…?
Ela olhou nervosamente para a sua camisola de seda. Era um prazer secreto para a sua feminilidade, mas o último que lhe tinha restado. Ela correu de volta para o armário e tirou uma túnica longa e grossa, fechando-a em torno do pescoço e amarrando-a com firmeza antes de ir para abrir a porta.
— Minha senhora. — O servo baixou os olhos, sem querer olhar para ela, mesmo no abrangente roupão. — Senhor Jabril Karim pediu sua presença imediata. — Ele olhou para suas roupas de dormir e apertou a boca em desaprovação. — Isto é, o meu senhor pede a sua presença logo que você estiver vestida decentemente.
Mirabelle enrubesceu, mais de raiva do que de humilhação. Mesmo os servos ousavam julgá-la, embora fosse o dinheiro dela que alimentava e vestia esse homem e toda sua família. E porque ela estava se sentindo infeliz e inquieta esta noite, ela fez algo que raramente fazia. Ela jogou a cortesia ao vento e fechou a porta na cara dele, trancando-a com um clique alto.
Um desafio insignificante, ela admitiu enquanto se apressava de volta para o armário, e que, provavelmente, voltaria para assombrá-la sob a forma de pequenos buracos em suas roupas e visitas irregulares ao seu quarto pelo pessoal de limpeza. Não que ela se importasse de qualquer forma. Ela odiava a roupa chamada de modesta que Jabril Karim insistia que ela usasse, e os quartos eram pouco mais do que uma cela de prisão. Que lhe importava se eram limpos ou não? Ainda assim, se o velho sugador de sangue tinha enviado alguém para vir buscá-la, provavelmente era importante - para ele de qualquer maneira. E ele tinha formas de puni-la que eram muito piores do que qualquer coisa que o pessoal da limpeza pudesse sonhar em fazer.
Ela tirou o roupão e pijama, entrou no banheiro e ligou o chuveiro, deixando a sala se preencher com o vapor, enquanto ela escovava os dentes. Jabril podia reclamar que ela tinha demorado muito tempo, mas ela não ia sair sem um maldito banho. Ele sabia muito bem que ela acordava muito depois dele, muito depois dos outros vampiros da casa acordarem. Ela era muito jovem, como essas coisas eram contadas. Ela tinha tido apenas dezoito, quando ela foi transformada, e isso tinha sido apenas cinco anos atrás, um século ou mais depois que qualquer um dos outros vampiros vivos aqui. O sol tinha que estar bem abaixo no horizonte antes que ela começasse a se mexer, o que significava que todos os outros tinham estado acordados uma boa hora antes que ela puxasse a sua primeira respiração completa de cada noite.
Ela lavou a boca e foi para debaixo do jato quente, deixando-o liberá-la da tensão, obrigando-se a colocar de lado suas muitas queixas, empurrando-as para o fundo de sua mente. Foi como ela sobreviveu até aquela altura, como ela iria sobreviver o tempo suficiente para fugir um dia, para levar Liz e fazer uma vida para as duas longe do Texas e de Jabril Karim.
Capítulo 4
O tecido grosso de sua saia pesava em seus quadris e Mirabelle puxou-o, tentando colocá-lo confortavelmente em torno de suas pernas. Suas roupas eram todas pretas: uma saia até ao tornozelo, camiseta e um casaco preto solto, e ainda um lenço para esconder seus longos cabelos loiros. Seus sapatos eram Nikes pretos e ela usava meias pretas como uma velha senhora, que se estendiam até acima dos joelhos, como se de alguma forma, até a visão de um pouquinho de sua carne iria ser uma irresistível tentação para os vampiros do sexo masculino da corte de Jabril.
Mirabelle não se sentia irresistível nem tentadora. Sentia-se velha e feia, e ela olhou com ressentimento para os homens ricamente vestidos, que enchiam a sala. A brigada do pênis se vestia de seda e lã macia em um arco-íris de cores vibrantes.
Mirabelle era a única vampira do sexo feminino na propriedade. De fato, ela nunca sequer conheceu outra mulher vampira, mas ela sabia que existiam.
Jabril Karim raramente iniciava vampiros do sexo feminino. Normalmente, ele não tinha uso para as mulheres além do valor nutricional do seu sangue e do sexo que vinha com ele - e seus escravos humanos no porão forneciam isso. Ele fez uma exceção no caso de Mirabelle, porque ela tinha algo mais que ele queria… Um monte de dinheiro.
Felizmente para ela, ele ainda teria que descobrir uma maneira de chegar ao seu dinheiro, sem ter que mantê-la viva, assumindo que um vampiro possa ser considerado vivo. Ela não sabia a ciência por detrás do assunto, mas ela certamente se sentia viva. Às vezes, ela achava que valeria a pena morrer apenas para evitar que Jabril colocasse as mãos viscosas no seu dinheiro. Mas então, ele teria ido atrás de Liz e seria muito mais difícil, além de que ela estaria verdadeiramente morta e incapaz de desfrutar de sua reação, de modo que isso tirava a satisfação de toda a idéia.
Com esforço, ela forçou seus pensamentos para longe de Jabril e de seus seguidores para algo mais agradável, o pouco que havia para escolher. Ela se perguntava onde estava Liz. Não que sua irmãzinha alguma vez tenha se aventurado por esta parte da casa à noite. Havia apenas dois tipos de seres nesta sala — vampiros e alimentos. Se você não fosse um, era o outro. E Liz estava determinada a não fazer parte de nenhum dos dois, uma aspiração que Mirabelle tinha toda a intenção de ver concretizada. Já era ruim o suficiente que Jabril tenha conseguido transformá-la, ela não iria ficar parada e deixá-lo transformar sua irmã mais nova também.
Houve uma ondulação de movimento que se espalhou por toda a sala, Mirabelle olhou através de seus cílios. Era uma grande sala, uma sala “grandiosa” como o arquiteto de seus pais a tinha chamado, com pilares amplos espalhados por todo o espaço vazio. Os pilares eram apenas para efeito -
Mirabelle sabia desde sua infância ao brincar aqui que eles eram quase completamente ocos e não feitos de mármore como aparentavam ser. Mas isso tinha sido antes da morte dos seus pais, antes de Jabril ter reivindicado a sua casa para si mesmo. Não havia crianças brincando na sala, não mais. Uma familiar onda de tristeza rolou sobre ela quando se lembrou de todos aqueles outros tempos. As grandes recepções e festas da sociedade do Texas – angariações de fundos organizadas pelos seus pais e outros, eventos beneficentes onde os convidados andavam pela sala bebericando cocktails e comendo alimentos saborosos antes de passarem grandes cheques dedutíveis nos impostos.
Ela suspirou. Jabril tinha mudado a sala para atender a si mesmo, é claro.
Ele tinha removido a maioria dos móveis, pois não havia necessidade de sofás ou cadeiras em que ninguém estava autorizado a sentar-se, exceto ele próprio.
Ele havia deixado apenas algumas mesas estreitas ao longo das paredes intercaladas com urnas enormes cujo verde pálido era refletido no quase branco chão de mármore. Muito em cima, o teto se arqueava em uma cúpula vidrada redonda cuja moldura envolvente de cobre tinha o mesmo tom antigo de verde patina. Lembrou-se de sol brilhando através desses painéis enormes de vidro, enchendo a sala grande com…
Ela virou sua atenção novamente para o presente quando as portas duplas se abriram para um lado, e um enorme vampiro meio nu entrou, olhando ao redor da sala como se esperando que alguém o desafiasse. Ninguém o fez. Na verdade, ninguém encontrou seu olhar sequer. Todos eles aprenderam há muito tempo atrás que a idéia de Calixto de um desafio era imprevisível, dependendo grande parte do seu humor. Os vampiros podem se curar rapidamente, mas a dor ainda machucava como o inferno. O guarda-costas saiu da porta e andou para um lado, acenando respeitosamente para a sala não visível atrás da porta.
Um momento depois, Jabril entrou com um aceno de aprovação para seu diligente guarda. Na aparência, o senhor dos vampiros, tinha quarenta anos de idade e estava em boa forma, com cabelos pretos curtos, e olhos cor de chocolate escuro, que eram grandes e redondos, quase bulbosos com a esclera amarela. Para Mirabelle, eles sempre pareciam molhados - olhos grandes, molhados e amarelados. Eca.
Ela deixou cair o olhar rapidamente quando ele se aproximou dela. Jabril Karim al Subaie era o herdeiro de uma família Árabe muito tradicional e conservadora que tinha sido aliada da dinastia dos Saud durante séculos, antes mesmo de Jabril ser vivo. Ele exigia um comportamento respeitoso e submisso dos seus servos… E suas mulheres.
Mirabelle ficou tensa quando uns sapatos de couro elegantes por baixo de uma calça perfeitamente adaptada parou na frente do seu olhar abaixado.
Ela esperou, não ousando olhar para cima.
— Mirabelle, meu tesouro — disse ele finalmente. Ela lutou contra uma careta. Não havia nada que se aproximasse de afeto entre eles. Se ela fosse o seu tesouro, era apenas no sentido mais literal.
— Meu senhor — ela sussurrou.
— Pergunto-me, minha querida, se você ouviu falar de Elizabeth ultimamente?
Ela sentiu um solavanco de medo por suas palavras. Chocada, olhou para cima, encontrando os olhos dele por um momento, antes que seu olhar baixasse novamente para seus pés. — Elizabeth, meu senhor? — ela conseguiu dizer. — Eu não a vejo desde… — Pensou desesperadamente, tentando lembrar a última visita de Liz. — Creio que foi há cinco dias, meu senhor. Pouco antes do amanhecer.
Tinha acontecido alguma coisa? Ela queria gritar a pergunta para ele, mas forçou-se à quietude, cerrando os punhos bem nas dobras da saia pesada.
Se ele soubesse que ela se importava, ele teria prazer em manter as informações dela.
Ela estava ciente do silencioso exame detalhado que ele fazia enquanto olhava para ela, farejando o ar como um animal, como se pudesse de alguma forma sentir o cheiro da verdade em suas palavras. Mas então, ela não podia mentir para ele. Ele era seu mestre, seu criador, e ela era jovem demais e fraca demais para resistir a ele. Ele conhecia a mente dela tão bem quanto ela. Ela tinha conseguido manter alguns segredos dele, escondidos na parte mais privada de sua mente, por trás de muros de desorientação e de detalhes inconseqüentes. Ele nunca pensaria em olhar para as verdades que ela escondeu, porque ele não tinha ideia que elas existiam. Mas ele poderia saber se ela mentia em resposta a uma pergunta direta. E ela não estava mentindo sobre isso. Se Elizabeth estava sumida, Mirabelle não tinha idéia de onde poderia estar.
— Eu vejo — disse Jabril. — Bem, isso é preocupante. A mulher chegou, Asim? — perguntou ao vampiro situado ao seu cotovelo.
— Ela acabou de passar pelo portão, meu senhor.
Mirabelle ouvia, ainda de olhos baixos, sua mente bombardeando com perguntas. Onde foi Elizabeth? E quem é a mulher que Jabril estava falando?
Será que ela sabe algo sobre Liz? Ela estava tão presa em suas próprias perguntas que ela quase perdeu as próximas palavras de Jabril, estremecendo de medo quando ele falou diretamente na frente dela.
— Você vai ficar aqui, Mirabelle.
— Meu senhor, — ela guinchou ofegante, dobrando-se em uma profunda reverência e permanecendo lá até estar certa de que Jabril havia se afastado.
Quando ela se endireitou, fê-lo lentamente, seus olhos ainda procurando. Não estava além de Jabril esperar, apenas para puni-la por desrespeito. Os vampiros mais próximos a ela observavam seu comportamento cauteloso com pequenos risos de desdém, e ela sentiu uma pontada de mágoa antiga. No passado, esses mesmos vampiros a tinham tratado com carinho, como uma irmã mais nova. Ao longo dos meses seguintes à sua transformação, eles tinham visto Jabril a descartar, viram-no tratá-la com desrespeito total. Buscando agradar a seu mestre, eles seguiram o seu exemplo um por um até que ela ficou completamente isolada, ficando assim sozinha numa sala cheia de vampiros.
Sufocando um suspiro, ela ignorou-os por agora, sabendo que eles não podiam fazer nada mais do que zombar. Até seu vigésimo quinto aniversário e até que Jabril tivesse controle absoluto sobre seu dinheiro, ninguém estava autorizado a tocá-la. Ninguém, exceto Jabril.
Mirabelle recuou até que ela se colocou contra a parede, cabeça baixa, punhos cerrados na cintura, querendo nada mais do que ser invisível. Ela olhou cautelosamente ao redor da sala, tentando avaliar o humor dos outros vampiros. Eles ficaram conversando e rindo muito alto, suas vozes ecoando no mármore do chão e no teto alto. Jabril havia se mudado para um estrado baixo na frente da sala, sentando-se em uma enorme cadeira de madeira talhada com detalhes dourados. O encosto e assento eram em cetim bronze profundo com bordados a ouro em bom estado. Um trono por qualquer outro nome, Mirabelle pensou.
Ela não se importava. Deixe-o ter o seu trono, deixe que seus seguidores encham a sala e briguem por posição, tentando chegar perto o suficiente para receber um pouco de atenção. Não Mirabelle. A última coisa que ela queria, era a atenção de Jabril. Ela gostaria muito mais de estar escondida no seu armário, checando as mensagens para algum sinal de Liz. Porque se Jabril realmente não sabia onde Liz havia ido, ela poderia ter fugido, poderia ter escapado desse buraco do inferno que tinha sido a sua casa. E se assim fosse, ela tentaria enviar uma mensagem a Mirabelle, para informá-la de que estava segura. Ambas sabiam que Liz tinha de ser cuidadosa, que todas as informações dadas a Mirabelle poderiam ser tiradas de sua mente por Jabril. Mas ela ia mandar alguma coisa. Ela não iria deixar Mirabelle se preocupar por nada. E Mirabelle estava muito preocupada neste momento.
Uma porta no fundo da sala se abriu com um rangido. Mirabelle olhou para cima, tal como todos na sala e viu um dos muitos seguranças do senhor vampiro deslizar para dentro. Eles eram tão parecidos, que ela raramente se preocupava em tentar distingüir entre eles. Eram homens enormes com cabelos escuros e olhos mortos, todos vestidos de preto, dos sapatos à camisa. Este fez uma pausa, de costas para a porta fechada, e olhou para frente da sala.
Mirabelle seguiu seu olhar e viu Asim sussurrar algo a Jabril, que levantou os olhos e acenou para o guarda-costas.
Curiosa, Mirabelle se virou para a entrada a tempo de ver uma mulher estranha passando. Ela era alta e magra, cabelos escuros pendurados em um corte irregular, pela altura dos ombros, os seus olhos verdes varriam a sala com um olhar aparentemente ocioso. Mirabelle quase não abafou o suspiro de saudade que apunhalou-a com força suficiente para machucar. A mulher era tudo o que Mirabelle sabia que nunca seria – bonita, confiante… Livre. Aquele olhar verde caiu sobre ela por um momento e Mirabelle viu um lampejo de humor. Ela soube naquele momento que era tudo uma pose, um jogo para chamar atenção. E estava funcionando. Cada vampiro na sala estava olhando a visitante com fome, imaginando como seria enterrar os seus dentes naquele pescoço macio. Jabril e os seus vampiros desprezavam as mulheres, como se fossem inferiores, mas isso não os impedia de as cobiçar a todo o momento.
Mirabelle suspirou alto, no silêncio. A mulher encontrou de novo o seu olhar e piscou.
Mirabelle sentiu um rubor de agradável surpresa. Uma simples troca, uma piscadela de olho, apenas isso. Mas disse tanto: Nós estamos juntas aqui, você e eu. Duas mulheres em uma sala cheia de tolos. Ela deu um sorriso hesitante, mas rapidamente baixou o olhar, envergonhada de como deveria parecer, em contraste com aquela mulher elegante, com as sua roupas feias e lenço sem graça, ela nem sequer tinha passado um rímel para realçar a cor dos olhos.
— Senhor Jabril Karim? — A voz da mulher atravessou a sala, antes silenciosa, quebrando assim um quadro congelado.
Jabril deu-lhe um sorriso predatório, um que continha muito mais do que a simples cobiça dos seus lacaios. Houve astúcia naquele sorriso e uma fome voraz. Mirabelle esperava viver o resto de sua longa vida sem ter que ver aquele sorriso dirigido a ela. Jabril assentiu com a cabeça em reconhecimento.
— Senhorita Leighton, se junte a nós, por favor — disse ele.
A mulher avançou, o salto alto das botas elegantes clicando ruidosamente no chão de mármore. Como Mirabelle, ela estava vestida toda de preto, mas a semelhança terminava ali. Calça preta que se apegava às coxas alargando-se um pouco abaixo do joelho para acomodar botas até meio da panturrilha. Ela usava uma gola de cashmere contra o frio, e um casaco de couro, que caía em seus tornozelos. Embora a Mirabelle estivesse quase sufocada, a mulher parecia fresca e à vontade quando ela atravessou a sala lotada e parou a apenas alguns centímetros de distância do palanque onde Jabril presidia.
Cyn, assim que entrou na sala, soube logo que tinha sido um erro vir para o Texas. Parando no nível superior dos dois pequenos degraus que davam para o chão de uma sala grande, que fazia eco, ela podia sentir os olhos rastejando sobre sua pele, a testosterona era tão espessa que se tornava difícil respirar.
Uma lenta varredura disselhe que só havia homens aqui, todos eles sendo vampiros. Não, espere, havia uma mulher solitária, jovem e aterrorizada, usando roupas da avó italiana de alguém.
Ela respirou fundo, sentindo algum conforto pelo peso da sua Glock no coldre sob o casaco longo de couro. Eles não a tinham revistado e não tinham perguntado se ela estava armada. No começo, ela pensou que era o descuidado habitual de um vampiro para um mero humano, mas depois percebeu que não era a sua humanidade que fazia menos dela. Era o seu gênero. A constatação a fez mais confiante… E mais cautelosa. Confiante, porque sabia que poderia cuidar de si mesma muito melhor do que a maioria dos homens esperava.
Cautelosa, porque ela não podia contar com as normas de cortesia ao lidar com os Neandertais dessa faixa, principalmente quando esses Neandertais eram Vampiros.
E por falar em Neandertais… Seu olhar pousou em um gigante seminu que estava de pé ao lado do Lorde Vampiro, olhando para ela desconfiado. Cyn se perguntou se ele era um eunuco. Ela sorriu para si e olhou diretamente para Jabril.
— Senhor Jabril Karim? — Perguntou ela, embora realmente quem mais poderia ser?
Deu-lhe um aceno majestoso e convidou-a a avançar. Ela atravessou o espaço com uma oscilação deliberadamente casual de seus quadris, usando sua altura e suas longas pernas para um bom propósito. Ela fez uma pausa na base do tablado e considerou dar o passo final para cima do estrado em si, se perguntando o que o guarda-costas eunuco faria se ela tentasse. A auto-preservação a fez pausar e dar uma pequena reverência pela cintura em vez disso. — Meu senhor — ela disse.
Os grandes olhos do Senhor Jabril a olharam da cabeça aos pés. Era mais, e de alguma forma menos, que a avaliação lasciva que ela normalmente recebia dos homens. Como se ele a quisesse, mas não como uma mulher. Ou não apenas como uma mulher. Ela o avaliou em silêncio, esperando que ele fizesse o próximo movimento. Típico, ela pensou. Lá estava ele sentado, o vampiro em seu trono faz de conta, o príncipe e seus cortesãos. Raphael poderia ser um porco traidor, mas nunca denominou-se um príncipe, pelo menos não que ela tivesse visto.
Ela ficou irritada, enquanto os minutos se passavam, sentindo-se mais e mais como um espécime em um jardim zoológico, porém devido à sua experiencia com vampiros e seus jogos, conseguiu disfarçar a irritação que teimava em aparecer no seu rosto. Será que esse idiota achava que ela murcharia sob o peso do seu olhar? Pouco provável. Ela colocou um olhar de curiosidade leve no rosto e esperou.
Ele deu-lhe um sorriso pleno de prazer genuíno. — Meu associado, Assim — disse ele, gesticulando. — Eu acredito que você falou com ele no telefone.
Cyn olhou. Asim era completamente normal, alto e magro, com um peito afundado, cabelos escuros e usados um pouco longos demais, e a pele pálida de alguém cuja tez morena já não via o sol. Ele deu ao corpo dela um olhar avaliador descarado através de olhos castanhos, sem nem fingir cortesia, seu olhar, finalmente, chegando ao seu rosto. Homem encantador. Cyn estava muito feliz por ter percorrido todo o caminho para o Texas para trabalhar para esses caras.
Jabril ficou de pé e precisou apenas de um simples passo para descer do estrado, o que deixou-o parado muito perto de Cyn. Ela permaneceu no lugar em que se encontrava, mas por pouco. Ele era menor que ela, especialmente com suas botas de salto alto, mas isso nada fez para mitigar a força da sua personalidade. Ela deveria ter vindo preparada, sendo que trabalhou com Raphael. Jabril Karim era um Lorde Vampiro. Centenas, talvez milhares de vampiros, cada um poderoso à sua maneira, deviam as suas vidas a este homem. Ele era perigoso e mortal, e Cyn deveria se lembrar disso se esperava voltar para a Califórnia com seu corpo e mente intactos.
— Talvez devêssemos levar a nossa discussão para o meu escritório — disse Jabril, seu olhar nunca deixando o rosto de Cynthia.
Ela inclinou a cabeça concordando e ele se virou imediatamente. Asim ignorou-a para seguir atrás do seu mestre e do guarda-costas seminu, mas Cyn estava tão distraída com a dança do progresso de Jabril através da sala, que ela se esqueceu de segui-los. A sala inteira pulou em movimento ao mesmo tempo, com cada um dos vampiros de Jabril se balançando em seu caminho, balanceando o desejo de ser reconhecido contra o medo que impedia o seu movimento. Asim virou-se abruptamente para lançar um olhar penetrante em sua direção, indicando com um empurrão arrogante de sua cabeça que ela deveria ir junto. Cyn reprimiu um riso, apreciando a irritação em seu rosto, enquanto caminhava lentamente em sua direção.
Enquanto ela se aproximava da porta, ela passou pela jovem, a esquisitice simples nesta sala cheia de homens. De perto, a menina não parecia ter mais de vinte, não importando que o seu corpo jovem estivesse escondido sob aquelas volumosas roupas. Claro, era difícil dizer com vampiros, mas algo nela dizia “jovem” a Cynthia. Jovem em idade humana e do sexo feminino.
Definitivamente não pertencia aqui.
— Mirabelle. — A voz de Jabril Karim quebrou os pensamentos de Cyn. A menina pulou com os olhos largos de medo. — Vem — ele ordenou.
Cyn franziu a testa enquanto a menina seguiu automaticamente, inclinando-se como um cachorro na coleira. Um cão que tinha medo de ser espancado se desobedecesse.
Jabril os levou a um pequeno escritório. Asim entrou por último, fechando a porta aos guarda-costas eunucos que ficaram de fora, na grande sala, provavelmente protegendo a privacidade do seu mestre. O interior do gabinete estava cheio com mobiliário arrumado e um tanto efeminado - com uma secretária linda, que parecia quase demasiado frágil para segurar o peso do candeeiro ornamentado em seu canto, algumas prateleiras incorporadas na própria parede e duas cadeiras estofadas de brocado com as pernas finas, que se encontravam diante da mesa. Um belo e, sem dúvida, inestimável, tapete cobria a maior parte do piso, com suas cores vibrantes, apesar de seus suaves tons de marrom e azul. Jabril circundou a mesa e sentou-se, indicando com a mão graciosa que Cyn deveria assumir uma das duas cadeiras. Asim não se sentou, mas situou-se atrás da mesa, ao lado de seu mestre.
Cyn olhou para a menina, Mirabelle, esperando que ela tomasse a outra cadeira, mas ela permaneceu em pé no fundo da sala, encolhida perto de um segundo conjunto de portas, como se pronta para fugir à menor oportunidade.
— Acredito que seu vôo transcorreu sem complicações? — Jabril Karim disse a Cyn. Ele tinha uma voz melódica, medida e uniforme. Ela não sabia por que isso a surpreendeu, ele não era um homem feio, seu rosto carimbado com as linhas duras dos seus antepassados, com os lábios tão cheios como os de uma mulher jovem e olhos que eram um pouco demasiado proeminentes. Mas Cyn percebeu nesse momento que ela não gostava muito desse lorde vampiro e se perguntou o que a tinha virado contra ele. Havia a sala do trono falso, é claro, mas ela achou isso divertido e realmente não muito surpreendente. Ele tinha provavelmente mais do que algumas centenas de anos e era de uma época em que os príncipes tinham poder verdadeiro. E embora ele pudesse ser insuportavelmente arrogante, a verdade é que como um lorde vampiro, o seu poder também era muito verdadeiro, e assim uma certa arrogância era quase esperada.
Não, ela decidiu, foi a menina que a fizera tomar uma antipatia instantânea a Jabril Karim. A jovem mulher era tratada como um animal de estimação feio e obrigada a se vestir como se sua feminilidade fosse algo vergonhoso que tivesse de ser escondido. A Cyn não importava quão velho o vampiro era ou de onde ele veio. Aquela garota era jovem e estava assustada, e aqueles grandes olhos azuis tinham nascido na América, ou Cyn comeria suas botas.
Ela percebeu que Jabril estava esperando por uma resposta e inclinou-se ligeiramente, cruzando as pernas em um movimento deliberadamente sedutor.
— O vôo foi o que se espera nestes dias — ela rejeitou. — Você mencionou uma questão de certa delicadeza, meu senhor? — os olhos de Jabril foram das pernas cruzadas para o rosto, onde prendeu o olhar por um segundo antes de dizer calmamente: — De fato. Uma questão muito preocupante, mas que requer certa… Discrição, eu receio. Uma jovem sob meus cuidados desapareceu…
— Uma garota? — a surpresa de Cyn era evidente. Uma garota desaparecida era a última coisa que ela teria esperado desta atribuição.
A calma de Jabril rachou um pouco com a interrupção, mas ele continuou sem problemas. — Elizabeth Hawthorn. Seus pais eram amigos estimados, e quando eles morreram, eu pensei que o mínimo que eu podia fazer era cuidar de suas filhas em um ambiente familiar. É tão importante que as crianças tenham alguma… Constância em suas vidas, você não acha? Eu tive o prazer de encontrar tribunais que concordam comigo.
Cyn achou chocante que qualquer juiz tenha entregado uma criança a este sanguessuga e se perguntou qual era o preço da vida de uma criança hoje em dia. — Posso perguntar quantos anos a menina desaparecida tem?
— Dezessete — Jabril respondeu com um suspiro, obviamente calculado.
— É problemática como todas as crianças que estão nessa idade, eu receio, as pequenas rebeliões da infância.
Meu Deus! Uma menina de 17 anos de idade vivendo com esse bando.
Não admira que ela fugisse. — Há quanto tempo ela está desaparecida?
— Uma semana, pelo menos. Você entende Srta. Leighton, tem sido um pouco difícil para ela viver aqui. — Ele fez um gesto em torno dele com outro suspiro profundo. — Somos Vampiros. Ela, claro, não. É muito jovem ainda para fazer tal compromisso, embora eu tenha esperança de que ela escolha se juntar a nós.
Ele se levantou em seguida e caminhou ao redor da mesa. Cyn levantou-se automaticamente, recuando, para evitar que ele a tocasse, mas era quase como se a perseguisse intencionalmente, chegando perto o suficiente para correr os dedos pelo seu braço até a pele da sua mão.
Houve uma sensação estranha quando ele se afastou e deixou os dedos dela. Uma espécie de teia de aranha de sentimentos, como se ele tivesse deixado algo agarrado à sua pele. Ela lutou contra um arrepio instintivo que ele pareceu não notar, sua atenção já fixa na mulher silenciosa no fundo da sala. A menina encolheu-se quando o lorde vampiro passou um braço pelos seus ombros. Foi um gesto praticado e ainda estranho, ainda mais pela diferença de suas alturas - algo que Cyn não tinha percebido até agora, porque a postura submissa da menina a fez parecer muito menor do que ela realmente era. Cyn assistiu desconfortavelmente como Jabril praticamente arrastou a menina assustada para a frente.
— Mirabelle preferiu ficar conosco, não é, meu tesouro? — A ameaça era tão mal disfarçada que Cyn não poderia imaginar como ele pensava que alguém era enganado pelas palavras afetuosas. A menina deu um aceno brusco, o olhar fixo firmemente no chão.
— A senhora Leighton não pode ouvir você, se você não falar, menina querida.
— Sim — ela guinchou rapidamente. — Quero dizer, sim, meu senhor. Eu queria ficar.
Ele sorriu como um pai orgulhoso. — Minha querida Mirabelle é tímida, Sra. Leighton. Ela é a nossa caçula e eu receio que a tenhamos mimado. As crianças são tão raras entre nós.
E graças aos deuses por isso. — Quanto tempo você tem vivido aqui, Mirabelle? — A cabeça da menina veio para cima, encontrando os olhos de Cyn pela primeira vez. Naquele breve momento, viu a raiva por trás do medo, rapidamente fechada para não mostrar nada.
— Eu nasci aqui, minha senhora — Mirabelle disse suavemente. — Esta era a minha casa antes… — Ela engoliu em seco. — Depois do acidente, meu senhor teve a gentileza de mover o seu lar para cá, assim Elizabeth e eu…—
— Bobagem — Jabril interrompeu. — Como eu poderia fazer qualquer coisa menos, criança? Essa é uma perda tão terrível para alguém tão jovem. Mas nós fazemos o que podemos… —
— Espere — Cyn interrompeu. — Você está dizendo que Mirabelle é irmã da menina desaparecida? — O que significava que ela própria não tinha muito mais de dezessete anos.
Jabril estava olhando para ela com surpresa. — Sim, claro. Eu não mencionei isso? — Ele olhou para Asim em esclarecimento. — Que estranho.
Suponho que agora pense em Mirabelle como parte da minha família. — Ele acariciou os cabelos cobertos da menina e Cyn lutou contra o impulso de golpear as mãos dele.
— Ser| que a sua irmã… — Ela começou a perguntar diretamente a Mirabelle se ela sabia o paradeiro da irmã, mas parou no meio da frase, devido ao flash de pânico nos olhos da menina. — Será que a sua irmã levou algo com ela? — Disse ela em vez disso. — Qualquer coisa que possa indicar onde ela pode ter ido? — Mirabelle parecia aliviada e Cyn sentiu o desconforto crescer.
— Eu não sei. Elizabeth não vive nesta casa, e nós…
— É muito perigoso — Jabril interveio rapidamente. — Meus homens são bem treinados e muito disciplinados, mas são, afinal, apenas humanos… Em muitos aspectos — ele emendou com um pequeno sorriso por sua própria inteligência. — Elizabeth é uma menina linda na beira da feminilidade. Eu achei melhor para ela ficar na casa dos empregados com a governanta.
— Posso falar com a governanta?
Jabril sorriu para ela. — Você vai fazer o trabalho então? Maravilhoso.
Oh. — Fez uma pausa, como lhe tivesse ocorrido um pensamento. Era um artifício tão óbvio que Cyn sabia quais seriam as palavras seguintes ainda antes de ele as falar — Raphael não se importa que você trabalhe para mim, não é?
Nós, vampiros podemos ser tão… Possessivos. Eu não quero pisar na linha.
Cyn considerou firmemente antes de responder. — A minha vida é minha, meu senhor. O Senhor Raphael me empregou por um tempo curto para uma tarefa específica que eu completei a seu contento. Tenho certeza que ele vai lhe dizer o mesmo.
— Ah, sim, nós ouvimos que houve algum negócio feio lá fora. Algo a ver com a Alexandra, não foi? Não que eu possa imaginar alguém tolo o suficiente para tentar desafiar Raphael, mas ainda assim…
Cyn riu. — Meu senhor, a chave do sucesso em meu negócio é a confidencialidade do cliente. Eu não compartilho os detalhes do negócio de Raphael com você, tal como não compartilharei os do seu negócio com ele.
Tenho certeza que você prefere assim.
— É claro — ele estalou. Ele respirou fundo, através do seu nariz. — Você pode começar com a empregada — disse ele bruscamente. — Eu já tinha falado com ela, claro. Sem muitos resultados, eu receio, mas talvez você obtenha algo útil dela. — Foi-se o vampiro encantador. Ele estava claramente acabado com Cyn e pronto para voltar para sua própria noite. — Mirabelle, por que você não leva a Srta. Leighton até a casa? Temo que esta me pegou em um mau momento e eu tenho muito a fazer. Asim?
Cyn assistiu, perplexa, como Jabril e seu capanga marcharam para fora da sala sem sequer um “vejo vocês mais tarde.” Aparentemente, uma vez que sua tentativa de obter um pouco de fofocas sobre Raphael tinha falhado, ele não tinha nada mais para lhe dizer. Sua boca se curvou num meio sorriso e ela virou-se para dizer algo a Mirabelle, mas as palavras congelaram em sua língua.
A garota estava segurando a mão perto do seu peito, com a mão aberta em aviso. — Por aqui, Srta. Leighton — ela disse em voz alta, então fez um gesto para Cyn a preceder através da porta externa. Cyn abanou a cabeça em desgosto. Por que ela pensou que tomar este trabalho seria uma coisa boa?
Porque não tirar umas férias no Havaí, Cyn? Vampiros no Texas? Que diabos você estava pensando?
Capítulo 5
Logo que elas estavam fora, Mirabelle inclinou a cabeça para trás e sugou o ar frio da noite. Cyn assistiu com curiosidade. — Não sai muito? — ela advinhou.
Mirabelle saltou. — Perdoe-me. — ela disse rapidamente. — A casa dos empregados é por aqui. — Ela partiu, os ombros curvados para a frente.
Cyn andou com ela e falou calmamente enquanto caminhavam. — Eu vejo as coisas, Mirabelle, eu vejo e faço conexões. É por isso que eu sou boa no meu trabalho. Eu sei, por exemplo, que Jabril não gosta de mulheres. Oh, ele não é gay, isso nunca. Mas ele não acha que as mulheres valem muito, não é?
Ela olhou em volta rapidamente. — Deixe-me mostrar algo. — Abriu o casaco de couro apenas o suficiente para revelar a Glock 17 aninhada no seu coldre de ombro antes de cobri-la novamente. — Eles nem sequer me perguntaram se eu estava armada. Nunca lhes ocorreu que uma mulher estaria, eu imagino.
— Eu acho que a única razão pela qual eu estou aqui é porque eu fiz um trabalho para o Senhor Raphael, na Califórnia, e Jabril está esperando irritar o Raphael, me chamando para o Texas. Eu não ficaria surpresa se ele realmente tivesse contratado alguém, alguém com um pênis, para fazer o trabalho real. — Ela riu e olhou para cima. Mirabelle ficou em silêncio, mas ela parecia estar escutando. — Isso não me incomoda, em particular. Receberei o meu pagamento de uma maneira ou de outra e eu nunca vim ao Texas antes.
— De qualquer forma, dada a baixa opinião que Jabril tem das mulheres, eu gostaria de saber o que você está fazendo aqui. E dado que esta propriedade é pertencente a algo chamado de Fundação Hawthorn, que tem um patrimônio público superior a quinhentos milhões, eu acho que não é você que ele quer, sem ofensa, mas o seu dinheiro. Como estou me saindo até agora?
— Hey — ela disse suavemente, vendo lágrimas encherem os olhos da menina. — Sinto muito. Às vezes eu não me saio muito bem com toda essa coisa de sociedade educada.
— Não. — Mirabelle esfregou o seu rosto, como uma criança. — Não, você está certa, sobre tudo. Eu estou tão envergonhada — disse ela miseravelmente. — O que você deve pensar de mim?
— Não se preocupe com isso, querida. Eu sei do que os vampiros são capazes. Então me diga, o velho Jabril nunca deixa você fora de sua visão?
Mirabelle abanou a cabeça. — Esta é a primeira vez que eu estive fora sozinha em… Deus, deve ser seis meses. Não, desde antes do Verão, quando uma das empregadas entrou em trabalho de parto de forma inesperada. Ela nunca deveria ter ido { casa naquela hora da noite. Eu não sei… — Ela estremeceu. — Você deveria ter visto a cara de Asim, quando ele percebeu o que estava acontecendo. — Um sorriso triste e amargo atravessou seu rosto. — Você não gostaria de ver o que quase aconteceu depois disso. Eu nem sequer esperei pela permissão, eu corri tão rápido quanto eu podia para pedir alguma ajuda.
Alguma ajuda humana. Alguém tinha que ajudar essa mulher e seu bebê a sair daquele lugar antes…— Ela estremeceu.
— Ok, talvez haja algumas coisas que eu não saiba sobre vampiros — Cyn disse com uma careta. — Então, me diga Mirabelle, como você se tornou uma vampira? Eu não posso acreditar que você realmente escolheu passar suas noites com esse bando.
— Não, eu… — a cabeça de Mirabelle virou segundos antes que Cyn ouvisse uma porta fechar seguido por passos.
— Mirabelle? — Uma mulher de meia-idade apareceu ao virar da esquina do prédio de dois andares para o qual elas caminhavam. — O que você está fazendo aqui? — Ela deu a Cyn um olhar desconfiado. — E quem é esta?
— Senhor Jabril Karim me enviou — Mirabelle disse rigidamente. — Esta é Cynthia Leighton. Ela é uma investigadora particular. Ela vai encontrar Liz.
A mulher deu a Cyn um olhar cético, espiando por cima dos seus óculos presos a uma corrente em torno de seu pescoço. Ela tinha o cabelo grisalho puxado para trás em um coque tão apertado que ela nunca iria precisar de um face lift2, e a saia cinza e o casaco mais pareciam um uniforme que um terno. Ela deu um passo mais para perto e estendeu a mão. — Sra. Elaine Peach. Sou a governanta chefe do Senhor Jabril. Sr. Asim disse que estaria vindo esta noite.
Eu vou lhe dizer a mesma coisa que eu disse a ele. Eu não tenho visto a menina por uma semana. Ela não me mantém exatamente informada sobre suas idas e vindas.
— O que fez você perceber que ela estava desaparecida? — Cyn perguntou.
Sra. Peach a estudou, em seguida, deu uma pequena fungada e voltou pelo mesmo caminho que ela tinha vindo, com uma pequena ondulação de sua mão de “siga-me”. Elas caminharam e entraram na casa dos empregados através de uma porta de vidro que levava para uma cozinha grande e aberta.
2 Facelift é uma palavra inglesa usada para designar procedimentos cosméticos rejuvenescedores faciais.
Ignorando os dois homens tomando café na mesa, a governanta se manteve caminhando até chegar a uma porta de entrada sem adornos. Uma mesa pequena estava perto do que devia ser a porta da frente, com um simples ramo de flores em um vaso de cristal lapidado. A governanta finalmente parou lá e se virou para Cyn. — Eu realmente não lido muito com Elizabeth. Ela tem uma tutora que supervisiona a sua escolaridade. Mas a mulher ficou fora por uma semana, umas férias pessoais, alguma coisa familiar. Achei que a menina estava… — Ela encolheu os ombros. — No quarto dela, eu suponho.
— E a assistente social dela do Serviço de Proteção às Crianças? Elas se encontram em algum lugar?
— Não, a mulher vem aqui uma vez por mês. — O tom da Sra. Peach não deixava dúvidas de como encarava essas visitas regulares. — Intromete-se em tudo, como se estivéssemos maltratando a criança.
— Você tem alguma idéia de onde Elizabeth poderia ter ido? E por quê?
Ela mencionou alguma coisa que a estivesse incomodando?
— Elizabeth mal falava comigo. Ela não era rude, ela simplesmente não estava interessada. Você provavelmente terá mais sorte com a assistente social.
Eu acho que elas realmente se deram bem, considerando-se.
— Considerando-se?
— Bem, elas não são exatamente do mesmo nível social, não é verdade?
Quero dizer, com a sua parte da herança, Elizabeth vale mais do que a mulher alguma vez ver| em uma centena de vidas. E ela… — Sra. Peach parou bruscamente e deu uma pequena tosse nervosa. — Pois bem. Eu posso lhe dar o nome e número, se quiser.
— Eu apreciaria, obrigado. E o da tutora também, se possível.
— Claro que sim, vou tratar disso. Mais alguma coisa? — Ela deu a Cyn um olhar ausente, sua mente, obviamente, tendo já se mudado para sua próxima tarefa.
— Posso ver o quarto dela, por favor?
— Certamente. — Mrs. Peach se voltou para Mirabelle, claramente pensando melhor, se virou para a sala adjacente. — Kelly!
Cyn notou o rubor de constrangimento de Mirabelle, embora ela tenha certeza de que a governanta não. Sra. Peach podia ser uma dona de casa maravilhosa, mas suas habilidades com as pessoas faziam com que Cyn parecesse a Miss Simpatia.
Uma garota delgada em um vestido de uniforme rosa apareceu, seus olhos arregalados com curiosidade. Os cabelos castanhos estavam puxados para trás em uma longa trança, para revelar vários piercings em cada uma de suas orelhas, além de uma pequena argola em uma das sobrancelhas.
— Kelly, mostre a Sra. Leighton onde é o quarto de Elizabeth e não demore. Você precisa terminar a prata hoje à noite ou não haverá folga amanhã.
— Sim, senhora — disse Kelly obedientemente. Ela olhou para Cyn com um sorriso malicioso, revelando um piercing na língua. — Por aqui, por favor.
O quarto de Elizabeth era no primeiro andar, em um canto quieto. A porta dela era a única porta que dava para aquele corredor, e o corredor em si levava diretamente para a cozinha, o único lugar em uma propriedade daquele tamanho em que sempre havia alguém. Por muito que ninguém parecesse prestar muita atenção a Liz, alguém tinha tido o cuidado de restringir seus movimentos e associações. Ou pelo menos tentou. Kelly as levou para um quarto modesto, indo imediatamente para uma janela de popa na parede distante e a abrindo, deixando entrar o ar fresco.
— Fica tão abafado aqui estando tudo fechado o tempo todo. No entanto, essa é a maneira que Liz gostava. Ela gostava de sua privacidade.
Cyn estava fazendo uma rápida pesquisa visual, notando a ausência de uma fechadura na porta. Na parede mais próxima havia uma cadeira. A borda superior do encosto da cadeira estava arranhado e arrancado. Liz tinha feito sua própria fechadura, ao que parece. Bom para ela. Cyn olhou Kelly. — Vocês eram amigas? — Perguntou ela.
Kelly franziu a testa, dando um olhar de soslaio para Mirabelle. Mirabelle pegou o olhar, e Cyn pôde ver um conhecedor lampejo de desânimo cruzar o seu rosto.
— Eu vou esperar lá fora — Mirabelle disse suavemente. — Eu estou precisando de um pouco de ar fresco. — Ela fez uma pausa em seu caminho para fora e sem olhar para trás, disse: — Eu amo a minha irmã. — Ela olhou para cima, em seguida, com lágrimas cintilando em seus olhos azuis. — E eu não quero que ele a encontre. — Então ela saiu do quarto, quase correndo pelo corredor.
Kelly esperou até que os passos de Mirabelle se desvanecessem completamente antes de dar a Cyn um olhar desconfortável. — Eu não quis magoá-la, mas… — Ela encolheu os ombros. — Ela é uma vampira. Qualquer coisa que eu diga na frente dela vai voltar ao Senhor Jabril. Não é culpa dela, mas é o jeito que é. — Ela deu uma olhada a Cyn, sondando. — Eu preciso saber.
Se você encontrar Liz, o que acontece então? Quer dizer, você vai obrigá-la a voltar pra cá? Ela vai ter dezoito anos logo, você sabe. Você não pode fazê-la fazer qualquer coisa depois disso.
Cyn retornou o olhar de Kelly. — Não — ela disse, finalmente. — De jeito nenhum eu estarei trazendo uma criança de volta a este lugar. Eu não me importo se ela tem oito ou dezoito anos.
Kelly estudou Cyn, claramente tentando decidir se ia acreditar nela ou não. — Como eu sei que posso confiar em você? — disse ela. — Quero dizer, Liz é uma amiga e… Como posso saber?
— Você não pode — Cyn disse honestamente.
— Sim — Kelly riu sem jeito. — É uma merda. — Ela soltou um longo suspiro. — Tudo bem. Eu acho que… Ok.
— Então? — Cyn disse.
— Então talvez nós conversássemos algumas vezes, Liz e eu.
— Você sabe onde ela está? — Cyn perguntou diretamente.
Kelly olhou para suas mãos, que estavam passando nervosamente sobre a saia do uniforme rosa. Seu olhar disparou para cima para um olhar rápido, então ela acenou decisivamente e fechou a porta, antes de girar para Cyn. — Ela não disse nada específico sobre um lugar. Não exatamente. Mas… — Ela beliscou a boca e respirou fundo. — Liz saía muito mais do que alguém imagina.
Ela é inteligente, muito mais esperta do que eu e não tem medo de nada. Nem mesmo do velho Jabril.
— Então por que ela ficou?
— Bem, ele tem a irmã dela, certo? — Kelly disse, como se fosse óbvio. — Quero dizer, Liz estava com medo que ele fizesse algo com Mirabelle se ela fosse embora.
— Por que agora, então?
Kelly encolheu os ombros, evitando o olhar de Cyn. Seus olhos se lançaram ao redor do quarto, vindo descansar na pequena mesa. — Liz convenceu um par de guardas durante o dia no portão da frente, você sabe.
Então eles não a denunciavam. Ela é bonita. Eles te mostraram uma foto?
Cyn percebeu com desgosto que, de fato, ninguém lhe havia dado uma descrição física da menina e ela estava tão distraída com os jogos de Jabril que ela nunca tinha pensado em perguntar. Muito profissional, Cyn. Por outro lado, a omissão emprestou credibilidade à sua crença de que eles contrataram alguém para fazer o trabalho. Ela deveria ter ficado insultada por seu único valor aqui ser para irritar Raphael, mas principalmente, ela estava se divertindo. Eles não tinham idéia de quão irritante ela poderia ser. — Não, nenhuma foto. Ela se parece com Mirabelle?
Kelly bufou. — Quem sabe? Talvez em alguma altura, mas quem pode dizer agora? — Ela andou até a mesa e abriu uma gaveta, deslizando a mão até a parte de trás e tirou um par de fotos dobradas. — Esta é Liz — ela entregou a Cyn, apontando.
Kelly estava certa. Elizabeth Hawthorn era bonita. Mais do que bonita.
Um pouco magra para sua altura, ela tinha longos cabelos cor de mel, olhos grandes e um sorriso de rainha da beleza do Texas. Na foto, ela estava usando calças jeans rasgadas, que mostravam o brilho de uma argola de ouro no umbigo e um top sem mangas que revelava muito mais do que Jabril teria gostado. Como acessório, um colar, do tipo que você compra de um vendedor de rua de arte nativa genuína. Ela estava encostada a um garoto alto e magro, com ombros largos que eram apenas ossos e tendões, como se não tivesse crescido em seu corpo, ou talvez ele simplesmente não recebesse as refeições regularmente o bastante. Dado o estado de suas roupas e cabelos, Cyn tendia para a última explicação. — Quem é o cara? — Ela perguntou a Kelly.
— Este é Jamie. Ele e Liz são muito ligados.
— Ligados como em…
— Eles estão transando.
— Alguma possibilidade de ela estar com Jamie?
Kelly pensou sobre isso. — Talvez. Mas eu não sei. — Vozes de repente ecoaram pelo corredor e ela lançou um olhar de culpa para a porta. — Olha, eu tenho que ir. Você pode me encontrar amanhã, durante o dia? The Children’s Museum. Você sabe onde é?
— Vou encontrá-lo.
— Faça à tarde, eu trabalho até tarde aqui esta noite, portanto lá para as duas horas da tarde. Agora eu tenho que voltar para a prata ou eu não vou ter um dia de folga. — Ela começou a sair do quarto, mas Cyn parou-a.
— Obrigada, Kelly.
Kelly assentiu. — Amanhã às duas horas. Eu estarei lá.
Cyn passou mais alguns minutos no quarto de Liz, passando pela mesa, verificando o armário, procurando alguma indicação de que Liz tinha planejado ir embora por algum tempo. Parecia que a garota tinha fugido de repente, mas Cyn não queria tirar conclusões precipitadas. Não ainda. Ela se levantou de onde estava olhando para debaixo da cama e escovou o pó e a sujeira para fora dos joelhos de suas calças pretas. — Lá se vai a boa manutenção da casa, Sra. Peach.
Com um último olhar ao redor ela saiu, fechando a porta atrás de si.
Mirabelle estava encostada na parede mesmo do lado de fora da porta da cozinha. Havia poucas luzes a esta distância da casa principal e Cyn mal podia ver a moça.
— Eu já praticamente terminei aqui — disse Cyn.
Mirabelle endireitou-se e estendeu um pedaço de papel dobrado. — A Sra. Peach deixou isso para você. São os números que você queria, da tutora de Liz e da assistente social.
— Você a conhece?
— A Sra. Peach?
Cyn lhe deu um pequeno sorriso. — Não. Quero dizer a assistente social.
— Oh! Ah, claro. — Ela abriu o papel e olhou para o nome. — Ramona Hewitt. Claro, eu me lembro dela. Estou surpresa que ela ainda esteja por aqui.
Eu acho que nenhum deles durou tanto tempo. É um trabalho horrível. — Ela ficou em silêncio por um espaço de duas respirações. — Sra. Hewitt se importava, no entanto. Eu acho que ela realmente o fazia.
— Eu vou lhe dizer que você disse “oi”, ok?
— Claro. — Mirabelle assentiu. — Eu vou levá-la de volta para casa, se estiver pronta. Embora o carro provavelmente já esteja à espera, se você quiser ir já. Quer dizer, se você não precisar ver o Senhor Jabril antes de ir.
Jabril não parecia muito disposto a gastar mais tempo com Cyn naquela noite. E ela certamente não tinha um desejo ardente de vê-lo. Nunca mais. — Eu acho que telefonarei mais tarde, então será o carro. Obrigada.
Quando elas passaram à frente da casa, Cyn puxou seu casaco apertado contra si se protegendo de uma rajada de vento. — É sempre esse frio em Houston?
Mirabelle sorriu. — Geralmente não. Nós estamos a passar por uma onda de frio.
— Que sorte a minha.
À medida que se aproximavam do carro, Cyn viu o mesmo vampiro silencioso que havia dirigido anteriormente. Estava encostado ao carro e com cara de tédio. Ele se endireitou quando elas apareceram, olhando para as duas, como se as culpando por ele ter passado a sua noite à espreita na garagem.
— Ok, Mirabelle — Cyn disse em benefício dele. — Obrigado pela sua ajuda. Eu vou informar Jabril assim que souber de alguma coisa.
— O nome do meu mestre é Senhor Jabril Karim — resmungou o guarda-costas. — Você vai se referir a ele dessa forma.
Mirabelle congelou, mas Cyn mal olhou para ele antes de balançar a cabeça e abrir a porta do carro. — Vejo você depois, Mirabelle. Cuide-se.
O motorista ficou fora tempo suficiente para que Cyn começasse a pensar em chamar um táxi, mas eventualmente ele deslizou para o assento do motorista, favorecendo-a com um olhar proibitivo, antes de se virar e dar partida no carro.
Cyn olhou pela janela. Gramados por ambos os lados com árvores e flores. Olhando para trás, ela podia ver a casa banhada pelo brilho do que deveriam ser centenas de luzes. Mirabelle estava na entrada, parecendo pequena e apagada contra a brilhante casa branca. Cyn se virou quando eles passaram pelo portão artificialmente rústico pensando que Liz não era a única filha Hawthorn que precisava de resgate.
Capítulo 6
Mirabelle assistiu a limusine deslizar da garagem, percorrendo uma linha elegante pelos gramados decorados e para fora dos portões. Ela pensou ter visto Cynthia Leighton se virar no último minuto, mas foi provavelmente a sua imaginação ou um pensamento desejoso. Desejando que ela fosse aquela que a limusine conduzisse através de um dos portões para… Qualquer lugar.
Qualquer lugar, menos aqui.
Ela suspirou, tocando o lenço, arrumando suas roupas antes de abrir a porta e escorregar para o interior da casa. Ela fez uma pausa no lado de dentro, ouvindo, mas não havia ninguém por perto. Estavam todos na sala do trono, ou talvez Jabril tenha se desculpado e descido para o seu harém pessoal no porão para seu repasto da noite.
Ela correu em direção às escadas tão rápido quanto pôde, com o cuidado de manter o decoro em qualquer caso. Seus passos eram suaves e medidos, com as mãos ao lado do seu corpo e os olhos sobre seus próprios pés, nas escadas e, em seguida, no piso acarpetado à sua frente. Seu quarto era no segundo andar, na parte de trás da casa. Fechando a porta atrás dela, foi direto para o armário, fechando a porta deste também e clicando na tranca frágil. Ela se virou na luz fraca e arrancou o lenço deselegante, suspirando de alívio, enquanto corria os dedos das duas mãos através das ondas de seus cabelos loiros. Em seguida foi a vez das roupas que tanto odiava, embora ela as pendurasse cuidadosamente num cabide, prontas para serem usadas. Ela uma vez cometeu o erro, num acesso de raiva, de jogar as coisas repulsivas para o chão. Jabril tinha ficado muito descontente com sua aparência desgrenhada na noite seguinte e tinha feito penosamente ela ter certeza de que aquilo não iria acontecer novamente.
Não houve hematomas depois, nenhum sinal visível do seu descontentamento.
Ele não teve necessidade de recorrer a algo tão bruto quanto isso. Ele era um vampiro e ela lhe pertencia de corpo e alma. O menor esforço da sua vontade poderia causar-lhe dor indizível, a dor que a deixou se contorcendo no chão, pedindo misericórdia, enquanto ele olhava com desapego frio.
Ela estremeceu com a lembrança e vestiu uns jeans velhos e uma camisola, deixando os pés descalços com as unhas pecaminosamente pintadas.
Ela se sentou com as pernas cruzadas no chão do armário e fechou os olhos, ouvindo. Os sentidos dos vampiros eram muito mais aguçados do que os de um ser humano. Mirabelle podia ver na escuridão com facilidade, poderia ouvir o batimento cardíaco de um empregado no corredor da casa tranquila e, apesar do cheiro de sangue ser inebriantemente forte, todo o seu sentido do olfato era bastante reforçado. Ela sempre sabia quando os seres humanos se alimentavam durante o dia. Ela sabia quando o lixo tinha ficado muito tempo acumulado e quando a fruta em cima do balcão estava ficando mole.
Não que ela tenha sido autorizada a entrar nas cozinhas. E não era como se ela precisasse de alimentos de qualquer maneira. Pelo menos não esse tipo de alimento. O que ela precisava era sangue. Fresco, sangue humano. Jabril tinha seu ‘est|bulo’ de escravos de sangue, que ele compartilhava com Asim e aqueles dentre seus lacaios que estavam a seu favor, naquele momento. A nutrição de Mirabelle vinha de um saco de plástico de sangue anônimo, deixado pendurado na maçaneta da porta três vezes por semana como um horrível sinal de “Não perturbe”. Tomar sangue diretamente de um humano tinha o potencial para ser um ato sexual intenso. Diziam que era incomparável em seu êxtase, tanto para humanos como para vampiros. Razão pela qual tantos humanos se ofereciam para fazê-lo. E por que Jabril jamais permitiria que Mirabelle o fizesse. Ela tinha inicialmente pensado que isso era devido a um senso de posse obsceno, porque ela pertencia a ele. Mas mais tarde, ela veio a perceber que era apenas sua idéia puritana do papel apropriado para uma mulher de sua casa.
Ela era certamente o mais baixo vampiro no seu totem, mas ela era uma Vampira e isso a colocava em uma classe completamente diferente dos humanos da propriedade. Uma classe que exigia um certo decoro feminino, na opinião dele.
Os outros vampiros da família de Jabril, aqueles não privilegiados o suficiente para usar os escravos de sangue, eram autorizados a caçar na cidade de Houston. Discretamente, claro, e apenas voluntários. Ele era muito claro sobre isso. Jabril Karim era um dos oito lordes vampiros que governavam toda a América do Norte, uma posição não ganhada através de apadrinhamento político, mas pela força bruta. Todo o sul dos Estados Unidos era o seu território, mas Houston era a sua casa. E nenhum vampiro queria fazer uma bagunça no quintal de Jabril.
Quando Mirabelle se sentou no chão do seu armário, ela localizou cada pessoa, homem ou vampiro, no segundo andar. Os vampiros eram os mais fáceis, se distinguiam por seus batimentos cardíacos lentos e o cheiro forte do sangue velho que parecia nunca ir embora. Mas os vampiros raramente visitavam o segundo andar. Jabril e seus lacaios tinham quartos no subnível debaixo da casa. Era mais um indicador do seu baixo status, ela residir no andar superior, seu quarto não tinha uma janela, mas sim uma parede inteira de janelas. Mirabelle não se importava. Isso a lembrava de tempos melhores e a mantinha longe do resto deles. Que era perfeito para o que ela tinha planejado para hoje à noite.
Ela permaneceu imóvel por um momento final, à escuta. Satisfeita, ela se virou e rapidamente removeu a frente falsa do que parecia ser um conjunto de ordinárias gavetas embutidas para revelar um pequeno frigorífico escondido por trás delas. Este tinha sido o quarto de seu avô quando ele estava vivo. Ele tinha sido um amante de lanches durante a noite e gostava de estar perto da escada traseira que levava diretamente para a cozinha. Mirabelle não tinha nada além de boas lembranças de seu avô. Ela tinha dez anos de idade quando ele morreu, cinco anos antes do acidente de seus pais. Um dos muitos segredos que ele compartilhou com ela antes de sua morte tinha sido o seu tesouro de guloseimas contrabandeadas, alimentos que seu médico havia proibido após seu terceiro ataque cardíaco. Mirabelle passara muitas tardes alegres no chão do armário enquanto o avô produzia todos os tipos de deliciosas guloseimas.
Ela não sabia o que a tinha fascinado mais, a idéia de esconder coisas de sua mãe, ou a maneira como tudo parecia muito melhor quando vinham do esconderijo secreto do vovô.
Mas o que ela tirou de dentro do frigorífico pequeno era muito diferente dos rolos de salsicha gordurosa e queijos gordos. Era um elegante computador portátil, com um adaptador para a rede sem fios que pegava um sinal claro e forte a partir do modem do andar de baixo, um modem usado por praticamente todos os habitantes.
Tinha sido idéia de Liz. Foi ela quem conseguiu a senha da rede e contrabandeou o laptop durante o dia, enquanto a maioria das pessoas na casa principal estava dormindo. Era uma forma de romper o isolamento que Jabril tentou impor sobre elas, uma maneira para que as irmãs pudessem se comunicar de forma privada, longe dos ouvidos indiscretos e dos olhos que estavam por toda parte nesta casa.
Mirabelle se conectou ao website que ela e Liz usavam. Havia milhões de mensagens postadas diariamente no fórum, a maioria delas eram apenas trocas banais entre adolescentes de todo o mundo. Ela examinou várias mensagens e entrou em salas de chat ao acaso, borrando o rastro de seu computador antes de se concentrar em busca de uma mensagem de Liz. Ela encontrou em um dos fóruns públicos.
Vaca1, eu estou bem. Não se preocupe. Estarei em contato. Foi enviado pela Vaca2. A designação de vaca era uma velha piada entre elas, uma brincadeira com os apelidos que seus pais haviam usado nelas enquanto crianças. Mirabelle tinha sido simplesmente Belle. Elizabeth tinha sido Elsie.
Belle e Elsie. Elas costumavam brincar que seus pais estavam confusos sobre se tinham filhas ou vacas. Afinal, este era o Texas.
Mirabelle fechou os olhos, deixando o alívio lavar o pior de seus medos.
Ela ainda estava preocupada sobre onde Liz estava e o que estava fazendo, mas pelo menos agora ela sabia que não era um esquema de Jabril para deixar Liz prisioneira para que pudesse controlá-la melhor. Deus sabia que não era difícil para ele planejar algo parecido. Como amigo dos pais delas e também sócio nos negócios, ele conseguiu ser nomeado o guardião legal de ambas as meninas, quando seus pais morreram. Os vampiros, na sua maior parte, viviam discretamente, passando pela sociedade, sem a maioria das pessoas sequer se darem conta que estavam ali. Mas isso não significava que os vampiros eram igualmente inconscientes do ser humano na sociedade. Os políticos eram cortejados, as doações feitas. Leis eram aprovadas, e os interesses antigos e a longo prazo eram protegidos.
Jabril era astuto e perspicaz, e sempre muito generoso com doações políticas nos lugares certos. Ninguém havia se oposto à tutela. Nem Serviços de Proteção à Criança, que tinham feito uma investigação rápida e não encontraram nada censurável em dar a um vampiro a custódia de duas meninas. E não o juiz que tinha realizado uma audiência privada - em seus aposentos, durante a noite - para o seu bom amigo, Jabril Karim.
Jabril foi cuidadoso o suficiente, e suficientemente paciente para esperar três anos, até Mirabelle completar dezoito anos. Três anos e um dia. Ele a transformou um dia após seu aniversário de dezoito anos. Tinha sido uma coisa feia, sua primeira e única experiência sexual. Brutal e superficial, feito tão friamente como quando um ladrão rouba uma relíquia de valor apenas pelo dinheiro que vai fazer. Ela havia estado doente por meses. Jabril tinha ficado furioso, temendo que ela não sobrevivesse. Não que ele se preocupasse com Mirabelle, mas se ela morresse antes de seu vigésimo quinto aniversário, o seu dinheiro seria perdido para sempre, passando não para Elizabeth, mas para o fundo de caridade Hawthorn, a única parte do dinheiro da família em que ele não podia tocar.
No fim das contas, tinha sido Liz quem a manteve viva. A perspectiva de deixar a irmã sozinha com um monstro tinha sido motivação suficiente para tirá-la da sua cama, determinada a ficar viva até que ela visse Liz longe do Senhor Jabril Karim e qualquer um como ele.
Hoje à noite, quando Jabril lhe disse que Liz estava desaparecida, a sua primeira esperança desesperada era que sua irmã tivesse finalmente escapado.
O próprio aniversário de 18 anos de Liz estava a apenas algumas semanas de distância, e não era segredo para ninguém que Jabril estava ansioso pelo dia em que ele poderia transformar a filha caçula dos seus velhos amigos e ganhar assim o controle total de seus bens. Ele não estava satisfeito com a quota de Mirabelle. Ele queria tudo. E desde que ele tinha estuprado Mirabelle, porque não Liz também? Mas Liz era mais forte do que Mirabelle e, aparentemente, ela conseguiu escapar. Mirabelle sentiu uma onda de grande orgulho por sua irmãzinha.
Passos ecoaram pelo corredor, e ela levantou a cabeça, escutando.
Alguém estava subindo a escadaria de mármore próxima à entrada da casa. Ela sentiu o cheiro distinto de sangue velho e fez uma careta. Com movimentos cuidadosos e concisos de quem tem prática, ela desligou o computador e guardou o material em seu esconderijo, fechou a porta da geladeira e colocou a gaveta falsa, na frente. Apenas alguns segundos depois, ela estava de pé, puxando um manto pesado sobre seu jeans e moletom. No momento em que um golpe superficial pressagiou a abertura de sua porta, ela estava sentada perto da janela, lendo um livro.
O olhar de Asim esquadrinhou o quarto inteiro antes de vir para descansar sobre ela. — Você sabe onde ela está? — Ele perguntou suavemente.
Asim tinha estado com Jabril por centenas de anos, um retentor geracional de família a quem Jabril tinha trazido como vampiro para atender suas próprias necessidades em evolução. Asim tratava de todos os detalhes que o vampiro pensava serem muito entediantes para se preocupar e foi o único dos lacaios de Jabril que continuou a tratar Mirabelle com bondade. Ele interveio em seu nome em mais de uma ocasião, salvando-a de castigos nas mãos de Jabril.
Houve momentos em que ela suspeitava que Asim se considerava seu protetor, quase um pai severo, ou talvez um tio.
Ela olhou para ele com uma expressão confusa. — Meu senhor? — Ele não era realmente seu senhor, só Jabril Karim merecia esse título, mas ela sabia que lhe agradava.
— Eu sei que isso é difícil para você, Mirabelle. Eu sei que você não entende seus caminhos, mas o que ele faz é necessário. Para você e para todos nós. A mulher da agência governamental vai estar aqui na próxima semana para a visita mensal. Elizabeth não estava aqui na última visita, ela deve estar aqui para esta. Jabril estará muito furioso se ela não estiver e eu não preciso dizer quem vai sofrer o impacto da sua ira.
Mirabelle estudou seu rosto, procurando qualquer indício de que ele estava jogando com ela. Ela queria, precisava acreditar que ele se preocupava com ela, que ela podia confiar, que ela não estava completamente sozinha. Ela baixou os olhos com um suspiro. — Eu não a vi, Asim. Honestamente. Ela não me disse nada sobre ir a qualquer lugar.
— Eu vejo. — Ele parecia quase desapontado e Mirabelle se sentiu envergonhada. Lágrimas encheram os seus olhos e ele desviou o olhar, aparentemente constrangido por ela estar chorando. — Melhor você ficar no seu quarto — disse ele, finalmente, caminhando até a porta. — Seu temperamento é incerto nesta noite e eu não quero que ele veja você desta maneira. — Deu-lhe um olhar triste e saiu, fechando a porta silenciosamente atrás dele.
Com a porta fechada, Mirabelle deixou que as lágrimas viessem, chorou por tudo que ela tinha perdido. Não só o seu avô e seus pais, mas os sonhos de uma garota adolescente – o seu primeiro namorado, o seu primeiro beijo, um marido, filhos. Toda a vida que ela nunca teria.
Capítulo 7
Jabril puxou o cabelo loiro da escrava, jogando a cabeça para trás e esticando sua garganta tensa, até que o contorno de sua jugular pudesse ser visto sob a pele delicada. Ele baixou a cabeça e cheirou, desfrutando do doce aroma do seu sangue e até mesmo do doce cheiro de seu terror. Ele esperou, saboreando o momento em que a escrava de cabelos escuros com a boca em seu pênis o trouxe para a beira do clímax, em seguida, cravou os dentes no pescoço da loira. Seu grito de dor o pôs duro novamente, e bebeu até que ela estava mole debaixo dele. Ele a deixou cair nos travesseiros a tremer convulsivamente no meio de um orgasmo desencadeado pelo elemento eufórico em sua saliva. Às vezes, ele não se preocupava em fazer a alimentação prazerosa para os escravos, mas às vezes ele fazia. A possibilidade as fazia muito mais ansiosas para agradar.
Ele se deitou de costas na cama, curtindo o fluxo de sangue fresco através de seu sistema, deixando a escrava de cabelos escuros terminar sua ansiosa ministraçâo oral. A porta se abriu e ele olhou para cima para ver Asim entrar no quarto, com as narinas queimando de fome ao sentir o cheiro de tanto sangue.
Ele caminhou até o pé da cama e parou, seus olhos estreitos avaliando o que tinha diante dos olhos, o seu mestre e as escravas bem utilizadas.
— Senhora Leighton retornou ao hotel — disse ele.
— Excelente. O que você achou dela, Asim? — Jabril passou a mão ao longo do quadril nu da loira, observando os olhos de seu ajudante se apertarem de fome quando a mulher se esfregou em Jabril com um gemido necessitado.
Asim trouxe seu olhar de volta para o vampiro com um movimento culpado. — Orgulhosa, masculina. Típica fêmea americana.
— Mas linda do mesmo jeito.
Asim encolheu os ombros com indiferença estudada. — Seu sangue é igual a qualquer outro.
— Talvez não — discordou Jabril. — Raphael a marcou como sua, você sabe.
— Eu não…
— Não, claro que não. Era muito sutil e antigo; eles estiveram separados por algumas semanas, eu imagino. Arrogante da parte de Raphael reivindicá-la e depois deixá-la. Ele pode achar um pouco de dificuldade para reivindicá-la novamente.
O olhar de Asim cresceu vagamente alarmado. — Você…
— Um pequeno toque. Porque ela é de Raphael e até isso vai enfurecê-lo.
— Fez uma pausa e deu a seu ajudante um olhar de soslaio. — Você já comeu?
— Não, mestre.
Jabril fingiu surpresa. — Bem, então. Esta ainda não foi usada hoje à noite. — Empurrou a escrava de cabelos escuros longe de seu pênis, agora flácido, ignorando os pequenos sons de protesto. O rosto de Asim se contraiu em ressentimento mal escondido, mas ele deu a Jabril uma pequena vênia antes de agarrar o braço da garota e arrastá-la para fora do quarto. Jabril sorriu levemente e olhou para a loira, correndo uma mão ausente por sua pele macia enquanto ele pensava sobre Cynthia Leighton. Ele suspeitava que Asim estava errado. O sangue da Sra. Leighton seria realmente doce.
Capítulo 8
Ela estava em uma varanda, um pedaço de lua era a única luz visível no céu de veludo negro. Na praia abaixo, o mar se mudava inquieto, invisível na escuridão. Braços fortes vieram à sua volta, puxando-a contra um peito sólido e espesso, envolvendo-a em um forte abraço. Ela se inclinou para trás, fechando os olhos para o alívio de sua doce presença, o conforto de seus braços. Os lábios dele alisaram o seu cabelo e permaneceram para sussurrar em seu ouvido.
— Onde você está, minha Cyn? Onde você foi?
— Eu estou aqui. Com você.
— Não. Diga meu nome, doce Cyn.
— Raphael — ela sussurrou.
— Tão longe lubimaya3. Onde você está?
Ela franziu o cenho para o seu insistente questionamento. Que tipo de sonho era esse, afinal? — Texas — disse ela, intrigada. — É isso que você quer?
Estou em Houston, Texas.
Seus braços se apertaram ao redor dela, como bandas de aço e sua respiração se esgotou em um chiado de som. — Por quê? Por que Texas?
— Um trabalho — ela retrucou, já irritada. Ela tentou afastar os braços, mas ele a segurou rapidamente.
— Cyn, que trabalho? Quem?
— O que quer dizer ‘quem?’, não é da sua conta, mas é para Jabril Karim.
Que diferença faz? — Ela aproveitou o momento para se afastar dele. — O que é isso? Se você vai assombrar os meus sonhos, eu gosto muito mais dos de sexo.
Seus braços a puxaram de volta, seu riso macio e sensual escoou em todo o comprimento do seu corpo. — Ah. Você sente a minha falta então, minha Cyn?
3 Lubimaya quer dizer amada em Russo.
Isso era muito cruel. Ela não estava gostando desse sonho de jeito nenhum. Ele só a deixou triste. — Deixe-me ir — ela sussurrou. — Apenas me deixe ir.
O travesseiro estava molhado quando o despertador do celular a arrancou do sono, mas ela se convenceu que não era nada mais do que o suor de uma noite agitada em um hotel estranho. Ela não tinha mais lágrimas para chorar por Raphael, não importava quantas vezes ele assombrasse seus sonhos.
Ela passou as mãos pelos cabelos, verificando as horas de relance. Era um pouco antes das oito da manhã. Um tempo perfeitamente abandonado por Deus para se estar acordada, mas esperava ver Ramona Hewitt esta manhã nos Serviços de Proteção à criança. Ela havia deixado uma mensagem na noite anterior, mas não iria esperar por uma chamada de retorno que poderia nunca vir. Em vez disso, ela iria lá e esperaria para falar com a mulher por alguns minutos. O que ela precisava não tomaria mais tempo do que isso.
Uma hora depois, as portas do elevador dos Serviços de Proteção à Criança se abriram e ela ouviu o choro de uma criança pequena que rapidamente se silenciou quando a mãe empurrou algo em sua boca com um olhar de culpa. Era culpa, porque a criança chorou? Ou porque a mãe estava usando doces para acalmá-lo, às nove horas da manhã? O ar do lugar estava pesado com o desespero, sufocando na sua espessura. Mas não havia nada que ela pudesse fazer por essas pessoas. Ela se concentrou em seu propósito e foi direto para a recepção, onde uma mulher assediadamente jovem estava no atendimento.
Cyn esperou até que a recepcionista tinha terminado a sua chamada. — Eu gostaria de ver Ramona Hewitt — ela disse.
— Ela está esperando por você? — A jovem tinha um sotaque distinto do Texas, não filtrado pela educação ou experiência.
— Não, mas só preciso…
— Você precisa de marcação. Posso…
— …de alguns minutos. Diga-lhe que é sobre Elizabeth Hawthorn.
A recepcionista apertou os lábios em irritação, então correu os olhos de cima a baixo pela aparência de Cyn - as calças de brim azul pálido, artisticamente desbotada e desgastada, o casaco de couro macio, corte de cabelo caro, limpo, arrumado… O dinheiro. A única coisa que os burocratas do governo tinham aprendido a respeitar. — Um momento. — Ela pegou o telefone, apertou alguns botões e falou para o receptor, virando-se e fazendo o seu melhor para impedir Cyn de ouvir. Quando ela se voltou, seu olhar de desaprovação tinha aumentado, mas ela deu um aceno.
— Mrs. Hewitt vai vê-la. — Ela não deu a sua opinião sobre o assunto e apontou para a esquerda. — Abaixo nesse corredor, primeira à esquerda, segunda à direita, o ultimo escritório à direita. — Ela falou rapidamente, em seguida, olhou para Cyn, desafiando-a a pedir esclarecimento. Cyn murmurou um obrigado, mas ela já tinha deixado de existir para a mulher jovem e atarefada quando o telefone voltou a tocar.
Ramona Hewitt olhou para cima quando Cyn bateu levemente na porta aberta. Ela era uma mulher negra com cerca de cinqüenta anos, com a pele lisa, perfeita, que seria exatamente a mesma quando ela tivesse oitenta. Cabelos longos, que tinham sido recolhidos em uma trança cruel e embrulhados em volta da cabeça para formar uma coroa grisalha sobre uma face que suportava as linhas de um sorriso fácil. Ela não estava sorrindo agora. Ela deu a Cyn o mesmo olhar de alto a baixo que a recepcionista e chegou à mesma conclusão pouco lisonjeira. — Você não pode estar relacionada4, eu sei todas as suas relações e não há muitas, nenhuma delas que valha a pena, deixando essas meninas da forma que estão.
— Sra. Hewitt — Cynthia disse em sua voz mais educada e profissional.
— Meu nome é Cynthia Leighton. Sou investigadora particular…
— Investigadora? Você está cerca de oito anos atrasada, não acha?
Cyn parou, confusa. — Fui contratada por Jabril…
— Eu não tenho nada a dizer para você, então. — Hewitt já estava se afastando, folheando uma pasta grossa que se encontrava na sua mesa.
— Sabia que Elizabeth fugiu? — Cyn interrompeu. Hewitt fechou a pasta e olhou para ela. Bem, isso chamou a atenção dela, Cyn pensou.
A assistente social fez uma careta. — Eu não posso acreditar nisso. Lizzie teria me chamado.
— É por isso que estou aqui. Foi-me dito que se ela falasse com alguém, seria com você. E eu quero encontrá-la.
Hewitt bufou de desgosto. — Por que, porque assim você pode devolvê-la para o maldito vampiro? — Não foi uma maldição do jeito que Hewitt o disse, era apenas a verdade literal.
— Não. Quer você acredite ou não, eu quero ajudá-la. A ela e à sua irmã, Mirabelle. — Cyn tirou um cartão de sua mochila. Era um cartão de visita para a casa de Jessica, um abrigo para adolescentes em LA dirigida por Lúcia Shinn, uma das poucas amigas próximas de Cyn. Cyn rabiscou o nome de Luci e número pessoal, bem como o seu número particular, antes de entregá-lo à assistente social. — Antes de você decidir que eu sou um dos caras maus, você pode dar a uma chamada para esta pessoa. Se, depois de falar com ela, você decidir que eu poderia fazer algo de bom, meu celular está no cartão e está sempre ligado. Eu estarei em Houston, até que este caso me leve para outro lugar. — Virou-se para sair, mas a voz da Hewitt a parou.
4 No sentido de ser da família, ou de ter qualquer relação assim.
— Como está Mirabelle?
Cyn fez uma pausa, voltando-se. — Nada boa. Mas eu vou tirá-la de lá também. — Ela não esperou por uma resposta. Ela não precisava de uma. Não havia dúvidas em sua mente sobre o que precisava ser feito. Seria mais fácil com a ajuda de Hewitt, mas ela o faria sem ela, se ela tivesse que fazer.
Capítulo 9
The Children’s Museum5 de Houston foi fácil de encontrar. Afinal de contas, quantos edifícios existiam por aqui com pilares gigantes amarelos e um sinal com letras enormes em rosa soletrando “museu” na frente? Sem mencionar as gangues itinerantes de crianças gritando, que claramente já tinham subjugado seus acompanhantes e estavam agora planejando um golpe de algum tipo. Cyn encostou-se a um edifício adjacente, bem atrás da multidão, e usou a vantagem de sua altura de um metro e oitenta para procurar na área por Kelly. Ela poderia ver porque a garota queria se encontrar aqui. Haviam tantas pessoas, e muitas delas eram crianças, que uma garota pequena como Kelly poderia ser facilmente confundida com um dos garotos mais velhos. Cyn avistou-a, ela se encontrava detrás de um grande pilar, seus muitos brincos brilharam ao sol quando ela espiou para buscar por Cyn. Cyn se firmou contra a investida das crianças e se dirigiu à praça, atravessando os revolucionários em potencial para chegar ao lado de Kelly.
— Hey!
O rosto de Kelly se iluminou, embora seus olhos varressem a área ao seu redor como se estivessem vendo se Cyn estava sozinha. — Oi — ela retornou.
— Vamos para dentro. Vamos fingir que você é minha mãe. Ela deu a Cyn aquele sorriso perverso novamente.
— Legal. Você tem o quê, dezenove anos?
— Vinte mês que vem.
— Sim, bem eu não sou velha o suficiente para ser sua mãe. Por que estamos aqui?
— É barulhento e há sempre muita gente, além disso a rua Montrose é perto daqui e um monte de crianças de lá anda por aqui, especialmente nas noites de quinta-feira. Famílias entram de graça e é muito fácil escorregar para dentro. Enfim, ninguém vai olhar duas vezes para uma mãe solteira e a sua filha.
5 Museu para crianças.
Cyn comprou os bilhetes e cutucou Kelly em direção à porta. — Eu não quero ser uma mãe solteira. Por que não posso ter um marido rico em vez disso?
— Eu não sei. Você parece uma mãe solteira para mim, como se você estivesse livre, você sabe? À procura de alguém.
Ótimo. — Então, desde quando você trabalha para Jabril? — Cyn perguntou, mudando de assunto.
— Quase dois anos. Desde que eu completei dezoito anos. Uma amiga da minha mãe me arranjou o trabalho. É meio assustador com todos aqueles caras mortos dormindo o dia todo e as horas são estranhas, mas tudo bem.
— Eu não acho que eles estão realmente mortos — comentou Cyn. — Então o que faz por lá? — Ela começou a levantar os óculos de sol quando elas entraram, mas deixou-os cair de volta quando ela viu as cores fortes estampadas em todas as superfícies à vista.
— Limpeza, você sabe. Espanar, limpar, polir a prata — seus olhos rolaram em desgosto. — Apesar de tudo, pagam bem.
— Você trabalha na casa principal ou apenas na casa dos empregados?
— Às vezes, trabalho na casa principal. Durante o dia. Ninguém é permitido lá após escurecer. Não queremos aborrecer os grandes vampiros maus por serem forçados a olhar para um simples ser humano, certo? A não ser que você seja uma das louras, de qualquer maneira.
— Louras?
— Assim é como chamamos as escravas de sangue que Jabril mantém em seu covil no porão. Não há uma única célula no cérebro delas, embora o que lhes falta em neurônios, elas compensam com silicone. Aqueles seios não podem ser reais.
Cyn sufocou uma risada. Isso era muito bonito, o que ela esperava de Jabril e sua laia. — Então, existe algum lugar onde possamos, pelo menos, nos sentar? Estou me sentindo como um gigante entre os liliputianos6 aqui.
— Há um café. É na maior parte comida para crianças, mas eles têm café do Starbuck’s.
— Existe um Deus! Mostre o caminho, criança.
6 De Liliput, terra imaginária habitada por pessoas de minúscula estatura. (Do romance Viagens de Gulliver, do escritor inglês Swift.)
Cyn conseguiu achar uma das poucas mesas de tamanho adulto no café e fez Kelly guardá-la, enquanto ela foi em busca de café. Não era um verdadeiro Starbuck’s, mas serviria.
— Então. — Ela deslizou para o assento do outro lado da mesa e passou a Kelly um frappuccino de chocolate. — O que você sabe?
Kelly lambeu o chantilly de seu lábio superior, antes de dizer: — Como eu disse, Liz costumava sair durante o dia. Sua tutora era incompetente e, além disso, ela só vinha duas vezes por semana. Há um guarda que sempre olhava para o lado e a deixava sair, e um par de outros que eram assim-assim. — Ela rodou a mão, palma para baixo. — Eles meio que sentiam pena de Liz, sendo uma criança com todos aqueles caras velhos. E, você sabe, vampiros e tudo.
— Eles não se preocuparam, se ela iria ou não voltar? Quero dizer Jabril não me parece ser um empregador compreensivo.
— Huh, você tem razão. Mas eles sabiam que Liz voltaria porque a irmã estava lá. Além disso… — Ela encolheu os ombros. — Liz não lhes faria isso, colocá-los em problemas como esse.
— Então o que ela fazia quando saía?
— Vinha para cá, principalmente.
— Neste museu? — Cyn olhou em volta. Se Liz tinha o hábito de ficar por aqui, ela poderia muito bem, estar ali naquele momento.
— Não, não exatamente aqui. Apenas você sabe, aqui. A área dos museus e Montrose, com as outras crianças. Bem, e Jamie.
— Ah, sim, Jamie. O que você pode me dizer sobre ele?
— O que há para dizer? A mãe dele é uma drogada, o pai está desaparecido, ou morto, quem sabe? Quem se importa? Jamie foi abandonado a alguns anos atrás, quando ele fez dezesseis anos, está nas ruas desde então. Ele passa uma noite aqui, uma noite lá. Abrigos diferentes, em convívios. Você sabe, como as outras crianças fazem. Liz lhe dava dinheiro para comprar comida, às vezes um motel. Eles estavam bastante ligados um ao outro.
— Então, você acha que Liz está com Jamie?
— Talvez — disse ela, evitando o olhar de Cyn.
Cyn suspirou. — Olha, Kelly, alguém precisa encontrá-la antes que Jabril o faça. Seria bom se essa pessoa fosse eu, porque eu quero ajudá-la.
— Ele tem outra pessoa procurando, você sabe.
Cyn olhou para ela com curiosidade. — Você quer dizer Jabril?
— Sim. Um cara apareceu fazendo perguntas um dia antes de você. Cara velho, cheirava a charutos. — Ela fez uma careta. — Está chateada?
— Honestamente? Eu deduzi que assim fosse. Jabril tem negócios antigos com alguém para quem eu fiz alguns trabalhos há algum tempo. Eu acho que ele está tentando ferrar com esse cara um pouco. Não vai funcionar, mas Jabril não sabe disso. Ele também não sabe que quando eu encontrar Liz – e eu irei - eu não vou trazê-la de volta para o Fodido Lorde Jabril. Nós vamos para algum lugar seguro, talvez com uma bela vista e um spa deslumbrante, comemorar o seu décimo oitavo aniversário em grande estilo. E então eu vou fazer questão de ter certeza que ela tenha uma palavra a dizer no seu futuro.
— Isso seria bom — Kelly sussurrou. — Mas ele vai descontar sobre sua irmã, você sabe. Mirabelle.
Cyn deu um suspiro muito vulgar. — Garota, você não conhece a sua mãe muito bem. — Ela bebeu o seu café, balançou as longas pernas em volta e ficou em pé. — Então, onde posso encontrar Jamie?
Kelly levantou-se. — Ela não está com Jamie.
Cyn deu a Kelly um olhar duro. — Onde ela está?
A menina deu um sorriso torto para Cyn. — Ela está em L.A.
Capítulo 10
— Maldição. — Cyn se inclinou para trás na cadeira, sacudindo a cabeça.
— Sim, muito estranho, né?
— Não é a palavra que me vem à mente, não. Como?
— Ela vinha planejando isso há algum tempo. Você sabe, juntar dinheiro e essa merda. Ela tem uma identidade falsa que mostra que ela tem dezoito para que ela possa pegar um avião. Mais duas semanas e ela nem sequer vai precisar mais disso.
— Por quê L.A?
Kelly encolheu os ombros. — Por que não? É meio como o Texas, certo?
— Realmente não.
— Bem, mas eu quero dizer, é ensolarado e tudo, e todos sabem que as pessoas são muito descontraídas por lá, então ela achava que seria mais fácil.
Você sabe, conseguir um emprego, conseguir um lugar.
— Jamie foi com ela?
— Nah, eles tiveram uma grande briga por causa disso. Ele queria que ela ficasse aqui, mas Liz estava totalmente decidida em sair do Texas. Quero dizer foi este o estado que a deu para Jabril em primeiro lugar, então por que ela ficaria?
— Por que Jamie não quis ir com ela?
— A mãe dele. Ele a vê de vez em quando e ele tem uma irmã que mora com sua tia. Eu acho que ele se sente responsável.
— Então, Liz está sozinha lá fora. Você pode entrar em contato com ela?
— Ela verifica este site que usamos, mas… — Sua voz se extinguiu e seu olhar inquieto voou para longe.
— Mas?
— Eu não tenho notícias dela. Quero dizer, só se passaram alguns dias, ela deixou uma mensagem no primeiro dia, mas desde então, não sei de nada dela.
— Perfeito. Um bom planejamento. — Cyn esfregou os olhos cansados, tentando não olhar para Kelly, tentando não imaginar todas as coisas que poderiam acontecer com uma garota de dezessete anos, sozinha em L.A. — Tudo bem, ouça…— Ela parou quando seu telefone tocou, então franziu o cenho para o visor. Era um número local, e não um que ela conhecia. Por outro lado, definitivamente não era uma chamada dos vampiros. Ela atendeu — Leighton.
— Senhora Leighton, aqui é Ramona Hewitt. Podemos nos encontrar?
Os olhos de Cyn se arregalaram de surpresa. Não tinha demorado muito.
— Claro — disse a Hewitt. — Diga a hora e o lugar, de preferência antes de escurecer.
Hewitt fez um som mudo de entendimento. — Onde você está ficando?
— No Four Seasons.
— Bem, bem. Certo. Eles têm um bar. Você pode pagar a uma funcionária pública uma bebida bem merecida.
— Que horas?
— Vamos marcar para as quatro e meia. O sol se põe cedo nesta época do ano.
— Lá estarei — Cyn disse. Hewitt desligou o telefone sem despedir-se, assim Cyn fechou o telefone e voltou-se para Kelly. — Onde eu estava?
— Você estava prestes a elogiar a mim e a Liz pelo nosso planejamento incrível.
— Algo do gênero, mas o que está feito, está feito. Se você souber de Liz, você me chama de imediato, sacou? Eu vou te dar o número do meu celular. — Ela cavou na mochila e tirou um dos seus próprios cartões de visita, escrevendo no verso antes de entregá-lo. — Se alguém perguntar, você diz a eles que eu lhe dei quando eu estava na propriedade. No caso de você pensar em qualquer coisa que pudesse me ajudar, certo? Você diz para Liz me ligar, ou me dar um número onde eu possa chamá-la. Será que ela vai acreditar em você se você lhe disser que está tudo bem, que ela pode confiar em mim?
— Provavelmente. Sim, eu penso assim.
— Tudo bem, mas se não, dê-lhe esse endereço. — Ela indicou o endereço da casa de Jessica que ela tinha escrito na parte traseira. — O número de telefone de lá, também. É um abrigo para adolescentes no lado oeste de Los Angeles, dirigida por alguém de confiança. Se Liz precisar de uma carona para chegar lá, eles vão cuidar disso.
— O que você vai fazer agora?
— Esse telefonema era da assistente social de Liz. Todos parecem concordar que Liz confiava nela, então, eu espero que ela saiba de algo que me possa ajudar. Depois disso, eu preciso descobrir uma maneira de colocar Mirabelle em um avião comigo de volta para a Califórnia, e então irei encontrar a sua amiga Liz.
Os olhos de Kelly ficaram grandes como pires. — Ele nunca vai deixá-la ir. Não Mirabelle. Mesmo se Liz ficar afastada, ele já tem Mirabelle e seu dinheiro. Você não sabe como ele é, o que ele vai fazer com ela.
— Na verdade, eu tenho uma idéia muito boa, mas eu vou descobrir alguma coisa. Eu não posso simplesmente abandoná-la.
Kelli estava olhando para ela como se lhe tivesse crescido outra cabeça.
— Por que ele te chamou? Quero dizer, você com certeza não parece gostar de vampiros, então por quê você?
Cyn se levantou, sua mente já estava trabalhando no problema da Mirabelle. — Como eu disse antes — disse ela distraidamente. — Ele pensou que poderia usar-me para se vingar de alguém. Infelizmente, esse alguém não está nem aí, por isso não vai funcionar do jeito que ele esperava.
— Um namorado, hein?
— Não! — Cyn se focou na menina, surpresa. — Por que você diz isso?
— Bem, eu posso dizer — disse ela, satisfeita. — É uma coisa de namorados.
— Tanto faz. Ouça, você tem um celular, certo?
— Claro.
— Dê-me o seu número. — Ela empurrou a caneta e cavou outro cartão, observando quando a menina escreveu o seu nome e número em uma letra infantil, depois pegou o cartão de volta e leu. — Ótimo. Eu tenho que ir. Você vai ficar bem?
— Nenhum problema. Vou me encontrar com alguns amigos depois.
— E você vai me ligar se souber alguma coisa?
— Sim.
— Tudo bem. Eu não sei quanto tempo vou estar em Houston, mas pode chegar a mim no meu celular, sempre. — Ela pendurou a mochila no ombro e deu uma última olhada em Kelly. — Obrigada por tudo, Kelly.
Kelly corou e abaixou a cabeça. — Sim, está tudo certo.
— Você me faz uma mãe orgulhosa. — Ela sorriu. — Falo com você depois.
Ela correu para fora do museu, imaginando se ela tinha tempo suficiente para voltar ao hotel, para seu encontro com Ramona Hewitt.
Capítulo 11
Ramona Hewitt já ocupava uma mesa quando Cyn chegou. Ela tinha demorado mais do que esperava, porque, ao contrário do que a maioria das pessoas pensava acerca do Texas, Houston era uma cidade grande e com muito tráfego.
Hewitt parecia desgastada. Seu terno azul estava amassado e algumas mechas de cabelo escapavam do seu confinamento rígido. Um copo de uísque estava na mesa, à sua frente.
— Eu espero que você não tenha pago. — Cyn disse, puxando uma cadeira para se sentar.
— Ainda não.
— Bom. — Cyn sinalizou para o garçom, que a atendeu após entregar o pedido da mesa do lado.
— O que vos posso servir, senhoras?
Cyn geralmente não bebia, mas hoje ela faria uma exceção. — Eu quero um Absolut com gelo e um par de azeitonas e… — Ela olhou para Hewitt, mas a assistente social abanou a cabeça. Cyn apontou para o uísque. — Coloque-o na minha conta e gostaria de mantê-la aberta. Ah, e algo para comer, talvez… — Ela agarrou num menu e o leu rapidamente, fazendo uma careta com as escolhas.
— Far Eastern Bites, eu acho, o que quer que seja. — O garçom assentiu e saiu, parando em outra mesa no caminho.
— Está movimentado — comentou Cyn.
— É sexta-feira — disse Hewitt. — Algumas pessoas gostam de começar o seu fim de semana mais cedo. — Ela tomou um gole de uísque e Cyn notou que ela o estava tomando puro. Uma verdadeira apreciadora de uísque, Cyn estava surpresa. Hewitt parecia mais o tipo que bebia xerez7.
— Então, por que você não me disse que foi co-fundadora da Casa de Jessica? — Disse Hewitt.
7 É um tipo de vinho fortificado, licoroso típico da Espanha, envelhecido no sistema de soleira. Seu nome é derivado da região onde é elaborado, Xerez da Fronteira, em castelhano Jerez de la Frontera.
Cyn encolheu os ombros. — Porque eu não fui. Esse é o bebê de Luci, não o meu. Ela fez todo o trabalho. Tudo que fiz foi assinar um cheque.
— Um dos grandes.
— Não maior do que o de Luci. Ela tinha esse sonho, quando estávamos na faculdade, criar um lugar onde as crianças em fuga poderiam se sentir seguras. Mais como uma obsessão, na verdade. Ela sempre falava disso. Eu não era tão dedicada, mas eu acreditava em Luci e no que ela estava fazendo. Não sou do tipo sociável, por isso, peguei o caminho mais fácil, assinando um cheque.
— E se tornou uma investigadora particular.
— Bem — Cyn sorriu levemente. — Primeiro eu fui da polícia. Luci provavelmente lhe disse. O fiz principalmente para irritar o meu pai, mas eu gostei por um tempo.
— Mas não por muito tempo.
— Não. Não por muito tempo. Como eu disse, eu não sou uma pessoa sociável. Eu trabalho melhor sozinha.
O garçom chegou com sua bebida e a promessa de que a comida já estava vindo. Cyn esperou ele sair e, em seguida, tomou um longo gole de vodka, sentindo que este suavizava as tensões resultantes do cansativo dia ao sentir o calor gostoso deslizar por todo o seu corpo. — Então. Você ligou.
— Eu liguei — disse Hewitt. — Quanto você sabe sobre Jabril Karim?
— Mais do que a maioria, menos do que alguns, eu suponho. Eu sei sobre vampiros, como eles trabalham em geral e a sua hierarquia. Jabril tem poder real dentro da sociedade, tanto pessoalmente como politicamente. Eu não o subestimaria. Mas, quanto às duas irmãs, Mirabelle e Elizabeth? Eu só sei o que me disseram, o que não é muito. Eu posso dizer sem dúvida que Mirabelle é uma prisioneira, que Jabril quer o dinheiro dela, nada mais. Quanto à herança Hawthorn, é uma questão de registro público, e eu suponho que também há bens particulares. O que eu não sei é como ele conseguiu ficar com ela, em primeiro lugar. Ele também afirma ser o tutor legal de Liz, isso é verdade?
— Sim, é. — A mandíbula de Hewitt se apertou com raiva. — Você pode não acreditar, mas eu tentei impedir que isso acontecesse. Eu era a assistente principal desse caso, e eu recomendei vivamente contra a concessão da guarda das duas meninas. Elas eram apenas crianças. Quinze e dez anos. Que tipo de sistema entrega crianças para um monstro como aquele? Eu não entendia na época, e ainda não entendo. Mesmo depois do que ele fez com Mirabelle, claro como o dia, ninguém deu um pio. — Ela se inclinou sobre a mesa, um dedo pressionado na madeira laqueada para dar ênfase. — É dinheiro, é o que é.
Todo o sistema está comprado. Um cara esperto como Jabril - posso não gostar dele, mas ele é astuto como uma serpente - um homem como ele, sabe onde colocar o seu dinheiro para fazer o melhor. Essas meninas nunca tiveram uma chance.
— Elas não têm um familiar? Alguém com uma reivindicação melhor?
— Uma meia-irmã, em algum lugar no Maine, do primeiro casamento do pai. Houve muita amargura no divórcio e ela era um pouco mais velha que as meninas. Entrei em contato com ela, mas ela não estava realmente interessada.
Você teria pensado que o dinheiro por si só poderia trazê-la, mas não. Ela tinha o suficiente, eu acho. Ou talvez ela é uma das únicas pessoas na Terra que não se preocupam com dinheiro, eu não sei. Eu recomendei assistência social. Por todos os problemas, teria sido preferível. Mas, acho que o juiz não viu o meu relatório. Minha ex-supervisora tomou o caso e acabou que a audiência foi realizada em privado, para proteger a privacidade das crianças, disseram eles.
— Ela bufou. — Para manter maldita coisa em segredo, isto sim. Eles entregaram as meninas e nunca mais olharam para trás. O Juiz se aposentou um ano depois, recebeu uma pensão gorda e uma casa de férias nas Bahamas.
Minha supervisora? Ela conseguiu um emprego novo e brilhante no gabinete do prefeito. Comprado e pago, eu digo.
— Qual é o negócio com o dinheiro? Os pais devem ter algum outro tipo de fundo menor, além da herança. Você não pode entregar todo esse dinheiro para as crianças.
— Não, na verdade, os pais eram inteligentes. Eu acho que eles pensaram que Jabril Karim não meteria o nariz, eles fizeram o que podiam. O fundo cuida de cada garota até os dezoito anos; elas ficam com a totalidade da receita até então, mas não podem tocar no dinheiro principal. Aos dezoito anos, cada uma delas, herda cinquenta por cento. No caso de Mirabelle, isso coloca todos os seus bens à disposição de Jabril, sendo que os vampiros são controlados por quem os cria. — Cyn acenou com a cabeça e Hewitt continuou. — Os pais colocaram uma pequena condição, algo para ajudar as meninas a crescerem um pouco antes de começarem a tomar suas próprias decisões. Se uma delas morrer antes dos 25, sua parte da herança vai direto para a fundação de caridade da família. Nenhum outro herdeiro pode ser nomeado, nem mesmo a irmã sobrevivente.
— Esta é provavelmente a única razão de Mirabelle ainda estar viva.
— Se você puder chamá-la de viva. A lei o faz, então, eu acho que isso é o que importa, mas o que ele fez com aquela menina é um crime. Um óbvio crime.
— E Liz fugiu porque Jabril pretende fazer a mesma coisa com ela uma vez que ela complete os dezoito?
— É isso mesmo. Ah, ele vai afirmar que foi a sua escolha, exatamente como ele fez com Mirabelle, mas não será. Se há uma coisa que eu sei ao certo é que Elizabeth Hawthorn não quer ter nada a ver com Jabril Karim ou qualquer outro vampiro. Ela é uma mulher perfeitamente adorável, uma jovem que quer crescer, casar e ter filhos, como qualquer outra garota americana.
Cyn teve que sorrir, imaginando o que pensaria Hewitt das escolhas que ela fez em sua vida. — Isso é… — Ela parou quando o garçom apareceu novamente e deslizou um prato de petiscos asiáticos em sua mesa, junto com guardanapos e talheres.
— Mais uma bebida? — Ele acenou com a cabeça, mostrando o copo quase vazio de Cyn.
— Não para mim. — Ela olhou novamente para o copo de Hewitt. — Outro uísque? Ou algo mais?
— Eu tenho que dirigir para casa — disse Hewitt, com pesar, sacudindo a cabeça. — Vou ficar por este.
— Então, é só. — Cyn disse ao garçom. Ele foi embora, tecendo seu caminho através da multidão que tinha ficado ainda mais espessa enquanto elas estavam sentadas falando. Colocando o que ela esperava que fosse um pedaço de ovo em sua boca, Cyn mastigou pensativamente, então disse: — Ok, o que você me disse até agora é basicamente o que eu esperava. Mas o que eu realmente gostaria de saber é se você tem alguma ideia de como posso conseguir afastar Mirabelle dele, mesmo que, por apenas um par de horas.
Tempo suficiente para levá-la de avião para fora do Texas.
Hewitt ficou ainda mais chocada do que Kelly. — Esta não é uma criatura para se enfrentar de ânimo leve, Sra. Leighton.
— Cynthia — Cyn sugeriu. — Ou Cyn.
— Cynthia — Hewitt corrigiu. — Eu imagino que Jabril seja realmente cruel com quem se atravessa no seu caminho. Muitos dos seus concorrentes, têm sofrido contratempos ao longo dos anos. Ele está nesta área já à algum tempo, e pelo que entendi, ele teve que mudar um pouco os seus hábitos, mas se eu fosse você, não contaria com a sua civilidade. Os modos graciosos são apenas superficiais.
— Eu acredito em você, mas eu tenho meus próprios recursos. Se eu puder tirá-la do território de Jabril, as opções dele serão limitadas e uma vez que atingirmos as Montanhas Rochosas, suas mãos estarão praticamente atadas. Vampiros são ferozmente territoriais, e o chefe do oeste, é mais do que a maioria.
— Receio que não possa ajudá-la lá, mas, e sobre Elizabeth? Se você deixar o Texas…
— Liz está na Califórnia.
— Na Califórnia? Mas como..
— Uma amiga dela. Alguma chance de Liz entrar em contato com Mirabelle?
— Eu não sei como. Você viu como funcionam as coisas na propriedade.
Eu mesma tentei ver Mirabelle um par de vezes e fui dispensada. Eles nem sequer lhe deram o recado, me disseram que ela não queria ver ninguém. Claro que não acreditei, mas, uma vez que ela tinha mais de dezoito anos, eu não tinha jurisdição.
O garçom deixou cair a conta na mesa delas com um murmúrio — Quando estiverem prontas. — Cyn olhou-a rapidamente e escreveu o número do quarto dela, para ser cobrada lá.
— Eu vou pensar em alguma coisa — disse ela. — Mais alguma coisa que me possa dizer?
— Além de ter cuidado? — Hewitt sacudiu a cabeça e começou a juntar suas coisas para sair. — Elas são boas meninas, ambas. E seus pais eram pessoas boas e tementes a Deus. Elas merecem mais do que a vida lhes deu.
— Não merecemos todos? — Cyn pegou um par de coisas e se levantou.
Houve uma mudança imediata no fluxo humano da sala, enquanto as pessoas se posicionaram para pegar sua mesa. — Provavelmente não falaremos novamente até eu chegar a Los Angeles, mas depois disso, vou tentar mantê-la atualizada. Se acontecer alguma coisa por aqui, você vai me ligar?
— Eu vou. — Hewitt se levantou e ofereceu sua mão em um aperto firme, mas amigável. — Eu lhe desejo sorte, Cynthia. Vou fazer uma oração por você e pelas meninas.
Cyn assistiu Hewitt marchando pelo saguão em direção às portas da frente e a viu vestir um casaco marrom por cima de sua roupa azul. Ela esperou até que o manobrista trouxe o carro e Hewitt estava em seu caminho, e então ela virou-se e se dirigiu para o elevador. Ela tinha uma idéia para tirar Mirabelle das garras de Jabril, mas ela precisava ser muito mais cuidadosa do que ela estava sendo no momento. Ela estava cansada. Precisava de um monte de café e de um banho quente. Mas primeiro, ela teria que telefonar a um vampiro.
Capítulo 12
Faltava um par de horas para o pôr do sol. Cyn passou o tempo fazendo anotações em um catálogo de páginas amarelas, tentando pensar em tudo o que precisaria para os próximos tempos. Quando finalmente chegou a hora de fazer a chamada, as mãos tremiam de tal maneira que era difícil marcar os números.
Mas ela precisava de respostas e aquele era o único lugar onde ela poderia obtê-las. Ela ficou um pouco aliviada quando ouviu a voz feminina impessoal do outro lado.
— Empresas Raphael.
— Duncan, por favor.
— Posso saber com quem estou a falar?
Ela pensou em mentir, mas era Duncan, o cara número um de Raphael, seu tenente e conselheiro mais próximo. Ele provavelmente não atenderia o telefonema de um desconhecido, então ela disse a verdade. — Cynthia Leighton.
— Um momento. — A mulher disse um pouco rápido demais, como se esperasse seu telefonema. O estômago de Cyn estava saltando com os nervos, enquanto ela esperava, com medo de ouvir certa voz doce do outro lado da linha. Mas foi o sempre tão educado Duncan quem atendeu o telefonema.
— Senhora Leighton, que prazer falar contigo.
Havia um tom de sinceridade em sua voz e Cyn realmente acreditou no que ele disse. Isso lhe trouxe um pressão de lágrimas aos olhos, mas ela empurrou a emoção para longe, com raiva. — Duncan. Obrigado por falar comigo.
— Mas é claro. Por que não iria? — Mais uma vez, o seu espanto era genuíno, mas como isso apenas confundiu Cyn, ela o ignorou e avançou com a razão daquele telefonema.
— Eu tenho algumas perguntas. Perguntas estas, que você pode não querer responder, mas eu realmente preciso das informações. É uma questão de vida ou morte, e eu digo isso literalmente.
— Você está em perigo? — perguntou ele rapidamente.
— Não, não. Bem, não mais que o normal. Você me conhece. — brincou ela sem jeito, então, ficou séria. — Se uma vampira jovem, digamos que tenha renascido { cinco anos… — Ela usou o próprio termo vampiro para a transição.
—…tentar deixar o território do seu Senhor, ele vai sentir isto? Será que ele saberá? — Ela quase podia sentir a careta que Duncan fazia enquanto ouvia.
— Que idade tem esta jovem vampira? A idade a partir do nascimento.
— Agora tem vinte e três, mas quando foi transformada, tinha apenas dezoito anos.
— Jabril Karim — disse ele severamente. — De onde você está ligando, Sra. Leighton?
— Por que todo mundo fica me perguntando isso? Eu tenho um emprego, Duncan. As pessoas me contratam e eu vou onde o trabalho me leva.
— Senhora Leighton…
Ela podia ouvir a hesitação em sua voz, ouvir as engrenagens girando. — Se Raphael pegar o telefone eu vou desligar, Duncan. Estou falando sério.
— Você me coloca em uma posição difícil. — Suspirou. — Por que não estou surpreso? Estou certo? Você está no Texas? Diga-me.
— Sim — admitiu ela.
— Eu não sei o que lhe deu para fazer um acordo com esse aí, mas isso já não importa. Você precisa sair daí o mais rapidamente possível. Não acredito que você entenda o que está em jogo.
— Quer saber Duncan, esqueça. Lamento ter ligado. O que há com vocês?
Ótimo, eu transei com Raphael um par de vezes. Mas foi ele quem se afastou.
Não eu. Isso não dá a ele, ou a qualquer um de vocês, o direito de ditar o resto da minha vida. Vou…
— Senhora Leighton…
— …para onde eu quiser…
— Cynthia!
Cyn parou, puxando uma respiração profunda. — Você vai responder ao caralho da pergunta ou não? Há mais em jogo aqui do que o pau de Raphael.
Duncan sufocou uma risada. — Tenho saudades tuas, Cynthia. Contra todas as probabilidades, eu tenho saudades. Muito bem. Novamente, eu aconselho que você deixe imediatamente o Texas, mas… — Ele anulou o protesto em expansão. — Mas, a jovem em questão – e não me ofenda, negando isso - tem estado sob a influência de Jabril há já algum tempo, desde tenra idade e os métodos de Jabril não são amáveis. Se ele souber que ela está partindo, ele irá fazer de tudo para detê-la, independentemente do que isso fará a ela, seja físico ou não. Não espere a sua ajuda nisso, Cynthia. Ela não poderá lhe dar, mesmo que queira. Ela vai lutar com você.
— E se eu fizer isso durante o dia?
— Isso seria o melhor. Ela é jovem e o sol a atinge muito mais forte. Mas Jabril nunca irá libertá-la.
— Deixa isso comigo. Uma vez que sairmos do seu território, o poder que ele tem sobre ela irá enfraquecer?
— Certamente, ele irá se enfraquecer. Mas não vai desaparecer, não até que seja substituído por um poder mais forte.
Ela podia ouvir a satisfação em sua voz. — Merda.
— De fato.
— Posso drogá-la? Será que alguma coisa funciona?
— Não. O vírus vai limpar tudo do seu sistema, nem dará tempo de fazer efeito. Você deve…
Ele parou no meio da frase, e Cyn podia ouvir uma voz profunda e sedosa, no fundo. Seu coração saltou e de repente estava difícil respirar.
— Meu senhor… — Ouviu Duncan começar. Ela não ouviu mais.
— Adeus, Duncan. — Ela desligou. Seu celular tocou quase imediatamente, mas Cyn não atendeu. Ela estava tentada a desligá-lo, mas ficou com medo de perder uma ligação de Kelly, ou até mesmo de Liz. Então, ela mudou-o para vibrar e assistiu ele dançar em volta da mesa algumas vezes, seus olhos nunca deixando o visor até que as chamadas foram desviadas para o correio de voz. Finalmente, ele ficou em silêncio. Ela eliminou as mensagens sem sequer as ouvir.
Capítulo 13
Levou várias horas e muitos telefonemas, mas Cyn finalmente encontrou uma empresa na área de Houston que tinha o equipamento e os serviços necessários para o que ela tinha planejado. Depois disso, ela tomou um banho merecido, ficando debaixo da água quente até que a pele estava rosa brilhante, numa vã tentativa de convencer seus músculos a relaxarem. Finalmente desistindo disso, ela se envolveu em uma das toalhas felpudas do hotel e secou o cabelo, em seguida, puxou a bolsa de maquilagem que sempre estava em sua mala, mas que raramente usava. Ela não exagerou, aplicando apenas o suficiente para mostrar o verde de seus olhos e a borda afiada de suas maçãs do rosto. Suas roupas foram escolhidas com igual cuidado, querendo não o conforto, mas o impacto. A saia curta de couro preta que se agarrava às coxas dela e mostrava a curva de seu traseiro firme. Ela havia trabalhado duro para mantê-lo assim e não haveria mal em usá-lo para seu próprio benefício. Ela acrescentou uma blusa de seda azul-turquesa escura, com um decote drapeado, que mostrava uma boa quantidade de pele. Não o suficiente para parecer sacanagem, mas o suficiente para ser casualmente provocante. Seu coldre de ombros era um estranho encaixe para fazer conjunto com o tecido sedoso, mas ela o colocou de qualquer maneira. Ela não chegaria perto de Jabril Karim sem a sua arma.
Suas botas de couro ficaram muito bem, seus saltos altos acentuavam o longo comprimento de suas pernas sob a saia curta. Ela vestiu um casaco de couro por cima de tudo, seus dedos encontrando automaticamente o metal frio do canivete no fundo de um bolso. Armas eram ótimas, mas os vampiros eram rápidos, e se ela necessitasse de algo às pressas… Bem, era sempre bom ter um backup. Tudo o resto foi para a mala pequena. Ela deu um último olhar ao redor do quarto. Com a mala pequena pendurada sobre um dos ombros ela se moveu com a mala grande para o corredor e depois para o elevador.
O veículo de aluguel que ela arranjou a estava esperando no exterior do hotel, tripulado por um homem jovem e ansioso, que teve grande prazer em mostrar as várias características do SUV, incluindo todo o luxo imaginável de conveniência e uma deslumbrante variedade de suportes para copos. Os únicos recursos que importavam para Cyn eram o sistema de navegação e as janelas escuras. Ela escolheu esta empresa por sua especialidade em alugar os seus serviços a clientes que desejavam anonimato.
Depois de deixar o rapaz no seu escritório - ele disse que não era necessário, mas Cyn insistiu - ela ligou o GPS e se dirigiu à propriedade Hawthorn, o atual covil pessoal de Jabril em tudo menos em nome.
— Isto está errado — o guarda rosnou. — O Senhor Jabril Karim não está esperando por você.
— Eu sei — disse ela com um sorriso insinuante. — E eu sinto muito, mas eu realmente preciso falar com ele e não pode esperar até amanhã.
Ele franziu o cenho para ela, e depois se afastou com um grunhido — Um momento.
Enquanto esperava, Cyn consultou o relógio e imaginou como seria a próxima hora. Passavam alguns minutos das cinco horas e, segundo o jornal local, o próximo nascer do sol ocorreria por volta das sete e meia. Ela iria executar o seu plano muito em cima da hora, mas o seu maior medo era dar a Jabril tempo suficiente para ir atrás dela. Deslizando para fora o mais próximo possível ao nascer do sol, ela estava contando com que o lorde vampiro não descobrisse nada de anormal até que ele acordasse amanhã à noite. Por aquela altura, ou já estaria no inferno, ou, se a sorte estivesse do seu lado, ela e Mirabelle estariam apreciando a vista do condomínio de Cyn na praia.
Ela ouviu quando o guarda falou com alguém, provavelmente Asim. Asim lhe pareceu o tipo de lacaio que iria controlar o acesso ao grandalhão como uma forma de garantir a sua própria base de poder. Quando o guarda virou as costas, ela estava pronta, com um sorriso brilhante.
— Meu senhor a receberá.
Cyn lutou contra a vontade de revirar os olhos. — Isso é muito gentil, muito obrigado. — Seu esforço para ser agradável ganhou nada mais do que um grunhido em resposta, mas o portão foi aberto, e isso era tudo o que realmente lhe importava.
Cyn estacionou o SUV grande na curva externa da garagem, colocando-o mais longe da porta da frente e mais perto do caminho que levava aos aposentos dos criados. Ela esperava que essas coisas não importassem quando chegasse a hora de partir, mas nunca se sabe. A porta da frente foi aberta quando ela chegou à varanda e um homem de meia-idade apareceu, foi em direção a um par de carros estacionados de um lado. Ele era a própria definição de corte limpo, a pele do seu rosto brilhava e seu cabelo quase branco foi cortado o suficiente para que seu couro cabeludo rosa fosse claramente visível.
Aquele deveria ser o outro investigador particular que Jabril havia contratado, o verdadeiro. Ela conhecia o tipo. Antigo militar, ele provavelmente tinha uma esposa dócil e muito jovem em casa, alguém que ele tinha trazido de uma ilha distante, em algum lugar onde as mulheres ainda eram subservientes aos homens. Ela riu em privado. Mais de um desses sujeitos tinham sido desagradavelmente surpreendidos quando o ratinho se tornou uma verdadeira mulher norte-americana. Ele a ignorou, passando por ela sem nem lhe dar um olhar.
Cyn se virou quando ele passou. — Você está procurando por Elizabeth Hawthorn, não é? — ela chamou.
Ele parou, virando a cabeça bruscamente para olhar para ela.
— Teve sorte? — perguntou ela.
Ele lhe disparou um olhar zangado, caminhou até seu carro e subiu, partindo sem nem uma palavra.
— Eu vejo que você faz amigos onde quer que vá.
As vísceras de Cyn se apertaram, mas não mostrou isso em seu rosto quando ela se virou para enfrentar Asim, que estava bloqueando a porta. — Asim — disse ela. — Como é bom ver você novamente.
O olhar do vampiro viajou pelo corpo dela, detendo-se sobre o comprimento da coxa nua visível abaixo da saia curta, antes de encontrar os olhos dela. — É assim que você faz seus negócios, Sra. Leighton? — Sua expressão lhe disse exactamente o tipo de negócios a que ele se referia.
— Eu faço o meu papel, Asim. Qualquer coisa que funcione. Eu gostaria de falar com Mirabelle novamente, se possível.
— Não a esperávamos e é quase madrugada — disse afetadamente, mas Cyn apenas sorriu agradavelmente. Se ele estivesse esperando por algum tipo de explicação, esperaria um longo tempo. — Por aqui. — ele retrucou.
Jabril Karim se recostou atrás de sua mesa e estudou a mulher jovem.
Não houve prazer em punir Mirabelle. Ela não mostrou sequer pretensão de lutar, entregando-se pouco antes de ele a atingir com o primeiro golpe. Não que ele realmente tenha se inclinado para bater nela. Não, isso era muito bruto e as provas eram muito visíveis. Além disso, ele não tinha necessidade de recorrer a tais medidas, como era seu mestre ele podia lhe infligir dor com apenas um pensamento. Ela sofria da forma certa, ele lhe daria isso. Ela estava encolhida como um cachorro ali no canto, tremendo de tal maneira que ele podia ver, mesmo estando do outro lado da sala. Muito gratificante em sua própria maneira, ele supunha, e foi a única satisfação que ele apreciou, até agora, naquela noite. Ele ainda não tinha se alimentado, pois um negócio tinha aparecido, recebeu uma carta urgente do chefe de sua família na Arábia Saudita, exigindo uma ação imediata.
E agora esse negócio de Elizabeth. Aquele idiota do investigador particular que Asim havia contratado não tinha encontrado nada, absolutamente nada. Faltava menos de duas semanas para que ela completasse dezoito anos, e parecia ter evaporado. Jabril havia esperado essa oportunidade durante anos, ele tinha subornado e bajulado as autoridades necessárias, tolerando todas as investigações e inspecções intrusivas que fizeram. Ele ganhou o direito sobre toda a fortuna que a menina herdou. Mais, ele ganhou o direito sobre a menina. Elizabeth mostrou muito mais espírito que a sua irmã mais velha, e Jabril havia esperado ansiosamente para lhe tirar isso, para vê-la rastejar aos seus pés e implorar por misericórdia.
Ele se afastou da sua mesa com raiva, empurrando a cadeira para trás e ficando de pé tão rapidamente que Mirabelle ofegou com medo. E agora, a puta do Raphael tinha aparecido inesperadamente, sem dúvida, com um relatório semelhante, não que ele esperasse que ela lhe trouxesse algo útil de qualquer jeito.
Ouviu-se uma batida suave e Asim entrou no quarto, olhando para o seu Senhor antes de abrir a porta completamente para admitir a mulher Leighton.
Jabril ficou instintivamente tenso quando ela entrou, sentindo o fraco mas inconfundível perfume de Raphael que continuava agarrado à sua pele, no sangue que corria em suas veias. Sua fome cresceu quando ela passeou na sala, com suas longas pernas deslizando como seda por baixo de uma saia curta de couro, os peitos descaradamente exibidos. Imaginou como seria tê-la sob ele, aquelas pernas envolvidas em torno de seus quadris, seu pau batendo impiedosamente dentro dela, seus dentes afundando naquele pescoço liso até que seu sangue quente jorrasse goela abaixo. Ele endureceu com o pensamento, ainda mais quando ele imaginou a raiva de Raphael com a transgressão. É claro que não era culpa dele que Raphael a tenha deixado vaguear desprotegida. O outro lorde vampiro deveria saber como ela seria tentadora para os seus inimigos. Ele olhou para a mulher, sentindo a pressão das presas contra os tecidos moles das suas gengivas quando estas responderam à fome do seu corpo.
— Senhora Leighton. — Ao contrário do que pretendia, aquilo saiu como um grunhido e ele viu os olhos dela aumentarem um pouco examinando o que eram sinais evidentes de excitação. O seu aroma mudou, adoçado com o tom de medo, fazendo com que sua excitação aumentasse. Ele poderia estar sobre ela em um piscar de olhos, muito antes que ela o visse chegando, muito antes que ela tirasse a arma escondida junto do seu peito macio.
Ele deu um meio passo à frente, sua mente cheia de pensamentos do corpo nu de Leighton esticado abaixo dele, tremendo de necessidade, o seu sangue escorrendo sobre os seios fartos que seriam lambidos quando ela gritasse para sua liberação.
Mirabelle choramingou e a mulher Leighton afastou-se da sua mão estendida para agachar-se junto à garota estúpida. Ele rosnou de raiva, as palavras com que a castigaria já se formando em sua cabeça. Ele parou e respirou fundo, com base na vontade enorme que fazia dele um dos mais poderosos vampiros vivos.
— Senhora Leighton. — Não havia o menor dos tremores em sua voz, e ele fez uma pausa para engolir antes de continuar. — É uma visita inesperada e já é tarde. Será que você tem algo para mim?
Cyn se ajoelhou no chão, perto de Mirabelle, lutando para respirar o ar que tinha ficado espesso com partes iguais de luxúria e medo. Jabril rosnou o nome dela e ela olhou para ele, vendo os pensamentos obscuros deslizando sob a superfície dos olhos e o aumento óbvio de uma ereção debaixo de sua calça elegante. Ele sorriu, recuando os lábios para expor presas totalmente distendidas. Era uma visão aterradora. Ela se esforçou para não mostrar seu medo quando ele deu um passo para mais perto, pensando em sua arma e no quão rápido ele poderia se mover, teve certeza de uma coisa. Ela não queria que ele a tocasse novamente. Ela não sabia o porque disso, mas seu estômago se revoltou com a idéia.
Jabril repetiu o nome dela, depois parou. Quando voltou a falar, as presas haviam ido embora e os olhos estavam quase normais.
Cyn olhou para Mirabelle e se levantou para enfrentá-lo. — Obrigado por me ver, meu senhor — disse ela, obrigando-se a esquecer sua ereção de apenas momentos antes e ignorando a garota choramingando a seus pés. — Eu sei que o tempo é curto, mas poderia trocar algumas palavras com Mirabelle? E, talvez, dar outra olhada nas coisas de Elizabeth? Falei com algumas pessoas que acreditam que a viram e a Sra. Hewitt…
Jabril franziu o cenho. — A assistente social — Asim comunicou.
— … Eu talvez tenha uma idéia de onde ela se está escondendo. Ocorreu-me que, pela proximidade das irmãs, Elizabeth poderia ter dito algo inadvertidamente para Mirabelle ou, talvez, deixou algo num bolso ou em uma gaveta que pudesse me ajudar a continuar.
Cyn se concentrou em respirar quando Jabril a estudou. — Meu próprio povo não encontrou nada — disse ele. — Eu não vejo nenhuma razão pela qual você acha que pode…
Ela sorriu. — Vamos dizer, meu senhor, que minhas fontes são um pouco diferentes do que as de seus outros investigadores. Existem centenas de crianças, adolescentes, que vivem nas ruas de Houston, Elizabeth está provavelmente se escondendo entre eles. Tão experiente como o seu homem sem dúvida é neste tipo de coisa, é mais provável que estas crianças tenham corrido dele em vez de lhe dizer algo útil.
— Você está sugerindo que eles vão falar com você? — Asim não se incomodou em negar que eles tinham contratado outra pessoa.
— Como eu disse, Asim — disse ela sem tirar sua atenção de Jabril. — Eu faço o meu papel. Meu senhor — ela continuou. — Estou confiante de que posso transformar este caso dentro de 24 horas se eu puder restringir a minha pesquisa. Não h| uma chance de que Mirabelle…
— Muito bem. — Isso foi tudo que ele disse, mas ele continuou a olhar para ela sem piscar, quando Mirabelle ofegou em aparente dor tentando ficar de pé, ficando de cabeça baixa e com as mãos apertadas firmemente em seus lados.
— Senhor. — Sussurrou a menina, seu olhar cravado no chão entre seus pés.
— Mirabelle, a Sra. Leighton parece não ter feito um trabalho aprofundado em sua última visita. Se você pudesse acompanhá-la ao quarto de Elizabeth, uma vez mais, por favor. — Cyn ignorou o comentário mordaz, ela estava mais preocupada com a mudança no comportamento de Mirabelle do que com a opinião que Jabril tinha de suas habilidades. Se a jovem tinha estado intimidada antes, ela estava completamente aterrorizada agora.
— Sim, meu senhor. — A voz de Mirabelle era quase inaudível quando ela se esgueirou até a porta, sem sequer uma vez virar as costas ou levantar os olhos do chão.
— Depois volte imediatamente, meu tesouro. O sol está próximo. — Mirabelle se encolheu como se tivesse sido golpeada.
— Sim, meu senhor — ela sussurrou novamente.
Cyn olhou para Jabril, o rosto educado para não mostrar nada. — Obrigado, meu senhor. — Ela, provavelmente, devia ter dito mais, beijado a sua bunda um pouco, mas a única coisa que ela queria naquele momento era tê-lo fora de sua vista. Ela seguiu Mirabelle através da porta, dando as costas para o vampiro com um ato de vontade, recusando-se a recuar de costas como uma espécie de escrava. Ele que se foda.
— O que ela quer? — Jabril perguntou quando as duas mulheres tinham ido embora.
— Ela pediu para falar com Mirabelle, meu senhor. Ela afirma que é relevante para o desaparecimento de Elizabeth, e segundo os relatórios do guarda, ela foi muito insistente.
— É possível ela tenha descoberto alguma coisa? — Jabril gesticulou para que Asim o seguisse quando ele caminhou em direção ao elevador e seu harém privado, a fome incitando-o a apressar-se.
— Improvável. O investigador mantém-se confiante de que ele vai encontrar a garota antes que seja tarde demais. Não creio que a Sra. Leighton possa fazer melhor. Ela é a filha mimada de um homem rico que brinca de ser uma detetive. Sem dúvida, ela já está cansada da vida noturna local e deseja encontrar uma desculpa para deixar o caso para que possa ir para casa.
— Talvez — disse Jabril distraidamente quando as portas do elevador se fecharam. Ele olhou para o relógio, pensando que havia tempo apenas para pegar uma escrava ou duas antes do amanhecer.
Como antes, Mirabelle parou à porta, respirando profundamente. Porém, ao contrário de antes, não havia nenhuma sensação de liberdade na ação. Ela ficou curvada, com as mãos fechadas e a respiração ofegante. Cyn percebeu que a menina estava chorando e estendeu a mão para tocar seu ombro. Mirabelle se encolheu pelo contato suave, dando um passo para trás.
— Sinto muito — Mirabelle disse em uma voz morta. — Por aqui, por favor.
Cynthia franziu a testa, mas caminhou silenciosamente por alguns passos. — Diga-me, Mirabelle — disse ela puxando conversa. — Se houvesse um incêndio, e você tivesse dez segundos para pegar tudo o que significasse algo para você, o que você levaria?
Mirabelle deu-lhe um olhar assustado antes de olhar para longe rapidamente. Cyn no início pensou que ela não iria responder, mas então ela disse: — Nada.
— Nada?
— Ele já tomou tudo de mim. Não há nada aqui que eu queira.
— É o que eu pensava. E quanto a Elizabeth?
— Elizabeth está desaparecida. E eu espero que ela continue assim. Sem ofensa, Sra. Leighton, mas eu espero que você nunca a encontre.
— Ah, eu já a encontrei.
Mirabelle parou em seu caminho, em seguida, virou-se para Cyn com um olhar frenético ao redor. — Você não pode entregá-la para ele! Você não sabe o que ele vai fazer?
Cyn lhe deu um pequeno sorriso. — Pense, Mirabelle. Eu sei que você tem uma mente, mesmo que ele nunca a deixe usar. Por que eu estaria aqui, procurando coisas de Elizabeth, quando eu já a encontrei? Porque não dizer a Jabril onde ela está e recolher o meu pagamento?
Mirabelle franziu o rosto em confusão e cansaço. — Eu não sei — ela chorou. — Por favor não… — Ela engoliu um soluço. — Por favor, não brinque comigo. Isso é tudo que eles sempre fazem, tudo que ele faz. E ele me machuca.
Oh, Deus, ele me machuca muito. — Ela cobriu o rosto com as mãos, e de repente levantou a cabeça, olhando diretamente para Cyn, os olhos quentes com ódio. — Você quer saber o que eu faria se houvesse um incêndio nesta maldita casa? Eu cortaria minha garganta e pediria a Deus para os queimar até às cinzas comigo. Não há nada aqui que valha a pena salvar, nem mesmo a mim.
— Mirabelle. — Cyn falou secamente, alarmada pelo extremo estado emocional da menina. Ela precisava de Mirabelle calma se quisesse que o plano desse certo. — O que acontecerá quando eu sair daqui esta manhã? Jabril vai esperar para vê-la novamente, ou você está livre até que a noite caia?
— O quê? — Ela perguntou, claramente confusa pelo desvio que a conversa tinha tomado. — Porquê?
— Responda à pergunta. — Cyn exigiu.
— Não! Quero dizer, não, ele não vai querer me ver. Ele teve que tratar de algum grande negócio. Eu não sei o que era, mas ele não teve a chance de comer muito. Então, ele está com fome. Foi por isso que ele surtou quando você entrou, você é humana e feminina, seu controle estava escorregando. Está perto de nascer o sol, ele vai direto para seus aposentos e ter um pouco de orgia de sangue antes de ir dormir.
— Então você vai ter que voltar para seu quarto sozinha? E ninguém vai estar lá?
— Não. Não h| ninguém, mas porque…
— E se eu dissesse que eu poderia tirá-la do Texas hoje à noite?
Os olhos de Mirabelle se arregalaram com medo e ela praticamente desabou no chão aos pés de Cyn. — Não, não. Você não deve. Você não deve falar essas coisas. Ele vai saber e vai me machucar. Ele não pode te tocar. Ele tem medo de você ou algo assim, mas ele vai me machucar tanto. — Ela estava chorando abertamente, sentada no chão e abraçando-se com força.
Cyn se agachou ao lado dela, falando diretamente em seu ouvido. — Ouça-me, Mirabelle. Esta é a sua chance. Você entendeu? Eu não posso devolver o que ele tomou de você. Eu não posso dar-lhe um marido e filhos e uma casa com cerca branca, mas posso lhe dar uma chance para uma vida real. Algo melhor do que viver com medo e esperando Jabril decidir que não precisa mais de você viva. Há senhores melhores que Jabril, lugares melhores para você do que o Texas. Esta é sua chance, Mirabelle. Pegue-a.
— Ele vai saber — ela sussurrou miseravelmente. — Ele não vai me deixar ir.
— Isso mesmo — concordou Cyn. — Ele vai saber. Mas o sol nascerá em…
— Ela olhou o relógio. — Menos de uma hora. Jabril está muito ocupado vendo seu próprio conforto para se preocupar com o seu. Você caminha para longe de mim e sobe em minha caminhonete, e eu vou fazer o resto.
— Mas aonde eu vou… O sol… Eu nunca…
— Confie em mim. Dois minutos atrás você me disse que preferiria queimar até as cinzas a viver dessa maneira. Então, o que você tem a perder?
Além disso, pense na confusão que geraria se eu deixasse isso acontecer. Como, diabos, eu iria explicar isso para a empresa de aluguel de automóveis?
Mirabelle deu uma espécie de riso estrangulado. — Você realmente acha que eu posso?
— Eu sei que você pode. — Cyn se levantou e estendeu a mão. — Agora, vamos dar o fora daqui antes que o sol apareça.
Mirabelle olhou primeiro em seu rosto, em seguida, para a mão estendida. Tremendo toda, ela estendeu a mão e colocou os dedos na mão de Cyn, e finalmente a agarrou firmemente. Cyn a puxou e lhe deu um abraço rápido. — Vamos nos fazer à pista, babe. A noite é velha.
Capítulo 14
Na sombra da casa grande, Cyn ajudou Mirabelle a subir na área de bagagem do carro e jogou a cobertura retrátil sobre ela. A jovem vampira já estava ficando fraca quando o sol mordiscou o horizonte e Cyn só esperava não ter errado no cálculo. Mirabelle precisava estar, pelo menos, meio consciente quando chegassem ao pequeno aeroporto privado. De maneira nenhuma Cyn poderia tirá-la do carro e colocá-la no avião. Com um olhar final e cuidado ao redor, ela virou a chave na ignição.
Os guardas humanos já se tinham juntado aos vampiros no portão e Cyn se lembrou de Raphael dizendo - parecia ter sido a uma centena de anos atrás -
que quanto mais perto do amanhecer, mais distraídos e menos confiáveis os guardas vampiros seriam. Ela estava contando com essa distração agora e ficou aliviada quando o guarda vampiro que a tinha deixado entrar antes, bloqueou o seu caminho. Ela lhe deu um sorriso amigável, que ele ignorou, mas ele deu-lhe um olhar superficial antes de pisar para trás acenando com impaciência.
Cyn só soltou uma respiração completa quando chegou à via circular. Ela tinha verificado a rota mais cedo para traçar a sua fuga, utilizando o sistema de navegação do SUV no painel. Ela considerou evitar as rodovias por completo, aderindo assim às estradas, mas neste caso o caminho mais direto era também o mais seguro. Além disso, sendo uma garota da Califórnia, ela estava mais confortável em uma rodovia e ainda era cedo, por isso não devia haver trânsito matinal. Ela verificou a sua posição e deu um gás, correndo em direção ao campo Ellington.
— Você ainda está comigo, Mirabelle? — Cyn chamou, olhando automaticamente para o espelho retrovisor, embora não houvesse nada para ser visto, exceto a cobertura de carga preta. Em resposta, ela ouviu um gemido abafado que a preocupou muito, mas por agora, não havia nada que ela pudesse fazer. Ela tinha que chegar ao avião, tinha que tirá-las dali e ir para a Califórnia.
Mas e se ela não conseguisse? E se fosse tarde demais? Jesus, o quê então? Ela considerou suas opções. Se ela perdesse o avião, ela teria que continuar no chão. Entre os vidros escuros e a cobertura de carga, Mirabelle estaria suficientemente segura do sol. Mas, quanto tempo levaria para chegar à fronteira do Arizona e ao território de Raphael? Jabril poderia encontrá-las nesse meio tempo? Ele sabia onde elas estavam, mesmo que o destino lógico não tivesse sido Arizona, ele tinha uma ligação de sangue com Mirabelle, e isso, era melhor do que qualquer GPS. E, se algo corresse mal, Cyn estaria presa em um SUV com o que seria, assim que anoitecesse, um vampiro enlouquecido.
Um par de faróis apareceu do nada em seu espelho retrovisor, chegando rápido. Oh Deus, ela pensou, é ele. Ele tinha ido procurar Mirabelle e viu que ela partiu? Ela dirigiu freneticamente, o seu olhar dançando entre a estrada e o seu espelho, observando a desgraça na forma de um sedã de cintura baixa. Ele andou até a sua traseira, tão perto que não conseguia ver os faróis, tão perto que ela estava convencida de que ele a iria jogar para fora da estrada. Ela puxou o SUV para a pista do lado, desviando perigosamente, e assistiu incrédula e atordoada quando o outro carro correu passando, e seu condutor, nem mesmo olhou na sua direção.
Ela respirou fundo e seguiu em frente, tremendo de frio quando a adrenalina abandonou o seu corpo.
Quando ela avistou o aeroporto, usou o seu telefone celular para ligar para um número predeterminado e o piloto do seu jato fretado a guiou para o hangar. Esta determinada companhia aérea oferecia algumas amenidades para a comunidade vampira; os seus anúncios eram sutis, mas óbvios, se você soubesse o que procurar. Quando Cyn entrou na segurança relativa do hangar privado, o nascer do sol já era uma promessa ou uma ameaça no horizonte. No momento em que as portas começaram a se fechar atrás dela, um pequeno feixe de luz já era visível. Lembrando o que Duncan tinha dito sobre Mirabelle ter maior sensibilidade ao sol, Cyn derrapou até parar o mais próximo do jatinho que conseguiu, em seguida, atirou-se do caminhão. A cabine do avião foi aberta, luzes interiores irradiando boas-vindas acima da escada curta. Eram apenas alguns degraus, mas Cyn começou a se desesperar. A companhia aérea podia convidar vampiros, mas eles deixavam claro que os passageiros tinham que embarcar no avião sob seu próprio pé.
— Por favor, que Mirabelle esteja desperta o suficiente para andar. — Ela sussurrou a oração para qualquer deus que protegesse vampiros e seus tolos amigos humanos.
— Mirabelle — ela chamou, abrindo a capota em silêncio. — Você ainda está acordada? — Ela verificou a área antes de liberar a cobertura da bagagem.
Mirabelle se enrolou em uma bola apertada, os olhos fechados. O sol estava chegando, seu cérebro sabia, pois este parecia lava quente contra seu crânio. Ela estava quase louca de medo, bombardeada por sensações que nunca antes sentira. Naquele momento, ela devia estar em casa, escondida no seu armário debaixo dos seus cobertores reconfortantes, protegida por muros, cortinas e portas. Quando a escotilha de repente se abriu, ela gritou de forma incoerente e olhou aterrorizada para a mulher que estava enquadrada na luz artificial de um prédio desconhecido.
— Mirabelle? — Disse a mulher. Mirabelle piscou, tentando se concentrar em algo além da constante diminuição do ritmo de seu próprio coração. — Mirabelle, você tem que se mover, querida. Não temos muito tempo.
— Mover? — Mirabelle disse asperamente. Ela olhou a mulher estranha, lutando para ver, para distinguir detalhes contra o espesso nevoeiro que tinha rolado de algum lugar, escondendo tudo atrás de um véu de cinza. Ela lembrou-se de um nevoeiro. Os pais dela, em certo inverno, as haviam levado à praia, a ela e Elizabeth. As nuvens cinzentas assentavam na areia, parecendo uma parede de bolas de algodão sujo. Tinha sido estranho atravessar, sentir o apego, os dedos da névoa úmida em sua pele e cabelos.
—… Pressa… encontrar-nos… Eu não posso… Elizabeth…
A atenção de Mirabelle ficou mais aguçada. A mulher ainda estava falando. Elizabeth? E quanto a Elizabeth? A mulher queria ir com ela para algum lugar. Para ver Elizabeth? Será que Liz precisava dela, será que estava machucada? Será que Jabril a tinha tomado? Mirabelle se ergueu de forma estranha, devido a estar num espaço confinado. A mulher segurou a mão dela para ajudar. Ela era forte. Muito mais forte do que Mirabelle. Não, isso não poderia estar certo. Mirabelle era uma vampira. Ela devia ser mais forte. Ela deixou a mulher puxá-la de pé e deixou-se ser levada para junto de umas escadas. Não eram muitas escadas, apenas algumas. Em seguida, elas estavam lá dentro. Isso era bom. O sol já estava alto, ela tinha que se esconder. Estava escuro aqui, seguro. Ela tropeçou na escuridão, sentiu algo macio sob ela, e depois nada.
Cyn cambaleou sob o peso morto de Mirabelle e quase não conseguiu transportar a vampira para a cama estreita que ficava na parte de trás do avião.
Ela fez o possível para endireitar os membros de Mirabelle, a cobriu com um cobertor leve, verificou a temperatura e voltou para a cabine principal. Ela fechou a porta atrás de si e correu pelo corredor curto, descendo dois degraus de cada vez de volta para o SUV e pegou sua mochila e mala. Deixou as chaves no banco. A locadora iria buscá-lo amanhã. Se alguém perguntasse, o hotel diria que ela iria permanecer lá hospedada por mais dois dias. Era uma mentira fraca, mas era tudo o que ela tinha.
O piloto a estava esperando na porta. Ele era o típico piloto - altura média, magro, de meia idade, boa aparência, mas nada de virar cabeças8. Ele cumprimentou-a pelo nome, tomando a sua mala com um sorriso impessoal antes de erguer as escadas do avião e fechar a escotilha. Cyn desabou no assento mais próximo, suas mãos segurando os braços, esperando que o avião decolasse.
Minutos depois, eles estavam levantando vôo e Houston estava ficando para trás. Cyn suspirou de alívio e todos os músculos do pescoço dela pareceram relaxar ao mesmo tempo. Seu tempo de vôo para Santa Monica seria cerca de três horas, cada minuto com sol brilhante. Ela arrancou as botas de salto alto e foi recuperar a mala, maravilhada com a carpete espessa sob seus pés descalços. A saia de couro e as botas entraram na mala, sendo substituídos pelos seus moletons desbotados e um par de meias.
Ela se serviu de um copo de vinho a partir do estoque de cortesia, e afundou na cadeira macia e confortável, apertando os botões, até que esta estava totalmente reclinada. Havia alturas, Cyn pensou, em que era bom ser filha de seu pai. Ele não tinha sido um pai muito presente, e Deus sabia que eles tinham pouca relação pai-filha até agora. Mas em momentos como este, quando ela precisava de um jato particular em um minuto, ela estava muito grata pelo nome Leighton e pelo fundo generoso que vinha com ele. Ela já estava quase dormindo quando o interfone tocou.
— Nós estamos na nossa altitude de navegação, Sra. Leighton. Parece que será uma viagem suave até Los Angeles.
Ela apertou o botão de resposta. — Obrigado. Provavelmente, vou dormir até chegarmos em terra, então não se preocupe.
— Sim, senhora. A informarei quando começarmos a nossa aproximação final.
— Parece perfeito. Obrigado novamente. — Ela puxou o cobertor e dormiu antes que ela tivesse tempo de se perguntar se ela sonharia.
8 No sentido de quando ele vai a algum lugar as pessoas não viram a cabeça para olhá-lo, ou seja que ele tem uma aparência mediana.
Capítulo 15
Alguém estava gritando. Cyn pulou, tropeçou e estendeu o braço, incapaz de ver até mesmo sua própria mão. Estava escuro, mais negro que uma noite sem luar na praia, nem sequer um fraco brilho da luz das estrelas. Ela piscou rapidamente, as mãos levantadas para tocar seu próprio rosto, seus olhos abertos. Os gritos ficaram mais altos, cheios de dor. Seu coração batia descontroladamente enquanto tateava em direção ao som, apenas para descobrir que não havia nada a que se pudesse agarrar - sem paredes, sem mobília, nada.
Os gritos pararam, cortados no meio de uma inspiração, e Cyn congelou, lutando para respirar, para retardar sua palpitação, tentando ouvir. O espaço ao redor dela era enorme, ecoando em sua vacuidade. Um som quebrou o delicado silêncio, a voz suave de uma mulher, suplicando, em palavras que ela não conseguia entender. O riso cruel de um homem assobiou para fora e com um gemido de terror, o tormento da mulher foi retomado, enchendo a escuridão com o som do medo. Cyn se agachou perto do chão, os braços em volta da cabeça numa vã tentativa de bloquear o barulho terrível, cerrando os próprios lábios contra um gemido.
Algo a tocou na escuridão. Foi um leve roce contra o braço dela, mas agarrou-se. Frio. Mau. Jabril Karim.
Ela correu. Sua risada a seguindo, deliciando-se com seu medo, acariciando seu rosto, suas costas, com toques de ameaça. Ela sabia de alguma forma que ele estava brincando com ela, que ele poderia arrancá-la do escuro e mandá-la abaixo, afogando-a no miasma oleoso dele até sua voz se levantar para se juntar ao coro de desesperança.
Braços vieram em torno dela, segurando-a contra um peito largo. Ela lutou em silêncio, se recusando a dar um som de terror, apenas socos e pontapés.
— Se acalme, minha Cyn. — Ela congelou com a voz familiar, o mel doce e suave de veludo, embrulhando-a em segurança, afastando os gritos, fechando tudo com seu toque. Os braços apertados, a sua força lavando para longe o terror, seus lábios sensuais absorvendo as lágrimas, ela não sabia que as tinha derramado. Ela cedeu contra ele, seus braços deslizando ao redor de sua cintura fina, agarrando-se à sua força. — Durma por agora, doce Cyn.
Los Angeles, Califórnia
Cyn acordou, o coração ainda martelando com o terror. Ela se atrapalhou com os controles do assento desconhecido, finalmente empurrando a persiana aberta e deixando entrar a luz do dia na cabine escura. Ela fechou os olhos, sentindo o pesadelo desaparecer na força desse único feixe de luz.
A voz do piloto chegou pelo interfone, quando ele anunciou sua chegada iminente na área de L.A. Cyn ligou a luz pequena e finalmente encontrou a combinação correta de botões para deixar o assento na posição vertical. Em deferência a Mirabelle, ela puxou a cortina da janela para baixo e se levantou, esticando os braços para tocar o teto e depois o chão. Algum dia, num futuro próximo, ela teria que experimentar dormir numa cama.
Ela caminhou pelo corredor até a sala pequena e escura onde dormia Mirabelle. A jovem vampira estava intacta, os cabelos loiros jogando uma pálida luz tênue na cabine. Cyn fechou a porta de novo e entrou no banheiro do outro lado da sala.
O sinal do cinto de segurança estava piscando loucamente, quando ela voltou para a área de assentos. Pelo amor à variedade, ela escolheu uma cadeira diferente. Não que isso importasse, elas eram todas idênticas - grandes, confortáveis e estofadas de couro. Desenhadas para acomodar os bem alimentados empresários e as suas mulheres, ela supunha. Com um olhar para a porta fechada na parte de trás do avião, ela puxou a cortina da janela mais uma vez e olhou a vista familiar de L.A.
Cyn tinha aterrado em aeroportos de todo o mundo - alguns bonitos, alguns feios, alguns verdes, alguns no centro das maiores cidades do planeta - mas havia um sentimento especial em pousar no aeroporto de casa. Era saber que você iria em breve entrar em seu próprio carro e abrir sua própria porta da frente, comer do seu próprio frigorífico e tomar um banho em seu próprio banheiro. E a mais abençoada de todas, era saber que logo estaria dormindo em sua própria cama, debaixo de seus próprios lençóis. Era como nenhum outro sentimento no mundo. O avião desceu com um baque suave e ela estava em casa.
Parte do seu acordo com a empresa era o uso do avião privado até depois do pôr do sol. Essa era uma daquelas amenidades para vampiros, juntamente com o quarto de dormir sem janelas, agora ocupado por Mirabelle. Tinha soado ótimo na altura, precisamente o que ela precisava. Mas uma vez no chão, Cyn foi confrontada com a realidade de esperar várias horas para Mirabelle acordar. E ainda não era meio-dia.
Demasiado perturbada para dormir ou ficar sentada, Cyn rondou pelo corredor e verificou mais uma vez o sono da vampira. Ela deixou a porta do quarto entreaberta, por isso, se Mirabelle acordasse, ela teria pelo menos um pouco de luz para enxergar. Ela parecia bastante alterada, em Houston, e Cyn não queria que ela enlouquecesse quando acordasse em um lugar estranho.
No hangar, Cyn podia ouvir o zumbido constante de pequenos aviões decolando e pousando na pista vizinha, misturado com o barulho ocasional de um jato particular. Este aeroporto tratava exclusivamente a aviação em geral, de modo que, provavelmente, havia algo maior nas pistas do que o seu próprio jatinho fretado. O hangar em si era grande o suficiente para duas pessoas, mas a empresa havia lhe garantido que o edifício estaria vazio, exceto por ela.
Cyn preferiu ter certeza, então ela fez uma rápida caminhada à volta.
Havia um escritório com janelas contra uma parede, com algumas mesas e os apetrechos de escritório habituais, mas a porta estava trancada e as luzes estavam apagadas. Havia ainda um par de banheiros e uma sala de manutenção de algum tipo, mas ninguém estava lá. Uma vez que ela tinha verificado as travas em todas as portas exteriores, ela voltou para o avião e sentou-se na escada para remexer na mochila à procura do seu telefone celular.
Havia várias mensagens do número de Raphael, que ela excluiu sem ouvir. Poderia ser uma chamada de Duncan, mas ela não quis arriscar. Raphael era muito bom em convencê-la que tudo o que ele queria era razoável. E, além disso, Cyn tinha seu orgulho. Ele se afastou e agora, de repente, ele a queria de volta. Seria coincidência que isso tenha acontecido logo depois de ela ter ido ao Texas se encontrar com um lorde rival? Cyn não acreditava em coincidências.
Especialmente onde os vampiros estavam inclusos. Eles faziam Maquiavel parecer um amador.
Havia duas outras mensagens, uma de Dean Eckhoff, seu oficial de treinamento do DPLA, e uma de Lucia Shinn, sua amiga de colégio que dirigia o abrigo de adolescentes cujo nome ela havia dado à Ramona Hewitt e à amiga de Liz, Kelly. Ela chamou Lucia em primeiro lugar, na esperança de que Elizabeth tenha conseguido o número com Kelly e a tenha chamado.
— Olá? — A voz do adolescente tinha tanta suspeita e ressentimento que Cyn se perguntou por que o garoto se preocupou em atender ao telefone. Não que ela esperasse outra coisa. Luci dava aos “seus” miúdos o controle da casa, desde que obedecessem algumas regras básicas, que eram: nenhuma droga, álcool, ou luta. Para além disso, eles eram encorajados a pensar no lugar como sua casa – algo que deu algumas boas lembranças para a maioria deles.
— Hey — Cyn disse. — Lucia está?
— Talvez. Quem está falando?
Ela revirou os olhos, mas engoliu sua impaciência. — Diga a ela que é Cynthia.
— Luci! — O garoto gritou tão alto que Cyn se afastou do telefone. — Você recebeu um telefonema!
Cyn ouviu a voz de Luci quando ela se aproximou do telefone, suave e sem pressa, como sempre. Se Luci levantou a voz alguma vez, Cyn nunca tinha ouvido falar. O recepcionista autonomeado passou seu nome, dizendo: — É uma mulher. Disse que se chamava Cynthia.
— Cyn! Onde você esteve? — Luci exclamou um instante depois.
— Ei, Luce. Você rima9.
Luci gemeu. — Então por que você demorou tanto?
— Eu vi a sua mensagem há dois minutos, estive um pouco ocupada.
Quando você ligou?
— Dois dias atrás. Onde você está?
— Sentada em um hangar de avião à espera do pôr do sol.
— Esperando pelo… — Luci suspirou. — Vampiros, de novo? Pensei que você estava no Texas. Uma pessoa do Serviço para crianças de lá ligou, Ramona Hewitt, e ela disse…
— Sim, ela me disse. Nós conversamos. Você não tem ouvido da minha menina desaparecida, não é? Elizabeth Hawthorn? Loira, olhos azuis, provavelmente com um pouco de sotaque?
— Não — disse Luci lentamente, como se estivesse a verificar alguma lista na sua cabeça. — Não. — Desta vez mais confiante. — O que faz você achar que ela está aqui?
— Ela é a razão pela qual eu estava no Texas. Seu guardião me contratou para encontrá-la, e eu tenho certeza que ela veio para LA, dei o seu número para uma amiga dela, daí a minha pergunta.
9 Porque na frase anterior Luci diz: “Cyn! Where’ve you been?”, e em inglês isso rima.
— Ok, estou confusa. Ela é uma vampira adolescente ou o quê?
— Não se eu puder evitar — Cyn disse severamente. — É uma longa história, mas se a garota aparecer, não chame ninguém além de mim, ok? Ela não quer voltar para o Texas.
Na outra ponta da linha, Lúcia suspirou. — Se ela disser que está tudo bem, você vai receber uma chamada, caso contrário…
— Yeah, yeah, eu sei como funciona. Diga a ela que Mirabelle está comigo, ela vai ligar.
— Quem é Mirabelle?
— Sua irmã mais velha e a razão pelo qual eu estou sentada em um hangar de avião, em vez de estar a caminho de casa. Como eu disse, longa história. Então você me ligou, o que está acontecendo?
Lúcia respirou fundo. — Preciso de sua ajuda.
— Qualquer coisa que eu possa fazer, você sabe disso.
— Você é provavelmente a única a quem eu posso recorrer para isso.
Ouça… — A voz de Luci ficou abafada, como se ela estivesse protegendo o telefone. — Posso ir aí? — Ela perguntou. — Eu preferia não discutir isso pelo telefone.
Cyn recuou surpresa, mas disse: — Claro, se você não se importar de ser babá de uma vampira. Hey, enquanto você está vindo, poderia fazer um par de paragens para mim? Eu estou meio presa aqui…
Enquanto esperava que Luci aparecesse com o material que lhe pediu, Cyn chamou seu amigo Dean Eckhoff. Eckhoff tinha sido atribuído aos homicídios não muito tempo após Cyn ser novata, e eles permaneceram em contato depois que ela saiu da polícia. Ele a ajudou a rastrear um figurão da máfia russa local no mês passado, quando ela foi contratada por Raphael para encontrar a sua irmã seqüestrada.
Eckhoff também a tinha defendido, no rescaldo, quando uma agente disfarçada que vinha trabalhando na organização apareceu morta. Havia muita gente na polícia de Los Angeles que ainda estava convencida de que Cynthia tinha sido, de algum modo, a responsável. A policial morta, Benita Carballo, tinha sido uma amiga de Cyn, ou assim ela pensou, até ao momento que Benita a traiu para um dos inimigos de Raphael que tinha intenção de sugar o sangue de Cyn até deixá-la seca. Cyn tinha escapado, por pouco. Benita não tinha. Seu corpo tinha sido encontrado, sem um pingo de sangue, dois dias depois e Eckhoff foi um dos poucos que acreditou que Cyn não teve nada a ver com aquilo.
O telefone finalmente tocou. — Eckhoff.
— É Cynthia.
— Sim. Temos que falar.
— Eu sou uma garota popular hoje. Todo mundo quer falar comigo. Você pode me dizer do que se trata?
— Não agora. — Fez uma pausa. — Você está no seu celular, certo?
— Sim.
— Eu te ligo em dez minutos. — Ele desligou o telefone.
Cyn virou seu telefone com uma carranca. Essas foram duas chamadas estranhas demais. Alguma coisa estava definitivamente acontecendo. Ela se levantou e esticou as pernas, em seguida, caminhou ao redor do hangar vazio, à espera que seu telefone tocasse. Quando isso aconteceu, ela respondeu imediatamente.
— Sim.
— Nós temos problemas e, goste ou não, você está no meio deles.
— Eu disse a eles tudo o que sabia sobre Benita.
— Não é isso. Ou não só isso, embora tenha certeza que isso não ajuda.
Alguém anda a matar meninas, adolescentes em fuga, a maioria delas, nós temos cinco vítimas até agora. Tudo feito por alguém com dentes afiados e um gosto por sangue.
— Impossível. Raphael nunca…
— E aí está o seu problema — ele a cortou — Você está muito perto dos sanguessugas, Cyn. As pessoas por aqui estão lembrando-se de Carballo e seu nome continua a aparecer.
— Oh Cristo, e agora? Estou ajudando alguns cretinos a matar meninas?
Pelo amor de Deus.
— Eu não disse que acreditava. — disse ele levemente, e Cyn podia ouvir a raiva sob suas palavras.
— Você está certo. Sinto muito. Tem sido um par de dias longos. Escute, eu nem sequer estava em Los Angeles na semana passada. Cheguei uma hora atrás.
— Bem, isso já é alguma coisa.
— Eu estou lhe dizendo, não há nenhuma maneira no inferno de Raphael tolerar um de seus próprios matando assim. Algo não está certo sobre isso. Há quanto tempo está acontecendo?
— Você sabe que eu não deveria dizer nada. Conseguimos mantê-lo fora dos jornais, porque as vítimas em sua maior parte vivem nas ruas. Mas é apenas uma questão de tempo.
— Você não teria me chamado se você não tivesse algo a dizer, chefe.
Ele suspirou, ficando quieto como se estivesse pensando sobre o seu próximo movimento. — Você está certa. Okay. Cinco meninas em menos de um mês.
— Jesus! Ele é um filho da puta ocupado. Luci Shinn vem tentando falar comigo também. É por isso?
— Provavelmente. Ela está ameaçando ir à imprensa, se não fizermos alguma coisa.
— Você já falou com ela?
— O caso não é meu, mas eu acho que ninguém falou, seja com quem for, até agora.
— Você sabe, se você tivesse alguns minutos para falar com Luci, ela podia realmente ajudá-lo. E alguém se preocupou em chamar Raphael? Ele saberia se…
— Como eu disse, não é o meu caso, não é a minha decisão.
— Bem, merda, Eckhoff! — Ela pensou por um minuto. — Posso ver os corpos?
— O quê?
— Posso ver os corpos?
— Para que inferno quer ver os corpos?
— Porque eu posso te dizer se um vampiro realmente fez isso.
— O médico diz…
— O médico está com pressa. Meninas sem-teto não fazem manchetes.
Ele vê uma mordida no pescoço e sangue e diz: vampiro. Deixe-me ver os corpos, Eckhoff. Talvez eu possa ajudar, e você sabe que eu posso falar com os vampiros e com a Luci para você.
Houve um longo silêncio. — Okay. Mas você vai ter que manter um perfil baixo. Vou falar com o meu cara no escritório do médico legista e ver o que posso fazer. Você estará acessível?
— Estarei inacessível até que o sol..
— Eu nem vou perguntar a razão. Fique perto do seu celular. Quando souber de algo, eu ligo. — Ele desligou sem nem se despedir.
Cyn levantou-se e meditou por alguns minutos, olhando para o nada, chateada por estar presa naquele hangar estúpido. Caramba, caramba, caramba. Agora ela se sentia culpada. E se todas as chamadas do número de Raphael foram por causa dessa coisa de vampiro assassino? Se não tivesse sido Raphael, mas sim Duncan ou outra pessoa querendo a sua ajuda para lidar com a polícia humana? Talvez Raphael não estivesse definhando por ela, afinal. E isso não era uma merda?
Ela teria que telefonar e não apenas por causa dos assassinatos.
Mirabelle precisava da bênção de Raphael para poder ficar na Califórnia, o que provavelmente significava uma petição para sua proteção ou algo assim. Os vampiros apreciavam cerimônias e tradições. Mirabelle provavelmente teria que fazer algum tipo de juramento arcaico, algo envolvendo sangue, ela tinha certeza. Terrivelmente gótico, mas o que quer que fosse, tinha que ser melhor do que viver como brinquedo privado de Jabril. Nada mudava o fato de que Cyn teria que chamar Raphael. Talvez ela pudesse chegar a Duncan em seu lugar. — Vai sonhando — ela murmurou em voz alta. Ecos fracos zombaram dela das alturas do hangar vazio. Ela olhou para o relógio e quase gemeu. Horas ainda para matar. Ela subiu os degraus de volta para o avião e esperou.
No momento em que Lucia ligou para dizer que estava no lado de fora do hangar, Cyn não pôde chegar à porta rápido o suficiente. Tinha se passado quase uma hora desde que ela tinha falado com Eckhoff. Ela já havia tentado fazer listas de coisas para fazer, listas de pistas para seguir, listas de pessoas para conversar, listas de pessoas famosas que ela achava que estavam mortas.
Ela até tentou dormir, por cerca de dois minutos. Finalmente, ela vestiu o moletom e tênis e tinha começado a fazer voltas em torno do interior do edifício abafado. Quando Luci chegou, ela mudou seu padrão e correu até a porta para deixá-la entrar, então ficou ali ofegando como um cão, uma mão sobre o seu lado que estava começando a doer.
Luci olhou para o rosto de Cyn coberto de suor e balançou a cabeça em diversão. — Você não encontrou outra coisa para fazer com seu tempo?
— Eu não conseguia ficar parada — Cyn ofegou. — Muita coisa em minha mente.
— Essa é uma desculpa. Ok, eu acho que tenho tudo o que você queria e eu trouxe um pouco de comida, mas… — Ela deu a Cyn um olhar de cima para baixo, enrugando o nariz apesar de Cyn ser mais alta do que ela. — Talvez você queira se limpar antes de comer.
— O que você trouxe?
— Sanduíches do Bruno. Ninguém diria ao olhar para você, mas está frio lá fora e eu pensei que algo quente seria bom. Existe um chuveiro por aqui?
Cyn sorriu. — Você está insinuando que eu cheiro mal?
— Eu nunca seria tão bruta. — Luci olhou ao redor do hangar vazio, com um suspiro, então, mudou seu olhar do jato de volta para Cyn, sobrancelhas perfeitamente tratadas, olhos amendoados. — Eu acho que estamos comendo aí?
Cyn riu e acenou com a cabeça. — É muito bom, na verdade, e há muitas bebidas frias. Deixe-me lavar. — Ela foi para o banheiro das mulheres, virando-se para andar para trás e dizer: — Dean Eckhoff me chamou.
— Então, você sabe por que estou aqui — disse Luci severamente. — Eu não consigo fazer nenhum desses bastardos falarem comigo. As minhas crianças não significam nada para eles.
— Isso não é verdade, Luce. Olhe, deixa eu me limpar e vamos conversar.
Capítulo 16
Cyn lambeu o molho de tomate de seus dedos e gemeu com prazer. — Deus, isso é bom. Eu juro que não comi qualquer alimento real em dias. Entre ficar acordada a noite toda com aquele idiota do Jabril e tentar encontrar alguém numa cidade estranha sem nenhuma pista, eu mal encontrava tempo para comer um sanduíche do serviço de quarto. Embora eu tenha comido alguns rolos de ovos ou algo assim no bar do hotel. Não é o que eu esperava de Houston, mas… — Ela deu de ombros. — Eu acho que não se deve esperar um convite para um churrasco de um vampiro, hein?
— Dificilmente. Pessoalmente, eu acho que não aceitaria qualquer convite para jantar de um vampiro. Eu ficaria muito preocupada com o quê - ou quem - estaria no cardápio. Especialmente por mim.
Cyn riu. — Não acredite no cinema. Muitos vampiros são bastante cuidadosos sobre o consentimento nestes dias. — Ela colocou o último pedaço do sanduíche de lingüiça em sua boca e usou um punhado de guardanapos para limpar o restante molho e gordura de seus dedos, enquanto ela mastigava. — Então — disse ela. — Eckhoff realmente me chamou por causa de suas meninas desaparecidas. Você sabia que a polícia pensa que um vampiro está fazendo isso?
Luci franziu o cenho. — Por que eles pensam isso?
— Isso é o que eu vou descobrir. Dean vai me colocar no necrotério para ver os corpos. — Luci fez uma careta de desagrado, mas Cyn continuou. — Eu devo ser capaz de dizer se foi obra de um vampiro, embora eu realmente duvide. Os lordes vampiros lideram os seus muito bem. Algo como isso poderia causar muitos problemas e ninguém quer isso.
— Talvez seja algo interno. Você sabe, alguém que queira causar problemas.
Cyn balançou a cabeça. — Não que eles não se odeiam às vezes. Acredite em mim, nisso eles são exatamente como o resto de nós. Mas ao que parece, isso é ruim para todos, não apenas para um ou dois.
— Bem, se eles são realmente como nós, talvez alguém se perdeu ao longo da borda. Você sabe, enlouqueceu.
— Possível. Raphael esteve me chamando também, eu não sei por quê.
Obviamente, eu ainda não fui capaz de chamá-lo de volta.
Luci franziu o cenho. — Eu pensei que você e ele estavam…
— Nós estávamos, quer dizer, nós estamos — acrescentou Cyn rapidamente. — Mas isso não é pessoal, são negócios. Eu sei que você não gosta dele, Luce…
— Porque ele te machucou.
— Nem tudo era…
Luci deu-lhe um olhar de reprovação. — Ele partiu seu coração.
Cyn respirou fundo ao lembrar-se desse pormenor. Ela quase conseguiu esquecê-lo na pressa dos acontecimentos, já não pensava nisso desde que ela decidiu resgatar Mirabelle. — Sim. — disse ela e continuou calmamente. — Mas Raphael é um empresário, Luci. E isso é muito ruim para os negócios. Se ele souber sobre isso, então ele está tentando pará-lo.
— Sinto muito, querida.
— Não. Não, você está certa. Eu deixei-me levar por um minuto. Olha, Eckhoff vai me ligar quando ele tiver alguma coisa planejada. Provavelmente mais tarde, esta noite, quando o necrotério estiver mais vazio. Vou lá e falo com ele um pouco mais, depois deixarei você saber o que eu descobri. Porém Luci, você tem que manter isso para si. Se Dean souber que eu estou falando com você, ele vai ficar puto como o inferno e eu não irei conseguir saber de nada.
Luci fez um movimento como se zipando os seus lábios, em seguida, abriu-os e disse: — Eu confio em você. Não confio em Eckhoff ou qualquer daqueles sujeitos, mas eu sei que você vai fazer o que é certo.
— Ok, obrigado. Então, o que você pode me dizer sobre as meninas mortas? Alguma delas era sua?
— Eu não sei muito, nem mesmo seus nomes, exceto o da mais recente.
Ela nos visitava regularmente - Carlene. Isso é tudo que eu sei, seu primeiro nome, e que ela estava perto dos dezoito, talvez dezenove anos. Você sabe como é, Cyn, você tem sorte se eles lhe disseram o seu verdadeiro nome. Eu venho tentando descobrir mais sobre o resto das vítimas. Você pensaria que a polícia estaria feliz por alguém querer ajudar a descobrir quem são as vítimas, mas eles nem sequer se abrem a uma cooperação.
— É complicado, Luce. Os assassinatos ocorreram em jurisdições diferentes, cidades diferentes. Provavelmente levou um tempo até os policiais conectarem os casos uns aos outros, e ainda mais para começarem a cooperar entre si. Mas acredite em mim, eles querem encontrar o assassino tanto quanto você.
Luci deu-lhe um olhar cético.
— Ok, bem, talvez não tanto quanto você, mas você é única.
— Sim, eu sou. — ela fungou.
Cyn sorriu. — Vá para casa, Luce. Volte para seus meninos, depois eu ligo.
Lucia se levantou, recolhendo o lixo e empurrando tudo para dentro de um saco de papel manchado de gordura. — Você é uma má influência. Eu não sei como deixei você me convencer a comer esse lixo — ela reclamou, limpando as mãos.
— Porque é gostoso. Ser| que você teve a chance de… — Ela parou quando viu que Luci segurava um saco com o logo da Gap.
— Foi o melhor que eu pude fazer em tão pouco tempo, acho que está tudo aí.
— É perfeito, Luce. Obrigada. Vou levá-la às compras nos próximos dias, mas você não iria acreditar no que ela está vestindo. Ela tem 23 anos, mas se veste como a avó de alguém. Não a minha avó, é claro, ela jamais usaria aquelas roupas.
— Sua avó tem um excelente gosto. Eu a vi em um banquete na semana passada.
— Você a vê mais do que eu.
— Isso é porque eu realmente participo nos eventos da minha comunidade.
— Uh huh. — Cyn não mordeu a isca. Luci estava sempre atrás dela para assistir a alguns eventos para fundos de confraternização. Cyn deu a sua amiga um sorriso doce.
Luci sacudiu a cabeça com desgosto. — Okay. Estou indo. Não me deixe pendurada, Cyn. Ligue-me. Mesmo se você não tiver nada de novo para me contar, você precisa ligar, ok?
— Não conte com uma chamada hoje à noite. Provavelmente, quando eu for me encontrar com Eckhoff já será tarde, e poderá levar algum tempo para pensar sobre o que eu descobrir. — Elas andaram juntas até a porta do hangar, e Cyn pegou um olhar preocupado no rosto de sua amiga. — Não se preocupe Luce, eu te ligo amanhã à noite, o mais tardar.
— Não é com isso que eu estou preocupada.
— Não se preocupe com isso também. Raphael e eu pertencemos ao passado. Isto é estritamente empresarial.
— Se você diz. — Luci abriu o carro, em seguida, jogou sua bolsa dentro e deslizou para o banco do motorista. Iniciou o carro, deu um pequeno aceno através da janela e em seguida foi embora.
Cyn retornou o aceno com um sorriso. Ela não fazia amigos com facilidade e raramente os mantinha, uma vez que os fazia. Mas os amigos que ela mantinha eram importantes para ela. Benita tinha sido importante. Sua morte tinha sido dolorosa, em parte, porque ela tinha traído Cyn, mas também porque ela se foi. Cyn sentia falta dela, apesar de tudo. Protegendo os olhos contra o sol, que tinha quebrado para fora da cobertura de nuvens em tempo de um pôr do sol brilhante, ela assistiu Luci fazer uma curva e desaparecer de vista. Então ela pegou o telefone celular.
Ela esperou pela saudação automatizada e disse — Duncan, é Cynthia Leighton. Você tem meu número. — Não demoraria muito tempo. Os vampiros acordariam em breve, e Cyn tinha alguns corpos para visitar.
Capítulo 17
Quando ficou escuro dentro do hangar, Cyn localizou a caixa da luz principal e ligou todas as luzes até que o local estivesse totalmente iluminado.
Ela voltou ao avião e ligou algumas luzes na cabine, depois foi até ao corredor e abriu a porta do quarto em que Mirabelle dormia, para que quando ela acordasse visse tanta luz quanto possível.
Depois disso, não havia nada a fazer senão esperar um pouco mais, então ela se pôs a passear para frente e para trás na frente do avião, parando de vez em quanto, quando pensava ter ouvido algo, então continuava a andar. Ela estava tão empenhada em escutar Mirabelle que o toque do seu telefone celular a surpreendeu. Com uma mão sobre o seu coração sobressaltado, ela verificou o visor e abriu.
— Olá, Duncan.
— Sra. Leighton.
— Sinto muito, por não tê-lo contatado mais cedo — disse ela.
— Recebeu as minhas mensagens? — Ele conseguiu colocar um mundo de desaprovação e decepção naquelas quatro palavras.
— Hum, sim. Mais ou menos. Meu celular está agindo estranho.
— Eu vejo.
Ela limpou a garganta para ter certeza que a voz saía limpa e disse: — Sinto muito, ok. Eu pensei que… Não importa o que eu pensei. O que posso fazer por você? — Disse ela em sua voz profissional.
— Onde você está?
— Aeroporto de Santa Monica, na verdade. — O que a lembrou. — Escute, eu preciso falar com você…
— Quando você voltou? — Ele parecia perplexo.
— Voltei esta manhã. Desde então, estive aqui sentada esperando o pôr do sol.
— Pôr do sol. — Ele ficou em silêncio por algum tempo. — Tem alguém com você, Cynthia?
— Sim.
— Mirabelle Hawthorn.
— Sim. Não o diga Duncan. Ela está aqui e veio para ficar. Eu não podia deixá-la lá.
— Jabril não ficará feliz por tê-la perdido, Cynthia.
— Que pena. Ele não pode mantê-la prisioneira, pode? Quero dizer, vocês devem ter algum tipo de processo para vampiros que mudam de lugar. Eles não têm que ficar sempre no mesmo lugar, certo?
— Não, de fato.
— Cristo em uma muleta, Duncan. Basta dessa merda de vampiro inescrutável. O que eu faço agora?
— Onde está Mirabelle?
— Ainda está dormindo. Eu fretei um avião e paguei um extra para tê-lo no hangar até depois do anoitecer… — Cyn parou, pensando que tinha ouvido um movimento dentro do avião. — Desculpe Duncan, — ela continuou ausente, ainda olhando para o avião em silêncio. — Eu pensei que tinha ouvido Mirabelle se movendo ao redor, mas talvez não. Ela já não deveria estar acordada? Quer dizer, você é…
— Muito mais velho do que ela. — ele respondeu. — É provável que ela não acorde até bem depois que o sol tenha se posto, embora já não demore muito. Você já fez arranjos para ela se alimentar?
— Se alimentar? Oh, Merda. Eu nem sequer pensei nisso. O que eu…
Merda! — Cyn começou a andar novamente, sua mente correndo através das possibilidades. — Suponho que numa situação desesperada como essa, eu poderia…
— Não — Duncan interrompeu fortemente — lhe dê o seu sangue. Você me entende, Cynthia? Sob nenhuma circunstância.
— Que nojento, Duncan. Eu ia dizer que eu poderia chamar Lonnie. — Lonnie trabalhava para Raphael, correndo um circuito de casas de festa em várias partes de Los Angeles, onde as pessoas se alinhavam ansiosamente pela oportunidade de se misturar com os vampiros, doando sangue direto da veia, a fim de desfrutar do sexo que era oferecido em troca. Lonnie podia ser encontrado na casa de Malibu, com gente bonita. — Mas por que… — Cyn estava prestes a perguntar por que Duncan tinha sido tão enfático sobre o compartilhamento de seu próprio sangue, então respirou. — Raphael.
— Senhor Raphael — ele concordou com seriedade. — Ele não partilha de bom grado.
— Que direito tem ele…
— As conseqüências não seriam para você, mas para Mirabelle, Cynthia.
E não é só a alimentação que ela vai necessitar, há a questão da proteção.
— Tudo bem, tudo bem. Então, o que… — Cyn girou quando um baque surdo ecoou pelo hangar. Ela olhou para o pequeno avião, tentando ver se alguém estava se movendo dentro. — Duncan. — disse ela em voz baixa. — Eu acho que ela está acordada.
Mirabelle acordou lentamente, seu corpo fraco, sua mente entorpecida, sem a clareza que ela geralmente experimentava quando despertava. Ela ficou imóvel, como sempre, ouvindo, farejando o ar. Ela abriu os olhos. Luz. Havia muita luz. Alguém tinha aberto a porta do armário enquanto ela dormia? Estava alguém esperando…
Seu coração saltou em pânico quando os seus sentidos a chutaram. Ela não estava no seu armário. Este não era o seu cobertor - ela afastou a coberta estranha e olhou para si mesma - ela tinha dormido com a sua roupa, algo que ela nunca fazia. Ela expandiu seus pulmões, e chegaram-lhe aromas estranhos de metal, óleo, e comida, algo picante, ela não se lembrava de nenhuma comida com aquele cheiro.
Ela se sentou, empurrando o cobertor com as mãos trêmulas, lutando para sair da cama. Estava em uma espécie de plataforma, escondida em um quarto pequeno, cercada de paredes por três lados e a sua saia longa não possibilitava grandes movimentos. Suas pernas caíram sobre a borda do colchão e os pés tocaram o chão acarpetado. A porta que estava à sua frente se encontrava aberta, luz artificial irradiava do corredor. Levantou-se lentamente, uma mão deslizando para a parede mais próxima para obter suporte. Ela tinha pavor de sair para a luz, mas também tinha medo de ficar na escuridão. A fome decidiu por ela, golpeando sem aviso e dolorosamente intensa. Ela ficou aterrorizada. E se não houvesse sangue? Será que ia morrer? Ela tinha ouvido histórias de vampiros que ficavam vivos por meses, anos até, sem sustento.
Histórias de horror.
Ela deu um passo em direção à luz, chorando quando uma súbita pontada de dor a levou a ficar de joelhos, se curvando numa bola apertada de agonia.
Jabril Karim. Só ele poderia fazer isso, mas por quê? O que ela tinha feito? A dor dobrou, então triplicou e ela gritava mais e mais, incapaz de fazer qualquer coisa que não fosse dar voz ao tormento do seu corpo. Cada nervo estava pegando fogo, todos os músculos encolhendo e esticando ao acaso até que ela pensou que sua pele se romperia e seu corpo iria voar além. Sem nenhum aviso, a dor se foi, parando tão rapidamente como tinha começado. No silêncio, ouviu um sussurrar. Ela se mexeu em direção à luz, mas os sussurros continuaram, crescendo mais alto, perseguindo, ameaçando-a com mais tortura, mais agonia se ela não… O quê? O que eles querem que ela faça? — Ouça.
Mirabelle ouviu e balançou a cabeça, horrorizada com o que ouviu. — Ouça — a voz exigiu novamente. — Olhe. — Ela vislumbrou uma imagem. Uma mulher de cabelos escuros, seu corpo deitado de barriga, mole. O seu rosto bonito, estava com cortes, grandes e sangrentos, que Mirabelle… Ela ofegou em voz alta e olhou para as próprias mãos, seus dedos se enroscaram em garras como as de um animal. Ela provou seu próprio sangue quando as presas dividiram suas gengivas, forçando seu caminho por entre os lábios. Ela respirou fundo, estremecendo devido ao horror, então ela se levantou e deu uma guinada em direção à porta aberta.
Capítulo 18
Os gritos ecoaram no pequeno jato, enchendo o hangar cavernoso e ricocheteando nas paredes de metal. Cyn correu para as escadas, tropeçando através da escotilha estreita a tempo de ver Mirabelle se agachar no chão ao lado de fora do compartimento para dormir, os olhos rolando branco com terror. Quando ela viu Cyn, ela recuou para o canto, com dentes à mostra, presas distendidas.
— Jesus, o que…
— Cynthia! — Duncan estava gritando em seu ouvido. — Não…
— Depressa, Duncan. — ela fechou o telefone e deu um passo adiante.
Mirabelle estava agachada contra a parede, sibilando desafiadoramente, as mãos enroladas como garras na frente dela.
— Mirabelle. — Cyn disse, estendendo a mão — Mirabelle sou eu.
Cynthia. Você está bem. Você está segura.
Mirabelle congelou. Ela olhou em silêncio no início, então fechou os olhos e começou a balançar-se para trás e para frente, sussurrando algo, resmungando para si mesma. Cyn deu um passo em frente, tentando entender o que a vampira dizia.
— Por favor, por favor. Me desculpe, desculpe… — A menina estava repetindo as mesmas palavras vezes e vezes sem conta, os braços envolvidos com tanta força sobre seu corpo que estava retirando sangue com suas próprias garras. Seu corpo balançava ao ritmo de suas palavras, a cabeça batendo suavemente na divisão atrás dela, com cada ciclo.
Cyn não sabia o que fazer.
Por que não pensou sobre isso, por que não arranjou alguém para estar aqui, alguém que sabia o que fazer? Jesus, quanto tempo demoraria Duncan a chegar?
O telefone tocou e ela agarrou-o. — Duncan?
— Qual empresa aérea você usou?
— Lonnie?
— Eu mesmo, babe. Qual companhia aérea? — Ela disse a ele. — Sei qual é. — Ele disse alguma coisa, provavelmente para quem estava dirigindo. — Agüenta, Cyn.
Ela queria gritar para ele se apressar, mas uma olhada para Mirabelle disselhe que gritar, provavelmente, não era uma boa idéia. Ela pensou sobre a porta do hangar. Estava bloqueada? Ela não conseguia se lembrar. Mas, que diabos, eles eram vampiros. Se eles queriam a porta aberta, eles abririam. E, além disso, Mirabelle tinha aberto novamente os olhos e estava olhando para Cyn com um olhar de fome.
— Ok, vamos manter a calma aqui, Mirabelle. Eu sei que você está com fome, mas Lonnie… Bem, você não o conhece, mas ele está trazendo sangue.
Mirabelle sibilou com raiva… Ela se inclinou um pouco para a frente, como se estivesse se preparando para atacar? Cristo, talvez fosse melhor não falar sobre comida, depois de tudo. Cyn ficou em silêncio e começou a calcular quanto tempo levaria para alguém chegar - Duncan ou Lonnie, ela não se importava qual. Qualquer um deles poderia lidar com isso melhor do que ela.
Ela traçou mentalmente o percurso de Duncan desde Malibu até ao aeroporto, talvez tenha parado para pegar Lonnie? Sim, tudo bem, mas isso não teria tomado muito tempo, Lonnie devia ter esperado no lado de fora da casa e pulado dentro do carro rapidamente.
Claro, havia o trânsito. Mas a esta hora do dia, indo para sul, não devia estar muito ruim. Suas pernas a estavam matando, pois ela estava agachada no corredor estreito, ela tinha medo de se mover. Mirabelle parecia estar em uma espécie de espera vigilante. Meu Deus, à espera de quê? Isto era como aqueles shows da natureza mostrados na televisão, onde o leão senta e espera o antílope cair na exaustão, para depois atacar?
Ela estava tão concentrada a olhar para a vampira que tinha se esquecido que estava a segurar o telefone. Quando ele tocou, ela quase o deixou cair no chão. — Onde você está? — Ela sussurrou. Ouviu o medo em sua própria voz e amaldiçoou.
— Cinco minutos, babe. — Era Lonnie novamente. Ele falou com alguém, e então disse: — Há algum carro na frente do seu hangar?
— Não da última vez que eu olhei. Tenho todas as luzes acesas.
— Ok, já vi. Estamos quase lá.
Ela ouviu o som de um carro e depois ouviu a porta do hangar ser aberta.
Um bater de passos no chão de concreto e depois passos a subir as escadas. Ela virou-se para Duncan quando ele entrou pela porta… E Mirabelle atacou.
Capítulo 19
Cyn ouviu um movimento atrás dela e então ela estava caindo, Duncan agarrou seus ombros e colocou-a nos braços de Lonnie. — Duncan — ela gritou, lutando contra o aperto de Lonnie. — Não machuque… — Ela soltou-se, tropeçando a tempo de ver Mirabelle congelar, com os olhos travados em Duncan. Ele estendeu a mão para ela, baixa, num gesto não ameaçador.
— Está tudo bem, pequena — disse ele em voz baixa. — Você está segura.
Mirabelle olhou cautelosamente para o vampiro estranho que vinha em sua direção. Ele tinha um rosto bondoso – seus grandes olhos castanhos eram gentis, mostravam preocupação por ela e sua voz tinha um sotaque sulista que lhe lembrava o seu pai. A sensação de calor a cercava, cobrindo-a, selando-a…
As vozes.
Ela começou, de repente, a perceber que as vozes tinham sumido, nem mesmo um sussurro havia permanecido. Ela fechou os olhos, sentindo as lágrimas começarem a rolar pelo seu rosto.
O vampiro tinha se agachado na frente dela e estava dizendo alguma coisa. Ela olhou para cima. — Quem é você? — Ela sussurrou.
— Meu nome é Duncan e eu vou cuidar de você.
— Ele me quer de volta.
— Eu sei.
— Eu não vou voltar. Eu não posso.
Ele balançou a cabeça. — Eu sei. Você não precisa se preocupar com isso.
Está com fome?
— Sim — ela admitiu em voz baixa.
— É claro que você está. Você teve um tempo difícil, Mirabelle, mas não mais. Você pode beber de uma bolsa?
— Sim. É a única coisa que eu sei fazer — Ela tinha vergonha de admitir isso.
— Eu vejo. Bem, tudo bem então. — Ele girou sem levantar-se e disse alguma coisa para as duas pessoas que estavam atrás dele. Mirabelle olhou para cima, realmente vendo pela primeira vez. Outro vampiro com cabelos longos e…
— Cynthia — ela disse suavemente, com admiração.
— Hey — a investigadora respondeu com um sorriso. — Você me assustou. Você está bem?
— Sinto muito.
— Não se preocupe, querida. Nós vamos cuidar de você.
Mirabelle baixou a cabeça, aliviada e envergonhada ao mesmo tempo.
Duncan ainda estava falando, dizendo algo em uma voz baixa ao outro vampiro, depois a Cynthia. Mirabelle ainda estava muito desorientada para ouvir as palavras, mas o outro vampiro, aquele com o cabelo comprido, estava segurando uma espécie de caixa. Ela sentiu o cheiro de sangue e a fome torceu ferozmente dentro dela, como se soubesse que o sustento estava perto. Ela observou avidamente quando o vampiro colocou a caixa no chão e deixou a cabine do avião. Cynthia encarava Duncan com uma expressão obstinada.
Finalmente desistindo, ela chegou ao outro lado do assento e puxou um grande saco de compras, empurrou-o para Duncan e murmurou um juramento antes de sair pela escotilha aberta.
Cyn desceu as escadas, frustrada por Duncan não a ter deixado ficar. — Que diabos foi aquilo? — Ela perguntou a Lonnie.
— Aquilo — disse ele — Era provavelmente o seu Senhor tentando forçá-la a voltar para ele. Duncan o bloqueou por agora.
Ela olhou para ele com espanto. — Duncan pode fazer isso?
Lonnie deu-lhe um olhar divertido. — Você não chega ao cargo de tenente do Senhor Raphael por ser um amor.
— Oh. Eu acho que nunca pensei nisso dessa forma.
— Não há razão para que você deva, babe. — Ela deu-lhe uma carranca indiferente pelo carinho odiado.
— O que ele está fazendo lá?
— A alimentação infantil. Eu trouxe alguns pacotes a mais, não sabia a extensão da fome dela.
— Por que Duncan não me deixou ficar?
— A menina está envergonhada. Ela é jovem, mas um vampiro da sua idade já deveria se alimentar a partir de uma veia. É como uma criança de seis anos de idade ainda usando mamadeira. Não é culpa dela, é claro, mas… — Ele encolheu os ombros.
— Então, o que fazemos agora?
— Vamos esperar por Duncan para se decidir o que acontece em seguida.
Cyn não gostou do som daquilo. — Eu acho que deve ser Mirabelle a decidir, não Duncan. Eu não a trouxe de tão longe para que outra pessoa…
— Cyn, a garota precisa de ajuda.
Ela tinha que admitir que era verdade. E Duncan tinha vindo, então ela estava disposta a ouvir o que ele tinha a dizer. Isso não queria dizer que ela faria o que ele dissesse, mas ela ouviria. — Então, vocês voltaram para Malibu?
Pensei que tinham se mudado para as montanhas depois do que aconteceu com Pushkin. — O falecido Pushkin, era o vampiro que tinha tentado derrubar Raphael, seqüestrando sua irmã, Alexandra, para usá-la como isca.
— Nós o fizemos. Não durou muito tempo. O grandalhão odeia o frio.
— Raphael também está aqui?
Lonnie deu-lhe um olhar astuto, então riu, mas ficou sério quando Duncan apareceu no topo das escadas, e depois desceu na direção deles.
— Como ela está? — Cyn perguntou a ele.
— Tão bem quanto se pode esperar — disse ele rapidamente, com aquele sotaque sulista que vinha de tempos da sua memória. — Ela está fraca e desnutrida; seu antigo mestre fez de tudo para mantê-la em servidão, ele abusou fisicamente dela por anos. Nós não tínhamos idéia. — Ele balançou a cabeça. — Sabíamos que ele a tinha transformado jovem; suspeitávamos de coerção, mas isso…
— Você já conheceu Jabril Karim? — Cyn perguntou.
— Não em todas as palavras, não. Eu o vi, é claro, nas reuniões. Os senhores raramente socializam além das formalidades, e Jabril Karim ainda menos que os outros.
— Bem, eu o fiz. O cara é uma bola de merda total. Ele mantém um harém de escravos de sangue em seu porão, não ficaria surpresa se ele já tivesse enterrado um corpo ou dois na sua propriedade.
Duncan olhou para ela em alarme. — Ser| que ele, isto é, você foi…
— Não — disse Cyn. — Ele esteve próximo em certa altura, mas não.
— Graças a Deus, pelo menos. Estávamos preocupados. Você não respondeu às minhas mensagens nem às de Raphael… — Ele parou abruptamente e suspirou, esfregando o rosto com uma mão. — Será que você ouviu qualquer uma das minhas mensagens, Cynthia?
— Eu te disse…
— Sim, eu sei, mas você ouviu as mensagens?
Cyn franziu a testa e desviou os olhos, incapaz de encontrar aquele olhar honesto. — Não.
— Não — repetiu ele.
— Sinto muito, ok?
Ele a olhou por alguns minutos, deu uma olhada a Lonnie e disse. — Lonnie, você poderia nos dar um momento?
— Claro — Lonnie disse alegremente. — Vou esperar lá fora.
Cyn olhou para os próprios pés, consciente do escrutínio de Duncan enquanto Lonnie caminhava até a porta, fechando-a silenciosamente atrás dele.
Ela olhou para cima. — Então?
Duncan sorriu de diversão, que só aprofundou a sua carranca. O sorriso cresceu para uma risada. — Estou contente de ver você segura, Cynthia. Mesmo que tenha trazido um problema.
— Eu não podia deixá-la lá, Duncan.
— Eu entendo.
— E agora?
— Ela deve retornar comigo à fazenda. Ela precisa de alimentação regular – não estou a exagerar quando falo em desnutrição. Jabril Karim deve ser castigado pelo que fez. Infelizmente, poucos dos senhores são tão compreensivos quanto o Senhor Raphael.
— O que Mirabelle quer fazer? Você vai perguntar…
— Cynthia, quando você vai aprender que não somos os monstros que você pensa?
Cyn respirou fundo. Ela estava ficando cansada de pedir desculpas. — Eu não o faço, você sabe…
Duncan levantou uma sobrancelha.
— Não acho que você é um monstro — explicou Cyn. — Eu também não confio em humanos. — Ela sorriu.
— Fiquei mais tranqüilo — disse ele secamente.
— O que ela está fazendo lá?
— Mudando de roupa, acho eu. Ela ficou muito animada quando eu lhe mostrei as suas compras. Foi gentil de sua parte.
— Sim, bem, eu posso ser gentil também, você sabe.
— Sim, na verdade, eu sei.
— Ok, agora eu estou preocupada. Por que você está sendo tão bom para mim? — Ela estava brincando, mas apenas em parte.
— Ele vai querer vê-la.
Seu bom humor desapareceu. Ela nem sequer precisou perguntar quem era “ele”. — Por quê?
Duncan suspirou impaciente, esfregando os dedos entre os olhos, como se tivesse uma dor de cabeça… Ou talvez duas. — Jabril Karim pode de fato ser um cretino, como você diz, mas é também um vampiro poderoso. Ele certamente sabia de sua ligação com o Senhor Raphael… — Ele levantou uma mão para evitar seu protesto de que nenhuma conexão existiu. — Você tomou o sangue dele, você teve relações sexuais com ele, mais de uma vez.
Cyn sentiu uma onda de constrangimento aquecer o seu rosto, mas não podia negar o que ele tinha dito.
— Para um vampiro poderoso, a troca de sangue é uma maneira de marcar os que lhe são importantes, particularmente amantes humanos. Jabril Karim certamente percebeu sua conexão no momento em que a viu. Ele pode até te ter chamado especificamente porque sabia que você era amante de Raphael. Os senhores são ferozmente competitivos. A oportunidade de assumir algo de Raphael… — Ele balançou a cabeça. — Quando não conseguimos falar com você, tememos o pior.
Ela não sabia o que dizer. Uma parte dela se sentia extremamente feliz ao saber que Raphael se preocupava com ela. A parte mais sóbria resistiu, ela não gostava da ideia de ter sido “marcada” como propriedade de alguém e se ressentiu ao saber que não era nada mais do que uma peça de jogo entre os dois senhores vampiros, valiosa apenas porque o outro a queria. Ou já teve, de qualquer maneira. — Bem, eu já estou de volta — disse ela, mostrando algum ressentimento. — E eu estou bem. Você pode lhe dizer isso. Não há necessidade…
— E então há a questão de Mirabelle.
Ela olhou para ele, sua boca aberta em meados da frase. — Mirabelle?
— Eu a tenho protegido das tentativas de Jabril Karim, ele está tentando fazer com que ela volte para seu lado. Se não o fizesse, ela enlouqueceria.
Porém a minha proteção não vai durar muito. Este é o território do Senhor Raphael e Mirabelle é filha de outro. Ela é, como você apontou, maior de idade e livre para tomar suas próprias decisões, mas muito jovem e inexperiente para que possa sobreviver por conta própria. Ela vai precisar da permissão do Senhor Raphael para permanecer, e, talvez mais importante, da sua proteção para sobreviver.
— Então?
Ele deu-lhe um olhar pleno. — Mirabelle deve aparecer ante o Senhor Raphael e pedir-lhe proteção, eu posso garantir que ele irá se recusar a vê-la, a menos que você concorde em ficar ao seu lado. Você é afinal, a responsável por ela estar aqui.
— Se é tão importante… — e se ele estava assim tão preocupado, acrescentou silenciosamente —… por que ele não está aqui?
— O Senhor Raphael está ocupado esta noite.
— Ocupado como? — Perguntou ela rapidamente, ignorando um flash irracional e indesejado de ciúmes.
Duncan balançou a cabeça, a olhando meio com diversão e meio com exasperação. Ele respirou fundo e franziu a testa. — Ele recebeu um telefonema da polícia humana.
— Os assassinatos — disse Cyn quase sem fôlego. Ele a cortou com um olhar rápido.
— Você sabe dos assassinatos?
Cyn acenou com a cabeça. — Eu liguei para Lucia Shinn quando voltei.
Preciso encontrar Elizabeth, a irmã humana de Mirabelle. Foi por isso que Jabril me contratou, em primeiro lugar. Seu aniversário de dezoito anos é em algumas semanas e ele planejava transformá-la do jeito que ele fez com Mirabelle.
— Dando-lhe assim, o controle sobre toda a fortuna Hawthorn.
Cyn acenou com a cabeça. — Felizmente, Elizabeth não é estúpida, ela descobriu o que ele tinha planejado e fugiu. Mas quando cheguei lá, duas coisas ficaram óbvias. Primeiro, Jabril só me contratou por curiosidade e para enfurecer Raphael. — Ela balançou a cabeça com a sua expressão. — Eu não estou totalmente boiando, Duncan. E segundo — ela continuou — quando eu encontrar Elizabeth, vou fazer das tripas coração para vê-la bem longe de Jabril Karim. Porque monstros existem em várias formas e tamanhos Duncan, até vampiros.
— De fato. — Ele murmurou.
— De qualquer forma, Luci me disse sobre os assassinatos que andam a acontecer aqui em LA. Ela está chateada e acha que não está sendo feito o suficiente para encontrar o assassino. Fiz algumas chamadas e descobri que a polícia acha que eles têm um vampiro assassino em série em suas mãos.
— Não qualquer vampiro, Cynthia. O senhor Raphael.
Cyn olhou. — Raphael? Eles acham que Raphael é o assassino, mas isso é ridículo.
— Eles afirmam ter uma testemunha de um dos crimes.
— Mas, com certeza. Quero dizer, Raphael… Ele nunca está sozinho, não é? Seus seguranças…
— Precisamente, ‘os seguranças dele’. A polícia não d| crédito a qualquer uma de nossas testemunhas, porque eles são vampiros, todos eles, são Vampiros.
— Bem, foda-se. Eu disselhes que não podia ter sido um vampiro a fazer aquilo, Raphael jamais…
— Eles o estão questionando neste momento.
Cyn olhou para ele em alarme. — Por que você não está com ele? Será que ele tem um advogado?
— Meu mestre mandou-me para ajudá-la em vez disso, e sim, ele tem advogados com ele. A polícia originalmente queria interrogá-lo na estação, mas abriram uma exceção. O Senhor Raphael não é um homem sem influência.
— Okay. Okay. — Ela começou a andar. — Olha, eu já comecei a olhar isto para Luci. — Ela olhou para cima. — Irei ver os corpos mais tarde, esta noite. — A face de Duncan mostrou a sua surpresa. — Eu também tenho influência — ela retrucou. — Não sei exatamente quando, mas vou precisar esconder Mirabelle em algum lugar…
— Eu j| disse…
— Sim, sim, mas eu estive pensando sobre isso, e vai ser melhor ela ficar com Lucia Shinn. Luci está acostumada a lidar com medo, com crianças, e é isso que Mirabelle é, mesmo sendo uma vampira. Eu vou buscá-la antes do amanhecer e a levarei para minha casa. Ela estará segura lá, por enquanto, de qualquer maneira. — Ela fez uma pausa — Você está certo, no entanto. Ela vai precisar de outra coisa, a longo prazo, mas não sei se a propriedade de Raphael é o ideal. Você não viu o palácio da testosterona no Texas. Eu vi. Ela precisa de algo… Mais. Eu não tenho certeza… Caramba. Eu precisarei me mover se quiser acompanhar isso, e ela não pode ir comigo. Ela não…
— Alexandra.
— O quê?
— Mirabelle pode ficar com Alexandra. Ela é um pouco mais velha, é claro, mas as experiências iniciais não são diferentes e Alexandra está…
Solitária, creio eu, desde o seqüestro, uma vez que Matias morreu. Eles estiveram juntos por muito tempo. Ele foi, talvez, seu único amigo real. Poderia ser bom, ela cuidar de outra pessoa, alguém com quem ela possa se identificar.
— Mas… — Cyn suspirou, tentando descobrir uma maneira de dizer o que ela queria, sem ofender ninguém. — Mirabelle é uma adolescente moderna.
Ou ela era antes daquele idiota a estuprar e lhe roubar a vida. Ela precisa ser livre, ser jovem novamente, e Alexandra… — Ela suspirou, lembrando-se da vampira na perfeita casa senhorial francesa, que fica no meio de Malibu, com seu mobiliário antigo e salas de estar à luz de velas, para não mencionar sua coleção de vestidos antigos. — Ela vive no século 18, Duncan.
— Não mais — ele disse. — Acredito que os acontecimentos recentes foram como uma chamada de atenção para Alexandra. Ultimamente, ela tem experimentado outras coisas. Na verdade, em numerosas ocasiões, ela pediu a Raphael para você a visitar.
— Eu?
Duncan concordou. — Ela ficou bastante impressionada, digamos, com a forma profissional como você terminou com Albin, quando você a resgatou.
Cyn deu um grunhido muito grosseiro, lembrando a morte de Albin.
Tinha sido uma competição entre o vampiro e uma Uzi10. A Uzi tinha vencido.
Não que ele não o merecesse. Albin não tinha só traído Raphael e ajudado a seqüestrar Alexandra, ele quase tinha matado Cynthia também. — Ok — disse ela, pensativa. — Para esta noite, Mirabelle vai para casa comigo, se isso for o que ela quer, é claro, e depois…
— Isso é o que eu quero.
Ambos olharam com surpresa para ver Mirabelle na porta do avião, vestindo as roupas que Lucia havia escolhido para ela. Pela primeira vez desde que Cyn a conheceu, Mirabelle parecia o que ela tinha sido antes de Jabril transformá-la em vampira, o que ela seria de agora em diante. Uma adolescente. Os jeans desbotados ficavam um pouco grandes e a camiseta era um pouco brilhante demais para um vampiro pálido, mas estava claro que com algumas semanas de alimentação decente, ela seria muito linda. Seu cabelo loiro tinha sido escovado e preso em um rabo de cavalo, revelando surpreendentemente os grandes olhos azuis e uma boca cheia.
Cyn sorriu para ela, encantada. — O que me diz de fazermos uma fogueira para queimar os trapos velhos, Mirabelle? Podemos beber champagne e dançar nuas ao redor do fogo.
— Whoa, eu posso ir? — Lonnie estava em pé na porta aberta, olhando para a garota.
— Não — disse Cyn, dando-lhe um olhar sujo. — Só as meninas. Vamos lá, Mirabelle, vamos sair desta espelunca. Eu tenho uma amiga que quero que você conheça e esses caras têm negócios para cuidar.
10 Uzi é uma família de pistolas-metrelhadoras compactas (retirado da wikipédia).
Capítulo 20
Houston, Texas
Uma batida soou na porta da suíte privada de Jabril. — Entre — disse ele, sua atenção focada na sua última abotoadura. Ele olhou por cima do ombro quando a porta se abriu.
— Meu senhor, queria… — Asim gaguejou. A fome lutando com a repulsa em seu rosto quando ele viu as consequências sangrentas do ataque de raiva que seu mestre havia tido.
— Asim — Jabril disse calmamente, fazendo com que o seu tenente deixasse de olhar para a carnificina e olhasse para onde ele estava na porta do banheiro. — Eu quero todos os guardas que estavam de plantão na mudança de turno do nascer do sol, tanto vampiros quanto humanos, no meu escritório…
Não — disse ele, mudando de idéia. — É melhor fazê-lo lá embaixo, em algum lugar. Há probabilidade de ficar uma bagunça.
— A câmara de isolamento, meu senhor? — Asim disse fracamente.
— Excelente escolha, Asim. Sim. A câmara de isolamento. Trate disso, sim?
— Sim, meu senhor. Senhor…
Jabril levantou uma sobrancelha para ele. — Asim?
— Sobre isso. — Ele fez um gesto em direção à cama enorme, que ocupava a maior parte do quarto. Jabril olhou ao redor, como se vendo pela primeira vez. Sangue cobria toda a superfície, salpicando as paredes e móveis, encharcando os lençóis e travesseiros. Os restos do que havia sido a sua escrava de sangue favorita, estavam no meio da cama, seu longo cabelo loiro tingido de vermelho, sua garganta arrancada e seus olhos estavam vidrados e fixos. Ele tinha rasgado a maior parte do seu torso, parcialmente escondido pelo corpo de uma segunda escrava de sangue, que não tinha sido sua favorita, mas que tinha tido a infelicidade de ser escolhida para servi-lo ontem à noite. O que significava que ela estava com ele naquela noite, quando ele acordou para a percepção de que Mirabelle tinha fugido. Roubada por aquela puta, Leighton.
Uma névoa vermelha cobriu a sua visão com fúria, ameaçando ultrapassá-lo novamente, mas ele lutou contra, reforçado pelo sangue da vida das duas escravas com que tinha recentemente se banqueteado. Bem, pelo menos as suas vidas tinham sido bem gastas, pensou com satisfação.
— Sim — disse ele distraidamente, respondendo à pergunta de Asim. Ele já estava pensando em outras coisas, tal como a maneira com que iria recuperar a cadela ingrata da Mirabelle. Ela pagaria por essa rebelião quando ele a encontrasse. Passará muito, muito tempo, antes que ela ouse desafiar o seu domínio novamente — Terei isto limpo antes do amanhecer — disse Asim.
Virou-se para seu armário - felizmente as portas haviam estado fechadas, seu guarda-roupa inteiro poderia ter sido arruinado - vestiu um casaco, feito sob medida, e ergueu os punhos da camisa precisamente um centímetro, antes de atravessar o quarto em direção à porta. — Veja os guardas em primeiro lugar, no entanto, Asim. Eu quero saber como isso aconteceu.
Asim assentiu em silêncio, deixando a cabeça abaixada e os olhos baixos quando Jabril passou por ele em direção ao corredor. O tenente manteve sua postura respeitosa até que Jabril moveu-se para o elevador, ficando assim, fora de vista. Talvez fosse bom demonstrar seu poder ocasionalmente, Jabril considerou pensativo. Isso lembrava aos seus lacaios o preço do fracasso - algo que os guardas estariam aprendendo muito em breve.
Capítulo 21
Los Angeles, Califórnia
Cynthia verificou duas vezes o endereço que Eckhoff lhe havia dado. Ela foi parar na frente de um edifício de dois andares. A rua estava silenciosa e escura quando ela saiu de seu Range Rover, o único ruído era o de carros passando pela Olympic Boulevard a um par de quarteirões de distância e havia pouco trânsito àquela hora da noite. Ela olhou para cima quando passou pelo capô arredondado de seu caminhão. À primeira vista, o edifício era igual a qualquer outro no bairro, em sua maioria comercial, sem janelas e escuro, exceto por uma luz de segurança nos arredores do perímetro. Mas os tijolos das paredes eram novos, e ocultas entre as luzes de segurança estavam câmeras de vídeo discretas que acompanhavam o seu progresso enquanto caminhava para a porta da frente. Não havia nenhum bloqueio, apenas uma entrada de teclado com um interfone.
Cyn se perguntou se ela deveria anunciar a sua presença, tocando na campainha. Quando finalmente Eckhoff lhe telefonou, ele deixou claro que essa visita seria fora do radar. Ela estava na Luci, deixando Mirabelle, quando o seu telefone tocou. Mirabelle, no início, tinha ficado nervosa por ter que permanecer na casa de fuga, mas as crianças a tinham recebido com sua amigável suspeita de costume, não sabendo e nem se importando que ela fosse uma vampira. Para eles, ela era mais uma vítima da vida, danificada, mas ainda não quebrada. O ponto alto foi quando Luci saiu do seu escritório, indo diretamente para Mirabelle e dando-lhe um abraço maternal. Nunca deixava de surpreendê-la como Luci, mesmo abraçando uma criança que fosse mais alta que ela, fazia com que essa criança se sentisse segura novamente. Quando Cyn saiu para se encontrar com Eckhoff, Mirabelle estava sentada na sala de estar com as outras crianças, assistindo televisão.
A porta se abriu quando ela ainda estava contemplando o interfone. — Quanto tempo vai ficar aí, Leighton? — Dean Eckhoff era alto e magro, com olhos azuis e cabelos que tinham sido vermelhos, mas que agora eram em sua maioria cinza. Dizer que sofrera um desbaste seria ser gentil. Ele estava vestido com sua habitual calça escura e casaco desportivo de lã, sua camisa debaixo bem passada.
Cyn encolheu os ombros. — Eu nunca estive aqui antes. É novo?
Ele assentiu, os olhos varreram a rua rapidamente antes de puxá-la para dentro e fechar a porta com um empurrão firme. — Alguma mente brilhante decidiu que precisávamos de uma instalação especial, para segurar vampiros.
Você sabe, sem janelas e tudo mais. Em seguida, foi salientado que talvez devêssemos ter um necrotério especial também. Para suas vítimas.
Cyn franziu o cenho. — As suas vítimas?
— Sim, para quando ressuscitarem dos mortos após três dias — ele falou lentamente.
Ela revirou os olhos. — Jesus, esses caras precisam parar de assistir reprises da Buffy.
Ele bufou. — Você não está sugerindo que alguém deva realmente estudar o assunto antes de ser tomada uma decisão, pois não, novata? Você é mais esperta que isso.
— Certo. Desculpe. O que eu estava pensando? Ok, então você está me dizendo que os poderosos decidiram que as mais recentes vítimas devem ser guardadas aqui, para o caso de ressuscitarem dos mortos.
— Isso. Você sempre foi a minha melhor aluna. Vamos lá, está lá embaixo.
— É claro. — Em sua experiência, os necrotérios eram geralmente no porão. Ela não sabia o por quê. Talvez a prática remonta de quando não havia refrigeração e os corpos tinham que ser mantidos no subsolo para ficarem mais frios. Ou talvez algum tipo de gesto simbólico de enterrar os mortos indesejados.
Eles passaram pelo elevador, indo para a porta de incêndio. Eckhoff a empurrou e desceu as escadas com Cyn logo atrás dele. A porta do porão se abriu e ela sentiu aquele cheiro de morgue, o cheiro de produtos químicos, produtos de limpeza… E algo mais, o cheiro da morte. Não era pútrido, nada como carne podre ou visões de zumbis. Mas entrou nos seus pulmões como um ar mais processado e demorado, ocupando espaço e fazendo-a trabalhar o dobro para poder pegar ar.
— Cyn?
Ela olhou para cima e percebeu que tinha parado de andar. — Sim, me desculpe. Já faz um tempo.
Eckhoff grunhiu. — Você não vai acovardar não é? Não vai desmaiar ou, Deus me livre, vomitar? Seria muito embaraçoso.
Cyn sorriu para ele. — Jesus, Eckhoff, eu não sabia que você se importava.
— Não por você, Leighton. Por mim. Eu jamais voltaria aqui embaixo, se um dos meus próprios recrutas tivesse jogado o seu almoço ao longo de um corpo morto.
Ela apertou seu braço levemente. — Não se preocupe, meu velho. Eu vou ficar bem.
Ele levou-a através de um conjunto de portas duplas, batendo uma chave plana de metal na parede para abrir as portas bem antes de chegarem nelas.
Aquilo foi desenhado para as macas, para que os técnicos pudessem ter as portas abertas quando passassem com um cadáver.
Um loiro magro olhou para cima quando eles entraram, os olhos dele deslizando sobre Eckhoff e Cyn. Ele se levantou atrás de sua mesa penosamente limpa, removeu um par de óculos de leitura com uma mão e fechou a pasta que ele estava olhando com a outra. Ele parecia jovem demais para precisar de óculos de leitura, e Cyn se perguntou se era uma afetação.
— Detective Eckhoff — disse ele em voz baixa, sussurrando.
Eckhoff girou o braço, fazendo uma rápida introdução. — Ian Hartzler, Cynthia Leighton. Ian é o técnico de noite aqui na instalação. Costumava estar na baixa, mas quando abriram este lugar, ele se ofereceu.
Cyn estudou Hartzler. Ele tinha estatura média, talvez um metro e setenta, com ombros estreitos, mas que eram quadrados e bem formados. Ele tinha cabelos loiros e olhos tão pálidos que quase se misturavam com o branco ao seu redor. Aqueles olhos olharam para ela, quase sem piscar. O cara era meio estranho.
— Por quê? — Ela perguntou a ele.
Ele ergueu as sobrancelhas pálidas, questionando.
— Por que você se voluntariou? Acho que não houve exatamente uma corrida para a posição.
Ele sorriu, um alongamento fino de seus lábios que não mostrou nenhum dente. — Eu sou intrigado com o incomum, e vampiros são certamente incomuns, você não acha?
Hartzler subiu no seu medidor pessoal de estranheza de meio estranho para definitivamente estranho, mas Cyn manteve essa opinião para si mesma.
— Bem, eles são diferentes, eu vou te dar isso — ela admitiu.
Eckhoff fez um gesto impaciente. — Sim, tudo bem. Mas vamos começar com isso, antes que alguém apareça.
— Certamente. — Hartzler caminhou até uma fileira de portas de aço inoxidável brilhante, colocando a mão sobre uma das alças, mas antes de fazer qualquer coisa ele olhou por cima do ombro e perguntou? — Você vai querer ver os cinco? Por ordem de morte?
Cyn acenou com a cabeça. Ela notou que o técnico sabia exatamente a que gaveta ir sem ter que verificar o arquivo ou até mesmo olhar para a marca na própria porta.
Hartzler deu um sorriso satisfeito, então puxou a porta com uma conversão maçante de selos de liberação. Após a abertura, ele deslizou o corpo para fora, olhou para Cyn, como se para ter certeza que ela estava prestando atenção, então puxou o lençol verde pálido com um floreio. — Patti Hammel — disse ele. — Tinha 22 anos; causa da morte, traumatismo crâniano.
Cyn franziu o cenho. — Força bruta? — Ela olhou para Eckhoff.
— O sangramento foi após a morte.
As sobrancelhas de Cyn se ergueram em descrença. — Após a morte?
Mas isso é quase impossível. Ele teria que tê-la drenado dentro de quê? — Ela olhou para Hartzler. — Dez minutos, talvez?
Ele baixou a cabeça lentamente, como em sinal de respeito, ou talvez pelo prazer que ela lhe proporcionou ao fazer aquela pergunta. — O coração pára, o corpo morre e o sangue começa a coagular dentro de cinco minutos — ele confirmou. — Sangrá-la totalmente, certamente seria impossível depois de quinze minutos.
Cyn apontou para o corpo. — Posso? — Ela perguntou educadamente.
Hartzler deu-lhe outro sorriso desdentado e um aceno de cabeça, antes de pisar para trás, abrindo espaço para Cyn ao lado do cadáver pálido. A pele de Hammel, que provavelmente tinha sido pálida na vida, estava praticamente translúcida na morte, já seca como papel delicado, colando nos ossos embaixo.
A morte era a morte. Refrigeração poderia fazê-la um pouco melhor, mas não muito.
O técnico do necrotério lhe ofereceu um par de luvas de exame que Cyn pôs rapidamente antes de inclinar a cabeça da menina morta para expor melhor o seu pescoço. Duas pequenas feridas redondas eram visíveis na parte esquerda da garganta, rodeadas por uma quantidade considerável de contusões. Cyn não era nenhuma médica especialista, mas mesmo assim, ela podia perceber que o atacante havia exercido muito mais força do que devia ter sido necessário, o que argumentava contra ele ser um vampiro. Escuros machucados com impressões digitais sugeriam que Hammel havia sido mantida no local, enquanto a carótida era perfurada. Cyn franziu a testa. Havia algo naquelas feridas que a incomodava, mas ela não conseguia descobrir o que era.
Ela decidiu que pensaria sobre o assunto mais tarde. Ao olhar para cima, ela encontrou os olhos pálidos de Hartzler a observá-la avidamente. Ela se endireitou e olhou para Eckhoff. — Posso ver o arquivo com as fotos da autópsia?
Dean considerou-a silenciosamente, depois acenou com a cabeça na direção do Hartzler. Cyn ouviu os pés do técnico, e uma pasta apareceu na frente dela. Abriu-a rapidamente, olhando através das fotografias em cores vivas dos traumas infligidos à pobre Patti Hammel. Não foi preciso muito para imaginar a brutalidade do seu final, o terror que ela passou naquele momento.
Cyn fechou a pasta e disse calmamente. — Posso ver as outras agora, por favor?
Hartzler pareceu surpreso, mas ele respondeu com entusiasmo, cobrindo o corpo de Patti Hammel e deslizando-a de volta para o anonimato da geladeira do legista. Mais uma vez sem consultar as notas, ele foi diretamente para outra porta e abriu-a, repetindo as suas ações de apenas alguns momentos antes.
— Jane Doe número 1 — disse ele, com ar de apresentador de game show.
— Não identificada? — Cyn perguntou a Eckhoff abruptamente.
Ele deu de ombros. — Estas são crianças de rua na maior parte.
— Luci disse que ela se ofereceu para ajudar, mas ninguém ligou para ela.
Eckhoff folheou o novo arquivo. — Esta não levava identificação e ninguém na cena admitiu conhecê-la. As impressões digitais deram negativas.
— Ele pegou a pasta de Hammel novamente, uma carranca se formou. — Hammel não estava na rua. Ela era uma daquelas viajantes, subcontratada por muitas empresas diferentes. Isso colocou as suas impressões digitais em arquivo para identificação. Nenhum parente próximo, nenhum dos colegas de trabalho a conhecia socialmente. A maioria dos seus contatos era por telefone.
Ela era independente, alugou um apartamento em Culver City. Seu senhorio pensava que ela estava namorando alguém, disse que ela saía durante a noite várias vezes.
Cyn olhou para cima. — Namorando? Será que ele relatou o seu desaparecimento?
— Não.
— Curioso. — Ela olhou para o corpo da Jane Doe número 1. — Esta menina é muito mais jovem que Hammel.
— O médico estima 16 anos de idade, talvez mais jovem — Hartzler confirmou. — Ela era uma usuária de drogas pesadas. — Ele deslizou uma mão pelo seu braço, quase numa carícia, virando seu cotovelo para revelar uma erupção de picadas de seringas.
Cyn não comentou, foi direto para o pescoço da menina, encontrando duas perfurações que combinavam, quase que na perfeição, com as de Hammel.
— Mesma causa de morte?
— Não exatamente — respondeu Eckhoff. — Nenhum traumatismo craniano. Nós achamos que o assaltante aprendeu com o primeiro ataque e fê-lo mais limpo dessa vez. A morte foi exsanguinação, pura e simples. Além disso, esta estava alta, não houve necessidade de subjugá-la antes do ataque.
— Uh, huh. Próxima.
Eles desceram na lista, uma após outra, cinco jovens mulheres, incluindo duas Jane Doe, começando com a Patti Hammel e terminando com a menina que Luci tinha conhecido no abrigo, listada apenas como Carlene Doe. Hammel era a mais velha, a única que tinha sido atingida primeiro e a única que não vivia na rua. As outras seguiram o mesmo padrão de Jane Doe número um, pois elas estavam todos sob a influência, seja de drogas ou de álcool, e sangrado através do pescoço. Cyn puxou o lençol sobre o rosto de Carlene e acenou com a cabeça um ok para que Hartzler devolvesse o corpo à gaveta.
Ele o fez com movimentos suaves e praticados, fechando a porta com um reverencial florescer, antes de fixar os olhos pálidos de sua expectativa sobre ela. Cyn evitou o seu olhar desconfortável, ocupando-se a fazer anotações em um bloco de espiral pequeno que ela tinha tirado de sua mochila, querendo lembrar-se das informações tanto quanto ela poderia de sua breve olhada nos arquivos.
Ela terminou de escrever e estava a por tudo de volta em sua mochila quando o telefone de Eckhoff tocou. Era um barulho discordante no necrotério silencioso, o que a assustou um pouco. Eckhoff deu-lhe um olhar cético e, em seguida, entrou no corredor, a sua voz flutuando de volta através das portas fechadas. Cyn se mexeu com incerteza, infeliz que a cortesia a deixasse presa no necrotério até que Eckhoff terminasse a sua chamada.
— Eu sei quem você é. — A voz fina de Hartzler estava febril de emoção.
Cyn se virou, dando um passo automático para trás quando percebeu o quão perto ele estava dela. — O quê?
— Eu sei quem você é — ele repetiu, olhando. — Você é a investigadora.
A que eles confiam.
Ela não teve que perguntar quem eram ‘eles’. — Me desculpe, Sr.
Hartzler….
— Está tudo bem. Você pode confiar em mim para ser discreto. — Ele olhou na direção do Eckhoff de forma significativa. — Você está trabalhando para eles sobre isso? Existe algo que eu possa fazer para ajudar?
— Uh, obrigado, mas não. Eu não estou realmente…
— Claro, claro. Eu entendo. É difícil para eles, tenho certeza. Um dos seus próprios. — Ele escorregou um pedaço de papel dobrado no bolso. —Se… — Sua boca fechou-se quando as portas foram abertas, anunciando o retorno de Eckhoff.
— Nós já acabamos aqui, Cyn? — Eckhoff perguntou.
— Sim. — Ela agarrou em sua mochila e empurrou a porta, correndo pelo corredor até as escadas sem se preocupar em ver se Eckhoff a seguiu. Ele a alcançou antes da porta se fechar, suas pernas longas e magras subindo duas escadas de cada vez. Deu-lhe um olhar interrogativo, mas não disse nada até que eles estavam na rua, ao lado da porta do motorista de seu SUV.
— O que foi aquilo?
— Seu amigo aí é um fanático por vampiros. Eles se vestem de preto, põem dentes falsos na boca e empurram uns aos outros com fantasias de se tornarem a coisa real. Este é o seu emprego de sonho, ele é provavelmente a inveja de todos os seus pequenos amigos. — Cyn jogou a sua mochila no banco da frente e esfregou os braços vigorosamente, sentindo-se de alguma forma contaminada. — Ele se ofereceu para me ajudar em minha investigação para eles, qualquer coisa que ele pudesse fazer. Ele é um lunático.
Eckhoff olhou para o edifício. — Talvez. Mas é o meu lunático, e ele é confiável. Eu usei-o como um recurso, durante anos. Ele sabe dessas coisas tão bem como os documentos, e ele está mais do que disposto a falar sobre isso.
— Yeah? Bem, talvez você deva olhar para o seu recurso um pouco mais de perto, porque não foi nenhum vampiro que matou aquelas meninas.
— Como você sabe?
Cyn inalou profundamente, frustrada com suas próprias falhas. — Há algo errado. Não consigo exatamente… O quanto você sabe sobre este caso? Por que o médico especificou um ataque de vampiros? Quero dizer, já houve um desses antes?
Ele olhou para ela em descrença. — Você quer dizer, além de Carballo?
Você se lembra dela, não é? A policial que encontraram drenada na beira da estrada?
— Sim, eu me lembro dela, Dean. Mas como era para ser eu deitada na beira da estrada enquanto Benita estava ocupada derramando segredos do departamento para o seu namorado vampiro, eu não posso me sentir muito mal por isso, sabe?
Ele desviou o olhar, sua mandíbula apertada com tanta força que ela podia ver o osso branco sobressaindo contra a pele.
— Dean?
Ele manteve seu olhar sobre o tráfego distante. — O oficial de investigação sugeriu na cena que era uma mordida de vampiro. Toda a gente está vendo vampiros em todo o lado desde que Carballo morreu, e nós temos essa nova instalação pronta e esperando para ser usada. — Ele enganchou um dedo por cima do ombro. — Os corpos foram trazidos para aqui e autopsiados para confirmar a causa da morte. Eles pediram o usual – exame toxicológico, algumas amostras de tecido em torno das feridas, mas como tudo isso é de baixa prioridade, não chegou nenhum resultado ainda. Não é como não tivessem trabalho suficiente para fazer na cidade. Hartzler deveria cuidar de tudo o resto.
— Ótimo — Cyn murmurou baixinho.
— Eu disse que esse caso não é meu. Eu não tenho nada a ver com isso, e eu não sei muito mais do que você.
— Quem é a testemunha?
— Que testemunha?
— Não seja tímido, Eckhoff. Vocês estão alegando ter uma testemunha que identifica Raphael.
— Ei, foi você que disse que precis|vamos falar com ele…
— Não como um suspeito! É ruim o suficiente vocês pensarem que um vampiro está fazendo isso, mas Raphael? Você ficou louco. O cara tem um álibi mais apertado do que a porra do presidente, ele nunca está sozinho.
— Álibis podem ser falsificados, Cyn.
Ela riu. — Dean, se Raphael quisesse alguém morto, você nunca encontraria o corpo. Você realmente acredita que um lorde vampiro está deixando as meninas mortas na rua? Você tem alguma idéia de quanto poder ele tem?
— Não, não tenho! Nenhum de nós tem e esse é o problema. Temos um policial morto que ninguém nega que foi assassinado por um vampiro, e agora temos adolescentes mortas cobrindo as ruas. Como sabemos que não é o mesmo cara?
Cyn olhou para ele, debatendo o quanto dizer. — Eu já te disse o que aconteceu com Benita. Ela estava suja. Ela confiou nos bandidos mais do que nos policiais e acabou morta. Quanto ao vampiro que a matou… Você não precisa se preocupar com ele, nunca mais.
Eckhoff deu-lhe um olhar duro. — E como você sabe?
— Como eu disse antes, se Raphael quer alguém morto, você nunca vai encontrar o corpo.
— Ótimo. Isso é bom para caralho, Cyn.
— O que importa? Um vampiro a matou, e esse vampiro pagou o preço.
Menos um vampiro é um ponto para os caras bons, certo?
O olhar que ele lhe deu era de desapontamento, quase doía, e ela corou.
— Desculpe, Dean, foi um longo dia e não dormi muito. Mas você sabe que estou certa sobre alguns pontos.
Ele franziu a testa e respirou fundo pelo nariz. — Este caso é uma droga.
— Sim, é. Quem é sua testemunha?
— Eu não posso te dizer, Cyn. Você sabe disso.
Cyn pensou em argumentar, mas ele estava certo. — Hammel não se encaixa, você sabe — disse ela.
— Achamos que ela foi um acidente, que o cara tem um gosto para a veia e começou a procurar presas fáceis.
— Se um vampiro em LA quer sangue da veia, ele não precisa matar.
Pessoas fazem fila para serem voluntários. Inferno, seu amigo Hartzler, provavelmente, daria a sua orelha esquerda por uma chance, ele e todos os seus amigos. Você sabe sobre as casas de sangue. O que você acha que se passa lá?
— Talvez seja alguém que gosta de caçar.
Ela balançou a cabeça. — Não é assim que funciona. Um assassinato e os executadores de Raphael estariam sobre ele como o branco no arroz. Ele não duraria 24 horas. Esses caras não jogam jogos, Eckhoff, e eles não dão segunda chance.
Ele suspirou. — Este não é o meu caso — disse ele de novo, e ela detectou uma nota evidente de alívio sob suas palavras. — Eu posso ter uma conversa, mas isso é tudo.
— Eu sei. — Ela consultou o relógio. — Escute, eu realmente tenho que ir. Tenho mais uma parada para fazer antes de ir para casa, e então eu vou dormir por cerca de 10 horas na minha própria cama. — Ela esfregou o rosto cansado. — E depois eu tenho que voltar para o meu trabalho real, que é encontrar uma adolescente em fuga antes que ela se torne a próxima vítima.
— Isso está relacionado com o negócio no Texas?
— Sim, eu tenho certeza que ela correu para LA. Tenho Luci à procura, e eu dei o meu número a alguém que ainda poderia estar em contato, mas… — Ela deu de ombros. — Você sabe como funciona.
— Agulha no palheiro.
— Algo assim. Okay. — Ela deslizou para o banco da frente.
Eckhoff descansou uma mão em cima da porta aberta e se inclinou — Se cuida, novata. Quem está por trás desses assassinatos quer que a gente pense que é um vampiro, e ele pode não aceitar muito amavelmente que alguém estrague o seu blefe.
— O que mais há de novo? Não, não. — Ela acenou longe de sua objeção antes que ele pudesse dar voz a ela. — Serei cuidadosa. Agora deixe-me ir para casa.
Ele ficou para trás, deixando a porta fechar antes de bater no topo de seu caminhão e descer a rua em direção ao seu próprio carro, um sedan americano.
Cyn fez uma volta rápida e acenou pela janela aberta, enquanto ela passava. Ela tinha que voltar para Luci, pegar Mirabelle e acomodar a garota no condomínio antes do sol nascer. Assumindo que nenhum outro vampiro decidisse fazer uma aparição não programada.
Capítulo 22
Cyn estava morta de cansaço quando entrou na garagem sob o seu apartamento em Malibu. Ao seu lado no banco da frente, Mirabelle estava nervosa, preocupada com seu primeiro nascer do sol longe da segurança da única casa que ela havia conhecido — mesmo que a casa tivesse sido transformada em uma prisão por Jabril Karim. Cyn tentou tranquilizá-la, dizendo que ia ficar com ela durante o dia, que as janelas estavam todas cobertas com persianas que bloqueavam a luz solar em deferência aos hábitos de coruja de Cyn, mas a menina estava aterrorizada. Cyn realmente não podia culpá-la, mas ela estava tão exausta que era um esforço lidar com uma Mirabelle inquieta.
Ela destrancou a pesada porta da garagem do apartamento e segurou-a aberta para a menina, acenando em direção às escadas. — Vá em frente — ela disse. — Estarei lá em um segundo.
Mirabelle deu às escadas um olhar incerto antes de subir, enquanto Cyn empurrou a porta firmemente fechada e se virou para desarmar o painel de segurança. Ela franziu a testa, vendo a linha de luzes verdes que indicava que o sistema já havia sido desarmado. Cyn raramente se esquecia de ativar o alarme, e nunca quando ela estava viajando…
Ela ergueu os olhou para o som de um baque forte no andar de cima, como se alguém tivesse derrubado uma mala… Ou um corpo.
Cyn ficou perfeitamente imóvel, ouvindo… E não ouviu nada. Ela tirou a sua jaqueta e pegou a alça de segurança em sua arma, movendo-se silenciosamente ao pé da escada. Era perto do nascer do sol, talvez a menina tivesse desmaiado. Duncan havia enfatizado quão jovem ela era.
Cyn começou a subir as escadas, um pé de cada vez. Ela contornou o primeiro patamar e fez uma pausa. Havia um vulto escuro no topo das escadas, era Mirabelle enrolada em uma bola se segurando, choramingando baixinho.
Cyn correu até os últimos degraus, indo para baixo em um joelho e escovando uma mão tranquilizadora sobre as costas da jovem mulher, mas quando ela procurou na sala não encontrou nada. Ela piscou com a memória de Mirabelle encurvada sob o chicote de crueldade de Jabril e se perguntou se Jabril estava tentando contatá-la novamente. Talvez o escudo de Duncan não tinha sido suficiente depois de tudo.
Um borrão se moveu ao seu redor, sua mão foi automaticamente para o seu fixador de ombro e para a Glock 17 que lá estava. As sombras em sua sala de estar se deslocaram quando a sua mão tocou a coronha da arma. A arma estava quase fora do coldre quando percebeu quem era.
— Não — Cyn rosnou. Ela colocou a Glock de volta no coldre. Três passos duros a levaram à sala de estar. — Não, não, não. Você não pode fazer isso, Raphael. Você não pode vir aqui e…
Raphael se endireitou na sua altura máxima, sua estrutura poderosa elevando-se acima dela, com olhos negros que brilhavam como prata na pouca luz. Aqueles lábios sensuais estavam puxados para trás em um sorriso confiante, e as sombras acariciavam seu perfeito rosto, mostrando sua beleza.
Cada momento de angústia em relação ao mês passado veio à tona para perfurá-la no estômago, sufocando suas palavras e fazendo-a parar.
— O que você quer? — Ela manteve a voz baixa, esperando que ele não ouvisse a dor embaixo dela.
O lorde vampiro olhou para ela, seu belo rosto ilegível. Mas então, Cyn nunca tinha sido capaz de ler nada ali, a menos que ele quisesse. Ela desejava poder dizer o mesmo sobre si mesma.
— Eu queria saber que você está bem.
Ele parecia tão razoável. — Tudo bem — disse ela. — Você vê que eu estou, agora você pode sair.
— Cyn… — ele começou, mas ela ouviu Mirabelle gemer baixinho atrás de si e correu de volta para seu lado.
— Está tudo bem, Mirabelle — disse ela, se agachado ao lado da menina.
— Eu sinto muito, sinto muito — Mirabelle continuava a sussurrar em meio às lágrimas.
— Está tudo bem. Vamos querida, levante-se.
— Ela não pode — Raphael observou friamente.
Cyn sentiu uma onda de raiva substituir a dor. Ela se levantou, girou ao redor em um único movimento e marchou até ele, ficando perto de seu rosto. — Não faça isso com ela — ela sussurrou. — Ela veio comigo porque eu disse que você era melhor do que isso, melhor do que aquele idiota do Texas. Se você está puto comigo, tudo bem, fique puto comigo, mas não se atreva a usá-la assim.
Ele olhou-a, tão irritado como ela estava, e o primeiro pensamento de Cyn era saber que inferno de direito ele tinha de estar com raiva de alguém.
Eles olharam um para o outro pelo que pareceu uma eternidade, e então ele deu um passo em torno dela e foi até Mirabelle, indo para baixo em um joelho.
Cyn viu como ele colocou a mão suavemente no ombro trêmulo da menina e se inclinou para falar diretamente em seu ouvido. Sua voz era muito suave para Cyn ouvir qualquer coisa, mas o corpo magro de Mirabelle parou seu estremecimento, e ela começou a soluçar de alívio, os soluços se voltando para risos, quando todos os músculos pareceram relaxar ao mesmo tempo.
Mirabelle finalmente levantou o rosto, olhando para Raphael com algo perto de adoração, seus olhos azuis brilhando com lágrimas na pouca luz. Raphael estendeu a mão terna e as enxugou, tirou um cacho de cabelo de sua face. Cyn sentiu uma pontada aguda de ciúmes, seguida de imediato pela vergonha, como ela poderia ser tão mesquinha. E tão estúpida.
O vampiro levantou-se, trazendo Mirabelle com ele. Ele falou com ela novamente, e ela assentiu, dando-lhe um sorriso tímido, que ela em seguida transferiu para Cyn.
Cynthia se aproximou, com o cuidado de manter Mirabelle entre ela e Raphael. — Vamos, Mirabelle, o nascer do sol não pode estar longe. Deixe-me mostrar-lhe seu quarto, e você pode começar colocando algo confortável. Você não quer dormir o dia inteiro com essas roupas.
Sem olhar para trás, ela conduziu a jovem vampira pelo corredor além da cozinha e de lá para o maior dos dois quartos de hóspedes. Era um quarto agradável, embora impessoal, já que Cyn raramente tinha convidados para falar. Houve uma altura em que sua meia-irmã Holly tinha sido uma regular, uma visita que se auto convidava. Mas a última vez que Holly tinha vindo para ficar, ela tinha tentado entrar no estúdio privado de Cyn para roubar fotografias e vídeos dos seus clientes vampiros. Holly descobriu que os itens furtados valeriam um monte de dinheiro para diversos tablóides, impressos e televisão.
Ela estava certa.
Felizmente Cyn tinha-os travado, a ela e ao seu incompetente namorado ladrão, antes que conseguissem passar pela porta trancada. O que tinha, provavelmente, salvado suas vidas. Vampiros não recorrem a tribunais, se você violou sua privacidade. Suas soluções tendem a ser mais permanentes.
É claro, Holly não vê exatamente dessa forma. Não que Cyn se importasse. Holly não era mais bem-vinda, em qualquer circunstância.
Cyn foi até o armário onde algumas das roupas de sua irmã ainda estavam penduradas. Uma coisa que ela tinha a dizer sobre Holly, a mulher tinha um gosto excelente. — Vamos ver o que temos aqui — disse ela principalmente para si mesma. Ela vasculhou a roupa e veio com uma camisola de seda previsivelmente linda e cara que parecia como se jamais tivesse sido usada. — Que tal isso para hoje à noite? Amanhã podemos ir às compras e escolher algumas coisas que você goste.
Ela se virou, segurando a camisola, mas Mirabelle estava na janela, puxando as cortinas para trás e por diante, verificando a sua cobertura. Cyn atirou a camisola sobre a cama e se aproximou. Cyn foi para o lado da menina, ela estendeu-se e puxou para baixo a persiana. — Aí, você vê — disse ela em modo tranqüilizador. — A persiana cobre toda a janela, mas para ter certeza absoluta, podemos puxar as cortinas também. — Ela adequou a ação para palavras. — Acredite em mim, Mirabelle, nada passa. Este quarto é escuro como breu durante o dia.
— Ele é bom — Mirabelle disse abruptamente.
Cyn franziu o cenho. — Quem?
— O Senhor Raphael. Você disse que seria bom e ele é.
— Eu acho que não usei a palavra ‘bom’ para me referir a Raphael — Cyn respondeu acidamente.
Mirabelle corou. — Não, não exatamente. Mas ele é. — ela insistiu. — Vocês estão…
— Não! — Cyn disse rapidamente. — Bem, não mais — ela emendou. — Ele pode ser bom, mas ele também é um imbecil. Nunca se esqueça disso, Mirabelle. Os homens podem ser bons e doces quando querem, mas no fundo eles ainda são um bando de idiotas.
Mirabelle olhou para ela com cuidado, como se ela fosse totalmente louca.
— Não se preocupe. Você não precisa se preocupar com isso. Sim, Raphael é um cara decente quando ele quer ser, e ele irá protegê-la. Vamos deixar por isso mesmo. Agora. Há um banheiro aqui. — Ela se aproximou e abriu a porta, enfiando a cabeça dentro para se certificar de que havia toalhas e todo o resto que uma pessoa pode precisar para uma noite… Ou um dia. — A cama é confortável… — Sua voz sumiu quando viu Mirabelle novamente olhar ao redor ansiosamente. — Escute, Mirabelle, o armário é grande o suficiente. Se você vai se sentir melhor, podemos…
— Não — Mirabelle disse rapidamente. — Não. Eu não quero mais dormir em armários. — Ela respirou fundo e puxou os ombros para trás. — Eu vou ficar bem. Isso é maravilhoso, Cynthia. Obrigado.
Cyn sorriu, aliviada ao ver a menina recuperar sua força. Não uma menina, Cyn. Ela não é muito mais jovem do que você, não importa como ela se parece. — Tudo bem. Vou deixá-la. Se você precisar de alguma coisa, eu vou estar lá fora, ou lá em cima. O meu quarto é o de cima, mas se você chamar eu vou ouvir, ok? E eu prometo que vou estar aqui o dia todo. Estou totalmente cansada, você provavelmente vai acordar antes que eu faça.
— Okay. Obrigado.
— Sem problema. Durma bem. — Isso era um indicativo de quão estranha a sua vida tinha se tornado, Cyn nem sequer achou estranho dizer essas palavras para um vampiro prestes a ir dormir durante o dia.
Capítulo 23
Cyn pensava que Raphael já tinha ido embora, quando voltou para a cozinha mal iluminada. Ela ficou ao mesmo tempo aliviada e estranhamente desapontada. Mas então ela o viu de pé perto das janelas, de costas para a sala enquanto olhava o oceano. Ele se misturava perfeitamente nas sombras, e ela foi lembrada novamente o quão poderoso ele era, ele poderia chamar a escuridão para torno de si, como um manto contra os olhos humanos.
— Por que você chamou Duncan? — Ele perguntou.
Cyn piscou, surpresa pela contemplação de sua perfeição masculina. — O quê? — Ela perguntou confusa.
Ele girou com uma graça sobrenatural que fazia cada movimento parecer uma dança. — Por que Duncan? Você achou que eu não iria ajudá-la?
— Não — protestou ela. — Não, eu sabia que você iria, foi por isso que eu a trouxe aqui.
— Então por que chamar Duncan?
Ela não queria responder a essa pergunta. Ela não queria admitir o quanto doía falar com ele, vê-lo ali estudando-a com os olhos como prata enquanto a lua baixava no oceano lá fora. — Está ficando tarde, não é? — Ela disse. — Você não precisa voltar à sua propriedade?
Ele sorriu, divertindo-se com sua desajeitada mudança de assunto. Ele atravessou a sala, chegando tão perto que ela podia sentir o leve cheiro picante de sua loção pós-barba, podia ver um ligeiro pressionar de suas presas contra aqueles lábios que ela sabia de fato que eram surpreendentemente suaves. — Preocupada comigo, minha Cyn? — Ele murmurou.
Ela fechou os olhos brevemente lutando contra a vontade de fechar aqueles últimos centímetros e enterrar-se em seus braços. — Eu não sou sua.
— ela sussurrou desesperadamente. — Eu não sou de ninguém.
Raphael estendeu a mão para emaranhar os dedos em uma mecha de seu cabelo e puxá-la para mais perto. Suas narinas ficaram infladas quando ele respirou. — Ele tocou em você.
— Não. — ela se opôs, antes de se lembrar da sensação pegajosa do toque casual de Jabril. — Só o meu braço, eu não queria…
— Eu deveria matá-lo por isso. — Sua boca estava contra sua pele, seu hálito quente contra sua têmpora, e ela não conseguia se lembrar quando ele tinha chegado tão perto. Lábios macios mordiscando por sua face até a boca em espera. Ela gemeu um protesto fraco quando a boca se fechou sobre a dela, quando seu braço se envolveu em torno de suas costas e a puxou contra o comprimento de seu grande corpo sólido.
Não havia nada de romance ou sedução no beijo. Foi duro e exigente, fome e necessidade. Presas correram para fora, beliscando sua língua, e Raphael cantarolou com prazer quando o seu sangue se misturou ao sabor de sua boca. Ela apertou-se contra ele, precisando sentir a sua excitação, precisando saber que ele a queria tanto quanto ela o queria. Ele a ergueu, deixando suas presas afundarem na maciez de seu lábio inferior e rosnando quando o sangue quente começou a fluir. A sensação trouxe uma onda de desejo e Cyn envolveu os braços em torno do seu pescoço, passando os dedos pelo seu cabelo curto. Ela o mordeu de volta, pressionando os dentes humanos em sua boca macia, saboreando o gosto de seu sangue, sentindo uma onda de êxtase quando este desceu por sua garganta.
Raphael colocou a mão em concha na bunda dela e trouxe as pernas ao redor de seu quadril, colocando sua ereção na fenda entre as coxas dela. Ela gritou, querendo-o mais que a vida naquele momento, querendo sentir o seu peso pressionando-a para baixo, abrindo-lhe as pernas e mergulhando seu pau dentro dela, duro contra suave, seda contra cetim.
E ela se lembrou de Duncan dizendo-lhe como os lordes vampiros marcavam seus amantes humanos. A fria realidade caiu sobre ela.
— Não! — Ela forçou a palavra para fora. Seu corpo gritou com raiva, ansioso para ter sexo com ele. Seu coração se partiu novamente quando ela o empurrou. Ela escolheu a raiva em vez do sofrimento, fortalecendo-se com ela e empurrando ambas as mãos contra seu peito pesado. Ela cambaleou um pouco quando ele a deixou ir. — Por que você não apenas tatua seu nome na porra da minha testa! — Ela rosnou, limpando o sangue deles de sua boca com uma mão.
Raphael se esticou incrivelmente rápido e pegou a mão dela para lamber o sangue com um sensual deslizar de sua língua. Ele deu um passo atrás, lambendo os lábios e olhando para ela, seus olhos quentes com desejo, deixando-a saber quão bom era o sangue. — Se eu soubesse que você estava indo para o Texas — disse ele sedosamente. — Eu teria.
— Bastardo.
Ele se aproximou mais uma vez, sua respiração se misturando com a dela quando ele afagou um dedo pelo seu rosto para descansar contra a veia grande do pescoço. — Diga que você não me quer, doce Cyn, — ele murmurou. — Diga-me, e eu deixarei você sozinha para sempre.
Ela sugou uma inspiração difícil, chocada com a idéia de nunca mais vê-lo novamente. — Vá embora, Raphael. Me machuca até mesmo olhar para você.
Ele deixou cair a mão e se afastou ela. Algo muito parecido com dor brilhou em seus olhos antes de ser rapidamente substituído por seu usual rosto cuidadosamente em branco. Cyn sentiu um arrependimento momentâneo por machucá-lo, seguido por uma onda de aversão por ele ainda poder manipulá-la tão facilmente.
— Sua Mirabelle precisa apresentar-se — disse ele sem rodeios. — Este é o meu território, Cyn.
— Como ela faz isso?
Ele sorriu, mais uma vez a imagem de arrogância confiante. — Marque uma hora. De que outra maneira? — Ele girou ao redor e arrastou o casaco da parte traseira do seu sofá. — É quase amanhecer. Tenho que correr. — Antes que ela o pudesse parar, ele agarrou a frente de sua camisa e puxou-a contra ele para um duro, mas rápido beijo. — Até depois, minha Cyn. — E ele se foi, não mais que um borrão de movimento, pela porta da frente e descendo as escadas exteriores antes que a porta tivesse se fechado.
Cyn se aproximou e trancou a porta, imaginando por que ela se incomodava quando a maior ameaça, poderia obviamente, entrar a qualquer momento que quisesse. Ela olhou pela janela onde o céu permanecia escuro sobre o negro oceano, a lua por fim definida. Em algum lugar no horizonte leste o céu já estava começando a empalidecer para o nascer do sol, mas o seu apartamento enfrentava o oeste. Ela puxou as cortinas para o dia que vinha e subiu as escadas para seu quarto, que ficava no terceiro andar, desligando a luz da pequena cozinha quando ela passou.
Estava totalmente escuro em seu quarto; apenas o brilho dos vários LEDs delineava as formas familiares. Ela retirou suas roupas, deixando-as cair no chão, e deslizou por baixo da suavidade de seu lençol. Seus olhos se fecharam e a exaustão adiada tomou conta dela, libertando-a a sonhar com o abraço do Senhor vampiro.
Capítulo 24
O convés de madeira estava fresco sob seus pés descalços, os trilhos molhados no ar da noite enevoada. Ela esfregou os braços contra o frio e Raphael deu um passo por trás dela, puxando-a contra os músculos firmes de seu profundo peito. Não era verdade o que diziam sobre vampiros. Eles não eram gelados, nem estavam mortos. Seus corações bombeavam, seu sangue circulava, seus pulmões gritavam. A sua temperatura corporal era um pouco mais fria que a norma humana, o que provavelmente era o motivo das velhas superstições. Mas quando os braços de Raphael a envolveram, ela se sentiu quente e segura, protegida contra a noite úmida e qualquer ameaça que ela pudesse esconder.
— Eu me lembro de minha primeira visão do oceano. — Sua voz era um murmúrio profundo, seu rosto aninhado em seu cabelo. — Estava lotado e barulhento, sujo com o cheiro de corpos não lavados e muito pior. Eu mal podia ver a água devido aos navios atracados contra o cais.
Cynthia escutava, quieta e silenciosa. Ele nunca falava de seu passado.
— St. Petersburgo era o centro do mundo então. Ou assim dissemos a nós mesmos. Era o centro do império e isso era o suficiente.
Rússia, Cyn sabia. Ele estava falando sobre a Rússia Imperial.
— A cidade portuária de Brest, na França, era igualmente ruim quando eu finalmente deixei a Europa para vir aqui, e Nova York era ainda pior. Nunca conheci a beleza de um oceano até que me mudei para o oeste. Lembro-me de vir ao longo da colina, atraído pelo frescor do ar, o cheiro de sal da água. Havia uma lua cheia naquela noite e eu olhei como um menino ignorante para a imensidão do horizonte, estendendo-se até onde os olhos podiam ver e não havia uma única dica de que o homem já tinha estado aqui com seus hábitos perniciosos. — Ele respirou, reforçando seu domínio sobre ela, deixando seus lábios demorarem contra sua têmpora.
— Eu sabia que esta seria a minha casa. Tenho casas em outras cidades, lugares bonitos com vistas espectaculares à sua maneira. Mas eu só tenho uma casa, doce Cyn, e é aqui.
Sua cabeça mergulhou e os seus lábios se arrastaram ao longo da linha de sua jugular até ao lado de seu pescoço para colocar um gentil beijo no canto da boca. Ela entrelaçou os dedos com os seus, deixando a cabeça cair em seu ombro e fechando os olhos, ouvindo o murmúrio suave das ondas, sentindo a batida do seu coração coincidir com o pulso em suas próprias veias.
Cyn despertou abruptamente para a escuridão familiar de seu próprio quarto, seus dedos acariciando cuidadosamente ao longo do caminho que a boca de Raphael havia tomado no seu sonho. Ela se sentou, olhou o relógio e descobriu que tinha dormido durante o dia. Já quase havia luz quando ela finalmente adormeceu, e nesta época do ano o sol se punha cedo, o que significava que os vampiros já estariam se mexendo com a noite. O que era bom, porque ela tinha uma pergunta que só um vampiro poderia responder.
Estendendo a mão para seu celular, ela o abriu e foi percorrendo seus números, tentando decidir a quem ligar quando a campainha tocou. Um minuto inteiro se passou enquanto ela pensava em não responder, mas então ela decidiu que, pelo menos, valia a pena dar uma olhada. Ela se levantou, vestiu o jeans enrugado do dia anterior, puxou uma camiseta velha por cima da cabeça e foi para a varanda para dar uma espreitadela para baixo.
O vampiro em sua porta olhou imediatamente para cima, seus movimentos furtivos não eram páreo para sua aguda audição na noite calma.
— Sra. Leighton? — O luar brilhava amarelo em seus olhos.
— Hum. Sim.
Presas brilharam quando ele sorriu e mostrou o refrigerador pequeno em seus braços. — Lonnie me enviou. Ele diz que é para Mirabelle.
— Oh! Okay. Já vou para baixo.
Cyn voltou para dentro, deixando a porta corrediça aberta. Estava frio, mas o movimento constante das ondas era um som familiar e o ar fresco era um intruso bem-vindo. O apartamento estava calmo quando ela desceu as escadas, ainda não havia sinal de Mirabelle.
Foi preciso alguns minutos para abrir todas as trancas, mas o vampiro estava esperando pacientemente quando ela finalmente abriu a porta. Ele lhe deu um olhar expectante, mas Cyn não tinha intenção de convidá-lo a entrar.
Ela havia aprendido da maneira mais difícil que uma vez convidado, não havia maneira de desconvidar. Era irritante o suficiente ter Raphael rondando sua casa à vontade, não queria por lá um vampiro que ela nem conhecia.
Ela estendeu a mão e tomou o refrigerador de seus braços. — Obrigado.
Hey, — disse ela, lembrando a questão que estava esperando por ela quando acordou. — Lonnie está por perto?
Ele deu de ombros. — Na casa de praia.
— Você tem o número de celular dele à mão?
Ele deu-lhe um olhar um pouco desconfiado, mas tirou o telefone do bolso e leu o número rapidamente. Com um flash de irritação, Cyn o repetiu para si enquanto ela atravessava a sala e depositava o refrigerador na bancada.
Ela pegou uma caneta e escreveu o número rapidamente, então se voltou para a porta, mas o vampiro já tinha ido. — Acho que ele não esperava uma gorjeta. — Disse ela a ninguém.
Quando a porta foi novamente fechada e todos os bloqueios garantidos, ela franziu a testa para o refrigerador, imaginando o que fazer com ele. Ela estava inclinada a empurrar a coisa toda em sua geladeira que, como de costume, estava quase vazia, então havia espaço de sobra. Caso Mirabelle preferisse o sangue à temperatura ambiente, poderiam sempre aquecê-lo de alguma forma. Uma que não incluísse o microondas. Cyn não apreciava a ideia de que um saco de sangue explodisse dentro do seu dispositivo de cozinha favorito. Talvez elas pudessem usar água fervente. Ela se lembrava vagamente de que era possível aquecer a mamadeira de um bebê em um copo de água quente. Ela encolheu os ombros. Elas arranjariam uma maneira.
Café veio em seguida, um processo tão automático que não tinha consciência de que o tinha feito até que estava segurando a primeira caneca em suas mãos. Ela tomou alguns goles vivificantes, em seguida subiu as escadas, indo para seu escritório. A porta estava trancada, como sempre, que foi o que evitou a tentativa de roubo por parte da sua irmã Holly, há não muito tempo atrás. Cyn encontrou os dois supostos assaltantes tentando arrombar a fechadura. Eles não tinham conseguido, mas ela mudou a fechadura de qualquer maneira. Ela não dava chances quando se tratava da confidencialidade do seu cliente.
Copo de café na mão, ela bateu um código no teclado recém-instalado, escutando como o pesado ferrolho destrancava, então empurrou a porta e caminhou até sua mesa, iniciando sessão no seu computador.
Com uma rápida verificação ao seu e-mail, ela notou que era praticamente tudo spam. Havia um e-mail de Duncan — Alexandra tinha concordado em se encontrar com Cyn e Mirabelle à meia-noite daquele dia.
Quão curioso. Ele também ressaltou que a nomeação de Mirabelle com Raphael estava marcada para — ela verificou a data no seu calendário — uma semana a partir de hoje. Ela franziu a testa e teclou o número de Duncan.
— Boa noite, Cynthia, — Duncan respondeu com sua habitual voz calma.
— Por que tanto tempo?
— Estou bem, obrigado por perguntar.
— Yeah, yeah. Boa noite, Duncan. Acredito que tudo está bem e blá, blá, blá. Então, por que tanto tempo?
— Até?
— A sessão de Mirabelle com Raphael. Por que esperar até o próximo domingo? Ela não vai estar mais segura se fizermos isso antes?
— De fato, mas existem formalidades que devem ser observadas. Jabril deve ser informado, embora eu ache que podemos supor que parte, pelo menos, é realmente uma formalidade. No entanto, ele também tem direito a ter uma testemunha presente para verificar que a decisão de Mirabelle é feita livremente e não sob coação. Uma vez devidamente informado da sua intenção, Jabril tem uma semana para oferecer uma testemunha aceitável para ambas as partes. O que significa que ela não pode se comprometer ao Senhor Raphael antes desse tempo.
— Espere, você está dizendo que Mirabelle tem que chamar Jabril? Não acho…
— Claro que não. Esta é uma questão entre os dois senhores vampiros.
Raphael estará chamando Jabril esta noite.
— E quanto a essa testemunha?
— O que tem ele?
— Jabril pode vir ele mesmo…
— Na verdade não. Os membros do Conselho podem viajar dentro do território do outro apenas com autorização expressa, a permissão raramente é dada, exceto para a reunião anual do Conselho Vampiro, que roda entre os membros.
— Então, quem vai ser a testemunha?
— Eu não sei.
— Não Asim.
— Ah, isso é certo, você conheceu Asim. Homem encantador. Não, não será Asim. Raphael nunca o aceitaria. Não, vai ser alguém menor, alguém que Jabril não se importará de perder se ele sair da linha.
— Yeesh.
Duncan riu. — Não se preocupe, Cynthia. Não haverá caos. Pelo menos não em sua presença.
— É bom saber. Okay. Vou colocá-lo em meu calendário então.
— Estou ansioso para ver você.
— Mmmhmm. Espere — disse Cyn. — Mirabelle está em perigo até então? Quero dizer, é provável que Jabril tente arrebatá-la de volta?
— Seria insensato da parte dele, mas ele pode estar desesperado o suficiente para tentar, sim. A fortuna de Mirabelle é considerável e Jabril tem tratado dela como se fosse sua há muitos anos. Ela estará muito mais segura uma vez que esteja dentro da propriedade, seja com Alexandra ou aqui na casa principal. Você a estará trazendo esta noite?
— Nós tínhamos planejado fazer umas compras em primeiro lugar. Na sua nota dizia à meia-noite.
— Vou enviar alguém para acompanhá-las, então. Talvez Mirabelle gostaria de conhecer Elke. Não acredito que Jabril tenha uma única fêmea entre seus asseclas.
— Você realmente acha que existe algum perigo?
— Não. Não tão cedo, mas por que arriscar?
— Okay. Elke. Devemos buscá-la?
— Não, ela estará na sua porta dentro de uma hora. Espere por ela, Cynthia.
— Como se eu não fosse esperar.
Ele ainda estava rindo quando desligou. Cyn sorriu. Ela gostava de Duncan. Pena que seu chefe era um bastardo.
Uma semana inteira, ela pensou. Ela preferia ter tudo resolvido mais cedo que isso, mas talvez fosse melhor assim. Mirabelle poderia recuperar um pouco da sua ruptura traumática com Jabril, além de ela ter tempo para encontrar algo bonito para vestir no grande dia — nada como uma roupa linda para fazer uma pessoa se sentir bem sobre si mesma.
Cyn introduziu a data em seu calendário do computador, depois escreveu com grandes letras vermelhas em uma nota para colar na porta da geladeira.
Ela rapidamente correu pelo resto de seus e-mails, digitando respostas rápidas a dois inquéritos de potenciais novos clientes — ambos vampiros. Ela anexou uma lista de suas taxas e termos, depois se mudou para o Google e digitou na busca o que ela estava realmente interessada.
Enquanto ela via os resultados, ela acariciou o lado do pescoço, mais uma vez refazendo o caminho que a boca de Raphael tinha tomado em seu sonho. A busca finalmente produziu a imagem que ela estava procurando, e ela estudou cuidadosamente antes de imprimir um par de páginas. A Internet era uma coisa maravilhosa. Enquanto esperava pela impressora, um rugido alto na vizinhança do seu estômago lembrou-lhe que ela não comia há algum tempo — sanduíches com Luci. Delicioso, mas há muito tempo.
Segurando as páginas à medida que elas saíram da impressora, ela pegou sua xícara de café, agora vazia, e desceu as escadas. Depois de um exame rápido das ofertas em sua geladeira, ela decidiu recompensar-se com um muffin. E não apenas qualquer muffin, mas um gigante de calorias e açúcar, especificamente projetado para engordar Cyn e ajudá-la a conseguir um marido. Eles eram a criação de sua empregada Ana, que andava angustiada por Cyn continuar solteira e determinada a fazer algo sobre isso. Cyn não disse exatamente que aprovava o que a mulher estava a fazer, mas ela estava feliz em comer os muffins… Com moderação. Ela nunca tinha feito um teste, mas não havia dúvida em sua mente que cada um dos tesouros dourados era embalado com saborosas calorias. Ela colocou um no microondas e abriu seu telefone celular para ligar para Lonnie.
— Cyn — ele respondeu. — Esta é uma surpresa. Deram-lhe o sangue que enviei?
— Sim, obrigado, Lonnie, ouça…
— Você viu a minha nota sobre ter certeza que ela bebe tudo?
— Nota?
— Deixei um bilhete no refrigerador. Certifique-se que Mirabelle beba os dois litros; ela não vai querer, você terá que convencê-la, ela pode tomar um agora e o outro mais tarde, se for muito para uma só vez.
— Um, eca, mas tudo bem. Eu tenho uma pergunta para você.
— Manda.
— Vocês estavam falando ontem sobre Mirabelle beber de um saco, ao invés da veia. Isso é o que você disse, “da veia”.
— Sim. — Lonnie arrastou a palavra como se perguntando onde ela estava querendo chegar.
— Certo, então, você nunca bebe de uma artéria, você sabe como as do pescoço, que…
— Sim, Cyn — ele interrompeu. — Eu sei o que é uma artéria. A resposta é não.
— Não? Como em nunca?
— Não, como em nunca.
— Por quê? Quero dizer, porque não artérias?
— Circulação humana 101, babe. Veias vão para o coração, artérias saem dele. O que significa que o sangue nas artérias é bombeado, daí o pulso humano, thump thump thump. Quando um hospital extrai sangue, eles enfiam uma agulha na sua veia. O mesmo para um vampiro, para obter um fluxo agradável e regular, nada demais. Você perfura uma artéria e você tem uma verdadeira bagunça em suas mãos, e uma bagunça pulsando a um ritmo acelerado. Não contribui para uma refeição tranquila, se você quer a minha opinião.
— Mas não iria ser mais fácil? Você sabe, mais rápido?
— Quem quer rápido? Pense em uma lata de refrigerante. Você abre o topo e bebe, sai a um ritmo agradável. Mas se você fizer um buraco minúsculo no lado em vez disso, há muita pressão e esguicha por todo o lugar. Você não consegue controlá-lo e você não pode beber rápido o suficiente. A mesma coisa com sangue.
— Ok, então no pescoço, você pode usar a veia jugular, certo? — Perguntou ela, lembrando a sensação dos lábios de Raphael contra o seu pescoço. — Mas não a artéria carótida?
— É isso aí. Por que você quer saber essas coisas, Cyn?
— Algo que eu estou trabalhando, — disse ela vagamente, a sua atenção voltada para as imagens que ela tinha imprimido lá em cima. Ela encontrou as duas que estava procurando, imagens que mostravam claramente a localização das principais veias e artérias do pescoço humano. Imagens que lhe disseram que nenhum vampiro havia colocado os buracos nos pescoços das cinco jovens mortas que estavam no necrotério paranormal muito especial do condado.
— Cyn?
A voz de Lonnie a chamou de volta para a tarefa em mãos. — Sim, eu estou aqui. Ouça, obrigada, Lonnie. Isso era o que eu precisava. Ah, e sobre Mirabelle. Ela provavelmente vai ficar com Alexandra depois desta noite. Ela vai ficar lá que é mais seguro, enquanto essa coisa toda com o Texas é resolvida.
— Alexandra? — A surpresa de Lonnie era óbvia.
— Yeah. Duncan sugeriu. Isso não será um problema, não é? Quero dizer, você pode enviar o sangue para Alexandra, certo?
— Sim, sim eu faço. Me avise quando fizer a mudança.
— Ótimo. Obrigado, Lonnie. Falo com você depois. — O temporizador de microondas soou quando ela estava desligando. Quando ela encheu uma chávena de café e sentou-se para desfrutar de seu muffin, ela ouviu os primeiros sinais de vida vindo do quarto de hóspedes. Mirabelle estava finalmente acordada e, sem dúvida, morrendo de fome.
Enquanto esperava Mirabelle terminar seu banho, Cyn puxou o refrigerador da sua geladeira e rapidamente leu nota de Lonnie. Além de sua recomendação de beber os dois litros, ele incluiu instruções para trazer o sangue à temperatura ideal. Ela ficou espantada de que sua vida chegou ao ponto onde o aquecimento de um saco de sangue para o pequeno almoço de alguém parecia banal, mas estava pronto e à espera quando Mirabelle entrou na cozinha.
— Obrigado — Mirabelle disse suavemente, recusando-se a encontrar os olhos de Cyn.
Cyn franziu a testa, lembrando de Lonnie dizendo que a jovem tinha vergonha por ter que beber de um saco.
— Vou correr lá em cima bem rápido e tomar um banho enquanto você toma seu pequeno-almoço, Mirabelle.
— Claro. — Seu alívio era evidente.
— Bom. Então, aqui está o plano para esta noite. Primeiro, você precisa de algumas roupas, então vamos às compras. Elke estará vindo da propriedade para se juntar a nós. Ela pertence à equipe de segurança de Raphael.
Mirabelle parecia preocupada, por isso, ela acrescentou rapidamente, — Duncan acha que não há qualquer perigo, mas ele pensou que você se sentiria mais segura assim. E Elke é razoável — Ela fez uma pausa, pensativa. — Embora, eu não aceitaria seus conselhos quando se trata de roupas, se você entende o que quero dizer, — disse ela com uma piscadela. — Depois das compras, vamos diretamente para a propriedade de Raphael visitar a irmã dele, Alexandra. Se vocês se derem bem, você vai ficar com ela. Se não, vamos pensar em outra coisa. A propósito, a sua reunião com a equipe de Raphael será em uma semana a partir de hoje. — Ela tocou na nota pegajosa que tinha colocado na geladeira. — Eu achava que não existiam regras para essa coisa de vampiros.
Quem imaginaria, certo?
Ela começou a subir as escadas para seu chuveiro, mas lembrou as instruções de Lonnie. — Oh, — disse ela, virando-se para se certificar que Mirabelle estava prestando atenção. — Lonnie disse para você beber os dois litros de sangue, mas se você não conseguir beber tudo de uma vez, podemos voltar aqui depois de irmos às compras e antes de irmos para a propriedade de Raphael. Eu não sei quanto a você, mas fazer compras me deixa com fome.
— Nós vamos ver Raphael? — O rosto da menina iluminou-se com entusiasmo.
Oh meu Deus, uma paixão adolescente, Cyn pensou. E Raphael, de todas as pessoas. — Estamos indo para a fazenda, mas provavelmente — felizmente, ela acrescentou silenciosamente — não veremos Raphael — ela explicou. — Alexandra tem sua própria casa lá.
— Oh, — disse Mirabelle, um tanto triste. — Okay — acrescentou ela apressadamente. — Obrigado, Cynthia.
Cyn parou novamente, no meio da escada. — Sem problema, e por favor, por favor, me chame de Cyn. Aproveite o seu pequeno-almoço. — Ela ainda conseguiu dizê-lo com uma cara séria.
Enquanto Cyn havia tomado banho e se vestido com seu habitual uniforme de trabalho, que era jeans, blusa e botas de cowboy, Mirabelle havia terminado a primeira bebida e estava sentada em frente da televisão, passando os canais. Ela olhou para cima quando Cyn entrou na sala, com os olhos brilhantes. — Isso é incrível, Cyn. Você tem, tipo, todos os canais do planeta!
— Yeah. Quinhentos canais e nada para assistir. — A campainha soou alto, indicando que alguém estava na porta lá embaixo. — Provavelmente é Elke, — ela comentou, mas tomando nada como garantido, ela atravessou a cozinha, indo para o monitor de segurança que lhe mostrou um visual da segurança vampira de Raphael, vestindo um terno cinza escuro, que era o uniforme da equipe de Raphael. — Ei, Elke! Estaremos aí em baixo em um segundo.
Elke olhou para a câmera, fazendo uma careta pela saudação alegre de Cyn. As duas não eram exatamente amigas e elas certamente nunca tinham ido fazer compras juntas. Cyn, não queria que Mirabelle se sentisse mais estressada do que ela já estava.
— Você está pronta para ir? — Ela perguntou à menina.
— Claro! — Mirabelle desligou o aparelho e alguns minutos depois as três estavam cruzando o Pacific Coast Highway, com uma Elke silenciosa no banco de trás.
— Nós iremos à Third Street — disse Cyn a Mirabelle, quando passaram pelo Pier de Malibu. — É um pouco frio para fazer compras, mas esse tempo não vai durar muito. Basta algumas coisas para você usar por alguns dias. — Ela olhou para o lado, avaliando a figura de Mirabelle, ainda bastante escondida pelo jeans e pela camiseta solta, que era tudo o que ela tinha para vestir. — Você é um tamanho oito, eu acho. Talvez um dez quando estiver bem nutrida, mas eu aposto que você perdeu algum peso.
Mirabelle encolheu os ombros. — Eu não compro qualquer roupa desde que a minha mãe morreu. Jabril sempre insistia para eu vestir o que ele escolhia. Liz também, mas ela escapava e comprava coisas para si mesma. Ela descobriu uma maneira de conseguir algum do nosso dinheiro, mas nunca me disse como. Isso não importa de qualquer maneira. Eu nunca tive coragem de ir contra ele. Minha grande rebelião era usar uma velha camisola de seda da minha mãe.
— Sim, bem, isso é história. Assim que encontrarmos Liz, vamos fazer compras de verdade.
— Você acha que vai encontrá-la?
— Com certeza. — Cyn disse, esperando que fosse verdade.
O silêncio encheu o carro por alguns minutos. — Existe algo que eu posso dizer a Liz, quando eu a encontrar, para que ela saiba que você está comigo?
Algo que só vocês saberiam? — Cyn pegou Elke olhando com surpresa pelo retrovisor e lhe deu um olhar sujo de volta. O quê? Será que a vampira achava que Cyn não conhecia o seu próprio negócio?
Sem saber do silencioso intercâmbio, Mirabelle pensou por um momento.
— Diga-lhe que eu disse que as vacas têm que ficar juntas.
Cyn olhou para cima, levantando as sobrancelhas com ceticismo.
— É uma brincadeira de quando éramos crianças. Liz vai entender.
Cyn encolheu os ombros. — Se você diz. Ouça, como eu disse, depois das compras, vou levá-la para a propriedade para conhecer a irmã de Raphael, Alexandra. Ela é bem mais velha do que você está agora, mas ela era ainda mais jovem do que você quando foi transformada. Eu não sei todos os detalhes, mas ela passou por uma espécie de tempo ruim antes de Raphael encontrá-la, e depois, no mês passado, alguém a raptou, tentando chantageá-lo. Conseguimos resgatá-la, mas um outro vampiro, um cara chamado Matias, morreu tentando protegê-la e eles eram bastante próximos. Duncan pensa que vocês podem ter muito em comum, que vocês podem ser capazes de ajudar uma à outra a passar por tudo isso.
— Ok. — Mirabelle estava duvidosa. — Vamos ficar lá, então? Na casa dela?
— Uh, não. Bem, você vai, é claro, Elke vai ficar também. Mas eu preciso procurar Liz.
— Por que não posso ir com você?
Cyn suspirou. — Olha, eu sei que você quer ajudar, mas os lugares que eu preciso ir, as pessoas que eu preciso falar… Elas estarão relutantes em falar comigo, muito menos com alguém que não conhecem. Mas… — Cyn fez uma careta, tentando pensar em uma boa maneira de dizê-lo e sem conseguir pensar em nada. — Eu trabalho sozinha, Mirabelle — disse ela simplesmente. — Sinto muito, mas essa é a maneira que é.
— Mas ela é minha irmã.
— Eu sei disso, e também sei que você quer que eu a encontre o mais rápido possível. Então, você precisa me deixar fazer o meu trabalho, ok?
— Certo. — A jovem suspirou e olhou pela janela. — O que você acha que o Senhor Raphael vai fazer? — Ela disse finalmente. — Quero dizer, quando eu for vê-lo?
— Eu não sei. Algo formal e pretensioso, eu suponho. — Ela ouviu Elke abafar uma risada na parte de trás do assento. — Esses caras parecem amar cerimônias cafonas — continuou ela. — Além disso, foi você que disse que ele era um cara legal.
— Sim, mas ele também é realmente assustador.
Cyn riu. — Bem, estamos de acordo em grande parte de qualquer maneira. — Ela deslizou em um ponto vago no primeiro nível do parque de estacionamento e desligou o motor. — Vamos às compras.
Capítulo 25
Houston, Texas
Jabril saiu da câmara de isolamento, sentindo o ligeiro deslocamento de ar quando a pesada porta girou, fechando o cheiro de morte que enchia a sala por trás dele. O interrogatório tinha sido bastante satisfatório. Não que tenha aprendido algo de novo. Mas eles tinham estado mais do que ansiosos para responder suas perguntas, e ele os tinha questionado bem. Sim, ele se lembrou com um suspiro satisfeito, ele tinha sido muito completo. Isso não os tinha salvado, é claro. Suas falhas eram imperdoáveis, o custo quase incalculável para ele próprio — só ao pensar nisso sua raiva quase o dominou mais uma vez. Mas ele disciplinou-se, armazenando para uso posterior, quando servisse aos seus propósitos para melhor efeito.
Aquela cadela do Raphael foi a responsável por tudo, interferindo onde não devia. Ele não precisava dos guardas para saber disso. Ele poderia ter suspeitado que o vampiro ocidental estava conspirando contra ele, mas ele foi obrigado a admitir que o erro foi seu. Ele a convidou, como trazendo uma serpente para seu ninho, pensando em brincar com Raphael, em furar aquela bolha de confiança que o desgraçado usava como uma segunda pele.
Ele respirou fundo. Aquilo ainda não tinha terminado. Ele não se importava com Mirabelle. Ela foi apenas um meio para atingir um fim. O dinheiro Hawthorn pertencia a ele e a ele apenas, mesmo que tenha vindo com duas fêmeas inúteis anexadas. Mas ele estava ficando à frente de si mesmo. Ele ajeitou a gravata, enfiando-a sob a sua jaqueta e começou a andar pelo corredor. A primeira coisa a fazer era recuperar sua propriedade.
Jabril acomodou-se atrás de sua mesa, tomando um gole de vinho tinto temperado com sangue o suficiente para torná-lo palatável. Ele considerou o seu próximo movimento cuidadosamente. Se ele esperasse, Raphael certamente lhe telefonaria diretamente. Não havia dúvidas quanto ao paradeiro de Mirabelle, ou quem a estava abrigando. Raphael saberia disso tão bem quanto ele. E se a menina achava que ia mudar definitivamente sua lealdade… Ele tomou um longo gole de vinho, engolindo sua raiva com o pensamento de tal coisa. Mas se ela o fizesse, havia as formalidades a serem observadas.
Ele levantou o marfim delicado do aparelho de ouro de seu telefone de mesa antigo e discou um número muito particular.
Foi o próprio Raphael quem respondeu. — Jabril. — disse ele.
— Raphael. — Ele ouviu o outro vampiro rir baixinho e rangeu os dentes.
— Eu acredito que você tem algo que é meu. — disse ele, finalmente, não permitindo nenhuma de suas frustrações infiltrarem-se em sua voz.
— É do meu conhecimento que ela não pretende continuar a ser sua.
— Estou certo de que é do seu conhecimento.
— Você pode, é claro, mandar uma testemunha.
xxxxxx
Jabril enrijeceu em surpresa, grato que o vampiro do outro lado da linha não podia vê-lo. Ele não esperava que Raphael movesse isso tão rapidamente, ou Mirabelle agisse de forma tão decisiva. Raphael, pelo menos, tinha de saber a importância da garota estúpida para ele. Ela era mais do que um simples servo.Muito mais.
— Você tem uma data em mente? — Perguntou.
— Sete dias, como é costume — disse Raphael. — A cerimônia será no próximo domingo.
— Hmm. — Jabril respondeu, inclinando-se para frente e virando umas páginas, como se verificando um calendário, sabendo que o outro lorde vampiro podia ouvir cada movimento. — Sim, eu posso reorganizar algumas coisas e participar eu mesmo.
Jabril podia sentir o sorriso presunçoso de Raphael antes mesmo de ele dizer: — Eu acho que nós dois sabemos que isso não vai ser possível.
— Sério? — Jabril disse, fingindo surpresa. — O que aconteceu com essa sua confiança tão alardeada?
— Eu estava pensando mais no conforto de Mirabelle do que no meu. Ela estava muito traumatizada quando chegou.
— Tenho certeza de que é assim. Deve ter sido um choque para ela acordar e descobrir que tinha sido raptada de sua própria casa enquanto estava indefesa no sono.
— Foi isso que aconteceu?
Jabril lutou com sua ira mais uma vez. — Asim, então. — disse ele com...
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