Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
DESTINO TEXANO
Setembro, 1876
Ele não tinha um rosto com o qual as mulheres sonhavam.
Houston Leigh passou rapidamente o dedo polegar por cima do tapa-olho preto antes de abaixar a borda do chapéu do lado esquerdo. O lado direito estava quase novo, ao contrário do lado esquerdo que estava enrugado, marcado pelo constante toque dos seus dedos suados. Embora o dia estivesse quente, ele usava o colarinho preto do colete levantado.
Estava irritado com o mundo todo, mas mais precisamente com seu irmão mais velho, Houston se debruçou contra a estrutura de madeira que teve a distinção duvidosa de ser chamada de primeira estação da estrada de ferro de Fort Worth e olhou os caminhos distantes que pareciam sem fim.
Ele odiava a estrada de ferro com todas as suas forças.
Fort Worth tinha se desvanecido em obscuridade, virado uma cidade fantasma, antes dos cidadãos estenderem os limites da cidade para mais próximo da via férrea. Levou nada além do que um piscar de olhos para transformar a cidade de vaqueiros em uma cidade próspera que os oficiais eleitos queriam um dia chamar de a Rainha da Pradaria.
A Rainha da Pradaria.
Houston gemeu. O seu irmão tinha começado a chamar sua noiva por correspondência por esse mesmo nome, e Dallas nem sequer tinha colocado os olhos na mulher.
Que droga, Dallas podia ser o garanhão que todos conheciam, mas ele tinha gasto uma boa porção de seu dinheiro—e dinheiro dos seus irmãos—construindo para essa mulher um palácio no meio do nada.
“Nós só precisamos trazer uma mulher para cá que o resto fluirá naturalmente,” Dallas assegurou os irmãos com um sorriso confiante e largo sobre o rosto moreno e bonito.
Porém Houston não queria mulheres passeando através da pradaria junto com o gemido do vento. Os sorrisos suaves e risos gentis faziam um homem ansiar pelos sonhos mais simples da mocidade, sonhos que ele tinha abandonado por causa da aspereza da realidade.
Houston tinha conhecido homens que tinham ficado menos desfigurados. Os homens que pegaram um rifle e acabaram com sua desgraça logo depois de terem se olhado no espelho pela primeira vez depois de terem sido feridos. Se ele tivesse sido um homem de coragem, teria feito o mesmo. Mas se ele tivesse sido um homem de coragem, não teria sobrevivido com um rosto que fazia seu irmão ficar enjoado só de ver.
Ele viu uma nuvem fraca de fumaça subir ao longe. Sua presença atraía as pessoas do armazém assim como a água atrai um homem cruzando o deserto. Girando ligeiramente, Houston apertou o ombro esquerdo contra a madeira nova.
Maldito Dallas. Maldito por fazer Houston deixar seus cavalos e vir para este lugar esquecido por Deus, cheio de mulheres, crianças, e homens muito jovens para terem lutado na Guerra Entre os Estados. Se Houston não tivesse ficado atordoado e mudo quando Dallas ordenou a ele que viesse a Fort Worth para vir buscar a noiva dele, ele teria quebrado a outra perna de Dallas.
Talvez ele ainda fizesse isso quando voltasse ao rancho.
Ele ouviu o estrondoso apito do trem e colocou as mãos suadas nos bolsos do colete. Os dedos ásperos tocaram o tecido suave que estava dentro dele. Contra a vontade dele, seus dedos procuravam o tecido delicado.
A mulher tinha enviado a Dallas um pedaço longo e estreito de musselina branca decorada finamente com flores que ele deveria ter embrulhado em torno da coroa do chapéu para que assim ela pudesse identificá-lo facilmente.
Flores, pelo amor de Deus.
Um homem não usa flores no chapéu. Se ele tivesse que usar alguma coisa, usaria a pele de uma cascavel que ele mesmo tivesse matado e esfolado, ou uma tira de couro que ele tivesse trabalhado, ou... ou qualquer coisa menos delicada que pétalas de rosa bordadas.
Houston estava começando a se perguntar se Dallas tinha quebrado a perna de propósito só para não ter que sair usando este pedaço de pano ridículo. Ele não iria querer irritar a mulher antes que ela se tornasse sua esposa.
Bom, Houston não iria se casar com ela então podia irritá-la o quanto quisesse, e ele não, com certeza, não iria enrolar flores em torno da coroa do seu chapéu marrom de aba larga.
Não, madame. De jeito nenhum.
Ele não costuma ser irredutível em muitas coisas, mas, por Deus, ele não ia mudar de idéia nesse assunto.
Não iria colocar nenhuma droga de flor no chapéu.
Ele cerrou os olhos e pensou em Dallas quebrando a outra perna. O atrativo da idéia crescia enquanto ele ouvia mais pessoas chegando, com vozes altas o irritando, dando nos nervos igual a um garfo de metal arranhando um prato. Um sussurro áspero chamou sua atenção entre as vozes.
“Como se atreve!”.
“Como se atreve você!”.
As duas vozes ficaram em silêncio, e ele pôde sentir os olhos do garoto fixos nele. Deus, ele desejava que não tivesse fechado os olhos. Era mais difícil de afugentar as pessoas uma vez que elas tinham começado a fitá-lo.
“Parece que ele está dormindo”.
“Mas ele está de pé”.
“Meu pai pode dormir enquanto está sentado na sela. Já vi ele fazer isto uma vez”.
“Então toque nele e veja se está dormindo”.
Uma expectativa sufocante preencheu o ar com tensão. Então o toque veio. Um rápido encostar em cima do joelho.
Maldição! Ele queria que os meninos fossem mais velhos, maiores, então ele poderia agarrá-los pelo colarinho, e encará-los no nível dos olhos, e assustá-los até o último fio de cabelo. Ele sabia que se o garoto fosse grande, não teria tocado lá embaixo no joelho dele.
Relutantemente, Houston lentamente abriu o olho e olhou para baixo. Dois pirralhinhos que não deveriam ter mais que seis anos estavam olhando fixamente para ele.
“Sumam,” ele rosnou.
“Ei, senhor, você é um ladrão de trem?”, um perguntou. “É por isso que você está aí, é? Pra que ninguém te veja?”.
“Eu disse para sumirem”.
“Como você perdeu seu olho?”, o outro perguntou.
O olho? Houston tinha perdido muito mais do que um simples olho. Os meninos enxergavam somente o óbvio. Assim como o irmão mais novo dele. Austin parecia nunca ter notado que o irmão tinha deixado parte de seu rosto em algum campo de batalha esquecido por Deus.
“Caiam fora daqui,” Houston ordenou, engrossando a voz.
Piscando, os meninos o observaram como se ele fosse um espantalho velho de pé em um campo de milho.
Com uma rapidez, que eles obviamente não estavam esperando, ele bateu o pé com firmeza no chão na direção deles, se debruçou para frente e puxou os lábios para trás com um grunhido. Os olhos dos meninos se arregalaram ao mesmo tempo em que as suas bocas se abriam e saíram correndo. A poeira que seus pés descalços levantavam enquanto corriam para longe do armazém, fez Houston querer sair correndo junto com eles, mas suas obrigações de família o obrigavam a ficar.
Resignado, ele se encostou novamente contra a parede, colocou a mão dentro do bolso, e alisou a coronha do revólver Colt. O pensamento de quebrar a perna de Dallas não trazia mais satisfação suficiente.
Houston decidiu que atiraria no irmão quando voltasse ao rancho.
Amelia Carson nunca tinha estado tão apavorada em seus dezenove anos.
Tinha medo de que o trem a lançasse para fora da plataforma antes de ela estar pronta para desembarcar, então ela colou na cadeira e esperou o trem parar de balançar. As rodas guincharam por cima dos trilhos frouxos e o apito soprou enquanto o motor ainda roncava. O cheiro pungente da fumaça da lenha chegou até o compartimento dos passageiros que abriram as portas, esqueceram as boas-maneiras e começaram a se empurrar de um lado para o outro na corrida para sair do trem. Amelia nunca tinha visto tanta gente estranha junta em um só lugar.
Mulheres com vozes guturais e vestidos decotados davam elegância ao compartimento. Alguns homens vestiam ternos sob medida como se tivessem sido convidados para jantar com uma rainha. Só as armas de fogo que faziam volume sob suas jaquetas indicavam o contrário. Alguns homens, cheirando a suor e fumo, olhavam para ela como que contemplando a idéia de rasgar sua garganta se ela fechasse os olhos. Então ela raramente dormia.
Em vez disso, ela gastava o tempo lendo as cartas que Dallas Leigh tinha escrito para ela. Ela estava certa de que a caligrafia corajosa e forte era um reflexo do homem que tinha respondido ao anúncio dela, no qual dizia que tinha desejo de viajar para o Oeste e se tornar uma esposa. Ele tinha sido um herói—se é que o Sul podia chamar alguém de herói já que eles tinham perdido a guerra. Ele tinha sido tenente aos dezessete, um capitão aos dezenove. Ele tinha a própria terra, gado e destino.
Ele tinha envolvido a proposta de casamento com sonhos, sonhos de construir um império, de administrar uma fazenda e compartilhar um filho.
Amelia sabia que sonhos são coisas grandiosas e que era assustador agarrá-los sozinha. Juntos, ela e Dallas Leigh poderiam fazer mais do que simplesmente agarrar os sonhos. Eles os teriam na palma das mãos.
Incontáveis vezes durante a jornada, ela tinha imaginado Dallas Leigh a esperando em Fort Worth, impacientemente andando pela plataforma. E quando o trem chegasse, ele esticaria o pescoço para olhar nos vagões, ansiosamente tentando achá-la. Ela o imaginava perdendo a paciência e entrando no trem, gritando o nome dela e tirando as pessoas do caminho, desesperado para colocá-la em seus braços.
Com os sonhos re-acesos e o coração leve, ela olhou para fora pela janela, esperando dar de cara com seu futuro marido.
Ela viu muitos homens impacientes, mas todos eles estavam fugindo do trem, gritando e empurrando a multidão, tentando fazer ponto na parte mais ao norte do terminal. Nenhum deles usava seu tecido trabalhado a mão enrolado em volta da coroa do chapéu. Nenhum deles olhava para o trem como se se importasse com quem pudesse estar a bordo dele.
Ela deixou a decepção de lado e saiu da janela. Talvez ele estivesse apenas tendo consideração com ela, dando-a tempo para que ela se recompusesse da jornada árdua.
Ela pegou sua bolsa de viagem que estava no banco ao lado e abriu. Com a respiração trêmula, ela olhou fixamente para o monte de tiras, flores, e um pássaro marrom que o noivo tinha prometido que iria mandar bordar no chapéu. Já que ela não tinha nenhum retrato para enviar para ele, tinha enviado algo para que ele usasse e ela pudesse identificá-lo.
Ela estava grata... .
Ela olhou fixamente para o chapéu.
Ela estava grata... Muito grata...
Ela enrugou a testa, procurando no chapéu alguma coisa que a fizesse ficar agradecida. Não era uma indagação fácil, entretanto nada em sua vida tinha sido fácil desde a guerra. De repente, ela sorriu.
Ela estava grata pelo fato do senhor Leigh não a ter conhecido em Geórgia. Ela estava agradecida por ela não ter colocado o chapéu na cabeça até este momento, estava contente que nenhum de seus colegas de viagem o tinham visto ainda.
Ela o tirou da bolsa, colocou na cabeça e respirou fundo. Seu futuro marido estava esperando por ela.
Ela somente desejava que nenhum dos caubóis que ainda estavam no armazém atirasse no pássaro do chapéu dela antes que o senhor Leigh a achasse.
Ficando de pé, ela andou pelo corredor, ergueu a bolsa, e marchou para a entrada aberta com toda a determinação que ela conseguiu reunir. Ela sorriu para o porteiro que a ajudou a descer os degraus, e então se viu na plataforma de madeira no meio do caos.
Apertando a bolsa com força, ela foi para longe do trem. Ela se sentia como um pequeno arbusto cercado por árvores de carvalho poderosas. Ela duvidava um pouco que seu chapéu não fosse visível mesmo entre todos estes homens perguntando direções, trocando dinheiro, vendendo jornal e se batendo no empurra-empurra.
Ela tinha pensado em gritar pelo senhor Dallas Leigh, mas ela não achava que conseguiria erguer a voz acima da horrível barulheira que a cercava. Ela tinha achado que o Texas era um lugar quieto e tranqüilo, não que fosse um local de reunião de todos os aventureiros políticos, assim como os que tinham ido fazer reclamações por seus direitos depois da reedificação da Geórgia.
Ela estremeceu com as memórias borradas, imagens da Geórgia durante e depois da guerra, que corriam por sua mente. Com um esforço tremendo, ela as empurrou de volta para o canto escuro que não conseguiria atingi-la.
Os homens e mulheres começaram a ir embora. Amelia considerou segui-los, mas o senhor Leigh tinha escrito que a encontraria na estação de trem em Fort Worth. As letras no edifício de madeira orgulhosamente ostentavam: “Fort Worth”. Ela estava certa de ter chegado ao armazém correto.
Lentamente ela se virou, procurando entre os poucos remanescentes por um homem usando um chapéu com as flores que ela tinha bordado. E se ele tinha estado aqui? E se ele a viu e a achou carente de atrativos? Talvez ele tivesse esperado que ela fosse mais bonita ou que fosse de linhagem mais robusta. Ela sempre tinha sido de pequena estatura, mas ela era competente. Se ele desse a ela uma chance, ela poderia provar que não tinha medo de trabalho duro, honrado.
Ela colocou sua bolsa de viagem na plataforma que sacudia. Lágrimas surgiram nos seus olhos. Ela queria tão pouco. Só um lugar longe das memórias que ela tinha, um lugar onde os pesadelos não viviam. Ela fechou os olhos e os apertou, tentando organizar sua decepção.
Nenhum homem enviaria passagens para uma mulher e depois não viria encontrá-la. De alguma maneira, ela já o tinha desapontado... Ou uma tragédia tinha acontecido, evitando que ele conseguisse chegar.
As pessoas se referiam às regiões do Texas como uma fronteira, um deserto perigoso, um abrigo para bandidos. Notícias de jornal vieram à mente dela. Ela olhou para uma, e sua imaginação começou a fluir. Os bandidos o tinham emboscado. A caminho de Fort Worth, a caminho de encontrá-la, ele tinha sido brutalmente atacado, e agora, seu corpo estava cravejado de balas, o nome dela flutuava nos lábios dele, ele estava rastejando através do sol escaldante da pradaria—.
“Senhorita Carson?”.
Os olhos de Amelia se abriram de repente com a voz profunda que a envolveu como um cobertor morno numa tarde de outono. Através das lágrimas, ela viu o perfil de um homem alto vestindo um casaco preto longo. Sua presença era forte o suficiente para bloquear o sol do meio-dia.
Ela podia dizer pouco sobre a aparência dele a não ser que ele obviamente tinha comprado um chapéu novo a fim de impressioná-la. Ele o usava tão baixo que criava uma sombra escura por cima do rosto, uma sombra que ela vislumbrou por entre lágrimas. Embora ele não estivesse usando as flores no chapéu, ela estava certa de que tinha encontrando seu futuro marido.
Tirando as lágrimas dos olhos, ela deu a ele um sorriso trêmulo. “Senhor Leigh?”.
“Sim, madame”. Lentamente, ele tirou o chapéu da cabeça. As sombras se retirando, revelando um perfil forte, corajoso. O cabelo preto enrolava acima do colarinho. Uma tira de couro preta cobria sua testa e dava a volta em sua cabeça.
Amelia tinha visto vários soldados que tinha retornado da guerra para reconhecer que ele tinha colocado um trapo por cima do olho que não podia mais ver. Ele tinha falhado ao não mencionar em suas cartas que tinha sacrificado uma parte de sua visão pelo Sul.
O óbvio desconforto dele fez com que uma dor surgisse dentro do coração dela. Ansiosa de assegurar que a perda dele não importava, ela entrou na frente dele. Com um minúsculo grito sufocado, ela prendeu a respiração. Ela tinha esperado um tapa-olho preto. Ela não estava preparada para as cicatrizes desiguais que estavam desenhadas na face e que se arrastavam no rosto dele até embaixo como uma imitação de uma cera que derrete ao sol. Com lágrimas brotando nos olhos, ela tentou tocar na carne arruinada. A mão poderosa dele agarrou os dedos trêmulos dela, parando a jornada de conforto.
“Eu sinto muito” ela sussurrou enquanto procurava pelas palavras certas. “Eu não sabia. Você não mencionou... Mas não importa. Realmente não importa. Eu estou tão agradecida—”.
“Eu não sou Dallas” ele disse tranquilamente enquanto soltava a mão dela. “Eu sou Houston. Dallas quebrou a perna e não pôde fazer a viagem. Ele mandou que eu viesse buscar você”. Ele colocou a mão no bolso e retirou o pano bordado. “Ele pediu que eu trouxesse isso comigo para que assim você soubesse que estava segura comigo”.
Se os nós dos dedos dele não estivessem brancos enquanto ele segurava o linho, Amelia o teria tomado dele. Ele trocou um pouco de posição de forma que somente o perfil dele preenchesse a visão dela.
Um perfil perfeito.
“Ele mencionou você nas cartas”, ela gaguejou. “Ele não disse algo importante —”.
“Não há muito para contar”. Ele colocou o chapéu de volta na cabeça. “Se você me mostrar onde estão suas outras bolsas, nós poderemos partir”.
“Só tenho uma bolsa”.
Ele fixou os olhos marrons nela. “Uma bolsa?”.
“Sim. Você não pode imaginar como eu fiquei agradecida por só ter que me preocupar com uma bolsa quando eu saí do trem”.
Não, Houston não podia imaginar que ela estava agradecida por causa de uma bolsa. Ele permitiu que seu olhar fosse devagar da blusa branca para a saia preta, notando o tecido do vestido. Uma mulher não vestiria sua melhor roupa quando iria se encontrar com o homem que iria se casar?
Que droga, ele tinha vestido sua melhor roupa, e ele só tinha vindo buscá-la.
Ele dobrou os dedos em volta da bolsa e a ergueu do chão. Julgando pelo peso, ele achou que ela estava carregando nada além de ar, e isso eles tinham bastante no West Texas.
Ela deveria carregar todas as coisas que eles não tinham lá longe, naquele lugar perto de lugar nenhum. Dallas não tinha dito a ela nada sobre o rancho nas cartas que tinha escrito? Ele não disse a ela que eles estavam a quilômetros de uma cidade, de vizinhos, de algumas conveniências?
Duas balas. Ele iria disparar duas balas no irmão.
“Eu estou pronta para ir” ela disse radiante, interrompendo os pensamentos dele.
Não, ela não estava pronta para ir. Só que ele não sabia como dizer isso a ela sem ofendê-la. Sem pensar, ele tirou o chapéu para coçar a testa. Os olhos verdes dela brilharam, como se ela estivesse contente com o gesto dele, como se ela tivesse pensado que ele tinha feito isto para ela como um cavalheiro faria. Ele lutou contra o impulso de colocar o chapéu e explicar a situação para ela por debaixo das sombras. “Dallas mencionou quanto tempo a viagem leva?”.
“Ele escreveu que era longe um bocado. Eu pensei em separar um pedaço de pano para bordar”. Ela separou as mãos ligeiramente e suas bochechas começaram a pegar fogo. “Mas não é bem assim, não é?”.
Três balas. Ele iria atirar três balas no irmão.
“É pelo menos três semanas de carroça”.
Ela abaixou o olhar, os cílios descansando gentilmente em cima das bochechas. Eles eram dourados e tão delicados—não espessas como as dele. Ele se perguntou se eles seriam capazes de manter a poeira do Oeste Texano longe dos olhos.
“Você deve achar que eu sou uma idiota,” ela disse tranquilamente.
“Não acho isso, mas eu preciso de você entenda que essa é a última cidade que você verá. Se existe qualquer coisa que você precisa, tem que comprar antes da gente partir”.
“Eu tenho tudo o que preciso” ela disse.
“Se existe qualquer coisa que você queira—”.
“Eu tenho tudo” ela o assegurou. “Nós podemos partir para o rancho se você estiver pronto”.
Ele estava pronto há mais de três horas atrás, conscientemente organizando todas suas coisas na metade dele do carroça e deixado a outra metade para que ela guardasse os pertences dela—só que ela não tinha qualquer pertence. Nenhuma caixa, nenhum calção de banho, nenhuma bolsa. Ele limpou a garganta. “Eu... eu ainda tenho que buscar algumas provisões”. Ele colocou o chapéu de volta na cabeça, se virou e começou a caminhar. Ele ouviu o barulho apressado dos paços dela e diminuiu a velocidade dos seus passos largos.
“Com licença, senhor Leigh, mas como meu noivo quebrou a perna?” Ela o chamou por detrás com uma voz mais doce do que a memória que ele tinha da voz de sua mãe.
Ele se virou para encará-la, e ela parou de um salto, o pássaro em seu chapéu se mexendo como uma maçã em uma balde da água. Segurando os dedos para preveni-los de tentar arrancar o pássaro do chapéu, ele desejou agora que tivesse dito a Dallas sua verdadeira opinião a respeito da porcaria de pássaro que ele tinha mandado bordar no chapéu. “Ele caiu de um cavalo”.
Suas sobrancelhas delicadas se juntaram. “Como um rancheiro, com certeza ele sabe montar a cavalo”.
“Ele monta bem. Ele cismou que ia conseguir amansar um cavalo selvagem, e acabou caindo”. Ele se virou novamente, aumentando o comprimento de seus passos largos. Se Dallas o tivesse escutado, prestado atenção ao aviso de Houston, ele estaria de volta a sua casa sentindo o cheiro do suor dos cavalos em vez do odor de flores de uma mulher, ouvindo o severo bufar dos cavalos em vez da voz gentil de uma mulher. Ele não teria que assistir um pássaro estúpido movimentar a cabeça. Ele não estaria levando uma bolsa, se perguntando o que diabos ela não tinha.
Quatro balas. E ele ainda não tinha certeza de que este pensamento seria o suficiente para que ele suportasse o inferno que o amanhã com certeza traria.
Amelia seguia os passos do homem alto, eles levantavam pó enquanto eles passavam em frente a várias lojas. Suas esporas chiavam, seu casaco batia ao redor dos tornozelos, e ele afundava o chapéu no lado esquerdo.
Ele andou na passarela de madeira, fazendo o som grave ecoar ao redor dela. Ele parecia tão impaciente quanto ela para começar a jornada, e ela se perguntava por que ele não tinha pensado em comprar o que precisava antes de ela chegar. Ela só podia estar contente por ele não ser o homem com quem ela tinha vindo se casar no Texas.
Ele hesitou antes de empurrar a porta do hotel. Ele ligeiramente recuou, esperando que ela entrasse. Ela sentiu como se ainda estivesse no trem, viajando a toda velocidade em direção a um destino que ela não estava bem certa de que era o melhor para ela.
“Por que nós vamos entrar aqui?”, ela perguntou.
O queixo dele se contraiu quando três pessoas passaram pela porta que ele tinha aberto. “Eu acho que quando a gente tiver comprado o material, será muito tarde para viajar hoje, e pela quantidade de pessoas que saíram daquele trem, eu acho que a gente devia alugar os quartos antes de comprar o material”.
“Uma decisão muito sábia,” ela reconheceu enquanto deslizava por ele e entrava no hotel. Pessoas lotavam o salão de entrada, muito próximas dela. Lutando contra o desejo de correr, ela tentou buscar ar. Contanto que ela pudesse respirar, ela poderia viver.
Houston soltou a bolsa dela no chão. “Espere aqui enquanto eu cuido dos quartos”.
Ela o viu caminhar para a escrivaninha dianteira, segurando o chapéu com força. Ela estava muito desapontada por Dallas Leigh não ter vindo encontrá-la. Ela esperava ficar mais íntima dele antes de aceitar os votos. Mas ela tinha pouca esperança agora de que isso acontecesse. Estava certa de que assim que ela chegasse ao rancho, eles se casariam. Ela não teria nenhuma oportunidade para mudar de idéia, retornar a Fort Worth, ou viajar para casa.
Casa. Como facilmente a palavra passeava pela mente dela. Como era difícil de lembrar que ela não tinha mais casa ou família. Tudo que era importante, tudo que significava qualquer coisa para ela estava cuidadosamente empacotada dentro da bolsa que estava próxima aos pés dela, junto com o contrato de casamento que Dallas Leigh a tinha pedido para assinar. Seu conteúdo era simples e direto, uma garantia de que ele a tornaria sua esposa se ela viajasse até Fort Worth, uma garantia de que ela o tronaria seu marido se ele a fornecesse o capital necessário para viajar.
Ela não se ressentia pela precaução dele. Ele sabia tão pouco dele quanto ele sabia dela. Confiança, assim como o amor, viria com tempo.
Enquanto o homem carrancudo retornava para o lado dela, ela só podia desejar que o humor de Dallas não fosse tão sombrio.
“Por aqui”, ele murmurou enquanto pegava a bolsa dela.
Ela o seguiu pelo salão de entrada e por vários degraus. No patamar final, virou à direita e seguiu para o final do corredor. Ele inseriu uma chave na fechadura, girou e abriu a porta com força. Ele deu meia-volta e esperou que ela entrasse no quarto.
Amelia caminhou pelo quarto pequeno. A cama ao lado da janela imediatamente a fez lembrar um fato. Dallas tinha enviado e ela um recibo que a permitia ter um quarto no trem. Ela tinha olhado o pequeno compartimento e negociado o recibo, usando o dinheiro para comprar um presente de casamento para ele—um relógio de bolso de ouro, de segunda-mão.
Durante sua jornada, ela pegou no sono aqui e ali se endireitando sempre que ousava dormir. Ela quase tinha esquecido como era dormir em uma cama.
Ela encarou o homem de pé na entrada. Ele estava segurando o chapéu, mostrando a ela o lado direito.
“Eu preciso levar a carroça e os animais para o depósito e avisar o gerente daqui que eu deixarei eles lá durante a noite. Eu achei que você poderia querer ”—ele bateu o chapéu sem jeito contra a coxa— “fazer o que quer que seja que as senhoras fazem quando saem de um trem. Eu encontrarei você no salão da entrada em uma hora, e nós iremos comprar as coisas”.
“Onde é o seu quarto?”, ela perguntou.
“Esse era o último quarto. Eu ficarei no depósito”.
“Isso não parece justo. Você está pagando pelo quarto—”.
“Você vai dormir com os cavalos?”.
“Eu já dormi em lugar pior”. Amelia baixou o olhar e um calor rapidamente subiu até o rosto dela. Ela deveria explicar aquela declaração, mas não podia. Ela não queria dar liberdade para as memórias borradas que a espreitavam num canto sombrio da mente. “Eu simplesmente queria dizer... Que estou muito agradecida pelo quarto, se você quiser dividir comigo—”.
“Isso não seria adequado”.
Ela se forçou a olhar para ele. “Nós não dormiremos juntos durante a viagem?”.
A bochecha que era visível a ela ficou vermelha enquanto ele girava o chapéu nas mãos. “Não, madame. A senhorita dormirá em uma barraca e eu dormirei perto do fogo”. Ele colocou o chapéu na cabeça. “Hoje à noite eu dormirei no depósito. Eu voltarei em uma hora. Eu gostaria de não ter que ficar esperando por muito tempo”.
Antes que ela pudesse lembrá-lo que ela deveria esperá-lo no armazém, ele bateu a porta. Ela não sabia se ria ou se chorava. Três semanas. Ela estaria na companhia daquele homem por três semanas, e se os últimos quinze minutos podiam indicar qualquer coisa que ela pudesse esperar da jornada, então ela achava que seriam três longas semanas.
Ela fechou os olhos. Grata, grata, grata. Ele tinha que possuir alguma qualidade redentora. Ela abriu os olhos e sorriu. Ela podia ficar agradecida por ele parecer ser um homem de poucas palavras, e ela estava incrivelmente agradecida por ele ter partido.
Ele não duvidava de que ela tinha o cérebro de um mosquito, e talvez ela tivesse mesmo: viajar da Geórgia até o Texas (*) só para se casar com um homem que ela só conhecia por correspondência. E se ela tivesse julgado mal o conteúdo das cartas de Dallas Leigh? E se ela tinha criado na mente um homem que só existia na imaginação dela?
Desde a guerra, ela tinha recebido ofertas para melhor de vida, mas nenhuma delas tinha a respeitabilidade de um casamento. Ao vencedor os espólios. A plantação do pai dela, a esposa, e filhas tinham sido os espólios.
Tremendo, ela fechou os olhos com força e envolveu o corpo com os braços. Ela estava cansada de manter as memórias e os medos à distância. Muito cansada.
Com desejo, ela olhou para a cama. Ela dormiria apenas alguns minutos. Então ela lavaria o pó da jornada e encontraria Houston Leigh no salão de
entrada. Ela achava que seria bastante interessante assisti-lo pechinchar as compras. Com o temperamento que ele tinha, ela tinha pouca dúvida de que ele acabaria pagando o dobro por qualquer coisa que estivesse procurando.
Ela se aconchegou na cama, suspirando com contentamento. O colchão, tão suave quanto uma nuvem, afundou sob o peso dela.
Paraíso.
Só alguns minutos no paraíso.
Uma fúria tão grande rodeava Houston por tanto tempo que ele já não podia se lembrar de que ele tivesse conhecido a paz. Ele tinha medo de que se não tivesse cuidado, ele a envolveria nessa fúria.
Ele já a machucara. Ele sabia que tinha. Caso contrário, ela o teria encontrado no salão de entrada.
Ele estava bravo com Dallas, e ele descontou a raiva na mulher. Essa não era a intenção dele, mas pensando agora, ele podia ver que tinha feito isso.
Ele parou do lado de fora da porta, ensaiando um pedido de desculpas. Ele não se lembrava de já ter pedido desculpas antes, e as palavras adequadas para se usar não vinham a sua mente. Uma desculpa para uma mulher deveria ser como o pedaço de pano que ela tinha costurado para Dallas: florido, delicado e bonito.
Droga, ele não sabia usar nenhuma palavra assim. Ela teria que ficar feliz com as palavras que ele sabia, mesmo que elas não fossem as ideais.
Graças a Deus, não era ele quem iria casar. Ele tinha gastado a manhã inteira pensando no que diria a ela quando a encontrasse. Quando ele viu as lágrimas brilharem naqueles olhos verdes, uma vergonha brotou dentro dele fazendo com que todas as palavras que ele tinha praticado saíssem voando como o pó através da pradaria. Vergonha por ter demorado tanto para reunir coragem suficiente para atravessar a plataforma e ir cumprimentá-la. Vergonha por ele não ter achado que ela poderia estar se sentido só em uma cidade estranha esperando por um homem que não iria chegar.
No depósito, ele pensava em como poderia se explicar sobre as provisões. A compra que eles tinham que fazer, com certeza, era um assunto delicado. Depois de tudo que ele tinha pensado e de todas as palavras que tinha reunido, ela não tinha vindo encontrá-lo.
Agora ele tinha que pensar em um pedido de desculpas.
Ele apenas queria voltar ao rancho, onde ele poderia caminhar e pensar sozinho. Ele não queria responder perguntas, considerar os sentimentos dos outros ou ter que retirar o chapéu.
Com um suspiro pesado, ele tirou o chapéu, bateu ligeiramente na porta dela, e esperou. O pedido de desculpas esperando com ele, pronto para ser dito assim que ela abrisse a porta.
Só que ela não abriu a porta.
Ou ela estava mais brava do que ele tinha pensado ou ela tinha partido. Se ela tivesse partido, seria ele quem levaria quatro balas no couro porque Dallas sempre acertava onde mirava.
Mais cedo, sem pensar, ele tinha colocado a chave do quarto no bolso, deixando-a sem ter como fechar a porta. E se alguém a tivesse raptado? As mulheres eram raras... Tão raras...
Ele bateu com um pouco mais de força. “Senhorita Carson?”.
Ele apertou a orelha boa contra a porta. A explosão que tinha rasgado o lado esquerdo do rosto dele tinha levado a audição daquele lado também. Ele não ouviu nada além de silêncio vindo do outro lado da porta.
Cuidadosamente, ele abriu a porta e deu uma olhada no interior. O sol de final de tarde fluía através da janela, banhando a mulher com seu brilho dourado. Enrolada na cama, adormecida, ela parecia tão jovem, tão inocente, tão desmerecedora do temperamento dele.
Ele deslizou para dentro e sutilmente fechou a porta. Ele cruzou o quarto, deixou as bolsas no chão, e sentou na cadeira aveludada ao lado da cama. Ele apoiou os cotovelos nas coxas e se debruçou para frente.
Deus, como ela era adorável, como um sol de primavera tentando as flores a abrirem suas pétalas. As pestanas pálidas descansavam sobre as bochechas rosadas. Os lábios, até durante o sono, se curvavam na sugestão de um sorriso.
Ele a tinha percebido imediatamente, assim que ela tinha chegado à porta do vagão. Em baixo daquele chapéu horroroso, o sol refletia um cabelo que parecia ter sido feito com fios que brilhavam tanto quanto a lua. O sorriso que ela deu ao porteiro enquanto ele a ajudava a descer os degraus — mesmo à distância — tinha feito Houston prender a respiração.
Ele ainda não estava respirando direito. Todas as vezes que ele olhava para ela se sentia como se estivesse cavalgando em um cavalo selvagem.
Ela não era nada do que ele tinha esperado de uma mulher de coração e mão. Ele esperava que ela fosse como uma camisa velha, lavada tantas vezes que tinha perdido a cor e a força dos fios. Ele conhecia mulheres assim. Mulheres que viajavam através de estradas ásperas, ficando rigorosas e grosseiras, com risadas ásperas e sorrisos que eram muito brilhantes para serem sinceros. Mulheres que sabiam que não deveriam confiar em nada.
Mas Amelia Carson confiava. Ela era uma mulher que refletia o coração nos olhos. Tudo que ela pensava, tudo que ela sentia, claramente refletia nos olhos. Em seus olhos verdes, muito verdes.
O calor profundo dos olhos o fazia se lembrar dos campos de trevos que ele tinha corrido quando menino. Descalço. Os trevos pareciam veludo acariciando as solas ásperas. Por um breve momento, ele realmente apreciou o pensamento de manter o olhar dela.
Os olhos marrons dele podiam servir como terra para que o trevo verde dos olhos dela germinasse.
Que idéia idiota! A próxima coisa que ele faria era recitar poesia. Ele estremeceu com o pensamento. Vestindo flores e recitando poesia. Seu pai teria esfolado o couro dele só de pensar em uma daquelas ações efeminadas.
Ele a viu dormir até os raios finais do sol se retiraram para o luar pálido. Ele estremeceu com o frio da noite que desceu sobre ele. Pondo-se de pé, ele foi até ela e a cobriu com um cobertor. Um calor surgiu dentro dele, e ele se imaginou colocando cobertores sobre ela todas as noite pelo resto de sua vida.
Só que aquele privilégio pertencia ao irmão dele. Houston tinha testemunhado o documento que Dallas tinha redigido, o mais próximo possível de um contrato de casamento que ele conseguiu organizar sem usar a expressão “eu quero”. Para todos os propósitos práticos, Amelia Carson pertencia a Dallas.
E era assim que deveria ser. Dallas tinha passado um mês folheando a revista esfarrapada que tinha achado enquanto eles estavam conduzido o gado para Wichita, Kansas, na primavera de setenta e cinco. Houston conhecia o desespero de ter um filho que tinha feito Dallas escrever sua primeira carta para Amelia.
Ele podia apenas imaginar o que a tinha feito responder a carta e aceitar a proposta de casamento do irmão. Ele sentou de volta na cadeira. Não era seu direito ficar questionando sobre ela. Ele não tinha que gostar dela. Ele não tinha que conversar com ela. Ele não tinha que ser bom com ela. Ele só tinha que levá-la até o rancho... E, por Deus, isso era tudo que ele planejava fazer.
Um pouquinho antes de despertar com os sonhos ainda permanecendo na mente, Amelia se mexeu confortavelmente sob os cobertores, apreciando o conforto da cama suave. Ela não tinha nenhuma memória de ter se coberto com os cobertores, mas ela deu boas-vindas à proteção que eles davam contra o frio que entrava no quarto.
Satisfeita consigo mesma e descansada, como um gatinho que tinha gasto a maior parte do dia vadiando ao sol, ela se esticou vagarosamente, respirou profundamente, e congelou.
O aroma de toucinho, café, e pão recentemente assado chegou ao nariz dela. Lentamente ela abriu os olhos, esperando ver o clarão severo do sol da tarde borrando sua vista. Em vez disso, o brilho suave da luz da manhã lançava seus primeiros raios sobre a mobília, dirigindo a maior parte de seu foco a uma pequena mesa coberta de pano no meio do quarto. A luz solar passava por cima de alguns pratos cobertos.
A boca de Amelia se alargou ao mesmo tempo em que um alarme apressado soou por dentro dela. Ela não tinha ouvido ninguém entrar no quarto.
Inesperadamente, ela percebeu um outro cheiro, muito mais fraco do que o cheiro da comida que fazia seu estômago roncar, fraco, e ainda assim, de um modo estranho, era mais poderoso. Couro e cavalo.
Ela viu as sacolas debruças contra uma cadeira próxima à cama. Cautelosamente, movendo só os olhos, ela se permitiu dar uma olhada geral no quarto.
O coração dela saltou quando ela notou a sombra longa estirada através da cama. A sombra de um homem. Ela se sentou de um salto e olhou por cima do ombro.
Com o ombro esquerdo apertado contra a parede, Houston Leigh estava de pé ao lado da janela a observando. A luz do sol por um momento seguiu os contornos do corpo alto e magro dele antes de completar sua jornada pelo quarto.
Amelia se livrou dos cobertores e saiu da cama, os joelhos dela quase bateram no chão antes de ficar de pé. Ela apertou a mão trêmula contra o peito, o coração batia muito forte embaixo dos dedos. “Senhor Leigh, é manhã”.
“Sim, madame” ele reconheceu com uma voz lenta que não ajudava em nada a tranqüilizar a batida irregular do coração dela.
“Você deve achar que eu fui terrivelmente rude. Eu só queria dormir um momento—”.
“Não achei que você foi rude, não mesmo. Eu percebi que você estava cansada. Percebi também que você provavelmente está faminta”. Ele inclinou a cabeça ligeiramente em direção à mesa.
“Você fez isso?”, ela perguntou cautelosamente enquanto se aproximava da mesa.
Ele ergueu os ombros de um jeito descuidado. “Precisava me desculpar por ontem. Dallas tiraria meu couro se soubesse como eu te tratei ontem”.
“Ele se irrita facilmente?”.
“Ele não é o tipo de homem que você gostaria de aborrecer”. Ele colocou o chapéu. “Aprecie sua comida”.
Ele levantou as sacolas, atirou por sobre os ombros, e andou meio caminho através do quarto, ele já estava puxando o chapéu para baixo quando Amelia percebeu que ele estava partindo. “Você não vai se juntar a mim?”.
“Eu já comi”.
“Então só me faça companhia”. Ele hesitou, e ela sabia que deveria deixá-lo partir, mas ela estava incrivelmente cansada de ficar só. “Por favor”.
A resposta dele veio na forma de um movimento em direção à mesa enquanto ele removia o chapéu e jogava os alforjes nas costas de uma cadeira próxima.
Amelia se apressou para se sentar. Ele se sentou na cadeira oposta a dela, se girou ligeiramente dando a ela uma visão clara do seu perfil, e olhou fixamente para o chapéu que tinha deixado no colo.
Houston procurou nos cantos mais obscuros de sua mente, mas ele não conseguiu achar qualquer coisa que valesse a pena comentar. Ele pensou em dizer a ela que o cabelo estava caindo no lado esquerdo, mas ele tinha medo de que ela o endireitasse, puxando-o para trás e fazendo aquele rolo que ela estava usando na véspera. Ele gostava do modo como ele estava agora, meio solto e torto. Ele secretamente desejou que ele estivesse todo solto e que descesse através das costas.
Dallas poderia, provavelmente, preferir ver a mexa puxada para trás, de volta no lugar adequado. O homem era um defensor do método, mas Houston sempre tinha achado que cabelo de mulher deve fluir ao redor dela tão livremente quanto o vento que sopra através da pradaria.
Ele pensou em descrever o rancho de Dallas, mas ela o veria logo, e ele não tinha habilidade suficiente com as palavras para poder fazer justiça ao lugar. Falar sobre o local onde ele morava, provavelmente não a interessaria. Era um bonito pedaço de terra, mas nunca traria riqueza ou glória a um homem.
“Você está certo de que não quer nada?”, ela perguntou.
“Eu estou certo,” ele respondeu, se amaldiçoando por ficar tão balançado pelo som da voz dela. Tudo que ele tinha que fazer era se sentar quieto enquanto ela comia e não dar nenhuma razão a ela por ter feito o café da manhã. Para que não vissem seu rosto, no começo ele tomava café sozinho, mas isso tinha sido anos atrás quando os ferimentos ainda não estavam cicatrizados... e a culpa que sentia ainda estava infeccionada.
Amelia rasgou um pedaço de pão morno e passou manteiga nele, quietamente estudando o homem que estava sentado na frente dela. O olhar dele permanecia fixo no chapéu, a testa enrugada como se ele estivesse, desesperadamente, procurando por algo que estava além do alcance.
“Por que você e seus irmãos têm esses nomes?”, ela perguntou antes dela morder o pão com entusiasmo.
“Nossos pais tinham falta de imaginação. Eles deram para gente o nome do local onde eles estavam vivendo no momento em que nós nascemos”.
“Eu suponho que você esteja agradecido por eles não estarem morando em Galveston quando você nasceu”.
Ele pareceu pensar em uma resposta por um momento, já que ela tinha feito o comentário com toda seriedade. O queixo dele ficou tenso. “Eu acho que ficaria, se já tivesse pensado nisso alguma vez”.
Ela esperou por um sorriso, uma risada, ou até mesmo um riso contido, mas Houston Leigh parecia o tipo de homem que não gostava de muito de brincadeiras ou gracejos. Perceber isso a entristeceu. Todo mundo precisava de sorrisos e risos para substituir a ausência dos raios de sol em um dia tempestuoso. Ela desejava que os outros irmãos não compartilhassem esta perspectiva dura da vida. “Você acha que Dallas vai querer continuar essa tradição de nome de família e dar aos nossos filhos nomes de cidades do Texas?”.
“Eu não estou certo de que tipo de nome ele prefere”. Ele mudou de posição na cadeira, levantou o pé direito e o apoiou no joelho esquerdo.
Amelia mastigou devagar o bacon com ovos, saboreando bem, e se perguntando como ela poderia obter as informações que ainda não tinha a respeito do futuro marido. Cartas podiam somente revelar os pensamentos de um homem. Ela não sabia como era o sorriso dele, o som do riso dele, ou como as emoções apareciam através das expressões do rosto. Ela estava incrivelmente curiosa sobre todos os aspectos dele e de sua vida. “Dallas mencionou Austin frequentemente nas cartas”.
Houston deu um aceno com a cabeça. “Ele é aficionado por Austin. Você gostará dele, também. Ele é do tipo que as pessoas gostam imediatamente”.
Enquanto ele falava do irmão mais jovem, um rastro de calor atravessou a voz dele, lembrando-a da sensação de se aconchegar diante do fogo numa noite de inverno bem fria. Ela queria manter as chamas queimando. “Eu não lembro quantos anos Austin tem”.
“Dezesseis”.
“Então ele deve ter sido poupado de quaisquer memórias da guerra”.
“Eu duvido”.
Amelia abaixou o garfo. “Mas ele teria sido tão jovem. Seguramente ele não se lembra—”.
Houston deslizou o pé por sobre o joelho, e bateu-o no chão com força fazendo o chão ressoar. Ele se virou na cadeira. “Eu prefiro não conversar sobre a guerra, se você não se importar”.
“Não, eu não me importo,” ela disse suavemente, ciente de que o calor na voz dele tinha se perdido, de alguma forma. Ele apertou o queixo como se estivesse desesperadamente lutando para permanecer onde estava. Ela podia sentir a tensão que irradiava dele, com uma intensidade palpável. Embora mais de dez longos anos tivessem passado, continuava a dilacerar a vida das pessoas. “Você acha que Dallas tentará domar aquele cavalo selvagem novamente quando sua perna estiver curada?”.
Ele se endireitou na cadeira, então deslizou de novo. “Eu deixei ele ir,” ele disse em uma voz tão baixa que ela não estava bastante certa de que tinha ouvido corretamente.
“Desculpe, não entendi?”.
Ele ligeiramente fez uma careta. “Eu libertei o cavalo”.
“Por quê?”.
Ele lentamente acenou a mão grande pelo ar como se ela fosse uma cortina ondulando com uma brisa. “O cavalo tem uma crina pesada, ondulada. Essa é uma marca de que mostra que ele é enganador e perigoso. Eu percebi que Dallas iria, eventualmente, matar o cavalo ou acabaria se matando”. Ele suspirou. “Então eu o libertei”.
“Você disse que ele não era um homem que deveria ser aborrecido. Isso não o aborreceu?”.
“Ele estava ainda de cama. Eu já tinha partido a algum tempo quando ele provavelmente descobriu o que eu fiz”.
“Então você terá de lidar com a raiva dele quando retornar ao rancho”.
“Eu espero que a sua presença o distraia, então ele se esquecerá do cavalo”.
Amelia limpou a garganta. Houston trocou um olhar com ela, e ela ergueu uma sobrancelha. “Então, logo depois que eu me encontrar com seu irmão pessoalmente, eu descobrirei se ele me estima mais do que o cavalo?”.
O horror foi visível no rosto dele. “Eu não quis dizer—”.
“Eu sei que você não quis,” Amelia disse, sorrindo enquanto cuidadosamente dobrava o guardanapo e o colocava sobre a mesa. “Eu terminei de comer”.
Houston se levantou rápido da cadeira. “Bom. Farei alguém trazer água quente para o banho. Você vai demorar bastante para ter esse luxo de novo”.
Ele colocou o chapéu na cabeça, ajustando-o naquele ângulo inclinado para o lado que ela já estava começando a se acostumar. Ele atirou o alforje por cima do ombro e caminhou para a porta a passos largos que eram compatíveis com sua altura.
“Dallas é tão alto quanto você?”, ela perguntou.
Ele parou, uma mão sobre a maçaneta. “Mais alto”.
Ele abriu a porta e hesitou. “Eu voltarei em aproximadamente uma hora. Então nós iremos comprar o resto das provisões”. Ele deslizou para o corredor, fechando a porta atrás de si.
Amelia saiu da mesa e caminhou até o lavatório e se olhou no espelho. Ela gemeu. Uma parte do seu cabelo tinha se soltado e estava levantado igual ao pelo de um gato bravo.
Não era à toa que Houston Leigh tinha evitado olhar para ela.
Ela soltou um suspiro longo. Um banho morno. A compra de alguns suprimentos. Então ela começaria, a que estava certa de ser, a jornada mais importante de sua vida.
Apertando as cartas de Dallas contra o peito, Amelia se sentou em frente à janela e assistiu o sol formar sombras matutinas na rua empoeirada. Reunir coragem nunca tinha parecido tão difícil.
Logo Houston viria até ela, e ela teria que estar pronta para viajar em direção a um sonho.
Ela leu cada carta de Dallas após o banho. Ele não era um homem de falar com floreios, ainda assim, ela sempre via beleza nas palavras simples dele. Durante o tempo em que eles tinham se correspondido através das cartas, ela tinha começado a conhecer o suficiente sobre o homem, e ela não hesitou em aceitar a proposta de casamento dele.
Ela apertou as cartas contra os lábios. Ela já nutria um pouco de afeto por Dallas Leigh. Seguramente, o amor não estaria muito longe.
A batida na porta veio tão suave quanto a luz do sol pálida que vinha através da janela.
Com a respiração trêmula, ela colocou as cartas preciosas na bolsa de viagem, levantou o chapéu, e caminhou até o espelho. Ignorando o pássaro do chapéu que ia para cima e para baixo, ela colocou um alfinete feminino no chapéu a partir da borda estreita. Embora provavelmente fossem pelo menos mais três semanas até que ela se encontrasse com o noivo, ela desejava que ele se recuperasse depressa o suficiente para que viesse encontrá-los antes do fim da jornada.
Ela ansiosamente cruzou o quarto, colocando os dedos trêmulos em torno da maçaneta e abriu a porta. A apreensão dela retrocedeu enquanto ela olhava para o perfil do homem de pé no corredor.
Os fios úmidos do cabelo preto dele esbarravam no colarinho. Ele cheirava a sabão, e ela percebeu que ele tinha tomado banho também. Ela supôs que a jornada não teria nenhum luxo para ele, também.
“Pronto?”, ele perguntou com a voz baixa.
“Tão pronta quanto eu sempre estive, acho”. Ela pisou no corredor enquanto ele caminhava pelo quarto até pegar a bolsa dela.
Ela não conseguia pensar em nada para dizer quando ouviu o clique da porta ecoando ao longo do corredor, efetivamente dando um fim a uma fase da vida dela. Ela evitou olhar o homem alto de pé ao lado dela. Ela não queria que ele visse as dúvidas que brotavam dentro dela como uma criança malcriada que faz uma travessura: num momento elas tinham ido embora e no próximo elas estavam de volta brincando com as emoções dela. Ela colocou as mãos no relógio que tinha guardado num bolso escondido dentro da saia. Ela imaginou que podia ouvir o marcar constante e pacientemente dos segundos, marcando o transcorrer dos momentos até que ela colocasse o presente nas mãos de Dallas Leigh, uma mão que ela tinha certeza que era tão grande e bronzeada quanto a do irmão.
“É melhor a gente ir andando,” Houston disse.
Respirando profundamente, ela uma vez mais, forçou a sua apreensão a retroceder. “Sim, eu suponho que nós devíamos. Você tem muitos suprimentos para comprar?”.
“Não muito”.
Em silêncio, ela o seguiu para fora do hotel por sobre a passarela de madeira. Os passos largos dele não eram tão longos e apressados quanto tinham sido na véspera. Desfrutando do passo vagaroso enquanto caminhava ao lado dele, Amelia estudou os edifícios de madeira, os homens curvados enquanto dirigiram as carroças pelas ruas, os cavalos os levando a destinos desconhecidos para ela. A antecipação vibrava através da brisa aconchegante. Saboreando o excitamento, ela acumulou as imagens, sabendo que viria o dia em que ela as compartilharia com suas crianças, as primeiras impressões de uma cidade que a tinha trazido para mais próximo de seu destino.
Ela estava tão absorvida com seus pensamentos que quase esbarrou em Houston quando ele parou, do nada, em frente a uma loja de vestidos.
Ele olhou para a simples placa de madeira como se esta fosse um inimigo menosprezado. Considerando a prévia pressa que ele tinha em partir para o rancho, ela achava que esse tempo seria mais bem gasto comprando os suprimentos que ele precisava. Ela estava à beira de sugerir que eles fossem andando quando ele respirou fundo e empurrou a porta e abriu. Sinos tiniram acima da cabeça deles, e ele se encolheu.
“Entre” ele disse em uma voz baixa.
Confusa pela loja que ele tinha escolhido, Amelia entrou na frente dele. Quando ela tinha pensado em provisões, achava que eram bens enlatados, utensílios de cozinha, algum sortimento de bugigangas que as pessoas normalmente compram em uma loja mercantil ou armazém geral. Ela se perguntou se ele tinha uma esposa para quem desejava comprar algumas roupas. Ela sabia muito pouco sobre Houston, mas era reconfortante pensar que ela poderia estar viajando com um homem, que estava em um lugar que obviamente não queria estar, somente para comprar um presente. Ela imaginava se a esposa dele seria tão sombria quanto ele, se era pequena e tranqüila. Muito tranqüila.
Uma mulher forte com cabelo vermelho claro puxou as cortinas atrás do balcão e entrou quase que valsando na loja. “Eu acharr terr ouvido meus pequeninos sinos,” ela exclamou em uma voz que insinuava linhagem francesa. As mãos tremulavam no balcão. “Eu sou Mimi Saint Claire. Proprietárrria e exímia costureirra”.
Amelia assistiu enquanto Houston dobrava e desdobrava os dedos da mão antes de levá-las até o chapéu.
“Oh, nossa,” Mimi Saint Claire gritou, apertando a mão contra o peito. Ela riu nervosamente. “Você me pegou de surrpresa, senhorr. Nas sombras em um momento, no próximo na luz. O que posso fazerr por você?”
“Ela precisa ser vestida,” Houston disse com a voz tensa.
“Vestida?”, Mimi questionou.
Houston deu um aceno rude com a cabeça.
Atordoada, Amelia olhou fixamente para ele. “Você não quer dizer que vai comprar roupas pra mim, não é?”.
“Dallas disse que eu deveria comprar para você tudo o que você precisasse antes da gente voltar”.
“Essa que é a provisão?”.
“É”.
Ela firmou os dedos em volta do braço dele e o puxou para longe do balcão, buscando um pouco de privacidade.
“Você não pode comprar roupas pra mim” ela sussurrou. Ele olhou fixamente para a mão dela como se não conseguisse compreender como ela tinha chegado ao braço dele. Ela estalou os dedos na frente dos olhos dele, tentando chamar sua atenção e apertou ainda mais a mão que estava no braço dele para enfatizar. “Você não pode comprar roupas pra mim,” ela repetiu.
Ele voltou o olhar para a mão dela. “Dallas é quem está comprando a roupa”.
Com um suspiro, ela soltou o braço dele. “Ele já comprou as passagens da minha viagem. Eu me não sinto confortável com ele gastando comigo o dinheiro que conseguiu com tanto esforço. E se ele mudar de idéia sobre o fato de se casar comigo?”.
O pomo de Adão de Houston deslizou devagar para cima e para baixo. “Ele não mudará de idéia”.
Ela balançou a cabeça ligeiramente. “Você não acha?”
“Eu não sou um homem que mente”.
Mas ele era um homem que se ofendia facilmente, o tom em sua voz indicava isso. Um irmão que ficava facilmente irritado, outro que se sentia facilmente ofendido. Ela teria que aprender a lidar com ambos.
Passando os dedos pela roupa gasta, ela olhou com desejo para a loja de vestidos. “Eu suponho que um—”.
“Cinco”.
“Eu não posso aceitar cinco”.
Ignorando-a, ele dirigiu sua atenção a Mimi Saint Claire, que estava se debruçando sobre o balcão, tentando ouvir a conversa deles. Ela nem tentou parecer envergonhada de suas ações, apenas endireitou as costas e prendeu uma mexa solta do cabelo vermelho ao redor do dedo.
“Ela precisa de cinco vestidos,” Houston disse. “Faça dois para festas. Nós precisamos deles hoje”.
Os olhos de Mimi se arregalaram. “Cinco? Hoje?” - Ela bateu levemente no peito e sorriu brilhantemente. “Se sente na caderra, e eu mostrarrei a você o que já costurrei”.
Como um furacão, Mimi desapareceu atrás das cortinas enquanto Houston caminhou para o canto. Em vez de se sentar na cadeira com as pernas delicadas que pareciam que poderiam facilmente se quebrar com o peso dele, preferiu encostar o ombro esquerdo contra a parede.
Apertando as mãos firmemente, Amelia caminhou através da loja pequena. “Eu não posso aceitar cinco—”.
“Cinco”.
Ela suspirou profundamente. “Não importa o que eu diga?”.
Ele deu um aceno longo de cabeça. “Contanto que você diga cinco”.
Ela estreitou os olhos, e estudou o homem que estava de pé em frente a ela, tentando determinar se ele estava brincando com ela. Os lábios dele não tinham se erguido, nada mesmo, e os olhos não mostravam nada. Na verdade, ele parecia ainda mais sério do que antes.
“Mademoiselle!”. Mimi Saint Claire mostrou a cabeça por entre as cortinas desenhadas. “Depressa, entre aqui. Nós devemos mostrarr ao cavalherro as roupas”.
Enquanto Amelia passava pelas cortinas ondulantes, Houston colocou a bolsa dela no chão e deslizou a mão para dentro do bolso. Ele ouviu a risada sonora de Mimi Saint Claire. O riso gentil de Amélia se seguiu ao dela, lembrando-o de uma chuva na primavera, calmante e doce, o tipo de chuva que um homem simplesmente tirava o chapéu para poder ser lavado.
O toque dela tinha sido tão suave quanto o riso, mas ele tinha sentido a determinação que havia nos dedos. Ele ficou surpreso por sentir o calor da mão pequena dela penetrar através do tecido e chegar à pele dele.
Ele tentou prestar atenção nas vozes, mas não conseguia decifrar as palavras. Ele se perguntou se Dallas tinha explicado nas cartas que Amelia não teria nenhuma mulher com quem pudesse sussurrar seus segredos. Apertando mais o chapéu que segurava, ele se perguntou se Amelia sabia que estava viajando rumo a uma solidão enorme.
Ela andou entre as cortinas, vestindo um vestido amarelo que tinha babados e rendas costuradas. Ela olhou de modo incerto.
Mimi Saint Claire foi na direção dela acenando e fazendo um círculo. “Virre, virre para que possa vê-ra toda”.
Amelia pisou na ponta dos pés. O vestido tinha mais babados atrás do que na frente. Houston imaginou que se um vento forte soprasse, levaria Amelia Carson e aquele vestido frívolo através das planícies como as pétalas de um dente-de-leão.
Dallas gostaria desse vestido. Ele gostaria muito. Pena que ele tinha quebrado a perna.
Balançando a cabeça, Houston pensou que tinha visto alívio nos olhos de Amelia. “Você tem algo que se parecesse com terra?”, ele perguntou.
O rosto de Mimi Saint Claire se enrugou como se ela tivesse mordido um limão. “Terrra?”.
Ela agarrou o braço de Amelia, e elas desapareceram atrás da cortina. Na próxima vez que Amelia surgiu, usava um vestido marrom escuro que combinava perfeitamente com o chapéu de pássaro. Houston o odiou.
“Eu não disse sujeira,” ele murmurou. “Algo que parecesse com a terra. Algo como um trevo”.
“Trrevo?” Mimi perguntou. “Você querr verrde?”.
Houston ligeiramente concordou com a cabeça, não realmente certo do que ele estava procurado, só estaria certo quando visse.
Mimi revirou os olhos. “Que homem prrra falarrr através de enigmas. Porr que ele não disse verrde?”.
Ela puxou uma Amelia sorridente de volta para trás da cortina. Houston se perguntou com que freqüência Amelia sorriria no Oeste do Texas, quando o sol batesse nela, o pó a sufocasse, e percebesse que o vizinho mais próximo estava a um dia de cavalgada rápida.
Ele desejou poder ignorar o riso que vinha da parte de trás da cortina, mas ele foi envolvido tão facilmente que seus dedos acariciavam o delicado bordado que estava dentro de seu bolso. Ele não tinha mais motivos para manter o pedaço de pano com ele. Ele se conhecia. Sabia que deveria ter dado o linho bordado de volta para ela ou o colocado dentro de seu alforje. Em vez disso, ele ficava constantemente tocando na única coisa que era suave em sua vida.
E olhava fixamente para a cortina, impacientemente esperando ver Amelia novamente, com aquele clarão nos olhos, o modo como os lábios dela se levantava fazia crê que estava achando a situação divertida.
A cortina ondulou e Amelia deslizou através dela, usando um vestido com um desenho de trevo. Não tinha nenhum babado, renda ou lacinho. Era simples e seguia as curvas dela, como um amante faria.
Cautelosamente estudando ele, ela girou devagar, mantendo o olhar nele até que foi forçada a girar a cabeça. “Você não gosta desse também?”, ela perguntou.
“Está bom”, ele disse enquanto colocava o chapéu na cabeça e levantava o alforje. “Pegue esse e qualquer outro que você queira. Não se apresse. Eu vou buscar a carroça”.
Ele ignorou a expressão desanimada dela e saiu da loja, a porta bateu atrás dele. Ele a tinha machucado novamente, mas dessa vez ele não tinha tido nenhuma escolha. Se ele ficasse naquele quarto, ele teria cruzado aquele chão de madeira e passado os dedos ao longo da delicada garganta dela.
Apenas um dedo, um toque, somente um doce momento... Mas ele o enterrou no fundo do seu inferno, ele sabia que não tinha nenhum direito de reivindicar quaisquer momentos doces, especialmente com a mulher que estava prometida ao irmão.
Respirando com força, ele parou cambaleante e pousou o queixo sobre o peito. Depois de anos querendo e esperando, ele finalmente tinha a oportunidade de se provar. Ele só tinha que entregar Amelia Carson segura e intacta nos braços de Dallas.
Ele nunca tinha percebido que a confiança era um fardo tão pesado.
Amelia olhou fixamente para a porta, desejando que o homem que tinha saído como uma tempestade retornasse. Num momento ele parecia interessado no guarda-roupa dela, e no seguinte ele estava saindo como se não conseguisse escapar rápido o suficiente.
“Ele não gostou desse também?”, Mimi perguntou, com a irritação perceptível na voz.
“Não, ele gostou deste aqui. É de mim que ele não gosta”.
Mimi virou as mãos em um gesto dramático. “Tolice! Ele adora você”.
Amelia caminhou através de quarto. “Realmente, eu sou um fardo para ele”.
Mimi começou a desabotoar as costas do vestido dela. “Oh, pequena, eu acho que você não entende muito do amorr. Um homem só vê uma mulher como um farrdo se ele achar que não pode agradarrr ela”.
“Tudo que ele tem que fazer é me escoltar até o rancho do irmão. É tão difícil assim?”.
“Isto, pequena, vai dependerr da jorrnada. Para você, serrrá fácil. Seu coração pertence a outro, não é?”.
Com a esperança de que ela realmente daria o coração para Dallas logo depois de encontrá-lo, Amelia concordou com a cabeça.
“Quando um coração pertencerr a ninguém, a jorrnada nunca é fácil”. Com um floreado, Mimi girou. “Agora, vamos verr o que mais eu tenho que parrece com chão!”.
Uma hora mais tarde, Amelia deu um suspiro fundo de alívio ao sair da loja de Mimi vestindo suas próprias roupas. Ela guardaria as roupas novas até que eles estivessem próximos ao rancho.
“Você conseguiu os cinco vestidos?”, uma voz profunda perguntou.
Amelia se virou. Junto com as sombras finais da manhã, Houston se debruçava contra a parede.
“Sim, é necessário apenas que você pague por eles, e ela vai embrulhar. Embora eu não possa imaginar o que eu possivelmente vou fazer com tanta roupa”.
Ele desencostou da parede. “Dallas acha que outras mulheres irão até lá assim que você chegar. Ele acha que será o rei do Oeste do Texas”. Ele manteve o olhar dela. “E você será a rainha”.
“Ele é tão bem-sucedido assim?”.
“Ele tem um bom começo, ele é inteligente, e não é um homem de deixar algo atrapalhar seu caminho”.
“Você é bem-sucedido também?”.
Ele agitou a cabeça. “Não, eu deixo a glória e o sucesso para Dallas e os homens como ele. Eu só quero assistir o pôr-do-sol em paz”.
Ele puxou o chapéu, e Amelia sentiu que algo mais profundo estava presente nas palavras dele, algo que ele não tinha vontade de discutir. Embora ela não pudesse ver, estava certa de que ele tinha construído um muro ao seu redor.
“Olhe em volta e veja se você consegue pensar em qualquer outra coisa que esteja precisando enquanto eu compro as roupas. Se não, nós partiremos”.
Ele entrou na loja de Mimi e retornou alguns minutos mais tarde com dois pacotes grandes. “Você pensou em alguma coisa?”, ele perguntou.
“Não, eu já me sinto culpada por tudo que você já comprou”.
“Não se sinta culpada. Dallas não ficará contra as compras. Ele é generoso demais com as pessoas que são importantes para ele”.
“E você acha que ele virá a se importar comigo?”.
“Ele já se importa, Senhorita Carson. Dou a você minha palavra,” ele disse enquanto andava através da passarela de madeira.
As apreensões de Amelia começaram a se derreter. Talvez o homem por trás das cartas fosse como ela tinha imaginado. Ela tinha pensado no comentário de Houston de que ela precisava de roupas para sair. Um dia ela encantaria as senhoras do Oeste do Texas com festas e telefonemas sociais—da mesma maneira que sua mãe tinha encantado as mulheres das plantações vizinhas. Talvez como a esposa de um rancheiro, ela encontraria semelhança na vida que ela tinha conhecido de antes da guerra, uma vida que ela tinha pensado que seria sua um dia.
Uma vida despedaçada por homens vestidos de azul e cinza desbotados.
Estremecendo, ela apertou os olhos com força e enviou o passado de volta para o fundo da mente. O futuro estava à frente dela, claro e límpido, com um homem que tinha mostrado a ela nada além de compaixão e respeito em suas cartas.
Amelia se virou enquanto Houston colocava os pacotes na parte de trás da carroça. Um cavalo marrom cutucou o ombro de Houston. Ele colocou a mão no bolso e pegou uma maçã. A égua a agarrou e começou a mastigar sofregamente.
Enquanto Houston puxava a lona para cobrir os suprimentos, segurando-os com cordas, Amelia viu a corda passar por cima de uma marca feita a brasa no lado da carroça. Um “A” caído para o lado direito até que tocasse o lado esquerdo de um “D”.
“O que é isso?”, ela perguntou.
“A marca de Dallas. Um ‘A ' e um ‘D’ Juntos”.
Juntos. Como uma sociedade. Como um casamento. “Ele sempre teve esta marca?”.
“Não. No princípio, ele tinha apenas o ‘D’ e ele adicionou o ‘A ' quando você aceitou a proposta de casamento dele”.
Profundamente tocada, ela desejou que Dallas pudesse ter compartilhado este momento quando ela descobrisse o presente. “Ele nunca mencionou isto nas cartas”.
“Lembre que ele queria fazer uma surpresa”.
“Uma marca é algo importante, não é?”.
“É algo que o homem não escolhe levianamente. Assim como a mudança dela.
“É por isso que você acha que ele se importa comigo?”.
“É uma das razões”.
“E as outras razões?”.
“Eu acho que elas estarão muito óbvias quando nós chegarmos no rancho”. Ele amarrou um laço no final na corda. “Pronta?”.
Mais que pronta, ela acenou com a cabeça. Ele colocou as mãos grandes na cintura dela. Ela se segurou nos ombros dele para que fosse levantada e sentasse na carroça. Ela se sentou e arrumou a saia, tentando não pensar no calor das mãos dele que tinha se espalhado pela roupa que ela vestia. As mãos de Dallas eram tão mornas, os ombros tão firmes.
Houston subiu e se sentou ao lado dela. Ele soltou o freio e fez as rédeas baterem nas costas das quatro mulas que os levariam. “Bem, Senhorita Carson, dê uma última olhada pois será a última vez. O lugar para onde estamos indo não existe nada além de terra, vacas e caubóis”.
Tinha passado do meio-dia quando eles chegaram a um pequeno córrego. Enquanto Houston dava água e alimento para as mulas e seu cavalo, Amelia se sentou em um tronco, usando um garfo para tirar os feijões de uma lata que ele tinha aberto para ela.
Ela não podia ouvir as palavras, só a voz, enquanto ele conversava com a égua. Nenhum dos dois tinha falado depois que a carroça tinha ido para longe de Fort Worth. De vez em quando, ela dava uma olhada por cima do ombro. Ele nenhuma vez olhou para trás.
Ele cruzou a clareira e se agachou na frente dela, o ombro direito dele próximo do joelho dobrado dela. O colete preto estava aberto, revelando a arma de fogo amarrada com uma cinta contra a coxa. Servia como um gentil lembrete de que ela estava indo em direção a uma terra selvagem.
“Minhas desculpas pela comida simples, mas eu não queria perder tempo fazendo fogo,” ele disse tranquilamente. “Nós teremos uma comida melhor à noite”.
“Eu estou realmente agradecida por você ter pensado em trazer alguns enlatados”.
Tirando o chapéu, ele a estudou. “Você já comeu coisa pior”.
Ela sorriu suavemente. “De fato, já comi”.
“Sim, eu também”.
Ficando de pé, ele colocou o chapéu de volta na cabeça. “Você pode se lavar no córrego. Nós iremos logo”.
Amelia se levantou e começou a caminhar em direção à água.
“Senhorita Carson?”.
Ela olhou por cima do ombro. Seu perfil estava virado para ela novamente, e ele parecia a estar estudando de longe. “Sim, senhor Leigh?”.
“Uma vez, quando eu parei no córrego para lavar meu colete, eu coloquei meu chapéu do meu lado. Um guaxinim veio e o levou para longe”. Ele mexeu o queixo de um lado para outro. “Se você for tirar o chapéu enquanto se lava, algum bicho pode levá-lo para longe”.
“Eu estou agradecida por você ter compartilhado isso comigo. Eu me certificarei de que guardarei bem o chapéu”.
Ela achou que ele tinha feito uma careta antes de se virar. Ela andou pela borda da água e se ajoelhou. O chapéu, com todos os acessórios, pesava na cabeça dela. Ela tinha pensado em remover o pássaro ou algumas tiras. Ela até pensou em fingir que nunca tinha recebido o chapéu, mas ela não tinha nenhum talento para dizer mentiras. Dallas conseguiria ver através da mentira, e ela não queria arriscar machucar os sentimentos depois de ele ter feito tanta coisa por ela.
Ela imergiu as mãos na água fresca. Ela não podia recordar de Houston já ter iniciando uma conversa entre eles. Ele educadamente respondia as perguntas, mas na maior parte do tempo se mantinha quieto. Ainda assim ele tinha abertamente compartilhado a história do guaxinim e do chapéu, embora ele parecesse desconfortável contando sua estória como se temesse que estivesse a ofendendo. Ela imaginava que ele deveria ter se apegado bastante ao chapéu, já que raramente o tirava.
Ela viu por um momento seu reflexo oscilar na água, o pássaro ia para cima e para baixo com o movimento da água. O chapéu era incrivelmente sem atrativos. Ela o usava porque Dallas tinha enviado para ela, porque ele era um presente e ela tinha recebido pouquíssimos em sua vida.
Ela olhou por cima do ombro e se perguntou se Houston não estava oferecendo a ela um presente também: um jeito honrado de perder o chapéu sem machucar ninguém.
Ela se levantou e caminhou para a carroça onde ele estava apertando as cordas que seguravam a lona em cima das provisões. “Você não gosta do meu chapéu,” ela declarou no tom mais neutro que pôde encontrar.
Ele visivelmente petrificou, as mãos congeladas. “Não, madame”. Ele tirou o chapéu e encontrou o olhar dela. “Eu acho que é a coisa mais horrorosa que eu já vi”.
Amelia soltou um grito minúsculo e cobriu a boca.
O remorso ficou visível no rosto dele. “Minhas desculpas, senhorita Carson. Eu não tinha o direito—”.
“Não!”, ela levantou uma mão para pedir que ele parasse as desculpas e moveu a outra mão para longe do rosto para revelar um sorriso. “Eu também acho que é terrível”.
“Então por que, em nome de Deus, você está usando isto?”, ele perguntou, claramente atordoado.
“Porque ele foi um presente do seu irmão”.
Ele bateu o chapéu contra o colete. “Bom, ele não é muito útil. A ponta do seu nariz já está começando a ficar vermelha”.
Amelia apertou a ponta do nariz com os dedos. Ela podia sentir o leve pinicar na pele. Ela tinha usado chapéus para proteger o rosto enquanto trabalhava nos campos de algodão durante a guerra. Ela desejava não ter que usar um chapéu novamente. “Eu não gosto muito de chapéus,” ela disse enquanto morda o lábio inferior.
“Se um guaxinim o levasse para longe, você poderia pegar emprestado o chapéu que eu comprei para Austin,” ele ofereceu.
“Você acha que ele se importaria?”.
Ele encolheu os ombros. “Se ele se importar, pode continuar com o chapéu velho. Eu acabei de comprar isto porque eu não sabia de alguma outra coisa para comprar para ele, e nós não veremos outra cidade tão cedo. Ele pode nem querer o chapéu”.
“Eu não quero magoar Dallas. O chapéu foi um presente—”.
“O chapéu era um modo de eu te reconhecer. E eu te reconheci”.
Uma ponta de culpa ficava incomodando a consciência dela. “Você acha que ele usará a faixa que eu bordei ao redor do chapéu?”.
“Não, madame. Eu posso garantir a você que ele não usará”.
“Suponho que eu posse então guardar o chapéu”.
“Não tem lugar na carroça para mais nada”.
Ela sabia que era uma mentira. Um pouco menos do que metade da carroça estava vazia. “Você realmente detesta o chapéu”.
“Se você guardar o chapéu, chegará um dia em que Dallas vai querer que você o use... na frente de pessoas que ele precisa que o respeite. Do modo como eu vejo as coisas, no final das contas, você estará fazendo um favor a ele se não o carregar”.
“Existem guaxinins por aqui?”.
“Sim, madame”.
“Eu acho que preciso dar uma boa esfregada no rosto”.
Ele concordou com a cabeça. “Eu acharei um chapéu para Austin”.
Amelia caminhou para o córrego e se ajoelhou. Pegou o chapéu, tirou-o da cabeça e o estudou. Dallas o tinha comprado para ela para que assim ele pudesse identificá-la. Tinha servido o propósito. Ela o deixou ao lado dela e violentamente esfregou o rosto, rezando para que ele nunca descobrisse a desonestidade dela. Ela ergueu a saia e enxugou a água fresca do rosto antes de lançar um olhar de lado para o chapéu. Permanecia intacto.
Ela se pôs de pé e caminhou para a carroça. Houston deu a ela um chapéu preto de abas largas.
“Você está certo de que Austin não irá se importará?”, ela perguntou enquanto ajustava o chapéu na cabeça.
“Eu estou certo”. Ele colocou as mãos na cintura dela e a ergueu para que subisse na carroça, e se sentou ao lado dela.
“Eu me sinto culpada,” ela disse enquanto ele agarrava as rédeas.
“Não se sinta”.
Ele sacudiu as rédeas e as mulas começaram a puxar a carroça. Amelia esperou até que a carroça passasse sem tocar a corrente rasa e olhou para trás. O chapéu permanecia onde ela o tinha deixado.
“Você realmente acha que um guaxinim o levará?”, ela perguntou.
“Sim, madame. Talvez não hoje ou amanhã. Mas algum dia”.
O fogo suavemente crepitava, atirando faíscas na noite. Apesar da imensidade do céu escuro, uma intimidade morava dentro do acampamento pequeno, uma intimidade que não existia em Fort Worth. Amelia se perguntava se talvez ela houvesse aqui porque eram apenas os dois, sozinhos, cercados por nada além das sombras escuras do desconhecido.
Ela deu um olhar furtivo para seu companheiro ambulante enquanto ele se sentava em um tronco próximo e colocava feijões na boca. Eles viajaram pela tarde em silêncio, os pensamentos dela se dirigiam em direção ao chapéu e o guaxinim, os pensamentos dele... Ela não tinha nenhuma idéia do rumo dos pensamentos dele.
Ele montou uma barraca, preparou os animais, e cozinhou uma refeição, falando somente quando necessário para expressar suas necessidades. Enquanto ele preparava o acampamento, ele se movia com graça e sem esforço mantinha o lado direito do corpo voltado para ela. Ela não estava certa se ele buscava proteger o rosto cicatrizado ou se tentava protegê-la dessa visão. Talvez fosse um pouco de ambos.
“Você é casado?”, ela perguntou tranquilamente.
Ele saltou como se ela tivesse dado um tiro de rifle. O garfo dele bateu no prato de lata e caiu no chão. Ele o pegou, limpou na perna da calça comprida, e começou a mover os poucos feijões restantes ao redor do prato. “Não”.
Ele meteu o garfo com feijões na boca.
Ela sabia que os pais tinham vivido no Texas quando as crianças tinham nascido. Ela se perguntou se eles tinham vivido em algum outro lugar. “Você cresceu no Texas?”, ela perguntou, tentando fazê-lo falar sobre a infância, uma infância que incluía Dallas.
“Não. Vivemos no Texas quando éramos crianças. Crescemos fora do Texas”.
Ela enrugada a testa. “Quando você deixou o Texas?”.
“Quando a guerra começou. Quando meu pai se alistou, ele mandou que Dallas e eu fôssemos com ele”.
Trechos das cartas de Dallas voltaram à mente dela. A vida militar dele tinha-na surpreendido, dando orgulho a ela, mas ela tinha achado que Dallas tinha quase trinta anos e baseado no conhecimento, ela achava que ele tinha se alistado próximo do fim da guerra. Ela se perguntou se tinha interpretado mal as cartas, julgando mal a idade dele. “Você tinha quantos anos?”
“Doze. Dallas tinha quatorze anos”.
“Vocês eram crianças” ela sussurrou, lembrando de tantos rostos jovens que tinham desfilado ao longo da estrada poeirenta em frente à plantação dela.
“Meu pai achava que a gente tiinha idade suficiente. Dallas estava comandando sua própria unidade quando tinha dezesseis anos”.
A comida revirou no estômago dela. “Sim, ele me falou detalhadamente a respeito das realizações dele. Eu apenas não tinha parado para pensar como ele era jovem quando se alistou. Às vezes, eu me pergunto se não foi na verdade uma guerra de crianças”.
Ele foi até o fogo. “Mais café?”.
“Não, obrigada”.
Ela o observou enquanto ele despejava a bebida preta na xícara de lata antes de ela recusar. Ela teve a impressão de que a ida dele até o fogo tinha sido seu jeito de mostrar a ela que ele não estava a fim de conversar. Já que ele tinha aversão a conversar sobre a guerra, ela tinha decidido não obrigá-lo.
“Eu posse te pedir um favor?”, ela perguntou.
Houston tinha travado uma batalha a noite toda, lutando para manter sua atenção focada no contorcer das chamas que dançavam na noite em vez de olhar para a mulher que se sentava ao lado dele. Ele achava que Dallas não iria gostar de saber quanto prazer dava a ele assistir Amelia, a melodia da voz dela, um sotaque suave do sul que saía pausadamente, sem pressa de chegar a algum lugar, a esperança ecoando nas palavras, era uma perdição para ele. Admitindo derrota, ele ligeiramente desviou o olhar dela, e concordou com a cabeça.
“Quando seu irmão e eu escrevemos um para o outro, nós não nos descrevemos, por isso que nós tivemos que enviar algo para nos identificarmos. Estava pensando se eu poderia dizer como eu acho que ele deve ser e, se eu estiver errada, você me corrige”.
“Eu posso dizer a você como ele é”.
Ela mexeu a cabeça com força. “Não, eu quero ver o quão íntima eu sou dele para imaginá-lo como ele realmente é”.
Ela se sentou em um tronco pequeno, parecendo com uma menina que esperava ganhar um pedaço de doce. Ele estava disposto a dar a ela todas as informações, mas, em deferência ao irmão mais velho, Houston simplesmente encolheu os ombros. “Vá em frente”.
Ela mordeu o lábio inferior. “Certo. Eu sei que ele é alto, já que você disse isso para mim. E eu sempre pensei que ele tinha cabelo preto, como o seu. Só que não tão longo. Eu acho que o cabelo dele cobre apenas as orelhas. Não passa nem perto dos ombros”.
Houston movimentou a cabeça devagar, e os olhos dela brilharam. Ele imaginou o quanto Dallas se divertiria tentando manter aqueles olhos brilhando. Ela parecia ser incrivelmente fácil de agradar.
Ela fechou os olhos por um momento, então os abriu rápido. “Olhos azuis”.
Maldição! Ele detestou ter que desapontá-la. Ele agitou a cabeça lentamente. “Austin pegou os olhos azuis da nossa mãe”.
“O de Dallas é marrom como o seu?”.
“Mesma cor, mas ele tem dois”.
Ela se virou para frente, os olhos se encheram de piedade, e ele desejou ter mantido a boca fechada e não ter tentado implicar com ela. O que diabos ele sabia sobre isso? Por algum motivo, ele queria ouvir novamente a risada dela como quando ela estava com Mimi Saint Claire. E ele não queria, absolutamente, nenhuma piedade.
“Que idade você tinha quando foi ferido?”, ela perguntou baixinho.
“Quinze. Achei que você queria saber sobre o Dallas”.
Endireitando-se, ela deu a ele um sorriso vago, e ele percebeu que a tinha machucado novamente. Maldição, ele se odiava quando fazia isso.
“Você está certo,” ela admitiu. “Meus interesses estão em Dallas”. Ela franziu as sobrancelhas delicadas.
“O nariz dele é reto, não muito grande, não muito pequeno, e fica no meio do rosto”.
Ele estava à beira de perguntar onde mais ela achava que iria encontrar um nariz quando ele notou o brilho nos olhos dela. Ela já o perdoara por sua grosseria, e estava implicando com ele. Ela fazia isto com uma grande facilidade. Ele invejava essa habilidade dela e não fez nada além de concordar com a cabeça.
“Ele tem uma mandíbula forte”, ela disse.
Ele agitou a cabeça ligeiramente, e o olhar dela se apagou.
“Ele não tem uma mandíbula forte?”, ela perguntou.
“Não tem, nunca o vi lutar com um boi no chão”.
O clarão que iluminou os olhos dela era suficiente para cegar um homem. O sorriso. A risada. Por Deus, um homem podia começar a acreditar no céu, anjos e na paz eterna.
Ela riu tanto que teve que enxugar uma lágrima no canto do olho. “Eu queria dizer que ele tinha um queixo definido, como o seu”. Ela alcançou o rosto dele e arrastou os dedos junto ao queixo.
Ele pulou para trás como se tivesse chamuscado a carne contra uma chapa de ferro incandescente. Ele podia perceber a dor e a confusão nos olhos dela, mas ele não podia explicar a ela sobre as necessidades que passavam pelo corpo dele com o simples toque dela, um toque que pertencia exclusivamente ao irmão dele.
“Eu sinto muito,” ela gaguejou.
Ele se abaixou em frente ao fogo. “Não se desculpe. Amanhã será um dia longo. É melhor que você vá descansar um pouco. Você pode levar um lampião para a sua barraca. Eu quero partir ao amanhecer”.
“Devo lavar o prato naquela balde de água quente?”.
“Não. Eu aqueci a água para você. Só deixe seu prato perto do tronco, eu cuidarei disso”.
Pegando o lampião e o balde de água, Amelia começou a caminhar em direção à barraca.
“Senhorita Carson?”.
Parando, Amelia se virou. Ele permanecia de pé, ao lado do fogo, as sombras brincando com o seu perfil. “Sim, senhor Leigh”.
“Dallas tem bigode”.
“Bigode?”.
“Sim, um daqueles bem cheios. Caem ao redor da boca. Ouviu uma mulher dizer que ele era tão bonito quanto o pecado”.
“Obrigado por compartilhar essa informação comigo. Eu nunca o imaginei com um bigode. Boa noite, Senhor Leigh”.
“Noite, madame”.
Ela entrou na barraca de lona, o encerado que ele usava para cobrir os suprimentos servia como colchão. Ela colocou um lampião na mesa pequena e abriu a bolsa. Cuidadosamente, ela tirou uma pilha de cartas. Ela desatou a tira e tirou a primeira carta do envelope. Sentada na extremidade da cama estreita, ela tentou imaginar uma imagem de Dallas Leigh já que agora ela sabia como ele era. Olhos marrons. Bigode espesso.
21 de abril de 1875.
Querida Carson: Eu li o anúncio no qual você está buscando um marido. Se você ainda estiver disponível, eu estou buscando uma esposa.
Eu estou com boa saúde, tenho todos os dentes, e me considero agradável aos olhos. Eu tenho terra, gado, e o sonho de construir um império de gado como este grande estado nunca viu.
Por favor, escreva de volta se você ainda não estiver casada, e terei o prazer de lhe contar os detalhes.
Seu,
Dallas Leigh.
Um homem honrado teria olhado para outro lado.
Mas Houston Leigh nunca tinha sido um homem de honra.
Ele se deitou no catre ao lado do fogo, as sombras o rodeavam, o olhar se voltou para a barraca.
Ele não tinha percebido, até que apagou o fogo e lançou o acampamento na escuridão, que a luz do lampião dela formava sombras visíveis pelo lado de fora.
Ele podia ver a mulher sentada na cama lendo uma carta. Lendo com aqueles olhos verdes da cor de trevo que se escurecia cada vez que ela falava.
Ela já estava lendo há algum tempo. Ele gostava de vê-la colocar uma carta no lugar e tirar uma outra carta do envelope. Os movimentos dela eram elegantes, refinados, práticos, como se ela frequentemente lesse as cartas. Ele se perguntou se ela ficava lendo as cartas que Dallas escrevia para ela. Ele se perguntava o quê exatamente Dallas tinha dito a ela sobre os irmãos, e se condenava por se importar com isso.
Ela colocou as cartas em uma mesa pequena ao lado da cama, a mesa que tinha deixado o lampião. Ela levantava os braços acima da cabeça e quase encostou no topo da barraca.
Quando ela abaixou os braços, começou a tirar os alfinetes do cabelo. Ele viu a sombra do cabelo dela cair além dos ombros e os juntar atrás da cabeça.
Suas mãos se juntaram, e ele não tinha forças para desviar o olhar. Ela alcançou a bolsa e pegou a escova. Lentamente, ela passou a escova pelo cabelo.
Ele contou as passadas.
E sentiu inveja da escova.
E invejou o irmão, que teria o privilégio de assistir a mulher sem a barraca para separá-los.
Cem vezes. Cem longas e torturantes vezes.
Ela fez uma trança no cabelo. Ele achava um crime prender algo tão bonito. Prender um cabelo glorioso em forma de trança, prender uma mulher adorável em um rancho isolado como o West Texas.
Lentamente, ela tirou a roupa, cada peça, até que não sobrou nada além da sombra da sua pele. O corpo dele reagiu a esta visão e ele colocou a mão envolta do cobertor. O suor brotou na testa, no tórax e na garganta dele.
Ele rezou para que uma brisa fresca soprasse próximo ao seu corpo e levasse parte do calor, mas o calor só intensificou quando ela colocou um pedaço de pano no balde e se curvou para pegá-lo. Ela inclinou as costas para trás, ergueu os braços, apertou o pano, e deixou as gotas escorrerem pelo rosto, ombros... e os seios.
Vagarosamente, ela passou o pano junto à garganta, seguindo a trilha das gotas até a parte inferior do corpo.
Houston se imaginou sentindo o pulso do coração dela, o calor da pele. Ele imaginou um vôo livre de suas mãos pelo corpo dela em vez do pano, sua mão tocando as curvas dela, os lábios deixando uma trilha úmida por sobre a pele.
Virando de lado, ele trouxe os joelhos em direção ao tórax como uma criança tentando se proteger da solidão dolorosa. Uma lágrima solitária deslizou junto a sua bochecha.
Ele tinha os cavalos. Ele tinha a solidão. E nas noites quando a lua estava cheia, ele podia olhar através da vasta pradaria e ouvir nada além do mugido do gado distante, o sussurro do vento, e a promessa de um amanhã.
E se existiam momentos como este aqui, quando ele desejava algo mais, ele tinha que olhar o próprio reflexo nas águas quietas de uma lagoa para se lembrar de que ele merecia menos.
Muito menos.
Amelia despertou com o odor de café forte preenchendo o ar. Ela tinha a sensação de que ele seria tão espesso quanto um bom melaço em dia de inverno. Fazendo uma ligeira careta, ela rolou para fora da cama. Todos os músculos, todos os ossos protestavam contra os movimentos.
De pé, ela colocou as mãos na cintura e esticou as costas. Ela se perguntou se ela faria caminhada durante parte do dia. Sentar em uma carroça o dia todo era ruim para o corpo.
Usando a água restante da noite anterior, ela depressa lavou o rosto, então separou as mexas da trança, escovou o cabelo, e o juntou em um coque. Ela olhou para sua roupa, desejando agora que tivesse tirado um tempo para lavá-la enquanto eles estavam próximos do córrego. Ela não tinha nenhuma idéia se eles teriam água todas as noites.
Ela cuidadosamente colocou todos os pertences dentro da bolsa de viagem, dobrou os cobertores que cobriam a cama, e apagou o lampião. Era uma coisa infantil, realmente, dormir com uma chama queimando ao lado.
Cautelosamente, não muito certa do que encontraria por trás da barraca nesta manhã, ela deslizou os dedos na sua abertura e deu uma espiada pela pequena abertura. Ela podia ver Houston abaixado na frente de um pedregulho com uma navalha nas mãos. Ele tinha colocado um espelho, não maior do que a palma da mão dela, na pedra e o encostado contra a árvore. Ele balançou a cabeça ligeiramente e deslizou a navalha por cima da garganta, tirando a espuma.
Amelia saiu da abertura, e com excitação pulsando nas veias, abriu a bolsa e colocou as mãos no lado de dentro. Ela retirou um espelho de mão grande que tinha pertencido a sua mãe.
Ela saiu com pressa da barraca, agradecida por ter, afinal, um modo de agradecer a tudo que ele tinha feito por ela: a barraca, o fogo, as comidas, a água morna. “Senhor Leigh!”.
Ele se virou, com as sobrancelhas muito frisadas.
“Você pode usar meu espelho,” ela disse com êxtase enquanto o empurrava em direção a ele.
Balançando a mão no ar, ele saltou para trás como se ela estivesse oferecendo a ele uma serpente. “Deus todo-poderoso! Tire isso de perto de mim!”.
Amelia abraçou o espelho contra o peito. “Mas é bem maior que o seu. Eu achei que seria mais fácil para barbear”.
“Eu nem sei por que perco tempo me barbeando,” ele murmurou enquanto levantava o espelho pequeno e o jogava em cima de uma caixa junto com o resto do equipamento de barbear. “Faça tudo o que precisa para se arrumar. Café e biscoitos estão perto do fogo. Nós sairemos antes do café da manhã”.
Os olhos dela se encheram de lágrimas enquanto saía correndo como se sua vida dependesse disso. Ela apertou ainda mais o espelho contra o peito. Ela se perguntou se ele usava o espelho menor para não ter que ver o rosto todo, mas apenas pedaços, talvez assim ele pudesse fingir que não tinha o rosto desfigurado.
Ele só tinha quinze anos quando tinha sido ferido. Ela tentou imaginar como tinha sido devastador para um menino de quinze anos descobrir que uma parte do rosto tinha sido devastado pelo fogo inimigo. Um homem mais velho que não desse muito valor para as aparências poderia ter se aceitado, mas um homem jovem que ainda tinha que cortejar uma garota e casar poderia se esconder do mundo.
Toda conversa que eles compartilhavam—exceto uma – tinha começado com ela fazendo uma pergunta. Ela acreditava que ele a considerava um fardo. Agora, ela se perguntava se talvez ele simplesmente não tivesse tido nenhuma experiência social. Ele sempre olhava como se estivesse buscando algo. Será que ele estava procurando as palavras certas para dizer?
Ela pegou o espelho e estudou seu reflexo. Ela não tinha vaidade, mas não conseguia se imaginar evitando olhar o próprio rosto. Ela pensou no modo como ele puxava a borda do chapéu para baixo, ficando contra as paredes, ou de pé nas sombras. Ela tinha a sensação de que Houston Leigh carregava outras cicatrizes que eram visíveis somente dentro do coração.
Houston se ajoelhou ao lado do riacho, o hábito o forçava a agitar a água antes de se debruçar para encher as cantinas. Ainda assim a água mostrava a ele o reflexo de um homem.
Ele endireitou as costas, fechou as cantinas, e esfregou a mão no rosto. Ele devia desculpas a ela novamente. A reação de generosidade dela o tinha assustado. Ele tinha visto naqueles olhos da cor de trevo o reflexo do coração dela, tão aberto quanto um livro. Eles tinham se enchido de alegria quando ele se virou, e ele os deixou ir embora cheios de desespero.
Ele se sentiu como se tivesse esmagado uma linda borboleta por ter tido a ingenuidade de ter pousado no ombro dele.
Ele fechou os olhos evitando a memória da noite anterior. Ele a devia desculpas por causa disso também, embora ela não tivesse como saber o que tinha acontecido no acampamento depois que ela tinha entrado na barraca. Como um homem se desculpa por ter se aproveitado de uma situação sem causar um dano ainda maior?
De uma forma ou de outra ele precisava fazer algo. Os pensamentos luxuriosos dele não tinham lugar nesta viagem.
Ele pegou uma vara e desenhou um “A” na lama. Ele levou a vareta para o lado direito até que a ranhura ficasse funda e a água começasse a enchê-la. Então ele escreveu um “D” e olhou fixamente para marca do irmão, tentando guarda-la na mente e no coração.
Ele sabia que o casamento que aconteceria quando eles chegassem ao rancho era apenas uma formalidade. Até onde Dallas estava ciente, Amelia tinha se tornado a esposa dele no dia em que ele tinha juntado a inicial dela com a dele. Houston tinha que se lembrar disso.
Ele lançou a vara barrenta de lado, se forçou a ficar de pé, e voltou ao acampamento, carregando as desculpas como se elas fossem um filhote de cachorro não desejado.
Ele parou no meio do caminho, as palavras que estava praticando ficaram esquecidas quando ele olhou para Amelia que caminhava pelo acampamento, com a mão cobrindo o olho esquerdo. Ela bateu numa pedra, tropeçou, perdeu o equilíbrio, olhou para baixo, o olho ainda coberto, e falou com a pedra como se ela fosse alguma criança que tinha entrado no caminho. “Oh, eu não tinha te visto”.
Ela ergueu o olhar e continuou vagando na área pequena, com a saia indo perigosamente na direção do fogo.
“O que diabos você acha que está fazendo?”, ele berrou.
Ela se virou. As bochechas pegando fogo enquanto abaixava as mãos. “Eu estava tentando ver o mundo como você”.
Ele se agachou diante do fogo e despejou o restante do café nas pequenas chamas. “Acredite em mim, você não vai querer ver o mundo como eu vejo”.
Com passos hesitantes e curtos, ela chegou mais próximo do fogo, torcendo as mãos. Ele sabia que deveria se desculpar agora, mas, droga, ele não conseguia se lembrar das palavras que queria usar.
“Eu notei que você tenta mostrar para mim apenas... seu... seu lado direto. Eu achei que era porque você estava tentando me poupar da visão das suas cicatrizes.”
As palavras dela o cortaram como uma faca. Se ele pudesse, a pouparia completamente da presença dele. Maldito Dallas. Todas as seis balas não seriam suficientes para satisfazê-lo.
“Eu percebo agora que sua vista é embaraçada,” ela continuou.
“Eu sou como um cavalo que usa uma viseira dos lados, então só ficou a direita para mim,” ele disse rudemente.
“Eu não queria te deixar sem-jeito”.
“Não estou sem-jeito. Só que você foi perto demais do fogo e deixou sua saia queimar”.
“Oh”. Ela mordeu o lábio inferior. “Pelo menos você não tem que fazer mira quando usa um rifle”.
Os olhos dele se endureceram ante a piedade que encheu aqueles olhos verdes, junto com lágrimas.
“Eu estava tentando pensar em uma razão pela qual você pudesse ser agradecido por ter perdido um olho. Eu sei que é uma razão tola, mas às vezes quando eu fico aborrecida com algo se eu conseguir achar uma razão para me sentir agradecida—”.
Ficando de pé e o mais reto que podia, ele olhou para ela. “Você sabe o que me deixaria agradecido, senhorita Carson?”.
Ela agitou a cabeça ligeiramente.
“Se eu tivesse perdido ambos os olhos”.
Com o início do pôr-do-sol, Amelia esfregou a blusa com força no balde com água morna que Houston tinha trazido—em silêncio. Ele não tinha falado nada desde a manhã. Ele grunhiu, disse sim, disse não, e na maior parte do tempo a deixou sozinha.
Eles tinham levantado acampamento um pouco mais cedo do que eles tinham feito no dia anterior porque ele queria que eles se mantivessem o mais próximo possível da água. Ele caçou uma lebre para o jantar. Amelia queria cavar um buraco e se enfiar nele quando ele tinha andado a passos largos no acampamento com a lebre e o rifle. Como ela pôde dizer aquelas coisas pela manhã? Como ela poderia ter pensado que ele ficaria agradecido pela perda de um olho ou com as cicatrizes de um rosto que ela tinha certeza que teria feito as mulheres desmaiarem por causa da beleza?
Ela sabia que poderia se desculpar cem vezes, mas isso não seria o que Houston Leigh queria... Ou precisaria. Ele precisava ser aceito como era, aprender que ele não tinha que se esconder atrás de muros que ele mesmo construía.
Levantando-se, ela jogou a blusa na carroça, alisou para que saíssem as rugas para que o tecido secasse até a noite. Ela passou os dedos por cima da marca de Dallas. Ela tinha esperado muito mais desta viagem: risos, beijos roubados, promessas de felicidade.
Ela devia deixar Houston ficar se lastimando do mundo que ele não tinha nenhum desejo de compartilhar. Ela devia focar os pensamentos em Dallas e em como ela poderia fazê-lo mais feliz. Ela não estava aprendendo muito a respeito do irmão, mas talvez se ela lesse as cartas dele novamente, ela poderia descobrir algo que tivesse deixado passar.
Ela esvaziou a água do balde, endireitou as costas com um suspiro, e começou a caminhar em direção à barraca e a solidão.
O relincho do cavalo chamou sua atenção. Olhando em direção à área onde Houston tinha amarrado as mulas, ela parou.
Houston tinha se sentado em um tronco, deixando o lado esquerdo voltado para ela para que assim não pudesse vê-la. Ele colocou um tabuleiro de xadrez em cima de um toco de árvore. Ao lado dos pés estava o colete dobrado, e o chapéu em cima dele.
Ele era mais magro do que ela esperava, e ainda assim ela viu que os ombros dele eram proeminentes quando ele apoiou o cotovelo na coxa e apoiou o queixo na palma da mão. Ele dobrou suas mangas, e ela podia ver a força dos antebraços dele. Em frente a ele, o cavalo bufou.
“Você tem certeza?”, Houston perguntou.
O cavalo concordou com a cabeça, balançando-a para cima e para baixo.
“Certo,” Houston respondeu e moveu uma peça de xadrez preta através do tabuleiro. Ele prontamente pegou uma de suas peças brancas e saltou por sobre uma peça preta que ele tinha acabado de mover.
O cavalo relinchou, abaixou a cabeça, empurrou o tabuleiro de xadrez em direção à árvore.
“Que droga! Você é um mau perdedor,” Houston sussurrou severamente.
Rindo, Amelia abordou a dupla. Em um movimento rápido, Houston agarrou o chapéu, o colocou na cabeça, ficou na ponta dos pés, e se virou.
“Achei que você estava lavando suas roupas,” ele disse através das sombras do chapéu.
Ela não se ofendeu com as ações dele, mas a tristeza brotou dentro dela. Ele confiava no cavalo, mas não confiava nela. Ela tentou não mostrar o que sentia enquanto passava a mão nos ombros do cavalo. “Eu estava, mas não se leva muito tempo para lavar uma blusa”. Ela olhou para ele especulativamente. “Eu suponho que deveria ter me oferecido para lavar sua camisa”.
“Isto não é necessário. Em uma comitiva de gado, um homem se acostuma a ficar com as roupas sujas durante um bom tempo”.
“Mas nós não estamos em uma comitiva de gado. Eu lavarei sua camisa amanhã”.
Ele abriu a boca para protestar, e então a fechou.
Amelia apertou o rosto contra o pescoço do cavalo. “Eu nunca mencionei que acho seu cavalo bonito. Eu achei que ela era marrom, mas às vezes quando o sol bate diretamente no pelo, ela parece vermelha”.
“Ela é da raça Sorrel. Velocidade e resistência são seus pontos fortes, além de ser muito esperta”.
Ela estudou o homem que falava sobre o cavalo com afeto óbvio. Ela se lembrou da descrição que ele tinha feito do cavalo que quebrou a perna de Dallas. “Você sabe muito sobre cavalos”.
“Eu crio cavalos selvagens. É meu trabalho conhecer o temperamento dos cavalos. Os cavalos selvagens são normalmente fáceis de lidar. A cor determina o cavalo. Um pardo com juba e rabo preto é robusto, um albino é inútil, um negro é um bom cavalo, a menos que tenha rabo e juba ondulada”.
“Isto é impressionante,” ela disse tranquilamente, mais impressionada com a quantidade de coisas que ele tinha falado do que com o que ele tinha dito. “Você cria cavalos?”.
“Estou começando. Eles costumavam correr em liberdade pelo Texas mas eles estão ficando cada vez mais difíceis de encontrar, então eu terei que fazer eles procriarem”.
Ela esfregou o focinho do cavalo. “Qual é o nome dela?”.
“Sorrel”. Ele ergueu os ombros. “Leve em conta que eu recebi tanta imaginação dos meus pais”.
Ela riu ligeiramente, encantada com a conversa. Embora ele ainda usasse o chapéu, ele tinha relaxado a postura. Ele parecia ficar mais à vontade com cavalos do que com pessoas. Ela se perguntou o que o faria ficar confortável ao redor dela, o que teria de acontecer para que ele deixasse o chapéu no chão. “Eu jogo xadrez. Provavelmente melhor do que seu cavalo”.
Ele estreitou os olhos. “Meu cavalo joga bem”.
Ela levantou o queixo. “Eu jogo melhor”.
“Vamos ver se é verdade?”.
Ela achou que ele nunca perguntaria, mas decidiu não mostrar muito entusiasmo. Ela não queria espantar a companhia dele da sombra refrescante. Ela simplesmente andou até o tronco onde ele estava sentado e levantou o rosto em desafio, “Por que não?”.
Ele, rápido como uma bala, juntou o tabuleiro e as peças, e os colocou cuidadosamente sob o toco da árvore. Empurrou Sorrel com graça enquanto o cavalo cutucava seu ombro. “Esse jogo não é seu. Saia daqui”. Então ele se abaixou, sentou sobre as coxas, e o jogo começou.
Amelia nunca tinha visto ninguém se concentrar tanto em um jogo. Houston se equilibrava nas pontas dos pés, com os cotovelos sobre as coxas, a palma da mão apoiando o queixo, estudando cada movimento que ela fazia como se fossem igualmente importantes.
Ela se lembrou de jogar xadrez com o pai antes da guerra. Os jogos eram rápidos, e normalmente terminava com os dois rindo, nenhum deles ganhava. Ela estava começando a entender porquê o cavalo de Houston pisou no tabuleiro.
“Meu pai me ensinou a jogar xadrez,” ela disse. “Se eu achasse que iria perder, eu movia as peças quando ele não estava olhando. Ele sempre fingia não notar”.
“Você diz como se tivesse amado seu pai”.
“Claro que eu amei. Muito. Ele era meu pai. Você não amou o seu?”.
“Particularmente, não”.
Ela sentiu pelo aperto do queixo dele que ele deveria ter se arrependido por ter falado isso.
“Sua vez”, ele murmurou.
Ela prontamente mexeu outra peça do tabuleiro e esperou o longo tempo em que ele planejava a estratégia. Com o dedo polegar, ele levou o chapéu para cima da sobrancelha. Com a atenção claramente focada no jogo, ela estava certa de que ele não tinha percebido que tinha permitido as sombras escaparem do rosto. Ela deu boas-vindas à oportunidade de visualizar mais do que o perfil dele. O tapa olho preto era maior do que a maioria dos que ela já tinha visto. Ela supôs que ele queria deixar as cicatrizes o menos visível possível. Os dedos dela se dobraram da mesma maneira que ela tinha feito na primeira vez em que eles se encontraram, ela sentiu uma imensa vontade de tocar nas cicatrizes pouco apresentáveis dele com compaixão. Ela imaginou abraça-lo contra o peito dela, aliviando a dor que existia dentro do olho restante.
Um calor inesperado a envolveu como se ela estivesse andando muito perto de uma chama. Ela fechou os dedos bem apertados para fazê-los parar de tremer, para que eles não fossem à direção a um rosto que a fascinava com a história que revelava. O rosto arruinado de Houston não deixava nenhuma dúvida de que ele tinha lutado na guerra. Ela se perguntou se o semblante de Dallas revelaria mais coisas.
“Dallas foi ferido durante a guerra?”, ela perguntou.
Houston arrastou o dedo na borda do chapéu, trazendo as sombras para o rosto. “Não”.
Ela se puniu, se perguntando se ela alguma vez tinha lembrado como conversar sobre a guerra distanciava Houston. Embora ele se sentasse em frente a ela, ela sentia que ele estava se distanciando. Ela queria desesperadamente mantê-lo próximo.
“Dallas joga?”, ela perguntou agradecida ao ver a dureza dos ombros de Houston se amenizarem enquanto ele se debruçava para frente.
“Com tudo que ele faz, não imagino que tenha tempo”.
“Vocês dois nunca jogaram?”.
Ele pegou uma peça, em seguida a puxou para trás, sua mão nunca tocando o tabuleiro. “Não”.
Ele observou o tabuleiro com tal intensidade que Amelia desejava ter planejado perder. Com um suspiro, ele moveu a peça para frente, colocando-a onde ela não tinha nenhuma escolha além de saltar por cima dela e ganhá-la. Ela estava certa de que a intenção dele era dar uma peça a fim de ganhar duas dela, mas ela não achava que seria sacrifício suficiente para ele ganhar.
De alguma forma ela sabia que a vitória dela também seria sua perda.
Ela deslizou os dedos por baixo do tabuleiro e depressa o lançou para fora do toco.
“O que v—”, ele a encarou com desgosto óbvio.
Amelia sorriu inocentemente. “Eu achei que poderia perder”.
“Você sabia muito bem que não ia perder”.
Ele agarrou o tabuleiro, e Amelia firmou os dedos em volta do braço dele. Ele parou, os músculos dos dedos tensos. “Era só um jogo. Você deveria se divertir quando está jogando”.
“Eu estava me divertindo”, ele disse bruscamente.
“Você estava?”.
Ele concordou com a cabeça, mas os músculos embaixo da mão não relaxaram.
“Então vamos jogar novamente”. Ela se sentou no mesmo lugar em que ele tinha colocado o tabuleiro. Ela tinha permitido a ele dar cinco movimentos antes de virar o tabuleiro.
“Maldição!”, ele rugiu.
“Você não estava se divertindo”, ela disse.
“Eu sei que estou. Eu ia vencer desta vez”.
Ela sorriu docemente. “Não, você não ia”.
“Você está aborrecendo, sabia?”, ele disse enquanto pegava as peças e o tabuleiro que estavam no chão.
“Dallas sorri mais frequentemente do que você?”, ela perguntou.
“Todo mundo sorri mais do que eu”. Ele colocou o tabuleiro no toco e as peças sobre ele. “Vá em frente, comece”.
Amelia se debruçou para frente e colocou o cotovelo no toco da árvore, embalando o queixo com a palma da mão. “Por que você não sorri?”.
Ele evitou o olhar dela, e Amelia estudou o seu perfil perfeito, imaginando como ele seria se uma parte do rosto não tivesse sido rasgada por estilhaços quando era mais jovem. As mulheres fariam de tudo para ganhar a atenção dele. Poderiam ter dito que ele era tão bonito quanto o pecado.
Ele certamente tinha um temperamento dos diabos.
“Você quer cavalgar?”, ele perguntou.
As palavras a surpreenderam. Já estava começando a escurecer. “Você quer viajar de noite?”.
Ele se voltou para ela. “Não, eu só quero mostrar uma coisa a você. Claro, você terá que montar no cavalo comigo”.
Ela olhou para Sorrel e a sela no chão. Ela não montava há anos, desde que seu pai tinha morrido. Um cavalo não tinha a largura de um banco de carroça. Ela não poderia evitar o acidental roçar das coxas ou dos cotovelos. Ela não poderia ignorar a proximidade de corpo de Houston. A boca ficou seca com o pensamento, o coração batendo mais forte. Ele queria compartilhar alguma coisa com ela. Não importava o quão pequeno fosse, amizade era fundamentada no compartilhar das coisas. “O que você vai me mostrar?”.
“Se eu pudesse descrever, não teria que mostrar”.
Ela se levantou do tronco. “Então eu gostaria de ver”.
Alguns minutos mais tarde, ele arrumou Sorrel e ergueu Amelia sobre a sela. Ela se segurou na parte da frente enquanto ele deslizou um pé pelo estribo e lançava a outra perna por cima da parte de trás do cavalo.
Passando os braços ao redor dela, ele pegou nas rédeas. “Relaxe”, ele ordenou. “Você deixará o cavalo nervoso”
“Eu estou relaxada”, ela gritou se aconchegando entre as coxas dele, com os ombros batendo contra o peito dele.
“Sim, e eu estava me divertindo jogando xadrez”, ele disse num tom de voz baixo enquanto levava o cavalo para frente.
As planícies suavemente passavam sob eles. Ela olhou por cima do próprio ombro, mas Fort Worth estava além da vista, era um pedaço do seu passado agora. O futuro estava adiante.
Sorrel caminhava lentamente por uma subida íngreme. Quando eles alcançaram o topo da colina, Houston parou o cavalo, desmontou, e olhou na direção do horizonte.
“Vê onde o sol está tocando a terra?”, ele perguntou com uma voz reverente.
“Sim”.
“É onde você vai morar”.
Amelia admirou o esplendor tranqüilo do local distante. Lilases e matizes azuis varriam o céu, desciam, e se derretiam no horizonte verde.
“Vê todas as pessoas?”, ele perguntou.
“Não”.
Muito tarde ela percebeu que a pergunta dele não exigia nenhuma resposta. Ela olhou para baixo. As profundidades escuras dos olhos dela continham uma tristeza profunda, e o propósito da pergunta a atingiu com uma dura intensidade. Ela olhou novamente para a terra majestosa, as árvores dispersas, a vastidão vazia.
“Com quem você vai conversar senhorita Carson?”, ele perguntou.
“Eu conversarei com meu marido”.
“E quando ele não estiver lá?”.
“Com nossos filhos”.
“Eu não sei o que Dallas disse a você nas cartas, mas você está se dirigindo a uma solidão tão profunda que machuca o coração”.
“Apenas se a pessoa deixar, senhor Leigh”.
Houston não sabia se já tinha ouvido palavras ditas com tanta determinação ou se ele já tinha visto alguém parecer tão sereno quanto Amelia. A brisa soprou o cabelo dela em cima do rosto, e os lábios se curvaram em um sorriso.
“Eu acho que é tão bonito”, ela disse tranquilamente.
“Você não tem idéia de aonde está indo”.
“Não, eu não tenho. Mas eu sei de onde vim. E eu não tenho nenhum desejo de retornar para lá”. Virando ligeiramente a cabeça, ela olhou para ele e deu um sorriso sentido. “Você estava certo esta manhã quando disse que eu não iria querer enxergar o mundo como você faz. Você vê apenas o vazio. E eu vejo um lugar que está esperando para ser preenchido por sonhos”.
“Dallas? Dallas, eu estou com medo”.
“Não tenha medo”.
Mas Houston tinha medo. As nuvens que passavam através do céu da meia-noite o lembravam fantasmas, e ele imaginou que podia ouvir seus gemidos na corredeira do riacho de Chickamauga. Ele levou o cobertor até o queixo, mas não parou de tremer.
“Dallas, eu estou com muito medo de amanhã”. O sussurro áspero ecoou ao redor dele, mais assustando ainda porque o pai tinha dito a ele que Chickamauga quis dizer “rio da morte” na língua Cherokee.
Estando no catre ao lado, Dallas rolou por cima dele murmurando, “eu não vou te abraçar. Mas, se você quiser, pode chegar um pouco mais perto de mim. Só não deixe ninguém ver você fazendo isto”.
Houston sentiu ele se aproximar, até que podia sentir o calor do corpo de Dallas, mas não a firmeza do toque. Ele não queria que o pai o achasse dormindo perto do irmão.
“E se eu morrer?”, Houston sussurrou.
“Você não irá. Só fique do meu lado. Eu não deixarei nada acontecer a você”.
“Jura?”
“Dou minha palavra”.
Amelia despertou com um gemido angustiado que rasgou os seus sonhos e chegou até seu coração. Com os dedos trêmulos, ela apagou a chama do lampião.
Com o sangue batendo nas têmporas, a respiração veio aos arrancos. Ela respirou fundo para se acalmar. No sonho, ela e um homem, que ela queria acreditar que era Dallas—mas que olhando era notavelmente parecido com Houston—estava caminhando em um campo de trevos. Os braços dele estavam ao redor dela, e ela se sentiu mais segura do que tinha se sentido em anos. Ela não achava que o grito tinha vindo dela.
Ela se levantou da pequena cama e colocou a blusa, apertando-a firmemente ao redor do corpo como se ela tivesse o poder de repelir seus medos.
Ela andou nas pontas dos pés através da barraca, colocou os dedos na abertura, e olhou pela estreita fenda que seus dedos tinham aberto. Ela podia ver Houston agachado diante do fogo, vestindo o seu colete e o chapéu cobrindo a sobrancelha como se estivesse planejando montar.
Ela alargou a abertura na barraca. “Eu pensei ter ouvido um grito,” ela disse, com a voz tremendo.
Ele visivelmente endureceu. “Era só um animal. Volte a dormir”.
A voz áspera não aliviou as dúvidas dela. Ele agarrou o bule. Enquanto ele despejava o café, tremia com tal intensidade que a bebida vazou pelos lados da xícara de lata.
Amelia puxou a blusa para mais perto, tentando buscar coragem no movimento. Deixando a barraca, ela andou através da área do acampamento e se ajoelhou ao lado de Houston.
“Eu disse para voltar para a cama,” ele disse rudemente.
“Você acha que nós estamos em perigo?”.
“Não”.
Ele agarrou a alça da panela tão firmemente que os nós ficaram visíveis contra a pele. Erguendo as mãos, Amelia cobriu a mão dele, as palmas embaladas juntas. Ele se assustou com o toque dela, mas não tentou empurrá-la.
Ela esfregou a mão por cima da dele, surpresa por achá-la tão fria. Lentamente ele relaxou, os dedos diminuíram o aperto na alça. Ela levou o bule para perto do fogo.
Ele envolveu a xícara de lata com as mãos. Ela ficava pasma pela xícara não se retorcer com a força do aperto dele.
“Quando eu era criança,” ela disse baixinho, “eu costumava ter pesadelos, e eu rezava para crescer rápido para que assim os pesadelos fossem embora”. Ela suavemente colocou a mão no braço dele, tentando ganhar sua atenção. Ignorando-a, ele se focou no fogo e trincou o queixo firmemente. “Quando eu cresci, aprendi que os pesadelos não vão embora. Eles só se tornam mais terríveis porque nós entendemos mais”.
Ela tirou a xícara de lata das mãos dele, segurou as duas mãos, e permitiu que ele olhasse para ela. Ele continuou a olhar fixamente para o fogo. “Você quer conversar sobre seu pesadelo?”.
“Não”.
“Você não tem que ficar envergonhado por causa de um pesadelo”.
Ele se soltou das mãos dela e ficou de pé. “Assustado com um pesadelo? Mulher, eu tenho medo da vida!”.
“Você se sente... só?”.
“Sim! Droga! Eu sou sozinho!”.
Houston lamentou a explosão que teve assim que viu a expressão aflita surgir no adorável rosto de Amelia. Ela o olhou como se ele estivesse mostrado os punhos para ela. Tinha momentos na vida quando ele se sentia pequeno, mas ele nunca tinha se sentido tão pequeno ou envergonhado assim. Deus sabia que ele já tinha feito o bastante que pudesse se envergonhar.
Ele deu um passo em direção a ela, as mãos se movendo como um moinho de vento com uma brisa fraca. Ele não sabia o que fazer com elas. Ele não queria assustá-la, mas ele tinha medo de que ela pudesse agarrá-las e segurá-las, e então ele acabaria a envolvendo com os braços. Só assim ele se sentiria seguro. Apenas uma mulher não deveria ser capaz de fazer um homem se sentir seguro. Um homem supostamente deveria proteger uma mulher. “Amelia—”.
Ela balançou a cabeça ligeiramente, a expressão ferida retrocedendo até que ela sorriu muito docemente ao ponto de ele achar que o próprio coração se despedaçar. Todas as palavras que ele conhecia sumiram de sua cabeça.
“Eu me lembro da primeira vez que dormi sozinha,” ela disse suavemente, as palavras flutuavam na brisa tranqüila enquanto ela virava o olhar para o fogo. “A cama era tão grande. A noite tão escura. Eu pensava que os dois me devorariam. E os sons. Eu ouvi um rangido da porta e um gemido da tábua do piso. Eu me senti incrivelmente só”. Ela envolveu o corpo com os braços e começou a se balançar de um lado para outro. “Meu pai morreu durante a guerra. Assim como minhas irmãs. Allison e Amanda”.
A serenidade no olhar dela o fascinou. As mãos dele se tranqüilizaram como se a voz flutuasse na direção dele. Ela tinha o jeito certeiro de distrair um homem. As recordações dela o acalmaram, levando as memórias para o esquecimento, levando os tremores e o suor para longe. Ela olhou de relance para ele.
“Minha mãe gostava de nomes que começavam com A. O nome de meu pai era Andrew, e eu freqüentemente me perguntei se era por isso que ela tinha se casado com ele”.
“Essa razão não é muito lógica para se casar com alguém”, ele disse.
“Minha razão para casar com seu irmão é lógica?”.
Ele andou para mais perto do fogo, desejando alcançar a mesma altura que ela. Ela sempre parecia em paz, apreciando cada momento à medida que este vinha. Apoiando nas pontas dos pés, ele cautelosamente curvou os joelhos até que o olhar dele era apenas ligeiramente mais alto que o dela. “Eu não sei sua razão”.
“Porque eu odeio estar só”. Ela fechou os olhos. “E porque eu quero compartilhar os sonhos de alguém”.
“Você não tem seus próprios sonho?”.
Ela abriu os olhos e sorriu zombeteira. “Uma pergunta?”.
Deus, ele amava o brilho nos olhos dela. Era como se ela o prendesse, e ele não estava completamente certo de que ela não tinha. Ele abaixou o olhar para o fogo e assistiu as chamas laranja e vermelhas se retorcendo em uma valsa distorcida. “Eu não tinha nenhum direito de perguntar”. Mas, droga, ele queria saber tudo sobre ela, sobre os sonhos, suas razões para viajar uma distância tão grande para se casar com o irmão dele.
“Eu sonho em não passar fome. Eu sonho ficar em um lugar quente”.
Ele trocou um olhar com ela. O sorriso tinha deixado seu rosto.
“Eu sonho recuperar um pouco do que perdi durante a guerra: uma família, uma promessa de que virá um amanhã, e que valerá a pena viver, saboreando, e lembrando”.
“E você acha que Dallas dará a você tudo isso?”.
Os lábios dela se curvaram. “Outra pergunta. Estou impressionada”.
Ele não queria olhar, mas os olhos dela o mantinham cativo. Naquele momento, com aqueles olhos verdes fixos nele, Houston quase teve um desejo esmagador de procurar seus próprios sonhos. “Você não tem que responder”.
Ela chegou mais perto dele. “Eu acho que conseguirei. Não, eu não acho que ele realizará meus sonhos, acho que nós trabalharemos juntos para realizá-los. Eu sempre acreditei que sonhos devem ser compartilhados. Onde está a diversão em agarrar algo se você não tiver ninguém olhando quando se consegue pegar?”.
Ele não tinha nenhuma idéia. Ele tinha parado de tentar alcançar algo há muito tempo atrás.
Ela apoiou a mão no braço dele. “Eu não espero que você responda”.
“Isso é bom porque eu não saberia como responder”.
Ela riu, inclinou a cabeça para trás, e olhou para as constelações no céu. “Ah, como o céu está bonito hoje à noite. Eu quase invejo você dormindo aqui fora”.
“É só às vezes”. Como ela fazia com ele. Momentos doces, momentos gentis. Os momentos que eram sublimes.
Ela sorriu suavemente. “Eu devia parar de importunar você e deixá-lo voltar a dormir”.
Ele se levantou enquanto ela, graciosamente, se pôs de pé e foi para longe do fogo.
“Oh, olhe. Eu posso ver a sombra de uma mariposa voando dentro da barraca. Não é bonito?”, o sorriso dela foi diminuindo no rosto. “Eu posso ver a sombra da mariposa” ela disse com uma voz pensativa, “e tudo que há dentro da barraca”.
Houston endureceu enquanto o olhar dela como um raio se virava para o catre dele. O olhar dela voltou para a barraca, não foi necessária muita imaginação para compreender de que modo que ele estava dormindo nas noites anteriores ou o que tinha estado em seu campo de visão.
Ela olhou de volta para a barraca, então novamente para o catre dele, os olhos acusadores virados em sua direção. “Eu consigo ver tudo. Tudo. Você tem me olhado todas essas noite?”.
Ó Deus, ele queria falar mas qualquer coisa que ele falasse o condenaria. Enquanto ele se virava para ela, o silêncio o condenava.
Quando ela recuou a mão, ele deu a ela um alvo fácil. A batida veio e o rosto dele foi para o lado.
Ela entrou na barraca como um furacão, a ponta da lona momentaneamente ondulando e batendo atrás dela. A sombra dela refletia a raiva e a mágoa que ele achava que ela sentia. Então a sombra desapareceu na escuridão assim que ela apagou a chama do lampião.
Houston sentia como se toda luz tivesse repentinamente sido retirada da vida dele. Ele sentiu inesperadamente um suor frio enquanto seu olhar varria o acampamento. Ele disse a ela que ele estava só, mas até este momento ele não conhecia o verdadeiro significado da palavra.
Ela o mandou para fora de sua vida com um simples suspiro. Ela não o perguntaria mais nada, ele estava certo. Ele deveria se sentir aliviado. Ao contrário, ele achava que poderia simplesmente cair e morrer. Com o coração aos pulos, ele se aproximou da barraca. “Senhorita Carson?”.
Um silêncio pesado foi a resposta. Por alguma razão, ele tinha pensado que se sentiria melhor se pudesse ouvi-la soluçar ou que lançasse coisas nele.
“Senhorita Carson, você precisa sair e me dar outro tapa. O lado que você bateu está quase morto. Você precisa bater do outro lado do meu rosto para que eu possa sentir como deveria”.
Ele não podia ouvir nada além das fortes batidas do próprio coração. Ele podia ver nada além de um vasto vazio enchendo os próximos dias. Ó Deus, que palavras ele poderia usar para poder se redimir pelo que tinha feito?
“Senhorita Carson, eu sei que estava errado. Fui vergonhoso, eu lamento ter feito isto, mas, por Deus mulher, eu juro por Deus, eu nunca vi uma sombra mais doce do que a sua... Foi apenas isto que eu vi. Sua sombra”.
“Sem roupas! Me lavando! Apreciando alguns momentos de liberdade!”.
Oh Deus, sim, e ele tinha apreciado esses momentos de liberdade acima de tudo, mas ele não achava que ela gostaria de ouvir isso neste momento.
“Senhorita Carson, se eu pudesse desfazer o que eu fiz, eu faria. Mas eu não posso. Se você soubesse como é bonita—”.
“Eu não quero ouvir isto, senhor Leigh. Me deixe só”.
“Você tem todo direito de estar chateada—”, ele ouviu um soluço. Ele tinha pensado errado. Ouvir um barulho era pior do que ouvir o silêncio.
“Senhorita Carson, eu faria qualquer coisa para me redimir com você. Eu arrancaria meu outro olho—”.
Uma luz chamejou dentro da barraca, e a entrada se abriu de repente. Ela ficou diante dele, os olhos vermelhos, e ele podia ver a trilha de lágrimas através das bochechas dela. Em toda sua vida, ele nunca tinha se abominado tanto.
Ela fungou. “Você disse isso mesmo? Que faria qualquer coisa?”
Ele deu uma olhada rápida nas mãos dela, esperando ver uma faca que ela, sem dúvida, planejava usar para remover o olho restante dele. Mas suas mãos seguravam nada além do ar da noite fresca.
Ele respirou fundo. “Sim, madame. Qualquer coisa”.
Ela cruzou os braços por baixo dos seios e saiu da barraca como uma rainha que concede um pouco do seu tempo a assuntos menos interessantes. Ela segurou o queixo alto com uma dignidade diferente que ele nunca tinha visto. Dallas estava certo quando tinha se referido a ela como a Rainha da Pradaria.
Ela se virou e olhou por cima do nariz na direção do nariz nele— era o máximo que ela podia, considerando que o topo da cabeça dela não alcançava a altura do ombro dele.
“Você pode dormir na barraca hoje à noite”.
Embora as palavras tenham sido ditas suavemente, ela as tinha dito com a força de um silvo de serpente. O estômago dele se revirou. Ele não estava certo de aonde os pensamentos dela queriam chegar, e ele não estava certo de que queria saber, mas ela parecia estar esperando a resposta dele.
“Desculpe, não entendi”.
“Você pode dormir na barraca”, ela repetiu devagar como se ele não tivesse nenhum pouco de sanidade mental, e ele estava começando a pensar que não tinha mesmo. “Dispa-se. Lave-se. Faça o que quer que os homens fazem antes de ir dormir”. Ela se sentou no tronco, apoiando o cotovelo nas coxas, e apoiando o queixo na palma da mão, e sorriu docemente. “E eu assistirei”.
“Você está doida?”, ele rugiu.
“Você disse que faria qualquer coisa. Bom, senhor Leigh, você acabou de ouvir a minha idéia de ‘qualquer coisa’ “.
Ele deu uma olhada rápida na barraca. A maldita mariposa ainda estava voando ao redor. Se ele andasse naquela barraca, a primeira coisa que faria seria matar aquele inseto irritante. Ele deu uma olhada rápida na mulher que se sentava no tronco. “Não, madame, eu não posso fazer isto”.
“Por que não? O que os olhos não vêem o coração não sente”.
“Não é o mesmo. Eu sei que você está vendo”.
Ela se levantou do tronco com fúria. “E você acha que o fato de eu não ter sabido faz com que seu ato tenha sido aceitável?”.
Não, não faz ser aceitável, não mesmo.
“E se eu lhe pedisse desculpas com algumas palavras bonitas—”.
“Não”.
“Se eu não fizer isto, você vai permanecer com raiva, não é?”.
“Sim”.
Senhor, baseado no tom que ela disse aquela simples “sim”, ela ficaria brava com eles até que eles alcançassem o rancho... E talvez depois disso. Ele estaria viajando por um inferno enquanto ele estava apenas se acostumando a ficar próximo do céu.
Ele sentia o estômago se revirar tão forte que se sentia sem forças para andar até a barraca. Mas a lágrima que ele vislumbrou no canto do olho dela o tinha feito se decidir. A luz do fogo o pegou, e ele pôde se vir como ela provavelmente o via: como um homem que tinha quebrado a confiança dela.
Sem outra palavra, ele se lançou de volta à barraca e entrou, permitindo que a entrada caísse atrás dele, deixando-o na névoa dourada que preenchia a barraca.
Ele podia sentir o cheiro doce que o cercava. Ele não podia identificar o odor. Não era de cavalo, couro ou suor. Era suave, como uma lembrança que estava lá no fundo da memória que ele não sabia se conseguiria trazê-la do passado. Sua mãe, talvez, se debruçando perto dele, tirando o cabelo dele da sobrancelha, dizendo a ele para não ter medo.
“Você não pode ficar aí, senhor Leigh. Você tem que se lavar!”.
A voz dela penetrou nas memórias dele, lembrando-o mais de seu pai do que de sua mãe. “Não fique lá de pé, menino! Quando a batalha começar, você tem que se envolver nela”.
E ele marchou, enquanto tudo dentro dele o mandava correr.
Ele tomou um passo em direção ao balde pequeno e deu uma olhada rápida na água. Sem vapor, a água deveria estar fria, mas ele tinha tomado banhos frios antes.
“Senhor Leigh!”.
“Certo!”. Droga de mulher impaciente. Ele tirou o chapéu da cabeça e o lançou sobre a cama com o lençol amarrotado. Cama essa onde ela tinha dormido e chorado. Ele queria colocar a palma da mão na cama para ver se ainda tinha o calor dela, mas ela o estava observando agora, observando-o do mesmo modo que ele a tinha observado. Maldito olho que ficou aberto quando deveria ter ficado fechado.
Estendendo os ombros, ele tirou o colete e o colocou ao lado do chapéu. Ele se sentou na extremidade da cama e discretamente colocou a mão próxima do travesseiro dela. Os dedos passaram ligeiramente pela área procurando pelo calor dela e achando somente o frio.
Ela não irradiaria qualquer calor até que ele fizesse o que ela tinha pedido. Qualquer coisa, ele tinha dito. No futuro, ele não usaria aquela palavra com ela de novo.
Ele tirou as botas. Desabotoou a camisa, ficou de pé, puxou-a por cima da cabeça, e colocou do lado do colete.
Ele se virou, deixando a silhueta de costas para a frente da barraca. Rezando para que ela não estivesse circulando a barraca, ele começou a desabotoar a calça comprida.
Amelia assistiu, hipnotizada. As sombras eram torcidas, longe de ser tão claras quanto ela tinha imaginado, mas isso não mudava o fato de que ele tinha agido errado com ela. Considerando a lentidão com que ele estava removendo a roupa, ela supôs que ele estava começando a entender isto.
Com uma rapidez que ela não estava esperando, ele tirou a calça comprida. Ela enterrou o rosto nas mãos. Dallas não titubearia em enviá-la de volta para a Geórgia se ele descobrisse o que ela tinha exigido do irmão dele. Não importava que ela não pudesse vê a pele ou os contornos rígidos que, provavelmente, havia no corpo dele.
Ele estava de pé dentro da barraca, nu em pelo. Como que ela tinha pensado em exigir tal coisa dele? Ela queria que ele experimentasse a humilhação que ela tinha sentido quando descobriu que ele a tinha observado.
Só agora ela se sentia mortificada. O calor incendiou suas bochechas enquanto várias imagens de Houston se lavando preenchiam sua mente. Ela não conseguia olhar, mas em sua mente, ela podia ver o brilho das gotas que deslizavam pela garganta, em cima do peito, ao longo da barriga, indo para baixo...
Ela se dobrou e apertou o rosto contra os joelhos, mas ela não podia bloquear as imagens. Ela sempre tinha sido uma sonhadora, mas nenhuma mulher decente imaginaria a fantasia que passava pela cabeça dela.
Será que ele tinha ficado contente em olhar fixamente para a silhueta dela ou ele tinha imaginado as gotas deslizarem—.
“Eu aprendi minha lição”.
Amelia gritou e pulou do tronco, mas não antes de por um momento um joelho dela bater em uma batata da perna cabeluda. Ela não tinha ouvido ele se ajoelhar ao lado dela, mas ela estava escutando agora, escutando enquanto ficava próxima na borda das sombras, dentro do anel de luz que o fogo criava. “Eu disse para você ir dormir na barraca,” ela se lembrou do homem atrás dela, agradecida por ele não poder vê-la.
“Eu não acho que você está realmente interessada em me ver dormir. Eu te dei seu show. Agora, entre na barraca e durma. Nós sairemos ao amanhecer”.
“Esse não era o acordo”.
Ela ouviu o joelho dele estalar e supôs que ele tinha ficado de pé. Ela estava tentada a andar até a luz, desaparecer na noite, mas ela temia a escuridão enquanto ela estava apenas cautelosa com o homem.
“Eu estou acostumado a dormir do lado de fora. Eu não estou certo de que você saberá o que fazer se acordar com uma serpente enrolada sobre o peito”.
“Uma serpente?”, sem pensar, ela se virou e prendeu a respiração. Ele permaneceu parado ao lado do fogo, com as roupas emboladas, juntas, diante do corpo oferecendo a ele alguma proteção do olhar vago dela.
O brilho do fogo tocou a pele dele como uma carícia de amante. Ele tinha cicatrizes no ombro esquerdo, a pele já curada que se arrastava até a parte inferior do peito em direção ao estômago e finalmente sumia. Velhas feridas que a água beijou durante o banho.
Ele trocou de posição, e seus músculos ondularam com os movimentos leves. Ele parecia muito mais forte do que ela tinha imaginado. Ela abaixou o olhar para as mãos que apertavam as roupas. Ela podia ver as veias e músculos dos braços que apertavam a roupa com força.
“Entre na barraca,” ele rosnou em tom baixo, com advertência na voz, “ou você vai ver muito mais do que a sombra”.
Com um aceno de cabeça rápido, Amelia correu para a barraca.
Houston lutou para conter o riso. A mulher era preciosa. Corajosa em um minuto, ordenando a ele que entrasse na barraca; tímida como um rato no próximo, com olhos arregalados e um rubor que implorava um homem para tocar nas suas bochechas.
Voltando para o catre, ele colocou as roupas. Dentro da cabana, ele dormiu sem roupa nenhuma, mas aqui fora um homem realmente podia acordar com uma serpente enrolada em cima do peito.
Ele colocou a sela do outro lado do catre e se esticou, com o olhar focado nas mulas em vez da barraca. Ele devia ter feito isso desde a primeira noite.
Ele riu baixo, lembrando o alívio que tinha sentido quando ele espiou para fora da barraca e viu Amelia abaixada no tronco, com o rosto escondido. Ele se perguntou em que ponto ela tinha coberto os olhos. Talvez ele devesse ter se poupado do banho frio. Ele o tinha feito tão depressa que o corpo tinha apenas notado o toque do pano. Ele supôs que para ser justo, ele deveria ter deixado a carícia do pano tocar o corpo do mesmo modo que ela fazia quando se lavava. Ele devia ter tirado devagar cada partícula de poeira e todo resto de suor até que pudesse sair da barraca cheirando como ela: limpa, pura e tentadora.
Como uma mulher podia ser pura e tentadora? Uma mulher respeitável não se lavaria do modo que Amelia fazia. Uma mulher respeitável não viajaria meio país para se casar com um homem que só conhecia através de cartas. Talvez Amelia Carson não fosse uma mulher decente. Talvez—.
“Senhor Leigh?”.
A voz suave, gentil, que roçava contra o corpo dele como o toque de linho contra um corpo firme, enviou os pensamentos dele para a perdição onde eles pertenciam.
Rolando, ele se apoiou no cotovelo e encontrou o olhar dela que estava ajoelhada ao lado do catre dele, as mãos dobradas sobre o colo. “Amelia, você não acha que depois do que nós aprendemos um sobre o outro hoje à noite que nós podemos nos chamar pelos nossos primeiros nomes?”.
Até nas sombras da noite, ele podia ver o rubor das bochechas enquanto ela abaixou o olhar para as mãos enlaçadas.
“É isso que eu queria explicar. Eu não fiquei assistindo por muito tempo, eu só... Eu não queria que você achasse que eu fui maliciosa”.
Ele não sabia o que o possuiu para deslizar o dedo embaixo do queixo dela e ergueu seu olhar dela na direção do dele. Ele podia sentir o tremor leve embaixo da pele suave dela e se odiou porque a fraqueza dele —e não a dela—os tinha colocado nessa situação.
“Eu não acho isso”.
Os olhos verdes dela continham uma profunda tristeza. “Dallas poderia se sentir de outra maneira se descobrisse o que aconteceu hoje à noite”.
“Ele não ouvirá isto de mim”.
Os dedos dele queriam andar através do rosto dela, a palma da mão queria abraçar as bochechas dela, o polegar queria sentir a suavidade da pele, sua mão queria desenhar a boca em forma de coração dela. Em toda vida, ele só tinha beijado uma mulher—uma prostituta cuja respiração levava o fedor de todos os homens que tinham vindo antes dele.
Ele tinha a sensação de que a primeira vez que Dallas beijasse Amelia, ele sentiria apenas doçura... Dallas tinha ganhado o direito de mordiscar aqueles lábios tentadores porque ele tinha ousado oferecer a ela uma porção de seus sonhos.
Houston levou a mão para longe antes que os dedos parassem de ouvir sua cabeça e começasse a escutar o coração que batia irregular.
“É melhor você voltar para a cama agora”, ele disse com uma voz áspera que dificilmente reconhecia como sua.
“Eu não gosto de ficar na escuridão, mas se eu mantiver o lampião queimando, fará sombras”.
“Eu não olharei”.
“Promete?”.
Ele merecia aquela hesitação, aquela falta de confiança. Dallas disse a ele uma vez que se um homem voltasse com a palavra uma só vez, sua reputação como um homem de honra ficaria menor do que um grão de areia. Ele nunca tinha soube de Dallas ter quebrando uma promessa. A força das palavras dele era a base de seu império. “Eu dou a você minha palavra”.
Ela ficou de pé. “Durma bem”.
Acenando com a cabeça, ele colocou as costas contra a sela, resistindo ao desejo de vê-la caminhar até a barraca, sabendo que se o fizesse, ele poderia não achar a força para parar de olhar.
A manhã trouxe com ela o sol brilhante e a dura realidade. Amelia tinha evitado o olhar de Houston enquanto comia o café da manhã. Quando ele começou a colocar os pertences na carroça, ela foi ao córrego buscando consolo.
Uma coisa tinha sido encontrar o olhar de Houston através da fogueira do acampamento, com mais sombras do que luz, mas quando nenhuma sombra os separava... Ela não podia encará-lo, sabendo o que ele tinha visto, sabendo o que ela tinha visto.
Ela tinha lançado o desafio na noite anterior como ela freqüentemente fazia com as irmãs — assim como elas faziam com ela — para que saíssem das normas rígidas que os pais tinham fixado para elas. Mas, por mais imaginativos que os desafios tivessem sido, eles tinham sido apenas coisas de crianças, que faziam o coração bater mais rápido e as risadinhas surgirem, com a intenção de fortalecer o laço entre elas.
Na noite anterior o coração dela tinha batido mais forte e rápido, mas ela não tinha sentido nenhum desejo de dar uma risadinha, de rir ou sorrir. Nenhum laço existia entre ela e Houston que pudesse ser fortalecido.
Ela olhou fixamente para o córrego pequeno e escutou o murmúrio da água. Ela se sentia suja, mais por dentro do que por fora. Ela queria que Dallas tivesse vindo buscá-la. Ela desejava que eles alcançassem o rancho hoje. Ela desejava nunca ter visto a luz do fogo passar pela pele bronzeada de Houston.
Ela se levantou, tirou os sapatos e meias e colocou os dedos do pé na água fria. Não era suficiente para levar para longe as memórias da noite anterior, fazê-la se esquecer de que, por um momento louco, ela tinha invejado a luz do fogo.
Levantando a saia, ela andou com dificuldade na água marrom e a água ficou na altura de sua canela. Marrom como o olhar de Houston, marrom como os olhos de Dallas. Marrom da cor da terra fértil.
“Amelia?”.
Recusando-se a reconhecer a presença de Houston se ela se virasse, deu uma olhada rápida nas árvores enfileiradas na margem oposta. A raiva cresceu novamente, a raiva que ela sentia por gostar do modo como o nome dela soava vindo dos lábios dele, como gostava do timbre fundo da voz dele que envolvia os sons. Ela desejava que a voz de Dallas ressoasse do mesmo modo.
“Você tem planos de olhar para mim ou conversar comigo hoje?”, ele perguntou.
“Talvez ao anoitecer. É mais fácil com as sombras ao nosso redor”.
“Então eu acho melhor a gente esperar aqui até anoitecer”.
Ela enlaçou as mãos. “Eu pensei que se eu fizesse com você o mesmo que você tinha feito comigo, eu acharia o que você tinha tirado de mim. Mas confiança não volta assim tão facilmente”. Ela revolveu a água e levantou o rosto ligeiramente.
Ele não estava usando chapéu. Nenhuma sombra mantinha o olhar dele longe do dela. Dentro da escuridão profunda, ela lia tristeza, vergonha, e um pedido de desculpas tão profundo que quase a fez se lamentar. “Eu sinto muito”, ela suspirou roucamente.
“Não há nenhuma necessidade de se desculpar. Foi tudo minha culpa. Eu tenho o hábito de pegar o caminho fácil. Era mais fácil assistir do que parar e dar as costas”. Ele colocou o chapéu na cabeça. “Já carreguei a carroça. Nós podemos partir assim que você estiver pronta”.
“Só alguns—Oh!”, a dor aguda veio de repente, sem aviso prévio. Ela tropeçou e caiu na água fria.
“Houston trilhou pela água, a ergueu pelos braços, levando-a para fora da corrente. O que aconteceu?“.
“Minha perna. Algo me mordeu. Um peixe ou algo assim”.
Cuidadosamente ele a sentou na grama e se ajoelhou ao lado dela.
“Feche os olhos,” ele exigiu enquanto ele arrancava o chapéu da cabeça. “Droga! Feche os olhos!”.
Ele só tinha gritado assim com ela uma vez — na noite anterior — e normalmente ela teria obedecido qualquer um que gritasse com nela com tal urgência. Mas ela não conseguia se mover, agir, fazer qualquer coisa exceto olhar fixamente as duas marcas de perfuração na sua canela e o sangue que escorria em direção ao tornozelo.
“O que me mordeu?”, ela perguntou.
“Serpente,” ele respondeu enquanto enrolava uma tira de couro ao redor da canela antes de desembainhar a faca que levava no cinto. A luz da manhã refletia no aço da faca.
“Vai doer. Sinto muito” ele disse baixinho enquanto passava a lâmina através da canela dela. Ela trincou os dentes e fechou as mãos, desejando poder tranqüilizá-lo, mas com medo de que se abrisse a boca para falar, acabaria gritando.
Ele soltou a faca. Envolvendo a canela dela com as mãos mornas, ele abaixou a boca em direção ao ferimento. Seu queixo trabalhou incansavelmente enquanto ele chupava e cuspia. Chupava e cuspia. Repetidas vezes.
Ela tocou o dedo no remendo preto da canela e desviou o olhar. Nenhuma tira de couro cobria os olhos dele enquanto trabalhava. Os fios negros e grossos do cabelo caíam sobre o rosto, e ela teve o forte desejo de jogá-lo para trás.
“Eu vou morrer?”, ela perguntou tranquilamente.
Ele levantou a cabeça, aparentemente esquecendo ou sem perceber que não estava protegendo o rosto do olhar dela. Nada cobria o olho esquerdo ou a bochecha. A pele estava esticada em alguns lugares, fortemente cicatrizada em outros, como se a pele do rosto não soubesse como se consertar propriamente. Ela queria lamentar a dor que ele devia ter suportado, a criança ferida que um dia deveria ter sido.
“Não”, ele disse com convicção. “Não, você não vai morrer”.
Ele a segurou nos braços como se ela fosse pouco maior do que um buquê de flores recentemente colhidas. Ela apertou o rosto contra o peito enquanto ele a levava a passos largos e longos através do acampamento. Ela podia ouvir o bater do coração dele, tão firme, tão rápido que ela estava certa de que ele estava sentindo dor. Ele a deixou próxima das cinzas frias da fogueira do acampamento.
“Eu ainda estou sangrando”.
“Está tudo bem. Deixe sua perna sangrar durante algum tempo. Eu vou armar a barraca de novo”.
“Por quê?”, ela perguntou, o pânico fazendo o estômago revirar.
Suavemente, ele embalou a bochecha dela. Ela sentiu o leve tremer dos dedos dele e os cobriu com as mãos. O pomo de Adão dele lentamente deslizou para cima e para baixo.
“Você vai ficar doente,” ele disse, com a voz irregular. “Realmente doente”.
“Eu não vi nenhuma serpente”, ela disse esperançosa.
“Ela deixou a marca da presa. Provavelmente uma cobra d’água, talvez uma cascavel que estava perto da água”.
Ele levou os dedos que a tocavam e um frio percorreu o corpo dela. Um tremor passou por todo seu corpo.
Ele arrancou o colete e suavemente o deslizou por cima dos ombros dela, aconchegando em volta dela. Ele tirou a camisa por cima da cabeça e a enrolou para fazer um tipo de travesseiro. “Aqui, deite”.
Ela se deitou. “Eu estou cansada,” ela disse, com a língua meio espessa. “Não dormi bem na noite passada”.
“Você dormirá hoje. Eu voltarei para você”.
Antes que ela pudesse responder, ele correu para a carroça e começou a procurar por entre as coisas, os movimentos urgentes. As pálpebras dela ficaram pesadas, mas ela se obrigou a ficar com os olhos abertos enquanto ela o via montar a barraca na sombra de uma árvore.
As costas dele eram magra, bronzeada, e ela se perguntou se ele frequentemente trabalhava sem camisa. Seus músculos lembravam a ela um garanhão: macio, lustroso e poderoso, com uma graça visível na medida em que ele trabalhava.
Ela fechou os olhos e a vertigem a assaltou enquanto a escuridão a rodeava. Abrindo os olhos, ela tentou ignorar a dor pulsante na canela e se concentrou no simples tapa-olho que cobria as cicatrizes de Houston. Talvez ela o decorasse com flores minúsculas antes de devolver a ele.
Antes que ela pudesse examiná-lo, longos dedos marrons o alcançaram. Ela assistiu enquanto Houston removia a tira de couro da perna dela e a amarrava ao redor da cabeça, colocando o tapa-olho no local das cicatrizes.
Ele embrulhou uma tira de pano ao redor do ferimento dela. Então ele a ergueu nos braços e a levou até a barraca, cuidadosamente a colocando na cama.
“Você acha que consegue trocar de roupa ou precisa da minha ajudar?”, ele perguntou.
Ela deu uma olhada rápida na camisola esperando por ela em cima do travesseiro. Ela movimentou a cabeça letargicamente, com a língua atrapalhando a formar palavras. “Eu... consi...go”.
“Bom. Voltarei em alguns minutos”.
Ele desapareceu antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa. Lentamente, ela tirou as roupas, deixando-as largada no chão. Ela deslizou na camisola antes de virar de lado e começar a dormir, confiando sua vida a Houston.
Houston mergulhou a colher na lama da tigela e a passou levemente sobre a pele da canela inchada de Amelia, desejando que o frescor reduzisse o inchaço. Maldição, ele não queria ter que cortar parte do músculo. Ele sabia que o veneno podia matar a carne, o músculo, e em alguns casos raros, a vítima.
Só pensamento da morte dela causava uma dor forte no fundo do peito dele. Ele estava certo de que ela tinha mais perguntas que queria fazer, mais descobertas que queria fazer.
Ele queria que ela visse um pôr-do-sol da varanda da sua cabana, com a névoa do horizonte distante. Ele queria aprender a responder as perguntas dela com paciência.
Ele queria ver a filha dela crescer.
Por alguma razão descrente, ele achava que ela daria a Dallas uma menina em vez do filho que ele almejava. Ele imaginava uma garotinha com o cabelo dourado de Amelia, seus olhos verdes, e seu minúsculo nariz arrebitado, correndo pelo rancho de Dallas, enlaçando os bois com seu dedo minúsculo. Ele desejava que algum dia ela visitasse junto com a filha o Tio Houston. Ele daria carona a ela em uma égua gentil e compartilharia com ela o seu lugar secreto onde as flores silvestres florescem, a água é pura, e o céu é sempre azul.
E ele a adoraria. Se ela tivesse a metade da doçura da mãe, ele a adoraria.
Ele virou o olhar para o rosto de Amelia. Deus, como ela estava pálida. Ele passou os dedos sujos de lama na calça comprida até que achou que estavam limpos, então ele suavemente enxugou o suor de cima do lábio superior dela.
Ele desejava tê-la poupado da visão do rosto dele descoberto. Ele disse a ela que fechasse os olhos, mas ela não o tinha obedecido, e ele não teve tempo para fazê-la fecha-los.
Se Dallas dissesse a ela para fechar os olhos, ela os teria fechado. Sua voz tinha a marca de autoridade. Se ele dissesse, “Pule!”, todos os outros homens perguntariam de pronto, “Quanto?”.
Droga, Houston não tinha conseguido fazer aqueles dois moleques na estação seguirem suas ordens de deixá-lo só. Talvez esta fosse a razão pela qual ele apreciava tanto trabalhar com cavalos. Eles o escutavam.
Os olhos de Amelia estavam trêmulos, um verde vago. Maldição, ele queria que a serpente o tivesse escolhido.
Com os lábios erguidos ligeiramente, e com uma faísca pequena refletida nos olhos. “Não tem show de sombras hoje à noite”.
Ele respirou fundo, se perguntando como ela poderia brincar com ele quando estava parecendo tão mal. “Se isto fizer você se sentir melhor, eu te darei um”, ele prometeu, sabendo que daria qualquer coisa, faria qualquer coisa, para que ela não morresse.
O sorriso dela murchou como uma flor arrancada da terra que tivesse ficado muito tempo sem água. Elevando as mãos, ela apertou a palma contra o ombro esquerdo dele, o calor passando através da camisa de flanela. “Você conseguiu todos estes ferimentos ao mesmo tempo?”.
“Sim. Eu sinto muito por você ter visto meu rosto—”.
Ela moveu a palma da mão por sobre o queixo esquerdo dele. As cicatrizes eram menores lá, e ele podia sentir a suavidade do toque dela.
“As cicatrizes combinam com você,” ela disse tranquilamente.
Sim, as cicatrizes combinavam com ele. Um homem deveria ser tão feio por fora quanto era por dentro.
Inconscientemente ele envolveu os dedos dela e os pousou na cama. Ela colocou a mão embaixo do queixo, puxou as pernas para cima enquanto se deitava de lado, tão vulnerável quanto no dia que tinha vindo ao mundo. Ele colocou o cobertor sobre os ombros dela, mas ele somente podia protegê-la do frio da noite, não da aspereza da vida. Oferecer conforto era para ele tão incomum quanto pedir desculpas. Ele desesperadamente procurou na mente algumas palavras que pudessem ajudá-lo a se desculpar.
Uma imagem veio, tão poderosa que suas mãos se agitaram. Um tempo em que ele não tinha nada além de dor, medo e o desejo esmagador de morrer. Outra memória o perturbava no fundo da mente. Mãos pequenas, mãos de enfermeira, roçando em suas costas, fazendo a dor tolerável por causa da doçura. Como a maior parte dos soldados feridos jovens, ele se entretinha com a idéia de se casar com ela... Até que ele viu, por um momento, seu reflexo no espelho.
Ele colocou a mão contra as costas de Amelia e sentiu ela se enrijecer embaixo das pontas dos dedos dele. “Eu não machucarei você,” ele a assegurou. “Apenas vai te ajudar a esquecer”.
Desajeitadamente, ele esfregou os dedos largos nas costas dela. Ela tinha costas tão pequenas. Ele se perguntou se ela teria forças para trazer ao mundo o filho que Dallas queria... Ou a filha que Houston achava que ela teria.
Ele afagou os ombros dela, parando pouco antes da nuca. Tocava o corpo, absorvia o calor que vinha da pele, calor que chegava a ele de uma maneira que não deveria. Ele não tinha nenhum direito de sentir a pele dela embaixo de seus dedos, ainda que eles estivessem apenas oferecendo conforto.
“Minha mãe costumava esfregar minhas costas quando eu estava doente,” ela disse baixinho, e os dedos dele hesitaram.
Os pensamentos dele eram qualquer coisa exceto maternais. “Eu apenas pensei que poderia ajudar”.
“E ajuda”.
A mão dele continuou o caminho lentamente nas costas esbeltas dela. Tocá-la dessa maneira o lembrava de coisas que são melhores apreciadas com o silêncio: o nascer de uma lua cheia dourada ou o uivo de um lobo chamando seus companheiros.
“Você se importaria de ler uma das cartas que o Dallas escreveu para mim? Eu sempre acho conforto nas palavras dele. Elas estão na minha bolsa”. A boca se curvou para cima. “Mas eu suponho que você sabe isso”.
Ele preferia massagear as costas dela a ler, mas os desejos dele não eram tão importantes quanto os dela. Abrindo a bolsa, ele removeu o pacote de cartas. Os dedos desajeitados desatavam a tira delicada que unia as cartas.
“Pegue uma do meio,” ela disse. “Qualquer uma”.
Ele pegou a que parecia mais gasta, que seria, provavelmente, a favorita dela. Ele tirou a carta do envelope. “Você está certa que quer que eu leia isto?”.
Ela concordou com a cabeça. Ele aumentou a chama do lampião e virou a carta de forma que a luz iluminasse as palavras do irmão. Ele limpou a garganta.
6 de abril de 1876.
Minha querida senhorita Carson,
O vento soprou forte esta tarde, girando as pás do meu moinho de vento pela primeira vez. A roda gemeu e os homens reclamaram que não seria o suficiente mas eventualmente começou a girar o suficiente para trazer a água. Eu apreciei ouvir o barulho ritmado. Espero que, durante muitas longas noites, o som, como uma serenada, faça minha família dormir.
Não sinto solidão quando estou rodeado pela vasta extensão de terra e suas infinitas possibilidades. Eu acho que você vai achar aqui muita coisa para aliviar sua solidão—a terra, o vento uivando, o mugir do gado, o sol, a lua, as estrelas. Quando eu cavalgo à noite sozinho, eu acho companhia em tudo que me cerca. Eu digo isto a você porque não quero que pense que as palavras seguintes são devidas à solidão.
Eu acredito que uma esposa e filhos seriam uma riqueza muito grande na minha vida. E eu faria de tudo ao meu alcance para trazer riqueza à vida de vocês.
Depois de um ano de correspondência, estou seguro de que você e eu somos adequados um para ou outro, e eu ficaria honrado em ter você como minha esposa. Aguardo ansiosamente sua resposta.
Seu,
Dallas Leigh
“Eu disse sim”, Amelia declarou suavemente.
Houston colocou as cartas de lado, pegou um pano, e enxugou a testa dela. “Sei. Dallas ficou sorrindo feito bobo durante uma semana depois que ele recebeu sua carta”.
O sorriso dela o lavou como um gentil pingo de chuva. Ele não podia se lembrar de já ter feito alguém rir... Ou causado felicidade a alguém. Um pouco de inquietação surgiu dentro dele. Ele não queria que ela dependesse dele para rir, ser feliz ou ter conforto porque eventualmente ela aprenderia a verdade sobre ele: que ele não era um homem em quem se podia depender.
Ele sabia que Dallas tinha sentido dúvidas se deveria enviá-lo ou não para buscar sua futura esposa, mas ele não teve nenhuma escolha. Ele queria acreditar que Dallas o tinha enviado porque confiava nele e porque ele tinha ganhado seu respeito, mas ele sabia a verdade: Dallas não teve mais ninguém para enviar.
O riso dela foi se esvaindo com o silêncio, e ela colocou a mão no braço dele. “Você realmente consegue ser bastante encantador”. As bochechas ficaram vermelhas, e ele não estava muito certo que isso fosse por causa da febre. “Dallas será um bom marido, não é?”.
“O melhor”. Ele colocou o pano na tigela com água. “Eu pegarei água para você beber”.
Ele começou a se levantar. Ela alcançou as mãos dele as embrulhando com as dela. “Obrigada por salvar a minha vida”.
Ele não teve coragem de dizer a ela que o pior ainda estava por vir.
Amelia rezou para morrer quando achava que iria viver, e rezou para viver quando achava que iria morrer. Ela rezou enquanto tomou café da manhã. Ela rezou quando não tinha mais forças para se levantar mas seu corpo insistia para que ela tentasse de alguma maneira. Rezou quando estava tremendo de frio e rezou quando estava queimando de febre.
Ela rezou para que Houston não a deixasse. Para sua satisfação, era a única oração atendida. Ele ficou com ela todo o tempo de sua provação, mentindo constantemente.
Ele dizia a ela que o pior já tinha passado quando ainda não tinha para que ela não desistisse. Ele dizia a ela que o frio era um bom sinal, então ele dizia que a febre era boa. Usando um pano fresco, ele enxugava o suor da testa, bochecha e garganta... O tempo todo dizendo que ela ficaria bem, com sua voz profunda.
Ela descobriu que amava a voz dele, até quando estava mentindo. Tinha uma doçura, era como um calmante. Ela imaginava os cavalos atendendo seus comandos. Ela queria viver o suficiente para poder vê-lo treinando um cavalo, o cavalo dela, o cavalo que ele tinha prometido a ela quando ela se sentia certa de que iria morrer.
Ela o fitava enquanto ele suavemente lavava a lama da canela dela. As sobrancelhas não estavam mais tão frisadas quanto antes. Ela se perguntou se alguém o tinha tratado com esta ternura quando ele tinha sido ferido. Ela não podia imaginar com todas as vítimas de guerra, se alguém teria achado tempo para cuidar de um menino de quinze anos muito ferido. Ela ficava surpresa pensando como ele tinha sido bem sucedido em sua provação.
Mas ele tinha sobrevivido, e ela estava determinada a não deixar que uma pequena serpente levasse sua vida.
“Seu pai cuidou de você enquanto estava machucado?”, ela perguntou.
Ele visivelmente enrijeceu. Ele odiava conversar sobre a guerra, e, ainda assim, essa era parte do passado de Dallas também. Como ela podia entender os homens com quem viveria se não entendesse a história deles?
“Nosso pai já estava morto. Dallas cuidou de mim”.
“Dallas parece ter o hábito de cuidar das pessoas”.
“Ele tem jeito pra isto. Ele teria cuidado melhor de você do que eu”.
“Eu não posso imaginar como ele conseguiria fazer isso,” ela disse enquanto colocava a mão por cima da dele. Os olhos dele estavam vermelhos, o rosto desfigurado pelo cansaço. “Você precisa dormir,” ela disse.
“Vou dormir assim que a sua febre baixar”.
“Quando isso vai acontecer?”.
“Logo”.
Logo podia ser qualquer momento, qualquer dia. Logo podia ser quando a morte viesse.
“Diga algo bom para mim,” ela disse. “Algo bom sobre o lugar aonde estamos indo”.
Ele tocou o pano úmido na garganta dela. “Flores. Você verá flores bonitas na primavera: azuis, vermelhas, amarelas. Não tão bonitas quanto as que você costura, mas quase a mesma coisa”.
“O que mais?”.
“Não existe nada para bloquear sua visão do pôr-do-sol. Você pode ver ele correr através do campo, faz com que a gente se sinta tão pequeno”.
“Eu sou pequena”.
Ele ergueu um canto da boca. “Sim, você é pequena”.
Sorrindo suavemente, ela tocou o canto da boca de Houston. “Um sorriso. Eu pensei que morreria sem ver você sorrir”.
“Você não vai morrer”.
Ela ergueu uma sobrancelha. “Dallas arrancará seu couro se eu morrer”.
Inclinando-se, ele tirou uma mexa do cabelo dela da bochecha. “Com certeza, ele irá”.
“Não deixe isso acontecer”, ela disse enquanto caia no sono.
Ele tinha os cílios mais longos que ela já tinha visto. Ela nunca os tinha notado antes, mas enquanto ele dormia com o rosto pressionado contra o catre próximo ao quadril dela, ela claramente podia ver o comprimento e a espessura dos cílios dele. O cabelo—preto como um céu de meia-noite sem estrelas — enrolava por acima da orelha, descansado contra o queixo. Ele precisava se barbear.
Olhando fixamente para o perfil dele, ela não mais tentava imaginar como ele seria se nunca tivesse sido ferido, mas ela se viu pensando nas coisas que ele poderia ter tido. Uma vida que incluísse uma esposa e crianças. Um sorriso que teria aquecido o coração de muitas mulheres. Uma risada que ecoaria forte e verdadeira.
Ela nunca o tinha ouvido rir, tinha visto somente o fantasma de um sorriso. Ele não era nada dela para que se importasse, mas ela se importava. Ela queria ouvir a risada dele. Queria que ele sorrisse sem se sentir constrangido. Ele tinha lutado para trazê-la de volta à vida. Dar a ele um sorriso era um pagamento pequeno.
Ela passou os dedos pelas mexas espessas do cabelo dele. Era mais grosso que o dela, como se tivesse travado uma batalha com o vento e o sol.
Ele acordou com um solavanco. “Sua febre acabou”.
Ela sorriu suavemente. “Eu sei. Você estava dormindo”. Ele se sentou e esticou os ombros para trás.
“Como você se sente?”.
“Cansada”.
“Você se sentirá fraca por uns dias”.
“Você já foi picado por uma serpente?”.
“Não, mas acontece de vez em quando com alguns homens na comitiva”.
“Você cuida dos homens então?”.
“Não. O cozinheiro normalmente dá os medicamentos. Acha que consegue comer alguma coisa?”.
“Eu tentarei. Nós vamos viajar hoje?”.
“Não, nós deixaremos você descansar por uns dias”.
“Dallas não ficará preocupado se nós não estivermos lá na hora certa?”.
“Eu acho que ele só começará a se preocupar se a gente não chegar lá em um mês”.
Houston a levava para fora durante o dia para que apreciasse o sol e a trazia de volta para a barraca de noite para dormir. Ele dormia no próprio catre, a sela colocada de forma tal que ele pudesse olhar a barraca dela. Dadas as circunstâncias, ele não achava que ela se importaria. Ela não estava fazendo nenhuma sombra.
Na manhã do terceiro dia após o fim da febre, ele despertou com o olhar fixo na barraca. Com as primeiras luzes do amanhecer passando através das folhas e dançando na lona, ele não podia ver quaisquer sombras ou movimentos dentro da barraca, mas ele podia pressentir Amelia claramente, deitada na cama, dormindo profundamente. Nos últimos dois dias, ela mais tinha dormido do que ficado acordada.
Ele achava que eles poderiam viajar hoje. Ele achava que deveria levantar e despertá-la, mas ele gostava da idéia de deixá-la dormir, deixando-a acordar por si só, se esticando, lavando o rosto, escovando o cabelo. Ele não conseguiria ver nenhum dos movimentos, mas saber que eles aconteceriam quase o fez sorrir.
Ela era doce, tão incrivelmente doce.
Ele se livrou do cobertor, colocou os pés no chão, apoiou as mãos nas coxas, e continuou a olhar fixamente para a barraca. Ele faria café antes de ela despertar. Cheio de açúcar como ela gostava. Ele iria aquecer água para ela.
Ele se virou e congelou. Ela estava sentada em um tronco, com as mãos apertadas entre os joelhos.
“Bom dia,” ela disse suavemente.
“Você está acordada,” ele disse rouco, fazendo careta por dizer algo que ela obviamente sabia.
Ela sorriu, e ele quase se esqueceu de respirar.
“Eu queria ver um amanhecer do Texas. Foi bonito”.
Ele se virou, lutando contra o desejo de dizer a ela que ela era mais bonita do que qualquer sol que ele já tinha visto. O cabelo trançado estava por cima de um ombro, a cor rosa do rosto banhada pela luz da manhã, os olhos verdes brilhando de admiração. Ele achava que nunca mais seria capaz de olhar para o sol surgindo no horizonte sem pensar nela, não conseguiria apenas apreciar o começo de um novo dia. Para ele, um dia era algo para ser ultrapassado.
“Eu acho que quando a gente pensa que vai morrer, começa a apreciar as coisas um pouco mais. Qual foi a primeira coisa que você queria fazer depois que foi ferido?”, ela perguntou.
“Queria ver minha mãe”. Ele agarrou o chapéu e colocou no lugar. Ele nunca tinha dito isto a ninguém. Ele queria tanto a mãe que tinha se sentido como um bebê.
“Mas ela estava muito longe para ir até você”.
Os olhos dela continham tanta compreensão que ele não pôde impedir que as memórias voltassem. “Sim, ela estava muito longe, e ela tinha que cuidar de Austin, então ainda que ela soubesse que eu tinha sido ferido, ela não poderia ir”.
“Você não disse a ela que tinha sido ferido?”.
Ele agitou a cabeça. “Dallas disse que saber apenas a faria ficar preocupada. Depois da guerra terminada, nós fomos para casa. Quando nós chegamos lá, estava tão quieto. Podia sentir que algo não estava certo...”.
A voz dele foi diminuindo.
“O que não estava certo?”, ela perguntou, suavemente pedindo para que ele continuasse.
Houston se sentou no chão duro. Conforto era algo tão esquivo a ele quanto à paz da mente. Ele nunca tinha falado sobre aquele dia com ninguém, nem mesmo com Dallas. Às vezes, ele sentia uma forte necessidade de conversar sobre isto com Austin, saber se ele se lembrava, mas se Austin não tinha nenhuma memória daquele fato, ele não queria dá-la a ele. “Nós achamos nossa mãe na cama. Ela já estava morta há algum tempo. Eu fiquei contente então por Dallas não ter escrito a ela sobre mim, que nós não demos mais um motivo para ela se preocupar”.
“Você sabe como sua mãe morreu?”, ela perguntou.
“Acho que ela pegou algum tipo de febre. Nosso pai não era de fazer muitos amigos então ninguém verificou a fazenda enquanto nós não estávamos. Nós não sabemos como Austin conseguiu sobreviver. Ele era como um animal selvagem quando nós o achamos”.
“Essas são as memórias que você acha que o Austin tem da guerra?”.
“Eu não tenho nenhuma idéia das memórias que ele tem. Se ele não tiver alguma, eu não quero dar a ele a minha”.
“Então você nunca conversa sobre isto”.
“Não”. Ele se levantou e esfregou as mãos nas coxas. “Se você estiver recuperada o suficiente, nós vamos seguir caminho esta manhã”.
Ela sorriu então, um sorriso que fez o coração dele doer, um sorriso que fez com que ele desejasse, na juventude, ter seguido um caminho diferente.
Enquanto a carroça sacolejava por causa do chão desnivelado, Amelia se agarrava firmemente na cadeira. A cada dia ela estava recuperando as forças e a cada dia do percurso, a cada quilômetro percorrido, ela ficava mais íntima de Houston.
Ela sabia que não deveria ter esse tipo de sentimento. Ela sabia que não podia ter esse tipo de sentimento. Ela tinha assinado um contrato declarando que viajaria para o oeste para se casar com Dallas. Ela não achava que ele era um homem de quebrar contratos ou ignorá-los. Ela tinha sido cercada pelas profundezas do desespero, com seu mundo se fechando, suas opções escasseando quando ela recebeu uma carta de esperança. Ela devia muito a ele por tê-la erguido das trevas que a guerra a tinha jogado, para mudar seu destino.
Ela lia as cartas dele todas as noites antes de ir dormir, tentando manter uma imagem do homem dentro de seu coração, mas era Houston que tinha ouvido o choro dela nas últimas noites, era Houston que entrava sorrateiramente na barraca dela para assisti-la dormir.
Ele nunca parecia verdadeiramente descansar. Enquanto ele dormia, gotas de suor cobriam seu rosto e pescoço. Ele começava a respirar forte como se estivesse correndo pela própria vida.
Ela disse a ele que tinha despertado cedo para apreciar o amanhecer, mas a verdade era que ela gostava daqueles momentos antes do amanhecer quando o sol tocava o rosto dele e sua respiração se acalmava como se no sono ele tivesse percebido que tinha sobrevivido a mais uma noite.
Amelia olhou para a pequena choupana de madeira próxima. O coração dela saltou quando viu alguns poucos bois pastando nos campos ao redor. “Nós já estamos no rancho do Dallas?” Ela perguntou.
“Não. Só parando para fazer uma breve visita a alguns vizinhos”.
“Então nós estamos perto”.
“Não. Aqui, qualquer casa que fique no caminho é considerado um vizinho”. Ele parou a carroça entre a casa e um celeiro encharcado.
Um homem alto e magro segurando um rifle saiu de casa. “Ele colocou as mãos por cima dos olhos para poder olhar contra o sol”. Houston, é você?
“Sim, Dallas disse que eu passasse por aqui”. Houston desceu da carroça e segurou os braços de Amelia.
Ela se preparou para descer e o homem veio andado relaxadamente.
“Você trouxe uma mulher de lá?”, o homem perguntou.
Houston colocou as mãos ao redor da cintura dela e a desceu até o chão. “Sim. A senhorita Carson é noiva do Dallas. Ele quebrou a perna. Mandou que eu fosse buscar ela”.
Um sorriso largo apareceu no rosto do homem. “Sim, entendo. Ela é uma mulher de coração e mão?”
“Sim”.
“Dallas certamente conseguiu uma bonita, não é?”.
“Acho que sim,” Houston disse tranquilamente. “Senhorita Carson, este aqui é John Denton”.
Sorridente, Amelia bateu a saia empoeirada e acenou movendo a borda do chapéu de Austin. No momento ela se imaginava qualquer coisa, menos bonita.
“Beth, nós temos companhia!”, John gritou.
Uma jovem, de cabelo escuro chegou apressada na varanda, enxugando as mãos no avental. Uma garotinha, com uma boneca de trapo no braço, se escondeu atrás da saia da mulher e olhou ao redor. “Por Deus, John, não fique aí de pé. Mande eles entrarem”.
Amelia deu uma olhada rápida para Houston. Ele acenou rudemente com a cabeça. “Eu verei o que os animais precisam, e depois irei até vocês”.
John se arrastou atrás de Houston enquanto Houston levava as mulas para uma coxia. Amelia entrou na casa.
O sorriso da mulher ficou mais brilhante. “Eu sou Beth”. Ela colocou a mão na cabeça escura da criança. “Esta é Sarah. Ela tem quatro anos de idade e é muito esperta”.
Amelia se ajoelhou na frente da criança. Ela tinha os olhos azuis do pai e os cabelos escuros da mãe. “Oi, Sarah. Eu sou Amelia”.
Sarah abraçou a boneca. “Esta é Mary Margaret”.
Amelia tocou o braço de pano da boneca. “Ela é muito bonita, assim como você”.
Sarah apertou o rosto contra a saia da mãe e deu uma risadinha para ela.
“Perdoe a timidez dela. Nós não temos muita companhia por aqui”.
Amelia ficou de pé. “Eu acho que isso é uma coisa com a qual vou ter que me acostumar”.
“Eu nunca esperei que Houston fosse se casar”.
“Na verdade, eu vou me casar com Dallas”.
Os olhos de Beth se arregalaram. “Dallas? Você já se encontrou com ele?”.
Amelia negou com a cabeça. Beth deu uma palmada no peito dela. “Bonito como o pecado”. Ela olhou para Amelia especulando. “Você é uma mulher de coração e mão?”.
“Eu acabei de ouvir Houston dizer que eu sou, então talvez eu seja, embora não esteja muito certa do que seja isso”.
Beth deslizou o braço pelas costas de Amelia e a levou para dentro da casa. “Uma noiva por pedido de correio. Os caubóis nos chamam de coração e mão porque a maioria deles escreve com o coração e a mão. Foi assim que o John me achou. Nossa pequena casa não é muita coisa, mas o que eu tenho aqui é cem vezes melhor do que o que eu tinha antes”.
A mobília parecia ter sido trabalhada cuidadosamente a mão. O fogo crepitava na lareira. O quarto cheirava a pão recentemente assado e canela.
Beth alcançou uma cômoda de madeira e pegou uma tigela, colocando-a na mesa de carvalho quadrada. Ela levantou Sarah e a sentou em uma cadeira que era mais alta que a dos outros. “John fez toda a mobília”.
“É adorável”.
“Ele trabalha duro tentando me fazer feliz. Eu acredito que Dallas fará o mesmo por você”.
“Eu só conheço o Dallas das correspondências. Eu esperava aprender mais sobre ele durante a viagem mas Houston não é de falar muito”.
Beth olhou para ela, com a compreensão completamente refletida nos olhos. “Oh, Amelia, nenhum dos homens aqui é de falar. Eles não vão te questionar. Eles acreditam que se você quiser compartilhar alguma coisa, você vai decidir a hora certa de falar”.
“Por que você acha que eles são assim?”.
Beth pegou uma panela do forno e começou a colocar o cozido na tigela. “Eu acho que é porque muitos dos homens vieram para cá depois que a guerra começou. Ou eles tinham um passado do qual não se orgulhavam muito. Muitos deles mudaram de nome, ou apenas falam o primeiro nome. Ninguém fica questionando isso. É por isso que eles terminam aqui. Se eles quiserem ficar sozinhos, eles serão deixados em paz”.
“E se eles não quiserem ficar sozinhos?”.
Beth sorriu. “Então eles mesmos pedirão uma noiva”. Ela colocou a panela na mesa e voltou ao forno, trazendo uma fôrma preta que tinha algo que lembrava a Amelia um bolo amarelo.
“Bolo de milho e cozido,” Beth explicou. “Não é algo sofisticado, mas enche e os homens precisam de comida forte”. Ela olhou para trás de Amelia e apontou com um dedo. “Deixem o pó aí fora!”.
John e Houston limparam os pés na varanda por um minuto antes de entrarem e sentarem. Amelia se sentou ao lado de Sarah, em frente a Houston, que se sentou de forma que seu lado do rosto com as cicatrizes ficasse longe da mesa.
Quando Beth se sentou, todo mundo curvou a cabeça.
“Querido Deus,” John começou, “obrigado por trazer uma companhia para dividir o fardo de conviver com a gente por um dia. Amém”.
Rindo, ele olhou para Beth. Ela apontou o dedo para ele. “Você estava escutando atrás da porta”.
“Não, querida, mas estou casado com você por tempo suficiente para saber que a pobre senhorita Carson aqui estará com o ouvido cheio antes da noite”.
“Por favor, chame-me Amelia”.
Ele ficou vermelho antes de pegar um pouco de cozido.
Beth colocou uma mão sobre a de Amelia e a apertou. “Você terá que me perdoar,” ela disse. “Desde que eu comecei a amar John, eu sinto a falta da voz de uma mulher de vez em quando”.
Amelia lançou um olhar furtivo para Houston. Ele a via com um olhar inocente, mas ela ficava pensando se Dallas realmente tinha dito a ele para que parasse por aqui ou se ele só estava tentando levá-la a uma companhia nesta parte do Texas.
“Eu acho que você é encantadora”, Amelia disse com toda sinceridade. “E eu sei o que é desejar uma voz gentil”.
Amelia percebeu o que Houston tinha suportado todas as noites enquanto Beth despejava perguntas, uma após outra. Ela queria saber sobre a vida no Leste, a jornada no trem e como a moda tinha mudado. Ela conversou sobre tudo exceto o tempo. John fazia um comentário de vez em quando, mas Houston ficou em silêncio o tempo todo.
Quando a tigela de John estava vazia, ele se recostou na cadeira e fez uma pergunta que só Houston poderia responder. “Quantas cabeças de gado Dallas tem agora?”.
Houston deu uma olhada rápida por cima do cozido como se não tivesse notado que a maioria da conversação anterior não o incluía. Ele não tinha feito perguntas, não tinha iniciado nenhuma resposta, e não tinha causado nenhuma risada. “Mais ou menos duas mil”.
John assoviou baixo. “Se ele precisar de alguma ajuda para levar o gado para vender, é só chamar. Eu levarei Beth para o rancho e ela e Amelia poderiam se ver”.
“Eu direi a ele”.
“John, por que você não coloca um colchão de feno aqui para a gente? Nós deixaremos Amelia e Houston dormirem na cama hoje à noite. Você e eu podemos dormir no sótão”.
O coração de Amelia deu um pulo. Ela pensou que a intimidade que os cercava enquanto eles se sentavam lado a lado perto da fogueira do acampamento não era nada em comparação com a intimidade de dormir no mesmo quarto, mesma cama, embaixo das mesmas cobertas.
John limpou a garganta. “Eu não estou certo de que isso seria adequado, Beth. Normalmente, nós só colocamos o colchão de feno quando as duas pessoas estão comprometidas”.
“Não seja tolo. Dallas confia em Houston, ou ele não teria mandado que ele buscasse Amelia. E ela deve confiar nele, senão não estariam viajando. Nada acontecerá naquele quarto que não pode acontecer na trilha”.
John encolheu os ombros. “Eu acho que você tem razão nisso”.
“Eu aprecio a generosidade, mas eu dormirei no celeiro,” Houston disse.
“Tolice,” Beth disse, batendo com a mão contra a mesa para dar ênfase. “Quando foi a última vez que você dormiu em uma cama?”.
Houston olhava para ela como se fosse cair numa armadilha quando Amelia já tinha percebido que ele tinha caído. Ele não podia nem dizer que tinha dormido em uma cama enquanto eles estavam em Fort Worth.
“Há bastante tempo, mas eu estou acostumado a dormir no chão”.
“Então hoje à noite você dormirá em uma cama, e nós vamos preparar o banho para cada um. Uma boa comida quente, um banho quente, e uma cama suave. Eu teria vendido minha alma para conseguir isso quando estava vindo para cá. Fico muito contente em poder oferecer isto a vocês”.
Amelia encontrou o olhar de Houston, e ela soube que ele queria uma saída honrada da situação, sabia que ela deveria ajudá-lo a achar uma. Mas ele fazia um sacrifício atrás do outro nesta viagem. Com certeza Dallas não a culparia por fazer este sacrifício por Houston.
“Eu realmente aprecio sua generosidade, Beth” ela disse tranquilamente. “Eu adoraria um banho quente”.
Beth bateu a mão na mesa na frente da filha. “Sarah, pare de ficar encarando. Não é educado”.
Amelia deu uma olhada rápida para a pequena menina. Ela curvou a cabeça, mas Amelia podia ver que seu olhar ainda estava na direção de Houston.
Houston empurrou sua tigela para trás. “A comida estava boa, madame. Se vocês me dão licença, eu preciso verificar as mulas”. Ele arrastou a cadeira pelo chão, ficou de pé e saiu.
Beth suspirou. “É uma pena ele ter se ferido assim, mas eu imagino Dallas dormindo tranquilamente de noite”.
“O que você quer dizer?”, Amelia perguntou.
“Não é incomum para uma noiva pedida pelo correio encontrar alguém no caminho e nunca chegar ao homem que a tinha mandado buscar. Creio que Dallas percebeu que isto não aconteceria se ele fizesse Houston ir te buscar. Você não vai se apaixonar por ele”.
Houston cruzou os braços por cima da cerca. A Sorrel bufou e cutucou o cotovelo dele.
“Não tenho maçã”. Ele coçou a orelha do cavalo. A maioria dos caubóis não morria quando montava uma égua, e Houston descobriu que ele podia abordar um rebanho de cavalos selvagens com mais sucesso quando montava em uma. Apesar de ficarem cautelosos com um cavalo estranho, um garanhão provavelmente aceitaria melhor uma fêmea sob seu domínio. E, com certeza, ele lutaria contra um outro garanhão. “É melhor você dormir esta noite, velha amiga. Eu tenho certeza de que não vou conseguir”.
O cavalo cutucou o cotovelo de Houston novamente e quando percebeu que não ganharia nenhuma maçã, trotou para longe, deixando Houston apreciando a solidão que desejava.
Ele sabia que não era incomum as pessoas oferecerem suas camas para visitas, até quando os viajantes não eram casados. A falta de cidades e hotéis resultaram em um código de hospitalidade pelas planícies, coisa que Houston não conseguia deixar de admirar. Ainda assim, ele não estava certo de que Dallas apreciaria a generosidade dos vizinhos. Ele só podia desejar que seu irmão entendesse que Beth não poderia ter falado palavras mais verdadeiras: nada iria acontecer naquela cama. Nada. Maldição, ele provavelmente não conseguiria dormir.
Houston sentiu que alguém olhava para ele, um olhar sutil quase fixo. Ele deu uma olhada rápida para baixo. Grandes olhos azuis o fitavam. Olhos incrivelmente inocentes. Ele desejou poder dar à pequena garotinha um sorriso, mas ele sabia que não importa o quanto ele tentasse, o lado esquerdo do rosto dele não cooperaria, e ele acabaria dando a ela a visão de algo torcido e ainda mais feio do que o que ela estava olhando agora, algo que poderia assustá-la.
“Eu me machuquei,” ela disse. Ela ergueu a saia até que sua calça branca ficou à mostra junto com o joelho arranhado. “Minha mãe deu um beijou para que ele melhorasse”. Ela soltou a saia e apontou com o dedo. “Você tem um machucado”.
“Sim, acho que tenho”. Bem no meio do coração.
Ela levantou o rosto. “Eu posso beijar para que ele melhore”.
Algo dentro do peito dele ficou tão apertado que ele achou que não conseguiria respirar. Ela curvou o dedo mindinho e acenou para ele. “Vem aqui”.
Segurando-se na grade, ele curvou os joelhos, agachou até que ficasse o mais próximo possível da altura dela. Os olhos dela cresceram e ficaram sérios. Ela enrugou os lábios minúsculos, foi para frente com a cabeça, então saiu correndo. O toque dos lábios dela contra a bochecha dele tinha sido como o toque da brisa da manhã. Lá no fundo, ele sorriu.
De pé alguns passos atrás e ligeiramente do lado esquerdo dele, Amelia sabia que assim ele não poderia vê-la por causa da vista perdida. Ela também percebeu, espantada, que ele estava sorrindo. Não do lado de fora onde as pessoas normalmente sorriem, mas sorria por dentro, em um lugar secreto onde ele abrigava os medos e as dúvidas, onde ela imaginava um menino de quinze anos de idade lamentando a perda da mocidade.
Ela sabia que estava errada por ficar observando-o sem seu conhecimento, mas ela queria conhecê-lo tanto quanto ela precisa conhecer Dallas. Com Dallas ela teria uma vantagem. Ela estava certa de que ele conversaria com ela e responderia suas perguntas. O irmão dele guardava as mágoas, os desejos e sonhos perto do coração, onde ninguém poderia compartilhá-los.
Ela se virou e caminhou de volta para a casa onde o banho a esperava. Ela não viu o sorriso de Houston, mas ele pairava ao seu redor como um suspiro sussurrado, doce e inesperado.
Houston afundou na água quente e soltou um lento e apreciativo suspiro. Beth colocou cobertores em cima da grade da parte de trás da varanda para poder dar a ele um pouco de isolamento. Ele podia sentir o ar da noite se mover, ao longe as cores vermelhas e azuis varriam o céu.
Um homem não poderia desejar muito mais do que isto.
Ele fechou o olho. Amelia tinha estado na água antes dele. Embora Beth tivesse adicionado mais água quente na tina depois que ela tinha saído, se ele se concentrasse o suficiente, achava que poderia sentir o odor doce dela. O cheiro dela parecia ser de alguma flor, mas ele não conhecia nenhuma flor que cheirasse daquela forma. Ele imaginou os pés minúsculos dela descansando contra a parte inferior da tina de madeira onde os dele estavam agora. Ele imaginou o sabão de lixívia deslizar por cima do corpo dela, tocando-a antes de ter tocado nele. Parecia uma imagem tão íntima, usar a mesma água, sabão, e o ar acariciando ambos os corpos.
A boca dele ficou tão seca quanto a brisa do West Texas. Ele estava sentando em uma tina de água, morrendo de sede. Ele abriu o olho. O sabão tinha escapado de suas mãos, girado no ar, batido na varanda, e deslizado em direção à sujeira.
Amelia se curvou e o pegou.
“O que você está fazendo aqui?”, ele berrou.
Ela se levantou e se debruçou contra a grade da varanda, com o olhar preso no dele. “Eu nunca vi você se divertir com qualquer coisa”.
“Eu estava apreciando o banho”.
“Eu sei”. Ela sorriu tão docemente que ele achou que seus pensamentos tinham sido audíveis. Ele esticou os braços. “Eu preciso do sabão e um pouco de isolamento”.
Ela deu o sabão para ele e levantou uma xícara cheia até a borda com espuma de barbear. “Barba não fica bem em você”.
Ele esfregou a mão por sobre o queixo áspero. “Eu farei a barba, então”.
“Eu teria muito prazer em te barbear”.
“Eu posso fazer isto”.
Ela mordeu o lábio inferior. “Eu tenho muita experiência em barbear. Eu fazia a barba do senhor Bryant todas as manhãs”.
Amelia viu várias expressões passarem pelo rosto dele, e ela sabia que ele queria perguntar, mas como sempre, com raras exceções, ele se manteve em silêncio.
Ela caminhou na direção dele e se ajoelhou ao lado da tina, a coragem começando a faltar enquanto ele mergulhava as mãos na água escura, espirrando água nela com esforços frenéticos.
“Mulher, eu não estou usando nada!”.
Ela já o tinha visto sem roupas, mas ela não via nenhuma razão para relembrá-lo deste fato. Ele falaria que as circunstâncias tinham sido diferentes, e ela não teria nenhuma escolha senão concordar. Embora ela não tivesse nenhuma intenção de olhar para baixo dos ombros nus dele, ela pegou um cobertor da grade da varanda e o colocou em cima da tina. “Eu não posso ver qualquer coisa além do seu rosto e ombro agora. Eu gostaria muito de fazer sua barba. É uma coisa tão pequena, uma forma de agradecer por você ter sido tão atencioso comigo enquanto eu estava doente”.
Ele deu uma olhada rápida em torno da varanda.
“Beth e Sarah já foram para a cama. John está fechando o celeiro”.
Vendo os músculos da garganta dele trabalharem, ela teria jurado que ele estava apavorado. “Eu não machucarei você,” ela o assegurou, sorrindo suavemente. “Eu só quero te ajudar a esquecer”.
“Você está usando minhas palavras,” ele murmurou.
“Eles são fáceis lembrar. E você não diz muitas”.
“Você está me provocando, sabia?”.
Ela sorriu calorosamente com a expressão aborrecida dele e começou a passar a escova na xícara, tentando deixar os dois à vontade antes da noite cair, e ambos se virem juntos na mesma cama.
“Meu pai possuía uma plantação antes da guerra”. Ela tinha a atenção exclusiva dele e passou a espuma pelo seu rosto até junto à garganta. “Nós tínhamos escravos, campos de algodão, uma casa grande. Eu tinha duas irmãs. Nenhum irmão. Eu era a mais jovem. Favorita do papai. Eu era bastante gorducha e ele costumava me chamar de ‘minha pequena abóbora’”.
Ele enrugou a testa. “Não consigo imaginar você gorducha”.
“A guerra muda as pessoas”.
A testa dele relaxou. “Sim, eu sei que muda”.
Ela pôs a xícara de lado e tirou uma navalha do bolso, dando a ele tempo para fazer uma pergunta, mas nenhuma dúvida surgiu.
Colocando o dedo embaixo do queixo, ela inclinou a cabeça dele para trás. “Eu disse a você que meu pai morreu. Foi logo antes da guerra terminar. Mamãe disse que ele tinha pegado a febre, mas eu acho que ele ficou deprimido de ver que o Sul que amava desaparecendo. Minhas irmãs morreram logo depois dele. Então ficaram só mamãe e eu”.
Ela parou por um momento para apreciar o som da navalha que deslizava pelo queixo dele. “Senhor Bryant veio do Norte e pagou os impostos da nossa plantação. Ele deixou que eu e a mamãe trabalhássemos para ele. Nós nos mudamos para o espaço dos escravos”.
O queixo dele se moveu. Ela a empurrou de volta no lugar. “Você precisa ficar quieto para que eu não te corte”.
“Ele não devia ter feito isto”.
Ela encolheu os ombros. “Eu me sinto agradecida por ele não nos ter feito dormir no campo ou nos expulsado de lá completamente. Quando ele plantou algodão, nós o colhemos”.
“Eu e Dallas costumávamos colher algodão quando éramos jovens”.
Ela se sentou sobre o salto dos sapatos. “Vocês já colheram algodão?”.
Ele concordou com a cabeça. “Eu não me importei tanto com isto, mas Dallas odiou. Jurou que quando ficasse velho o suficiente, ele acharia um trabalho que não envolvesse plantar ou colher. Acho que é por isso que ele gosta de gado”.
Ela ficou de pé e caminhou para o outro lado.
“Eu posso terminar de me barbear,” ele disse, agarrando a navalha.
Ela empurrou a mão dele para longe. “Eu posso fazer isto”. Com cuidado, ela começou a barbear a área embaixo do tapa-olho, seguindo caminho até as cicatrizes. “De qualquer maneira, uma hora, senhor Bryant deixou mamãe trabalhar na casa. Quando ela morreu, eu assumi o comando das tarefas dela. Eu cuidei das necessidades dele quando ele estava muito fraco para cuidar de si mesmo. Ele era um homem muito orgulhoso. No fim, eu acabei gostando dele, embora fosse um Yankee(*)”.
Ela angulou a cabeça para estudar o rosto de Houston. “Eu devo deixar um pouco de pêlo em cima do lábio para que cresça um bigode?”.
*N. da R. = adjetivo pátrio (estadunidenses) historicamente carregado com sentido de ódio.
“Se você quiser. Um homem com o rosto como o meu não importa muito se tem bigode ou não”.
Mas ele se importava, ela percebeu, pensando naquele dia em que ela o tinha conhecido. Ele estava limpo e barbeado. Na manhã em que eles partiriam, ele tomou banho e se barbeou. E ele trouxe junto seu equipamento de barbear e um espelho minúsculo para que pudesse continuar cuidando da aparência enquanto eles viajavam. Se ele quisesse um bigode, ele teria deixado crescer sem que ela sugerisse. Ela mordeu o lábio inferior e estreitou os olhos. “Não, eu acho que um bigode esconderia sua boca, e você tem uma boca bonita”.
Na luz que desvanecia, ela podia ver o rubor aparecer no rosto dele. Cuidadosamente, ela barbeou a parte de cima do lábio. Um calafrio desceu pela espinha dela quando as respirações dos dois se encontraram.
Ela enxugou as sobras de espuma e deslizou os dedos junto ao queixo liso dele e em cima da bochecha até que a palma da mão dela embalou o lado do rosto dele, as pontas dos dedos tocando ligeiramente as cicatrizes. Ela ficou contente por ele não ter agarrado o pulso dela e levado sua mão para longe. “Ainda dói?”.
Ela o viu respirava fundo. “Às vezes... Quando bate um vento do Norte, dói”.
Ela olhou de volta para os lábios dele. Eles pareciam incrivelmente suaves e fora de lugar em um rosto tão enrugado quanto o dele. Ela ergueu os olhos e descobriu que ele estava observando os lábios dela também. Conscientemente, ela lambeu os lábios.
O olhar dele vagou pelas formas dela até que os olhares se encontraram. “Vai escurecer logo. É melhor que você entre. Todos os tipos de animais aparecem à noite”.
Retirando a mão da bochecha, ela se levantou. “Deixei algumas toalhas perto do fogo para esquentar. A brisa pode ser bastante gelada quando se está molhado. Vou pegar para você”.
Tão calmamente quanto podia, com o estômago revirando, ela saiu andando, sabendo que ela não deveria ter apreciado barbear Houston tanto quanto ela tinha, sabendo que ela não devia se perguntar se os lábios dele eram tão suaves e quentes quanto pareciam. Ela fez um voto silencioso de que na manhã seguinte ao casamento, ela barbearia Dallas.
Amelia se sentou na extremidade da cama, esperando por seu companheiro de cama. Ela colocou uma blusa e saia limpa que tinha trazido da Geórgia. Ela não conseguiu se forçar a colocar uma camisola. Ouviu uma batida suave e ficou de pé. “Entre”.
A porta abriu, e Houston espiou o quarto. “Você está pronta? Posso entrar?”.
Ela concordou com a cabeça. Com um passo largo e longo, ele estava dentro do quarto, olhando tão desconfortável quanto ela se sentia.
“Você quer que eu feche a porta?”, ele perguntou.
Ela concordou com a cabeça novamente, não totalmente certa de que sua voz tinha entrado com ela no quarto.
Ele deixou os sacos de viagem próximos à porta e deu uma olhada rápida em torno do quarto, olhando para tudo. Exceto Amelia e a cama. Finalmente, ele soltou um suspiro longo, lento e encontrou o olhar dela. “Eu acho que nós temos duas escolhas aqui. Eu posso: sair pela janela e voltar ao amanhecer ou dormir no chão”.
“Ou você pode dormir na cama”.
O olhar dele foi para a cama.
“Eu acho que Beth ficaria magoada se, de alguma maneira, ela descobrisse que você não dormiu na cama”.
“Sim, certo, mas agora eu estou mais preocupado é com como você se sente“.
“Está preocupado?”.
Ele se virou para ela. “Sim”.
“Bem, agora mesmo, eu estou cansado e adoro dormir em uma cama. Se nós mantivermos nossas roupas, com uma tábua nos separando, não vejo nenhum problema se a gente compartilhar a mesma cama”.
Um canto da boca de Houston se ergueu. “Você não acha que eu não consigo passar por cima da tábua?”.
Ela ergueu o queixo. “Eu não acho que você pensaria em passar por cima dela”.
Ele aceitou o desafio graciosamente. “Certo. Qual lado você quer?”.
“Eu ficarei com o lado próximo à mesa”.
Ele caminhou através do quarto e sentou no lado da cama mais próxima à janela. A cama rangeu com o peso do corpo dele. “Eu posso tirar minhas botas?”.
“E seu chapéu e seu casaco”.
Amelia deu uma última olhada no quarto. As roupas de Beth estavam penduradas em um guarda-roupa sem portas. Ele continha menos roupas do que o novo guarda-roupa de Amelia, mas Beth possuía algo que Amelia não possuía.
“Oh, este vestido não é bonito?”. Ela perguntou com uma voz tranqüila enquanto cruzava o quarto e tocava os dedos no delicado fio branco de renda que enfeitava o vestido de seda.
“Branco não é muito prático”, Houston disse. “Estaria todo sujo antes da metade do dia”.
“Uma mulher só veste isto uma vez”.
“Parece um desperdício de dinheiro então”.
“Talvez seja, mas eu acho que a pessoa paga por todas as memórias que ele constrói”.
“Memórias?”.
“Sim”, ela respondeu, olhando por cima do ombro para o homem sentado na cama, perguntando-se brevemente se os homens guardavam as memórias como as mulheres fazem. “Uma mulher vestiria isto somente no dia do casamento”.
Ele enrugou a testa. “O que você vai vestir quando se casar com Dallas?”.
Ela encolheu os ombros e caminhou para a cama. “Algum vestido que a gente tenha comprado em Fort Worth, imagino”.
“Você devia ter dito para mim que precisava de algo especial”.
Ela se sentou na cama com as costas viradas para ele e removeu os sapatos. “Eu não preciso de algo especial”. Ela depressa deslizou para debaixo das coberturas e rolou para o lado, as costas contra a tábua de madeira.
A cama se mexeu quando ele se esticou do outro lado da tábua.
“Você se importa se eu mantiver a lamparina acesa?”, ela perguntou.
“Não me importo”.
“Vai te atrapalhar a dormir?”.
“Não. Eu sempre durmo com luz”.
Amelia rolou de lado. “Você deixa a luz acesa?”.
“Deixo. Pode ser a luz de uma fogueira de acampamento ou a lamparina ao lado da minha cama”.
A rudeza na voz dele demonstrou mais claramente do que as palavras que tinha usado que tinha revelado uma parte de si mesmo que ela imaginava que ninguém mais conhecia. Ela se aconchegou na cama, tentando acumular mais esta informação que ele tinha compartilhado com ela. “A casa de Dallas é como esta aqui?”.
“Não”.
“Como que ela é?”.
Ele demorou um longo momento para responder. “É grande”.
“É bonita?”.
“Dallas acha”.
“Mas você não acha”.
Ele suspirou fundo. “Eu não acho que você pode realmente apreciar até que tenha visto”.
“Você vive lá?”.
“Não, eu tenho meu lugar que é uma hora de viagem”.
“É grande?”, ela perguntou.
“Não. É menor que este lugar. Só um quarto, mas é o suficiente pra mim”.
Amelia puxou o coberto até o queixo e assistiu as sombras tocarem na parede enquanto a chama da lamparina balançava. Ela podia imaginar Houston em uma casa de um quarto, cuidando dos cavalos durante o dia e olhando as estrelas à noite.
“Boa noite”, ela disse suavemente, virando de lado mais uma vez.
“Amelia?”.
“Sim?”.
“Se você ouvir aquele animal gemer da mesma forma que você ouviu algum tempo atrás... Apenas ignore”.
Ela tinha suspeitado desde o princípio que o grito que ela tinha ouvido não era dela, mas o som não tinha sido de um animal; Parecia o gemido de alguém que estava perdido.
“Às vezes, eu fico gemendo à noite, também”, ela disse suavemente.
Ele não respondeu. Ela realmente não esperava que ele fizesse. Ela permitiu que o silêncio pairasse no ar. Então fechou os olhos. A luz do lampião dançava através das pálpebras dela, a confortando com sua presença. A cama rangeu.
“Amelia?”.
Virando de barriga para baixo, ela se apoiou no cotovelo, e viu que Houston tinha feito o mesmo. Os olhares se encontraram, o dele ligeiramente mais alto do que o dela. Ela enrijeceu, a respiração presa. Ela viu o pomo-de-adão dele lentamente subir e descer.
“Eu... É... Queria agradecer por ter me barbeado. Nunca tinha sentido algo tão bom em toda minha vida”.
“O prazer foi meu. Eu... Eu vou barbear Dallas depois que nós nos casarmos”, ela sentiu que deveria acrescentar.
Ele deu um rude aceno com a cabeça. “Que seja. Noite”.
“Boa noite”. Ela se aconchegou embaixo das cobertas, tentando esquecer a textura da pele de Houston. Uma vez ela tinha tentado imaginar como teria sido o sorriso dele. Agora ela imaginava como seria sua boca durante um beijo.
Ela fechou os olhos com força. Ela não tinha feito nada de errado. Ela simplesmente tinha barbeado o irmão do noivo como uma maneira de agradecê-lo por sua generosidade... Mas o raciocínio dela não conseguia diminuir sua culpa.
Com o Sol surgindo no horizonte, Amelia abraçou Beth firmemente.
“Nós tentaremos ir durante a primavera, para a gente se reunir”, Beth prometeu.
“Vamos aguardar ansiosamente”, Amelia a tinha assegurado logo antes dela permitiu que Houston a levantasse e a ajudasse a subir na carroça. Ela apertou as tiras do gorro que Beth deu a ela. Enquanto as rodas da carroça começavam a rolar para frente, ela se virou e acenou para a família que deixava para trás.
John deslizou o braço ao redor da esposa. Amelia sorriu. Logo ela teria um marido para fazer o mesmo com ela. Se ele a amasse tanto quanto John amava Beth.
Amelia se endireitou. “Não foi legal a Beth ter me dado um gorro?”.
Houston mantinha suas opiniões para si mesmo. Tudo que ele podia ver era a ponta do nariz e apesar de ser tão atraente, não era o suficiente. Ele sabia que o gorro a protegeria do sol e do vento, manteria a pele do rosto suave, o tom pálido da pele. Mas isso não queria dizer que ele deveria gostar dele.
“Nós nos encontraremos com algum outro vizinho?”, Amelia perguntou.
“Não que eu saiba”.
“O quanto a gente ainda está distante do rancho?”.
“Uns bons quinze dias”. Ou uns ruins quinze dias, dependendo de como ele encarasse as coisas. Ele a deixaria na porta de Dallas e iria para seu próprio lugar: pequeno, onde ele comia só, dormia só e sonhava só.
Se ele ousasse sonhar. Ele tinha sido assim desde o princípio. Ter uma mulher ao redor fazia um homem ansiar por coisas que ele não deveria. Ele ficou acordado a noite toda escutando a respiração dela, vendo se ela se aconchegava debaixo dos cobertores, e desejando que a maldita tábua de madeira não estivesse lá para que assim ela pudesse se aconchegar nele.
Seu estômago se revirou quando ele pensou em Dallas a abraçando durante a noite, protegendo-a do que quer que fosse que a fazia dormir com uma luz queimando.
Uma luz raramente mantinha os demônios das pessoas longe. Ele com certeza não tinha conseguido manter os dela longe.
Eles viajaram quatro dias, o chão ficando mais plano, as árvores mais escassas. Amelia imaginou o verão, quando o sol banharia a terra, quando os homens adorariam se refugiar nas sombras das poucas árvores dispersas pelo chão. Como Houston tinha mencionado, nada bloqueava a visão do pôr-do-sol.
Enquanto o crepúsculo ia se formando, ela deu uma olhada rápida nas árvores dispersas, nos arbustos, a grama murchando e balançado com a brisa, ondulando através da terra como o mar quando bate na orla.
“O que posso fazer para ajudar?”, ela perguntou enquanto seguia Houston com os braços cheios, carregando as coisas da carroça enquanto as mãos dela permaneciam vazias.
“Você pode juntar um pouco de carvão da pradaria”.
“Carvão da pradaria?”.
Um canto de sua boca se curvou para cima. “Esterco de vaca”.
“O que você vai fazer com isto?”.
“Quando não houver nenhuma madeira, nós queimaremos esterco de vaca”.
Ela enrugou o nariz. “Isto não é bastante desagradável?”.
“Você se acostumará com isto”. O canto da boca de Houston se ergueu um pouco mais alto. “Eu juntarei. Por que você não olha na carroça e decide o que eu posso abrir hoje à noite para a gente comer?”.
Ela levantou o queixo. “Desde que a gente deixou Fort Worth você tem feito tudo. Eu posso lidar com o carvão da pradaria”. Ela caminhou de volta para a carroça, pegou uma bolsinha e retirou um lenço de linho branco com os cantos bordados.
Ela marchou para o primeiro montinho marrom que pôde ver através da grama alta. Com cuidado, ela colocou o lenço em cima do objeto e cuidadosamente o ergueu do chão, para ter certeza de que os dedos nunca tocariam nada além do linho.
Mantendo o carvão—ela preferia pensar naquilo como carvão em lugar de esterco—o mais longe possível, prendendo a respiração, ela caminhou de volta para o acampamento. “Onde você quer o fogo?”.
Tentando estirar a barraca no lugar, Houston deu uma olhada rápida por cima do ombro e uma seta de calor perfurou seu coração. Ele nunca tinha pensado em Amélia como uma pessoa afetada e fresca, mas ela certamente parecia ser com aquele pedaço de tecido rendado segurando o esterco de vaca. “Aí mesmo está bom”.
Ela começou a se curvar para baixo.
“Não, não,” ele corrigiu. “Um pouco mais perto da barraca seria melhor”.
Ela se endireitou e caminhou em direção a ele. “Aqui?”, ela perguntou.
“É”.
Ela colocou o esterco no chão e começou a agitar o lenço.
“Pensando melhor, aqui poderia ser muito perto. Um vento forte pode vir e deixar a barraca em chamas”.
“Onde você quer isto, então?”, ela perguntou com os lábios enrugados.
Ele se perguntou o que diabos ele achava que estava fazendo. Ele frequentemente já tinha visto caubóis brincarem uns com os outros, mas ele não tinha feito isso há tanto tempo, tantos anos, que tinha se esquecido de como se fazia e todo mundo acabou rindo.
Ele queria ouvir a risada dela, mas brincar com estrume com certeza não era o jeito de conseguir isso. Irritado com sua estupidez, ele largou a barraca, que acabou desmontando. Ele levantou o esterco de vaca e o lançou a mais ou menos um pé de distância. “Aí estará bom”.
Um olhar de horror cruzou o rosto dela. “Você pegou nisso”.
“Assim é mais rápido”.
Ela visivelmente estremeceu. “Devo colocar fogo nisso ou você vai?”.
“Nós só o usaremos daqui a alguns dias. Já que as minhas mãos estão sujas eu juntarei. Você verifica as latas”.
Dessa vez Amelia não protestou. Ela correu de volta para a carroça e estudou o material. Nada a atraía.
Um calafrio desceu pela sua espinha, e ela estremeceu quando percebeu que tudo tinha ficado tão quieto de repente. Mudo, como um funeral. Até as mulas e a Sorrel pareceram sentir enquanto erguiam os narizes e mexiam as orelhas.
Ela deu uma olhada rápida no céu. As nuvens estavam escuras, mas não como a noite. Bloqueavam o sol de final de tarde. As nuvens pretas chegavam como que empurradas pelas mãos de um poderoso gigante.
Sem aviso prévio, o vento uivou, levantou poeira, bateu nela como um chicote, com surpreendente ferocidade. Um pingo de chuva gordo caiu no seu nariz.
Ela ouviu um palavrão. Houston estava lutando contra o vento para conseguir colocar a barraca no lugar e estava com pouca sorte. Ela se perguntou se ele ficaria na barraca com ela quando chovesse.
Ela ouviu o estrondo do trovão. Um brilho de relâmpago acendeu o céu tão brilhantemente que ela teria jurado que estava de pé no centro dele. Houston jogou a barraca no chão e andou a passos largos em direção a ela, aparentemente um homem com um objetivo.
Uma seta larga e branca se dirigiu ao chão. Sorrel relinchou e colocou a cabeça entre os joelhos. O céu reverberou com o trovão enquanto outro raio estourava através do céu escuro. Houston a alcançou.
“Suba na carroça,” ele ordenou enquanto começou a desafivelar o cinto onde ele colocava a arma.
Amelia deu um passo para trás. “Eu não me importo de ficar molhada”.
“Não é com a chuva que eu estou preocupado,” ele disse enquanto colocava a arma de fogo na tábua do assoalho. “É o raio. Agora, entre na carroça”. Ajoelhando, ele removeu as esporas e as jogou na carroça.
“Você vai entrar na carroça?”.
“Não, eu preciso tirar todo o metal dos animais”. Como se estivesse cansado de esperar por ela, ele rapidamente ficou de pé, a agarrou pela cintura e a levantou como se ela fosse um saco de farinha.
O vento uivou, um trovão rugiu, e um raio relampejou através do céu.
“Desça, logo! Eu não tenho muito tempo!”.
Foi o desespero na voz dele que a convenceu. Ela se sentou de lado e rodeou os joelhos com os braços para trazê-los para mais perto e ele colocou a capa da carroça sobre ela. A escuridão a abraçou, a circulou, e a zombou com memórias de outro tempo quando ela tinha ficado dentro de uma caixa de madeira.
A chuva começou a molhar o encerado, como uma batida constante em staccato(*), como o som de uma artilharia distante, o pulsar de mil cascos... foi o que tinha parecido naquele momento.
A escuridão apavorante a prendeu dentro de seu casulo sem janelas, mais preto do que uma noite sem estrelas, sem lua. Ela era como uma menina novamente, com oito anos de idade. Muito pequena. Muito assusta. E o inimigo estava vindo.
*N.R = um tipo de fraseio ou articulação na qual as notas e os motivos das frase musicais devem ser executadas com suspensões entre elas, ficando com curta duração.
Amelia começou a sentir um calor, como uma febre. A respiração ficou difícil... da mesma maneira que antes. As memórias se rebelavam e uivaram mais altas do que o vento que passava apressado pela carroça.
Ela podia ouvir a voz assustada da mãe. “Se apresse, Amelia. Se apresse!”.
“Não, Mamãe! Não!”.
Os dedos de sua mãe se cravando na carne delicada do braço enquanto Amelia tentava firmar os pés contra o chão de madeira. A mãe a empurrou com tanta força que ela pensou que o braço se separaria do corpo. “Vamos, criança. Seu papai vai te proteger. Você estará segura com ele”.
“Não, Mamãe! Não!”.
O quarto parecia cada vez menor. Um quarto escuro. As chamas das velas chamejaram, e os fantasmas dançaram ao longo da parede.
“Se apresse, Amelia. O papai salvará você”.
“Não, Mamãe! Não, por favor! O papai não pode me salvar. Papai está morto!”.
Amelia não conseguia respirar. Ela estava sufocando, se afogando nas memórias. Ela soltou as fitas e tirou o chapéu da cabeça. Ainda assim ela não conseguia levar o ar até os pulmões. Desesperadamente ela rasgou a capa da carroça.
Houston estava tentando tirar os metais das mulas quando viu Amelia sair da carroça e começar a correr em direção ao... nada. Nada além de um horizonte distante. Ele estava familiarizado o suficiente com as tempestades de raios para saber o dano que elas podiam fazer nas planícies abertas. Com um palavrão, ele correu atrás dela.
Ela tropeçou, os joelhos bateram no chão. Ela ficou em pé de novo e continuou a correr, os braços sacudindo como se ela estivesse guerreando com muitos demônios vindos do inferno.
As pernas dele eram mais longas, indo mais rápidas do que as dela. Ele a pegou, totalmente desprevenido do terror que viu nos olhos dela quando a virou. Ele bateu nos braços dela, no rosto, nos ombros, no peito.
“Não me mande de volta para lá! Por favor, não me mande de volta para lá! Eu morrerei! Eu juro por Deus, eu morrerei se você me mandar de volta para lá!”.
Ele a abraçou, apertando-a contra o peito. “Eu não irei,” ele prometeu, a respiração difícil, o coração batendo tão duro que ele estava certo de que ela podia sentir. “Eu não irei”.
Ela caiu contra ele. Ainda a segurando, ele colocou o colete ao redor dela e ambos foram para o chão. Ela tremeu violentamente.
“Está tudo bem”, ele quase assobiou como se ela fosse um cavalo que ele queria amansar. “Está tudo bem”. Ele começou a embalá-la suavemente de um lado para outro enquanto a chuva branda salpicava as costas dele e gotejavam lentamente do chapéu. O raio relampejou ao redor deles, tão brilhante, tão perto que ele achou que iria cegá-lo. Ele puxou o lado direito do chapéu para baixo e inclinou a cabeça, tentando dar mais abrigo a ela. A uma curta distância, um raio atingiu o chão, começando uma pequena chama que a chuva depressa apagou. A fumaça se arrastou ao longo do chão.
“Se cair na gente, vamos morrer, né?”, ela perguntou com a voz tranqüila, um tom calmo, calmo demais.
“Provavelmente”.
“Você acha que vai doer?”.
“Não,” ele respondeu, apertando o abraço. “Nós só veremos um flash de luz brilhante, e tudo ficará preto”.
Ela balançou o rosto. “Você não tem que esperar aqui comigo”.
“Você ficará molhado”.
Ela sorriu, um sorriso gentil e torto, e então, ele não se importava mais se um raio o atingisse. Morrer com ela nos braços não seria pior do que viver uma vida solitária.
O traseiro dele estava encharcado, a lama cobria a calça comprida, a bota estava ensopada, e a água pingava da borda do chapéu nos ombros. Os músculos doíam pelo modo como ele se contorcia ao tentar protegê-la da tempestade. Ele passou o nó dos dedos no caminho das lágrimas, do canto dos olhos dela até o queixo. “Diga pra mim,” ele disse simplesmente.
Outro soar de trovão preencheu o ar. O sorriso no rosto dela diminuiu e uma grande tristeza preencheu seus olhos. Ele desejou ter o poder de acabar com a tristeza da vida dela—para sempre.
A chuva diminuía, caía suavemente, como uma melodia sombria que acompanhava as palavras dela.
“Eu disse a você que meu pai foi morto durante a guerra. No dia em que nós fomos enterrá-lo...”. Ela engoliu em seco e virou o olhar em direção ao céu escuro. “Alguns homens vieram. Eu não sei se eles eram soldados ou desertores. Eles vestiam uniformes azuis, mas ninguém parecia estar trabalhando. Minha mãe estava apavorada, então ela me escondeu”.
Um tremor percorreu o pequeno corpo dela. Ele se lembrou de que ela tinha dito que não gostava de ficar no escuro. Não era o escuro, não era medo do escuro. Era ficar dentro da escuridão. O medo o percorreu. “Onde ela escondeu você?”.
“Com o meu pai”. Ela olhou para ele, lágrimas brotando nos olhos. “Dentro do caixão. Estava tão escuro. Eu tive medo de que ninguém me achasse. Que me enterrassem com ele. Eu chorei até que adormeci”.
“Você disse no hotel que já tinha dormido em lugares piores”.
Ela concordou com a cabeça, com a voz ficando irregular. “Ele estava tão frio. Quando eu acordei, mãe estava me segurando, mas ela estava diferente. Eu não sei o que eles fizeram com ela. O rosto e garganta dela estavam contundidos. O vestido estava rasgado. Eu sempre achei que ela deveria ter estado chorando, mas ela não estava. Ela apenas olhava fixamente, mas não era algo que eu poderia ver. Era como se ela estivesse olhando fixamente dentro dela mesma, com a mente, o coração tinha ido embora e só o corpo tinha permanecido para me segurar”.
Ele sentiu gosto de bílis na garganta. “E suas irmãs?”.
Ela apertou o rosto com tanta força contra o ombro dele que ele achou que ela iria rachar os ossos de seu ombro. Ela endireitou as costas e o calor das lágrimas passou através da camisa de flanela dele. “Elas estavam olhando fixamente, também,” ela disse asperamente. “Olhando fixamente para o céu. Elas estavam deitadas lado a lado, segurando as mãos... e não havia sobrado muito de suas roupas. Era tão feio”. Ela apertou os dedos nos braços deles.
“Não pense nisso,” ele ordenou. Ele odiava guerras. Trazia o que havia de melhor em homens como o irmão dele, o pior em homens como ele, e transformava o resto em animais.
Ela soluçou. “Eu não queria olhar para minhas irmãs, mas olhei. Eu não queria ver o sangue, mas vi. Tanto. Eu acho que sei o que aqueles homens fizeram—”.
“Eles não eram homens. Animais, talvez, mas não homens. Homens não ferem inocentes”. Ele tocou o rosto dela e o puxou para perto do peito. “Eles não machucaram você?”.
“Não meu corpo, mas meu coração. Eu quis deixar a plantação, mas eu só tinha oito anos. E mamãe não estava em condições de viajar. Então nós ficamos e sobrevivemos da melhor forma que podíamos”.
Ela deixou a cabeça cair para trás, os olhos tão escuros quanto às nuvens da tempestade. “Foi quando eu comecei a procurar por coisas, coisas pequenas, que me fizessem sentir agradecida. Não importava o quanto trivial fosse, quão tolo fosse. Eu apenas precisava todo dia de algo que me fizesse continuar vivendo no dia seguinte”.
Ele conhecia essa sensação. Maldição, ele conhecia essa sensação muito bem.
“Quando Mamãe morreu, eu coloquei um anúncio para viajar para oeste e me tornar uma esposa. Eu tinha que partir, sair da terra que estava encharcada com o sangue das minhas irmãs, ir para longe das memórias. Eu preciso de novo memórias para substituir aquelas que me assombram quando eu me aproximo da escuridão”.
O trovão ecoou ao redor eles, o raio vislumbrou pelo ar, e a chuva começou a cair novamente, mais forte que antes. Ela se aconchegou contra o ombro dele.
Houston tirou o chapéu, deixando que a chuva os lavasse, lavasse as lágrimas do rosto dela, e aliviasse as feridas do coração dele.
O dilúvio não deixou que ele ouvisse a voz dela, mas o contorno dos lábios dela revelou a palavra: “Obrigada”.
Ele apenas pôde concordar com a cabeça e rezar para que quando a tempestade terminasse, ele achasse forças para deixá-la ir.
Houston olhou fixamente para o rio marrom turbulento e amaldiçoou a noite anterior. Ainda estava no ar, ameaçando retornar, com nuvens baixas cinzas e um vento forte brincando com a grama da pradaria. Se a tempestade retornasse, deixaria o rio intransitável por dias, deixando-os com opções limitadas.
Eles podiam esperar até a água baixasse e esperar que a tempestade fosse embora e torcer para que não viesse outra no lugar. Mas eles já estavam atrasados. Como as coisas estavam, eles não chegariam quando Dallas estava esperando. Ele não achava que Dallas teria condições de enviar seus homens atrás deles, ao invés disso, o irmão estaria mancando com a perna ruim, olhando fixamente em direção ao sol nascente, e ficando cada vez mais irritado. Ou Houston poderia arrastar Amelia e a carroça através do rio, e esperar que a sorte que ele tinha perdido em algum lugar do caminho o alcançasse. Nada o tinha atrasado no caminho para Fort Worth. Nada devia impedi-lo de retornar ao rancho.
Ele levou Sorrel adiante. A égua se movia cautelosamente através da água, mas ela não hesitou. Houston confiava nos instintos do animal. Se o cavalo empacasse, ele não a pressionaria.
A água fria bateu nas canelas de Houston. Cruzar o rio nunca tinha sido sua parte favorita ao conduzir o gado de um lugar para outro.
Eles alcançaram o meio do rio. As pequenas ondas bateram nos lados de Sorrel, mas o rio não estava tão fundo quanto Houston esperava que estivesse. Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro. Amelia se sentou na carroça, com a preocupação marcada nas suas feições delicadas.
Apesar da água fria, a conversa dela o tinha aquecido. Ela logo se tornaria sua irmã por causa do casamento, mas ele parecia incapaz de guiar sua afeição em direção à preocupação fraterna. Elas eram profundas, muito mais profundas. Ele puxou as rédeas à direita, guiando o cavalo de volta para o banco de onde eles tinham vindo.
“O que você acha?”, Amelia perguntou enquanto eles passavam sem tocar a água.
“Acho que está seguro, mas quero te tirar do cavalo. Então eu voltarei para a carroça”.
“Por que tem cruzes de madeira na beira do rio?”, ela perguntou.
Ele deu uma olhada rápida para os marcadores, feitos de troncos de árvore. “Não é incomum perder um homem quando se está cruzando um rio conduzindo os bois. Os cavalos se espantam, as vacas se espantam. O homem cai, não consegue nadar, as vacas o impedem de voltar à superfície”.
“Eu suponho, então, que eu devia estar agradecida por nós não estarmos conduzindo bois”.
“Sim. Acho que você deveria ser”.
Ela mordeu o lábio inferior. “Você sabe nadar?”.
“Sim”.
O alívio rapidamente apareceu nos olhos dela, confiança veio logo depois. A confiança de Dallas era difícil de agüentar, a dela parecida incrivelmente mais difícil.
Ele parou o cavalo e esticou o braço antecipando o calor dos dedos dela. Ela deslizou elegantemente sobre a parte de trás do cavalo e colocou os braços ao redor dele.
“A água está fria,” ele disse enquanto o cavalo deslizava rio abaixo e espirrava água.
Soltando um pequeno suspiro com a água pelas canelas, ela o apertou ainda mais. “Quantos rios mais nós teremos que cruzar?”, ela perguntou.
“Não muitos, mas este é o mais largo e fundo. Teria sido melhor se a gente tivesse cruzado ele antes da tempestade”.
Sorrel momentaneamente perdeu o equilíbrio. O coração de Houston saltou na garganta, quase o sufocando com o pensamento de Amelia caindo do abraço precário que a segurava atrás dele, mas ela o agarrou com força enquanto ele rapidamente segurava o chifre da sela, acalmando o cavalo com a pressão das coxas, a mão segurando as rédeas.
Ele percebeu o momento em que o cavalo recuperou o equilíbrio. Ele persuadiu Sorrel para frente, dando um suspiro de alívio quando a água foi ficando rasa. Sorrel lutava para se livrar dos arbustos do banco do rio.
Houston ajudou Amelia a deslizar para fora do cavalo. Ele tirou o colete e o colocou em cima dos ombros dela. “Por que você não vê se consegue achar alguma madeira seca para que a gente pode se aquecer antes de continuar a viagem?”.
Com a preocupação claramente refletida nos olhos, ela descansou a mão na coxa dele. Ele poderia jurar que o toque dela tinha alcançado seu coração.
“Por favor, tenha cuidado,” ela disse tranquilamente.
Ele deu a ela o que ele esperava que fosse um sorriso. Ele não conseguia se lembrar da última vez que seu rosto tinha dado um sorriso verdadeiro. Os músculos pareciam tensos, desacostumados com o movimento. Ele desejava não estar parecendo ridículo. “Não tenho nenhuma escolha. Dallas arrancaria meu couro se eu dissesse que deixei você aqui sozinha”.
Ela deu a ele um sorriso, um sorriso bonito que fez com que o clarão dos olhos verdes afugentasse a carranca preocupada. Esta visão fez com que algo se apertasse dentro do peito dele.
Ele levou Sorrel de volta para o rio. No outro lado, ele amarrou uma corda no chifre da sela, com intenção de levar Sorrel para o outro lado do rio. Ele deixou o outro lado solto, simplesmente preso pelos seus dedos junto às rédeas. Ele não queria o cavalo amarrado na carroça caso algo acontecesse. De vez em quando, uma corrente forte tinha vindo contra eles enquanto eles tinham cruzado o rio.
O lado mais prático dele dizia para que esperasse... Mas o lado que continha seu coração dizia que ele deveria atravessar a carroça e levar Amelia para o rancho o mais rápido possível.
Ele olhou através do rio. Ela estava na beira do rio, observando-o, não estava juntando madeira como ele tinha dito a ela para fazer. Por alguma razão que ele não podia explicar, ele ficou alarmado pelo fato de ela o estar observando, esperando por ele.
Ele se satisfez por um momento olhando para ela. De pé perto da entrada da cabana, vestindo aquele vestido verde que eles tinham comprado em Fort Worth, o cabelo solto escovado com um brilho dourado, o cheiro de pão recém saído do forno flutuado atrás dela...
Ele se livrou da imagem. Ela ficaria de pé na varanda de Dallas. Houston Leigh não seria nada mais do que ser um irmão pelo casamento, que era como deveria ser. Mulheres como Amelia pertenciam a homens como Dallas. E Dallas já tinha marcado o nome dela a ferro muito antes de Houston tê-la conhecido.
Com um tapa nas rédeas e um grito grosso, ele enviou as mulas lentamente em direção à extremidade do rio. A carroça balançou e se moveu sobre o chão barrento.
Houston bateu as rédeas nos traseiros das mulas e gritou mais alto, para que os animais fossem mais rápidos. As quatro mulas se moveram lentamente, arrastando a carroça através do rio. O mato flutuante afundou rapidamente girando.
A carroça parou. Houston bateu as rédeas e gritou. As mulas lutaram contra a carroça, contra a água. Houston estava à beira de saltar na água a fim de soltar as rodas quando a carroça balançou, e um som alto de rachadura encheu o ar, e começou o inferno.
Uma mula zurrou, e as outras pararam de trabalhar em conjunto. Como um raio, passou pela mente de Houston que—possivelmente uma serpente—poderia tê-las picado.
Então, nada além de pânico passou pela mente dele quando a carroça começou a se virar com a força da corrente. Ele soltou a corda que segurava Sorrel e rezou para que o cavalo tivesse o bom senso de cruzar para o outro lado do rio. Então ele rezou para que Amelia tivesse o bom senso de montar o cavalo para oeste.
Um tronco veio rapidamente em direção à carroça e bateu nela. As mulas gritaram. Houston estava perdendo controle, perdendo controle do grupo, perdendo o controle da carroça. Ele saltou no rio com a idéia de ganhar controle novamente agarrando a mula principal, mas a corrente era mais forte e o fundo do rio mais liso do que ele tinha imaginado. O pé dele deslizou e ele afundou.
Amelia assistiu com horror enquanto Houston brigava contra a corrente furiosa. Quando ele voltou à superfície, mergulhou novamente até chegar às costas da carroça. Ele colocou a mão em uma roda, se curvou, a outra mão desapareceu dentro da água, e ela se perguntou se ele achava que poderia erguer a carroça, soltá-la, e traze-la de volta para cima.
Então a carroça gemeu e balançou como se fosse tombar por cima dele. Ela agarrou o colete dele, silenciosamente desejando que ele deixasse a carroça de lado e escapasse do rio. Como se ele estivesse ouvindo os apelos dela, ele começou a lutar contra a corrente. Ela apenas teve tempo de prender a respiração antes de perceber que ele não estava vindo em direção à orla, e que seu destino era na verdade em direção às mulas. Sem poder fazer nada, ela o viu lutou para soltar as mulas. Uma eternidade pareceu passar antes que uma mula começasse a vagar em direção à orla onde ficou.
O coração de Amelia saltou na garganta quando ela viu outro toco indo depressa em direção à costa onde ela estava. Ela deu um grito de advertência no mesmo momento em que as mulas restantes deram um passo para trás e empurraram o ombro de Houston. Houston tropeçou para trás. O tronco bateu na base do crânio dele. Uma vez mais, a corrente o levou para o fundo do rio.
Amelia livrou-se do colete e saltou no rio.
Uma luz branca explodiu na cabeça de Houston antes da água marrom o levar para baixo. Ele ouviu o grito de Amelia, e Deus o ajudasse, ele acreditava tê-la visto pular no rio.
Ele se forçou para afastar a dor, se forçou a voltar do clarão, e voltou à superfície para vê-la espirrando água e gritando seu nome.
Com longas e rápidas braçadas nascidas do desespero, ele nadou em direção a ela, lutando contra a corrente, lutando contra o medo. Se ela perdesse o equilíbrio como ele, ela afundaria nas águas escuras... e se encontraria cercada pela escuridão que a apavoraria. Não haveria luz solar através da água que a guiasse para a superfície novamente. Ele queria que ela visse outro amanhecer, que sentisse novamente o toque sutil do amanhecer.
Enquanto ele se aproximava, podia ver o medo escurecer os olhos dela. Ficando de pé, ele tirou os braços da água e envolveu a cintura dela, trazendo seu corpo trêmulo contra o dele. A lama puxava as botas dele enquanto eles tentavam sair do rio e desmoronavam na lama, o corpo dela caindo ao lado do dele, ela respirava com dificuldade, o peito dele doía como se estivesse lutando para puxar o ar. Com a visão escura, vendo apenas estrelinhas dançando, ele se apoiou com o cotovelo e deu uma olhada rápida para a mulher que tremia ao seu lado. Os lábios dela estavam incrivelmente azuis e o rosto estava incrivelmente branco. Ele apertou o corpo molhado contra o dela, tentando aquecê-la.
Ela colocou a palma contra a bochecha eriçada dele. “Você está bem,” ela sussurrou.
“Que diabos você acha que estava fazendo?”, ele rosnou, o coração batendo de um modo selvagem contra o peito.
“Eu ia te salvar”.
Ele passou os dedos através do cabelo bagunçado dela. Ela tinha perdido o chapéu. Ela era muito sortuda de não ter perdido a vida. “Sua pequena tola”, ele disse rouco com emoção incontida na voz. “Sua pequena e valente tola”.
A boca de Houston cobriu a de Amelia. Os lábios frios e trêmulos dela se separaram ligeiramente, e ele introduziu a língua na abertura como um homem que desesperadamente procura um tesouro.
E ele achou o tesouro que buscava.
Ele deu a ela um beijo gentil porque ela não era uma prostituta cujo corpo que ele queria para satisfazer sua luxúria. Ela era uma mulher cujo calor ele queria apreciar enquanto se infiltrava pelo corpo dele, tocando o coração dele como nenhuma mulher tinha feito antes. Ele queria sentir o contorno gentil das curvas dela que se apertava contra os contornos firmes do corpo dele. Ele queria— só por um momento—ser jovem novamente e inocente. Queria não saber o que é traição.
A boca de Amélia era morna e doce, incrivelmente doce. E pequena, assim como todo o resto dela. Ela tinha um gosto tão bom. Ele a queria saborear do mesmo modo que um homem deve apreciar uma boa garrafa de uísque, vagarosamente, permitindo que o uísque preenchesse a boca antes de soltar a respiração, permitindo que ele queimasse a garganta.
Ele tocou a língua dela e pôde ouvir um pequeno gemido. Ela passou os dedos pelo rosto dele e foi até a nuca. Ele tinha perdido o chapéu também, e, pela primeira vez, desde que tinha sido ferido, ele deu boas-vindas à ausência das sombras.
Ela estava com o cheiro do rio, mas ainda assim ele conseguiu sentir o odor que era dela e de mais ninguém. Ele queria muito dar a boca a liberdade de aquecê-la, de beijar cada pedacinho do corpo dela.
Ela parou de tremer de frio, e ele pôde sentir o calor intoxicante que emanava dos corpos unidos. Outro tremor passou pelo corpo dela, um tremor que não tinha nada a ver com frio. Ele aprofundou o beijo, ele envolveu o rosto dela com as mãos e o girou para que assim pudesse melhorar o ângulo do beijo e beijá-la com a intimidade de amantes.
Beijá-la como ele nunca tinha beijado outra. Beijá-la de uma forma que ele não tinha direito.
Ele se afastou e a fitou. Os olhos dela estavam escuros com paixão, os lábios não estavam mais azuis, mas vermelhos, com um vermelho profundo, os lábios inchados por causa do beijo.
“Eu não devia ter feito isto,” ele disse em voz baixa.
Ele pôde ver nos olhos dela que a tinha machucado. Cuidadosamente, ele tirou os dedos do cabelo bagunçado dela. “Eu vou fazer um fogo”.
Ele ficou de pé e foi cambaleante até o lugar em que estava seu colete. Ele o pegou, retornou para o lado dela, e o colocou por cima dela enquanto ela continuava deitada olhando fixamente para ele. Um frio entrou pelas mãos e foi até o coração dele. Ele foi à procura de algo—qualquer coisa—com a qual pudesse fazer um fogo.
Amelia se sentou e vestiu o colete, apertando-o firmemente contra o corpo. Tinha o cheiro dele: de cavalo e couro.
Ela tocou os lábios trêmulos com o dedo. Ela sempre tinha imaginado que Dallas Leigh seria o primeiro a beijá-la. Mas ela nunca tinha imaginado que o beijo seria como o que ela tinha recebido que a deixaria tão quente, tão assustada, tão segura. Todas as sensações se misturando deixava-a confusa.
Ela viu Houston fazer um fogo próximo. Ela esperou até que ele criasse o fogo, da mesma maneira que ele tinha criado vida dentro dela.
Ela ficou de pé, caminhou para o fogo, e se ajoelhou ao lado dele. “Eu suponho que não deveria ter correspondido ao seu beijo”.
“Não, você não deveria,” ele disse, firmemente, nunca tirando os olhos da chama. “Mas eu acho que você provavelmente estava assustada e não estava pensando”.
“Você estava assustado?”.
Houston sentiu um aperto no estômago. Por Deus, ele tinha ficado apavorado, mas agora ele estava ainda mais do que na hora em que a viu entrando no rio. Aquele beijo o tinha deixando tremendo até as botas.
Ele não esperava que ela fosse tão doce. Ele não tinha esperado que ela fosse tudo que ele já tinha sonhado quando era mais jovem e merecia sonhar.
Maldito Dallas! Maldito por querer mulheres, além de gado, terra e riqueza. Maldito por querer esta mulher, por ter ganhado o direito de possuí-la.
Houston se forçou a ficar de pé. “Eu preciso juntar as mulas. Você fica aqui e se seca”.
Seus passos largos e longos não podiam o levar longe o suficiente, rápido o suficiente. O odor dela o seguia como uma sombra. O gosto dos lábios dela ainda estava nos seus lábios, e o deixava com fome de mais. Ele ainda podia sentir o suave toque dos seios dela contra o peito dele. Os dedos dele doíam com a vontade de segurá-los, sentir o formato e acariciá-los com uma ternura que até então ele não sabia que existia.
Ele sentiu um tremor enquanto deslizava pelo banco barrento. Ele precisava de uma mulher da vida. Ele tinha ficado muito tempo longe de uma mulher. Essa era a razão pela qual ele achava esta maldita jornada tão difícil, a razão pela qual ele queria abraçar Amelia tão forte. Ele apenas precisava saciar seus desejos. Maria o ajudaria. Ela sempre fazia. Ela apagaria todas as chamas, na escuridão total, ele a pegaria sem paixão, sem amor, sem esperança. E, na escuridão, ela não poderia ver a feiúra que o fazia o homem que era.
Ele não queria que Amelia visse o lado feio dele, mas ela iria. Cedo ou tarde.
Quando a noite caiu, Amelia se sentou o mais próximo possível do fogo e enrolou o cobertor em volta do corpo. O vento vinha do rio, úmido e congelante. Ela estremeceu.
“Frio?”.
Ela ergueu o olhar para o homem que se sentava no outro lado do fogo. Ele tinha achado o cavalo e três mulas. Ela tinha a impressão de que ele tinha encontrado a quarta mula também. Ela tinha ouvido um som de tiro, mas ele não tinha trazido nenhuma caça para o pequeno acampamento deles. Amanhã eles iriam vasculhar o banco do rio em busca de algo da carroça.
“Um pouco,” ela disse, odiando o modo como os dentes batiam à medida que falava. Ela não conseguia recuperar o calor desde que ele tinha terminado o beijo.
Observando-o, se ela não o conhecesse, teria pensado que ele estava discutindo com alguém. A sobrancelha enrugada profundamente, o queixo firme, e com o dedo desenhava algo na sujeira. Então, como um homem que perdeu a batalha, ele se levantou passou pelo fogo e caminhou para o lado dela.
Com a curiosidade ganhando, ela foi até onde ele estava antes e se ajoelhou para poder ver o que ele tinha escrito. A luz das chamas dançava por cima da marca de Dallas.
Houston se sentou ao lado dela, e os olhos se encontraram. “Por que você desenhou isto?”.
“Para me lembrar de que ele tem direito sobre você”. Ele se esticou no chão e abriu o colete. “Venha aqui”.
Ela hesitou, com o coração batendo forte. Como noiva do irmão dele, ela sabia que deveria sofrer com o frio, que não deveria dar boas-vindas ao calor que o corpo dele podia fornecer. Ela apertou o relógio com as mãos, era o presente para Dallas que ainda estava escondido no bolso, e sentou próximo a Houston.
Ele a envolveu com o colete e virou o outro braço. “Aqui, use meu braço como travesseiro,” ele disse tranquilamente.
Ela se encostou, aconchegou as costas contra a barriga dele e deitou a cabeça no braço.
“Melhor?”, ele perguntou.
“Mais quente”. Ela olhou o braço dele e os longos dedos bronzeados. Ela conhecia a força daqueles dedos, tinha sentido durante a tarde quando ele tinha segurado o rosto dela e coberto sua boca. A palma da mão era calosa, e ela resistiu ao desejo de colocar a mão sobre a dele, colocar palma contra palma, ponta do dedo contra ponta do dedo.
“O que nós faremos amanhã?”, ela perguntou.
“Veremos o que podemos salvar. Usar as mulas para carregar as coisas”.
“Acho que a gente devia ter esperado antes de cruzar o rio”.
“Sim”.
Ela ouviu o suspiro dele mais do que as palavras.
“Por que nós cruzamos, então?”.
O silêncio ficou pesado. Amelia se mexeu dentro dos braços dele e sentiu que ele tinha enrijecido o corpo. “Por que nós não esperamos?”
“Porque nós já tínhamos perdido tempo demais,” ele disse sem mudar a voz.
“Por que você me beijou?”.
“Porque eu sou um tolo”.
Ela tocou os dedos nos lábios dele. Ele agarrou o pulso dela e empurrou a mão.
“Não faça isto,” ele disse com a voz brusca.
“Nós não deveríamos ter cruzado o rio. Você não deveria ter me beijado. Ainda assim, você fez as duas coisas. Por quê?”
“Porque já faz muito tempo que eu estive com uma mulher. Não teve nenhum sentimento no que aconteceu esta tarde. Eu sou um homem e tenho necessidades. Necessidades que qualquer mulher pode satisfazer. Você é a única mulher dentro de trezentos e vinte quilômetros”.
“Então não foi por minha causa. Foi só porque eu sou uma mulher”.
“Isso mesmo,” ele disse grosseiro.
“E por que eu beijei você de volta?”.
“Eu acho que mulheres têm necessidades, também”.
“E qualquer homem serviria? Isso não me faz melhor do que uma prostituta”.
Ele soltou o pulso dela. “Não foi isso que eu quis dizer”.
“Eu sei,” ela disse suavemente. “Você pensa que foi por causa das circunstâncias e não por nossa causa que a gente se beijou hoje à tarde”.
“Isso mesmo. Quando chegarmos ao rancho não será comigo. Já que você terá o Dallas. Agora vá dormir”.
Ela se virou novamente e deu as costas para ele. Ela observou as chamas do fogo baixo balançarem, da mesma maneira que os pensamentos dela. Será que ele estava certo? Será que ela o tinha beijado somente porque ele estava lá? Só porque ela tinha ficado apavorada? - “Houston?”.
Ela tinha ficado quieta por tanto tempo que Houston estava certo de que ela tinha adormecido. Ele nunca antes a tinha ouvido chamar seu nome dessa maneira doce. O coração dele se apertou, e ele lutou contra a vontade de puxá-la para mais perto. “O quê?”.
“Que tipo de homem é Dallas?”.
Um homem melhor do que eu. Ele respirou fundo, procurando pelas palavras que fariam justiça ao irmão, palavras verdadeiras que aliviariam as dúvidas dela. “Ele é o tipo de homem que faz uma sombra longa... Uma sombra que alcança tudo e todos. Daqui a anos, pessoas que nunca o viram irão ouvir falar dele”.
Ela se virou, apertando o rosto contra o ombro dele. “E minha sombra será pequena. Eu fico preocupada que o homem que eu imaginei nas cartas na realidade não exista. Ele parece quase perfeito”.
“Tudo o que eu posso dizer a você é que eu não podia pedir um irmão melhor, e eu não imagino que você possa pedir um marido melhor”.
“E se ele ficar desapontado quando me encontrar?”.
A insegurança dela o encheu de ternura. “Ele não ficará desapontado. Eu posso dar minha palavra a você”. Passando as mãos por cima dela, ele dobrou o colete ao redor dela. “Agora é melhor você dormir. Amanhã será um outro longo dia”.
“Eu estou tão agradecida por você ter estado comigo hoje,” ela disse tranquilamente enquanto fechava os olhos.
Houston não podia saber se alguém tinha ficado agradecido por sua presença. Sua mãe, talvez. Certamente não o pai.
Diferentemente de Dallas, Houston nunca tinha estado à altura das expectativas de seu pai. Ele nunca tinha sido forte o suficiente, esperto o suficiente ou rápido o suficiente.
“Juro por Deus que eu devia te vestir com roupas de menina!”. O pai dele tinha berrado no dia em que viu Houston segurando uma boneca de trapo no mercado.
A boneca parecia tão sozinha espalhada em cima do contador, onde uma menininha a tinha deixado antes de ir procurar a seção de doces. E parecia tão suave. Ele só queria saber se ela era realmente tão suave quanto parecia.
E ela era. O rosto bordado tinha um sorriso permanente, um sorriso que fez Houston sorrir de volta.
Ele percebia agora que o sorriso dele mais do que a boneca em si tinha sido, provavelmente, o que tinha deixado o pai fora de si. Ou talvez tivesse sido ambos. De qualquer modo, suas ações não tinham sido de uma natureza masculina. Quando eles retornaram a casa, seu pai tinha lhe deu uma chicotada no traseiro.
Quando o castigo terminou, Houston pegou sua calça comprida com o máximo de dignidade que tinha conseguido reunir. Quando ele se virou, e seu pai viu as lágrimas mudas descendo pelas bochechas, ele batera no rosto de Houston. O chicote tinha cortado a pele dele, deixando uma cicatriz que ia até a bochecha.
Ele odiava a cicatriz, e frequentemente desejava que sumisse.
A mãe o tinha advertido para que fosse cauteloso com o que desejava.
Quando ele tinha quinze anos, seu desejo tinha se realizado. O fogo de artilharia de um Yankee tinha arrancado a cicatriz do rosto, deixando no lugar cicatrizes mais fundas. Desde então ele nunca mais tinha desejado nada.
Mas tinha percebido que agora mesmo ele estava desejando. Desejando que o braço esquerdo que segurava Amelia não ficasse tão entorpecido quanto o lado esquerdo de seu rosto. Porque se isso acontecesse, ele não poderia mais sentir o calor do corpo dela, sentir o peso dela. Sua única chance de abraçar uma mulher decente nos braços noite afora e seu braço tinha adormecido.
Ele tinha pensado em mudar de posição, mas ele não queria despertá-la. Sua mão livre estava pairando sobre o rosto dela como um raio de luar beijando a superfície de um lago, então ele tirou o cabelo dela da bochecha. Tão suave. Tão incrivelmente suave. Como a boneca de trapo que ele tinha segurado tanto tempos atrás.
Só que ela não era uma boneca. Ela era uma mulher, de carne e osso, uma mulher que Dallas tinha deixado aos cuidados dele.
Uma mulher com os olhos verdes da cor de um trevo, e o cabelo com a cor do brilho da luz de uma noite de outono.
E uma coragem tão ilimitada quanto às planícies do West Texas.
Tudo. Tudo tinha ido embora. Amelia olhou fixamente para o rio com sua corrente marrom e se perguntava por que eles ainda se preocupavam em procurar. As cartas de Dallas tinham ido embora. Uma miniatura da mãe dela. Ela tinha trazido tudo o que já tinha significado alguma coisa para ela—e agora tudo tinha sido perdido.
Tudo. Exceto o relógio de bolso que ela tinha comprado para Dallas.
Ela lutou contra as lágrimas que brotavam nos olhos. Ela tinha perdido tudo uma vez antes, e, de alguma maneira, ela tinha conseguido sobreviver. Ela sobreviveria novamente.
Ela ergueu o queixo como que em desafio, ousando chamar o destino para brincar com ela. Pelo canto do olho, ela viu a luz do sol refletir na lama. Erguendo a saia, ela caminhou cautelosamente para a extremidade da água.
Um espelho, o espelho que sua mãe tinha dado a ela, refletia a luz do sol. Pegando-o, ela o tirou da lama e o lavou suavemente na água. Uma doce memória de um passado distante.
Ela secou o espelho com a saia, então o segurou para que pudesse ver seu reflexo. Ela estava horrível. O cabelo estava embolado, havia um roxo em sua bochecha, um botão faltava na blusa. Ela olhou fixamente para o espelho. No fundo, algo como uma nuvem verde descia pelo rio. Ela olhou por cima do ombro e olhou o fluxo.
Ela marchou ao longo da água até que alcançou o vestido verde, o espartilho embrulhado firmemente em torno dos galhos delgados de um arbusto, a saia balançando com o vento. Amelia pegou a saia, segurou o tecido liso contra o rosto e deixou as lágrimas caírem.
E foi nessa hora que Houston a achou. Sentada na lama com a água na altura dos pés, os joelhos dobrados, a face escondida pela abundância de seda verde.
Ele desejava poder poupá-la desta jornada, queria tê-la arrancado da estação e colocado na casa de Dallas sem pedir a ela para suportar aflições, tempestades e rios furiosos.
Ele se imaginou sentado na varanda com suas sobrinhas e sobrinhos ao redor, contando a eles sobre a jornada que tinha feito com a mãe deles. Ele diria que ela era uma mulher de coragem.
E ele desejava que nenhum deles percebesse em sua voz ou visse refletido em seus olhos que ele tinha se apaixonado por ela.
Ele deslizou pelo banco barrento e recuperou o equilíbrio, parando antes que acabasse mergulhando nele. Ele marchou pela lama e se ajoelhou ao lado dela. “Amelia?”.
Ela ergueu o rosto coberto de lágrimas. “Esse foi o primeiro vestido que eu tive em dez anos que não tinha pertencido a nenhuma outra pessoa antes. Eu iria guardá-lo para o dia em que me casasse com Dallas”. Ela apertou a saia contra o peito. “Ele foi rasgado pelos galhos”.
Ele conhecia o sentimento de vestir algo que tinha sido de outra pessoa. Ele tinha usado as roupas desgastadas de Dallas até a guerra. A primeira peça de roupa que ele tinha vestido que tinha sido só dele foi uma jaqueta cinza que a mãe tinha costurado para que assim ele pudesse montar com algum orgulho junto ao pai e ao irmão mais velho.
Só que ele não tinha sentido orgulho... Apenas temor, um frio que ficava preso no estômago. Um terror que o deixava inseguro. Como o de agora. Ele queria que esta mulher estivesse segura, em segurança nos braços do irmão, onde Houston não a poderia tocar, onde ele não poderia arrastá-la para o inferno que era a vida dele.
Ele tirou a faca da cintura. “Eu cortarei os galhos e você poderá pegar o vestido. Talvez você possa consertar o dano”.
Ele foi para o lado dela e começou a cortar os galhos.
“Eu achei o espelho da minha mãe,” ela disse tranquilamente. E tocou na borda do chapéu dele. “Você achou seu chapéu”.
“Sim. Fora isso, eu não tive muita sorte. A água está muito forte. A corrente está muito rápida”.
“Nós vamos voltar na casa de John e Beth?”.
“Acho que eles não têm muita coisa. Acho que a gente só vai perder tempo e ganhar muito pouco”.
“Então, o que nós vamos fazer?”.
Ele corta o último galho e embainha a faca. “Nós sobreviveremos. Nós ainda temos todo o material que tinha colocado na Sorrel. Não é muito, mas é o suficiente. Eu já viajei com menos”.
Ela guardou o tecido de seda verde e rosa. Houston ficou de pé, tirou o chapéu, e o estendeu na direção dela. “Você precisará usar isto”.
Os olhos dela se arregalaram. “Mas esse é o seu chapéu”.
“Eu sei, mas eu não consegui achar o chapéu de Austin ou o seu gorro, e o sol vai transformar sua pele bonita em couro. Não pode machucar tanto a minha”. Ele fez careta enquanto uma lágrima se arrastava na bochecha dela. “Não comece a chorar por mim”.
“Mas eu sei o quanto o chapéu significa para você”.
Ele quase disse que ela significava muito mais, mas as palavras permaneceram junto com as outras que não tinha nenhum direito de dizer em voz alta. “Então tome cuidado com ele porque eu vou querer de volta quando a gente chegar no rancho”.
O vento frio chicoteava o modesto acampamento. Amelia puxou o cobertor para mais próximo de si, e abaixou a borda do chapéu de Houston para protegeu o pescoço, e foi para mais perto do fogo. Eles tinham viajado a maior parte do dia, ela em Sorrel, e Houston em uma mula. Eles tinham a manta de Sorrel e os arbustos próximos para repelir os ventos.
“Você acha que vai nevar?”, ela perguntou.
Ele deu uma olhada rápida para o céu. “Não. Acho que em um dia ou dois, está quente novamente”.
“Isto não é inverno?”.
Ele balançou a cabeça. Ela retornou o olhar para o fogo. Ela desejava ter as cartas de Dallas. Depois de todas as vezes que ela tinha lido, ela devia ter memorizado cada palavra, mas ela não conseguia se lembrar de qualquer coisa que ele tinha escrito.
Tudo que ela conseguia se lembrar era do modo como Houston a tinha beijado que tinha feito seus dedões do pé se torcerem, o corpo firme dele ao redor do dela na noite anterior e o calor de sua respiração suavemente tocando em suas bochechas.
Será que Dallas curvaria o corpo e a protegeria da mesma forma quando eles dormissem juntos depois de casados? Ele tiraria suavemente o cabelo do rosto dela quando achasse que ela estava dormindo? Faria o corpo dela ficar tão quente quanto às chamas que lambiam a lenha?
Ela ficou de pé, deu a volta em torno do fogo e se ajoelhou ao lado de Houston. “Eu estava pensando”.
“Sim, eu já percebi”.
As palavras dele a surpreenderam, embora ela achasse que ele estava começando a conhecê-la da mesma forma que ela estava começando a conhecê-lo. “Como você sabe?”.
“Você está enrugando as sobrancelhas”.
“O que mais você sabe sobre mim?”.
“Que você vai começar a me fazer perguntas”.
“Não exatamente”. Ela foi para um pouco mais perto dele. “Você disse que tinha necessidades—”
“Eu não devia ter dito isto”.
“Você não tem necessidades?”.
“Sim, eu tenho necessidades, mas eu não devia dizer isso a uma dama”.
“Por que não?”.
“Eu não deveria, é só”.
Ela mordeu o lábio inferior. “Então eu não deveria dizer a você que eu também tenho necessidades, não é?”.
“Não, não devia”.
Trazendo o cobertor para mais perto, ela olhou fixamente o fogo. Ela tentou imaginar Dallas enquanto ela olhava fixamente o fogo. Ela tentava imaginar Dallas como ela tinha todos aqueles meses, sem um bigode e com olhos azuis. Ela tinha que se concentrar na imagem que ela agora tinha dele: olhos marrons, um bigode. Um sonho para qualquer mulher. Um sonho que ela ainda não podia tocar... “eu tenho necessidades,” ela disse baixinho. Ela girou a cabeça ligeiramente e achou que ele parecia apavorado. “Eu estava pensando sobre o que você disse... que qualquer mulher serviria. Eu estava me perguntando se seria o mesmo para mim. Se qualquer homem satisfaria o que eu estou sentindo agora mesmo”.
“O que exatamente você está sentindo?”.
“Que eu quero ser beijada. Se você quer ser beijado, e qualquer mulher serve, então por que não me beija? Então as nossas vontades iriam embora, e talvez nós pudéssemos ir dormir em vez de ficar aqui sentado olhando o fogo”.
“Eu prefiro olhar o fogo”.
Então uma dor aguda como se ela tivesse sido pisada por um rebanho de cavalos a transpassou. As palavras dele não deveriam machucá-la. Ele não era o homem com que ela iria casar—.
“Não faça isto,” ele ordenou. “Não quero que fique com lágrimas nos olhos”.
Ela deu as costas a ele, lutando contra a tristeza, a raiva e a dor. “Não é justo. Antes de a gente ter cruzado aquele rio, eu nunca tinha sido beijada”. Ficando de pé, ela foi para cima dele como um lobo feroz do deserto. “Não é justo você me fazer ficar com vontade e então dizer que eu tenho que lidar com isso sozinha. Eu nunca tinha me sentido assim... como se eu fosse morrer se você não me beijasse”.
Ela se virou como um vento selvagem e marchou para longe da luz do fogo, imediatamente lamentando sua tolice, mas tinha orgulho demais para retornar ao calor e à luz. Com certeza Dallas não ia querer beijá-la e satisfazer as suas necessidades a qualquer hora que ela o procurasse.
Uma mão grande encostou no ombro dela. “Eu sinto muito,” ela sussurrou. “Eu fui uma tola mesmo. Eu não consigo me lembrar o que Dallas escreveu nas cartas. Eu me sinto perdida... assim como os nossos pertences. E com medo. E—”.
“Ele disse que não estava solitário”. Suavemente, Houston a girou e colocou o chapéu em cima da sobrancelha dela. A luz do fogo tocava o ombro e acariciava o remendo e as cicatrizes enquanto deixava o olho arruinado e a bochecha na escuridão. Uma vez, ela tinha perdido tempo imaginando como ele seria se não tivesse sido ferido. Agora, ela simplesmente aceitava as feições ásperas que a guerra tinha esculpido no rosto dele.
“Ele disse que uma esposa e filhos enriqueceriam sua vida”. Ele subiu a mão que estava no ombro dela até a bochecha e deu uma pequena sacudida no rosto dela. “Ele perguntou a você se você queria ser a esposa dele”.
“E eu disse sim, mas com certeza um simples beijo...”, ela disse quando ele em silêncio passou o dedo polegar por cima do lábio inferior dela. Desde a guerra, ela sempre tinha temido a escuridão, e ela parecia que tinha tragado ambos quando ele cobriu sua boca com a dele.
Inclinando-se contra ele, ela enroscou os braços ao redor do pescoço dele, querendo-o mais próximo, apreciando o calor dele que chegava a ela.
Ele gemeu profundamente, e ela sentiu o peito dele contra os seios dela. Ele passou a mão pelos cabelos dela enquanto sua boca buscava a dela, com a língua sondando, buscando, fazendo com que os dedões do pé dela se contorcessem.
Ele deslizou um braço pelos joelhos dela e a ergueu contra o peito dele. Ela beijou o pescoço dele, a garganta, o queixo enquanto ele a levava para o fogo. Ela se segurou na camisa dele enquanto ele a deitava no chão e tirava o colete antes de estirar o corpo por cima do dela colando as duas bocas.
Ela podia ouvir o uivar do vento, e ao longe o gemido de um lobo, e a batida do coração dele acompanhando a dele. A vontade cresceu dentro dela, necessidades que ela nunca tinha conhecido. As linhas firmes do corpo dele se moldavam contra as curvas suaves do corpo dela. Acima do tecido do vestido e do espartilho, ele tocou no peito dela, apertando ternamente. Ela não conseguiu conter o gemido de desejo que veio à garganta e seu desejo que explodia como fogos de Quatro de julho*. Ela arqueou o corpo em retorno, querendo, precisando de algo mais íntimo.
Ele levantou a cabeça e arrastou os lábios ao longo do pescoço dela.
“Não está adiantando,” ela disse rouca.
“Eu sei”. Erguendo a cabeça, ele olhou para ela, levando as mexas de cabelo para longe da bochecha.
“Você soube que não adiantaria, que o que eu estava propondo era tolice—”.
“Não era tolice”. Uma grande ternura encheu o olhar dele. “Definitivamente não era tolice”.
“Eu preciso de mais”.
Ele levou a mão dela até os lábios e beijou a palma da mão. “Não sou eu quem deve dar mais a você”.
“Dallas dará a mim o que eu preciso?”.
“Dará mais. Ele dará a você algo muito melhor. As mulheres da vida nunca o escolhem pelo charme da companhia”.
“Elas escolhem você?”.
“Pelo dobro”. Ele mordiscou os lábios dela. “Lembre-se disso. Você terá conseguido o melhor quando se casar com Dallas. Não há necessidade de se conformar com menos antes disso”.
Ele virou o corpo e embrulhou o colete ao redor dela. Então ele pegou o cobertor, o colocou por cima dela, e a puxou para o lado dele. “Agora, vá dormir”.
Mas ela não podia dormir. Desejos não satisfeitos percorriam seu corpo. Ela observava a luz do fogo tocar na face dele, sombras douradas, matizes de âmbar. O corpo dele tinha uma tensão que rivalizava com a dela. Como ele esperava que ela dormisse quando os dedões do pé dela ainda estavam curvados, a pele formigando com o toque e o peito doendo com o desejo do toque das mãos dele? “Teria sido melhor se Dallas tivesse vindo”.
“Sim”.
Ela se virou para ele. “Esfregue as minhas costas como você fez quando eu estava doente”.
Ele abriu a palma da mão e passou os dedos pelas costas dela e começou o solitário vai-e-vem.
*N. da R.: Quatro de julho: dia da declaração da Independência dos Estados Unidos da América
“O que eu sinto quando você me beija —”
“É luxúria, apenas luxúria,” ele interrompeu.
“É por isso que você disse que qualquer mulher serviria”.
“É”.
Ela se aconchegou contra ele e se concentrou no movimento da mão, os círculos pequenos, o toque leve. Ela se imaginou deitada nos braços de Dallas, querendo seu calor, seu toque, e sua respiração perto da dela.
Mas quando ela dormiu, sonhou com Houston.
Amelia despertou com o som de um trovão e gemeu. “Não outra tempestade”.
“Não é uma tempestade, é um estouro,” Houston disse, uma urgência na voz que chegou até ela. “Levante”.
Ela se pôs de pé, a lua cheia brincando de esconde-esconde com as sombras. Ele agarrou a mão dela e a arrastou em direção a uma árvore. “O que você está fazendo?”, ela perguntou.
“Saia do chão. Agarre aquele galho”, ele ordenou enquanto a tirava do chão.
Ela fez como ele tinha instruído e subiu na árvore. “Você não vem?”, ela gritou enquanto o barulho crescia.
Ela não sabia se ele a tinha ouvido enquanto ele corria para as mulas e as livrava de suas cordas. Então ele soltou o cavalo e começou a correr de volta em direção à árvore.
O terror aumentou no coração dela quando a árvore começou a se agitar e o ar começou a reverberar ao redor dela. “Rápido!”.
Ele arremeteu em direção à árvore, agarrou um galho, e ficou em segurança no mesmo momento em que o rebanho alcançava o pequeno acampamento deles.
Amelia apertou o corpo contra a árvore quando os cavalos passaram apressados por baixo dela. A luz da lua banhava as costas dos animais, esboçando seus músculos enquanto eles se esticavam com os movimentos. As crinas balançavam com a brisa. O galope levantava poeira que apagou a fogueira do acampamento. Seus relinchos frenéticos encheram a noite.
Amelia assistiu, hipnotizada por sua beleza, seu propósito singular. O último cavalo era o que brilhava mais, com a cor da lua. Parou cambaleando, levantou as narinas, olhou ao redor, e relinchou desafiadoramente antes de continuar seguindo o rebanho.
Quando o trovejar dos cascos virou um silêncio tímido, Houston deslizou árvore abaixo. Ele levantou uma mão e esperou, como que testando a noite. Amelia podia sentir a tensão em sua postura. Lentamente, ele a segurou. “Vamos”.
Ela desceu, e ele envolveu sua cintura com as mãos. Ela podia sentir o tremor dos dedos dele, e sentia o próprio corpo tremendo. Ela caiu contra o peito dele e escutou o bater de seu coração.
“Isso foi incrível”, ela disse entre um suspiro.
“Sim, foi”, ele disse tranquilamente enquanto a levava de volta para onde tinha estado a fogueira do acampamento.
Ela se sentou no chão e o viu tentar fazer um novo fogo. “Aquele último cavalo... eu nunca tinha visto um cavalo com a cor da lua,” ela disse admirada.
“Palomino. Aquela coloração é chamada Palomino”.
“Ela era bonita”.
“Ele”.
Ela olhou para Houston. “Ele? Como você sabe?”.
“O orgulho no modo como ele andava. E o fato de ele ser o último. Esse era seu bando de éguas”.
“Eu sempre esperei que o garanhão fosse o mais rápido. Ele não conseguia nem acompanha os outros”.
Houston riu baixo. “Ele é rápido. Ele estava se colando entre as éguas e o perigo. A égua que veio na frente deveria ser sua égua favorita. Ela é a mais rápida, mais forte, provavelmente a mais esperta de sua ninhada”.
Quando o fogo começou a crepitar, ele olhou na escuridão onde os cavalos selvagens tinham desaparecido. Ela sentia uma melancolia nele, como se ele desejasse poder ter galopado junto deles.
As mulas e Sorrel tinham saído do caminho e estavam seguras. Enquanto eles perambulavam de volta para o acampamento, Houston os tinha colocado em um lugar seguro pela noite. Ele estava quieto, contemplativo quando ele se reuniu novamente a ela perto do fogo, sentou ao lado dela, e a tomou entre os braços.
“No que você está pensando?”, ela perguntou.
O abraço dele se apertou mais. “A beleza daqueles cavalos selvagens”.
“Quem você acha que é o dono deles?”.
“O campo. Eles só pertencem ao campo. Eles são selvagens e estão livres”.
“Você vai tentar capturar eles?”.
“Não, eu preciso levar você para Dallas”. A voz dele refletia luto, perda.
“Você voltará para buscar eles?”.
“Talvez. Cavalos selvagens normalmente ficam na mesma área durante algum tempo”.
“E se eles partirem antes de você voltar?”.
Ele encolheu os ombros o máximo que podia com ela dentro deles. “Haverá outros”.
Ela ergueu um cotovelo e encontrou o olhar dele. “Você disse a mim uma vez que os selvagens estão se tornando raros, e é por isso que você está criando eles. Se eu não estivesse aqui, você separaria um tempo para capturar eles?”.
“Se você não estivesse aqui, eu não estaria aqui. Eu nunca teria deixado meu lugar, nunca teria visto eles, não saberia que eles existiam... assim eu nunca teria tido eles de qualquer maneira”.
Ela sorriu e tocou no queixo áspero dele. “Mas eu estou aqui, e você sabe que eles existem. Quando você deixou o rancho e foi até Fort Worth, alguma coisa o fez diminuir a velocidade?”.
Ele enrugou a testa. “Não”.
“E na volta, nós tivemos um infortúnio—”.
Ele riu baixo. “Infortúnio?”.
“Certo. Nós tivemos uma catástrofe atrás da outra. Talvez estes cavalos sejam seu destino, a razão desta jornada estar sendo tão difícil. Eles te darão bons cavalos para criar. Como você pode partir sem pelo menos tentar capturar eles?”.
Ela achou que ele poderia empurrá-la de lado se ela não estivesse tão embrulhada dentro do colete dele.
“Nós já perdemos tempo demais”. Ele apertou o rosto dela contra o ombro dele. “Vá dormir”.
“Então eu estou agradecida por este incidente ter diminuído a nossa velocidade. Só de ter visto aqueles cavalos magníficos já valeu a pena. Você não concorda?”.
O silêncio foi sua resposta. Ela se perguntou se ele tinha desejado alguma coisa na vida, mas tinha posto de lado para favorecer os desejos de outra pessoa. O relincho do cavalo atravessou o silêncio. Através da bochecha, ela sentiu o coração de Houston bater rapidamente.
“Você acha que é ele?”, ela sussurrou.
“É”.
“E você vai deixar ele ir?”.
“Amelia”, ela ouviu a frustração na voz dele. “Eu não vou sair correndo e amarrar ele com uma corda e pronto. Capturar Cavalos selvagens do meu jeito é algo lento”.
Ela se virou por cima do cotovelo. “Como você captura eles?”.
Ele suspirou profundamente. “Eu me torno um deles”.
Um sorriso caloroso passou pelo rosto dela. “Eu adoraria ver isto”.
“Bom, você não vai. Eu preciso te levar até Dallas. Agora vá dormir”.
Ela se aconchegou de volta contra o peito dele. “Que cor você disse que ele tinha?”.
“Palomino”.
“E a primeira égua, a favorita dele era da mesma cor, não é?”.
“É”.
“E as éguas dele pareciam prateadas ao luar”.
“Elas eram prata”.
“Eles corriam incrivelmente rápido. Você já viu algum cavalo correr tão rápido?”.
Ele ficou em silêncio.
“Eu gostei do jeito como ele olhou ao redor—”.
“Você está me provocando, sabia? Eu estou tentando esquecer o que vi, e você não pára de falar deles”.
“Se você não capturar eles enquanto nós estamos aqui, você poderá perder eles para sempre”. Ela se virou novamente e embalou o queixo dele com a barba por fazer com as mãos. “Às vezes, nós só temos uma chance de realizar nossos sonhos”.
Ele passou os dedos pelo cabelo dela, segurando o rosto imóvel. “Eu não mereço ter sonhos,” ele rosnou através dos dentes trincados.
“Todo mundo merece ter um sonho. Dallas quer um filho. Se a gente ficar aqui mais alguns dias não o atrapalhará de ter o que deseja. Seu sonho é criar cavalos. Não deixe que os sonhos de Dallas se sobreponham aos seus. O seu é importante da mesma maneira. Aqueles cavalos podem fazer parte dele”. Ela colocou as mãos por cima da dele. Ele girou a palma da mão dela, entrelaçou os seus dedos com os dela, e levou a mão dela aos lábios.
“Você não sabe o que você está pedindo,” ele disse, a voz tensa.
Ela ouviu o Palomino garanhão relinchar ao longe. “Eu estou comprometida com o seu irmão, mas isso não significa que eu tenha fechado meu coração para outros sonhos. Se eu estiver com você quando você capturar os cavalos, então eu me tornarei parte do seu sonho também. E daqui a anos, quando alguém montar um magnífico Palomino será porque nós ousamos agarrar um sonho... e nós seremos lembrados”.
Houston nunca tinha considerado que seu desejo de criar cavalos fosse um sonho, mas ele supôs que fosse. Ele sempre ficava em paz quando ele trabalhava com os cavalos selvagens, talvez porque ele soubesse o que era ter a alma destruída, ser abatido, ser deixado para trás e se sentir sem valor. Como resultado, ele trabalhava duro para não destruir o espírito do cavalo.
Alguns cavalos, como o cavalo selvagem preto que Dallas tinha tentado amansar, simplesmente não podia ser amansado. Ele era muito orgulhoso ou muito teimoso, exatamente como o irmão mais velho dele era. Ele percebeu que o pai tinha reconhecido esta característica teimosa em Dallas e percebido que ele não poderia ser adestrado assim ele nunca tentaria submetê-lo às suas vontades. Ele o aceitou como era.
Com Houston, entretanto, tinha sido outra história. Ele teria alegremente dado a vida se apenas uma vez só o pai o tivesse olhado com orgulho refletindo nos olhos, entretanto ele teve que admitir que ele provavelmente nunca tinha dado ao pai nenhum motivo para que sentisse orgulho dele.
Ele deu uma olhada rápida no cercado pequeno. Os cavalos selvagens poderiam beber na lagoa do canto e descansar depois da perseguição até que ele estivesse pronto para tirá-los. Ele não teria corda suficiente para levar todos, mas ele levaria o melhor. O garanhão, sua égua favorita, e qualquer outro que ele achasse que valesse a pena. Os cavalos restantes ele deixaria livre.
Enxugando a testa, ele observou a mulher que queria ser parte de seu sonho, seus dedos ágeis desenrolando uma corda grossa para que assim ele pudesse enrolar as cordas em torno dos galhos de árvore que ele tinha juntado. Ele não ousou dizer a ela que ela já pertencia aos sonhos dele, não ousou falar dos sonhos que ele tinha tido naquela noite em que a teve nos braços, não ousou falar daqueles sonhos que nunca se tornariam realidade.
Ele nunca acordaria com ela em sua cama. Ele não envelheceria segurando a mão dela. Ele nunca veria os olhos dela se escurecerem com paixão. Ele nunca diria a ela que a amava.
Ele podia apenas desejar que os sonhos de Dallas se estendessem além de ter um filho com Amélia depois que a encontrasse. Que ele gostasse dela tanto quanto ele gostava.
Ele não achava que Dallas conseguiria não se apaixonar por Amelia. A coragem dela seria atraente para o irmão. Houston a tinha arrastado por três semanas num inferno, e ela não tinha reclamado nenhuma vez. Ela seria uma maravilhosa esposa para Dallas.
Agachando, ele começou a juntar os galhos firmes um sobre o outro até que eles ficaram parecidos com um tabuleiro de damas. Quando Amélia concluísse a tarefa, ele amarraria os galhos firmemente juntos nas quinas onde eles se encontravam para formar um “T”. A entrada do vale era pequena o suficiente para que sua porta improvisada o fechasse. Ele seguraria um lado do portão e Amelia conseguiria facilmente puxar o material improvisado e bloquear a entrada do cercado quando ele trouxesse os cavalos. Ele era provavelmente insano por tentar capturar cavalos com os poucos mantimentos que tinha e com uma mulher ao lado. Austin tinha estado com ele anteriormente quando ele tinha capturado cavalos selvagens, ficando no perímetro enquanto Houston se infiltrava no rebanho. Ele não tinha esse luxo dessa vez. Ele poderia deixar Amelia se defender pois achava que ela era capaz, mas o tempo estava correndo. Ele só a teria por mais um pouco de tempo... e então ele não a teria mais.
O amanhecer chegou. Amelia dormiu pouco, a possibilidade de ver os cavalos correr para o cercado a enchendo com excitação.
Houston tinha apagado o fogo assim que eles tinham terminado o café da manhã. Ela o via agora enquanto ele andava pelo acampamento se preparando para partir, sua ansiedade crescente. Ele tinha colocado um cabresto de corda que tinha adaptado em Sorrel. Ele tirou as botas e meias antes de puxar a camisa por cima da cabeça e colocou-a em cima do colete.
Ele se virou para ela, e ela fechou os dedos das mãos para preveni-los de tentarem alcançar tocar os contornos endurecidos do corpo dele. “Quanto tempo você acha que vai demorar?”.
“Não muito. Hoje, eu só preciso achar eles”. Ele caminhou através da pequena distância que os separava e tomou a mão dela. “Nós precisamos conversar”.
A respiração dela ficou presa. Naquele momento, ela precisava de um beijo. Deus, como ela precisava de um beijo. Ela lutou para manter o olhar fixo no dele, as mãos queriam se arrastar ao longo das cicatrizes do ombro e peito dele. Ela lambeu os lábios.
“Eu quero que você venha comigo, mas eu preciso que você entenda o que eu estou pedindo. Eu estou deixando todas as minhas coisas aqui: meu revólver, minha calça comprida, e meu cantil. Eu quero que os cavalos selvagens se me acostumem com o meu cheiro; Quanto menos eu tiver, com menos coisas eles terão de se acostumar. Eu ficarei com eles até que eles confiem em mim o suficiente para me seguirem. Eu escaparei de noite para procurar comida e água. Eu irei dormir quando eles forem. Se eles começarem um estouro... eu farei de tudo que puder para te proteger, mas poderá não ser o suficiente”. Ele soltou a mão dela e começou a andar. “Droga, essa é uma idéia estúpida. Eu não posso te deixar e não posso te levar comigo. Eu não sei o que estava pensando. Eu não estava pensando. Se Dallas souber no que eu estava pensando, ele vai arrancar o meu couro”.
“Eu quero ir”.
Ele parou de andar e olhou fixamente para ela. “Isto não é nenhum passeio de carruagem de luxo”.
Ela se abraçou para afastar a excitação que a levaria às nuvens. “Nós vamos montar com o rebanho? Nos tornar parte do rebanho? Isto é algo que poderei compartilhar com meus netos”. Ela se sentou no chão e começou a tirar os sapatos. Ele se ajoelhou ao lado dela, colocado o pé dela no colo, e a ajudou a tirar o sapato.
“Se algo acontecer—”.
“Nada vai acontecer”. Ela desejou e cuidadosamente colocou os sapatos ao lado das botas dele; o ato não podia ter sido mais íntimo mesmo que ela o tivesse feito em um quarto onde só estivessem os dois. Ela arrancou o chapéu.
“Fique de chapéu,” ele ordenou.
Ela se virou. Ele já tinha montado Sorrel. “Provavelmente não vamos achar muita sombra”.
Ela colocou o chapéu no lugar, agradecido por ele não querer que ela o deixasse para trás. Ela teria odiado que um guaxinim o levasse para longe.
“Suba naquela pedra,” ele disse.
Ele moveu o cavalo para perto da pedra e ofereceu a mão. Ela deslizou a mão por cima da dele, usando o braço como alavanca enquanto ela lançava uma perna por cima do cavalo e subia. Ela envolveu o peito nu dele com os braços e apertou o rosto contra as costas largas dele.
O mundo pareceu mais bonito do que na véspera; as folhas estavam começando a ficar douradas e a atmosfera prometia que o frio iria retornar. Eles tinham montado várias horas em silêncio, Houston tinha estudando o chão e o terreno. Ela facilmente poderia dormir usando as costas dele como travesseiro. Ela se perguntava se Dallas teria as costas tão largas, tão lisas, tão quentes.
Houston esticou o pescoço e parou o cavalo. “Eles estão ali”.
Inclinando-se para o lado, ela olhou ao redor. Os cavalos selvagens pastavam ao ar livre.
Houston levou Sorrel adiante. Amelia estava certa de que o bater do coração dela espantaria os cavalos para longe. Eles se aproximaram do rebanho. O garanhão ergueu a cabeça, os olhou cautelosamente, relinchou alto, e saiu em galope. As éguas rapidamente começaram a correr, as crinas prateadas balançando com o vento, o rabo erguido no ar.
Amelia lamentou. “Eles foram embora”.
Houston passou a perna por cima da cabeça do cavalo e foi para o chão. Levantando as mãos, ele as colocou na cintura dela e a levou para o chão. “Já esperava, é a primeira vez. Foi por isso que eu disse que hoje não demoraria muito”.
“Por que você não foi atrás deles?”.
“Eles apenas teriam corrido mais rápido. É o jeito deles; Eles vão voltar. E quando eles votarem, nós estaremos esperando”.
“Quanto tempo vai demorar para eles nos aceitarem?”.
“Difícil dizer”.
Ele deslizou o braço ao redor dela, e, em um gesto que parecia tão natural quanto respirar, ela se debruçou contra ele, esperando pela promessa do sonho dele retornar.
Por vários dias, eles acharam o rebanho, caminharam até ele, e viam os cavalos irem para longe, mas a cada dia os cavalos selvagens corriam menos e mais devagar. No quarto dia, eles não correram mais.
Houston sentiu os braços de Amelia o abraçarem pelas costas enquanto ele guiava Sorrel para o meio do rebanho. O Palomino garanhão os olhou cautelosamente, lentamente se aproximou, cheirou Sorrel, cheirou a perna de Houston. Houston achou que ele poderia sentir Amelia prendendo a respiração contra as costas dele. Como ele desejava poder se virar e olhar para ela. Ele imaginou os olhos verdes dela brilhando, os lábios curvados formando um sorriso.
Quando o garanhão determinou que eles não eram uma ameaça, ele agitou a cabeça, fez a longa juba de prata longa ondular por cima do pescoço e saiu andando como se dissesse, “Faça como quiser”.
E foi o que Houston fez. Ele andou com o cavalo pelo rebanho, estudando cada cavalo, julgando suas qualidades. Ele capturaria todos, mas só ficaria com o melhor. Ele não tinha corda suficiente para amarrar todos.
A outra coisa que ele sentia falta eram as perguntas de Amelia. Ela se mantinha silenciosa, e ele queria ouvir a voz dela. Ele tinha a impressão de que tudo ficaria muito mais silencioso depois que ela tivesse ido.
Amelia perdeu a conta de quantos dias eles tinham viajado com os cavalos selvagens. O alcance deles tinha coberto uma distância considerável, mas ela não teria se importado se eles galopassem para sempre em direção ao amanhecer. Ela amava sentir o cavalo embaixo dela, o homem na frente dela e também gostou quando o rebanho sentia o perigo e corria. Ela amava os sons da noite quando os cavalos selvagens tinham se acostumados com eles. Houston a traria para mais perto, e ela dormiria nos braços dele. Às vezes, eles conversavam baixinho sobre os cavalos, sobre quais eles preferiam. Ou eles conversavam sobre os momentos durante o dia quando eles não tinham falado, mas cada um sentia que os pensamentos do outro iam para as mesmas conclusões.
Ela soube antes de ele dizer que ele preferia a égua principal do garanhão acima de todos os outros. Ela sabia que ele a usaria como a progenitora de seu próprio rebanho. Ela sabia que ele a domaria.
E ela soube nas horas antes do amanhecer quando ele quietamente levou Sorrel para longe do rebanho e a levou para a pequena entrada do vale que ela tinha se apaixonado por ele.
“Eu não entendo por que não posso ficar com você”.
Fechando as mãos em formato de concha, ele trouxe a água da pequena lagoa até os lábios e bebeu. “Porque eu vou montar e levar eles para o cercado e preciso que alguém feche o portão depois que eu tiver passado com eles”.
“E se eles não te seguirem?”.
Ele ficou de pé e secou as mãos na calça comprida. “Então eu terei que perseguir eles e amarrar aqueles que nós queremos. Nós já perdemos tempo suficiente com isso”.
Ela o envolveu com os braços. “Eu não entendo como você pode olhar para os dias que passaram como perdendo alguma coisa. Foi a experiência mais incrível da minha vida”.
Ele passou o dedo junto ao queixo dela. “Eu não quis dizer isto, mas há alguém esperando por você. Eu preciso te levar até ele”.
Ele andou a passos largos até o cavalo e montou. “Fique atrás do arbusto até que você me ouça gritar. Então comece a fechar o portão. Eu virei te ajudar o mais rápido que puder”.
Ela se sentou em cima de uma pedra e esperou. Ela viu o sol descer através da linha do horizonte e sentiu a solidão crescer. Uma pessoa podia amar mais do que uma vez na vida, amar uma pessoa assim tão profundamente, com tanta força?
Dallas tinha respondido o anúncio dela; Ela tinha dado a ele sua palavra de que se casaria com ele. Ela tinha uma obrigação a cumprir, mas ela imaginava que no futuro, junto com suas crianças ao redor, ela diria a eles como ela tinha ajudado o tio deles a capturar o início de seu sonho.
Ela ouviu o bater dos cascos, sentiu o chão vibrar. Ela pulou para trás do arbusto e esperou. O rebanho surgiu, trovejando através das planícies, suas cabeças jogadas para trás, o rabo levantado, os músculos macios e lustrosos se estendendo enquanto eles se apressavam em direção ao seu destino.
Vindo atrás, os guiando, mantendo-os em curso, estava Houston, abaixado no cavalo, com o vento batendo no cabelo, o suor brilhando no corpo. Ela acreditava que mesmo que vivesse cem anos, ela nunca veria algo mais magnífico.
Respirando pesadamente, os pelos brilhando com o esforço, os Cavalos selvagens galopavam no pequeno vale, rumo à lagoa. Ela ouviu Houston chamar o nome dela enquanto passou rugindo.
Ela saiu detrás do arbusto e começou a empurrar o portão de galhos e cordas. Então ele estava ao lado dela, empurrando-os para dentro do vale. Ele se apressou, a agarrou pela cintura, e a levou para o lado. “Não sei se vai segurar eles,” ele disse enquanto a soltava.
O garanhão foi o primeiro a notar que eles estavam presos. Ele se empinou e correu em direção ao portão de galhos de árvore mas parou pouco antes de bater nele. Ele trotou de um lado para outro. Amelia quase podia sentir sua raiva.
“Eu tenho a impressão de que ele é um cavalo que você não gostaria de aborrecer,” ela disse.
“É”. Houston buscou algo no meio dos pertences, achou uma camisa e a colocou por cima da cabeça. “Eu podia castrá-lo. Ele não ficaria tão animado então”.
Amelia disse tímida. “Você não vai, vai?”.
“Não. Ele não seria útil para mim”. Ele caminhou até o portão e apoiou a mão. O garanhão bufou e trotou através das sombras finais da manhã.
“O que foi?”, ela perguntou.
“Nós daremos a eles um dia para se acalmar, então nós escolheremos aqueles que queremos e iremos embora”.
Amelia começou a apreciar a aproximação da escuridão, a chegada da noite. Houston nunca tinha falado seus pensamentos ou sentimentos, mas ela achava que ele apreciava a noite tanto quanto ela.
Eles raramente falavam durante o dia, mas de noite, depois que comiam, depois que ele fazia o fogo e a aninhava nos braços dele, eles conversavam tranquilamente sobre o passado, o presente, mas nunca sobre o futuro.
Naqueles momentos tranqüilos ela começou a conhecer mais o homem com quem iria se casar. Houston se sentia mais confortável falando sobre o irmão do que sobre si mesmo, mas ela gostava mais dos momentos em que a história falava sobre ele.
Ela aprendeu que Dallas era o filho favorito, embora Houston nunca tivesse admitido isto. Através do calor da voz quando ele falava da mãe, ela sabia que Houston tinha adorado a mulher que o tinha trazido ao mundo.
Ela guardava as histórias que ele contava a ela como um pão-duro que cata moedinhas, peneirando as palavras, procurando por todas as chaves que destrancariam os mistérios dele.
Houston tinha perdido o número de dias que eles tinham viajado, mas toda noite quando ele tinha Amelia nos braços na hora de dormir, ele travava uma batalha com sua consciência, tentando justificar o que fazia. Ele podia tê-la levado até o rancho e retornado para pegar os cavalos selvagens. Ele deveria tê-la levado para o rancho.
Mas, droga, ele a queria com ele, compartilhar a captura, queria que ela aprendesse sobre os cavalos com ele, que ela fizesse parte de uma parte dos sonhos dele.
Quando ele a levasse para Dallas, ela começaria a viver seu próprio sonho, e ele não teria nenhum lugar nele.
Ele parou a mula. A montaria de Amelia parou, junto com os cavalos selvagens que trazia a reboque. Eles concordaram em trazer oito. Um era fraquinho e ele acreditava que não seria muito útil, mas a mulher ao lado dele tinha medo de que ele não sobrevivesse sozinho quando eles soltassem os cavalos sem o garanhão e sua égua favorita para guiá-los. Então ele tinha mantido a frágil criatura, sabendo que em seu mundo não havia lugar não havia lugar para coisas gentis.
As sombras começavam a se prolongar mas eles ainda tinham bastante luz do dia sobrando, então eles partiram. Ele levou o bando para a o monte à esquerda, confiando que todo mundo o seguisse.
Com espanto, Amelia olhou fixamente para a pequena fonte. Três cachoeiras, cada uma mais alta do que um homem, a água caía por cima das pedras cheias de musgo, cobertas com arbustos, se fundindo na lagoa larga. Os cavalos andaram na água clara.
Ao lado dela, Houston se agachou, remexeu na água próxima à extremidade do banco e imergiu a palma da mão abaixo da superfície. “Está mais fria do que eu tinha pensado”.
A voz dele refletia decepção, e ele deu uma olhada rápida nela. “Achei que você iria gostar de nadar... mas está muito frio”.
Ela se ajoelhou ao lado dele e colocou os dedos na água. “Quando eu era pequena, costumava correr e me esconder quando minha mãe dizia a Dulce para preparar meu banho. Eu achava que seria maravilhoso nunca ter que tomar banho, ficar tão suja quanto eu quisesse, e que ninguém ligasse”. Ela colocou a mão no espartilho. “Eu nunca me senti tão imunda em toda minha vida. Eu fico surpresa de que você consiga ficar tão perto de mim”. “Meu cheiro não é assim tão bom quando eu não tomo um banho”.
“Eu acho que os cavalos estão cheirando melhor do que a gente”. Ele concordou com a cabeça devagar. Ela colocou a mão na água. “Não fica assim tão frio depois que se acostuma com ela”.
Ela olha a lagoa. “Você acha que há cobras por aqui?“.
“Eu nunca vi, mas é melhor eu dar uma olhada primeiro”.
Enquanto ele olhava os contornos da lagoa, ela tirou os sapatos, com os dedos tremendo somente com o pensamento de uma serpente cravando as presas nela novamente. Ela respirou fundo, tentando acalmar a respiração, determinada a não deixar que o modo guiasse sua vida.
“Pense que você ficará bem. Eu vou juntar alguma madeira, e farei fogo. Você pode ir andando. Grite se você vir qualquer coisa”.
Ele foi embora. Ela não se importava se a água estava fria. Eles tinham viajado por dias vendo pequenos fluxos rasos de água que não molhavam nem o dedão do pé. Ela queria um banho morno em uma tina de madeira grande, mas ela tinha de se conformar com esta fonte fria.
Ela colocou o chapéu em cima de uma pedra e tirou as roupas sem pensar em olhar por cima do ombro. Houston estava sentando por cima de uma pilha de madeira, olhando para ela. Ele deu uma olhada ao redor até que virou as costas para ela.
Depois de tudo que eles tinham passado, tirar as roupas na frente dele parecia natural. Ela andou pelas águas que se agitaram.
Houston ficou de pé e andou através da clareira. Rindo, Amelia ofereceu as mãos para ele. “Não, está tão frio”.
Ele parou. “Não fique gritando assim. Você quase fez meu coração parar de bater”.
Tensa, segurando a respiração, ela afundou na água. Subiu rindo e balbuciando. “N-não é tão ruim depois q-que você e acostuma. Venha para cá”.
Ele olhava como se ela tivesse dado um soco no estômago dele. Ela deu uma olhada rápida para baixo. O linho branco estava agarrado no corpo dela, esboçando as curvas, mostrando as formas do corpo. Ela entrou na água, dando boas-vindas ao frio. “Venha se juntar a mim,” ela suavemente repetiu.
“Meu Deus, mulher, você está louca?”.
“Talvez eu esteja, viajando por todo o país para me casar com um homem que eu apenas conheço por cartas. Viajar através do Texas com um homem que eu não conhecia. Você podia ter se aproveitado de mim e não o fez. Eu não acho que você vai fazer isso agora”. Ela pendeu a cabeça para o lado. “É muito bom tirar a poeira”.
Houston sabia que seu corpo precisava se acalmar... Nada bom. Ele jogou o colete no chão e puxou a camisa por sobre a cabeça. Ele se abaixou para tirar as botas e meias. Se o corpo dele não gostasse tanto da visão do corpo dela, tiraria a calça. Do jeito como as coisas estavam, ele estava se complicando, ele se encolheu com o frio que vazada através da sua roupa que restava. “Quanto tempo vai levar para eu me acostumar com o frio?”, ele disse brincalhão.
Ela riu. Deus, como ele amava a risada dela. Ele amava o brilho dos olhos, o modo como os lábios se curvavam para cima.
Ela espirrou água nele. Ele não pôde evitar de responder, com medo de que se envolvesse aquele corpo liso com os braços, a puxaria contra si e nunca a deixaria ir. Em vez disso, ele se sentou na parte arenosa inferior do rio e se debruçou contra uma pedra, permitindo que a água fria batesse nele, lutando em uma batalha perdida, tentando não notar que o algodão branco estava colado contra a pela dela.
Ela virou a cabeça para trás, com a garganta parecendo uma coluna curva de marfim. Ele gostaria de dar uma dúzia de beijos da ponta do queixo dela até o final do pescoço.
“Às vezes, eu desejo que esta viagem nunca acabe”, ela disse com um tom sonhador. Ela baixou o olhar que encontrou o dele. “Mas ela vai terminar, não é?”.
“Sim, vai”.
Ela deslizou pela água até que se aproximou dele. “E tudo que eu terei são as memórias do tempo que nós compartilhamos,” ela disse suavemente.
Um calor começou a fluir pelo corpo dele por causa da proximidade dela. Ele ficou surpreso pela água que o cercava não emitir fumaça. “Nós provavelmente deveríamos sair agora,” ele sugeriu enquanto começava a se levantar.
Ela colocou a mão no ombro nu dele, e ele afundou os ombros na água. “Amelia—”.
“Eu não queria fazer você ficar sem-graça,” ela disse.
“Eu não estou sem-graça. É só que de vez em quando nós começamos a seguir por estradas que nós não deveríamos, e eu acabei de perceber que você estava começando a querer viajar por uma dessas estradas”.
“Porque eu apreciei o tempo que eu tenho estado com você?”.
Ele concordou com a cabeça.
“No primeiro dia em que eu me encontrei com você, eu achava que esta seria a viagem mais longa da minha vida. Eu nunca pensei que acumularia estes momentos com você como se eles fossem ouro”. Ela apertou o dedo contra os lábios dele antes que ele pudesse protestar. “Você sabe qual foi o meu momento favorito?”.
Ele negou com a cabeça, com o olhar fixo no brilho dos olhos dela.
“Depois que nós cruzamos o rio com a Sorrel, antes de você retornar ao outro lado com a carroça... você sorriu”.
Ele fez uma careta. “Mulher, você deve estar quase cega. Se isso tivesse parecido com o que eu sentia, você deveria ter tido pesadelos”.
“Eu podia te mostrar meu espelho—”.
“Não”. Ele afundou mais fundo na água. “Eu não gosto de espelhos”.
“As suas cicatrizes não são tão ruins assim”.
“Não tem nada a ver com as minhas cicatrizes”. Que droga, por que ele estava se explicando? Não hoje à noite, não quando seu tempo junto a ela estava acabando.
Ela suspirou com força. “Eu admito que o lado esquerdo não subiu tanto quanto o lado direito, mas ainda assim eu gostei do seu sorriso”. Ela tocou com a ponta do dedo o canto de sua boca. “Sorria para mim novamente”.
Ele apertou os lábios.
Ela colocou os dedos polegares em cada canto da boca áspera. Ele deu um pulo para trás. “Eu não consigo sorrir se estiver pensando nisto”.
“Então não pense nisto”.
Ela foi para trás, pegou um pouco de água e jogou nele.
“Não faça isto,” ele ordenou.
Ela sorriu travessa. “Por quê?”, ela jogou água nele novamente.
“Porque eu disse que não, é só”.
“Oh, eu estou assustada,” ela o provocou enquanto respingou água nele novamente.
“Se não parar, você vai ver”, ele ameaçou.
Ela riu então, riu alto e claro, o som melodioso ecoando em torno das quedas da água. Ele provavelmente nunca saberia o que tinha acontecido com ele, mas ele foi até ela, a agarrou pela cintura, e a levou para baixo da água.
Quando ele a trouxe para cima, os braços e pernas dela estavam ao redor dele. Ela tirou o cabelo dos olhos e riu. “Eu ainda não estou assustada”.
Ele não podia mais se segurar. O riso dele se juntou ao dela e flutuou junto com a brisa. Profunda e forte. O som o atingiu, e ele ficou mudo.
Amelia tocou na bochecha dele. “Você nunca riu antes,” ela declarou simplesmente.
“Sendo já um homem, não consigo me lembrar”.
Lágrimas brotaram nos olhos dela. “Eu acho isso incrivelmente triste”.
Ele a colocou de lado e ficou de pé. “É hora de sair e se esquentar”.
Mas ele podia ainda ouvir o próprio riso ecoando entre as quedas da água, e foi tudo o que ele pôde fazer para não lamentar por si mesmo.
Embrulhando-se em um cobertor, Amelia se sentou ao lado do crepitar do fogo usando seu justilho e a saia úmida. As roupas de baixo estavam encharcadas e estiradas em cima de uma pedra para secar.
A noite pairava ao redor dela. Um milhão de estrelas brilhava. Ela podia ouvir as cachoeiras, o som do salto ocasional de um peixe, rãs coaxando, e o silêncio de seu companheiro que olhava o fogo, com a testa enrugada. Ela se perguntou aonde iam os pensamentos dele esta noite.
Baseada na profundidade das rugas, ela tinha a impressão de que ele estava pensando na guerra que ele tinha sobrevivido que tinha roubado uma parte de sua visão, seus sorrisos e seu riso.
“Um centavo pelos seus pensamentos,” ela disse baixinho.
Ele deu uma olhada rápida nela. “Eles não valem tanto”.
“Então diga para mim”.
Um canto da boca de Houston se entortou para cima e um calor percorreu o corpo dela. Ela tinha dado a ele, por menor que fosse, um sorriso que ela desejava que um dia iluminasse a vida dele.
“Até quando você não está fazendo perguntas, você está fazendo perguntas,” ele disse.
“Você não gosta de perguntas”.
“Não me importo com perguntas. O que eu não gosto muito é de responder”.
Ela chegou mais próximo dele. Ele há muito tempo tinha parado de cobrir o rosto. Ela não podia imaginá-lo mais perfeito do que ele já era naquele momento. Nem poderia imaginá-lo fazendo alguma pergunta a ela, uma pergunta que fosse de sua livre e espontânea vontade. “Jogue comigo”.
“O tabuleiro de xadrez está em alguma parte do rio”.
“Eu conheço um jogo que não usa um tabuleiro. Um jogo realmente simples. Eu costumava jogar com as minhas irmãs. As regras são fáceis. Você decide se quer responder as perguntas com sinceridade ou se quer a conseqüência. Eu farei as perguntas ou agüentar as conseqüências”. Ela sorriu docemente. “A pergunta será algo que você não iria querer responder; e a conseqüência será algo que o assustará”.
O horror surgiu nos olhos dele. “Você chama isso de jogo?”.
Ela deu um tapinha no ombro dele. “É divertido. Nós sempre acabamos rindo. Você quer responder uma pergunta ou agüentar uma conseqüência?”.
“Nenhuma das duas. Vou dormir”.
Ela colocou a mão na coxa dele, fazendo com que ele parasse os movimentos. “Me alegre. Eu serei a primeira. Faça uma pergunta para mim”.
“Por que você é tão viciada em perguntas?”.
“Oh, é fácil. É o melhor caminho para descobrir informações. Agora você quer responder a uma pergunta ou vai querer uma conseqüência?”.
Ele olhou para ela como se ela tivesse libertado os cavalos favoritos dele. “Isso não foi justo”.
Ela lutou contra o desejo de rir quando percebeu que ele realmente iria jogar. “Você tem que escolher suas perguntas com cuidado”.
Ele estreitou o olhar. “Eu farei uma pergunta”.
“Provavelmente será algo que você não queira responder”.
“Eu não quero responder nenhuma”.
“Tudo bem”. Ela sentou, colocou o cotovelo na coxa, o queixo na palma da mão, e estudou o homem carrancudo, perguntando-se o que ela poderia perguntar que seria um desafio mas que não o afugentaria. “Quando você grita durante o sono, você está sonhando com a guerra?”.
“Um sonho é algo que você quer. Não, eu não sonho com a guerra”. Ele olhou em direção ao fogo. “Mas está lá na minha cabeça quando eu vou dormir”. Ele voltou o olhar para ela novamente. “Isto certamente não se parece com nenhum jogo que eu já tenha jogado”.
“Quando foi a última vez que você jogou alguma coisa... sem contar o jogo de xadrez?”.
“Quantas perguntas você pode fazer?”.
Ela sorriu. “Você está certo. Sua vez. Eu responderei uma pergunta”.
“Qualquer pergunta?”.
“Qualquer pergunta”.
Houston se esticou ao lado dela e passou o dedo pelo chão. Ele podia perguntar a ela qualquer coisa e ela responderia. Talvez ela teria desde o princípio, mas fazer perguntas era tão estranho para ele quanto pedir desculpas como ele tinha feito uma vez. Ele não queria ficar perguntando muitas coisas, mas ele não conseguia pensar em qualquer outra coisa para perguntar. “Às vezes, você choraminga durante o sono. Com o que você está sonhando?”.
“Minhas irmãs... como eles estavam da última vez que as vi”.
“Eu devia ter percebido”.
“Eu não sonho tanto com elas desde a tempestade, desde que eu disse a você sobre eles. E mais frequentemente quando eu sonho com eles, eu vejo como eles eram antes da guerra... quando nós jogávamos jogos como este. Ainda machuca pensar nelas, mas é algo diferente. Como uma dor boa”.
“Isso não faz qualquer sentido. O que exatamente é uma dor boa?”.
Ela levantou um dedo. “Uma pergunta. Diga a verdade ou agüente as conseqüências”.
“Vou ousar, eu acho. Já respondi várias perguntas.
Ela se sentou ao lado dele. “Beije-me como se eu não tive nenhum contrato que me ligasse a outro”.
“Você não quer isto”.
“Está com medo?”.
Maldição, sim, ele estava com medo. Com medo de que esquecesse que ela estava destinada ao irmão. Com medo de que ele não achasse forças para manter o rumo pela manha. Medo de que ela tocasse a parte dele que ansiava pela suavidade dela até que ele não pudesse mais ignorar. “Solte seu cabelo,” ele disse cortante.
Ela se sentou e soltou a trança longa até depois os ombros. Agilmente os dedos deixaram as mexas livre. A luz do fogo deixava um brilho vermelho por cima dos cachos dourados, cada mexa parecendo ter vida própria enquanto se enrolava por cima do ombro, circulando a curva do seio, e arrastando até a cintura.
Era o jogo dela, as regras dela. Ele sempre teria medo de que não pudesse seguir as regras ou se perder durante o caminho. Ela passou a língua por cima dos lábios, uma mulher que ele tinha conhecido inocente transformada em uma sedutora. Levantado um cotovelo, ele passou os dedos pelo cabelo dela e desceu a boca até a dela.
Ela soltou um som, mais um miado do que um gemido, os lábios se abrindo ligeiramente em um convite. Ela não teria que pedir duas vezes.
Rolando por cima dela, ele deslizou a língua em sua boca e apreciou o gosto do céu.
Amelia ignorou o chão duro debaixo dela, e deu boas-vindas ao homem firme em cima dela. Seu beijo quente fez com que os dedões do pé dela se contorcessem enquanto ela esfregou o pé junto à canela dele. Gemendo, ele deslizou o joelho por entre as coxas dela, e ela se arqueou contra ele.
Ele separou sua boca da dela, a respiração difícil enquanto ele encostava a face áspera contra a bochecha sedosa dela. “Não faça isto”.
“Por quê?”.
“Só não faça,” ele disse firme enquanto colava as bocas novamente.
Ela pensou que a boca quente dele poderia devorá-la, e ela não se importava. Ela tinha abraçado os sonhos de Dallas, mas agora ela queria mais. Ela queria amor; Ela queria sentir o nascer do sol em um beijo, o brilho de uma lua cheia em um toque, o calor do fogo em uma carícia.
A boca vagava gentilmente, mas o toque os dedos ficou mais firme.
“Deus, como quero tocar você,” ele disse com uma voz rouca enquanto arrastava a boca ao longo do pescoço dela.
“Então faça”.
Ele riu baixo. “Mulher, você não sabe o que está dizendo”.
“Mas eu sei o que eu preciso. Eu preciso do seu toque”.
Houston ficou de pé, foi até a fonte, e se debruçou contra uma pedra. “Você não sabe de nada. Se eu tocar em você do modo que eu quero, eu destruirei todos os sonhos que você veio aqui para construir”.
“Nós poderíamos construir novos sonhos juntos”.
Ele agitou sua cabeça, recusando reconhecer a esperança na voz dela. “Você veio aqui para começar uma vida nova. Dallas pode dar isto a você”.
Ela se sentou. “Você pode me dar isto”.
“Não pode ser eu. Dallas pediu a você, droga. Ele construiu uma casa enorme para você e até mudou a marca. Ele pode dar a você tudo o que eu não posso, todas as coisas que você merece, tudo o que eu queria que você tivesse. Eu só posso te dar trapos, solidão e pesadelos”.
Amelia empacotou as roupas úmidas e as colocou na sacola de viagem. O amanhecer tinha sido claro e deveria estar cheio de alegria e não de desespero. Ela tinha estado dentro dos braços de Houston, mas ele de alguma maneira tinha se distanciado dela. Ela não estava nem certa se ele tinha dormido.
Ele agitou o cobertor, colocou-o por sobre o fogo e então o retirou depressa de cima do fogo, sacudindo-o para trás. A fumaça preta subiu espiralando no ar. Ele repetiu os movimentos.
“O que você está fazendo?”, ela perguntou.
“Fazendo que Dallas saiba que nós estamos aqui”.
O coração de Amelia bateu forte contra as costelas. “Nós estamos assim tão perto?”.
Ele se levantou de um salto, cruzou o pequeno espaço que os separava, e tocou a palma áspera contra a bochecha dela, segurando seu olhar. “Nós estamos bem próximos”.
“Ontem à noite foi um adeus?”.
“Eu acho que sim. Eu não consegui pensar nas palavras certas para dizer. Você merece palavras mais bonitas do que eu posso te dar”.
Passando ao lado dela, ele pegou os cantis, caminhou até a fonte, e começou a enchê-los.
Como se ela estivesse dentro de um sonho, Amelia caminhou para a fonte e se ajoelhou do lado esquerdo dele, para mostrar que ela não se importava com as cicatrizes ou o fato de ele ser defeituoso. “Eu amo você”.
Ele continuou a tarefa como se ela não tivesse dito nada. Talvez fosse melhor assim. Se ele tivesse reconhecido os sentimentos dela, ela poderia achar mais difícil de honrar o contrato que tinha assinado.
“Houston?”, ela colocou a mão no braço dele.
Ele se virou, encontrando o olhar dela, a expressão sombria. Ela estendeu o chapéu na direção dele. “Você vai querer isto de volta”.
Ele pegou o chapéu que ela oferecia, mas não o colocou sobre a cabeça. “Sim, eu acho que irei”.
Como o toque de uma pluma, ela tocou as cicatrizes dele. Ele ficou tão parado quanto uma pedra. Se ele não aceitasse a declaração de amor dela, ela daria a ele algo mais fácil de aceitar, uma outra versão da verdade.
“Quando eu comecei esta jornada, eu gostava do Dallas,” ela disse baixinho. “E ainda gosto. Só que eu comecei a gostar mais de você”.
“Isto é porque você tem estado comigo durante algum tempo. Assim que você ficar um tempo com Dallas, seus sentimentos voltarão para o que eram”.
“E se eles não mudarem?”.
“Eu te levo de volta para Geórgia”.
Ela negou com a cabeça com força. “Eu não quero voltar para Geórgia”.
“Então dê uma chance a Dallas”.
“Você não gosta mesmo de mim?”.
Ele tocou a bochecha dela com os nós dos dedos. “Muito mais do que eu tenho direito”.
Houston viu a nuvem de pó cinza ondulando ao longe, os cavaleiros brilhando contra o sol da tarde. Se ele não estivesse nas terras de Dallas ele teria sentido um pouco de pânico, mas ele estava certo de que Dallas teria colocado seus homens para patrulhar a área onde ele esperava que eles estivessem vindo. Além disso, ele reconheceu o chapéu preto de aba larga que era a marca registrada do irmão, um pedido especial na fábrica de Stetson na Filadélfia. Ele não conhecia qualquer outro homem nas redondezas que tivesse um chapéu com a borda tão larga.
Ele parou a mula. Desejou que tivesse tido tempo para domesticar um dos cavalos selvagens, mas seu método de domesticar um cavalo era mais lento do que seu método de capturá-los. Ele não apreciava o fato de encontrar o irmão estando montado em uma mula. Ele quase bufou pela hora estranha em que seu orgulho apareceu. Orgulho. O pai tinha sido o primeiro a tirar isso dele. Então a guerra o tinha enterrado em um sepulcro bem fundo.
Amelia parou Sorrel de uma forma graciosa. Houston não pôde deixar de ter um momento de prazer próprio, ao observá-la por baixo das sombras de seu chapéu. Ela era uma ótima amazona e até onde ele acreditava, seria uma boa esposa. Ela faria Dallas orgulhoso.
“Por que nós estamos parando?”, ela perguntou.
Houston soltou o cantil da sela e deu para ela. “Cavaleiros”.
Ela colocou as mãos sobre a testa para olhar para eles. Ele pensou em uma centena de coisas que deveria dizer a ela neste momento antes que saísse do lado dele para nunca mais retornar.
Mas ele manteve o silêncio porque era mais fácil, muito mais fácil. Ou pelo menos deveria ter sido mais fácil. Pela primeira vez em sua vida pegar o caminho fácil parecia o mais difícil.
Ele assistiu a garganta dela se esticar enquanto ela jogava a cabeça para trás e bebia a água do cantil. Várias mexas de seu cabelo se soltaram da trança e a brisa da pradaria as balançou ao redor do rosto. Seu vestido estava sujo, seus pés nus, seu rosto beijado pelo sol.
Ele achava que ela nunca tinha estado mais bonita.
Ela deu o cantil de volta para ele, com a preocupação marcada nos olhos.
“O homem que monta na frente, usando o chapéu preto, é Dallas,” ele disse.
Ela nervosamente penteou o cabelo para trás. “Eu estou uma bagunça”.
“Você está bonita”.
Ele virou o olhar para longe dela, e Amelia se perguntou o que seria o que ela tinha visto brevemente refletido no rosto dele. Remorso? Solidão? Elas estavam tão próximas uma da outra, como uma segunda pele.
A terra que a cercava era tão vasta, tão vasta quanto o futuro dela, quanto os sonhos. O homem com quem ela tinha concordado em compartilhar tudo montava em direção a ela. Ela torceu as mãos juntas, a batida do coração ficando mais rápida. “Eu não esperava encontrar com ele em público”.
“São só alguns homens da trilha. Creio que ele tinha colocado eles para nos procurar”.
O bater dos cascos se intensificou enquanto os cavaleiros se aproximavam, uma onda de pó chegou até eles. Então um silêncio ensurdecedor rugiu ao redor de Amelia quando os homens pararam os cavalos de uma forma cambaleante, como se eles tivessem batido contra uma parede de tijolo. Os cavalos bufaram e relincharam, abaixando a cabeça. Os homens simplesmente olhavam fixamente, as bocas abertas.
O homem que montava o cavalo principal tirou o chapéu, e Amelia foi atingida por suas feições bonitas. O cabelo preto era cortado menor que o de Houston, uniformemente aparado, e estava amassado onde o chapéu apertava. O bigode preto espesso rodeava os lábios carnudos que ela queria ver formando um sorriso. Os olhos marrons a observavam lentamente do topo da cabeça até a ponta do dedão do pé minúsculo. Ela lutou contra o desejo de se torcer na sela, desejando que ela ao menos tivesse se dado ao trabalho de colocar os sapatos.
Lentamente, cada um dos seis homens que os cercavam tiraram os chapéus como que em transe, boquiabertos, os olhares solenes voltados para nela. Só o homem jovem que montava na lateral de Dallas parecia confortável com a visão e os saudou, o sorriso largo, os olhos de um azul hipnotizante como o das chamas mais quentes se retorcendo dentro do fogo.
Dallas desmontou e, com uma perna manca, caminhou na direção de Sorrel, seu olhar nunca deixando Amelia. Ele agarrou as rédeas quando o cavalo ficou desconfiado, e Amelia sentiu que com o movimento ele não deixava nenhuma dúvida na mente do cavalo de que ele tinha acabado de se tornar seu mestre.
“Senhorita Carson, é um prazer ter você aqui,” ele disse, a voz cheia de confiança, com a postura corajosa de quem sabe que nada nem ninguém poderia tombá-lo da montanha de sucesso que tinha subido.
Ele era tudo que ela tinha esperado. Ele vestia auto-confiança do mesmo modo que Houston vestia o colete. Ele tocou em uma trança dela. “Um guaxinim sumiu com o meu chapéu”.
Dallas piscou firme e olhou fixamente para ela. Houston limpou a garganta, e Amelia desejou que uma tempestade de pó começasse e a varresse através das planícies. Afinal, depois de todos estes meses, ela finalmente tinha a oportunidade de falar com ele pessoalmente, e ela disse algo que poderia fazê-lo pensar que ela tinha deixado a inteligência lá atrás na Geórgia.
“Eu disse a você para colocar uma cascavel no chapéu em vez de um pássaro. Um guaxinim não teria tocado em uma cascavel”.
Dallas virou a cabeça ao redor e deu uma olhada intensa para o jovem sorridente e ela ficou surpresa por ele não ter tombado fora da sela. “Ela estava conversando com você?”.
O sorriso do jovem cresceu. “Não, mas eu estava escutando”.
Os olhos de Dallas se estreitaram. “Senhorita Carson, aquele jovem é meu irmão, Austin. Eu apresentarei você aos meus homens na hora certa”.
Amelia sorriu calorosamente para o jovem. “É um prazer te conhecer,” ela disse.
Austin abaixou a cabeça, o rosto corando até as raízes do cabelo preto desgrenhado. As bochechas de Amelia ficaram quentes. Do canto do olho, ela viu um músculo no queixo de Houston repuxar como se ele estivesse lutando para conter o que ela estava certa de ser um sorriso. Ele disse a ela a verdade sobre Austin: ele era o tipo de pessoa que todos gostam imediatamente. Até enquanto estava sentado em uma sela, ele era mais relaxado do que qualquer um dos irmãos.
Os olhos marrons inflexíveis, o queixo firme, a postura firme, Dallas voltou sua atenção a Houston. “Você está atrasado em três semanas, sem carroça e sem nenhum material. Acho que você tem algumas explicações a dar”.
Houston curvou o corpo e puxou a borda do chapéu para baixo. “Sim, eu tenho,” ele disse simplesmente.
“Nós discutiremos isto em casa,” Dallas disse antes de mancar até o cavalo e subir na sela. Ele levou o cavalo adiante até que se moveu para o lado de Sorrel. “Senhorita Carson, você me fará a honra de montar na frente comigo?”.
Ela deu uma olhada rápida para Houston. Ele deu um aceno rude com a cabeça. Ela não esperava dizer adeus a ele assim—sem dizer um adeus apropriado. Ela pensou em cem coisas que ela deveria dizer, queria dizer. Ela manteve o silêncio, forçou um sorriso, encontrou o olhar do futuro marido, e apenas concordou com a cabeça porque naquele momento sua garganta estava nodosa com emoções. Enquanto Dallas guiou o cavalo dela através dos homens que esperavam, ela sentia como se estivesse deixando algo muito precioso para trás.
Houston desejava que sua despedida com Amelia fosse algo mais do que um aceno rápido com a cabeça, mas naquele momento ele não poderia falar, mesmo que sua vida dependesse disto. Ele viu Dallas levá-la para longe dele, no local certo ao lado dele. Ele disse a si mesmo que era melhor assim, mas ele não tinha se sentido tão ferido desde que o fogo do morteiro de um Yankee o tinha ferido severamente.
Austin levou o cavalo na direção de Houston. “Você conseguiu alguns novos pôneis”.
Houston limpou a garganta. “É”. Sua voz soou como se ele tivesse tragado um monte de pó. Ele limpou a garganta novamente antes de levar a mula adiante atrás da procissão.
Austin chutou o cavalo para que ficasse a meio galope e o alcançou antes de diminuir a velocidade e manter o passo. “Ela é bonita, não é?”, Austin perguntou.
“É”.
“Acha que Dallas está contente?”.
Houston deu uma olhada rápida para Austin, o rosto jovem incrivelmente sério. “Se ele não estiver contente, então ele é um bobo”.
O rosto de Austin abriu um sorriso largo. “Pelo que eu sei ele não é conhecido por ser bobo”.
Houston ouviu a risada de Amelia, seguida depressa por uma risada mais profunda de Dallas. Ela precisava de um homem que risse com ela. Ela acharia aquilo em Dallas.
“Ela tem uma risada bonita,” Austin disse.
“É”.
“Dallas estava furioso esperando vocês chegarem”.
“Achei que estaria”.
“Ele não vai gostar nada de você ter perdido tempo capturando alguns cavalos”.
Houston suspirou profundamente. “Não acho que ele vá gostar”.
“Ele disse que iria atirar em você por te deixado aquele garanhão preto ir embora”.
Houston deu ao irmão um olhar de lado. “Mas, como ele saberia que eu deixei o garanhão ir?”.
Austin encolheu os ombros. “Apenas adivinhou, eu acho. Ela será minha mãe?”.
“Droga, não, ela não será sua mãe”.
Austin parecia um filhote de cachorro que tinha sido chutado. “Não é justo crescer sem uma mãe. Eu estava achando que Amelia poderia fingir que era minha mãe”.
“Ela é senhorita Carson para você, e ela estará muito ocupada sendo esposa de Dallas para ficar fingindo qualquer coisa”.
“Não até aquele pastor itinerante voltar aqui, e Dallas provavelmente vai atirar em você por causa disto, também”.
Houston virou o olhar para ele. “O pastor não está aqui?”.
“Não. Ele chegou aqui há mais ou menos três semanas atrás, esperou uma semana inteira, então disse que precisava procurar almas perdidas”.
Houston apertou a pegada na juba tosada da pequena mula. Sem um pastor, nenhum casamento aconteceria. Até Amelia estar seguramente confirmada como esposa de Dallas, Houston não se sentiria protegido dos desejos que guardava no coração.
Ele se perguntou por que ele achava que um pequeno pedaço de jornal poderia extinguir as chamas de desejo que ardiam dentro dele. Ele se perguntou quanto tempo mais ele teria que esperar antes de ter que suportar o inferno de assistir Amelia se tornar a esposa de outro homem.
“Dois meses!”, Dallas gritou enquanto saltava da cadeira de couro atrás da escrivaninha. Ele olhou para Houston, fez uma ligeira careta, girou a cadeira, e desviou a vista para a janela. “Serão pelo menos dois meses antes do pastor itinerante voltar aqui”.
Houston deslocou a cadeira para o outro lado da escrivaninha, Amelia estava em um quarto do andar de cima, agradecida, tomando banho. Ele estava acostumado a Dallas fazer careta sempre que estava com o pavio curto e olhava para ele. Quando ele não estava nervoso, ele lembrava que não tinha estômago para olhar o irmão. Houston sabia a razão pela qual Dallas preferia não olhar para ele. Era a prova do amor que sentia pelo irmão e da força de seu caráter que o impedia de jogar essa razão no rosto de Houston.
“Eu a trouxe até aqui o mais rápido que pude”.
Dallas se debruçou de volta na cadeira e levantou uma sobrancelha escura. “Quer dizer que você achou um grupo de cavalos amarrados juntos em uma corda?”.
“Os cavalos selvagens tão ficando escassos. Eu pensei—”.
“Eu não preciso de cavalos. Eu preciso de um filho!”.
“Então envie alguém para trazer o pastor de volta,” Austin sugeriu enquanto se levantava de uma cadeira e sentava na extremidade da escrivaninha.
Dallas deu uma olhada rápida para ele. “Eu estava falando com você?”.
A boca de Austin se abriu em um sorriso largo. “Não, mas eu estava escutando”.
“Por que você não vai escutar em outro lugar?”, Dallas perguntou.
“É que eu quero saber o que aconteceu com a carroça”.
Dallas tamborilou os dedos na escrivaninha. O queixo firme. “O que aconteceu com a carroça?”.
“Perdi quando estava tentando cruzar um rio cheio”.
“Por que diabos você fez isto?”, Dallas rugiu.
“Porque nós já tínhamos perderíamos muito tempo, e eu pensei que você estaria preocupando”.
“Ele estava realmente preocupando. Como uma velha—”.
Dallas bateu a mão na escrivaninha e se levantou da cadeira. Austin deslizou da escrivaninha e deu um passo para trás, o sorriso diminuindo do rosto sem nunca parar de olhar o irmão.
“As crianças são para serem vistas e não ouvidas,” Dallas disse com uma voz baixa e profunda.
“Eu não sou uma criança,” Austin disse, o queixo tremendo, a voz qualquer coisa menos profunda. Ele fechou os punhos ao lado do corpo. Houston podia ver que ele estava tentando se decidir se esse era o momento de se impor ou se ele deveria salvar o próprio couro e correr.
“Enquanto você estiver vivendo debaixo do meu teto, e comendo na minha mesa...”.
Houston resistiu ao desejo de cobrir as orelhas enquanto Dallas continuava o sermão assim como o pai deles tinha feito antes dele. Houston podia se lembrar muito bem daquelas palavras dirigidas a ele. Ele tinha oito anos, sentado num campo de trevos, enlaçando pequenas flores juntas, fazendo um colar para a mãe. Ele tinha cometido o engano de colocar a coroa de flores em cima da cabeça para ver se estava grande o suficiente. O pai tinha rasgado as flores, e as jogado ao vento antes de dizer a Houston que ele deveria se comportar como um homem. Houston se sentia tão pequeno quanto às formigas que andavam embaixo do trevo.
“Ele não falou por mal,” Houston disse baixo.
Dallas parou o sermão e agitou a cabeça. “O que você disse?”.
“Eu disse que Austin não fez por mal. Você está bravo comigo, não com ele. Então desconte sua raiva em mim, não nele”.
“É minha culpa,” uma voz suave disse da porta.
Houston se levantou da cadeira, quase a derrubando.
Amelia caminhou pelo quarto vestindo uma blusa de camponês e uma saia como as que as mulheres do México usam, os pés descalços, o cabelo solto. Ela parecia um anjo, só Houston sabia que não era bem assim. Ele podia ver a raiva refletida nos olhos dela.
A aparição dela o fez dar um passo para trás. Curiosamente ele ficou pensando se Dallas tinha encontrado um par.
Dallas limpou a garganta. “Senhorita Carson, estou certo de que a senhorita não fez nada de errado—”.
“Eu não disse que tinha feito algo errado,” ela o corrigiu enquanto parava diante dele e virou o rosto. A luz do sol da tarde fluía pela janela, banhando-a como uma auréola amarela. “Você está bravo porque nossa viagem atrasou, e eu não o culpo por isto. Eu estou certa de que você estava preocupado e isto é o suficiente para irritar uma pessoa. Mas quando nós vimos os cavalos...”. Ela suspirou docemente. “Eles eram magníficos. Se você tivesse ouvido a voz de Houston quando ele disse que iria voltar para eles... Eu sabia que eles iriam embora, que ele nunca os teria. Então eu o disse para tirarmos um tempo para capturar eles. Nós perdemos alguns dias de viagem, mas estamos aqui agora”.
Ela fez soar como se eles teriam sido bobos se tivessem continuado a viagem sem os cavalos. Dallas estava olhando fixamente para ela enquanto não conseguia pensar em qualquer coisa para dizer.
“E os cavalos eram tão importantes que Houston agora está criando eles”.
Interiormente, Houston gemeu. Por que ela não parou de falar enquanto a paz estava reinando no quarto?
“O quê?” Dallas perguntou, aparentemente achando a voz. Ele olhou para Houston e estremeceu. “Você está criando cavalos?”.
“Pensando. Estou apenas pensando nisto”.
“Isto não é—”.
Ele parou as palavras de Amelia com um olhar tão frio quanto pôde dar. Ela abaixou o olhar mas não antes que ele pudesse ver o quanto a tinha magoado. Ele sempre a magoava. Era seu jeito, e ele odiava quando isso a atingia. Ele precisava partir, mas ele não poderia partir sem tentar pôr um sorriso de volta naqueles olhos verdes. “Eu gosto dessas roupas. Onde você conseguiu?”.
Pegando os lados, ela mexeu a saia. “O cozinheiro trouxe para mim. Ele disse que tinham pertencido à esposa”.
“Roupas usadas”, Houston disse baixinho, sabendo que não era mais da conta dele se preocupar com a roupa que ela vestia. Dallas tinha assumido essa responsabilidade ainda cedo, nesse mesmo dia, quando ele tinha levado Amelia para longe de Houston, mas ele percebeu que se preocupava com ela do mesmo jeito.
“Ela não usará roupa usada por muito tempo. Eu já enviei um dos meus homens para trazer um monte de mercadorias”. Ele olhou para Amelia. “Nós temos um pequeno arranjo com o Sul. Eu posso garantir que o que ele vai escolher é material de primeira qualidade, mas até que eu tenha tempo—”.
Amelia levantou a mão, aquecida pela consideração de Dallas. “Você não tem que explicar. Eu estou bastante agradecida pelo que tenho”.
“Ainda assim, eu o coloquei em um cavalo rápido para que ele retorne dentro de três ou quatro dias”.
“Eu sinto muito que a gente tenha perdido a maior parte das roupas que você comprou para mim em Fort Worth. Elas eram adoráveis”.
Dallas enrugou a testa. “Que roupas?”.
“As roupas que você disse a Houston para que comprasse para mim”.
“Ele não disse a Houston para comprar nenhuma roupa,” Austin disse.
“Ele disse que eu comprasse um pouco de roupa,” Houston disse em voz baixa.
“Eu não me lembro dele dizendo qualquer coisa sobre roupas”.
“Você não estava lá,” Houston disse.
“Eu estava lá o tempo inteiro enquanto vocês conversavam—”.
Com um movimento rápido, Houston agarrou a gola da camisa de Austin. Apesar do protesto do garoto, Houston o arrastou para fora do quarto.
Dallas limpou a garganta. “Se você me dá licença, eu preciso resolver este assunto”.
Amelia apertou a mão por sobre o coração aos pulos. “Certamente”.
Assim que ele saiu do quarto, o sussurro no corredor aumentou de volume. Se ela fosse um jogador, teria apostado que Dallas não tinha dito a Houston para que comprasse roupa para ela. Ele tinha comprado porque ela tinha levado uma bolsa pequena com tudo que possuía. Os “suprimentos” tinham sido presentes de Houston, um presente que ele nunca planejara reivindicar. Ela se perguntou quantos outros presentes ele poderia ter dado a ela: sua vida, um pôr-do-sol do Texas. Ela sorriu com a memória dele dentro da barraca, tirando a roupa... Ela desejou agora ter assistido o show inteiro.
Os homens marcharam de volta ao escritório de Dallas, cada um com suas expressões descontentes.
“Minhas desculpas, Senhorita Carson,” Austin disse. “Parece que eu estava errado. Dallas disse a Houston para que comprasse algumas roupas para você”.
Ela deu uma olhada rápida primeiro para Houston, e então para Dallas. Os queixos dos dois estavam firmes. A mentira, ela supôs, era por ela. “Tudo bem. Eu estou certa de que foi dito... ou pensaram em dizer antes de Houston ir me buscar”.
Houston colocou o chapéu na cabeça. “Eu preciso ir”.
“O cozinheiro disse que a ceia estaria pronta logo. Com certeza você ficará para comer,” Amelia disse, odiando o pensamento dele partindo.
Houston assistiu enquanto a tristeza e o nervosismo guerreavam dentro dos olhos de Amelia. Ele queria ficar. Ele queria partir. Ele queria alguns minutos só com ela para poder explicar o que não podia ser explicado.
“Você ficará. A senhorita Carson quer você aqui,” Dallas disse, o tom firmemente colocando fim nas escolhas de Houston.
Cansado da jornada, Houston concordou com a cabeça. “Eu ficarei”.
“Fico contente,” Amelia disse antes de se virar para Dallas. “Eu tenho algo para você”. Tirando a mão do bolso, ela revelou um relógio de bolso de ouro. “Uma pequena demonstração de meu afeto. Mas ele quebrou”.
“Seu afeto se quebrou?”, Dallas perguntou.
Houston desejava não ter captado na voz de Dallas o quanto ele estava dependendo de Amelia casar-se com ele, dar a ele o filho que ele queria.
Amelia sorriu suavemente. “Não, o relógio quebrou. Eu o estava levando em um bolso escondido na minha saia, e ele estragou quando eu saltei no rio. Se você o balançar, poderá ouvir a água que ainda está presa do lado de dentro”. Dallas pegou o presente dela, segurou próximo da orelha, e sacudiu. “Bem, entendo. Eu o guardarei para sempre”.
Amelia ficou vermelha. “Mas ele não marca mais o tempo”. Dallas sorriu calorosamente. “Não, mas ele me lembrará de ficar longe de cavalos selvagens”.
Todos os cômodos que Amelia tinha pisado eram enormes: Seu quarto, o escritório de Dallas, a sala de estar da frente e o corredor. A sala de jantar, porém, era o maior de todo. Havia um lustre pendurado no teto alto. O piso da lareira vazio. O forno vazio. Uma mesa de carvalho grande com quatro cadeiras em um quarto com nada mais. A mobília em cada quarto parecia combinar de um modo esquisito, como se o gosto de Dallas em madeira e tecidos correspondessem com o gosto que ele tinha por chapéus de mulheres. Amelia não sabia se ela poderia se sentir confortável em qualquer quarto. Eles pareciam incrivelmente frios, e ela sentia que o fogo na lareira não os aqueceria.
As cadeiras roçaram no chão de pedra quando todos pegaram suas cadeiras, Dallas na cabeceira da mesa na esquerda dela, Houston estava a sua direita, e Austin em frente a ela. Ela estava fascinada com a beleza dos olhos de Austin, como uma safira azul que qualquer mulher teria invejado. Seus cílios pretos espessos emolduravam os olhos, atraindo a atenção para eles. Ela achava que se as mulheres viessem para a região como Dallas desejava, Austin logo estaria casado.
Uma porta atrás do quarto se abriu com um chute, e o cozinheiro, andando de um jeito largado, trazia uma panela preta de ferro fundido. O cabelo branco ia para todas as direções enquanto batalhava com o vento e perdeu. Uma barba branca fechada escondia a boca. As manchas salpicavam seu avental branco. Ele pegou uma concha da panela e colocou o cozido na tigela de Amelia. “Não é requintado, mas enche”.
Ela deu uma olhada rápida para ele e sorriu. “Obrigada. E obrigada por me emprestar as roupas”.
“Não, não é nenhum empréstimo. Eles são suas. Não tenho mais uso para elas”.
“Não sabia que você foi casado, Cookie(*),” Austin disse.
“Anos atrás, garoto, anos atrás. Uma garota no México”. Ele colocou o cozido na tigela de Dallas. “Ela apareceu e sumiu, mas eu mantive algumas roupas dela. Costumava pegar de noite e ficar cheirando porque elas tinham o cheiro dela. Mas já tem muito tempo. Não tem mais o cheiro. Vou deixar a senhorita Carson usar elas”.
“Qual era o nome de sua esposa?” Austin perguntou enquanto Cookie
N da R: os cozinheiros eram chamados de Cookie (biscoito).
enchia a tigela dele até que o cozido pingasse sobre a mesa.
“Juanita. Bonita. Cabelo preto, olhos pretos, e lábios vermelhos, muito vermelhos”. Ele fechou os olhos para puxar a memória. “O que aqueles lábios podiam fazer com um homem”. Ele andou até Houston. “Se eu continuar pensando nela, eu vou ter que ir até os Apartamentos Empoeirados”.
“Apartamentos empoeirados?”, Amelia disse.
Foi visível como as bochechas de Cookie ficaram tão vermelhas quanto os lábios da Juanita poderiam ter sido. Ele soltou a panela na mesa. “Eu deixarei ela com vocês. Eu não sou nenhum mordomo”. Ele saiu através da porta que tinha entrado, a chutou e sumiu.
“Apartamentos empoeirados?” Amelia repetiu. “Isto é uma cidade?”.
Houston e Dallas se mexeram nas cadeiras, os rostos impassíveis. “Não é uma cidade que uma dama iria,” Dallas disse.
“Mas tem mulheres,” Austin disse. “Foi o que ouvi”. Ele esticou o lábio inferior. “Mas não consegui ninguém para me levar”.
Dallas limpou a garganta. “Não é conversa adequada para a hora da comida”.
“Por quê?”, Austin perguntou.
“Porque nós temos uma dama comendo conosco”.
Austin movimentou a cabeça como se o que Dallas tinha dito fizesse sentido para ele, mas Amelia podia ver a confusão claramente refletida nas profundezas azuis dos olhos dele.
“O que você acha da casa?”, Dallas perguntou.
Amelia quase se sufocou com o cozido. Ela tomou um gole de água e olhou para Houston. Ele se sentava com a cadeira virada para o lado. Ela esperava que ele ficasse confortável com sua deformação pelo menos ao redor dos irmãos.
“É grande,” Amelia disse, voltando sua atenção para Dallas. Aquelas palavras eram uma indicação incompleta.
“Adobe[1],” Dallas disse. “A casa é construída de adobe pois assim ficará refrigerada no verão. Aqui fica muito quente”.
“Sim, foi isso que Houston disse pra mim. Ele disse que você pode soltar um ovo em cima da pedra que ela vira ovo cozido”.
“Ele disse isto, foi?”, Dallas perguntou.
Amelia concordou com a cabeça, lembrando de tantas coisas que Houston tinha dito a ela enquanto eles conversavam toda noite, um nos braços do outro.
“Ele disse a você que eu projetei a casa? Fiz com que ela parecesse um castelo com torres, como os da Inglaterra. Se bem que serve para defesa”.
Ela sorriu. “Não, ele não mencionou isto. Ele disse que não conseguia descrever a casa. Que eu precisava ver. E agora eu vi. É muito incomum. Onde você aprendeu sobre castelos?”.
Ele se debruçou para frente sem nenhuma hesitação como Amélia esperaria de Houston todas as vezes que ela fazia uma pergunta a ele. “Tinha um cara na minha companhia durante a guerra que tinha vindo da Inglaterra. Ele acreditava mais na causa do Sul do que algum dos meus homens. Nós ficamos muitas noites conversando sobre as diferenças dos dois países.
Quando a guerra terminou, ele retornou à Inglaterra”. Ele limpou a garganta e se encostou na cadeira. “Aparentemente, ele tinha feito uma grande aposta no resultado da guerra. O Sul perder não foi bom para ele”.
“Ele parecia ser uma pessoa interessante. Houston nunca o mencionou”.
Dallas olhou para Houston, e depois para Amelia. “Houston nunca o encontrou. Eu não encontrei Winslow até depois de Chickamauga”. Ele bateu na mesa com as mãos. “Mas ele era fascinante. Embora eu tenha usado muito do que ele disse no projeto da casa, falta um toque feminino. Pense um pouco no que você gostaria de ver na mobília e na decoração. Talvez na primavera, a gente vá até Fort Worth para uma visita”.
“Eu gostaria. A cidade é muito animada”.
“Eu quero ir, também,” Austin disse. “Eu aposto que a cidade tem muitas mulheres. Houston, tinha muitas mulheres em Fort Worth?”
“Não fiquei lá tempo suficiente para notar”.
“Se eu estivesse lá, nem ferrando que eu ia deixar de notar as mulheres,” Austin disse.
O braço de Houston bateu no de Austin. “Não use esse idioma perto da senhorita Carson”.
Austin olhou fixamente para ele. “Que idioma você quer que eu use? Espanhol?”.
Houston agarrou a camisa de Austin e o arrastou para fora da cadeira. Austin protestou ruidosamente enquanto Houston o levava do quarto.
Dallas suspirou profundamente. “Poderia fazer a gentileza de me dar licença?”.
Amelia engoliu o riso e quase sufocou. O toque feminino era necessário na casa. “Certamente”.
Sussurros severos vieram do corredor junto com o som de um bofetão possivelmente no braço ou ombro, que resultou em uma objeção furiosa do jovem. Os irmãos ficaram no corredor do lado de fora da sala de jantar mais tempo do que eles tinham ficado no corredor do lado de fora do escritório de Dallas. Quando eles finalmente retornaram, estavam com a linha do queixo inflexível. Eles sentaram em suas cadeiras.
Ela queria abraçar Austin; O rosto dele era igual ao de um menino que desesperadamente tenta se tornar um homem.
Eles comeram em silêncio, Houston e Dallas concentrados na comida. Amelia podia ver os pensamentos passarem através do rosto de Austin enquanto ele estava tentando se decidir no que poderia dizer sem ser arrastado para fora do quarto. De repente, seu rosto se iluminou como uma vela em uma árvore de Natal.
“Dallas vai comprar mais um pouco daquela cerca”.
Houston olhou para o irmão mais velho. “Aquele arame farpado?”
“É”, Dallas reconheceu.
Com isto, a conversa terminou e a comida continuou em silêncio.
Amelia colocou uma manta sobre os ombros. Dallas tinha rasgado o cobertor de lã pela metade, o modo mais fácil que ele conhecia de dar algo a ela que se assemelhava a uma manta.
O sol estava se pondo acima do horizonte, pintando o céu de lavanda, a terra em sombras. Ao lado dela, Dallas mantinha os passos junto com os dela, apoiando-se em uma bengala, mancando levemente. Ela pensava que se ele não mancasse, sua sombra poderia cobrir a sombra dela duas vezes.
Ele parou de caminhar e apontou em direção ao por do sol. “Vê onde o sol está se pondo? Lá é onde minha terra termina”.
Ele encontrou o olhar dela. Ela não sabia se já tinha visto um homem mais bonito, e ela achava que o coração iria parar quando ele tomou a mão dela.
“Quando você despertar de manhã, olhe pela janela. Onde o sol surge é onde minha terra começa”. Ele trouxe a mão dela até o lábio morno, o bigode tocando a pele enquanto ele segurava o olhar dela. “Você é tudo que eu tinha imaginado,” ele disse tranquilamente.
Nessa hora o coração dela bateu muito forte, batendo tão rápido e furioso como se ela estivesse correndo, como se ela quisesse correr. Ela não conseguia pensar em nada inteligente para dizer. A língua tinha ficado inútil. “Eu imaginei que você tinha olhos azuis,” ela disse, se encolhendo com o comentário vazio assim que as palavras tinham deixado sua boca.
Ele levantou uma sobrancelha escura. “Olhos azuis?”.
Ela movimentou a cabeça. “Houston disse a mim que eles eram marrons. E que você tem bigode. E que você faz uma sombra alta”. Ela deu uma olhada rápida no chão onde a sombra dele se esticava muito além da dela. Sorrindo inconscientemente em seu murmúrio, ela olhou para cima. “E ele estava certo”.
“Eu não consigo imaginar Houston falando tanto quanto parece que falou enquanto te trazia até aqui”.
“Só porque eu perguntei. Ele não gostava muito, mas se perguntar, ele responde. Além disso, foi uma jornada longa”.
“Eu sinto muito por não poder ter ido atrás de você”. Ele colocou a mão na bengala e se apoiou. “Foi estúpido eu ter tentado amansar um cavalo na véspera da partida”.
“Especialmente um cavalo preto com rabo e juba ondulados”.
“Desculpe, não entendi bem.” Ele perguntou com as sobrancelhas frisando.
“Houston explicou que a coloração do cavalo frequentemente diz sobre o temperamento dele. Um cavalo preto com um rabo e juba ondulada é normalmente indomável”.
“Ele disse isto, é?”.
“Sim. Eu não me lembro bem o que todas as outras cores querem dizer, mas ele sabe. Você devia perguntar a ele”. Ela ouviu um relincho de cavalo e deu uma olhada rápida por cima do ombro e viu Houston no curral, reunindo os cavalos selvagens. “Ele está partindo?”.
“Acho que sim”.
“Eu preciso dizer adeus”.
“Por que você não vai na frente e eu te alcanço?”, Dallas sugeriu.
“Obrigado”. O pó vinha contra ela enquanto corria para o curral. Houston estava partindo, e ela não poderia vê-lo antes de estar casada. Ela não conseguia agüentar a simples idéia. Ela parou próxima ao curral enquanto Houston amarrava o último dos cavalos junto.
Ela subiu na grade e ele foi na direção dela, tirando o chapéu para bater o pó das calças. Ela queria tirar o cabelo dele da testa.
“Gostando do passeio da tarde?”, ele perguntou quando parou diante dela.
“Sim. Foi legal. Dallas é legal”.
“Legal?”, ele sorriu. “Eu estou certo de que ele ficará contente por ouvir que você acha que ele é legal”.
“O rancho é enorme”.
“É, e você ainda não viu tudo. Um homem podia viajar por dias sem deixar as terras de Dallas”.
“Foi isso que a gente fez, não é?” Ela perguntou. “Viajamos por dias nas terras dele?”.
“Três dias”.
“Você poderia ter sinalizado mais cedo”.
“Poderia. Deveria, mas eu fiz muitas coisas enquanto viajava com você que não deveria ter feito”.
Ela estava agradecida por todos eles. As memórias a seguiriam por toda vida, ainda que o homem diante dela não estivesse por perto. “Eu suponho que não há nenhuma chance de uma criatura poder assombrar a casa quando nós a deixarmos vazia, não é?”.
Ele riu profundamente, com vontade, e o calor retornou ao coração de Amelia, um calor que tinha desaparecido quando ele tinha saído do seu lado naquela manhã.
“Não, eu não imagino que alguma criatura fique na casa”.
“Ela é... é...”.
“Eu disse a você que precisava ver”.
“Por que você acha que—”
“Um castelo para uma rainha,” ele disse, o sorriso desaparecendo. Ele tocou um dedo na bochecha dela. “Você é sua rainha”.
“E se eu não quiser ser uma rainha? Se eu só quiser ser uma esposa?”.
“Ele deixará você fazer isto também. Uma coisa sobre Dallas, ele é tão leal que chega a ser um defeito. Se você estiver ao lado dele, ele dará tudo a você”.
“Por que você não disse a ele que não acha que arame farpado é uma boa idéia?”.
Ele estreitou o olhar. “O que faz você achar que eu não penso que o arame farpado é uma boa idéia?”.
“Eu viajei com você por um longo mês, compartilhamos a comida, compartilhamos a cama—”.
“Não ouse dizer isto a Dallas!” Ele sibilou. “Ele arrancaria meu couro e penduraria para secar. Você não compartilhou a minha cama, você apenas dormiu ao meu lado”.
“Isto é tudo que acha que eu fiz?”, ela perguntou.
“Isto foi tudo que você fez”.
“Eu comecei a me importar com você”.
“Você começará a se importar com Dallas logo. Você ainda não teve muito tempo com ele”.
“Vou sentir falta de escutar seu ronco de noite”.
“Amelia—”.
“Sentirei sua falta”.
“Eu não ficarei tão longe. Se você precisar de algo, pode pedir que Austin vá me buscar”.
“E você virá?”.
“Virei”.
Ela ouviu passos próximos e se virou. Dallas e Austin caminhavam em direção a ela, Austin com um passo solto como se não tivesse nenhum problema no mundo, Dallas rígido como se estivesse carregando o mundo nas costas.
Os irmãos pararam diante dela, e ela sentiu uma tensão vir de dentro de Houston.
“Eu mandarei dizer quando o pastor voltar,” Dallas disse.
“Eu estarei esperando,” foi tudo o que Houston disse, e Amelia percebeu que ela não o veria novamente até o dia em que casasse com o irmão dele. Ela sentiu uma dor aguda no estômago.
“Austin e eu dormiremos no bangalô até o pastor chegar,” Dallas disse.
“No bangalô!” Austin exclamou, o horror na voz. “Por que nós temos que dormir no bangalô?”.
“Porque não seria adequado uma mulher solteira dormir em uma casa com dois homens,” Dallas explicou, com a voz cansada.
“Por que não? Houston dormiu com ela—”.
Houston agarrou Austin pela camisa e o arrastou para fora do alcance do ouvido deles. Amelia pensou ter ouvido o rasgar de um tecido. O pobre garoto iria precisar de uma camisa mais resistente.
“Você terá que se desculpar Austin,” Dallas disse, tirando a atenção dela dos dois homens que estavam em uma discussão aquecida. “Ele não teve nenhuma mulher durante seu crescimento e sua educação em certos assuntos é carente”.
“Houston disse que você acredita que mais mulheres virão para cá depois que nos casarmos”.
Ele deslizou o braço ao redor dela e começou a caminhar em direção a casa. “Eu desejo que esta parte do Texas se torne mais desenvolvida com o passar do tempo. Meu pai me disse uma vez que alguns homens ficam contentes de caminhar onde outros se foram”. Ele se virou e a olhou. “Eu não sou um desses homens. Minhas aspirações são muito maiores”. Ele corou, algo que ela não achava que fizesse com freqüência. “Eu sei que soa arrogante, mas nós temos a oportunidade de construir um império cuja fundação é composta de sonhos, trabalho duro, e determinação. Eu quero que você compartilhe isso comigo. Eu quero que nossas crianças herdem isso”.
Ele se debruçou e a beijou na sobrancelha como um irmão beijaria sua irmã preferida. “Eu estou contente por você estar aqui. Durma bem”.
Ele saiu da varanda mancando, deixando-a assistindo o pôr-do-sol desvanecendo, sozinha.
“Dallas? Dallas?”, Austin sussurrou.
Olhando fixamente para as vigas de madeira que passavam pelo teto do bangalô, a mente pensando em assuntos complicados, Dallas suspirou com força. “O quê?”.
“Eu não me lembro de já ter ouvido Houston ri antes. Eu não tinha percebido até que ouvi a risada dele hoje à noite. Você já ouviu Houston rir alguma vez antes?”, Austin perguntou.
Dallas engoliu em seco, lutando para engolir a culpa. “Ele riu muito quando nós éramos pequenos... antes da guerra”.
“Eu acho que você está certo. Trazer mulheres aqui é uma boa idéia. Elas certamente fazem tudo parecer mais bonito”.
“Sim, elas fazem. Agora, durma. Nós temos coisas a fazer amanhã. Não podemos parar de trabalhar só porque tem uma mulher na casa”.
“Se você decidir que não a quer, eu fico com ela”.
“Eu não estou desistindo dela. Assinei um contrato dizendo que a faria minha esposa se ela viajasse até aqui. Um contrato é como dar a palavra. Eu nunca volto atrás com a minha palavra”.
Ele fechou os olhos com força, sabendo que não conseguiria dormir esta noite. Não importava quanto custasse, ou quanto ele pagasse... ele nunca voltava atrás com a palavra.
O sono tinha sido tão enganoso quanto às sombras que vagavam pelo quarto, mudando como uma chama de lampião. Todo vez que o sono vinha Amelia o agarrava, e ela acabava procurando sentir os braços de Houston, o som da respiração, e cheiro de cavalo e couro que fazia parte dele. Ela acordou com um pulo, sozinha. Ela odiava estar só.
Em alguma hora durante a noite, ela escapou da cama, colocado um cobertor por cima dos ombros, foi até a janela, e deu boas-vindas à companhia das estrelas. Elas tinham sido sua companhia durante tantas noites, traziam memórias vívidas de um homem que ela não entendia. Ela achava que poderia questionar Houston por toda a eternidade, mas suas respostas, cuidadosamente na defensiva, sempre fariam com que ela não o entendesse completamente.
Ela estava certa de que significava mais para ele do que ele a tinha deixado saber, achava possível que ele tivesse se apaixonado por ela, sabia que ela tinha começado a amá-lo. Ela se perguntava porquê ele não tinha agido de acordo com os sentimentos que tinha. Ela não estava casada com o irmão dele. Com certeza Dallas entenderia que o coração dela tinha mudado. Ela não temia Dallas, mas ela sentia que Houston era cautelosa com ele, como se achasse que o irmão pudesse atacá-lo se ele falasse as palavras erradas ou tomasse a ação incorreta. Ela se perguntava o quanto Dallas era parecido com o pai. Houston não gostava do pai. Ela ficava pensando se ele tinha visto o pai quando tinha olhado para Dallas.
Na escuridão da aurora, ela suspirou e ouviu o barulho do moinho de vento que Dallas tinha construído. Logo o sol tocaria a terra, lançando seu brilho por sobre as terras de Dallas. Ela esperava que a visão trouxesse alegria para seu coração, que pudesse substituir esta perda que ela não conseguia identificar ou explicar.
Ela ouviu um baque no corredor. Seu primeiro pensamento foi de que Houston tinha vindo para vê-la, mas ela não achava que isso seria típico dele. Ele disse uma vez que sempre tomava o caminho mais fácil. Por mais que doesse, ela tinha de reconhecer que para ele, abandoná-la era mais fácil do que reivindicá-la.
Ela ouviu a pancada novamente. Amelia se levantou da cadeira e andou na ponta dos pés através do quarto para o forno, onde as brasas do fogo agonizante ardiam vermelhas. Ela pegou o menor tronco na pilha ao lado da lareira e foi andando até a porta.
Ela abriu a porta ligeiramente e espreitou o lado de fora. Ela viu uma sombra sair de um dos quartos ao longe. Ela não podia se lembrar se aquele cômodo era outro quarto. A pessoa estava levando algo. Ela andou no corredor e grudou no tronco como cola, desejando que ela tivesse força para executar sua ameaça se o ladrão tentasse agir. “Pare aí mesmo!”.
O culpado girado, tropeçou, bateu na porta, e caiu no quarto do qual tinha vindo. Amelia se apressou através do corredor, o coração batendo loucamente. Ela parou com cuidado e ficou acima da pessoa estendida, tentando se decidir se ela devia bater agora ou gritar por ajuda.
“Senhorita Carson! Sou eu! Austin”.
Ela estudou a escuridão, quase incapaz de reconhecer as características dele. Ela podia ouvir sua respiração pesada. Ela não o tinha assustado tanto quanto ele a tinha assustado. Ela abaixou os braços levantados. Eles tremeram quando ela os relaxou. “O que você está fazendo aqui?”.
Ele ficou de pé. “Vim pegar meu violino. Dallas não me deu nenhum tempo para pegar meus pertences. Você quase me matou de susto”.
Ela riu de uma forma estranha que demonstrava alívio. “Você me assustou também”.
“Desculpe. Não tive a intenção”. Ele balançou a cabeça. “Senhorita Carson, você quer vir ver o amanhecer comigo?”.
“Dallas estará lá?”.
“Não, Madame. Ele saiu com alguns homens para verificar os limites ao sul. Eu deveria tomar conta de você hoje”.
“Vou me vestir”.
Ela entrou no quarto. Ela pensou em colocar suas próprias roupas. Ela as tinha lavado na noite passada, mas ela apreciava a liberdade que sentia usando a saia e blusa solta. Ela colocou as roupas, embrulhou-se na manta provisória ao redor dos ombros, e caminhou através do corredor. Austin estava tirando alguns acordes do violino.
Ele saiu da parede. “Vamos,” ele disse, tomando a mão dela e conduzindo-a degraus abaixo através da casa e da varanda da parte de trás.
Ele soltou a mão dela e foi para o degrau superior. Ela se debruçou contra a viga. “Dallas disse que onde o sol nasce é onde começa a terra dele”.
“Sim, madame. Há terra pra caramba—desculpe— muita terra”. Ele se debruçou em direção a ela. “Eu posso dizer caramba?”.
Ela sorriu. Ele viveu em um mundo dominado por homens. Ela não esperava que ele mudasse os hábitos da noite para o dia, ela não estava certa se ele deveria. “Você pode dizer o que quiser. Eu não me importo”.
“Oh, não, madame. Eu estou acostumado a ver Dallas bravo, mas eu nunca tinha visto Houston bravo. Eu não quero dizer nada que faça Houston ficar bravo, então eu tenho que praticar conversa com uma dama para saber como devo falar. E estou certo como o diabo, desculpe, de que não vou mencionar que vocês dormiram juntos. Eu achei que ele fosse me partir ao meio”.
Amelia foi na direção dele, apertando as mãos juntas firmemente, e descansando os cotovelos nas coxas. “Dallas e Houston não parecem conversar muito um com o outro”.
“Não, madame. Com certeza eles não conversam. Eles nunca tiveram uma longa conversa desde que eu consigo me lembrar”.
“Mas eles conversam com você?”.
“Sim, madame. É meio engraçado. Quando é só eu e Dallas, ele conversa comigo como eu imagino que um pai conversaria com um filho, explicando as coisas detalhadamente como um médico falando com seu paciente. Quando é só eu e Houston, ele conversa comigo como um irmão conversaria com outro, mas eu nunca vejo ele e Dallas conversando desse jeito. Quando são só nós três, é melhor ficar quieto”.
“Você sabia que Houston estava criando cavalos selvagens?”.
“Oh, sim, madame. Ele disse para mim. Quando ele precisa de ajuda, ele me deixa ajudar”.
“Dallas nunca o ajuda?”.
“Oh, não, madame. Dallas nunca foi à casa de Houston. Quando ele precisa de Houston, ele me manda ir lá chamar ele”.
“Por quê?”.
“Eu acho que é porque ele precisa conversar com ele”.
Amelia sorriu com a inocência do menino, uma inocência que era desmentida pelo revólver que ele usava na correia amarrada na coxa. Ela não estava certa se algum dia se acostumaria com a abundância de armas de fogo e a facilidade com que os jovens a carregavam. “Não, eu quis dizer por que Dallas não vai lá?”.
Austin encolheu os ombros. “Ocupado, eu acho. É isso o que Houston diz. Às vezes eu acho que isso aborrece ele, Dallas nunca ter estado lá. Eu perguntei isso a ele uma vez. Ele disse que Dallas tem impérios para construir. Que ele não tem tempo para pequenas coisas, mas visita de família não parece pouca coisa para mim. Mas como sou só uma criança, então o que eu sei?”.
Ela colocou a mão no braço dele. “Eu acho que você está muito próximo de se tornar um homem, e acho também que você sabe muitas coisas. Você pode me levar até a casa de Houston?”.
“Certo, posso. São só dois pulos. Assim que o sol termina de subir, a gente vai lá. Se você não contar a Dallas, eu toco para você uma música enquanto o sol nasce”.
“Por que ele se importaria?”, ela perguntou, tirando a mão do braço dele.
Ele ergueu um ombro. “Cookie toca violino, e ele me ensinou algumas canções. Dallas não se importa com isso. Mas eu ouço canções... que Dallas diz que não são de homem, então eu só toco quando ele não está por perto. Já que ele não está aqui, você quer ouvir o que eu penso que soa como um amanhecer?”.
Amelia se abraçou e se encostou contra a viga. “Eu gostaria muito de ouvir”.
Austin sentou na varanda, levantou uma perna e a passou por cima da outra. Ele deslizou a parte arredondada do violino pelo o queixo e pegou o arco. Ele apontou o arco em direção ao horizonte. “Ouça o amanhecer”.
Amelia virou sua atenção para o campo amplo, mas assim que ela ouviu a primeira nota baixa da música, sua atenção se moveu para o menino que se sentava na varanda com ela. Ela fechou os olhos e começou a se balançar de acordo com o ritmo que ele criava. A música se elevou suavemente da mesma forma que o sol fazia. Ela podia ver o amanhecer sem olhar para ele, podia sentir seu calor sem tocá-lo, podia sentir seu poder ao trazer luz para a terra.
Como Dallas poderia não encorajar o menino a expandir seu talento? Se ele podia tocar assim graciosamente depois de tomar lições com um cozinheiro, ela não conseguia imaginar o quão bem ele poderia tocar se tivesse lições adequadas. Dallas Leigh precisava de mais do que uma esposa. Ele precisava de alguém que pudesse ensinar a ele que a vida era mais do que trabalho duro.
A música sumiu em um sussurro. Austin abriu os olhos, lágrimas eram visíveis dentro das incríveis profundezas azuis.
“Isso foi bonito,” Amelia disse suavemente.
Austin fungou e piscou até as lágrimas desaparecerem. “O amanhecer é minha hora favorita do dia, mas eu tenho uma canção para o pôr-do-sol, e para todas as estações. Elas meio que surgem em mim. Como ontem, quando eu vi você pela primeira vez, uma canção acabou de entrar na minha cabeça, mas eu não tive ainda a chance de tocar”.
“Eu gostaria de ouvir quando você estiver pronto para tocar para mim”.
Ele deu um sorriso amplo. “Eu tocarei, desde que Dallas esteja fora com os homens”. Ele ficou de pé e colocou o violino embaixo do braço. “Você está pronta para que a gente vá até Houston?”.
Ela tentou não aparecer muito ávida à medida que se levantava, mas a verdade era que ela não podia mais esperar para ver Houston novamente.
Ele estava de pé na varanda dianteira de uma cabana pequena, o ombro esquerdo apertado contra a viga, seu olhar preso nos cavalos no curral. Ele não usava chapéu, e o vento soprava seu cabelo preto tanto quanto soprava as mexas loiras de Amelia. Ela usava o cabelo puxado para trás, uma tira de pano mantendo a maior parte no lugar, mas muitos estavam se soltando.
“Talvez nós devêssemos gritar para que ele soubesse que nós estamos entrando,” Amelia sugeriu, ansiosa para que ele se virasse e a visse, perguntando-se se ele ficaria contente em ver que ela estava lá para vê-lo.
“Será inútil. Ele não pode ouvir daquele lado,” Austin disse.
Atordoada, Amelia olhou fixamente para Austin. “Ele é surdo?”.
“Só no lado esquerdo. Quando ele foi ferido durante a guerra, perdeu a visão e audição daquele lado. Acho que é por isso que ele sempre se senta com o lado direito voltado para nós, já que sua audição não é tão boa”.
Fazia razoável sentido o que Austin dizia, mas Amelia não pensava que estava certo. Próximo ao fim da jornada, Houston nunca virava o rosto para longe dela. Mas ela tinha sussurrado seu sentimento mais sincero próximo a sua orelha esquerda. Ela percebia agora que ele não a tinha ignorado. Ele simplesmente não tinha ouvido suas palavras, embora agora ela entendesse que sua audição não teria alterado o fim da jornada.
Enquanto eles se aproximavam, Houston se virou ligeiramente e colocou a mão no bolso da calça. A manhã estava fresca, mas ele não usava nenhum colete ou chapéu. Ela estava certa de que ele não esperava nenhuma companhia.
“O que traz vocês aqui?”, ele perguntou enquanto andava para fora da varanda.
“Dallas levou os homens para o Sul. Ele disse que eu cuidasse de Amelia. Ela queria ver onde você mora,” Austin disse enquanto desmontava.
“Oh, ela pediu foi?”, Houston perguntou, o lábio ligeiramente se curvando para cima enquanto ele colocava as mãos na cintura dela e a ajudava a desmontar.
O calor do toque dele desceu até o dedão do pé dela. As mãos dele se demoraram um pouco mais d que o necessário, os dedos dobrando quando ele sabia que deveria deixá-la ir, mas não conseguia se obrigar a fazer isto. Ela queria dar um passo para frente, encostar nele, e sentir os seus braços se fecharem ao redor dela.
Como se lesse os pensamentos dela, ele agitou a cabeça ligeiramente e andou para longe dela. “Não há muito para ver. Casa, curral, abrigo. Nada de luxuoso”.
“Uma mulher nem sempre precisa de luxo,” Amelia disse suavemente.
“Mas ela deve ter da mesma forma”.
“Você vai deixar Amelia assistir quando um garanhão montar em uma égua?”, Austin perguntou.
Houston rapidamente se virou para agarrar Austin. Austin se encolheu com a mesma rapidez, indo para trás, a mão espalmada na frente dele. “O que eu fiz agora?”.
“Você não deve conversar sobre procriação na frente de uma dama,” Houston disse, com a voz baixa.
“Não faz sentido. Não se pode dizer nada perto de uma senhorita. Então o que adianta compartilhar sua vida com ela se você não pode falar o que tem em mente?”.
“Eu não vou casar com ela e nem você. E você precisa chamar ela de senhorita Carson”.
“Por quê?, Dallas disse a mim ontem à noite que ela será como uma irmã pra mim por causa do casamento deles. Eu não chamaria minha irmã de senhorita Leigh”.
Houston fez menção de pegar em um chapéu que não estava em sua cabeça. Então ele se girou e olhou para Amelia. “Como você quer que ele te chame?”.
“Eu desejo que Austin me veja como uma irmã então eu realmente prefiro que ele me chame de Amelia”.
“Certo”. Ele balançou a mão no ar. “Certo. Chame ela de Amelia”.
Austin deu um grito. “Diabos! Essa é a primeira vez que eu ganho uma discussão!”.
Houston apontou um dedo para ele. “Sem palavrão!”.
Com um sorriso largo, Austin levantou as palmas da mão como se estivesse tentando se defender de um ataque. “Eu esqueci. Não farei novamente”.
“Espero que não faça,” Houston murmurou.
“Posso montar o Trovão Negro?”, Austin perguntou.
“Trovão Negro?”, Amelia perguntou.
“Sim, ele está aqui,” Austin disse, agarrando a mão dela e a puxando na direção de um curral distante, levando os cavalos junto. “Ele não é castrado, então Houston tem que manter ele separado das éguas”.
O garanhão preto lançou um olhar ao redor e trotou em torno do cercado. Em um cercado próximo, o garanhão Palomino relinchou.
“Ele é bonito,” Amelia sussurrou. O pelo preto do cavalo brilhava com a luz do sol da manhã.
“Eu que dei o nome,” Austin disse.
“Por que Trovão Negro?”, ela perguntou.
“Porque ele corre tão rápido e tão firme que soa como uma rajada pelas planícies”. Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro. “Não é verdade, Houston?”.
Relutantemente, Houston os seguiu, amaldiçoando a si mesmo por querer ver o rosto de Amelia quando ela olhava para o garanhão. Ele nunca tinha pensado muito em criar cavalos até que ele viu este garanhão preto em uma subida. Ele o tinha procurado por dois anos, perguntou-se às vezes se ele era um fantasma, um cavalo de lenda... até que ele o tinha capturado com a ajuda de Austin. Ele até agora não tinha tido uma égua merecedora do garanhão preto.
Até a hora em que Amelia o convenceu a procurar o rebanho Palomino. Ele cuidadosamente faria as seleções, escolheria as éguas que ficariam à disposição do garanhão preto.
“É, ele é rápido, mas ele não é de jogar as pessoas no chão,” Houston disse.
“Eu adoro montar no pêlo,” Austin disse, esfregando uma mão de cima a baixo na coxa. “Eu posso sentir o poder do cavalo, a força... Posso? Amelia pode esperar aqui. Eu não ficarei muito. Só um passeio rápido”.
Houston sentia como se estivesse preso entre um rebanho e um abismo enorme. O que ele queria e o que ele sabia que era direito estavam guerreando. Amelia olhou para ele, os olhos verdes, verdes como a esperança, e ele não podia dizer não, não poderia mandá-la de volta, embora ele soubesse que era o melhor.
“Só não fique muito tempo,” Houston disse de modo brusco, fazendo um compromisso consigo mesmo.
“Eu não irei,” Austin o assegurou. Ele deu as rédeas de seu cavalo e o de Amelia para Houston, pegou o freio de rédea em uma estaca e deslizou através das grades.
O cavalo bufou. Amelia se moveu para o lado de Houston. “Ele é preto. Não é perigoso?”.
“Todos os cavalos são perigosos se você não lidar com eles direito, mas ele não é arisco”.
Ela sorriu enquanto Austin deslizava a rédea por cima do focinho do cavalo, passando os dedos na juba preta longa, e montando no cavalo. O cavalo resistiu uma vez, e Austin deu um grito, o sorriso mais brilhante do que o sol do meio-dia.
Houston puxou de volta o portão, e o cavalo com o cavaleiro pularam para frente, levantando poeira enquanto eles iam para fora. Houston deu um tapinha nas montarias de Austin e Amelia, levando-os para o curral vazio. Ele fechou o portão.
“Eu estava pensando em treinar a égua hoje. Preciso levar ela para o outro curral para que assim ela se acostume com meu odor novamente”.
“Eu posso ir com você?”.
Houston concordou com a cabeça. Ele caminhou para o curral, Amelia ao seu lado. Ó Deus, era tão bom sentir que ela estava lá com ele, sentir seu cheiro, ver sua sombra tocando a dele. Ele cruzou os braços por sobre a grade, e os cavalos se dispersarem pelo curral.
“Eles ainda não confiam em nós,” ela disse tranquilamente.
Ele achava que agora poderia ser uma boa hora para fazer com que a mulher entendesse que não havia “nós,” que nunca haveria um “nós”. Mas a manhã estava calma, a brisa leve, e ela parecia tão bonita de pé ao lado dele assistindo os cavalos que ela o tinha ajudado a capturar.
Ele deveria ter explicado a Austin porquê um homem deseja ter uma mulher em sua vida. Tinha pouca coisa a ver com a sensação física que o corpo deseja. Tinha a ver com todas as memórias que ele tinha dela desde o momento em que a tinha visto pela primeira vez no trem em Fort Worth até a hora em que tinha visto Dallas beijá-la na noite anterior. Tinha a ver com o jeito suavidade que ela falava, com o modo como ela acreditava nele quando ninguém mais já tinha acreditado.
“Eles se acostumarão com a gente com o tempo,” ele disse.
Ela tirou sua atenção dos cavalos, suas sobrancelhas delicadas juntas formando uma depressão. “Por que você não disse a Dallas que estava criando cavalos selvagens?”.
Ele evitou o olhar dela, decidindo que era mais fácil assistir os cavalos do que ela. “Eu poderia não ter qualquer sucesso nisto. Dallas já viu fracassos meus mais do que suficiente”.
“Como?”.
“Você não gostaria de saber”.
“Eu não gostaria de saber ou você não gostaria de me contar?”.
Ele se forçou a olhar para ela. “Eu não quero dizer a você”.
“Você não confia em mim,” ela disse simplesmente. “Você é como os cavalos selvagens. Você não confia facilmente”.
“Veja o que aconteceu quando eles finalmente decidiram confiar na gente. Nós os traímos”.
“E você pensa que eu trairei você?”.
“Não,” ele disse, incapaz de evitar que sua voz fosse sumindo. “Eu acho que você vai me odiar”.
Austin retornou tarde da manhã, enquanto a brisa ainda estava fresca. Amelia não teria importado de ficar o dia inteiro com Houston, assistindo ele treinar a égua Palomino, mas ela sentia que Austin estava pronto para partir.
Enquanto eles montavam de volta para o rancho, Amelia se encontrou intrigada com o jovem que montava ao lado dela. Cheio de energia indomada, ele tinha uma inquietude. Ela supôs que fosse algo ligado a sua juventude. Algo mais excitante estava sempre esperando adiante, no próximo quilômetro, no próximo momento.
Amelia parou o cavalo. “O que é isto?”.
Austin se moveu para o lado dela. “O quê?”.
Ela apontou em direção à fera marrom avermelhada. Os olhos de Austin quase se arregalaram descontroladamente. “É uma vaca. Você nunca tinha visto uma vaca antes?”.
Ela agitou a cabeça. Não parecia nada com as vacas da Geórgia ou com aquelas que ela tinha visto pastar na casa de John e Beth. “Não uma como essa. Aqueles chifres parecem perigosos”.
“Eles são perigosos. De ponta até ponta, os chifres podem crescer mais alto do que alguns homens. Longhorns gostam de um bom estouro também. Dallas mantém o gado espalhado por que assim é menos provável que eles comecem um estouro. Você quer ver Dallas trabalhando?”.
“Você sabe onde ele está?”.
“Sim. Ele está juntando o gado lá no sul, marcando eles para que estejam prontos quando a primavera chegar”.
Ela percebeu muito tarde que a primeira coisa que deveria ter feito de manhã era ter ido atrás de Dallas , em vez de Houston. Quando ela tinha começado esta jornada, ela tinha a mente cheia de pensamentos com Dallas. Em algum lugar no meio do caminho, Houston tinha tomado o lugar dele. “Eu gostaria de vê-lo trabalhando”.
“Vamos, então”.
Eles montaram a galope com a brisa os envolvendo. Ela achava que nunca conseguiria entender como homens poderiam olhar pela terra e saber exatamente onde estavam. Mais gado ficou visível próximo à zona rural.
Então ela viu o que achava ser um rebanho inteiro, um mar de marrom e vermelho. Não demorou muito para que ela visse Dallas. Ele andava no meio do rebanho obviamente com um propósito. Ela o viu manobrar o cavalo, e mandar os bezerros para longe do meio do rebanho.
“Ele monta bem,” Amelia disse.
“É. Ele tem homens para fazer o serviço mas de vez em quando, ele mesmo faz”. Austin tirou o chapéu e acenou no ar.
Quando os bezerros saíram para a liberdade, um outro caubói o laçou. Dallas passou pelo bezerro laçado e alcançou Austin e Amelia. “O que você estão fazendo aqui?”.
“Levei Amelia para ver Houston. Descobri que ela não sabia o que era um Longhorn então achei que ela nunca tinha visto uma laçada. Achei que deveria mostrar para ela”.
Dallas moveu a cabeça e deu uma olhada rápida por cima do ombro. “Eles estão pequenos no outono. Venha na primavera, você dificilmente conseguirá enxergar por causa do pó que o gado provoca”.
“Houston disse que você tem duas mil cabeças de gado”.
Ele sorriu. “Da última vez que contei”.
“Eu pensava que um rancho seria como uma plantação, com sua graça e charme”.
“Você não acha o cheiro do couro e o barulho do gado encantador?”.
Ela riu ligeiramente. “Eu acho fascinante, mas nada como o que eu tinha esperado. É tão grande. Acho que deve ter algum tipo de homem treinado para domesticá-lo”.
“Isso é verdade”.
“Houston mencionou que você era esse tipo de homem”.
Um rubor passou pelo rosto de Dallas, descendo até a bandana vermelha que ele usava ao redor do pescoço. “Eu ainda não consigo acreditar o quanto ele conversou com você. Acho que tenho que mudar meus conceitos”.
Um som de metal preencheu o ar. Amelia olhou na direção da origem do som: uma carroça. Com uma barra de metal, o cozinheiro batia um triângulo de metal.
“Você está com fome?”, Dallas perguntou.
Amelia sorriu. “De fato, estou”.
“Austin, vá buscar alguns pratos”.
Enquanto Austin montava e ia até a carroça, Dallas desmontou e ajudou Amelia a descer do cavalo. Ele tirou o colete e o deixou no chão. “Protegerá sua saia um pouco”.
“Obrigada,” ela disse enquanto se sentava no chão.
“Acho que terá bife hoje,” ele disse, se sentando ao lado dela.
“Eu acho que quando a pessoa cria gado, você sempre tem carne para comer”.
“Sim, madame, a gente sempre tem”.
Ela suspirou, a mente de repente em branco. Fazer perguntas a Houston era muito fácil. Ela não podia pensar em uma única coisa para perguntar ao homem com quem iria casar.
“Você—”.
“Nunca—”.
Ela riu, ele sorriu porque tinham falado ao mesmo tempo.
“Você primeiro,” ele disse.
“Não, você”.
“Certo”. Ele arrancou uma folha de grama do chão e a colocou entre os lábios. “Eu ia dizer que nunca tive uma garota na minha frente como você então me avise se você precisar ou quiser alguma coisa”.
“Você nunca teve uma garota?”.
Ele levantou o braço na direção do cozinheiro. “Não, madame. Como você pode ver, minha companhia é composta de homens e gado”.
“Mas você esteve em um bordel”.
Ele se sentou mais reto. “Desculpe, não entendi?”.
“Houston disse que mulheres da vida não cobram de você, então eu presumi que você já tinha tido uma mulher”.
“Eu queria dizer que nunca tive uma garota fixa”. Ele se inclinou para frente até que ela pôde ver seu reflexo nas profundidades marrons dos olhos dele. “Houston mencionou que eu parei de visitar os bordéis quando eu recebi sua primeira carta?”.
“Não, ele não disse isso para mim”.
Dallas se esticou ao lado dela, levantou um cotovelo e sorriu. “Por que você não me diz tudo o que ele mencionou?”.
Dallas montava no cavalo com pressa, o vento frio da meia-noite o circulando, e sua cabeça mais quente do que ferro em brasa.
Houston disse que... Houston pensou... Houston disse a ela...
Dallas tinha passado a tarde e o início da noite ouvindo tudo o que Houston já tinha dito a Amelia. Dallas tinha conhecido Houston por vinte e oito anos e seu irmão nunca tinha, em sua vida inteira, conversada tanto! Nunca!
Nunca quando ele era um menino trabalhando nos campos de algodão, nunca quando ele estava batendo um tambor para a Confederação, nunca quando eles tinham viajado de volta para o Texas... Nunca!
Dallas não tinha planejado quebrar a perna, mas quando ele quebrou, enviar Houston atrás de Amelia tinha parecido a decisão certa.
Ele achava que Amelia estaria segura com Houston. Houston tinha ficado reservado desde a guerra. Tinha momentos em que Dallas sentia remorso... um pouco de culpa. Às vezes, ele se perguntava se suas ações naquela noite fatídica tinham sido egoístas. Ele nunca tinha voltado com a palavra em toda sua vida, mas ele frequentemente se perguntava se o preço de manter sua palavra valia a pena.
Ele empurrou os pensamentos inquietantes de volta para o canto escuro de seu coração que ele reservava para os remorsos, e bateu as esporas contra os lados do cavalo.
Um passeio rápido normalmente o acalmava. Mas hoje à noite, nada estava funcionando. Ele continuava ouvindo a voz de Amelia falar o nome de Houston muito suavemente, como se ela gostasse do modo como soava ou como se apreciasse dizer o nome dele. Como se ela ficasse pensando nele...
Ele parou o cavalo suado abruptamente e escutou a respiração ofegante do animal na noite. Ele não era um homem que normalmente abusava dos seus animais, e em qualquer outra época, ele teria desmontado e não teria pedido mais do cavalo do que de pedia a si mesmo.
Mas dessa vez ele tinha uma chama não conseguia apagar. Ele levou o cavalo adiante com um andar mais lento. Ele viu um lampião na varanda dianteira da cabana, um lampião que daria boas-vindas a estranhos e amigos da mesma forma. Ele não tinha esperado que Houston fosse tão receptivo.
Ele parou o cavalo diante da varanda dianteira e olhou para a estrutura de madeira simples. Julgando pelo tamanho, ele não achava que poderia ter mais do que um quarto. Lembrava a... casa.
A casa de antes da guerra. A casa onde a mãe batia neles com o avental quando descobria que eles tinham pegado com os dedos seu mel ou açúcar precioso. Casa, onde seu pai o deixara conduzir o pouco gado que eles possuíam em vez de fazê-lo trabalhar no campo. Ele odiava o campo, odiava o algodão. Sentar em um cavalo com o odor de gado montando contra o vento era preferível a despedaçar a terra e quebrar as costas no processo.
Ele desmontou, empurrou as memórias de lado, e puxou a corda que traria sua raiva. Ele não tomou nenhum cuidado em fazer silêncio enquanto andava na varanda e batia a porta ruidosamente, certo de que despertaria até os mortos.
Se o irmão não viesse para fora, era exatamente isso o que ele seria—morto.
Dormindo em um catre contra a cerca do curral, Houston acordou com o som dos cascos batendo sem pena contra o chão. Seu primeiro pensamento quando viu o irmão montar como se tivesse vindo do inferno foi de que algo tinha acontecido a Amelia. O coração bateu no mesmo ritmo do galope do cavalo, e embora o ar fresco da noite ao redor dele estivesse quente, inesperadamente ele sentiu um suor frio e úmido.
Ele se livrou do cobertor, ficou de pé, e sairia correndo como um louco se Dallas não tivesse parado o cavalo, e então andado na varanda como de estivesse em um tranqüilo passeio do domingo.
Agora o irmão estava batendo em sua porta fazendo barulho suficiente para começar um estouro.
“Maldição, Houston! Abra a porta!”.
Uma memória voltou à mente de Houston do tempo em que eles eram meninos: eles tinha ido nadar em um riacho frio. Dallas tinha saído da água, falando que estava na hora de ir para casa, ordenando que Houston saísse do riacho, sempre mandando nele. Nesse dia, Houston não estava com muita disposição de ficar recebendo ordens. Respirando fundo, ele afundou na água e foi nadando até um lugar onde a água eram mais fundas. Ele saiu da água justamente quando Dallas estava começando a calçar as botas. Então Dallas olhou para cima do riacho e começou a gritar por Houston. Mas Houston manteve o silêncio, como tinha feito, até que Dallas finalmente pulou no riacho, as mãos cortando a água como se ele fosse Moisés e pudesse separar as águas do riacho para revelar o irmão. Houston foi aonde suas roupas estavam e subiu em uma árvore. Ele se sentou lá tranquilamente esperando até que Dallas parasse de nadar e gritasse seu nome novamente.
“Você deveria tentar olhar um pouco para sua esquerda!” Houston gritou. “Eu posso estar aí!”.
Dallas se virou muito depressa, perdeu o equilíbrio e deslizou água abaixo. Ele voltou a subir e ficou bravo.
Eles lutaram, como os meninos gostam de fazer, até que começaram a rir, e os dois concordaram que tinha sido um bom dia. Eles voltaram para casa cobertos de lama, sorrindo enquanto contavam a história. Infelizmente, o pai deles não compartilhava do entusiasmo dos dois com a brincadeira. Houston recebeu um sermão por ter brigado sem motivo e foi para a cama sem janta. Mas tinha valido a pena pela cara de surpresa no rosto de Dallas quando ele se virou e o horror que tinha nos olhos quando percebeu que estava afundando.
Oh, sim, tinha valido a pena.
As batidas de Dallas não tinham enfraquecido quando ele gritou uma vez mais: “Houston, abra a maldita porta!”.
Houston pisou silenciosamente na varanda, colocou a mão no punho do irmão que batia na porta, agarrou a trinco, e empurrou a porta que sempre esteve aberta. “Era o que você queria?”, ele perguntou.
Dallas de um passo para trás como se alguém o tivesse amarrado e dado um puxão forte. Sua respiração estava difícil, e Houston estava certo de que se tivesse ainda luz do dia, ele teria sido capaz de ver a fúria dentro dos olhos escuros do irmão.
“Onde diabos você estava?”, Dallas perguntou.
“Dormindo perto do curral”.
Dallas se virou em direção ao curral, e Houston quase imaginou ver o horror no rosto de Dallas. Ele não conseguiu deixar de acrescentar: “eu te vi no minuto em que chegou”.
“Então você deveria ter falado, me avisado onde estava”.
“Mas assistir foi mais divertido”.
“Eu não te dei nada divertido para ver”.
Houston poderia ter argumentado contra aquela afirmação, mas achou melhor não mexer em casa de marimbondos. “Aconteceu algo com Amelia?”.
“Não, ela está bem. Dallas limpou a garganta. “Eu apenas nunca tinhas vindo aqui antes”.
“Parece melhor de noite,” Houston disse, com uma sensação ruim no estômago. Não era típico de Dallas ter dificuldade em achar as palavras certas, e o homem nunca explicava suas ações. Nunca. “O que você fez com Amelia?”.
Dallas virou a cabeça para o lado. “Eu não fiz nada com ela, mas eu gostaria de saber o que você fez”.
Houston estreitou o olhar. “O que você quer dizer com isso?”.
Dallas deu um passo para frente. “Eu estou dizendo que todas as frases ela coloca seu nome no meio. Houston disse isso... Houston acha aquilo... Parece que vocês dois são uma pessoa só. As coisas que ela me diz fazem parecer que ela é uma autoridade em saber o que passa na sua cabeça”.
Houston encolheu os ombros. “Quando se viaja com uma pessoa, você começa a conhecê-la”.
“O quanto você chegou a conhecer a Amelia?”.
A vontade que Houston tinha era dar um soco bem no centro do rosto perfeito do irmão. Em vez disso, ele fez o que sempre fazia. Ele pegou o caminho fácil. “Por que você não vai para casa, e eu esqueço que você veio aqui hoje à noite?”.
“Me responde, droga!”.
“Eu acabei de responder. Saia agora mesmo das minhas terras”.
“Você dormiu com ela, não foi?”.
Como os demais caubóis, Houston nunca tinha batido antes em um homem. Os homens se viravam com armas de fogo e não com punhos. O rosto do irmão parecia uma parede de pedra quando Houston apertou o punho contra ele. A dor cresceu rapidamente em seu braço enquanto Dallas tropeçava e caía na varanda. Houston saiu da varanda e colocou o pé por sobre o tórax do irmão. Dallas grunhiu e envolveu o tornozelo de Houston com a mão. Houston pisou com força.
“Eu te disse para ficar longe daquele maldito cavalo, mas você não me escutou! E eu paguei o preço pela sua teimosia. Por quarenta e três dias eu viajei pelo inferno, querendo aquela mulher como eu nunca quis nada durante toda a minha vida. Por quarenta e três dias, eu desenhei a sua maldita marca no chão para me lembrar de que ela pertence a você, que ela merecia o melhor dos homens. Pense o que quiser de mim, mas nunca, nem por um maldito segundo, pense mal dela porque você a forçou a ficar na minha companhia”. Ele puxou o pé para trás. “Ela passou pelo inferno para chegar até você: serpente, tempestade, inundação, fome e frio, e ela nenhuma vez reclamou. Ela é uma mulher de coragem, Dallas, e, por Deus, se você não estiver no nível dela, eu acharei um outro homem que esteja. Agora, saia das minhas terras”.
Sem olhar para trás, Houston andou a passos largos para o curral e cruzou os braços por cima da grade. As pernas tremiam tanto que ele parecia estar afundando na lama espessa de um pântano. Ele sentia como se elas fossem fraquejar a qualquer momento. O que, com certeza, arruinaria sua saída. Ele pensou que poderia até estar doente.
Ele ouviu o relincho do cavalo de Dallas e o bater dos cascos. Ele deslizou pela cerca e de debruçou contra ela. Seu pai tinha sido um homem violento, rápido em levantar a voz e os punhos raivosos. Houston nunca quis ser como ele. Ele mantinha o temperamento difícil para si mesmo, deixando que isso o corroesse por dentro, nunca deixando que extravasasse porque tinha medo do que poderia acontecer.
Bom, agora ele sabia. Ele era exatamente como o homem que desprezava.
Dentro das profundezas de seu sono, Amelia ouviu seu nome sussurrado freneticamente. Ela lutou contra a névoa, que pairava contra a luz do lampião. Ela podia ver uma forma esbelta acima dela na beirada da cama, um jovem com olhos preocupados. Austin.
O coração de Amelia bateu mais rápido. As notícias ruins sempre chegam a cavalo. Houston. Algo tinha acontecido com Houston. Ela se sentou na cama com um salto e agarrou o braço dele. “O que aconteceu?”.
“Dallas está ferido”.
“Dallas?”, seu alívio momentâneo deu passagem para a culpa. Seu primeiro pensamento deveria ter sido em Dallas. Saindo da cama, ela se embrulhou em um cobertor.
“Não está tão ruim,” Austin explicou, “mas acho que ele vai precisar de uns pontos”.
Ela se apressou e foi até a cadeira perto da janela e se ajoelhou ao lado do vestido verde que estava tentado consertar. Ela agarrou a tesoura e cortou a linha antes de tirar a agulha do tecido. “Onde ele está?”, ela perguntou enquanto se virava. Pego com a guarda baixa, ela olhou fixamente para Austin, que apertava o travesseiro dela contra o rosto.
Sentindo-se culpado, ele jogou o travesseiro dela na cama. “Seu travesseiro não cheira como o meu”.
“Você quer ficar com ele?”, ela perguntou.
Ele enganchou os polegares no cós da calça comprida e baixou a cabeça. “Não, é melhor não. Os homens poderiam rir de mim. Aquele cheiro doce com certeza seria notado no bangalô. É fedorento lá, tem cheiro de carne velha”.
Ela fez uma nota mental rápida de se lembrar de borrifar alguma fragrância no quarto dele quando ela estivesse casada com Dallas. “Onde está Dallas?”.
“Oh!”, ele saltou levantando os braços. “Por aqui”.
Ela o seguiu até o celeiro. Dallas estava sentado sozinho na entrada, a cabeça apertada contra a parede, os olhos fechados. A roupa coberta de pó. Sangue fluía lentamente pelo ferimento e pela bochecha inchada.
“Oh, meu Deus, o que aconteceu?”, Amelia exclamou enquanto se ajoelhou ao lado dele.
Os olhos dele se abriram de repente, e ele deu uma olhada rápida para Austin. “Eu disse a você para que trouxesse o cozinheiro”.
“Eu sei, mas eu achei que você provavelmente tinha se esquecido que nós temos uma mulher aqui para atender cuidar da gente”.
“Amelia, volte para a cama,” Dallas ordenou. “Eu chamarei Cookie”.
Ele começou a se levantar, e Amelia colocou a mão no ombro dele. “Eu cuidarei de você, mas nós precisamos te mover para a cozinha”.
“Isso não seria adequado”.
“Por que não?”.
“Porque nós não somos casados, e já é muito tarde da noite”.
Ela suspirou. “Você está ferido. Você é o homem com quem eu vou me casar. Com certeza os homens com quem trabalha sabem que eu posso confiar em você na minha cozinha”.
Ela podia ver seus argumentos percorrendo a mente dele. Ela achava que nunca conseguiria entender os pensamentos de um homem. “Não faz nenhum sentido eu viajar através de vários estados com o seu irmão e não danificar minha reputação, mas ajudar você quando está precisando danificar”.
Ele evitou o olhar dela e lutou para ficar de pé. “Certo”. Ele apontou um ameaçador para Austin. “Depois a gente acerta algumas coisas”.
Austin movimentou a cabeça, mas Amelia viu a confusão nos olhos dele, uma confusão que ela compreendia.
“Dallas ficará bem,” ela assegurou Austin enquanto eles caminhavam para a casa.
Já dentro da cozinha, Dallas puxou uma cadeira da mesa e sentou seu corpo dolorido nela. Austin levantou um quadril e sentou na mesa.
“Seja útil e faça fogo no fogão para Amelia. Nós precisaremos de água morna”.
Austin deslizou para fora da mesa e foi fazer sua tarefa, deixando cair três troncos no processo. Dallas tinha a sensação de que Austin estava gostando de Amelia. Ele não podia culpar o menino. Ele era um jovem, nenhuma ameaça para ele.
Ele assistiu Amelia esquentar a água. Ele tinha ficado tão agradecido por finalmente vê-la pessoalmente no primeiro dia quando ela chegou ao rancho que ele não pensou no quanto ela deveria ter suportado até chegar aqui. Ele deveria. Ele deveria ter feito Houston dar um relato detalhado de cada dia—.
“Como você se machucou?”, ela perguntou enquanto colocava a tigela de água morna na mesa e se sentava ao lado dele. Ela imergiu o pano na água e gentilmente tocou a bochecha dele.
A humilhação o inundou. Ele teria preferido uma bala ao invés de um punho. “Eu caí do cavalo”.
As mãos dela pararam, e ela observou o rosto dele. Ele tinha ficado tão imóvel quanto uma pedra, sabia que ela estava procurando a verdade, desejava que ela não a encontrasse. Ele nunca tinha mentido antes, e ele não tinha idéia de porquê estava mentindo agora.
“Eu não conseguia dormir. Eu sempre vou cavalgar quando não consigo dormir”.
Ela sorriu suavemente. “Bem, então, eu estou certa de que estou me casando na família certa. Você não dorme. Houston não dorme. Eu não durmo”. Ela deu uma olhada rápida para Austin. Ele tinha retornado ao seu lugar na quina da mesa. “Você dorme?”.
“Não no bangalô. Muitos homens roncam. Dallas é o pior. Você não conseguirá dormir um minuto depois que se casar com ele”.
“Se eu posso dormir com Houston roncando, eu posso dormir com qualquer pessoa roncando”.
“Eu provavelmente ronco mais alto,” Dallas disse, perguntando-se porquê tinha dado uma resposta tão infantil. Ele nunca tinha sido competitivo quando a situação envolvia Houston. Ele sempre tinha sido reconhecido como o melhor dos dois. O pai o tinha ensinado isso, todas as vezes apontava os defeitos de Houston e exaltava as qualidades dele.
O sorriso dela aumentou. “Não levarei isso como um ponto negativo seu”. Ela retirou a agulha de sua manga. “Eu acho que deveria te costurar”.
Ele movimentou a cabeça em direção a Austin. “Vá pegar o uísque”.
Austin pulou da mesa e se dirigiu ao escritório de Dallas. Amelia continuou a tocar levemente o rosto dele, tão suavemente. Antes que ela percebesse, ele tinha embalado a bochecha dela com a palma da mão e levado seus lábios até os dela. Ela suspirou surpresa, e ele deslizou a língua dentro da boca de Amelia.
Ela correspondeu ao beijo timidamente, quase como se tivesse medo. Deus, ele não queria que ela tivesse medo, não dele, nem de qualquer coisa. Ele recuou e estudou o rosto dela. Tão inocente. Ele teve vergonha de suas antigas dúvidas. Ele merecia o soco que Houston tinha dado nele; Merecia isto e muito mais.
“É, serão dois longos meses,” ele disse.
Ela corou lindamente, de uma forma tão incrivelmente linda, que pela primeira vez, ele viu a jornada pelos olhos do irmão. E ele não gostou nada do que viu. Não mesmo.
Logo antes do amanhecer, Amelia se sentou nos fundos da varanda, esperando, desejando que estivesse errada.
Ela sorriu quando Austin apareceu de dentro da escuridão, suas pernas longas o levando em direção a parte de trás da varanda, o violino debaixo do braço.
“Dia”, ele disse enquanto se sentava ao lado dela e colocava o violino embaixo do queixo.
“Dallas saiu com os homens?”.
“Não, madame. Ele saiu logo depois que nós te deixamos. Disse que tinha alguns negócios para resolver”.
O pânico cresceu dentro dela quando ela imaginou o que exatamente aqueles negócios queriam dizer. Ela não devia ter esperado. Ela devia ter saído sozinha. “Você me leva até Houston?”.
Fazendo careta, ele bateu o arco no violino. “Dallas me disse para não te levar até Houston”.
O pânico crescia ainda mais enquanto ela ficava de pé. “Então eu irei sozinha”.
Austin ficou de pé de um salto. “Você não pode fazer isto”.
“Eu preciso ver o quanto Houston está machucado”.
“O que faz você achar que ele está machucado?”.
Ela balançou a cabeça e o estudou, perguntando-se quando que as pessoas perdem o modo inocente de encarar as coisas. “Já vi como Dallas monta. Ele não caiu do cavalo”.
“Então o que aconteceu?”.
Levando a mão até a testa dele, ela tirou o cabelo escuro da sobrancelha do jovem. Ele abaixou a cabeça embaraçado com a ação dela. “Eu acho que ele e Houston brigaram”.
“Houston? Ah, não, madame. Houston não teria batido nele. Houston nunca briga. Talvez Dallas tenha se chocado contra o gado nervoso e não queria te preocupar”.
“Então por que ele disse para você não me levar até o Houston?”.
“Eu não sei. Ele não é um homem que eu fico questionando”.
“Eu sei que você, provavelmente, está certo, e que eu, provavelmente, estou errada mas eu preciso ver Houston”.
Ele suspirou com força. “E se eu for lá ver como ele está?”.
“Não, eu preciso vê-lo”.
“Certo. Eu pegarei nossos cavalos”.
Ela o ouviu resmungando alguns palavrões enquanto andava a passos largos para longe. Se ela estivesse certa, ela esperaria falar alguns palavrões ela mesma antes do dia ter terminado.
“Viu? Ele está bem”, Austin disse enquanto eles paravam os cavalos perto da extremidade da propriedade de Houston. “Ele não estaria dentro do curral adestrando a Palomino se não estivesse bem”.
“Eu quero vê-lo mais de perto”.
Ela começou a levar o cavalo adiante, mas Austin passou em sua frente e agarrou seu braço.
“Nós não podemos ir de cavalo até lá enquanto ele está sozinho no curral. Nós assustaremos o cavalo, e ela jogará Houston no chão”.
“Certo, eu caminharei”.
Ela desmontou, apenas para se encontrar com Austin barrando seu caminho.
“Sabe, você é mais teimosa do que Dallas jamais pensou em ser. Vou prender os cavalos naquele arbusto e vou caminhando com você. Mas se a gente não for da forma certa nós o mataremos”.
“Eu sei como abordar um cavalo selvagem. Eu estava com Houston quando ele pegou o rebanho”.
Usando o dedo polegar, ele tirou o chapéu da sobrancelha, os olhos azuis arregalando. “Ele te levou? Para o rebanho?”.
Ela sorriu com as lembranças.
“Que droga! Ele nunca me levou. Ele sempre me fazia esperar por ele no curral para que quando ele viesse eu fechasse o portão. Por que ele te levou?”
“Eu acho que ele não podia me deixar sozinha”.
“Como que foi?” Ele perguntou assombrado. “O que você sentiu enquanto estava no meio de todos aqueles cavalos?”.
“Foi maravilhoso”. Ela pôs a mão no braço dele. “Deixe-me ver se Houston está bem, e então eu contarei a você toda a história”.
“Espere aqui,” ele ordenou antes de levar os cavalos para detrás de um arbusto.
Amelia voltou sua atenção para o curral. Sem camisa ou chapéu, Houston permanecia no centro do curral conduzindo a Palomino por uma corda. O cavalo trotava em círculo.
O animal era bonito, gracioso, e andava orgulhosamente como se soubesse que seus antepassados eram da melhor linhagem. Houston poderia conseguir um bom preço por ela, o suficiente para poder expandir sua pequena criação, criar os cavalos com maior seriedade.
Ela imaginava a alegria que seria trabalhar ao lado de um homem, ajudá-lo a construir e lapidar seus sonhos. Dallas já tinha construído seu império, realizado todos os sonhos, menos um. Amelia daria a ele seu sonho final: um filho. Ela acharia alegria e felicidade na criança. Através dos anos, ela o guiaria, como o pai, ele seria alguém que os outros homens respeitariam e admirariam.
Ainda assim, ela não conseguia deixar de se perguntar se uma pequena parte dela ansiava por mais.
Austin voltou, e juntos, eles foram lentamente até o curral. Ela não conseguia parar de admirar a forma esbelta de Houston. Com tantos músculos quanto aquele Cavalo selvagem, tão poderoso, os músculos definidos das costas, a parte superior do peito, os longos braços que conduziam o cavalo.
Enquanto eles se aproximavam, ela podia ouvir o timbre gentil de sua voz enquanto encorajava o cavalo. Ela achava que um homem poderia domesticar uma serpente se quisesse.
“Ele não parece que andou brigando,” Austin sussurrado, se debruçando para baixo para que assim ela pudesse ouvi-lo sem perturbar o cavalo.
Não, ele não parecia que tinha estado em uma briga. Ela não conseguia ver nenhuma contusão em seu rosto ou corpo. Ela só podia ver a magnificência de sua postura. Ele estava no local certo, com os cavalos. Ela supôs que alguns homens simplesmente gostavam de ser solitários, simplesmente preferiam a solidão.
Ele os viu por um momento, e o coração dela bateu descompassado como sempre fazia quando ele a olhava com aquela intensidade. Ela desejou, por um minuto insano, ser o cavalo, para que ela pudesse ser tão amada por ele quanto o cavalo selvagem.
Com um movimento gentil da mão, ele diminuiu a velocidade do cavalo, até fazê-lo parar. Ele removeu o cabresto de corda e deu um tapinha na anca do cavalo antes de caminhar na direção de Amelia.
O cavalo se virou e cutucou o traseiro de Houston. Sorrindo amplamente, Houston colocou a mão no bolso e retirou uma maçã. O cavalo a pegou e trotou para o lado mais distante do curral. Houston continuou andando e subiu na grade.
“O que traz vocês aqui?”, ele perguntou enquanto pegava a camisa e colocava.
Ela resistiu ao desejo de tocar na gota de suor que escorria pelo peito e se perdia através do cós da calça.
“Amelia não acreditou que Dallas tinha caído do cavalo ontem à noite e batido o rosto,” Austin disse.
Houston começou a abotoar a camisa, seu olhar preso na tarefa que ele deveria ser capaz de fazer até no escuro. “Não é incomum um homem cair do cavalo quando está montando de noite. Especialmente quando não há lua. O cavalo pode pisar em um buraco e lançar o cavaleiro”.
Ela colocou a mão por sobre a dele, e ele ficou quieto. “Como você contundiu o nó dos dedos?”, ela perguntou.
Ele ergueu o olhar. “Caí da varanda”.
“Como você fez isto?”, Austin perguntou.
“Tem um monte de malditas quedas acontecendo por aqui,” ela disse antes de se virar, a raiva visível dentro dela.
“Eu achava que mulheres não deviam falar assim,” Austin disse.
“Leve o Trovão Negro para um passeio,” Houston disse.
“Mas eu quero ouvir—”.
Ela ouviu uma pancada gentil e estava certa de que tinha sido Houston batendo na cabeça de Austin.
“Droga!”, Austin chorou.
“Pare de usar essa linguagem perto de Amelia”.
“Por quê? Ela fala assim perto de mim”.
Ela ouviu um suspiro de exasperado de Houston e lutou contra as lágrimas que queimavam os olhos dela.
“Por favor, leve o cavalo para um passeio,” Houston disse resignado.
“Você me levará no rebanho com você da próxima vez que for capturar cavalos selvagens?”, Austin perguntou.
“Sim”.
“Tá. Eu não irei muito longe”.
“Certo”.
Ela assistiu Austin correr para o curral. Ela esperou, o que pareceu ser uma eternidade, até que ele montasse o cavalo e galopasse para longe da vista dela. Ela sentiu a mão de Houston descansar em seu ombro. Ao se virar, ela não conseguiu evitar entrar no abraço dele. Ele fechou os braços ao redor dela, e ela deitou a cabeça contra o peito dele, apreciando a batida regular de seu coração.
“Dallas veio aqui ontem à noite, não é?”.
Os braços dele se apertaram ao redor dela. “Dallas tem sua vida planejada em cada detalhe. Ele só está um pouco frustrado agora porque alguns desses detalhes não estão saindo como foram planejados. Quando você estiver casada—”.
Ela ergueu o olhar. “Eu não o amo. E não sei se o amarei”.
Ele soltou a mão dela e deu um passo para trás como se, de repente, ela tivesse mostrado presas venenosas. “Você sabia que não estaria casando por amor quando colocou o anúncio”.
“Porque no momento, eu não sabia o que era amar, não sabia como é um presente precioso”.
“Se ele é um presente, então você pode dá-lo, e você achará um jeito de dá-lo a Dallas”.
“Eu já dei. Eu não posso pegar de volta. Mas você não o quer, não é?”.
Ela viu angústia refletida nas profundezas do olhar dele. “Não é que eu não queira. É que eu não mereço isto”.
“Por quê?”.
“Pergunte a Dallas. É a razão pela qual ele não consegue nem me olhar”.
Sentando no cavalo resolutamente, Dallas olhou para a torre, admirando seu simples projeto da mesma forma que admirava os projetos dos homens que sabem aproveitar a natureza. Ele achou conforto na batida fixa do martelo de Jackson trabalhando para terminar a estrutura de madeira. Dallas já tinha três moinhos de vento trazendo água para as suas terras. O primeiro tinha sido construído onde ele sempre tinha planejado construir sua casa assim para que assim ele pudesse dar de presente à esposa o luxo de uma bomba de água.
Ele, os irmãos, e os homens que trabalhavam para ele tinham dormido sob as estrelas antes de Amelia aceitar sua proposta de casamento. Suas palavras simples, “eu considero uma honra me tornar sua esposa,” o tinha levado rumo a uma estabilidade sólida. Ele construiu a casa na qual tinha pensado durante anos: algo grande, merecedora da família que viveria dentro de suas paredes. Ele ergueu um bangalô para que se lembrasse dos sentimento de permanência que as cartas de Amelia criavam nele. Futuramente faria uma cozinha próxima ao bangalô para substituir a carroça porque eventualmente o cozinheiro se tornaria tão estacionário quanto o gado.
O arame farpado serviria para isso. Traria mudanças dramáticas para suas vidas, da mesma maneira que a expansão das vias férreas continuava a fazer. Dallas lutava constante para ficar à frente das mudanças, para que fizesse decisões que não o deixasse comendo poeira. Ele tinha que ser o melhor. Seu pai não aceitaria menos do que isso.
Dallas mudou a posição do traseiro sobre a sela. Ele queria levar seu filho para o topo do moinho de vento para que juntos eles pudessem olhar de cima toda a terra que ele tinha adquirido. Ele queria ensinar ao filho a apreciar a natureza, entender suas debilidades, respeitar suas forças. Ele queria amar o filho incondicionalmente, como seu pai nunca o tinha amado.
Tudo o que ele possuía, tudo que o cercava, ele tinha ganhado com seus próprios esforços, sua própria persistência, sua vontade de se arriscar quando os outros homens se continham. Se ele pudesse obter um filho sozinho, ele faria, mas ele era um homem que conhecia suas limitações.
Ele precisava de uma esposa para que tivesse um filho. Ele precisava de Amelia. E ela sabendo ou não, ele precisava dela.
Ele não teve tato quando confrontou Houston na noite anterior. Quando o punho de Houston bateu no rosto dele, Dallas achava que o irmão teria a intenção de reivindicar Amelia para si. Em vez disso, ele ameaçou achar um outro marido para ela. Se Houston tivesse sentimentos por Amelia, eles não eram profundos o suficiente para obscurecer o desejo de Dallas por um filho.
Quanto aos sentimentos de Amelia... depois de receber o gentil tratamento dela enquanto consertava a bochecha dele, Dallas decidiu que era simplesmente da natureza dela se importar com as pessoas. Ele via que tinha sido por isso que ela nunca tinha lamentado torná-lo seu esposo.
E quanto mais rápido ela se tornasse sua esposa, mais cedo estas dúvidas desnecessárias parariam de distraí-lo das suas preocupações com o rancho. “Jackson!”.
A batida parou, o silêncio reverberando pelo ar como um homem no topo de uma torre balançando o chapéu. “Sim, chefe?”
“Preciso conversar com você”.
Dallas parou seu garanhão diante de Jackson enquanto ele descia da estrutura robusta. As pernas dele eram tão compridas quanto a de um Longhom. Dallas admirou sua agilidade e o respeitava por fazer seu trabalho ser ter ninguém por perto tomando conta. Era a característica de um bom caubói; uma característica que todos os homens que trabalhavam para ele possuíam. Ele poderia não saber nada sobre o passado deles, mas ele sabia como eles trabalhavam.
O homem bate o chão com ambos os pés e tira o chapéu da cabeça. “Sim, senhor?”.
“Eu preciso que você vá achar o pastor itinerante”.
O queixo de Jackson caiu. “E o moinho de vento?”.
“Eu preciso de um filho mais do que preciso de água”.
“Mas e se nós formos atingidos por uma seca”.
Dallas levantou uma sobrancelha escura, e o homem colocou o chapéu em cima do cabelo preto. “Sim, senhor. Eu o acharei”.
“Quando você o achar, traga ele e venha também para a casa. Eu vou querer todos os homens lá para o casamento—por Amelia”.
“Sim, senhor”.
Dallas saiu com cavalo a galope. Daqui a um ano, ele estaria compartilhando aquele moinho de vento e toda a terra que o cercava com o seu filho.
Uma liberdade incrível se estendeu por Austin enquanto ele ficava de pé na extremidade do penhasco olhado fixamente através das pedras escarpadas para o horizonte distante. Aqui seu sonho parecia atingível. Aqui, ele poderia falar o desejo de seu coração em voz alta, e ele não se sentia um tolo com apenas o vento para escutá-lo.
Algum dia, ele acharia a coragem para contar aos irmãos. Ou talvez ele partisse sozinho, e quando tivesse realizado seu sonho, retornaria para compartilhar o momento glorioso com eles. Ele sabia que assim que tivesse tido sucesso, eles não ririam, mas até esse momento, ele temia a falta de fé ou de interesse deles que poderia destruir o que ele desejava ter.
Um violino... criado por suas mãos... que faria a música mais doce de todas.
Subindo em um ‘crescendo’, suave como uma brisa de primavera, forte como uma tempestade de inverno, as notas gentis atravessariam seu coração, sua mente, tão claramente... tão claro e tão alto que ele não ouviria o som das pedras que estavam sendo partidas ao longe. Trovão Negro bufou e bateu a pata no chão enquanto Austin se virava.
Ele era um homem morto.
Ele fechou as mãos em um punho para não levá-la até a arma de fogo. Ele nunca tinha atirado em um homem ... muito menos seis.
“Ei, garoto”. Os lábios se levantaram em um ato zombeteiro, o homem barbudo se debruçou para frente e cruzou os braços por cima do chifre da sela. “Bom cavalo esse que temos aqui”.
“Não vale a pena. Ele ainda não foi amansado”.
O homem riu. “Eu posso amansá-lo. Poderia te ‘amansar’ também se eu quisesse”.
Austin não duvidou nem por um segundo enquanto baixava o olhar para as mãos corpulentas do homem enorme. Ele teve uma sensação horrível na boca do estômago porquê o homem parecia gostar de matança. “Olhe, senhor, eu não quero nenhum problema”.
O sorriso do homem parecia uma peste maligna. “Isso é bom, menino, porque eu não faço nenhum”. Ele tirou a arma de fogo do cinto e cinco outras armas de fogo estavam visíveis.
A boca de Austin ficou seca, o coração batia tão forte e rápido que ele não conseguia ouvir quase nada.
“Mead, pegue o cavalo”.
Um homem que parecia um touro desceu de seu cavalo e foi desajeitadamente até Trovão Negro, e agarrou as rédeas. O cavalo puxou a cabeça para cima e o homem o puxou com força novamente, arrastando o cavalo atrás de si.
Sem aviso prévio, o homem barbudo atirou próximo aos pés de Austin. Austin pulou para trás. O homem riu.
“Só continue indo para trás, menino”.
Austin levantou as mãos. “Senhor, eu estou na ponta de um precipício. Se eu for para trás—”.
“Eu sei, menino. Você pode gritar o quanto quiser durante a descida”.
Ele novamente atirou no chão, a bala levantando poeira entre as botas de Austin. Austin se moveu para trás.
“O próximo vai pegar no seu dedão do pé, depois será o joelho”.
Austin ouviu a explosão, saltou para trás, e se viu envolvido apenas pelo ar e risos dementes.
Caubóis não foram feitos para caminhar. Doendo da cabeça aos pés, Austin se sentou e tirou as botas.
Ele tinha caído da ponta do precipício, se agarrado em um arbusto irregular, e se segurado com toda a força, seus dedões do pé procuravam por um lugar onde se apoiar no desfiladeiro rochoso. Ele esperou até que tivesse ouvido os cavaleiros galopando para longe antes de ele começar a subir.
Ele tinha caminhado por horas, o sol o castigando, o vento seco chicoteando e o pó sufocante. Ficando de pé, ele pegou sua arma de fogo do cinto e atirou para o céu, percebendo tarde que ele poderia ter alertado os ladrões de cavalo o fato de que ele tinha sobrevivido.
Furiosamente, ele deixou as lágrimas descerem pelo rosto. Ele devia ter feito frente. Ele não devia ter permitido que aqueles homens levassem o melhor cavalo de Houston. Ele devia ter puxado sua arma de fogo—ainda que, com certeza, ele tivesse sido morto.
Ele devia ter prestando atenção, não ter ficado sonhando acordado. Se Dallas e Houston descobrissem o que tinha acontecido hoje, eles nunca confiariam nele novamente, o veriam como o menino que ele era e não como o homem que estava se tornando.
Ele tinha sido irresponsável e estúpido. Dallas sempre dava sermões sobre os perigos que abundavam pelos caminhos, onde eles estavam isolados da lei. Ele o tinha ensinado a usar sua arma de fogo. Austin não tinha tido a coragem de testar esse conhecimento.
Ele viu dois cavaleiros ao longe. Ele apontou sua arma de fogo, sua intenção era matar ambos. Ele soltou a mão para o lado quando reconheceu Houston e Amelia. Sem dúvida eles tinham ficado preocupados e começaram a procurá-lo.
Ele enxugou as lágrimas das bochechas. Ele preferia enfrentar os ladrões de cavalos novamente a enfrentar Houston.
Houston e Amelia pararam os cavalos. Houston estava fora de sua sela e agarrando o ombro de Austin na sua frente antes que ele tivesse tempo de esconder as lágrimas. “Você está machucado?”, Houston perguntou, a voz cheia de preocupação.
“Não, apenas arranhado. Eu não estava prestando atenção”. Ele fungou, desejando a Deus que ele não estivesse chorando como um bebê. “Trovão Negro caiu em um buraco. Partiu a perna em duas. Eu tive que atirar”.
Houston o empurrou como se Austin tivesse dado um tapa nele. “Onde está ele?”.
Austin não esperava que ele quisesse ver o cavalo. Ele esfregou o dedo embaixo do nariz, ganhando algum tempo enquanto pensava em uma outra mentira. “Eu ouvi coiotes. Eu não acho que você vai achá-lo”.
“Não, não acho que vou”. Houston tirou a mão do ombro de Austin e passou por ele.
Austin se virou para ver o irmão parar e abaixar o queixo contra o peito. Ele sabia que Houston estava magoado, e sua culpa aumentou porque ele não tinha nenhuma idéia de como aliviar a dor do irmão. Ele ficou surpreso quando Amelia pegou em sua mão.
“Você está bem?”, ela perguntou.
“Sim. Eu não queria perder o cavalo”.
“Ele sabe”.
Ela foi até Houston e ele colocou o braço ao redor ela, puxando-a contra si.
Austin não achava que eles estivessem conversando, só segurando um ao outro como se isso fosse o suficiente. Ele desejava que Amelia tivesse continuado tocando-o, mas ele percebeu que agora Houston precisava mais dela do que ele. Austin não conseguia se lembrar de como tinha se sentido quando tinha perdido a mãe, ele só sabia que tinha uma dor permanente, como se uma parte dele estivesse faltando. Ele imaginou que Houston estava se sentindo assim neste mesmo, e ele estava contente por Dallas ter trazido uma mulher aqui para aliviar suas dores já que ele e os irmãos tão certos quanto o calor do inferno não sabiam nada sobre dar conforto. Um olhar atravessado, um grito, um tapa na cabeça era tudo o que eles sabiam.
Amelia virou seu rosto adorável para cima e disse algo para Houston, e Austin teria jurado que o homem tinha sorrido. Ele trouxe Amelia para mais perto até o momento em que eles pareciam ser um só antes que ele saísse de perto dela e caminhasse até Austin, Amelia veio atrás dele.
“Eu fico agradecido por você ter posto um fim em Trovão para protegê-lo do sofrimento. Matar um cavalo não é uma coisa fácil de fazer”.
As lágrimas voltaram aos olhos de Austin. “O que você fará sem um garanhão agora?”.
“Como Amelia muito amavelmente me lembrou, eu tenho o Palomino. Venha na primavera, você e eu vamos achar um outro garanhão. Eu te levarei para o rebanho comigo”.
Austin se sentiu como se Houston o estivesse recompensando por uma ação que na verdade ele deveria ser castigado. “Você não tem que me levar no rebanho”.
“Disse que iria. Um homem precisa manter sua palavra. Por que você não monta comigo, e nós levaremos você para casa para que Amelia possa cuidar dos seus cortes e arranhões?”.
Austin movimentou a cabeça em uma agonia muda. Sua consciência o fazia se sentir mais inferior do que barriga de serpente.
Quando a noite caiu, Amelia se sentou na varanda dianteira, lanternas de cada lado fornecendo a luz com a qual ela trabalhava, usando a paciência, cuidado e dedicação para remendar a seda verde rasgada, desejando que ela pudesse remendar as lágrimas de seu coração tão facilmente.
A mãe tinha dito a ela uma vez que machucava amar um homem. Sua mãe tinha chorado nessa hora. Amelia tinha decidido então que nunca adoraria um homem que a machucasse.
Ainda assim ela tinha se apaixonado por um homem que estava determinado a machucá-la como forma de protegê-la. Ela não achava que algum dia sentiria essa ânsia por Dallas.
Ela gostaria dele e teria afeição por ele.
Ela seria uma boa esposa, uma mãe maravilhosa para suas crianças. Ela ganharia seu respeito, sua confiança, mas nunca seu amor.
E ele nunca a machucaria. Era impossível machucar alguém que tinha dado o coração para outro.
Ela ouviu as notas tristes na serenada do violino. Ela teria se juntado a Austin na varanda de trás, mas ela sentia que ele precisava ficar sozinho. Ele não tinha desejado sua atenção ou pena quando eles tinham retornado a casa de Dallas. Se ela não o conhecesse, pensaria que ele estava tentando se castigar por algo que não era sua culpa.
Ela admirou a maneira como Houston tinha lidado com a perda de seu cavalo: sem culpar Austin. Ela sabia que Houston estava magoado esta noite, que tinha perdido uma parte de seus sonhos. Ela desejava poder ter aliviado sua dor, mas seu lugar estava aqui, esperando, na varanda que Dallas tinha construído para ela, esperando o futuro que uma vez ela tinha desejado.
Dallas era o homem com o qual ela tinha feito uma promessa, uma promessa que ela manteria não importava o que isso causasse ao seu coração. Ele não merecia suas dúvidas ou sua traição.
A música de Austin parou na mesma hora que Amelia viu o cavaleiro vir... de uma longa distância. Ela tinha esperado por Dallas, precisava falar com ele. Ele montou até a entrada da varanda, desmontou, e colocou as rédeas em volta da grade.
Com as esporas chiando, ele andou sobre a varanda. Ele usava um colete por cima da camisa marrom clara, a calça comprida marrom escura. Ele tirou o chapéu e se ajoelhou ao lado dela, o comprido dedo bronzeado tocando a seda verde. “O que é isto?”.
“Um dos vestidos que Houston comprou. Se rasgou quando a carroça foi destruída, mas eu posso consertar”.
Estreitando as sobrancelhas, ele esfregou o pano de seda entre os dedos cheios de calos. “Não tem nenhum babado ou renda”.
Ela colocou a agulha no pano. “É realmente um vestido de gala simples, mas eu acho que fica bem elegante quando eu estou usando”.
Ele olhou para cima e as luzes dos lampiões brilhavam contra seu cabelo preto. “As mulheres não gostam de coisas com babados?”.
Ela pensou no chapéu que ele tinha mandado para ela e tentou achar as palavras certas. “Nós gostamos um pouco de coisas assim. Mas, depende da ocasião”.
“Você deve ter ficado agradecida, então, quando aquele guaxinim levou seu chapéu”.
“Eu acho que... fiquei aliviada”.
“Muitos babados, não é?”.
“Muitos pássaros,” ela confessou.
Ele concordou com a cabeça sabiamente e sorriu. “Acha que uma serpente com um chocalho teria sido melhor?”.
“Se eu abrisse aquela caixa e visse a cabeça de um cascavel, eu não estaria tão certa se viria”.
O sorriso diminuiu no rosto dele. “Por que você não disse que estava sem dinheiro? Eu teria enviado para você”.
“Suas cartas eram confortantes o suficiente”.
Seus dedos rapidamente tocaram a bochecha dela. “Muito orgulhosa. Eu pude sentir naquelas cartas.
“Nós combinamos um com o outro, Amelia, e depois de esperar tanto tempo até vocês estar finalmente aqui, dois meses parecem uma eternidade. Eu enviei um dos meus homens para achar o pastor itinerante. Acredito que dentro de um mês, nós estaremos casados”.
Ela manteve o olhar dele. Se ela não pudesse ter um casamento com base no amor, ela pelo menos insistia que ele tivesse como base a confiança e a honestidade. As mentiras do passado, dele e dela, ela perdoaria e esqueceria. Mas o futuro deles exigia uma fundação mais forte. “Eu quero sua palavra de que você nunca mais mentirá para mim”.
Ele firmou o queixo. “Você viu Houston hoje?”.
Ela concordou com a cabeça. “Ele não me disse por que bateu em você, mas eu suspeito que tenha algo a ver comigo. Eu não imagino que ele tenha dito a você mas durante o tempo em que estivemos juntos, ele sempre me respeitou e foi leal a você”.
“Não, ele não mencionou, mas eu estou começando a ver que foi assim”.
“Ele se tornou meu amigo, e eu gostaria de pensar que também me tornei amiga dele. Você é o irmão dele, e eu ainda não entendo por que você não soube que ele estava criando cavalos selvagens, por que você nunca tida ido a casa dele antes de ontem à noite—”.
Dallas ficou de pé. “Ele nunca perguntou! Nenhuma vez. Ele gosta de sua solidão, e por Deus, eu devo isso a ele se ele quiser”.
“Mas você mandou que ele fosse me buscar”.
“Para proteger sua reputação. Ninguém questionaria sua reputação sabendo que você tinha viajado com ele”.
“Por causa de sua deformação?”.
Dallas ficou ruborizado. “Isso e o temperamento. Ele sempre foi reservado ou pelo menos ele era até a jornada”.
Ela baixou o olhar. Ele se ajoelhou ao lado dela novamente e tocou sua bochecha. “Amelia, eu preciso de uma esposa que as pessoas respeitarão”.
Ela ergueu os olhos para ele. “Eu preciso de um marido que não mentirá para mim”.
Os dedos se viraram para longe do rosto dela enquanto ele evitou o olhar dela, e olhou fixamente para a escuridão além da varanda. “Eu preciso de você, Amelia, e eu quero que você seja feliz”. Ele voltou o olhar para ela. “Dou a você minha palavra de que não mentirei novamente para você”.
A palma da mão dele embalou sua bochecha, logo antes de seus lábios tocarem os dela. O beijo foi tenro, gentil, tudo o que os de Houston não tinham sido.
Nas noites seguintes, nos dias seguintes, ela seria beijada dessa forma, sentiria os sentimentos dele sem sentir calor, se sentiria segura, contente. Ela rezou para que fosse suficiente.
Ele tirou a boca que estava por sobre a dela e sorriu. “Mais doce que o beijo de ontem à noite”.
Ela coçou o lábio superior. “Seu bigode coça”.
“Você quer que eu corte?”.
“Não!”, ela tocou a mão na bochecha dele. “Combina com você”.
“Meu pai tinha bigode”. Ele agitou a cabeça. “Suponho que Houston tinha dito a você”.
“Não, ele nunca falou muito sobre o pai”.
“Bom”. Dallas ficou de pé e esfregou as mãos nas coxas. “Eu pensei que em celebrar a sua chegada amanhã à noite. Matar um bezerro gordo. Dar a você uma chance de conhecer os meus homens”.
“Eu quero que você convide Houston”.
“Ele não virá”.
“Convide-o de qualquer maneira”.
Ele cruzou os braços por cima do tórax e se debruçou contra a viga da varanda. “Se você ficar feliz—”.
“Ficarei”.
As notas baixas do violino fluíram pelo ar novamente. O som quase destruiu o coração de Amelia.
Dallas virou a cabeça para o lado. “O que é esse barulho? Soa como se alguém estivesse morrendo”.
“Austin está tocando o violino. Eu acho que ele conta com a música para ajudá-lo a lidar com as coisas que o chateiam”.
“Por que ele está chateado?”.
Ela suspirou profundamente. “Houston tinha um garanhão preto. Austin montou nele à tarde, e o cavalou caiu em um buraco. Ele sabia que o cavalo era importante para Houston, e eu acho que ele se sente culpado porque ter atirado nele”.
“Ele não devia se sentir culpado. Esse é um perigo que se corre ao montar. É uma coisa que se deve aceitar”.
“Você podia conversar com ele. Você é seu irmão, mas ele o vê como um pai. Ele quer desesperadamente que você note que ele está se tornando um homem”.
“Como você faz isto?”.
“O quê?”.
“Fazer um homem dizer a você o que tem na mente”.
Ela sorriu suavemente. “Eu me preocupo o suficiente para perguntar”.
Dallas ficou de pé nas sombras e escutou, realmente escutou a música, pela primeira vez em sua vida. Ele imaginava realmente poder sentir o pesar de Austin pairando ao redor dele. Quando Austin parou de tocar, o ar ainda estava carregado com o som pairando na brisa. Austin deixou a cabeça cair para trás contra a viga. Dallas quase não podia ver as características de seu irmão na escuridão.
“Austin?”.
Austin ficou de pé em um salto. “Eu não sabia que você estava aqui. Eu não teria tocado se soubesse que você estava aqui”.
Dallas ouviu o terror refletido na voz de Austin. Por Deus, ele desejava que seus homens tivessem medo dele, mas não sua família. Ele nunca tinha desejado que seus irmãos o temessem do mesmo modo que ele tinha temido o pai.
“Bem, então, eu estou contente por você não ter percebido que eu estava aqui. Eu nunca tinha ouvido uma coisa tão—”.
“Efeminada?”.
“Pelo contrário. Eu nunca tinha ouvido uma música que tivesse a força de despir as emoções. Você tem um dom”. Ele amaldiçoou a escuridão porque não era capaz de dizer se Austin tinha relaxado sua postura. “A nossa mãe costumava tocar canções baixas assim, mas eu não acho que você se lembra”.
“Não, eu não lembro”.
“Esse violino era dela”.
Austin ergueu o violino para mais perto do rosto. “É mesmo?”.
“Sim. Foi idéia do Houston guardar. Ele achava que você teria os mesmo dedos longos que a nossa mãe. Nunca tinha esperado que você tocaria melhor do que ela”.
“Nunca pensei que você achasse que eu toco bem”.
“Bem, então, eu acho que nós dois nos surpreendemos hoje à noite”.
O sorriso de Austin brilhou através da escuridão. “Acho que sim”.
Dallas andou até mais próximo do irmão. “Amelia me contou sobre o garanhão de Houston”.
O sorriso de Austin desapareceu na noite. “Eu devia ter prestando mais atenção”.
“Um homem não pode antecipar tudo o que vai acontecer em sua vida. Se nós sempre soubéssemos o que o momento seguinte traria, nós nunca esperaríamos ansiosamente que ele viesse”.
“Houston precisava daquele cavalo”.
“Um cavalo pode ser substituído. Um irmão não pode. Nós estamos muito agradecidos por você não ter quebrado o pescoço”.
“Houston disse que nós iríamos procurar alguns cavalos selvagens na próxima primavera”.
“E você vai encontrar”.
“Ainda assim, se eu estivesse prestando atenção—”.
“Não tenha o hábito de ficar olhando por sobre o ombro e pensar em tudo que você deveria ter feito. Os remorsos transformam a vida em um inferno”.
Com a suave luz do amanhecer banhando a manhã, Dallas desmontou e caminhou com o cavalo em direção ao curral de Houston, desejando que ele não tivesse dado a Amelia sua palavra de que não mentiria. Ele tinha a sensação de que ela o questionaria sobre o convite de Houston, então ele estava obrigado a chamá-lo, embora ele soubesse que o irmão não viria.
Ele ficou observando enquanto Houston levava o Palomino em torno do curral com um cabresto para amansar cavalo, um cobertor balançando nas costas do cavalo. Uma sela estava pendurada no curral. Dallas tinha visto Houston amansar cavalos selvagens o suficiente para saber que Houston conseguiria amansar o cavalo fazendo-o ficar acostumado com o peso da sela antes de ele colocar o peso de um homem. Ele só nunca tinha percebido que seu irmão tinha planejado criá-los. Ele acreditava que o irmão teria sucesso nesta aventura, e ele ignorou a dor que surgiu ao perceber que Houston não queria compartilhar seus planos com ele.
Dallas descansou os braços em cima da cerca do curral. Se Houston o tinha visto chegar, ele estava fazendo um bom trabalho em fingir que não tinha visto. Dallas estava com a paciência no limite, embora ele tivesse trabalho a fazer e não tivesse o dia todo para ficar ao redor do irmão enquanto trabalhava.
Houston tirou o cabresto e a manta. Ele caminhou para o curral e deslizou pelo sarrafo, presenteando Dallas com seu perfil. Dallas olhou fixamente para o cavalo. “Parece um bom cavalo”.
“Será quando eu tiver concluído”.
“Quanto você quer por ela?”.
“Ela não está à venda”.
“Você não pode fazer um negócio desse jeito”.
Houston dobrou os cotovelos e os colocou por cima da grade. “Você não pode construir um império desse modo, mas eu não estou interessado em construir um império”.
“Não existe nada de errado em construir um império”.
“Não é errado quando isso é o que você quer. Só que eu não quero isso”.
Dallas agitou a cabeça, perguntando-se por que alguns homens sonhavam com grandes realizações enquanto outros ficam contentes em não sonhar. “Eu farei uma celebração hoje à noite em honra da chegada de Amelia. Ela queria que eu convidasse você. Considere-se convidado”.
“Diga a ela que eu aprecio o convite, mas eu tenho outros planos”.
Dallas montou no cavalo. “Eu disse a ela que você não viria. Creio que nós dois sabemos porquê”.
Ele saiu andando num galope rápido. Quando ele deixou Houston no hospital, ele foi envolvido em bandagens. Quando ele retornou, Houston estava usando uma camisa. Ele nunca o tinha visto sem camisa desde então e não tinha percebido o quanto o corpo dele tinha ficado marcado com cicatrizes.
Quando a casa de Houston não estava mais a vista, Dallas deslizou para fora do cavalo, ficou de joelhos e vomitou.
Houston não tinha planejado ir.
Celebrações e lugares cheios de pessoas não eram do estilo dele. Até quando ele tinha ajudado Dallas a conduzir o gado até o norte, Houston tinha ficada na ponta do rebanho, circulava o gado de noite, e mantinha-se sozinho.
Quando ele não estava pastoreando o gado, passava as noites sentado na varanda, escutando as criaturas da noite saírem para a vida: O barulho dos grilos, o uivo ocasional de um lobo solitário. Às vezes, ele ficava ouvindo.
Na maior parte das vezes, ele apenas ficava sentado e tentava buscar uma paz que sempre o iludia, zombava dele e ficava além do alcance. Se ele pensasse no passado, os pesadelos viriam; Se ele pensasse no futuro, a solidão o rodearia. Ele aprendeu a ficar contente com o presente, passando cada dia à medida que ele viesse.
Maldito Dallas por fazê-lo ansiar por um futuro diferente do que ele tinha aceitado para si como justo.
Ainda assim, ele estava aqui, o ombro esquerdo apertado contra o adobe fresco enquanto ele assistiu os homens andando ao redor. Ele podia sentir o cheiro da carne de boi cozinhando no fogo, o café e os feijões.
Ele podia ouvir ao fundo as gargalhadas do homem. Ele podia ouvir a doçura, o riso gentil da mulher. Ela estava caminhando ao lado de Dallas, o braço dele a rodeando. Eles faziam uma dupla bonita: o rancheiro galante e a senhorita da cidade.
Dallas sorria amplamente, parecia mais feliz do que Houston jamais tinha visto.
Amelia estava adorável como sempre. Usando o vestido verde que eles tinham comprado na loja de Mimi Saint Claire, parecia uma rainha.
“Dallas disse que você não viria”.
Houston virou a cabeça para o lado e encontrou o olhar de Austin. “Mudei de idéia”.
“Eu estava com medo de que talvez você tivesse chegado a conclusão de que deveria ficar com raiva de mim por causa do Trovão Negro”.
“Eu admito que fiquei triste por ter perdido ele, mas ele com certeza teve alguns filhotes em algum lugar. Eu o acharei”.
“Eu ajudarei você,” ele disse avidamente.
“Estou contando com isto”.
“Eu não desapontarei você dessa vez”.
“Você não me desapontou antes”.
Austin olhou para ele envergonhado.
“Eu vou pegar algo para comer. Você quer vir comigo?”.
“Não, eu não ficarei muito tempo”.
Enquanto Austin ia andando, Houston virou seu olhar para Amelia. Ela o viu, o rosto se iluminando de uma forma maravilhosa que chagava a machucar seu coração. Ele saiu da parede, seus passos largos comendo a distância entre eles. Ele disse a si mesmo que estava tentando poupar Dallas de algum desconforto, mas ele sabia que em seu coração ele queria ficar próximo de Amelia um pouco mais.
Ele tinha ferido os sentimentos dela na manhã anterior, não pela primeira vez, e, provavelmente não pela última, ainda assim ela o tinha confortado quando ele tinha perdido seu garanhão e dava boas-vindas a ele agora com um abraço feroz antes de correr a mão pelos braços dele e deslizar os dedos contra os dele.
“Nós estamos tão contentes por você ter vindo”.
“Eu não posso ficar muito tempo,” ele disse, focando seu olhar em Amelia, evitando olhar para o irmão, sabendo que o irmão estava tão agradecido quanto ele por ter uma mulher para olhar em vez de um ficar olhando para o outro. Às vezes, ele sentia falta da camaradagem fácil que ele tinha compartilhado com Dallas antes da guerra. Durante a guerra, eles tinham viajados juntos lado a lado por caminhos diferentes que os levaram para longe um do outro.
Dallas limpou a garganta. “Nós temos carne de boi para comer”.
“Eu comi antes de vir”.
Os lábios de Dallas tremeram, e Houston sabia que ele tinha dado uma resposta injusta. Ele sempre dava respostas injustiças, fazia as coisas erradas. Ele nunca tinha sido capaz de alegrar o pai, e estava certo de que não conseguiria alegrar o irmão.
O crepúsculo se formava, e ele pensava em voltar para casa. Ele só teria uma minúscula luz da lua para viajar à noite. Era uma boa desculpa. Ele a viu. Ela parecia feliz. Isso era tudo que importava para ele.
Um caubói magricelo, cujas pernas mexiam calmamente se aproximou e removeu o chapéu. “Senhorita Carson, Cookie disse que afinaria o violino se você nos honrasse com uma dança”.
Amelia corou lindamente e deu um olhar rápido para Houston, antes de olhar para Dallas.
Ele sorriu com remorso. “Eu não posso dançar adequadamente com esta perna ferida, mas isso não é motivo para que você não aprecie a música”.
Ela olhou para Houston, e, que droga, ele sabia que ela queria que ele se oferecesse no lugar do irmão, mas se ele não estabelecesse um limite para si mesmo agora, ele estaria para sempre fazendo coisas que não deveria.
“Eu nunca aprendi a dançar,” Houston disse, agradecido por ter uma desculpa honrada para não segurá-la nos seus braços, desejando que não tivesse que dar qualquer desculpa.
O rosto dela baixou momentaneamente antes de clarear novamente e se virar. “Bem, então, eu estou agradecida por você ter me convidado... Skinny (esquelético), certo?”.
O rosto do caubói se abriu em um sorriso. “Não, madame. Slim (esbelto)”.
“Oh, sim, Slim. Você terá que me dizer como conseguiu esse apelido,” ela disse enquanto deslizava o braço pelo dele e seguia com ele para uma área próxima aos currais.
Houston podia ter jurado que a atenção que ela teve com o caubói o tinha feito crescer uns cinco centímetros. Quando a dupla se aproximou, os homens gritaram e formaram um grande círculo. Cookie subiu em uma caixa de madeira, deslizou o violino embaixo do queixo, e começou a tocar uma pequena e rápida melodia. Slim enganchou o braço no de Amelia, a fez girar e deu um passo para trás, então começou a bater palmas e se retirou do círculo enquanto outro caubói entrava nele, deslizava o braço pelo dela e repetindo os movimentos que Slim tinha feito antes, então ia para fora do círculo e dava a vez a outro homem.
Houston sorriu com a expressão surpresa de Amelia e o sorriso de encantamento puro que logo sumiu.
“Acho que ela estava esperando por algo mais íntimo como uma valsa,” Dallas disse, um sorriso largo brilhando embaixo do bigode.
“Acho que sim”.
Dallas apoiou-se na bengala. “Achei que você tinha outros planos para esta noite”.
“Pensei um pouco e vi que se Amelia tinha me convidado, seria melhor vir. Ela não é o tipo de mulher que um homem gostaria de aborrecer”.
“Ainda eu estou aprendendo”. Dallas trocou de posição. “Estou pensando em comprar terra perto da cidade. Uma mulher precisa de certas coisas. Eu quero que Amelia compre o que quiser”.
Uma cidade traria mais pessoas. Houston odiava esse pensamento, mas ele odiava ainda mais a idéia de Amelia ficar sem o que precisava. “Quando eu estava em Fort Worth, eu ouvi uma conversa de que eles estavam indo mais para o oeste da via férrea. Se a linha continuar no curso que está seguindo, eu diria que ele vai bater na parte mais ao sul do seu rancho. Você precisará da via férrea para trazer os seus homens para o trabalho”.
Dallas movimentou a cabeça devagar. “Faz sentido. Manterei isso em mente. Falando em Fort Worth, eu não acho que já tenha agradecido adequadamente por você ter ido buscar Amelia para mim”.
Houston deslizou a mão para dentro do bolso do colete, arrastando os dedos por cima das linhas do tecido que estavam ficando desgastadas. “Eu planejei atirar em você quando eu voltasse”.
Dallas virou a cabeça, então voltou sua atenção para os dançarinos. “Por que você não fez?”.
“Perdi o pente de balas quando a carroça virou, então no momento eu não tenho qualquer bala reserva”.
Dallas riu alto. “Então é melhor que o pastor chegue aqui antes dos suprimentos. Eu acho que você gosta demais de Amelia para fazê-la uma viúva”.
Houston viu quando Austin, com seus braços e pernas desajeitadas, dançava com Amelia. Dallas estava certo. Houston gostava dela demais para fazê-la uma viúva... gostava demais para fazê-la sua esposa.
“Durante a formalidade amanhã, você acha que eu devo realçar que um marido não deve bater na esposa?”.
Amelia observou o ministro que tinha acabado de falar, um homem que vagarosamente tinha levantado o quadril e sentado na grade da varanda, a abertura de sua batina preta e longa revelava um revólver que brilhava tanto quanto uma pérola. “Eu acho que dificilmente isso será necessário,” ela o assegurou.
O reverendo Preston Tucker movimentou a cabeça devagar. “Depois de falar com Dallas mais cedo, eu não achei necessário, mas uma formalidade como o casamento é mais para a mulher do que para o homem. A maioria dos homens que eu conheço acha que a cerimônia se resume a um ‘Você aceita?’ com uma resposta ‘aceito' e um aperto de mão”.
“Incrivelmente romântico”.
“O romance é raro. Eu já fiz várias formalidades envolvendo noivas por pedido de correio. Algumas mulheres parecem mais confortáveis se eu realçar como elas devem ser tratadas”.
“Eu me sinto bastante confiante de que Dallas me tratará bem”.
Ele a estudou como alguém que estudava um percevejo por baixo de uma pedra, os olhos azuis penetrantes. Vestida toda de preto – camisa preta, calça comprida preta, casaco longo preto—ele parecia relaxado, ainda assim ele deixava a impressão de que estava sempre alerta, sempre atento. Ele lembrava mais um pistoleiro do que um pastor.
Os seus lábios abriram um sorriso que ela achava que poderia tentar qualquer mulher a pecar.
“Alguma coisa está te incomodando,” ele declarou simplesmente.
“Eu estava só me perguntando se você planeja carregar a arma de fogo durante a formalidade”.
Ele lentamente acariciou o revólver que estava amarrado com a correia contra a coxa. “Não, eu só uso isto quando estou viajando. Aborrece você, não é? Talvez eu esteja te incomodando”.
“Eu só não esperava um homem de Deus carregando uma arma de fogo”.
“A vida é diferente lá fora Senhorita Carson. É ainda considerado um deserto. Os renegados e bandidos estão ficando excessivos. A justiça de fronteira frequentemente se torna mais uma injustiça. Eu não tenho nenhuma intenção de encontrar meu Deus antes de estar pronto”.
“Você mataria um homem?”, ela perguntou.
Ele evitou o olhar dela e olhou para a distância. “Alguém está vindo”.
Amelia seguiu a direção do olhar dele e seu coração saltou de alegria. “É o Irmão de Dallas”.
Ela se apressou para fora da varanda e cruzou o jardim, mantendo distância enquanto Houston parava Sorrel. Ele estava trazendo a Palomino ao lado.
“Você a domesticou,” ela disse, com uma sugestão de pergunta na voz.
“É”.
Cautelosamente, ela abordou e esfregou o pescoço da égua. “Ela é tão bonita. Dará a você um bom rebanho de cavalos para vender”.
“Eu duvido”. Ele se debruçou para baixo e estendeu as rédeas em direção a ela. “Ela é sua”.
Ela fitou as tiras de couro penduradas nos longos dedos bronzeados dele. Ela deu um passo para trás. “Eu não posso aceitá-la de presente”.
“Ela é o seu presente de casamento. A sela, também. Não é uma sela para mulher, mas foi a melhor que eu pude achar em tempo tão curto”.
Ela tocou os dedos na gravura trabalhada no couro bom. A sela era tão bonita quanto o cavalo, não era algo que ele simplesmente tinha encontrado casualmente.
“Eu cresci acostumado a montar em selas de homens,” ela disse.
“Já tinha percebido, já que você monta tanto com Austin”.
Ela olhou para cima. “Eu vou me casar amanhã”.
“Eu sei. Dallas mandou me avisarem esta manhã”.
“Ali na varanda está o Reverendo Tucker”.
Ele deu uma olhada rápida em direção à varanda e abaixou a borda do chapéu com dois dedos como forma de comprimento. “Ele parece mais um pistoleiro”.
Amelia riu. “Foi o que eu pensei”.
“Eu já te disse que eu gosto do jeito como você ri?”, ele perguntou, a voz baixa.
Ela colocou a mão sobre a dele, lentamente trazendo os dedos dele com as rédeas, apreciando a aspereza da palma dele contra a sua. “Leve-me para um passeio”.
Ele se endireitou. “É melhor não”.
“Por favor. Eu acho que você deveria estar comigo na primeira vez que eu montasse a Palomino porque assim ela entenderá que está mudando de dono”.
Ele sorriu contente consigo mesmo, e desejou poder ter a vida toda para ficar com seus sorrisos.
“Eu dei um nome para a sua Palomino”.
“Dourada?”.
O sorriso dele aumentou. “Não”.
“Égua selvagem?”.
Ele agitou a cabeça. “Eu dei a ela o nome da mulher que a montará”.
Ela riu. “Amelia?”.
O sorriso dele escapou. “Valiant (Corajosa)”.
As lágrimas brotaram nos olhos dela. “Por favor, me leve para um passeio”.
Qualquer bom senso que ele pudesse ter o tinha deixado porque ele desmontou e caminhou ao redor dela. “Nós não iremos longe,” ele disse.
Ela concordou com a cabeça. “Tudo bem”.
“Nós não ficaremos por muito tempo”.
“Tudo bem”.
Ele enlaçou os dedos e se curvou. Ela pôs o pé dentro das mãos dele, e ele a ergue. Ela sentou na sela enquanto a égua andava para o lado, bufava e agitava a cabeça.
Houston agarrou as rédeas e falou em voz baixa próxima à orelha da égua antes de se mover para o lado e montar em Sorrel. Ele deu uma olhada rápida para Amelia. “Vamos testar a velocidade e a resistência dela, mas eu vou estabelecer a velocidade”.
Ela pôde apenas concordar com a cabeça enquanto ela começava a guardar todas as imagens que formaria as memórias do último passeio deles.
Amelia tirou as meias e sapatos e imergiu os pés na água fria da fonte. Ela não esperava que sua pequena viagem os levasse para tão longe, mas parecia apropriado finalmente ter a chance de dizer adeus aqui.
Houston estava esticado ao lado dela, apoiado em um cotovelo, observando-a como se ele nunca mais tivesse a oportunidade de observá-la. Porque ele não deveria. Pelo menos não daquela maneira.
Amanhã, ela se tornaria sua irmã por casamento. Inclinado para frente, ela deslizou os dedos na água então os tirou e os sacudiu na direção de Houston. Ele virou a cabeça de lado enquanto a água caía em cima dele. Então ele encontrou o olhar dela.
“Você não perguntou ao Dallas por que ele não olha para mim, não é?”
“Não”. Ela balançou o nariz ligeiramente, pedindo a ele que ousasse perguntar.
“Por quê?”.
“Porque você me disse há um tempo que você sempre pega o caminho mais fácil. Perguntar para o Dallas seria fazer as coisas fáceis para você. Eu mereço mais do que isto”.
Ele sorriu tristemente. “E eu nunca daria a você nada melhor, Amelia”.
“E você acha que ele irá?”.
“Sim, eu sei que ele irá”.
Ela se virou, perguntando-se por que ela estava tentando entrar à força na vida de um homem que obviamente não a queria. Ela não poderia explicar por que o amava, por que ela queria ser parte de sua vida, de seus sonhos.
“Aceitar a proposta de casamento de Dallas pareceu tão certo antes de eu encontrar você. Agora, eu não mais o que é certo. Eu queria ser uma esposa. Eu queria escapar das memórias da guerra. Eu nunca tinha esperado encontrar o amor”.
Ela suavemente passou os nós dos dedos pela bochecha dele. “Você deveria desejar encontrar o amor. Há tantas coisas em você para amar”.
Ela nunca tinha desejado uma coisa tão desesperadamente em sua vida quanto ouvi-lo dizer em voz alta que a amava. Só três palavras. Três simples palavras. Ainda assim, ela sabia que ele nunca diria. Porque se ele dissesse isso os forçaria a reconhecer um sonho que nunca poderiam realizar, iria condená-los a se perguntar como as coisas poderiam ter sido.
Ela colocou a mão por baixo da dele e esfregou a bochecha contra a palma áspera dele. “Dallas me amará?”.
Ela o viu engolir em seco. Ele virou o olhar para as cachoeiras, a voz embargada quando finalmente falou. “Sim, ele irá”.
Ela podia ouvir a pressa da água enquanto ela se derramava por sobre as pedras, seus momentos com Houston fluindo tão rápido quanto ela. Nunca mais ela iria estar a sós com ele, olhar para ele com um desejo que nunca deveria ter entrado seu coração. Ela tinha tantas coisas que queria dizer a ele, mas sabia que as palavras só fariam a partida deles desse santuário pacífico ainda mais difícil, então ela as guardou, desejando que um dia ela viria a se esquecer que um dia já tinha pensado nisso.
“Eu acredito que esse lugar seja muito bonito na primavera,” ela disse suavemente.
“É. É muito mais verde então, e as flores aparecem”.
“Dallas me trará aqui para ver?”.
“Eu não sei se ele conhece aqui”. Ele deu uma olhada rápida para ela. “Eu darei a ele as direções”.
“Como você conseguiu achar esse lugar?”.
Ele encolheu os ombros. “Apenas aconteceu um dia”.
“Às vezes, a vida nós dá os presentes mais inesperados, não é?”.
Houston queria dizer que ela tinha sido um presente inesperado, junto com seu riso, seus sorrisos e sua coragem. Ele queria dizer que nunca tinha vivido algo tão maravilhoso quanto os dias que eles tinham viajaram de Fort Worth até o West Texas. “Sim, dá,” ele disse baixinho.
Dentro do celeiro de Dallas, Houston retirou a sela de Valiant e a colocou por sobre os sarrafos do estábulo. Ela era um bom cavalo. Ela tinha um bom temperamento. Ela seria ótima para Amelia.
Ele sentiu o odor doce de Amelia antes que pudesse ouvir seus passos gentis. Ele tinha adiado o máximo possível a hora do adeus. As palavras faltavam, como sempre faziam. Ele queria agradecer pelo raio de sol que ela tinha trazido para sua vida, para as memórias que permaneceriam.
E ele desejou por Deus que tivesse feito outras escolhas na vida.
“Prefere a verdade ou arriscar uma conseqüência?”, ela disse suavemente atrás dele.
Ele engoliu em seco, sabendo que estaria mal em qualquer uma das duas escolhas. Ele girou devagar, memorizando a inclinação de sua sobrancelha, a ponta de seu nariz, o rubor em suas bochechas. “Conseqüência,” ele disse rouco.
“Beije-me como se me amasse”.
Ela estava de pé valentemente... uma mulher que refletia o coração nos olhos. Ele tinha de dizer a ela a verdade que apagaria as chamas de seu amor, que jogaria nela as cinzas frias da decepção. Devia ter sido fácil, mas Deus, ele não queria que ela o odiasse, que conhecesse o homem que ele realmente era.
Então ele se manteve em silêncio e jogou de acordo com as regras dela. Ele emoldurou o rosto dela por entre as mãos grandes, virou seu rosto ligeiramente, abaixou a boca até a dela, e mergulhou em um inferno.
Ela gemeu suavemente e se debruçou contra ele, seus braços subindo como uma serpente ao redor do pescoço dele. Ele tentou ser gentil, queria ser tenro, mas tudo que ele conseguia pensar era em sua boca morna sofregamente encontrando com a sua. Os braços dele foram descendo até que suas mãos estavam vagando pelas costas esbeltas dela, trazendo o corpo dela para mais perto do dele, até que suas curvas suaves se encontraram com os músculos firmes do corpo dele.
Deus, como ele a queria. Ele a desejava aqui no feno ao lado dos cavalos. Ele a queria embaixo das estrelas em uma noite quente, abafada, ou embaixo de uma pilha de cobertores quando a neve estivesse caindo. Ele queria seu sorriso sonolento pela manhã, seu sorriso contente à meia-noite.
Ele queria ver sua pele quando ela tirasse as roupas e colocasse seu corpo nu e suado sobre o dele.
Ele queria ver tudo sem as sombras.
Ele queria fazê-la rir. Ele nunca queria fazê-la chorar. Ele nunca queria machucá-la.
Ele recuou, a respiração difícil, o coração batendo tão forte que pensava que com certeza ela poderia sentir. Mas a respiração dela estava como a dele e seus olhos, da cor de um trevo verde, estavam procurando seu rosto, procurando por algo que ele nunca deveria deixá-la ver.
“Eu quero uma conseqüência,” ela sussurrou roucamente.
Ele tocou o dedo polegar trêmulo nos lábios entreabertos dela. “Ache sua felicidade com Dallas”.
Ele passou por ela, e sem olhar para trás, saiu do celeiro. Ele não deu a ela a despedida que ela merecia, entretanto nada que ele já tivesse dado a ela seria o que ela merecia.
Amelia se sentou atrás na varanda e olhou fixamente para a lua, incrivelmente grande, tremulando brilhantemente no céu da noite. De vez em quando, algumas nuvens lentamente passavam diante dela com um toque tão suave que ela imaginava que seria como o toque de Houston.
Ela queria o amor dele, mas mais do que isso ela queria sua confiança. Ela tinha visto a parte mais feia dele e tinha aceitado. Por que ele não entendia?
“Amelia?”.
Ela deu uma olhada rápida na figura nas sombras. As nuvens valsaram através da lua, iluminando Dallas, as mãos dentro dos bolsos. Ele andou relaxadamente pela varanda e se debruçou contra a viga. “Eu não conseguia dormir,” ele disse. “Achei que seria melhor não arriscar montar esta noite”.
Colocando a mão contra a saia, ela deslizou as mãos entre os joelhos. “Eu não consegui dormir, também”.
Ele se agachou na frente dela e apoiou as mãos nos joelhos. “Pensando no dia de amanhã?”, ele perguntou.
Ela riu inconscientemente. “Sim. Você?”
“Também”.
Ela apertou as mãos entre os joelhos para parar de tremer. “Eu acho que algumas pessoas se casam conhecendo um ao outro menos do que nós dois”.
“Meu pai se encontrou com minha mãe no dia em que eles se casaram”.
“Eu me pergunto se sua mãe estava com tanto medo quanto eu estou agora”.
“Eu não machucarei você, Amelia”.
“Mas eu poderia machucar você. Eu não sei se serei capaz de ter dar meu coração”.
“Eu não estou pedindo seu coração. Só sua mão, sua lealdade, e seu respeito”.
Um calor surgiu nas bochechas dela. “E um filho”.
“Isso me faria muito feliz”.
“Qual nome nós daremos a ele?”.
Ele sorriu amplamente ao luar. “Qual nome que você gostaria de dar?”.
Amelia encolheu os ombros. “Não sei”.
“Bem, nós temos alguns meses para pensar sobre isto. Será sua escolha, mas eu gostaria de um nome forte. Às vezes, tudo o que um homem precisa é de seu nome para deixar sua marca no mundo”.
“Mark,” ela disse tranquilamente. “Nós podíamos dar o nome de Mark”.
“Diminutivo de Marcus?”.
Ela concordou com a cabeça. Ele sorriu. “Sim, Marcus. Marcus Leigh”. Ele olhou para o horizonte. “Todos isto é para ele, Amelia. Seu legado”.
Ele ficou de pé. “É melhor você dormir um pouco”. Passando por ela, ele tomou sua mão e a colocou de pé.
“Meu pai me disse uma vez que amor é algo que cresce com o passar do tempo. Eu acho que será dessa forma com a gente”. Ele beijou a palma da mão dela, a boca morna, o bigode suave. “Até amanhã”.
Amelia colocou os braços em torno da viga e assistiu ele desaparecer na noite. Ela apertou a mão contra a barriga. Marcus Leigh.
Ela adoraria a criança, respeitaria e honraria seu pai, e esqueceria que seu tio tinha a habilidade de fazer os dedões do pé dela se contorcerem.
Houston se sentou na varanda dianteira e escutou a noite. O vento soprava frio, mas não estava tão frio quanto seu coração.
Ele esfregou um dedo por sobre a bochecha marcada. O destino tinha sido cruel o suficiente para deixar uma porção de seu rosto incólume para que assim ele sempre se lembrasse de como ele poderia ter tido... se tivesse feito escolhas diferentes.
Sem pena, ele apertou os dedos contra as cicatrizes, lentamente traçando cada cume, cada vale, cada pedaço de carne nodosa. Cada uma servia como uma lembrança do homem que ele era.
O homem que ele sempre seria. O menino que ele tinha sido.
“Dallas, eu estou assustado”.
“Não seja. Não há nada para temer, só o medo. É isso que papai diz”.
“Eu não sei o que isso quer dizer”.
“Só significa não ter medo”.
Mas ele tinha sentido medo. Treze anos depois, o medo ainda pairava ao redor dele, as memórias fortes o suficiente para enterrá-lo no passado.
Houston podia ouvir o rugir dos canhões, sentir o bater da terra. A terra tinha sido tão verde, tão bonita ao amanhecer. Então tinha se tornado preta, vermelha e destroçada. O ar com um clima pesado com fumaças e gritos de homens bravos, homens valentes, homens assustados, homens morrendo.
Houston Leigh enterrou o rosto entre as mãos e fez o que ele tinha estado com tanto medo de fazer treze anos antes.
Ele chorou.
O vento gélido chicoteava no amanhecer que se aproximava. Com a insistência de Dallas, os homens deixaram o rebanho enquanto eles se reuniam na sala de estar, empurrando e acotovelando um aos outros como crianças ansiosas para sair para passear.
Um fogo ardia na lareira, mas seu calor não podia penetrar o frio que vazava através dos ossos de Houston. Ele estava de pé ao lado do Reverendo Tucker, esperando o inferno terminar, para que as decisões e escolhas fossem tiradas de suas mãos.
Os homens ficaram em silêncio quando Amelia adentrou o quarto, Dallas ao seu lado. Ela novamente usava o vestido de seda verde. Ele nunca tinha pedido a Dallas o pagamento, ele não teria aceito se ele tivesse oferecido. Tudo o que ele tinha dado a ela era seu modo de se desculpar por ter entrado em sua vida.
Se o valor de um presente era baseado no que ele significava para o doador, ele daria a ela o presente melhor de todos: seu irmão como seu marido.
Dallas estava de pé de um lado de Amelia, Houston do outro. Austin estava inquieto ao lado de Houston usando uma jaqueta marrom que ficaria pequena nele antes que tivesse necessidade de vesti-la novamente.
No lado de fora o vento uivava e o céu ficava cinza.
No lado de dentro o fogo crepitava e o Reverendo Tucker pedia a todos que curvassem suas cabeças em oração. Enquanto sua voz ecoava, Houston estudava a mulher de pé ao lado dele. Ela não tinha olhado para ele enquanto tinha caminhado para dentro do quarto, e ele não podia culpá-la.
Eles tinham viajados juntos através de um inferno e sobrevivido. Ela tinha conseguido sair. Por que ele a arrastaria de volta?
O reverendo Tucker terminou a oração e falou sobre casamento, compromisso, e dever. Houston parou de escutar as palavras. Elas não eram para ele. Elas eram para Amelia e para o homem que estava de pé ao lado dela.
Então a voz do Reverendo Tucker estava entrando em sua cabeça, reverberando em seu coração. “Se alguém sabe de algo que impeça a realização desse matrimônio, fale agora ou cale-se para sempre”.
Amelia virou a cabeça ligeiramente, pegando e segurando o olhar de Houston. Ele queria dizer a ela. Deus o ajudasse, ele preferia ter a decepção em seus olhos do que a dor.
Ela se virou, e ele soube que ela estava se despedindo naquele momento, que não havia volta para os ponteiros do relógio. Por ela, ele manteria o silêncio, manteria para sempre sua paz.
Enquanto Dallas tomava Amelia em seus braços e a beijava, Houston mergulhou nas profundezas mais escuras do inferno.
Os ventos estavam frios enquanto Houston estava na varanda de trás, sua capa batendo ao redor das canelas. Ele deveria sair antes que ficasse mais escuro e levar Austin com ele para que a dupla recém casada tivesse um pouco de isolamento.
Ele ouviu a porta abrir e deu uma olhada rápida por cima do ombro para ver Amelia. “Está frio aqui fora. É melhor que você fique lá dentro”.
“Não posso escolher onde ficar em pé?”.
Ele sorriu com o comentário dela, mas ele não tinha nenhum desejo de provocá-la de volta. Ela faria o que quisesse, da mesma maneira que ele tinha feito o que tinha que fazer. Ele voltou a atenção para o horizonte.
Ela caminhou para a extremidade da varanda, vivamente roçando a mão de alto a baixo pelos braços dele. Ele queria abraçá-la e aquecê-la. Em vez disso, ele encolheu os ombros, tirou o colete e o embrulhou ao redor dela. Ela se fechou firmemente dentro dele.
“Marcus,” ela disse suavemente.
Ele deu uma olhada rápida para ela. “Marcus?”.
Ela concordou com a cabeça. “É assim que vamos chamar nosso primeiro filho. Nós o chamaremos de Mark porque Dallas espera que ele faça sua marca no mundo”.
“Com Dallas como pai, imagino que ele irá”.
Os nós dos dedos dela ficaram brancos enquanto ela apertava o casaco. “Eu estou nervosa por causa de hoje à noite. Eu não tenho nenhuma mulher com quem conversar... e eu... Eu sempre considerei você... um amigo querido. Eu desejava que talvez você pudesse ter algumas palavras de sabedoria para compartilhar comigo para que assim eu não tenha medo de desapontar Dallas”.
“Você nunca conseguiria desapontá-lo”.
“A menos que eu dê a ele uma filha”.
“Nem mesmo assim”.
As bochechas dela se avermelharam, mas ele não achava que tinha alguma relação com o frio que atingia sua pele.
“Vai doer?”, ela perguntou baixinho.
Ele se sentiu como se tivesse levado um coice de um cavalo selvagem na barriga. Que diabos ele sabia sobre a primeira vez de uma mulher? Ele conhecia prostitutas. Seu fedor, seus corpos que estavam sempre prontos para um homem, suas mãos estendidas pedindo mais dinheiro. Ele desviou o olhar. “Por Deus, eu não sei”.
Um silêncio pesado ficou entre eles.
“Obrigada,” ela finalmente disse e se virou para ir embora.
Ele agarrou o braço dela e a olhou, realmente olhou para ela pela primeira vez, para as profundezas de seus olhos verdes. Ele podia ver o terror. Ele a puxou contra ele, a envolveu em seus braços, tocou sua bochecha e seu cabelo suave.
“Ele não machucará você,” ele disse baixinho. “Se ele puder, ele não vai te machucar. As mulheres que eu conheci eram tão usadas... Ele vai te beijar... e ele não vai parar”.
“Mas beijar não fará um bebê”.
Ele deslizou o dedo polegar para baixo do queixo dela e balançou o rosto dela, desesperadamente querendo acabar com a preocupação naqueles olhos verdes. Ele engoliu em seco. “Ele colocará o corpo por sobre o seu”. Ele embalou o rosto dela, desejando que ele pudesse embalar o corpo também. “E ele dará o que ele sempre dá: o melhor de si mesmo”.
Ela sorriu então, tão docemente e com tanta confiança que o coração dele doeu. “Eu sentirei sua falta,” ela disse baixinho.
“Você sabe onde eu vivo. Se precisar—”.
Ela agitou a cabeça com uma tristeza profunda. “Não, este é o nosso último adeus”. Ela ficou na ponta do pé e o beijou ligeiramente nos lábios.
Ele não pôde suportar: a traição refletida em seus olhos, a dor, a decepção. Ele preferia o ódio. “Eu matei meu pai”.
Ele a soltou e evitou seu olhar fixo. Ela o odiaria agora, como ele se odiava.
“Eu não acredito em você,” ela disse suavemente.
Ele riu zombeteiramente. “Acredite em mim, Amelia. Por treze anos eu corri disso. Por treze anos, a verdade me perseguiu como uma sombra”.
“Como você o matou?”.
“Você quer os detalhes sangrentos?”.
“Eu quero entender como o homem com quem viajei poderia ter matado o pai”.
Ele olhou fixamente para longe, olhou para os anos passados. “Eu era seu baterista. Ele dava as ordens e a batia do meu tambor dizia aos homens quais eram aquelas ordens. No meio da batalha, você não consegue ouvir as palavras dos homens, somente seus gritos agonizantes e o som do tambor. A fumaça fica tão pesada que cai como gotas de uma névoa, te cercando, queima os olhos, a garganta, sufoca. Até que você não consegue mais ver o homem emitindo as ordens.
“Mas você pode ouvir a batida do tambor. Então onde quer que meu pai fosse, eu tinha que ir. Quando ele ia numa batalha, eu ficava ao lado dele, batendo... batendo meu tambor enquanto as balas assobiavam e os canhões rugiam”.
A boca de Houston foi ficando seca com o medo familiar subindo à garganta. Ele podia sentir o cheiro da fumaça e do sangue. Ele podia ouvir os gritos.
“O cavalo dele afundou, chutou o ar, gritando em agonia. Meu pai ficou de pé e puxou a espada da bainha. ‘Vamos, garoto!’ ele gritou.
“Só que eu não pude. O homem de pé ao meu lado caiu. A terra explodiu no meu rosto. Meu pai gritou comigo novamente. Eu comecei a correr. Tão rápido quanto minhas pernas me levariam, eu comecei a correr de volta para o lugar onde eu tinha dormido na noite anterior”.
“Ele veio atrás de mim, gritando, ‘Por Deus, eu não tenho um filho covarde!”.
“Ele agarrou meu braço, me empurrou, mas eu fui embora, lutei para me libertar. De repente, teve uma explosão alta, uma luz brilhante, dor... e ele se foi. E não existia nada além de escuridão”.
“Foi quando você se feriu não foi?”.
Ele riu mortificado. “Sim, eu deveria ter morrido também, mas eu não morri. Eu rezei muito pela morte, mas algumas orações realmente não são para serem atendidas”.
“Você realmente acredita que matou seu pai?”.
“Se eu não tivesse corrido, ele não teria morrido. Eu era o que ele sempre tinha dito que eu era. Um covarde. Um fraco chamado de filho”.
“Mas você era uma criança”.
“Eu já tinha idade suficiente. Aos quinze, Dallas estava marchando na batalha com um rifle na mão e homens o seguindo”.
“Você não é Dallas”.
Ele finalmente voltou do passado e encontrou o olhar de Amelia. “Está certa, Amelia, eu não sou. E é por isso que eu mantive meu silêncio. Porque você merece um homem melhor do que eu. Você não merece um homem que corre da própria sombra, que tem medo da vida”.
Ela virou a cabeça, aquele gesto familiar como o de um filhote de cachorro olhando para um cachorro maior e decidindo se deve ou não brigar pelo osso. “Dallas sabe que você prefere a solidão e tem aversão a cidades?”.
“Sim, ele sabe”.
“Ainda assim ele mandou você ir me buscar”.
“Ele não teve escolha. Ele confia nos homens no trato com o gado, mas eu não estou muito certo de que ele confiaria neles, que eles não se aproveitariam de uma senhorita bonita em uma jornada longa”.
“Ele podia ter enviado Austin”.
“Austin?” Houston riu. “Austin é só um menino”.
Uma tristeza profunda apareceu no rosto dela, lágrimas brotaram nos olhos, enquanto ela deitava a palma da mão contra a bochecha cicatrizada dele. “Ele é mais velho do que você era quando foi levado ao campo de batalha”.
As palavras baterem nele, o atordoaram, deixaram-no paralisado. Ele tinha que ter sido mais velho que Austin. Austin... Maldição. Austin tinha se barbeado pela primeira vez pela manhã.
A porta abriu, e Dallas entrou na varanda, Austin atrás. Austin cruzou a varanda, se debruçou e beijou a bochecha de Amelia.
“Pra que isto?”, Dallas perguntou.
Austin corou. “Eu estava só praticando”.
“Para quê?”.
“Houston vai me levar num bordel hoje à noite”.
Houston empurrou o ombro de Austin e tentou achar voz. “Isto é entre você e eu”.
“O quê?”, Austin tropeçou. “Eu não entendo mais nada. A gente queria muito uma mulher aqui, e agora que nós temos, nós temos que mudar. Não entendo mais nada”.
Houston andou na direção dele. Austin levantou as mãos. “Estou muito cansado de me baterem e gritarem comigo”.
Houston lentamente agitou a cabeça. “Eu não irei bater em você. Vá pegar seu cavalo”.
Os olhos de Austin se arregalaram. “Você ainda vai me levar?”.
“Disse a você que iria. Agora vá pegar seu cavalo”.
Austin gritou e começou a correr em direção ao curral. Houston se virou para o casal na varanda. “Pensei em tirar ele daqui por uns dias”.
“Já tinha imaginado,” Dallas disse enquanto tirava o colete de Houston dos ombros de Amelia e o lançava para ele. Tirou a própria jaqueta e envolveu Amelia com ela.
Ela deu uma olhada rápida para o marido e deu a ele um sorriso hesitante. Houston pedia a Deus que ela não parecesse tão pequena de pé ao lado do irmão dele, tão pequena e tão vulnerável.
Houston deu um passo para trás e lançou o dedo polegar por cima do ombro. “Acho que está na hora de ir”.
“Cuide-se,” ela disse.
“Nós nos cuidaremos”. Ele começou a caminhar em direção ao curral, parou, e olhou para trás por cima do ombro.
Dallas estava escoltando sua esposa para casa, as costas retas, o queixo empinado.
A Rainha da Pradaria.
Os apartamentos empoeirados não eram muito mais do que um buraco no chão, um lugar aonde os caubóis iam gastar energia e dinheiro quando eles estavam conduzindo o gado. O local possuía uma cantina com um banheiro atrás; Um armazém com tão poucas mercadorias que as pessoas simplesmente passavam por ele, pegavam o que precisavam, e jogavam o dinheiro por sobre o contador; e uma casa lotada com mulheres da vida. Nenhuma igreja, nenhuma escola, nenhuma calçada.
Fazia anos que Houston não voltava. Ele tinha esquecido como o lugar era escuro à meia-noite, mas tinha o que ele precisava para distraí-lo dos pensamentos instáveis que corriam por sua cabeça, e tinha o que Austin procurava. Seria o suficiente.
Ele parou o cavalo na frente da casa quadrada de madeira e desmontou.
“É essa?”, Austin perguntou enquanto deslizava para fora do animal castrando e distraidamente embrulhava as rédeas em torno do carril de amarração.
“É”.
Colocando a mão na cintura ele olhou o pó que cobria as janelas, Austin andou até a varanda de madeira. “Não tem muita luz. E se eles estiverem fechados?”.
“Eles não estão fechados,” Houston o assegurou enquanto andava na varanda. Ele se perguntou se ele já teria sido tão jovem quanto Austin parecia agora, se ele tinha essa ansiedade pelas coisas. Houston fazia dezoito anos na primeira vez que tinha pagado uma mulher por seus serviços. Ele se sentiu como um homem velho, sem excitação, nenhuma antecipação. Só algo para fazer para que assim ele pudesse dizer que tinha feito. “Você não precisa de muita luz para o que nós vamos fazer”. As dobradiças secas da porta gritaram quando ele a empurrou. “Vamos”.
Austin saltou como um filhote de cachorro indo atrás de um osso. Ele tirou o chapéu da cabeça, os olhos maiores do que uma lua de cheia enquanto olhava o ambiente pardo. As cadeiras de madeira desocupadas que tinham sido polidas com o traseiro dos caubóis que tinham se sentado esperando sua vez no decorrer dos anos.
Uma mulher com cabelo vermelho ígneo, olhos violeta e lábios carnudos pintados de vermelho sangue passou e arrastou os dedos pelo ombro de Austin desceu até o cotovelo e subiu. Ela ronronou como um gato contente que tinha acabado de engolir a última nata com seu sorriso de avaliação.
“Oi, querido,” ela arrulhou com uma voz tão abafa quanto um verão à noite.
“Olá,” Austin disse, a voz mudando de tom três vezes. Ele olhou para os seios abundantes dela que Houston achava que poderiam pular do colete vermelho a qualquer momento. Ele assistiu o pomo de Adão de Austin ir para cima e para baixo e imaginou que ele estava pensando a mesma coisa.
“Maria ainda trabalha aqui?”, Houston perguntou.
A mulher gritou por cima do barulho de um piano distante. Maria empurrou o caubói magricelo para longe e saiu andando, sorrindo quando reconheceu Houston.
Ela parecia mais velha do que ele se lembrava, tão gasta quanto à madeira nas cadeiras. A pintura vermelha que ela usava nas bochechas não impedia que elas caíssem e os círculos escuros embaixo dos olhos tinham pouco a ver com o Kohl(*) que ela estava usando.
Porque ela o conhecia, o tinha servido antes, colocou a mão na parte de dentro de sua coxa, embaraçosamente perto de sua forquilha. Deixando-o extremamente desconfortável e fazendo-o ficar vermelho na frente do irmão mais novo.
“Faz muito tempo, caubói,” Maria disse com a voz cansada. “Eu consegui aquele rapaz bonito ali interessado em mim. Eu não sei se o dobro me fará esquecer ele”.
“Triplo, então”.
O sorriso dela cresceu, mas não chegou a alcançar os olhos enquanto ela colocava o braço em volta do dele. “Eu sou sua”.
Ele olhou por sobre o ombro para Austin. “Essa é a primeira vez dele. Seja gentil”.
O riso gutural da mulher se derramou através dos lábios curvados. “Ah, docinho, eu sou sempre gentil”. Ela pegou a mão de Austin. “Vamos, coisa fofa”.
“Nós não devíamos conversar primeiro?”, Austin perguntou, e o riso da mulher cresceu.
“Não se preocupe com ele. Velvet dará a ele algo que não esquecerá,” Maria disse enquanto levava Houston em direção aos degraus, deixando Austin de pé e gaguejando na sala de estar dianteira. “Você quer a mesma coisa da última vez?”.
A solidão cresceu dentro dele enquanto dava sua resposta. “Sim”.
Houston andou na varanda e deu uma respiração longa e profunda em busca de ar fresco. Nenhuma fumaça. Nenhum perfume forte. Nenhum fedor almiscarado de corpos gastos no cio como cães.
O ar da noite era claro, tão claro quanto às estrelas cintilando acima dele. Ele achava que nunca mais seria capaz de olhar para o céu à noite sem pensar em Amelia dentro de seus braços.
Ele assistiu Maria se despir... e sentiu nada além de desejo de partir. O corpo nu da mulher não tinha nem metade da atração da sombra do corpo de Amelia. Ele tinha se desculpado pela sua falta de interesse, pagado a ela o que tinha prometido, e saído sem tocá-la. Desde que Amelia tinha entrado em sua vida, ele estava começando a pedir desculpas demais.
Ele cruzou a varanda e sentou no degrau superior onde seu irmão mais jovem estava debruçando contra a varanda, olhando para o longe como se
(*) N. da R.: Kohl é uma mistura de fuligem e outros ingredientes usada para escurecer as pálpebras ou usada como rímel para os cílios.
estivesse apaixonado.
“Não demorou muito,” Houston disse enquanto ele se encostava no poste oposto. Ele riu baixo.
“Bom, que eu me lembre, não levei muito tempo na minha primeira vez, também”.
“Eu não fui com ela,” Austin disse em voz baixa. “Eu estava pensando em Dallas e Amelia—”.
“Bem, não faça isso,” Houston falou seco.
Austin girou a cabeça ligeiramente. “Eu não estava pensando em nada pessoal ou qualquer coisa do tipo. Eu pensava que todas as mulheres eram como Amelia, todas limpas e cheirando doce e sorrindo contentes ao me ver”.
“Existe uma enorme diferença entre uma mulher da vida e uma mulher como Amelia”.
“Como?”.
Houston suspirou com frustração. Ele não precisava ou queria esta conversa hoje à noite. Dallas era a pessoa que tinha vasta experiência com mulheres. Ele devia ter feito um trabalho melhor ao educar o menino. “Mulheres da vida, bem, eles são feitas de acordo com o preço. Uma mulher como Amelia... não se dá por dinheiro. Os homens não se apaixonam por mulheres da vida. Mas uma mulher como Amelia... quando um homem se apaixona por uma mulher como Amelia... ele faz o que é melhor para ela, não importa o que isso custe para ele”.
“Você já se apaixonou por uma mulher como Amelia?”.
“Uma vez”.
“Quando?”
Ele empurrou o cotovelo contra as coxas, sem dó, dando boas-vindas à distração da dor. “Para sempre. Acredito que a amarei para sempre, até o dia em que morrer”.
“O que aconteceu com ela?”.
“Ela se casou com outra pessoa”.
“Você a amou, mas você deixou ela se casar com algum outro cara? Por que você faria uma coisa tola assim?”.
“Porque era o melhor para ela”.
“Como você sabia que era o melhor para ela?”.
Houston virou a cabeça e capturou o olhar do irmão. “O quê?”.
Austin encolheu os ombros. “E se o que você achava que era o melhor para ela não era o que ela procurava?”.
“Do que você está falando?”.
Austin deslizou as costas na parede da varanda. “Eu não entendo desses assuntos muito bem, então eu não entendo como você sabe que o que fez era o melhor para ela”.
“Eu só sei, isto é tudo. Eu apenas sei”. Ele ficou de pé, saiu da varanda, e começou a andar através do caminho iluminado pelo lampião, depois na escuridão, depois de volta a luz. Escuridão. Luz. Sua vida antes de Amelia. Sua vida depois que ele veio a conhecê-la. Escuridão. Luz.
Ele fez o que era melhor para Amelia. Ela não precisava acordar toda manhã ao lado de um homem que tinha medo da escuridão, que tinha medo do amanhecer, que tinha medo de como seria o dia. Ela merecia o melhor. Ele tinha dado a ela o melhor.
Dallas não temia nenhum homem, não temia nada. Ele não correu quando os canhões estavam rugindo e quando as balas estavam zumbindo. Ele se levantou e levou as forças da Confederado para a batalha... repetidas vezes... batalhas após batalhas.
Dallas era o tipo de homem que Amelia merecia. Amelia com seu coração corajoso que tinha passado desastre após desastre. Amelia com lágrimas nos olhos, junto com sua compreensão.
Por que ela tinha olhado para ele sem julgamento nos olhos, sem nenhuma revolta após sua confissão?
Ele não era o herói que Dallas tinha sido. Ele nunca seria. Ele tinha corrido como um coelhinho assustado e tinha pagado um preço alto: a vida de seu pai.
Ele nunca tinha conversado com Dallas sobre aquele dia. Às vezes, Houston se perguntava se a batalha tinha acontecido mesmo. Então ele pegava seu cavalo e ia até uma lagoa. Dentro das águas quietas e claras, ele via seu reflexo, uma lembrança constante de como seu pai tinha morrido.
Ele sabia que seu rosto servia como uma lembrança para Dallas também. Por meses depois que Houston tinha se ferido, Dallas preferia olhar fixamente para suas botas cobertas de lama em vez de encontrar o olhar de Houston.
Amelia deveria ter evitado olhar para ele também. Ela deveria ter ficado intimidada e horrorizada. A mulher mantinha o coração nos olhos e tudo o que ele via refletido lá era seu amor por ele.
Ele parou repentinamente e olhou firme para Austin. O queixo do menino tinha tantos arranhões com seu primeiro barbeado que era impressionante não ter sangrado até a morte. Ele era um ano mais velho do que Houston quando tinha sido levado ao campo de batalha pela última vez. Oh, Deus, Houston nunca tinha tido a oportunidade de barbear o rosto inteiro; Ele nunca tinha paquerado uma menina, cortejado uma mulher, ou dançado à noite. Ele nunca tinha sido amado.
Não até Amelia aparecer.
E ele tinha desistido dela porque achava que era o melhor para ela. Porque ele não tinha nada a oferecer a ela exceto uma cabana de tronco de madeira, alguns cavalos, um sonho tão pequeno que não cobria a palma de sua mão.
E seu coração. Seu coração ferido.
Ele arrancou as rédeas do poste e montou no cavalo.
Austin ficou de pé. “Aonde você vai?”.
“Vou voltar para o rancho”.
Eles montaram a toda velocidade na noite. Houston não estava tão certo do que diria para Amelia, que explicação ele daria a Dallas.
Ele tinha ficado em silêncio, sacrificado seu direito de dizer qualquer coisa. Ela tinha se comprometido com Dallas, se tornado sua esposa. Os votos que Houston achou que tinha ignorado, o bater de seu coração como o ritmo do bater dos cascos: Para amar, honrar, e obedecer... até que a morte os separe.
Ele apenas sabia que tinha que vê-la, tinha que conversar com ela, e tinha que entender porquê ela não tinha virado as costas para ele, porquê não tinha sentido repulsada em sua confissão. Senhor, se ele não a conhecesse melhor, juraria que ela tinha olhado para ele como se o amasse mais.
Será que uma noite nos braços de Dallas levaria seu coração para longe de Houston? Que diferença isso faria? Ela já poderia estar carregando o filho que Dallas queria tão desesperadamente.
A fumaça preta ondulou ao longe, escurecendo o brilho do amanhecer. O pânico familiar e o medo começaram a brotar na barriga de Houston. Ele persuadiu seu cavalo para que galopasse mais rápido, com Austin o seguindo como uma sombra.
“O que é isto?”, Austin gritou atrás dele.
“Problema!”.
O cavalo destroçou o chão com a intensidade do galope. Houston se abaixo, pedindo que Sorrel galopasse com todas as forças. O bom senso disse para que ele diminuísse a velocidade quando estava se aproximando da casa de Dallas, mas o silêncio tímido o chamava.
Alguém tinha reduzido o celeiro a chamas em brasas e o curral a meras toras de madeira. Com fuligem e suor preto nos rostos e roupas, os homens circundavam a casa como que perdidos.
Houston parou o cavalo. “O que aconteceu?”
Slim ergueu um ombro com o olhar vazio. “Não sei. Nós todos estávamos no bangalô bêbados como porcos depois de celebrar o casamento. Nós ouvimos um tiro. Veio do lado de fora, mas já era muito tarde para fazer qualquer coisa. O celeiro estava queimando, os cavalos tinham sido levados. O chefe ainda está lá fora. Cookie está com ele. Jackson saiu correndo para achar alguma ajuda, mas a pé levará uma semana para alcançar outro rancho. O resto de nós é inútil sem um cavalo embaixo”.
“Amelia? Como está Amelia?”.
Slim baixou o olhar. Houston desmontou e agarrou o homem pela camisa, colocando o olhar dele no nível do seu. “Onde está Amelia?”.
Slim trocou um olhar com os outros homens. Eles deram um passo para trás. Houston o agitou. “Que droga! Ela está machucada?”.
Slim engoliu em seco. “Nós não sabemos onde ela está”.
Bruscamente, Houston soltou Slim, seu coração batendo tão forte que ele estava certo de que todos os homem no estado poderiam ouvir. “Ela tem que estar aqui. Ache ela! Agora!”.
“Ela não está aqui,” uma voz furiosa ecoou da entrada.
Dallas subiu os degraus e se debruçou contra a viga suporte, respirando com força, o sangue escorrendo perto da têmpora.
Houston colocou uma mão como forma de apoio no ombro do irmão. “Você levou um tiro”.
“Foi só de raspão. Essa é a menor das minhas preocupações agora. Malditos ladrões de cavalo levaram Amelia”. Dallas se afastou da varanda. “Eu vou trazê-la de volta. Ninguém toma o que me pertence. Por Deus, ninguém. Austin, eu estou pegando seu cavalo”.
Austin desceu do cavalo com tanta pressa que perdeu o equilíbrio e bateu o traseiro na sujeira. Com um andar instável, Dallas seguiu em direção ao animal castrado. Houston sabia que era a determinação que tinha colocado seu irmão sobre a sela.
“Eu vou com você,” Houston disse enquanto montava em Sorrel.
“Como quiser. Austin, você está no comando até que a gente volte”.
Os olhos de Austin se arregalaram. “Eu?”
“Algum problema nisto?”, Dallas perguntou.
Austin agitou a cabeça vigorosamente. “Não, senhor”.
“Bom. Qualquer ordem que você der estará vindo de mim, então não dê ordens que eu não daria”.
“Sim, senhor. Nós reconstruiremos o curral destruído. Acredito que você trará os cavalos de volta”.
“Claro que irei. Junto com minha esposa”.
Dallas tinha uma reputação a proteger. Nem em seus sonhos mais selvagens, Houston nunca teria pensado que alguém seria tolo o suficiente para tentar tomar algo que pertencia a Dallas Leigh, mas como ele estava descobrindo, os homens que levaram Amelia era bobos. Eles deixaram uma trilha que até um homem cego poderia ter seguido.
“Eles não são muito cautelosos,” Houston observou.
“Já que eles levaram todos os cavalos, acho que eles não esperavam que alguém viesse atrás deles antes de um dia ou dois. Esse engano vai custar caro para eles”.
Próximo ao crepúsculo eles encontraram os ladrões de cavalos. Eles estavam escondidos em um desfiladeiro, fumaça subindo em espirais da fogueira do acampamento. Houston e Dallas subiram o penhasco e rastejaram de barriga até a extremidade.
“Eu contei seis,” Dallas disse. “Nós podíamos abatê-los daqui de cima”.
Houston acreditou na palavra de Dallas quanto ao número. Seu olhar estava apenas em Amelia. Desta distância era difícil de ter certeza, mas ele não achava que ela estava machucada.
“Eles poderiam pensar em usar Amelia como escudo,” Houston disse.
“É verdade, mas parece que só há um jeito. Seremos alvos fáceis se formos pelo outro caminho,” Dallas disse.
“E nós colocaremos Amelia em risco se nós entrarmos lá disparando as armas. Com certeza ela ficará ferida”.
“Então o que você sugere?”.
“Eu vou sozinho”.
Dallas virou a cabeça.
“Se eu não conseguir chegar perto dela,” Houston continuou, “eu poderei pelo menos a proteger enquanto você atira daqui de cima. Se eu conseguir levar meu cavalo até bem próximo dela, talvez eu consiga pegá-la e colocá-la no cavalo”.
Dallas firmou o queixo. “Ela é minha esposa”.
“Mas eles sabem como você é. Além disso, você atira melhor do que eu e meu cavalo é mais rápido. Acredito que posso dizer que sou um bandido procurando um lugar para me esconder”. Ele ergueu um canto da boca. “Meu rosto deve convencer de que estou dizendo a verdade”.
Dallas vacilou e olhou de volta para o desfiladeiro. “Eu não quero os dois presos lá. Eu não começarei a atirar até que você leve seu cavalo até perto dela. Use a distração deles para colocá-la no cavalo e a tirar de lá. Eu cuidarei dos ladrões”.
“Sei que fará”.
“Será noite logo. Nós precisamos trabalhar rápido. Se qualquer coisa der errado... a voz de Dallas foi sumindo.
Houston agarrou o casaco de Dallas e o empurrou. “Só tenha certeza de que Amelia vem primeiro. Não importa o que aconteça, ela deve sair viva de lá”.
Amelia nunca tinha estado tão apavorada em toda sua vida. Ela abraçou a parede do desfiladeiro rochoso desejando que pudesse se fundir nele e desaparecer. Se ela sobrevivesse, ela não achava que apreciaria seu vestido de noiva verde ou suas memórias.
As cordas esfolavam seus pulsos, seu queixo ainda doía. Quando ela achava que não tinha ninguém olhando, tentava desfazer os nós. Sua tentativa tinha resultado em um tapa e nós mais apertados.
Ela viu um homem, os braços levantados, caminhando no desfiladeiro levando um cavalo. Dois homens foram atrás dele, rifles apontados dando a eles vantagem e uma falsa arrogância. Ela reconheceu o chapéu, o casaco preto empoeirado e o cavalo. Houston não olhou para ela ou gritou. Talvez ele não tivesse nenhuma garantia para dar. Ou talvez ele estivesse simplesmente ganhando tempo. Ele parecia notavelmente tranqüilo para um homem que tinha acabado de entrar em um ninho de víboras. Ela mantinha o olhar nele, observando qualquer pequeno sinal que indicasse que ele tinha um plano para salvá-la.
“O que nós temos aqui?”, o homem que ela sabia que era o líder disse enquanto se levantava, sua mão descansando sobre a arma de fogo.
Houston caminhou para mais distante no acampamento, desejando que Dallas visse os dois homens atrás dele. Ele não tinha como sinalizar para ele que outro homem estava guardando a entrada.
“Ele estava montando, todo folgado, assobiando uma canção como se fosse o dono do lugar,” um dos homens que o seguia disse quando eles pararam de caminhar mais cedo do que Houston gostaria. Ele não sabia se Dallas poderia vê-los de onde estava no topo do desfiladeiro.
“Eu sou o dono desse lugar,” Houston disse, tentando imitar a autoridade que Dallas tinha quando elevava a voz. “Ou pelo menos eu sou quando estou procurando por um lugar para me esconder por uns dias”. Ele se agachou, abaixou os braços, e esquentou a mão diante do fogo, rezando para que não pudessem ver como ele estava tremendo. “Mas, eu não me importo de compartilhar o lugar”.
O homem que ele supôs ser o líder estreitou os olhos. “Você está se escondendo?”.
“Eu estou me escondendo de qualquer um que esteja me procurando”.
O homem arranhou a barba desgrenhada e riu. “Sei como é. Você tem um nome?”.
“Dare[2]”.
“Dare?”, O homem perguntou, incrédulo.
Houston se levantou devagar, usado o polegar para empurrar o chapéu para cima da sobrancelha, e encontrou o olhar do homem. “Você tem algum problema com isto?”.
“Não, não tem nenhum problema mesmo”. Ele levantou a mão. “Eu sou Colson. Estes aqui são meus homens”.
Ignorando a mão estendida, Houston deu uma olhada rápida em torno do desfiladeiro. Um curral provisório segurava os cavalos roubados. Os outros cavalos estavam selados e ligeiramente amarrados no arbusto crescente das pedras. Eles podiam ser montados em um piscar de olhos e eles estariam fugindo a oeste meio piscar depois. “Você parece ter mais cavalos do que homens”.
“Nós o pegamos todas as vezes que a sorte sorri para a gente. Sempre podemos achar um homem disposto a pagar por um cavalo novo”.
“E a mulher?”.
Colson riu inconscientemente. “Os homens estão dispostos a pagar por isto, também”.
“Acho que sim. Posso dar uma olhada?”.
Colson esfregou o queixo. “Contanto que você só olhe. Ela vai me aquecer esta noite”.
“Compreendo”, Houston disse enquanto lutava contra o desejo de bater o punho contra aquele rosto feio. Ele amaldiçoava os homens que tinham tomado seu revólver. Graças a Deus, eles deixaram seu rifle na bainha, embora ele não soubesse se ele seria útil neste local pequeno. Uma idéia surgiu na cabeça dele. Ele se virou para Colson, desejando que o sorriso que ele lhe deu mostrasse ao homem o que ele sentia. “Se importa se eu tiver um pouco de diversão inocente? Eu gosto de ouvir mulheres gritarem”.
Colson estreitou os olhos. “O que você quer dizer com inocente?”
Houston empurrou a cabeça na direção de Amelia. “O modo como ela está dentro daquela rachadura na pedra, eu acho que ela não percebeu os insetos que tem lá. As mulheres odeiam coisas com pernas minúsculas. Acho que vou mencionar para ela”.
Colson se agachou diante do fogo. “Eu não acho que ela é do tipo que grita com algum inseto, mas não me aborrece se você tiver sua diversão”.
Houston caminhou tão calmamente quanto podia em direção ao canto longe do despenhadeiro, agradecido por ninguém reclamar quando Sorrel o seguiu. Ele iria recompensar o cavalo com uma cesta inteira de maçãs se eles vivessem esta noite.
Amelia tinha entrado em uma grande rachadura na parede do desfiladeiro. Ela tinha uma contusão na bochecha, e ele fez de tudo que pôde para não se virar, arrancar o rifle e começar a atirar.
Quando ele se aproximou, gritou, “Pequena senhora, escorpiões e serpentes certamente adoram se esconder nas rachaduras frescas”. Ele sussurrou “grita,” e, graças a Deus, ela gritou.
Ela deu um berro enquanto saía da rachadura e entrava nos braços dele. Os homens que os cercavam riram tumultuadamente. Um tiro ecoou.
Enquanto os ladrões saíam na cobertura, Houston envolveu a cintura de Amelia com os braços e a içou na sela. Ela agarrou o chifre da sela. Ele montou atrás dela e persuadiu Sorrel a um galope enquanto um segundo tiro ricocheteava nas pedras.
“Que diabos?”, alguém gritou.
Houston ouviu vários outros tiros ecoarem. Os pedaços de pedra voavam pelo ar, chovendo em cima deles enquanto eles corriam em direção à entrada. Homens berravam. Cavalos relinchavam. Era um inferno atrás deles, mas ele montou sem olhar para trás.
Ele segurou Amelia o mais próximo que podia, usando seu corpo como uma proteção ao redor dela quando eles saíram pela boca do desfiladeiro. Ele ouviu um zunir de bala passar perto de sua orelha.
Ele chutou os lados da Sorrel, fazendo-a ir num galope mais rápido. Ele viu o sol refletindo em um rifle e manteve a corrida. Ele ouviu a réplica de mais tiros. Ele não sabia quanto tempo Dallas poderia pará-los. Ele temia que não fosse o suficiente.
Ele deu uma olhada rápida para trás. Três cavaleiros estavam galopando rápidos e furiosos vindos da boca do precipício. Inclinando para frente, ele puxou o rifle da bainha. Ele olhou de novo por cima do ombro. Os três cavaleiros estavam se aproximando deles. Um cavalo com dois cavaleiros não podia correr mais rápido do que um cavalo com um cavaleiro, não importava o quão rápido ele fosse.
“Tome as rédeas!”, ele gritou.
Desajeitada com as mãos ainda amarradas, Amelia fez como ele instruiu. Com as coxas abraçando o cavalo, ele puxou Amelia contra ele. “‘Mantenha o ritmo!”.
Ele puxou o ar pela última vez para sentir o odor doce dela. “Eu amo você”.
Em ato contínuo, ele a soltou, agarrou a parte de trás da sela, deu um impulso e pulou do cavalo galopante, indo para longe do bater dos cascos. Em ato contínuo, ele bateu no chão, rolou, ficou de joelho, apontou o rifle, e disparou.
Amelia ouviu as palavras de Houston como se eles estivessem em um campo de flores em vez de planícies abertas montando contra um inferno. E então ela o sentiu indo embora... para sempre.
Contrariando os desejos dele, ela puxou as rédeas lutando para fazer o cavalo parar. Ela girou Sorrel na hora certa em que Houston atirava no segundo dos três cavaleiros. O cavaleiro restante atirou. Houston caiu para trás, seus braços caindo para o lado.
“Não!”, ela chorou, o coração gritando.
Outra réplica de fogo de artilharia encheu o ar, e o último cavaleiro caiu para frente antes de cair da sela. Amelia persuadiu a Sorrel a um novo galope, uma liturgia de orações passando por sua mente. Ela parou o cavalo onde Houston tinha caído. Ela desceu da sela e caiu de joelhos ao lado dele.
O sangue vermelho claro ensopava sua camisa. “Não,” ela sussurrou, lágrimas desciam pelo rosto. “Não, não, não”. Ignorando a dor da corda nos pulsos, ela arrancou um pedaço de sua anágua e o apertou contra o ferimento, desesperadamente tentado parar o forte fluxo de vermelho. O algodão branco rapidamente ficou vermelho.
Houston abriu os olhos. Ela tocou a palma da mão na bochecha dela. “Você não pode morrer. Eu nunca vou te perdoar se você morrer”.
“Eu não corri,” ele sussurrou.
“Mas você devia, seu bobo! Você devia ter ficado comigo!”.
Um canto de sua boca se ergueu. “Esse teria sido o caminho fácil. Você merece mais do que isto”.
Ele afundou no esquecimento, sua respiração fraca. Uma sombra passou por cima de seu rosto. Amelia ergueu a cabeça enquanto Dallas ficava de joelhos, faca na mão, e começava a cortar a camisa de Houston.
“Por que diabos ele não ficou no cavalo? Eu não estava assim tão longe-”.
“Ele tinha algo para provar a si mesmo,” ela disse tranquilamente, as lágrimas descendo por suas bochechas.
Em toda sua vida, Dallas nunca tinha se encontrado em um momento em que não tivesse um plano de ação, não conhecia o que era se sentir inútil, sem uma direção. E agora ele se sentia um completo inútil, e ele não sabia o que fazer quanto a isto.
Ele juntou os cavalos roubados e deixou os homens que ele e Houston tinham matado serem comidos pelos falcões e coiotes. Ele não tinha sido cruel em sua vingança, agora o tempo estava rapidamente se tornando seu pior inimigo. A bala entrou e saiu pelo ombro de Houston, deixando um ferimento relativamente limpo mas deixou também dois buracos bem grandes pelos quais o sangue podia fluir. E fluía.
Dallas odiou mas teve que amarrar uma corda ao redor de Houston para que ele não caísse da sela. Eles montaram pela noite, mantendo os cavalos bem lentos, passo constante, tendo como destinado planejado o rancho. No amanhecer seguinte, quando cabana de Houston surgiu, Dallas não decidiu contar com a sorte.
Ele levou Houston, inconsciente, para sua cabana de tronco e o deitou tão suavemente na cama quanto ele pôde. Ele ajudou Amelia a limpar, costurar, e colocar curativo no ferimento, sua admiração por ela crescente enquanto suas mãos competentes lidavam com cada tarefa com eficiência. Ela estava pálida, suas mãos tremiam de vez em quando, mas seu queixo testava firme com determinação, os olhos desafiando a morte.
Ela era uma mulher sensacional.
Quando Dallas decidiu que tinha feito tudo o que podia no momento, ele deixou seu irmão aos cuidados de Amelia enquanto ele corria para o rancho, os cavalos a reboque, dava ordens aos homens, enviava quatro homens em direções opostas para procurar um doutor na zona rural. Ele enviou outro homem para achar o reverendo Tucker, rezando mais forte do que ele já tinha rezado em toda sua vida para que ele não precisasse dos serviços do pastor.
Dallas retornou à cabana com Austin. Eles teriam se revezado se Amélia tivesse deixado. Mas agora eles simplesmente se sentavam nas sombras e ficavam preocupados.
Doía. Doía muito ver o irmão deitado tão quieto como se estivesse simplesmente esperando a chegada da morte. Doía assistir Amelia sobre Houston, enxugando o suor de sua testa, sua garganta, seu peito, conversando com ele constantemente, suavemente, muito suavemente. Sempre conversando com ele sobre seus cavalos, seu sonho de criá-los, e como ela não queria ser parte de um sonho que tinha morrido.
Amelia Carson era tudo o que Dallas queria em uma esposa. Uma sobrevivente, alguém que gostava de como o Sul tinha sido, uma vontade de alcançar o futuro. Ela estava cheia de determinação, coragem e tinha um espírito indomável.
Ele achava que nunca esqueceria o modo como ela tinha olhado para Houston durante a perseguição: destemida, brava, apavorada. Ou a profundidade do desespero que ele viu refletida em seus olhos quando ela se ajoelhou ao lado dele e tentou fazer seu sangue parar de derramar pelo chão.
Dallas ficou de pé, se esticou tentando tirar a dor e a tensão das costas, e caminhou para o forno. Ele pegou uma tigela de madeira do armário, se curvou e colocou o cozido no pote. A casa de Houston era tão simples quanto um homem poderia fazer: uma mesa com uma cadeira, uma cama, um guarda-roupa, uma cômoda, uma mesa de cabeceira e uma pilha de livros. Nenhum espelho. Nenhum maldito espelho.
Endireitando o corpo, ele deu uma olhada rápida por sobre o ombro de Austin, que estava sentado na mesa desde que Dallas tinha confiscado a cadeira. Ele ficava surpreso pelos cotovelos dele não fazerem buracos nas coxas. Ele olhava como se estivesse esperando a punição de um carrasco. “Você quer verificar os cavalos?”.
Austin ficou de pé e levou a cabeça para cima e para baixo. “Sim, senhor”. Ele foi em direção à porta.
Dallas cruzou o quarto e se ajoelhou ao lado da cama. “Você precisa comer”.
Amelia deu a ele um sorriso fraco. “Eu não consigo abaixar a febre dele. Onde está o doutor?”.
“Eu enviei meus homens para achar um. É tão difícil achar um doutor quanto uma esposa”. Ele colocou um pouco de cozido na colher e a ergueu. “Vamos. Coma por mim”.
“Eu não estou com fome”.
“Então coma por ele”. Ele balançou a cabeça em direção a Houston. ‘“Você não fará bem a ele se ficar doente”.
Ela abriu a boca, e ele deu o cozido a ela. Lambendo os lábios, ela pegou a tigela dele. “Acho que estou com fome afinal”.
Ele a observou comer, esta mulher com quem ele tinha casado, esta mulher que não era completamente sua esposa. Ela tinha sido tão arredia quanto uma potranca recém-nascida na noite da lua-de-mel. Ele decidiu levá-la para um passeio, desejando fazê-la relaxar. Em vez disso, ele a perdeu.
Ou talvez ele só tivesse falhado em reconhecer que nunca a teria.
Semanas passadas quando ele tinha se confrontado com Houston, ele tinha ficado seguro de que Houston não sentia nada além de luxúria por Amelia. Ele tinha fechado a mente à possibilidade de que Houston pudesse estar profundamente apaixonada por Amelia.
Que ela poderia ter se apaixonado profundamente por Houston.
Ele tinha medido o amor dela com aquilo que ele sabia sobre o amor... nada. Ele entendia lealdade, honra, e o valor de se manter a palavra.
Apesar de seus sentimentos por ela, Houston não a tinha reivindicado. Por alguma razão, ele tinha mantido silêncio enquanto ela e Dallas trocavam os votos. E com seu silêncio, ele abandonou Amelia e deu seu voto de que a deixaria em paz.
Amelia deu a tigela vazia de volta para Dallas, a testa enrugada tão profundamente que ele pensava que seu rosto refletia a tensão dos dias passados. “Obrigado”.
Ele se levantou. “Vou sair para pegar algum ar fresco. Grite se você precisar de mim”.
Ele colocou a tigela na mesa, cruzou o quarto, abriu a porta, e saiu para a noite. Ele nunca tinha se sentido tão incrivelmente inútil. A única vez foi quando Houston tinha ficado ferido durante a guerra, Dallas podia tomar alguma atitude, fazer algo.
Ele curvou a cabeça. Por treze anos ele tinha lutado contra a culpa, nunca sabendo se sua decisão naquela noite fatídica tinha sido a certa. Todas as vezes que ele olhava para Houston, ele se lembrava das ações que tinha tomado e se questionava sobre seus motivos para tais atos.
Dallas sempre supôs que Houston era tímido por causa de sua deformação, que ele tinha se distanciado de Dallas porque Dallas tinha mantido sua palavra. Não o tinha deixado morrer.
Agora, ele se perguntava se o demônio que tinha forçado Houston a sair do cavalo e enfrentar sozinho aqueles bandidos também eram os responsáveis por ele preferir a solidão acima da companhia dos outros.
Dallas tirou do bolso o relógio que Amelia tinha dado a ele, o segurou próximo à orelha, e o agitou vigorosamente. Ele podia ouvir a água do lado de dentro. Ele não podia reparar a perda do afeto dela, ele não podia forçar Houston a reivindicá-la, mas ele podia fazer de tudo ao seu alcance para amá-la como ela deveria ser amada.
Lá no fundo, o estômago de Dallas se contorcia com seus pensamentos. Ele caminhou para a extremidade da varanda e deu uma olhada rápida para os lados da casa.
Austin se sentou no chão, os braços dobrados em cima dos joelhos, a cabeça descansando sobre os braços, os ombros se agitando com a força de seu pesar.
Dallas nunca tinha visto um homem chorar. Seu pai o tinha levado a acreditar que lágrimas eram coisas de mulheres, certamente não era algo que um homem deixaria deslizar pelo rosto. Desajeitado e fora de seus domínios, ele abordou Austin. “Austin?”
Austin empurrou a cabeça para trás. No luar, Dallas podia ver lágrimas fluindo ao longo das bochechas dele, se juntando ao redor sua boca.
“Houston vai morrer, não é?”.
Dallas se agachou. “Eu duvido. Ele não gosta de ficar mal com Amelia, e ele certamente ficaria se morresse”.
Com força, Austin esfregou a mão embaixo do nariz. “É minha culpa”.
“Não pense assim”.
Austin ficou de pé. “Mas é verdade. Se você examinar aqueles cavalos que pegou, você achará o garanhão de Houston. Eles o roubaram de mim”.
Dallas lentamente ficou de pé. “Mas você disse—”.
“Eu menti! Eles levaram o animal e eu tive vergonha por ter deixado eles fazerem isto porque eu não tentei parar eles e tomar o cavalo de volta. Se eu tivesse falado a verdade—”.
“Pare!” Dallas rugiu. “Pare com isto. Você não sabe o que teria acontecido se você tivesse dito a verdade. Poderia ter feito nenhuma diferença”. Ele levantou uma mão para parar o protesto do irmão. “Eu não vou dizer que você deveria ter mentido. Por Deus, você deveria ter dito a verdade para a gente. Mas você não pode deixar que o que aconteceu corroa você. Está feito”. Ele girou a mão pelo ar. “Está feito”.
Assim como o casamento dele com Amelia. Estava feito.
Austin fungou. “Você não devia me castigar ou algo assim?”.
Dallas agitou a cabeça. “Você é quase um homem agora. Nenhum homem vai fazer tudo certo na vida. Um homem que se cerca de seus enganos é destinado a ter uma vida miserável. Aprenda que você se tornou um homem melhor por causa disto”.
Austin endireitou os ombros. “Eu irei. Eu não decepcionarei você ou Houston na mão novamente”.
“Ótimo. Agora cuide dos cavalos”.
“Sim, senhor”.
“Dallas!”.
O grito de Amelia levou Dallas para dentro da casa, abrindo a porta com tudo, Austin via logo atrás. O coração dele bateu forte contra as costelas com o pânico refletido nos olhos de Amelia.
“Houston começou a se bater, pedindo você. Ele vai abrir o ferimento”.
“Mas que droga. Austin, vá buscar uma corda”. Ele andou a passos largos para a cama e agarrou Houston que batia os braços. “Por Deus, fique quieto”.
Houston o puxou pela camisa, puxando-o. “Dallas, eu estou assustado”.
Dallas teria jurado que estava encontrando o olhar de um menino de quinze anos de idade. “Não fique,” ele disse rouco. “Eu não deixarei nada acontecer a você”.
“Promete?”.
Dallas engoliu em seco. “Dou a minha palavra”.
Houston soltou sua roupa e afundou de volta para o esquecimento.
Austin entrou como um furacão. “Eu consegui a corda”.
“Nós não precisamos disto agora,” Dallas disse tranquilamente. Ele ergueu o olhar para Amelia.
“Você dois estavam de volta na guerra,” ela disse suavemente.
“A noite em que ele se feriu. Você acha que ele pediria minha palavra se soubesse que eu ao cumpri-la eu o condenaria à vida que ele tem levado todos estes anos?”.
“Você devia perguntar a ele. Você ficaria surpreso com o que ele pensa”.
“É melhor que eu não saiba”.
Era quase meia-noite quando Amelia agitou o ombro de Dallas para despertá-lo. “Ele está tremendo, e eu não acho mais cobertores”.
Dallas olhou em direção à cama. Tremendo? Houston estava tremendo como se alguém o tivesse lançado em um rio glacial. “Droga, ele não tem uma porcaria de cobertor por aqui”.
Ele saltou da cadeira e cutucou o pé de Austin. Desorientado, Austin abriu os olhos e olhou fixamente para ele.
‘“Monte até em casa e junte todos os cobertores que puder. Eu pegarei alguma madeira, farei fogo, vamos aquecer ele”.
Ele seguiu Austin até o lado de fora e se dirigiu à pilha de madeira. Graças a Deus Houston tinha madeira. O modo de vida Espartano estava começando a cansá-lo.
Ele juntou nos braços o máximo de madeira que podia levar e voltou para a casa como uma tempestade. Ele empurrou a porta, foi para o lado de dentro, e parou bruscamente.
Houston não estava mais tremendo. Ele estava perfeitamente quieto, seu rosto refletia satisfação.
Ele não mais precisava de fogo ou de cobertores para se aquecer. Amelia estava enrolada ao seu lado, adormecida, dando a ele todo o calor que precisava.
Amelia despertou encharcada de suor, o suor de Houston. Um cobertor tinha sido colocado ao redor dela. Erguendo a cabeça, ela varreu o quarto até achar Dallas que se sentava nas sombras ao lado da cama.
“Ele e-estava f-frio,” ela gaguejou. “Eu não conseguia fazer ele parar de tremer”.
“Eu sei”.
Ela colocou o cobertor de lado e saiu da cama. “Eu acho que a febre dele baixou”.
“Bom. Eu vou pegar água fresca. Ele acordará com sede”.
Ignorando seu próprio desconforto, Amelia começou a enxugar o suor no corpo de Houston. Ate que ele agarrou o pulso dela e fez com que ela percebesse que ele estava acordado. Ela sorriu suavemente. “Você nos deu um baita susto”.
“Dallas?”.
“Ele está bem”.
“Cavalos?”.
“Austin tem cuidado deles”.
Ela o viu lamber os lábios. “Deixe-me pegar água para você”.
Ele ligeiramente movimentou a cabeça. Girando, ela tomou a xícara de lata que Dallas estava segurando, deslizou a mão embaixo da cabeça de Houston, e tocou a xícara em seus lábios. “Beba devagar,” ela ordenou. Embora em seu estado debilitado, ela não sabia se ele tinha outra escolha.
Quando ele bebeu toda a água, ela colocou a xícara de lado e pegou a mão dele.
O pomo de Adão foi para cima e para baixo. “Eu posso sentir seu cheiro,” ele gemeu.
Ela passou os dedos junto à sobrancelha dele. “Austin trouxe os cobertores da minha cama”.
“O que você usa que te faz cheirar tão doce?”.
“Magnólias. Elas cresciam em nossa plantação”.
Um canto da boca de Houston se entortou para cima. “Maggie. Esse é um bom nome para uma menina. Dê a sua filha o nome de Maggie”. Os olhos dele se fecharam.
“Eu irei,” ela sussurrou com uma voz que ia sumindo.
Ela sentiu uma mão forte com dedos longos descansar em seu ombro. Ela deu uma olhada rápida para Dallas. Ele a tocou ligeiramente e apertou seu pescoço. Ela esfregou sua bochecha contra a mão crespa dele. “Eu acho que o pior já passou,” ela disse.
“Ele ficará fraco durante algum tempo e provavelmente selvagem como um urso. Eu estou cansado de ser inútil. Eu preciso voltar para o rancho e cuidar dos negócios”.
Ela se levantou da cama. “Você não foi inútil. Eu não conseguiria sem você e Austin”.
Ele tocou a bochecha dela. “Eu acho que você teria se saído bem. Se você quiser ficar aqui até que ele recupere a força, eu virei de vez em quando para dar uma checada”.
“Eu gostaria de fazer isto, se você não se importar”.
Ele deu um selinho na testa dela. “Faça com que ele fique forte o suficiente para realizar os sonhos que tem. Eu até então não sabia que ele tinha algum”.
Houston ficou deitado na cama por dois longos dias tentando recuperar força o suficiente para que pudesse rastejar até a mesa. Ele desejava a Deus que nunca tivesse dito a Amelia que a amava antes de pular do cavalo, mas no momento ele tinha achado seguro revelar o que havia em coração porque ele não achava que haveria uma mínima chance de sobreviver.
Ele pedia a Deus para que ficasse de boca fechada enquanto Amelia o barbeava sem olhar para ele e o alimentava sem fazer uma maldita pergunta.
Ele desejava se manter em silêncio todas as noites quando ela arrumava em silêncio a cama em que ia dormir. Ela colocaria seu espelho de mão contra uma tigela na mesa, separaria as mechas da trança, e lentamente escovava o cabelo até que ele brilhava como a luz do fogo da lareira. Ela juntava as mechas, então verificava a chama do lampião, e com nada além de um “durma bem,” ela se retirava para a noite... deitando em um catre no chão.
Ele a assistia horas após a meia-noite e escutava seu suave respirar. Ele a queria em sua cama, ao lado dele, em seus braços.
Mas ele tinha desistido do direito de segurá-la novamente—para sempre. Porque ele tinha medo. Como sempre, ele tinha medo.
E agora ela o odiava. Pela covardia que ele tinha mostrado treze anos antes quando era um menino, e também pela covardia que ele tinha mostrado agora, como um homem.
Ignorando a dor no ombro e a debilidade dos joelhos, Houston tinha rastejado para fora da cama e pegado as roupas que Amelia tinha deixado na mesa. Ele colocou a calça comprida e atrapalhadamente tentava abotoar a camisa quando ela andou pela casa, trazendo um balde com água. Ela deixou o balde no chão, caminhou através do quarto, botou as mãos dele de lado, e abotoou a camisa.
“Você nunca mais vai olhar para mim ou conversar comigo de novo?”, ele perguntou.
“É mais difícil agora. Eu desejava que você não tivesse dito o que disse antes de saltar do cavalo”.
“Sim, também acho, mas eu não acho que um homem deve morrer sem já ter dito essas palavras”.
“Então foi só porque eu estava lá que você falou as palavras para mim. Poderia ter sido qualquer mulher,” ela disse suavemente, encontrando o olhar dele pelo instante do crepitar de uma chama.
Ele deslizou o dedo embaixo do queixo dela e balançou seu rosto. “Não. Eu estava com medo de não conseguir parar os homens e você morrer sem saber que eu te amei”.
Ela levantou os punhos, lágrimas brotando dos olhos.
“Que droga. Que droga você dizer isso para mim agora, quando já é muito tarde”.
“Sempre foi muito tarde para nós, Amelia. Você estava comprometida com Dallas. Ele não é um homem que desiste do que lhe pertence”.
“O que pertence a ele? Você acha que se eu erguer minha saia, você achará a marca dele no meu traseiro? Eu não sou uma posse, Houston. Eu não sou algo para ser possuído”.
“Você é sua esposa”.
“Sim, agora eu sou sua esposa. E você sabe o que eu descobri? Que você mentiu para mim. Você disse para mim que as minhas necessidades eram luxúria. Eu não negarei que uma parte era verdade, mas a maior parte das minhas necessidades vem do amor que eu sinto por você. Eu não sinto aquelas necessidades quando Dallas me toca. Eu me sinto vazia”.
Suas palavras o rasgaram por dentro. Ele conhecia o sentimento de vazio de estar com uma pessoa que você não ama. Ele achava que Dallas teria o poder de manter esse vazio à distância dela.
Ela de repente riu tristemente. “Por outro lado, eu suponho que deva ficar agradecida. Eu teria odiado ficar casada com um homem tão vaidoso quanto você”.
“Vaidoso? Você acha que eu sou vaidoso?”.
Ela se virou, girando a mão como um círculo. “Você não tem um único espelho nesta casa inteira. Você esconde seu rosto embaixo das sombras do seu chapéu”.
“Você acha que eu não tenho espelhos por causa disto?”, ele perguntou, abaixando a mão até o lado esquerdo do rosto.
Ela concordou com a cabeça, o movimento aos arrancos.
Ele apontou para o seu olho direito. ‘“É este que eu não quero ver. Quando eu encontro o meu olhar, vejo o homem que vive aqui dentro”. Ele bate contra o peito e faz careta com a dor que vem do ombro baleado. “O que está aqui dentro é mais feio do que qualquer coisa que você esteja vendo agora”.
“Você não conhece o homem que vive dentro de você,” ela disse furiosamente. “Você só conhece o menino, o menino de quinze anos de idade que fugiu. Você não o deixa ir; você não o deixa crescer! Você se vê como um covarde porque você não olha seu reflexo no espelho. Você não vê o homem que se tornou, você só vê o menino que era. Você saltou daquele cavalo porque achava que tinha algo a provar—”.
“Eu saltei daquele cavalo porque eu estava com medo. Com medo de que Dallas não conseguisse parar aqueles homens, medo de que você fosse morta. Todas as decisões que eu tomo são baseadas no medo. O pensamento de ver você morrer me assustava mais do que o pensamento de que eu poderia morrer. Foi por isso que eu saltei. Eu sempre pego o caminho covarde”.
Ela agitou a cabeça tristemente. “O caminho covarde. Você me segurou em uma tempestade que poderia ter facilmente matado nós dois; Nós lutamos contra um rio furioso; Nós capturamos cavalos selvagens—”.
“Eu não teria feito nenhuma dessas coisas se você não estivesse comigo”.
“Sim, você teria. Porque esse é o homem que você se tornou. Você só não se conhece tanto quanto eu te conheço. Se arrisque, olhe no espelho algum dia, e veja o homem que eu aprendi a amar”.
A porta abriu. Amelia saltou para trás, as lágrimas escorrendo pelas bochechas. Houston encontrou o olhar de Dallas enquanto ele caminhava pela casa, Austin o seguindo.
“Você está fora da cama,” Dallas disse, seu olhar indo de Houston a Amelia.
Houston concordou com a cabeça, procurando sua voz. “Sim, eu me sinto mais forte”.
“Então você não se importará se eu levar Amelia para casa”.
“Não, não, eu não me importo. Ela é sua esposa. Você devia levá-la para casa”.
“Então eu farei”, ele estendeu a mão.
Amelia deslizou a mão até a de Dallas, e Houston sentiu como se um rebanho de cavalos selvagens tivesse passado por cima de seu coração.
Quando a dupla saiu fechando a porta, Houston afundou na cama.
“Você tem certeza de que está se sentindo bem?”, Austin perguntou.
“Sim”.
Austin arrastou a cadeira pelo chão, girou-a e se sentou, cruzando os braços na parte de trás. “Eu devo desculpas a você pelo Trovão Negro”.
“Nós já discutimos sobre isto. Nós conseguiremos um novo garanhão na primavera”.
Austin agitou a cabeça. “Você não deve ter olhado direito para aqueles cavalos no desfiladeiro, os que aqueles ladrões tinham roubado”.
“Não, eu estava só pensando em Amelia e como tirar ela de lá”.
“O Trovão Negro estava lá. Dallas o devolveu. Eu o coloquei no cercado”.
Houston esfregou o ombro, a dor se intensificando. “O que você quer dizer que ele estava lá e agora está aqui? Você atirou nele”.
“Não, eu menti”.
Houston olhou fixamente para seu irmão, perguntando-se quando ele tinha deixado de ser um menino. Austin respirou fundo.
“Os ladrões me pegaram de surpresa e roubaram o Trovão Negro. Eu tinha vergonha de dizer que não tinha tentado parar eles. Não importava que havia seis deles e que eu estava só e com apenas uma arma de fogo. Eu não fiz nada. Eu achava que iria desapontar você. Achava que você nunca mais confiaria em mim se soubesse o que aconteceu. Então eu menti. E porque eu menti, você levou um tiro”.
“Eu não levei um tiro porque você mentiu—”.
“Se eu tivesse dito a verdade, você os teria seguido. Eles nunca teriam levado Amelia”.
“Nós não temos como ter certeza disso. Você não pode ficar pensando no que poderia ter acontecido”.
“Dallas disse a mesma coisa, mas eu precisava ouvir de você”.
“Bem, agora que ouviu, pegue o Trovão Negro e volte para o rancho”.
“Levar o Trovão Negro?”.
“Sim, ele é seu. Eu gostaria de pegar ele emprestado de vez em quando, claro, mas ele pertence a você”.
“Por quê?”.
Houston se debruçou para frente. “Porque eu não quero que você fique pensando o resto da vida que eu o culpo pelo que aconteceu. Não foi sua culpa”.
Austin riu. “Você não tem que me dar o cavalo. Dallas disse a mim que um homem que se cerca de seus remorsos vive uma vida miserável. Eu tenho um sonho que quero agarrar com as minhas mãos. Eu não quero viver cercado de remorsos”.
“De qualquer maneira, fique com o cavalo”.
Austin ficou de pé. “Certo, eu irei”. Ele caminhou para a porta e parou, a mão sobre a maçaneta. Ele olhou para trás por cima do ombro. “Aquela mulher que você ama... eu conheço?”.
Houston se forçou a encontrar o olhar do irmão. O menino só conhecia uma mulher, se ele não contasse com as prostitutas dos Apartamentos Empoeirados. “Sim, você conhece”.
“Ela nunca deixou seu lado, nem por um minuto”.
“Ela não deveria ter feito isso”.
“Bem, eu não entendo muito desses assuntos, mas se eu tivesse uma mulher que me amasse tanto quanto essa mulher te ama... eu rastejaria pelo inferno só para ficar ao lado dela”.
Houston se sentou na mesa, correndo os dedos de um lado para outro em cima do pano que Amelia tinha bordado para Dallas, um presente que ele tinha guardado para si.
Ele tinha tentado dormir depois que Austin tinha partido, mas Amelia estava ainda aqui com ele. Ele podia sentir seu cheiro doce de magnólia, o odor enchendo a casa, enchendo a cama.
Ele se perguntava quanto tempo demoraria para que a fragrância enfraquecesse, antes que ele ficasse igual a Cookie, vivendo de memórias até que eles se tornassem tão usadas com os anos e fossem descartadas como algo de segunda-mão. Houston já tinha gastado treze anos cercado de remorsos de sua mocidade. Ele tinha a vida toda pela frente para se debater com seus remorsos mais recentes.
Fosse intencional ou não, ela tinha deixado seu espelho na mesa, o lado do vidro virado para baixo.
Ele a podia ver tão claramente segurando o espelho, sorrindo com o reflexo. Um gesto tão simples, um passo tão difícil para se dar depois de todos estes anos. As águas de uma lagoa sempre dão uma imagem distorcida, sem profundidade, sem claridade.
Um espelho daria um reflexo claro e, se ele olhasse profundo o suficiente, se arrastaria de volta do passado. Se ele olhasse por tempo suficiente, talvez ele ficasse livre.
A boca de Houston foi ficando seca enquanto ele desviava o olhar entre o espelho e as flores que ela tinha costurado com pontos delicados e linha rosa.
Com a mão trêmula, ele envolveu o cabo do espelho, o ergueu na mesa, e o segurou diante dele.
Na luz desvanecida da noite, Amelia estava de pé na sacada com a manta mais próxima do corpo. Em algum lugar, lá fora, onde o vento soprava livre e os cavalos selvagens viviam em liberdade, vivia um homem com o coração de um menino de quinze anos de idade.
Por Deus, como a mãe de Houston tinha deixado que seu marido levasse os filhos para a guerra? Como alguma mulher deixava o filho sair para guerrear, independente da idade?
A guerra tinha levado tantos meninos, até aqueles que ela não matou. Ela se perguntava como teria sido diferente a jornada de Houston se ele não tivesse marchado em um campo da batalha antes de ter se barbeado pela primeira vez.
Os cabelos da nuca se arrepiaram com a brisa fresca que passou. Ela ouviu um movimento e se virou para ver Dallas contra a parede, estudando-a, um olhar intenso, penetrante.
Ele precisou de apenas um passo para acabar a distância entre eles. Ele tocou os nós dos dedos em sua bochecha, e ela não conseguiu deixar de enrijecer. A mão dele pendeu para o lado. “Eu nunca forcei uma mulher. E não farei isso com a minha esposa”.
Tocando a mão dele, ela colocou a dela por cima e mexeu a cabeça ligeiramente. “Você não terá que me forçar”.
Ele chegou mais perto até que apenas um sussurro separava seus corpos. “Você ama Houston?”.
“Eu sou sua esposa”.
“Eu se de quem você é esposa. Estou perguntando se você ama Houston”.
As lágrimas inundaram os olhos dela. Ela os apertou, lutando contra um rio de emoções. “Uma vez”. Ela abriu os olhos e encontrou o olhar dele.
“Por que você se casou comigo?”.
Ela respirou fundo. “Eu não tinha nada na Georgia. Nenhuma casa, nenhuma família. Você ofereceu a mim uma chance de ter uma casa, uma família, e um sonho”.
“Em outras palavras, eu te pedi e Houston não”.
Ela deu a ele um sorriso trêmulo. “Você pediu. Ele não”.
Ele abriu os braços. Com uma aceitação muda, ela deitou a cabeça contra o peito dele enquanto ele a envolvia em um abraço forte. Ela gostava dele. Ela se importava com ele. Talvez, com o tempo, seu coração batesse mais rápido quando ele estivesse perto, sua pele formigaria quando ele a tocasse, e seus dedões do pé se contorceriam quando ele a beijasse.
Ele deslizou o dedo embaixo do queixo dela, embalou o rosto, e levou os lábios de encontro aos dela enquanto a erguia nos braços e a levava para o quarto.
A boca morna de Dallas cobriu a dela enquanto ela afundava na cama. Seu beijo era... bom. A mão dele tocou o peito dela. Bom. Ele gemeu e deitou o corpo por sobre o dela. Esguio, forte... bom.
A porta se abriu com força e bateu contra a parede. Dallas saiu de cima dela com a rapidez de uma bala. Ele tirou o revólver do cinto que estava na cabeceira e mirou a porta, a respiração pesada. “O que foi isto?”.
Amelia encostou-se na cabeceira da cama, a mão em cima do coração que batia rápido, a respiração presa na garganta.
Ela olhou com esforço para Dallas. Houston permanecia na entrada, as pernas bem abertas. Ele olhou fixamente para o irmão. “Eu preciso conversar com você”.
Dallas deslizou a arma de fogo até o cinto e colocou a mão em torno do suporte, as juntas dos dedos ficando brancas enquanto ele encarava o irmão. “Não pode esperar até manhã?”.
“Não”. Houston olhou para Amelia, e então para Dallas. “Não, não pode”.
Dallas passou os dedos pelo cabelo e deu uma olhada rápida para Amelia. “Você me dá licença?”.
Ela pôde apenas dar um pequeno aceno com a cabeça.
Dallas ficou de pé diante da janela de seu escritório, o uísque que ele tinha colocado, esquecido enquanto ele assistia a mulher em pé ao lado do curral que Austin tinha feito os homens reconstruir. Dallas sabia que ela escaparia da casa e iria para o curral. Ele se perguntava quanto tempo demoraria até que ele a conhecesse como Houston conhecia. A Palomino a abordou, cutucou seu braço, e ela apertou o rosto contra o pescoço da égua.
Ele podia ouvir Houston andando atrás dele. Para um homem que queria conversar tão desesperadamente, ele de repente tinha ficado misteriosamente quieto.
Dallas girou e, pela primeira vez em anos, não vacilou quando encontrou o olhar do irmão. “Você devia se sentar antes que caia”.
Houston parou e se segurou na parte de trás de uma cadeira. “Eu consigo ficar de pé”.
“Você quer conversar?”.
Houston concordou com a cabeça, os dedos apertando o couro da cadeira. “Eu estou apaixonado por Amelia”.
“E quando você decidiu isto?”.
“Foi em algum lugar entre Fort Worth e aqui”.
Dallas andou a passos largos através do quarto e lançou o copo de uísque na lareira. O barulho do vidro quebrando não melhorou em nada seu humor. “Que diabos, então nós temos uma situação muito complicada aqui”. Ele se virou. “Por que em nome do Deus você não disse algo antes que nós estivéssemos casados?”.
“Porque eu achei que ela merecia algo melhor do que um covarde”.
Dallas sentia como se Houston tivesse acabado de dar um soco na boca do estômago dele. “O quê?”.
“Ela tem mais coragem no dedo mindinho do que eu tenho no corpo inteiro. Eu acreditava que ela não merecia alguém que foge da própria sombra”.
“Do que você está falando?”.
Houston atravessou o quarto e bateu uma mão na escrivaninha. “O quê? Após todos estes anos, você quer que eu diga na sua cara o que você sabe lá no fundo? Eu sou um covarde. Um ser desprezível, uma porcaria de homem. Você sabe disto, eu sei também. É por isso que você não tem estômago para olhar para mim. Se eu pudesse desfazer o que eu fiz, eu faria. Mas eu não posso. Deus sabe que toda noite quando vou dormir, tento reviver aquele dia, desejando que eu tivesse feito o que deveria ter feito, mas quando eu acordo o passado permanece como era”.
“Você soa como o nosso pai”.
Houston sentou na cadeira, fechou o olho e esfregou a testa. “Eu não espero que você me perdoe por ter matado ele. Maldição, eu não me perdoei”.
“Você acha que eu te culpo pela morte do nosso pai?”.
Houston ergueu o olhar desesperado. “Creio que é por isso que você não suporta olhar para mim. Porque você sabe que eu o matei. Se eu tivesse alguma firmeza, eu teria me virado, e saído das suas vistas—”.
“Oh, Deus”. Dallas afundou na cadeira e afundou o rosto nas mãos. “Oh, meu Deus”. Então ele lançou um olhar de volta e riu, uma risada seca. “Eu achava que você evitava me olhar porque você lamentava o que eu tinha feito”.
“O que diabos você fez?”.
“Eu brinquei de ser Deus”.
A noite que seguia uma batalha era sempre a pior. Os gritos dos homens feridos ecoando pela escuridão, o fedor de sangue espesso no ar.
Dallas andou por cima de um cadáver e se ajoelhou ao lado de um jovem soldado que estava segurando nada menos do que o tronco de seu melhor amigo. “Jimmy?”.
Jimmy olhou para ele sem expressão. “Não consegui achar as pernas. Ele iria odiar ser enterrado sem as pernas”.
“Eu ajudarei você a procurar as pernas dele depois que eu achar Houston. Você viu ele?”.
Jimmy enxugou as lágrimas com a mão ensangüentada antes de apontar com o dedo. “Eles estão colocando os mortos lá em cima”.
Empilhados como troncos de madeira, um corpo em cima do outro. Dallas tinha achado o pai lá, mas ele não podia pensar sobre isso agora, ele tinha que ignorar a dor que esfaqueava seu coração.
“Houston não está lá”.
“Você verificou a barraca do hospital?”
“Sim, ele não estava lá, em nenhum dos dois”.
Jimmy apontou para um outro local. “Eles deixam os agonizantes ali”.
O estômago de Dallas se apertou, seu queixo formigou. Deus, ele queria vomitar, mas não aqui, não na frente de um soldado. Ele colocou a mão no ombro do jovem. “Nós vamos arrasar os Yankees amanhã”.
Ele lutou para ficar de pé e andou entre os mortos que ainda tinham que ser removidos, até que o gemido começou a ficar mais alto. Tantos homens na clareira. Ele poderia nunca ter encontrado Houston não fosse ele ter visto o tambor.
Ele se ajoelhou ao lado do irmão. Houston estava ensangüentado, deitado tão quieto, tão pálido ao luar. Dallas tirou o tambor de perto do irmão e o lançou com toda sua força e raiva em um arbusto perto. Ele deslizou os braços embaixo de Houston e lutou para conseguir ficar de pé. Ele ignorou os pedidos de água dos homens, ignorando os pedidos de ajuda enquanto ele se dirigia em direção à barraca do hospital.
Nenhuma luz ardia do lado de dentro. Usando o ombro, ele cutucou a ponta da barraca. O luar se derramava no interior. Ele julgou a distância até a mesa, caminhou para o lado de dentro, e deitou o irmão na mesa na escuridão enquanto a ponta da barraca caía atrás dele.
Houston não fazia nenhum som. Dallas foi do lado de fora e depressa retornou com um lampião. Ele o pendurou em uma viga e estudou seu irmão através da névoa dourada. Houston estava com a respiração fraca, o peito sangrento mexendo um pouco apenas quando ele tentava respirar. A raiva inflou dentro de Dallas, e ele saiu da barraca como um furacão.
Ele correu através do recinto, e sem formalidade, adentrou a barraca do médico. “Dr. Barnes, eu achei um homem que precisa ser atendido”. Ele agitou o homem dormente. “Eu achei um homem que precisa ser atendido!”
O doutor abriu os olhos e deu um suspiro cansado. Ele ainda estava vestido, sangue salpicado em suas roupas. Sentando, ele colocou os pés no chão. “Onde está ele?”.
“Na barraca do hospital. Nós precisamos nos apressar”.
Dr. Barnes esfregou o rosto antes de ficar de pé. “Vamos”.
Ele não caminhou rápido o suficiente para ajustar seu passo com o de Dallas, mas pelo menos ele estava indo. Dallas levantou de novo a ponta da barraca e se apressou indo até o lado do irmão. Houston não se movia, mas ainda estava respirando. Dr. Barnes se moveu ao redor da mesa.
“Oh, céus”.
“Eu preciso que você o trate”, Dallas disse.
Dr. Barnes ergueu os olhos cansados. “Filho, é melhor que ele morra”.
“Eu dei a minha palavra a ele que não o deixaria morrer”.
Dr. Barnes balançou a cabeça, remorso enchia seus olhos. “Eu gastei meu tempo para salvar homens com ferimentos faciais como esses, só para que eles se matassem quando ficassem fortes novamente. Aqueles que não se matam acabam vivendo sozinhos, não querem que as pessoas o vejam”. Ele colocou a mão na testa de Houston. “Eu não estarei fazendo um favor a ele se fechar seus outros ferimentos. Meu tempo seria melhor gasto se eu dormisse para que assim tenha forças para salvar aqueles que ainda valem a pena serem salvos amanhã”.
Dallas puxou o revólver do cinto.
“Eu dei a ele a minha palavra de que não o deixaria morrer. Eu nunca volto atrás com a minha palavra”. Ele colocou a arma de fogo no centro do peito do médico. “Eu estou dando a você a minha palavra de que se ele morrer, você fará companhia a ele no céu”.
“Não faça isto, filho”.
“Eu não sou seu filho”.
“Eu sei que é duro deixar aqueles que nós amamos ir embora, especialmente quando eles são tão jovens, mas eu dou a você a minha palavra de que a morte é o melhor para ele”.
“Eu não estou interessado na sua palavra. Eu só estou interessado na minha. Agora, conserte ele”.
Resignado, o doutor suspirou, pegou atrás de si um par de tesouras e começou a cortar a jaqueta cinza de Houston. Estoicamente, Dallas permaneceu e assistiu ao doutor trabalhado. Duas horas. Duas longas e torturantes horas ele olhou fixamente para a carne mutilada do irmão.
“Eu fiz tudo o que podia fazer”, Dr. Barnes disse quando terminou de colocar a última bandagem ao redor da cabeça de Houston. “Agora é com ele, se vive ou morre”.
Dallas abaixou a mão que tremia. “Eu aprecio muito o que você fez”.
“Eu garanto a você que ele não apreciará. Daqui a anos quando você olhar para o rosto dele, você se lembrará da noite em que brincou de ser Deus”.
“Ele estava certo,” Dallas disse com um suspiro pesado. “Eu tive que partir, ir com a minha companhia, mas quando eu voltei, você não estava sorrindo. Você não conversava mais comigo. Quando nós estávamos viajando para casa, você se resguardou, ficando nas sombras quando nós passávamos em uma cidade. Eu achei que você tinha desejado que eu tivesse te deixado morrer. Quando eu construí a casa para Amelia, você não quis viver aqui, construiu um lugar só para você. Acreditava que você não queria ter qualquer relação comigo”.
Houston quase não conseguia falar com as emoções obstruindo sua garganta. “Eu achei que você não olharia para mim porque você sabia que eu era um covarde. Eu corri. Se eu não tivesse corrido, nosso pai não teria morrido”.
“Por Deus, Houston, você não tinha nenhuma arma de fogo para se defender, apenas um tambor. Se um soldado não consegue matar o homem que dá as ordens, ele faria de tudo ao seu alcance para silenciar o mensageiro. Você era o mensageiro. Eu disse ao nosso pai que te desse um rifle, mas ele queria alguém que cumprisse as ordens dele. Você era um menino. Nosso pai não tinha o direito de te alistar. Eu disse a ele para que não o fizesse, mas ele não me escutava”.
“Você não era muito mais velho”.
“Nem em idade, nem em temperamento. Eu queria ir. Eu queria a glória que vinha com a guerra. Só que eu descobri que a glória não vem com destruição. Eu achei que encontraria isto aqui, domesticando a terra, construindo um império, criando um legado que eu pudesse passar para o meu filho”.
O filho de Dallas. A fundação de seu sonho. Dallas tinha salvado a vida de Houston—duas vezes—e agora Houston estava pedindo para que sacrificasse uma porção de seu sonho para que ele achasse felicidade. “Isso nos trás de volta a Amelia,” Houston disse baixinho.
“Sim, trás”. Dallas saiu da escrivaninha e caminhou para a janela.
O peito de Houston doeu mais do que quando tinha levado o tiro da metralhadora. Ele se levantou e foi para perto do irmão. “Eu devo a você por ter mantido a palavra e não me ter deixado morrer. O doutor estava errado. Eu nunca lamentei ter vivido. Só lamentei que nosso pai não tivesse”.
Dallas balançou a cabeça. “Ele não tinha o direito de fazer o que fez com você. Ele tinha homens para comandar. Seu lugar era com eles. Ele queria te transformar no homem que achava que você deveria ser. Um campo de batalha não era o lugar para isto”.
“Você não me culpa mesmo?”
Dallas deu uma olhada rápida para ele. “Foi decisão dele correr atrás de você, porque ele era estúpido. Eu o amei, Houston. Eu admirei sua força, mas ele não era perfeito”.
“Eu o amei, também,” Houston disse, pela primeira vez percebendo que realmente tinha amado o pai. “Eu apenas não consegui ser o que ele queria que eu fosse”.
“Não há nada de errado nisso. Que Deus me ajude, eu sou o reflexo dele”. Dallas olhou em direção ao curral para a mulher de pé ao luar que a cercava. Ele não esperava que ela o amasse. Ele era parecido demais com o pai, um homem difícil de amar, não verdadeiramente apreciado até que ele se fosse. Ele também não gostava da idéia de levar para cama uma mulher que ele sabia que estava pensando em outro. Especialmente se aquele homem fosse Houston.
“Dê a ela o divórcio,” Houston disse. “Eu juro por Deus que não a tocarei durante um mês, não até que ela tenha a certeza se está ou não carregando um filho seu”.
Dallas levantou uma sobrancelha. “É altamente improvável que ela esteja carregando um filho meu, já que nós somos constantemente interrompidos”.
“Então dê a anulação”.
“O que em nome do Deus faz você pensar que ela quer se casar com você? Você ficou de pé na minha sala de estar e ficou calado. Você não pensa que poderia ter destruído o coração dela?”.
“Ela tem todo o direito de me odiar, mas pelo menos deixe que eu pergunte a ela”.
Culpas, enganos, e remorsos tinham dado a Houston treze anos de solidão. Agora, Houston tinha a oportunidade de receber o amor de uma mulher, algo que Dallas nunca teria. Qualquer mulher podia dar a Dallas o filho que ele queria, mas só Amelia podia retribuir a Houston seus sorrisos e risos.
“Eu deixarei a decisão com Amelia,” Dallas disse tranquilamente. “Deixe-me conversar com ela. Se ela quiser a anulação, eu darei. Se ela quiser se casar com você... eu não farei nada”.
Uma lua cheia graciosamente enchia os céus, de modo leve iluminava Dallas que se aproximava do curral. Valiant foi para o outro lado, mas a mulher continuou parada, olhando a escuridão além do curral.
Dallas cruzou os braços por cima da grade. “Esse é um cavalo bonito”.
“Sim, ela é”.
“Houston tem a paciência para trabalha quando o assunto são os cavalos”.
“Sim, ele tem”.
“Você sabe no que eu pensei enquanto estava vindo para cá?”.
Agitando a cabeça, ela deu uma olhada rápida para ele.
“Eu estava pensando na última vez que ouvi Houston rir. Nós tínhamos nadado no riacho. Eu disse a ele que saísse, e enquanto eu estava me vestindo, ele se escondeu nas sombras. Quando eu olhei para cima, eu não o podia ver. Eu pensei que ele tinha se afogado. Ele me fez de bobo, eu entrei na água, procurando por ele. Ele riu tanto que achei que iria se engasgar”.
Ela sorriu suavemente. “Eu não consigo imaginar isto”.
“Não, eu não acho que você consiga. No dia seguinte, nosso pai foi guerrear e nos arrastou junto com ele. Eu nunca ouvi Houston rir novamente até a primeira noite em que você chegou aqui. Quinze anos é muito tempo para um homem ficar sem rir”.
Ele arrastou o dedo contra a bochecha dela. “Eu não preciso de amor, Amelia, mas eu acho que você precisa, e se você achar isto com um homem que tem o sonho de criar cavalos, saiba que você tem a minha bênção”.
Lágrimas brotaram nos olhos dela, e um sorriso trêmulo curvou seus lábios. “Eu acho que se você tivesse ido até Fort Worth me buscar, eu poderia ter me apaixonado por você”.
Ele sorriu calorosamente. “Eu acreditaria que o destino conspirou contra a gente se eu não acreditasse que a gente faz o próprio destino. No meu escritório está um homem que quer que você faça parte do destino dele. Eu acho que vale a pena escutar o que ele tem a dizer”.
Houston se sentou na cadeira, os cotovelos nas coxas, seu ombro doía sem dó. Ele passava o pano de Amelia nos dedos repetidas vezes. Ele conhecia cada laço, cada babado, cada ponto. Era tudo o que ele teria dela se ela não viesse, e ele tinha o pressentimento de que ela não viria vê-lo.
“Dallas disse que você queria conversar comigo”.
Ele saltou na cadeira com o som de sua voz gentil. Ele dobrou o pedaço de pano e o colocou no bolso do colete. “Sim, eu quero”. Ele puxou o espelho do outro bolso. “Você deixou seu espelho na minha mesa”. Ele estendeu em direção a ela.
“Você pode ficar com ele,” ela disse baixinho. “Nós temos muitos espelhos aqui”.
“Eu ficarei com ele, então”.
“Bom. Eu fico contente”.
Ele nunca tinha sido impetuoso em uma batalha, mas ele percebeu que desta vez poderia ser a melhor abordagem. “Eu gastei muito tempo estudando o espelho. A parte de trás é realmente bonita com ouro trabalhado. Levei uma hora para ter coragem para virar e olhar o outro lado”.
“E o que você viu?”.
“Um homem que te ama mais do que a própria vida”.
Fechando os olhos, ela abaixou o queixo na direção do peito.
“Eu não te culparia se você se me odiasse. Eu não cuidei dos seus sentimentos como deveria”.
“Eu não odeio você,” ela sussurrou rouca. “Eu tentei, mas não posso”.
“Dallas está disposto a dar a você uma anulação”.
Droga, essas palavras eram tão feias quanto seu rosto, não eram o que ela merecia. Ele se consideraria o homem mais rico do mundo se possuísse as palavras que ela queria ouvir, que merecia ouvir. Ele achava que havia uma lágrima brilhando no canto do olho dela. “Maldição, mulher, olhe para mim”.
Lentamente, ela ergueu a cabeça. A visão das lágrimas que brotavam em seus olhos o machucava mais do que o ferimento que tinha no ombro.
“Eu tive vários momentos na minha vida quando me senti assustado, mas eu juro a você que eu nunca tinha me sentido tão assustado quanto eu fiquei agora mesmo. Eu tenho medo de que você não aceite a oferta de Dallas da anulação... e eu não terei nada na minha vida além do vazio que estava lá antes de você sair daquele trem em Fort Worth. Eu não culparia você por querer ficar com ele. Deus sabe que eu não fiz as coisas certas ao seu lado—” Ele fechou os olhos com força. “Ah, droga, isto não era o que eu queria dizer”.
Ele deslizou o espelho de volta em seu bolso e afundou na cadeira. Ele nunca tinha se sentido tão cansado em toda a vida. Ela andou e se ajoelhou ao lado dele.
“Você está sangrando?”.
“Não. Apenas um momento para reunir a minha força”.
“Você não devia ter vindo aqui hoje à noite. Você deveria ter ficado na cama—”.
“Eu não podia. Todas as vezes que eu respirava, sentia seu cheiro”. Ele colocou a mão ao redor da dela, deu um beijo contra a palma da mão, e manteve o olhar dela. “Eu tenho uma cabana de um quarto, alguns cavalos, e um sonho que é tão pequeno que não cobrirá a palma da sua mão. Mas certamente parece muito maior quando você está ao meu lado”.
O luar que fluía pela janela brilhava sobre as lágrimas que desciam pelas bochechas dela. “Eu sempre quis um sonho que pudesse segurar na palma das mãos,” ela disse baixinho.
O coração dele bateu mais rápido contra o peito, e todas as coisas que ele temia foram embora. “Eu quero você ao meu lado até o dia em que eu morra, Amelia. Se você me quiser... como seu marido”.
Ela sorriu suavemente. “Eu responderei uma pergunta”.
“O quê?”.
Ela levantou uma sobrancelha delicada. “Uma pergunta”.
Ele respirou fundo, tomou as mãos dela, e as trouxe contra os lábios. “Você quer se casar comigo?”.
“Sim”.
A alegria alagou o coração dele, criando um raio de sol banhado com paixão. “Eu quero uma conseqüência,” ele disse rouco.
“Beije-me como se você me amasse”.
“Mulher, você não sabe que eu sempre te beijei desse jeito?”.
Sentando-a no colo dele, ele a abraçou e levou sua boca até a dela, beijando-a ternamente, esta mulher de coragem que logo se tornaria sua esposa.
Eles esperaram até a primavera, quando as flores silvestres formaram um tapete multicor brilhando por sobre as planícies.
Amelia permanecia ao lado da nascente, escutando o murmúrio da água que caía nas pedras cobertas de musgo. Seu vestido branco de seda e rendas flutuava com a brisa, um presente de Houston, um dos muitos que ele tinha trazido de Fort Worth. Um presente que trazia memórias.
Nos anos que viriam, ela sabia que o tiraria da cômoda de cedro, o olharia com carinho, e se lembraria dos primeiros dias mais felizes de sua vida.
Ela entrelaçou o braço no de Houston, da mesma maneira que suas vidas para sempre tinham se juntado. Nenhuma marca seria usada para demonstrar a união deles. Somente as juras que eles trocavam hoje.
Ela não conseguia tirar os olhos de Houston que estava de pé ao lado dela com sua jaqueta marrom nova e calça comprida de lã. Ela achava que ele estava mais próximo de um banqueiro do que de um homem que gastava a maior parte do dia com cavalos... e como ela tinha desejado, a melhor parte da noite com ela.
O tecido do chapéu de aba larga dele a fez sorrir, e ela se perguntou quanto tempo demoraria para se acabar com velhos hábitos. Em torno da borda, ele usava o tecido de linho antigo, com flores bordadas delicadas, desbotadas e desgastadas. Pelos olhos de seu coração, ela sabia que nunca veria um homem mais bonito.
A voz melodiosa do reverendo Tucker ecoou enquanto ele uma vez mais falava as mesmas palavras que tinha dito no outono passado. Dallas estava solenemente ao lado dela, e ela se perguntava se ele estaria se lembrando do dia em que ela tinha se tornado sua esposa ou se ele mentalmente estava projetando o plano da cidade que queria construir. Ela desejava que ele estivesse pensando na cidade, e que ela o trouxesse uma esposa.
Austin estava de pé ao lado de Houston, sorrindo amplamente, os olhos azuis cintilantes competindo em beleza com a lagoa que refletia a luz do sol em suas águas ondulantes.
“Se alguém sabe de alguma razão pela qual estes dois não deviam se reunir em sagrado matrimônio, fale agora ou cale-se para sempre”—o Reverendo Tucker olhou para os três homens durante um piscar de olhos—”e que para sempre seja assim”.
Amelia prendeu a respiração e esperou. Ela sabia que Dallas tinha o direito de falar alguma coisa. Uma parte dela ficava triste por não ter dado a ele o filho que ele desesperadamente desejava; Uma parte de seu coração sempre seria reservada para as memórias do pouco tempo em que ela tinha sido sua noiva, e então esposa. E o amor dela por ele cresceria ao longo dos anos como ela imaginava, mas seria como o amor de uma irmã pelo irmão.
O reverendo Tucker limpou a garganta. Amelia soltou a respiração e repetiu os votos que tinha dito uma vez antes, com os olhos nunca deixando Houston.
O reverendo Tucker dirigiu sua atenção a Houston. “Repita depois de mim—”.
“Ela já ouviu essas palavras antes,” Houston disse brincalhão. “Ela merece algo que não seja de segunda-mão. Eu tenho minhas próprias palavras a dizer”.
Levantando uma sobrancelha, o reverendo Tucker riu baixo. “Bem, eu nunca ouvi minhas palavras serem chamadas de segunda-mão, mas eu suponho que sejam. Eu não tenho nenhuma objeção que você dê seus próprios votos desde que a noiva aprove. Amelia?”.
“Eu não tenho nenhuma objeção,” ela disse, com o coração batendo com o ritmo da queda d’água. Ela acredita que ainda hoje o lugar carrega o som do riso de Houston junto com o dela, e depois de hoje eles, para sempre, ecoariam junto com seus votos.
Aproximando-se dela, Houston a segurou pelo cotovelo e a virou, até que ela o olhasse cara a cara. Ele tirou o chapéu, as sombras revelando o lado esquerdo escarpado, o lado direito perfeito que juntos formavam o rosto que ela amava.
Ele tomou a mão dela que não estava segurando o buquê de flores silvestres e olhou fixamente para ela, segurando a mão com tanta firmeza que ela achava que poderia rachar seus ossos. Então o toque ficou gentil. Ele deslizou um anel de ouro por sobre o dedo dela e ergueu o olhar.
“Eu não sou um homem valente; Eu nunca serei um herói, mas eu amo você mais do que minha própria vida, e amarei até o dia em que morrer. Com você ao meu lado eu sou um homem muito melhor do que já fui um dia sozinho. Eu morro de medo de te desapontar, mas eu não fugirei desta vez. Eu ficarei firme e enfrentarei o desafio. Vou trabalhar duro para que você não tenha nenhum remorso. Você disse a mim uma vez que queria compartilhar uma parte dos meus sonhos. Sem você, Amelia, eu não teria nenhum sonho. Com você, eu tenho mais do que eu poderia um dia sonhar em ter”.
Lágrimas queimavam os olhos dela quando ele deu uma olhada rápida para o pastor. “Eu terminei”.
O reverendo Tucker sorriu. “Nesse caso, eu os declaro marido e esposa. Com minha bênção, você pode beijar a noiva”.
Houston embalou a bochecha dela, amorosamente olhando para suas feições. “Eu amo você, Amelia Carson Leigh,” ele disse rouco enquanto abaixava os lábios que tocaram os dela, lacrando os votos com um beijo tenro, doce, cheio de promessas de um amanhã.
Quando ele concluiu o beijo, ela apertou a bochecha contra o peito dele, escutando o ritmo contínuo de seu coração, tentando guardar toda a felicidade que sentia antes de sair do abraço e olhar para seu irmão por casamento.
Pegando as mãos dela, Dallas sorriu calorosamente. “Eu nunca pensei que você ficaria ainda mais bonita do que no dia em que se casou comigo, mas com certeza voe está linda hoje. O amor cai bem em você, Amelia”.
“Eu espero dizer o mesmo para você algum dia”.
“Que eu estou bonito?”.
Ficando na ponta do pé, ela deu um selinho nos lábios dele. “Que o amor fica bem em você”.
“Não gaste seu tempo pensando nisso,” ele brincou.
“Você pode ordenar uma outra noiva,” Houston sugeriu.
“Droga, não. Eu construirei minha cidade e mulheres começarão a se reunir aqui. Então eu farei uma seleção”.
“O amor nem sempre é tão prático,” Houston disse.
“Eu não estou procurando amor. Eu estou procurando por uma esposa que me dará um filho”. Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro de Amelia. “Eu construirei uma igreja na minha cidade, Pastor, então eu não terei que enviar meus homens para chamá-lo todas as vezes que precisar de você”.
“Faça mesmo, senhor Leigh,” Reverendo Tucker disse enquanto deslizava a Bíblia para dentro do bolso do casaco. “Enquanto isso, eu acho que meu trabalho aqui está feito então eu vou voltar e procurar almas perdidas”. Ele apertou as mãos dos homens e deu um selinho na bochecha de Amelia. “Seja feliz agora”.
“Eu serei”.
Ele montou num garanhão preto, e com um pequeno pontapé gentil nos lados do cavalo, saiu em um galope voador.
Dallas limpou a garganta. “Bom, acho que eu e Austin devíamos voltar para o rancho”.
“Eu preciso dar o meu presente a Amelia primeiro,” Austin disse. Ele foi até o cavalo e voltou com o violino. Ele se sentou em uma pedra, esticou uma perna, pondo-a sobre a outra, e colocou o violino sobre o ombro. “A primeira vez que eu te vi, Amelia... bem, foi isto o que eu ouvi em meu coração”.
A música começou suavemente, pouco mais alta do que um suspiro. Amelia sentiu um toque em seu ombro e deu uma olhada rápida para seu marido.
“O meu presente de casamento para você,” ele disse enquanto dava um passo para trás e oferecia um braço. “Uma valsa”.
Os olhos dela se arregalaram. “Eu achava que você não sabia dançar”.
“Aconteceu que Mimi Saint Claire, proprietária e exímia costureira, me deu aulas”. Ele disse ficando vermelho. “Elas custaram mais do que o vestido de noiva”.
“Eu amo o vestido de noiva”. Ela sorriu enquanto andava até o abraço dele, e eles começaram a dançar no ritmo da música.
As notas líricas do violino bailaram em torno das quedas, pela brisa, beijando as pétalas das flores silvestres. Subiram em um crescendo, grandiosas, bonitas, e corajosas, antes de se tornarem o silêncio.
Amelia e Houston valsaram enquanto Austin colocava o violino debaixo do braço. Eles valsaram depois que Dallas e Austin tinham montados em seus cavalos e partido.
Eles valsaram até o crepúsculo, até a hora de ir para casa.
A cabana estava escura com exceção do fogo na lareira. Houston empurrou a mesa para um lado do quarto e moveu a cama para mais perto da lareira.
Amelia tinha imaginado esta noite cem vezes desde a noite em que Houston a tinha pedido em casamento. Ela tinha antecipado essa hora, ansiado, mas quando ela olhou para seu reflexo no espelho, ela teve a impressão de que seus pensamentos seriam muito vagos comparados com o que seria real nesta noite.
Seu marido estava de pé atrás dela, lentamente abrindo os botões do seu vestido de noiva. Ele separava o tecido e dava um beijo em sua nuca.
Ele olhou para o espelho, encontrou o olhar dela e o manteve, os nós dos dedos deslizando pela garganta dela. “Você não me fez uma pergunta a noite toda”.
“Eu não consigo pensar em qualquer coisa que precise ser respondido agora”.
“Você não consegue pensar em nada?”.
Ela esfregou a bochecha contra a mão dele. “Eu não estou conseguindo pensar em nada, muito menos perguntar”.
“Eu tenho muitas perguntas que precisam ser respondidas”.
Ele mordiscou o lóbulo da orelha dela e arrastou a língua ao longo da concha da orelha. Ela achou que iria derreter. “Você tem?”.
“Mmm-hum. Eu gostaria de assistir você sem uma lona entre a gente”.
“Não teria nenhuma sombra sem a lona”.
Ele sorriu, um lado da boca movendo mais que o outro. “Exatamente, mas muitas das minhas perguntas certamente seriam respondidas sem que eu tivesse que perguntar”.
Ele deu um passo para trás e se sentou na extremidade da cama. Ela se levantou e angulou o queixo. “O que os olhos não vem—”.
“Entendido”.
Sorrindo serenamente, ela tirou primeiro uma manga e então a outra, vendo o olhar de seu marido escurecer. O vestido caiu até os pés, e ela deu um passo por cima Del e andou para mais próximo de Houston. Lentamente ela removeu as roupas de baixo. Seu marido engoliu em seco, os lábios se separaram ligeiramente, e ele se debruçou para frente.
De pé diante do marido com nada além do ar cercando sua pele, ela ficava surpresa por não sentir nenhuma vergonha. Ela colocou a mão em volta dos seios. “Você deve ter me achado terrivelmente indecente na primeira vez que me viu fazer isto”.
“Eu não achei, não mesmo,” ele disse rouco enquanto ficava de pé. Ele encolheu os ombros e tirou a jaqueta, arrancou a camisa por cima da cabeça, e tirou as calças compridas em um movimento fluido. Então ele estava diante dela, embalando seu rosto. “Se você não tivesse feito nenhuma pergunta a mim, eu acho que teria feito aquela jornada inteira sem um pensamento na minha cabeça. A primeira vez que eu te vi, eu não pude pensar em qualquer coisa para dizer”.
Ela passou os dedos pelo peito dele, admirando todos os aspectos de seu corpo magro e firme. “‘E agora?”.
“Uma pergunta?” Ele sorriu calorosamente. “Por Deus, eu espero que você goste da minha resposta”.
Os lábios dele foram até os dela, a boca quente, a língua explorando a dela como se ele nunca a tivesse beijado quando na verdade ele a tinha beijado por todo inverno e início da primavera. Ela começou a conhecer os beijos dele intimamente, mas eles nunca prometiam tanto quanto pareciam prometer agora. Um beijo prometia não ser um fim... mas apenas o começo.
Gemendo profundamente, ele arrastou a boca junto ao queixo dela, foi mordiscando e subindo até que se encostou a boca contra a orelha dela. “Lembra de como eu queria te tocar?”.
“Como meu marido, você tem esse direito”.
“Apenas se for o que você quiser”.
“Como você pode pensar que eu não gostaria que você me tocasse?”.
“Bom, porque eu vou tocar em você toda”.
Ele subiu as mãos pelo lado do corpo dela e envolveu os seios, os dedos polegares circulando os mamilos sensíveis que ficaram túrgidos. Gemendo, ela desmoronou contra o tórax largo dele. Ele deslizou o braço por baixo dos joelhos dela e a ergueu. Ela nunca tinha se sentido mais em casa quando ele a levava para a cama e suavemente a deitava no colchão de pena, estirando seu corpo ao lado do dela.
Ela amava o comprimento do corpo dele, seus ombros largos. Ela passou o dedo nas cicatrizes que corriam junto a seu rosto. “Você pode sentir?”.
“Muito pouco”. Ele tomou a mão dela e colocou em cima de seu coração. “Mas eu sinto isto”.
Então o corpo dele estava cobrindo o dela, pele contra pele, calor contra calor. A boca fazia uma trilha de beijos junto à garganta, indo para baixo, circulando cada seio. Ela passou os dedos no cabelo dele até que uma tira de couro atrapalhou a exploração. “Você se importa se eu tirar isto?”, ela perguntou.
Ele ergueu o olhar, e ela assistiu o pomo de Adão dele lentamente deslizar de cima a baixo. “Se você quiser,” ele disse com uma voz estrangulada.
“Eu amo tudo em você, Houston. Tudo”.
“Até a feiúra”.
“Pode ser. Mas eu não vejo qualquer feiúra quando olho para você”.
Ele fechou o olho enquanto ela suavemente tirava a tira de couro que cobria o remendo de seu rosto. Ele respirou fundo antes de erguer o olhar de volta para ela.
“Eu acho que você é tão bonito quanto o pecado,” ela disse suavemente.
Ele afundou o rosto entre os peitos dela. “Você não pode me amar tanto”.
“Eu te amo mais”.
“Oh, Deus”. Houston pensava que poderia chorar. Essa não seria uma reação de homem na sua noite de lua-de-mel. Seu pai arrancaria seu couro—.
Só que seu pai não estava aqui, e ele não era o homem que seu pai queria que ele se tornasse. Mas ele era o homem que esta mulher amava.
Ela tinha aceitado seus defeitos e cicatrizes, por dentro e por fora. As lágrimas queimavam sua garganta, queimavam seu olho enquanto ele levantou o rosto do travesseiro suave que era a pele dela. “Eu não tenho as palavras para dizer a você quanto eu te amo, mas eu desejo poder mostrar a você”.
Ele usou todas as habilidades que tinha adquirido enquanto trabalhava com os cavalos, tentando domesticar suas paixões, curvá-los a sua vontade, ao seu desejo. Ele levava as mãos rapidamente junto ao corpo dela, indo do ombro até os dedões dos pés nus minúsculos. Sombras valsavam por sobre a pele dela no ritmo da dança das chamas dentro da lareira. Ele apreciava a visão de sua pele que ardia embaixo de seus dedos.
Anos antes ele tinha parado de sonhar, e quando ele tinha começado a sonhar novamente, todos os seus sonhos revolviam ao redor dela. Senti-la ao lado dele, embaixo dele, ao redor dele.
Ele lutou contra a urgência de ter o que queria, forçando a si mesmo a ter a mesma paciência com ela que ele tinha com os cavalos. Ela era tão mais importante do que os cavalos. Sem ela, eles eram nada além de animais. Com ela, eles eram um sonho esperando no horizonte, um sonho que eles alcançariam juntos.
Ele a beijou profundamente, inalando o odor de magnólias que para sempre permaneceria em sua cama. Então ele começou a arrastar sua boca pela pele macia dela, seguindo o caminho que suas mãos tinham traçado antes.
Ele ouviu o gemido dela. Ele esperou, permitindo a ela ficar acostumada com sua boca nos seios dela, beijando, sugando, tocando, antes que ele descesse até suas coxas.
Lentamente, vagarosamente, ele a beijou intimamente, apaixonadamente até que ela estremeceu embaixo dele.
“Houston? Eu preciso—”.
Ele mexeu a língua em círculos no ponto mais sensível do corpo dela. “Eu quero que você se contorça para mim”.
“Contorcer para você?”, Amelia perguntou com a voz rouca, seus dedos se apertaram contra o rosto. “Oh, Deus”. Sensações que ela nunca tinha conhecido se precipitaram nela: um raio relampejou e um trovão retumbou enquanto uma tempestade acontecia dentro de seu corpo. Seu corpo inteiro se torceu tão firmemente quanto os dedões do pé, e então a tempestade explodiu, chovendo prazer e êxtase até que ela se contorceu como um cavalo selvagem.
Ela abriu os olhos para encontrá-lo olhando para ela, um sorriso de pura alegria estendido através do rosto. “Você sabe que existem alguns cavalos selvagens que não podem ser adestrados, mas que sempre são bons para passear?”.
“Eu acho que você acabou de me amansar,” ela confessou quase sem ar.
“Não. Você tem espírito demais, Amelia. Eu nunca tentaria amansar você, mas eu sempre quero que você aprecie o passeio tanto quanto eu”.
Com uma penetração longa, ele juntou seu corpo ao dela. A dor que ela sentia era passageira, enquanto isso o corpo dela instintivamente se ajustava ao dele. Então ele estava montando nela, ela estava montando nele, duas pessoas com um só destino.
A jornada era como nenhuma outra que ela já tivesse tomado, nenhuma que ela já tivesse sonhado em tomar. Ela correu as mãos em volta dos músculos tensos do tórax e costas dele, beijou sua garganta, apreciou a visão de seu queixo firme.
A boca dele cobriu a dela, acasalou as línguas da mesma maneira que acasalava os corpos. Ela suspirou, ele gemeu. A respiração dela ficou mais curta, a dele mais severa.
As estocadas ficaram mais rápidas, e ela manteve o ritmo de suas sensações até que seu corpo a lançou em um abismo de prazer, e ele arqueou e estremeceu em cima dela.
Admirada, ela vagarosamente arrastou os dedos nas costas brilhantes dele.
Ele esfregou a bochecha contra a dela. “Eu amo você,” ele sussurrou com a respiração cansada.
“Aquelas prostitutas eram bobas por fazerem você pagar o dobro”.
Ele riu baixo, ergueu a cabeça, e tirou uma mexa de cabelo da bochecha dela. “Eu nunca me dei dessa forma. Eu nunca me dei a ninguém dessa forma. Eu não sabia que tinha algo assim para dar”. Ele segurou o olhar dela. “Eu quero que você saiba que quando eu levei Austin para os Apartamentos Empoeirados, eu não toquei nenhuma mulher”.
Ela deu um beijo no centro do tórax dele. “Eu estou contente. Apesar de que você não estava casado comigo no momento, eu fico feliz”.
Ele rolou para o lado e a trouxe para cima dele. Ela se aconchegou contra seu ombro, apreciando as memórias dos dias e noites, maravilhas antes de acabar dormindo.
Amelia despertou várias horas mais tarde, o corpo dolorido, o coração contente. O corpo de Houston estava sobre o dela, sua perna sobre a coxa dela, a palma da mão grande sobre os seios dela, a respiração soprando na nuca dela como uma brisa constante do West Texas. Levou um momento até que ela notasse que não estava só cercada por ele, mas também pela escuridão. “Houston?”.
“Hmm?”, ele murmurou com a voz sonolenta.
“O fogo apagou”.
“Você está com frio?”.
“Não, mas não há nenhuma luz”.
“Quer que eu ache um lampião?”.
“Só me abrace um pouco mais forte”.
“Eu posso fazer melhor do que isto,” ele prometeu enquanto suavemente rolava por cima dela e a beijava profundamente, dando a ela o que ele sempre daria daquela noite em diante... o melhor de si.
[1] Adobo (ou Adobe) tijolo feito com uma mistura de barro cru, areia em pequena quantidade, estrume e fibra vegetal. Deve ser revestido com massa de cal e areia. O termo adobe vem do árabe attobi e designa, também, seixos rolados dos leitos de rios.
[2] Dare quer dizer: se atrever / enfrentar alguém. Houston está fazendo referência ao jogo que ele ‘brinca’ com Amélia. “Verdade ou conseqüência(dare)?”.
Lorraine Heath
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