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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ANJOS E DEMONIOS / Dan Brown
ANJOS E DEMONIOS / Dan Brown

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ANJOS E DEMONIOS

 

O físico Leonardo Vetra sentiu cheiro de carne queimada e sabia que era a sua. Levantou os olhos,  aterrorizado, para a figura sombria que o dominava. 

- O que você quer? 

- La chiave - respondeu a voz rascante. - A senha. 

- Mas eu não... 

O intruso curvou-se de novo para a frente, pressionando com mais força o objeto em brasa no peito de  Vetra. Ouviu-se um chiado de carne grelhando. 

Vetra gritou alto, agoniado. 

- Não existe senha nenhuma! - E sentiu que mergulhava na inconsciência. 

O rosto do homem encheu-se de uma fúria contida. 

- Ne avevo paura. Era o que eu temia. 

Vetra esforçou-se para manter os sentidos, mas a escuridão envolvia-o pouco a pouco. Seu único consolo era saber que o agressor jamais obteria o que viera buscar. Um momento mais tarde, porém, o homem fez aparecer uma lâmina e ergueu-a diante do rosto de Vetra. A lâmina adejou no ar. Precisa. Cirúrgica. 

- Pelo amor de Deus! - gritou Vetra. 

Mas era tarde demais.

 

CAPÍTULO 1

Do alto da pirâmide de Gizé, a jovem riu e voltou-se para ele, lá embaixo, chamando-o. 

- Ande, Robert! Devia ter me casado com um homem mais moço! - O sorriso dela era mágico. 

Ele tentou acompanhá-la, mas suas pernas pesavam como se fossem feitas de pedra. 

- Espere - pediu. - Por favor... 

Enquanto subia, sua vista começou a turvar-se. Seus ouvidos latejavam. Preciso alcançá-la! Mas, quando olhou de novo para cima, a mulher desaparecera. Em seu lugar havia um velho de dentes estragados. O homem encarou-o, os lábios torcendo-se em uma careta melancólica. E ele deixou escapar um grito de angústia que ressoou pelo deserto. 

Robert Langdon acordou sobressaltado do pesadelo. O telefone ao lado de sua cama estava tocando.

Tonto, levou-o ao ouvido. 

- Alô? 

- Gostaria de falar com Robert Langdon - disse uma voz masculina. 

Langdon sentou-se na cama e tentou clarear sua mente. 

- Aqui... é Robert Langdon - e apertou os olhos para o mostrador do relógio digital. Eram 5h18 da madrugada. 

- Preciso encontrá-lo imediatamente. 

- Quem está falando? 

- Meu nome é Maximilian Kohler. Sou um físico de Partículas Discretas. 

- Um o quê? - Langdon mal conseguia se concentrar. - Tem certeza de que procurou o Langdon certo? 

- O senhor é professor de Simbologia Religiosa na Universidade de Harvard. Escreveu três livros sobre simbologia e... 

- Sabe que horas são? 

- Peço desculpas. Há uma coisa que precisa ver. Não posso explicar pelo telefone. 

Um resmungo conformado escapou dos lábios de Langdon. Aquilo já acontecera antes. Um dos perigos de se escrever livros sobre simbologia religiosa era o chamado de fanáticos querendo que ele confirmasse o último sinal que haviam recebido de Deus. No mês anterior, uma stripper de Oklahoma prometera a angdon a melhor sessão de sexo de sua vida se ele pegasse um avião até cidade dela para verificar a autenticidade de uma figura cruciforme que parecera magicamente nos lençóis de sua cama. O sudário de Tulsa, como angdon a chamara. 

- Como conseguiu o número do meu telefone? - Langdon tentou ser amável, apesar da hora. 

- Na Internet. No site do seu livro. 

Langdon franziu a testa. Tinha certeza de que o número do telefone de sua casa não constava do site de seu livro. O homem obviamente estava mentindo. 

- Preciso vê-lo - a voz do outro lado insistiu. - Vou pagar bem. 

Agora Langdon estava ficando furioso. 

- Sinto muito, mas eu... 

- Se sair agora, pode estar aqui por volta de... 

- Não vou a lugar nenhum! São cinco horas da manhã! 

Langdon desligou e caiu de volta na cama. Fechou os olhos e tentou adormecer novamente. Não adiantou.

O sonho estava entranhado em sua mente. elutante, vestiu um roupão e desceu. 

Robert Langdon perambulou descalço por sua casa deserta, uma construção Vitoriana em Massachusetts, segurando seu remédio habitual contra a insônia: 

uma caneca de chocolate instantâneo fumegante. O luar de abril filtrava-se pelas janelas da sacada e formava desenhos nos tapetes orientais. Os colegas de Langdon sempre brincavam que o lugar parecia mais um museu de antropologia do que uma casa. As prateleiras estavam cheias de artefatos religiosos de todo o mundo - um akuaba de Gana, uma cruz dourada da Espanha, um ídolo cicladense do Egeu e um ainda mais raro boccus de Bornéu, o símbolo da perpétua juventude de um jovem guerreiro. 

Sentado em uma arca de latão maharishi e saboreando o chocolate quente, deu com o seu reflexo nas vidraças das janelas. A imagem estava distorcida e pálida.., como a de um fantasma. Um fantasma envelhecido, pensou, sendo cruelmente lembrado de que o seu espírito da mocidade vivia dentro de um invólucro mortal. 

Apesar de não ser propriamente bonito no sentido clássico, Langdon, com seus quarenta e cinco anos, possuía o que as colegas do sexo feminino classificavam de um encanto "erudito" - mechas grisalhas misturadas ao espesso cabelo castanho, perspicazes olhos azuis, uma voz grave atraente e o sorriso forte e despreocupado de um atleta universitário. Membro da equipe de mergulho da faculdade, Langdon ainda tinha um corpo de nadador, um metro e oitenta de boa forma, que ele mantinha cuidadosamente com 2.500 metros diários de exercício na piscina da universidade. 

Seus amigos sempre o viram como uma espécie de enigma - um homem que pertencia a séculos diferentes. Nos fins de semana, viam-no andando pelo pátio da universidade vestido de jeans e conversando sobre computação gráfica e história religiosa com os alunos; outras vezes, aparecia com seu paletó de tweed e colete paisley nas páginas de importantes revistas de arte em aberturas de exposições de museus para as quais era convidado a dar palestras. 

Mesmo sendo um professor rigoroso e muito severo quanto à disciplina, Langdon era o primeiro a acolher o que chamava de "a arte perdida de uma boa brincadeira" Apreciava os momentos de divertimento com um fanatismo contagiante, o que lhe valera uma aceitação fraternal entre seus alunos. Seu apelido no campus, "Golfinho", era uma referência tanto à sua natureza afável quanto à sua lendária capacidade de mergulhar em uma piscina e confundir a estratégia de toda a equipe adversária em um jogo de pólo aquático. 

Enquanto estava ali, sozinho, olhando distraído para a escuridão, o silêncio da casa foi quebrado novamente, dessa vez pelo toque da máquina de fax. Exausto demais para se incomodar, Langdon forçou uma risadinha cansada. 

O povo de Deus, pensou. Dois mil anos de espera pelo Messias e eles ainda são de uma persistência infernal. 

Entediado, deixou a caneca vazia na cozinha e foi andando devagar para seu escritório revestido de painéis de carvalho. O fax recém-chegado estava na bandeja da máquina. Suspirando, pegou a folha de papel e olhou para ela. 

No mesmo instante foi tomado por uma onda de náusea. 

A imagem na página era a de um cadáver humano. O corpo fora despido e a cabeça fora torcida, virada completamente para trás. No peito da vítima havia uma terrível queimadura. O homem fora marcado a fogo... com uma única palavra. Uma palavra que Langdon conhecia bem, muito bem. Ele olhou fixamente, incrédulo, para as letras desenhadas. 

Ililuininilil

- Iliuminati - ele gaguejou, o coração batendo forte. - Não pode ser... 

Lentamente, temendo o que estava para presenciar, Langdon girou o papel 80 graus. Olhou para a palavra de cabeça para baixo. 

E quase perdeu o fôlego. Era como se tivesse sido atropelado por um caminhão. Mal acreditando em seus olhos, virou a folha de novo, lendo a palavra nas duas posições. 

- Illuminati - murmurou. 

Aturdido, deixou-se cair em uma cadeira. Ficou ali por um momento, totalmente desnorteado. Aos poucos, sua atenção voltou-se para a luz vermelha que piscava na máquina. Quem mandara o fax ainda estava na linha.., esperando para falar. Langdon contemplou durante longo tempo o ponto luminoso piscando. 

Depois, trêmulo, levantou o fone. 

 

CAPÍTULO 2

- Vai me dar atenção agora? - disse o homem quando Langdon finalmente atendeu o telefone. 

- Sim, senhor, com certeza, agora vou. Pode explicar melhor? 

- Foi o que tentei lhe contar antes - a voz era rígida, mecânica. - Sou físico. Dirijo uma organização de pesquisas. Aconteceu um crime e o senhor viu o fax. 

- Como me encontrou? - Langdon mal conseguia se concentrar na conversa. Sua mente estava na imagem no fax. 

- Já lhe disse. Na Internet, no site de seu livro A arte dos Iliuminati. 

Langdon procurou reunir seus pensamentos. Seu livro era praticamente desconhecido nos círculos literários convencionais mas tivera uma repercussão bastante significativa on-line. Ainda assim, a explicação não fazia sentido. 

- A página não traz informações para contato - Langdon desafiou-o. 

- Tenho certeza disto. 

- No laboratório tenho gente que é especialista em extrair informações sobre os usuários da Internet. 

Langdon ainda estava meio cético. 

- Parece que seu laboratório sabe tudo sobre a Internet. 

- Claro - o outro disparou -, fomos nós que a inventamos. 

Algo na voz do homem dizia que ele não estava brincando.

- Preciso vê-lo - insistiu. - Não é assunto para se tratar pelo telefone. Meu laboratório fica a apenas uma hora de vôo de Boston. 

Na penumbra de seu escritório, Langdon analisou o fax que tinha em mãos. A imagem era estarrecedora, talvez representasse a maior descoberta epigráfica do século, uma década de suas pesquisas confirmada em um único símbolo. 

- É urgente - a voz pressionou-o. 

Os olhos de Langdon estavam fixos na queimadura. Iliuminati, ele lia sem parar. Seu trabalho sempre se baseara no equivalente simbólico dos fósseis - documentos antigos e boatos históricos -, mas aquela imagem diante dele representava o hoje. O tempo presente. Sentia-se como um paleontólogo que dá de cara com um dinossauro vivo. 

- Tomei a liberdade de mandar um avião buscá-lo - disse a voz. - Vai estar em Boston dentro de 20 minutos. 

Langdon sentiu a boca seca. Uma hora de vôo... 

- Por favor, desculpe minha impertinência - continuou o homem. - Preciso do senhor aqui. 

Langdon olhou outra vez para a imagem no fax - um antigo mito confirmado em preto-e-branco. As implicações eram assustadoras. Levantou um olhar ausente para as janelas. Os primeiros vestígios da aurora insinuavam-se por entre os galhos das bétulas dos fundos de sua casa, mas a vista de alguma

forma parecia diferente naquela manhã. À medida que uma estranha mistura de medo e animação ia tomando conta dele, Langdon percebeu que não tinha escolha. 

- O senhor me convenceu - falou ele. - Agora me diga onde encontrar o avião.

 

CAPÍTULO 3

A milhares de quilômetros dali, dois homens encontravam-se. 

O aposento era escuro. Medieval. De pedra. 

- Benvenuto - disse o encarregado. Estava sentado nas sombras, fora de visão. - Foi bem-sucedido? 

- Si - respondeu o vulto. - Perfectamente. - Suas palavras soavam duras como as paredes de pedra. 

- E não haverá dúvidas quanto à responsabilidade? 

- Nenhuma.

- Excelente. Trouxe o que pedi? 

Os olhos do assassino brilharam, negros como petróleo. Pegou um pesado aparelho eletrônico e colocou-o sobre a mesa. 

O homem nas sombras pareceu satisfeito. 

- Você se saiu bem. 

- Servir à fraternidade é uma honra - disse o assassino. 

- A fase dois vai começar logo. Procure descansar um pouco. Esta noite vamos mudar o mundo. 

 

CAPÍTULO 4

O Saab 900S de Robert Langdon saiu do túnel Callahan no lado leste do porto de Boston, perto da entrada para o Aeroporto Logan. Verificando o endereço, Langdon encontrou a Aviation Road e dobrou à esquerda depois do prédio da Eastern Airlines. Na estrada de acesso, uns 300 metros adiante, um hangar surgiu na escuridão. Pintado nele, um grande número "4". Langdon parou no estacionamento e saiu do carro. 

Um homem de rosto redondo vestindo um uniforme azul de vôo saiu de trás da construção. 

- Robert Langdon? - indagou. 

A voz era amigável, com um sotaque peculiar que Langdon não conseguiu identificar. 

- Eu mesmo - respondeu ele, trancando o carro. 

- Cálculo perfeito - disse o homem. - Acabei de aterrissar. Venha comigo, por favor. 

Ao rodearem o prédio, Langdon sentiu-se tenso. Não estava acostumado a receber telefonemas enigmáticos nem a marcar encontros secretos com estranhos. Sem saber o que esperar, envergara seu traje habitual de dar aulas - calças de algodão, camisa de gola rulê e um paletó de tweed. Enquanto caminhavam, pensou no fax no bolso de seu paletó, ainda incapaz de acreditar na imagem que apresentava. 

O piloto pareceu perceber a ansiedade de Langdon. 

- Voar não é problema para o senhor, ou é? 

- De jeito nenhum - Langdon replicou. Corpos marcados a fogo é que são. Voar não é nada.

O homem conduziu Langdon até o outro lado do hangar. Contornaram um dos cantos e saíram na pista de pouso. 

Langdon estacou, boquiaberto diante da aeronave estacionada na pista. 

- Vamos nisso aí? 

O homem sorriu. 

- Gostou dele? 

Langdon ficou parado olhando algum tempo. 

- Dele? Que diabos é isso? 

O avião era enorme. Lembrava um pouco o ônibus espacial, exceto pelo topo, que parecia ter sido raspado fora, deixando-o perfeitamente plano. Estacionado ali, parecia uma cunha gigantesca. A primeira sensação de Langdon foi a de que estava sonhando. O veículo dava a impressão de ser tão capaz de voar quanto um Buick. As asas praticamente não existiam - apenas dois atarracados estabilizadores verticais na traseira da fuselagem. Um par de pequenos lemes dorsais erguia-se na ré. O resto do avião era apenas casco - cerca de sessenta metros de ponta a ponta -, sem janelas, nada mais além de casco. 

- Pesa 250 toneladas com o tanque de combustível cheio - adiantou-se o piloto, como um pai se gabando do filho recém-nascido. - Movido a hidrogênio. O casco é feito de um molde de titânio com fibras de carbureto de silício. Arremete com um coeficiente de empuxo de 20:1; a maioria dos jatos só chega a 7:1.0

O diretor deve estar com uma pressa danada de encontrar o senhor. Ele não costuma mandar o possante assim à toa.  

- Essa coisa voa? - espantou-se Langdon. 

O piloto riu. 

- Se voa! 

Conduziu Langdon pela pista na direção do avião. 

- Chega a assustar, eu sei, mas é bom ir se acostumando. Daqui a cinco anos, é só o que se vai ver - os HSCT, High Speed Civil Transports (Transporte Civil de Alta Velocidade). Nosso laboratório é um dos primeiros a ter um. 

Deve ser um tremendo laboratório - pensou Langdon. 

- Este é um protótipo do Boeing X-33 - continuou o piloto -, mas existem dezenas de outros: o National Aero Space Plane, o Scramjet dos russos, o Hotol dos ingleses. O futuro está aqui, só vai levar algum tempo para chegar ao setor público. Pode ir se despedindo dos jatos convencionais. 

Langdon examinou o avião com ar desconfiado.

- Acho que teria preferido um jato convencional. 

O piloto apontou para a escada de embarque. 

- Vamos subir, por favor, senhor Langdon. Cuidado com os degraus. 

Minutos depois, Langdon estava sentado dentro da cabine vazia. O piloto instalou-o na primeira fila e encaminhou-se para a frente do avião. 

Surpreendentemente, a cabine em si parecia-se com a de um grande jato comercial comum. A única exceção era o fato de não possuir janelas, o que incomodava Langdon bastante. A vida inteira fora perseguido por uma leve claustrofobia, vestígio de um incidente de infância jamais superado por completo. 

Sua aversão por espaços fechados não chegava a atrapalhar, mas sempre fora causa de algumas frustrações. Manifestava-se de formas sutis. Ele evitava a prática de esportes de quadras fechadas, como o squash, e pagara de bom grado uma pequena fortuna por sua casa vitoriana, arejada e com pé-direito alto, embora houvesse pronta disponibilidade de moradia mais econômica para professores da universidade. Às vezes, suspeitava que sua atração pelo mundo da arte desde muito jovem devia-se ao seu gosto pelos amplos espaços abertos dos museus. 

Os motores roncaram sob os seus pés causando um estremecimento profundo que percorreu todo o corpo do avião. Langdon engoliu em seco e aguardou. Sentiu o avião começar a taxiar. Acima de sua cabeça espalhou-se suavemente o som de música country com instrumentos de sopro. 

Um telefone na parede a seu lado tocou duas vezes. Langdon pegou o fone e levou-o ao ouvido. 

- Alô? 

- Está confortável, senhor Langdon? 

- Nem um pouco. 

- Procure relaxar. Vamos chegar lá em uma hora. 

- E onde exatamente é lá? - perguntou Langdon, percebendo que não tinha noção de para onde estavam indo. 

- Genebra- respondeu o piloto, acelerando os motores. - O laboratório é em Genebra. 

- Genebra - repetiu Langdon, sentindo-se um pouco melhor. - No norte do estado de Nova York. Tenho parentes perto do lago Seneca. Não sabia que havia um laboratório de Física em Genebra. 

O piloto deu uma risada. 

- Não é a Genebra de Nova York, senhor Langdon. Estamos indo para a Genebra da Suíça.

A palavra demorou um longo momento para ser assimilada. 

- Suíça? - O pulso de Langdon acelerou-se. - Mas você não disse que o laboratório ficava só a uma hora de viagem? 

- E fica, senhor Langdon. - Ele deu mais uma risadinha. - Este avião voa a Mach 15.

 

CAPÍTULO 5

Em uma movimentada rua européia,o assassino deslocava-se de maneira sinuosa através da multidão. Era um homem vigoroso. Moreno e forte. De uma agilidade dissimulada. Seus músculos ainda estavam tensos pela emoção do encontro. 

Correu tudo bem, disse a si mesmo. Embora seu empregador não tivesse em nenhum momento mostrado o rosto, o assassino sentia-se honrado por estar em sua presença. Fazia realmente apenas 15 dias que haviam feito o primeiro contato? O assassino ainda lembrava cada palavra da conversa... 

- Meu nome é Janus - dissera a pessoa que telefonara. - Estamos de certa forma ligados pelos mesmos laços. Temos um inimigo comum. Soube que se pode contratar seus serviços profissionais. 

- Depende de quem você representa - replicou o assassino. 

O interlocutor disse um nome. 

- Não acho graça nessa brincadeira. 

- Vejo que já ouviu falar de nós - observou o homem. 

- Claro que sim. A fraternidade é lendária. 

- E mesmo assim noto que você duvida que eu seja um membro genuíno. 

- Todos sabem que os irmãos foram reduzidos a pó. 

- Um ardil para desviar a atenção. O inimigo mais perigoso é aquele que ninguém teme. 

O matador mostrou-se cético. 

- A fraternidade ainda subsiste? 

- Mais às ocultas do que nunca. Nossas raízes estão infiltradas em tudo o que você vê... até na fortaleza sagrada de nosso inimigo mais declarado. 

- Impossível. Eles são invulneráveis.

- Nosso braço é longo.

- Nenhum braço chega tão longe.

- Logo você vai acreditar. Uma demonstração irrefutável do poder da fraternidade já veio a público. Um único ato de traição e de prova - O que vocês fizeram?

O homem contou-lhe.

O matador arregalou os olhos.

- Uma tarefa impossível.

No dia seguinte, os jornais do mundo inteiro estampavam a mesma manchete. O matador passou aacreditar.

Agora, 15 dias depois, a fé do matador consolidara-se além de qualquer sombra de dúvida. A fraternidade subsiste, pensou. Hoje à noite eles virão à tona para revelar seu poder. 

Caminhando pelas ruas, seus olhos negros brilhavam, cheios de expectativa. Uma das fraternidades mais ocultas e temidas que já haviam existido neste mundo convocara seus serviços. Escolheram com sabedoria, refletiu. Sua reputação de saber guardar segredo só era superada pela de infalibilidade. 

Até ali, servira-os nobremente. Fizera a execução e entregara o objeto a Janus como fora solicitado. Agora, cabia a Janus lançar mão de seu poder para providenciar a instalação do objeto. 

A instalação... 

O assassino se perguntava como Janus realizaria aquela tarefa tão assombrosa. O homem certamente tinha contatos lá dentro. Os domínios da fraternidade pareciam ilimitados. 

Janus, pensou ele. Um codinome, sem dúvida. Seria uma referência, ocorreu-lhe, ao deus romano de duas faces... ou à lua de Saturno? Não que fizesse qualquer diferença. Janus exercia um poder insondável.

Dera provas irrefutáveis disso. 

Enquanto andava, o assassino imaginava seus próprios ancestrais rindo para ele. Ele estava lutando a mesma batalha deles, era o mesmo inimigo contra o qual haviam lutado durante séculos, talvez desde o século XI... quando os exércitos dos cruzados haviam começado a pilhar suas terras, violentando e matando seu povo, declarando-o impuro, despojando seus templos e deuses. 

Seus antepassados haviam formado um pequeno mas mortífero exército para se defender. Esse exército tornou-se famoso na região, seus membros eram vistos como protetores - hábeis carrascos que percorriam o país trucidando o inimigo onde quer que o encontrassem. Eram afamados não só por seus extermínios brutais, como por celebrá-los entregando-se ao entorpecimento causado pelo uso de drogas. A droga escolhida era uma potente substância inebriante a que chamavam de hashish, o haxixe.

À medida que sua notoriedade se espalhava, esses homens letais passaram a ser conhecidos por uma única denominação: Hassassin - literalmente, "os seguidores do haxixe" O nome Hassassin tornou-se sinônimo de morte em quase todas as línguas da terra. A palavra ainda é usada hoje, até nas línguas modernas.., porém, assim como a arte de matar, o termo evoluiu. 

Hoje pronuncia-se assassino. 

 

CAPÍTULO 6

Sessenta e quatro minutos se passaram e um incrédulo eligeiramente nauseado Robert Langdon desceu a escada do avião na pista banhada pelo sol. Uma brisa fresca fez ondular as lapelas de seu paletó de tweed. A sensação de espaço aberto era maravilhosa. Ele apertou os olhos para ver melhor o vale coberto de verde e, acima, os picos cobertos de neve que rodeavam inteiramente o local onde estavam. 

Estou sonhando, disse a si mesmo. Vou acordar a qualquer momento. 

- Bem-vindo à Suíça - gritou o piloto acima do ruído dos motores HEDM do X-33 por trás deles. 

Langdon conferiu o horário. Eram 7h07 da manhã. 

- O senhor acabou de cruzar seis fusos horários - explicou o piloto. - Já passa um pouco de uma hora da tarde aqui. 

Langdon acertou o relógio. 

- Como está se sentindo? 

Ele esfregou o estômago. 

- Como se tivesse comido um pedaço de isopor. 

O piloto assentiu. 

- Por causa da altitude. Estávamos a 60 mil pés. A gente fica 30 por cento mais leve lá. Sorte que foi apenas um pulinho de nada. Se tivéssemos ido para Tóquio, eu teria subido o máximo possível - mais de 160 mil metros. Isso é que deixa o estômago embrulhado para valer. 

Langdon fez um gesto cansado de cabeça e apreciou a sua boa sorte. De modo geral, o vôo fora surpreendentemente comum. Exceto pela sensação de esmagamento acelerado nos ossos do corpo durante a decolagem, o movimento no interior do avião fora bem característico - uma leve turbulência de vez em quando, umas poucas mudanças de pressão enquanto ganhavam altura, mas nada que indicasse que estavam cortando o espaço a uma atordoante velocidade de 20 mil quilômetros por hora. 

Uma porção de técnicos aproximou-se correndo para cuidar do X-33. O piloto acompanhou Langdon até um Peugeot sedã preto estacionado atrás da torre de controle. Pouco depois, seguiam por uma estrada asfaltada que se estendia através da parte baixa do vale. Um amontoado indistinto de construções delineava-se à distância. Do lado de fora do carro, os campos relvados passavam depressa, um borrão verde. 

Langdon observou espantado o piloto fazer o velocímetro alcançar 170 quilômetros por hora. 

Qual seria o problema daquele sujeito com relação à velocidade? - ponderou ele. 

- São cinco quilômetros até o laboratório - disse o piloto. - Vai estar lá em dois minutos.  

Langdon procurou em vão o cinto de segurança. 

Por que não em três minutos para chegarmos vivos? 

O carro seguia em disparada. 

- O senhor gosta de Reba? - perguntou o piloto, empurrando uma fita cassete no toca-fitas do carro. 

Uma mulher começou a cantar: "É só o medo de estar só..." 

Esse medo eu não tenho, pensou Langdon, distraído. Suas colegas costumavam caçoar que sua coleção de peças de museu não passava de uma tentativa evidente de encher uma casa vazia, uma casa que, segundo elas, seria muito favorecida pela presença de uma mulher. Langdon sempre ria disso, lembrando-lhes que já tinha três amores em sua vida: a simbologia, o pólo aquático e o celibato, sendo o último uma liberdade que lhe permitia viajar pelo mundo, dormir até a hora que bem entendesse e desfrutar de noites sossegadas em casa com uma bebida e um bom livro. 

- Aqui é como se fosse uma cidade pequena - explicou o piloto, arrancando Langdon de seu devaneio. - Não existe só o laboratório. Temos supermercados, um hospital e até um cinema. 

Langdon balançou vagamente a cabeça e voltou a atenção para o aglomerado de construções que se aproximava. 

- Na realidade - o piloto acrescentou -, temos aqui a maior máquina do mundo. 

- É mesmo? - Langdon correu os olhos pelo campo. 

- Não dá para vê-la daqui, senhor. - O homem sorriu. - Está enterrada a uns 20 metros de profundidade.

Langdon não teve tempo de perguntar mais nada. Sem avisar, o piloto pisou firme no freio. O carro derrapou e parou junto a uma cabine reforçada de segurança. 

Langdon leu a placa diante deles: SECURITE. ARRÊTEZ. Foi tomado por uma súbita onda de pânico ao se dar conta de onde estava. 

- Meu Deus! Eu não trouxe meu passaporte! 

- Não é necessário - o motorista garantiu. - Temos um acordo com o governo suíço. 

Langdon, pasmo, viu seu motorista entregar um cartão de identificação ao guarda, que o passou em um aparelho eletrônico de autenticação. Uma luz verde se acendeu na máquina. 

- Nome do passageiro? 

- Robert Langdon - respondeu o motorista. 

- Convidado de quem? 

- Do diretor. 

O guarda arqueou as sobrancelhas. Virou-se e examinou uma lista impressa, conferindo o que lera nos dados da tela de seu computador. Depois, voltou para a janela. 

- Boa estada, senhor Langdon. 

O carro disparou outra vez, acelerando mais uns 200 metros em torno de um amplo acesso circular que levava à entrada principal das instalações. Diante deles erguia-se uma estrutura retangular ultramoderna toda feita de vidro e aço. Langdon admirou a notável construção transparente. Sempre fora um grande apreciador de arquitetura. 

- A Catedral de Vidro - explicou seu acompanhante. 

- Uma igreja? 

- Que nada. Igreja é uma coisa que não temos aqui. A religião deste lugar é a Física. Pode usar o nome de Deus em vão quanto quiser - riu ele -, mas não se atreva a falar mal de quarks nem de mésons. 

O motorista fez a curva e parou na frente do prédio de vidro. Langdon estava atônito. Quarks e mésons? Fronteira sem controle? Jato Mach 15? QUEM são esses caras, afinal? E leu a resposta gravada em uma placa de granito na fachada do prédio:

CERN

Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire

- Pesquisa nuclear? - perguntou Langdon, certo de que traduzira corretamente. 

O motorista não respondeu. Inclinado para o painel do carro, ocupava-se em ajustar o toca-fitas.

- O senhor fica aqui. O diretor vem encontrá-lo nesta entrada. 

Langdon viu um homem em uma cadeira de rodas saindo do prédio. Parecia ter pouco mais de 60 anos.

Magro e pálido, inteiramente calvo e com um rosto severo, vestia um jaleco branco e calçava sapatos sociais, que apoiava com firmeza no suporte da cadeira. Mesmo de longe, seus olhos pareciam sem vida, como duas pedras cinzentas. 

- É ele? - Langdon perguntou. 

O motorista ergueu os olhos, virou-se e deu um sorriso agourento para Langdon. 

- Falando do diabo... 

Sem saber muito bem o que o esperava, Langdon desceu do carro. 

O homem da cadeira de rodas apressou-se na direção de Langdon e estendeu-lhe a mão fria e úmida. 

- Senhor Langdon? Fui eu quem falou com o senhor ao telefone. Meu nome é Maximilian Kohler. 

 

CAPÍTULO 7

Pelas costas, Maximilian Kohler, diretor-geral do CERN, era chamado de K nig - rei, em alemão. O título devia-se mais ao medo do que à reverência pela figura que governava o seu domínio sentado em um trono de rodas. Embora poucos o conhecessem pessoalmente, a horrível história da maneira como ficara aleijado era uma lenda no CERN, e também poucos ali o culpavam por sua amargura... ou por sua dedicação declarada à pura ciência. 

Apenas alguns minutos na presença de Kohler bastaram para fazer Langdon notar que o diretor era um homem que se mantinha à distância. Langdon quase precisou correr para acompanhar a cadeira elétrica em direção à entrada principal. Era um tipo de cadeira de rodas que ele nunca vira antes - equipada com uma bancada de aparelhos eletrônicos, como um telefone com diversas linhas, um sistema de pager, uma tela de computador e até uma pequena câmara de vídeo destacável. O centro eletrônico de comando do rei Kohler. 

Passaram por uma porta mecânica e entraram no descomunal saguão principal do CERN. 

A Catedral de Vidro, Langdon refletiu, levantando os olhos para o alto.

Lá em cima, o teto de vidro azulado cintilava ao sol da tarde, lançando raios que formavam padrões geométricos no ar e davam ao local uma sensação de grandiosidade. Sombras angulares projetavam-se em forma de veias na cerâmica das paredes e no piso de mármore. O ar tinha um cheiro limpo, esterilizado.

Havia alguns cientistas circulando por ali, apressados, o som de suas passadas ecoando no espaço. 

- Venha por aqui, senhor Langdon, por favor. - A voz soava quase computadorizada. Seu sotaque era rígido e preciso como os traços severos de seu rosto. Kohler tossiu e enxugou a boca em um lenço branco, fixando os olhos cinzentos e mortiços em Langdon. - Por favor, vamos depressa. - A cadeira de rodas parecia saltar sobre as lajotas do chão. 

Langdon seguiu-o por incontáveis corredores que se ramificavam a partir do saguão principal. Todos esses corredores fervilhavam de atividade. Os cientistas que cruzavam com Kohler pareciam surpresos e olhavam para Langdon tentando imaginar quem seria ele para estar em tal companhia. 

Langdon tentou puxar conversa. 

- Confesso que estou encabulado por nunca ter ouvido falar do CERN. 

- Não é de espantar - replicou Kohler, a resposta cortante soando áspera e eficiente. - A maioria dos americanos não vê a Europa como líder mundial em pesquisa científica e sim como um pitoresco distrito de compras, nada mais do que isso. O que é estranho, considerando-se as nacionalidades de homens como

Einstein, Galileu e Newton. 

Langdon ficou sem saber muito bem o que responder. Tirou o fax do bolso. 

- Esse homem na fotografia, o senhor poderia... 

Kohler interrompeu-o com um gesto. 

- Por favor. Aqui, não. Estou levando o senhor até onde ele está agora. - Estendeu a mão. - Talvez seja melhor eu ficar com isso. 

Langdon entregou-lhe o fax e continuou a caminhar em silêncio. 

Kohler dobrou à esquerda bruscamente e enveredou por um corredor largo em cujas paredes estavam pendurados prêmios e comendas. Uma placa de bronze particularmente grande dominava a entrada.

Quando passaram por ela, Langdon diminuiu o ritmo para ler o que estava gravado. 

 

PRÊMIO ARS ELETRÔNICA

Por Inovação Cultural na Era Digital 

Concedido a Tim Berners Lee e ao CERN 

pela invenção da WORLDWIDE WEB

 

Diabo! O sujeito não estava brincando! - pensou Langdon ao ler o texto. Sempre pensara que a Internet fosse uma invenção norte-americana. No entanto, seu conhecimento a respeito limitava-se ao site de seu próprio livro e a uma ocasional exploração do Louvre e do Prado em seu velho Macintosh. 

- A Internet começou aqui - disse Kohler, tossindo novamente e enxugando a boca - como uma rede interna de computadores. Permitia a cientistas de diferentes departamentos partilhar as descobertas diárias uns com os outros. É claro, o mundo inteiro imagina que a Internet é tecnologia norte-americana. 

Langdon seguia-o pelo corredor. 

- Por que não esclarecem essa questão? 

Kohler deu de ombros, aparentemente desinteressado. 

- Um equívoco insignificante a respeito de uma tecnologia insignificante. O CERN é muito maior do que uma conexão global de computadores. Nossos cientistas produzem milagres quase todos os dias. 

Langdon lançou-lhe um olhar interrogador. 

- Milagres? - A palavra "milagre" não fazia parte do vocabulário dos freqüentadores do Edifício de Ciências Fairchild, em Harvard. Milagres eram com a Escola de Teologia. 

- O senhor parece cético - disse Kohler. - Pensei que fosse um simbologista religioso. Não acredita em milagres? 

- Sou um tanto indeciso quanto a milagres - Langdon respondeu. Principalmente quanto aos que se realizam em laboratórios científicos. 

- Talvez milagre não seja a palavra certa. Eu estava simplesmente tentando falar a sua língua. 

- Minha língua? - Langdon de repente se sentiu incomodado. - Não quero desapontá-lo, senhor, mas estudo simbologia religiosa. Sou um acadêmico, não um sacerdote. 

Kohler diminuiu a velocidade e se virou, o olhar suavizando-se um pouco. 

- É claro. Que tolice a minha. Não é preciso ter câncer para se analisar os sintomas da doença. 

Langdon nunca ouvira a questão ser apresentada daquela forma. 

Enquanto seguiam pelo corredor, Kohler fez um leve gesto de aceitação com a cabeça. 

- Acho que vamos nos entender perfeitamente, senhor Langdon. De alguma forma, Langdon duvidava disso.

À medida que os dois avançavam, Langdon começou a perceber um ruído surdo adiante. O barulho foi ficando mais intenso a cada passo, reverberando pelas paredes. Parecia vir do final do corredor em frente a eles. 

- O que é isso? - Langdon finalmente perguntou, tendo de gritar. Tinha a impressão de que se aproximavam de um vulcão em erupção. 

- Túnel de Queda Livre - respondeu Kohler, a voz oca cortando o ar sem esforço. 

Langdon não perguntou mais. Estava exausto e Maximilian Kohler não parecia interessado em ganhar nenhum prêmio de hospitalidade. Langdon procurou lembrar-se do motivo pelo qual estava ali.

Iliuminati. Presumiu que haveria um cadáver em algum ponto daquela organização colossal... um cadáver marcado com um símbolo que ele viajara uns cinco mil quilômetros para ver. 

Ao se aproximarem do fim do corredor, o ruído tornou-se quase ensurdecedor, vibrando através das solas dos sapatos de Langdon. Contornaram uma pilastra e uma galeria de observação apareceu à direita. Quatro portais de grossas vidraças haviam sido encaixados em uma parede curva, como janelas de submarino.

Langdon parou e espiou por uma das aberturas. 

O professor Robert Langdon já vira algumas coisas esquisitas em sua vida, mas aquela era a mais esquisita de todas. Deu umas piscadelas, achando que estivesse tendo alucinações. Encontrava-se diante de uma enorme câmara circular. Dentro da câmara, flutuando como se fossem desprovidas de peso, havia pessoas. Três. Uma delas acenou e deu uma cambalhota no ar. 

Deus do céu, pensou, estou na Terra de Oz. 

O piso da câmara era feito de uma tela reticulada, como uma gigantesca cerca de galinheiro. Visível sob a tela, o borrão metálico de uma hélice imensa. 

- É um túnel de queda livre - disse Kohler, parando para esperar por ele. - É um túnel vertical de vento, um simulador de pára-quedismo para aliviar a tensão. 

Langdon olhava, estupefato. Uma das pessoas, uma mulher obesa, manobrou o corpo em direção à janela.

Estava sendo fustigada por correntes de ar, mas deu um sorriso e fez um sinal com o polegar para cima.

Langdon sorriu amarelo e devolveu o gesto, pensando se ela saberia que aquele era o antigo símbolo fálico de virilidade masculina. 

A mulher era a única usando o que aparentava ser um pára-quedas em miniatura. A faixa de tecido ondulava acima dela como se fosse um brinquedo. 

- Para que serve o pequeno pára-quedas? - Langdon perguntou a Kohler. 

- Não deve ter mais de um metro de diâmetro. 

- Fricção - Kohler respondeu. - Diminui a aerodinâmica para que o ventilador possa erguer a pessoa. - E voltou a andar pelo corredor. - Um metro quadrado de algo que ofereça resistência ao ar retarda a queda de um corpo em quase 20 por cento. 

Langdon assentiu mecanicamente com a cabeça. 

Jamais poderia imaginar que mais tarde, na mesma noite, em um país a centenas de quilômetros de distância, aquela informação iria salvar-lhe a vida. 

 

CAPÍTULO 8 

Quando Langdon e Kohier saíram pelos fundos do conjunto principal do CERN para a luminosidade crua do sol da Suíça, Langdon sentiu-se como se tivesse sido levado de volta para casa. A cena diante dele era igual à de um campus da Ivy League. 

Um gramado em declive estendia-se na direção de uma vasta extensão de terreno plano, com árvores sombreando pátios quadrangulares cercados por prédios de dormitórios e caminhos de pedestres. Pessoas com aparência de universitários, carregadas com pilhas de livros, entravam e saíam dos edifícios. Como para acentuar a atmosfera, dois hippies de cabelos compridos jogavam um frisbee para lá e para cá enquanto a Quarta Sinfonia de Mahler soava em alto volume vinda de uma das janelas de um prédio. 

- Esses são nossos prédios residenciais - explicou Kohler, acelerando sua cadeira de rodas pelo caminho que ia dar nos edifícios. - Temos mais de três mil fisicos aqui. O CERN sozinho emprega mais da metade dos físicos de partículas do mundo, as mentes mais brilhantes do mundo: alemães, japoneses, italianos, holandeses, todos, enfim. Nossos fisicos representam mais de quinhentas universidades e sessenta nacionalidades. 

Langdon estava impressionado. 

- E como se comunicam? 

- Em inglês, naturalmente. A língua universal da ciência. 

Langdon sempre ouvira dizer que a matemática era a língua universal da ciência, mas estava cansado demais para discutir. Seguiu Kohler obedientemente pelo caminho. 

Quase chegando na parte de baixo, um rapaz cruzou com eles correndo, fazendo exercício. Na camiseta dele, a mensagem: SEM TOE, SEM GLÓRIA! 

Langdon acompanhou-o com o olhar, intrigado. 

- Toe? 

- Theory of Everything, Teoria sobre Tudo - disse Kohler em tom de gracejo. 

- Sei - disse Langdon, sem saber coisa alguma. 

- Tem alguma noção de Física de Partículas, senhor Langdon? 

Langdon encolheu os ombros. 

- Tenho noções sobre Física geral, queda dos corpos pesados e coisas assim. 

- Sua experiência de mergulho dera-lhe um profundo respeito pelo poder impressionante da aceleração gravitacional. - A Física das Partículas é o estudo dos átomos, não é? 

Kohler balançou a cabeça. 

- Os átomos parecem planetas se comparados com as coisas com que lidamos. Nosso interesse está no núcleo do átomo, apenas dez milionésimos do tamanho do todo. - Tossiu de novo, parecendo adoentado.

- Os homens e mulheres do CERN estão aqui para encontrar respostas para as mesmas perguntas que o homem vem fazendo desde o começo dos tempos. De onde viemos? De que somos feitos? 

- E as respostas estão em um laboratório de Física? 

- O senhor ficou surpreso? 

- Fiquei. Essas respostas parecem pertencer mais ao domínio do espiritual. 

- Senhor Langdon, todas as perguntas algum dia foram espirituais. Desde o princípio dos tempos, a espiritualidade e a religião preencheram as lacunas que a ciência não compreendia. O nascer e o pôr do Sol eram outrora atribuídos a Helios e sua carruagem de fogo. Terremotos e maremotos deviam-se à ira de Poseidon. A ciência provou que esses deuses eram falsos ídolos. Logo será provado que todos os deuses são falsos ídolos. A ciência acabou fornecendo respostas para quase todas as perguntas que o homem pode fazer. Restam apenas algumas poucas, que são as esotéricas. De onde viemos? O que estamos fazendo aqui? Qual o sentido da vida e do universo? 

Langdon era só perplexidade. 

- E são essas as perguntas que o CERN está tentando responder? 

- Corrigindo: são as perguntas que estamos respondendo. 

Langdon calou-se e os dois continuaram a circular através dos pátios das residências. Enquanto andavam, um frisbee veio voando e caiu bem na frente deles. Kohler ignorou-o e prosseguiu.  

Uma voz chamou do outro lado do pátio. 

- S'il vous plaít!

Langdon olhou na direção da voz. Um homem idoso de cabelos brancos, vestido com um agasalho esportivo onde se lia COLLËGE PARIS, acenou para ele. Langdon pegou o frisbee e lançou-o habilmente de volta. O senhor apanhou-o com um dedo e, depois de girá-lo uma ou duas vezes, atirou-o por cima do ombro de volta para seu parceiro. 

- Merci! - gritou para Langdon. 

- Parabéns - disse Kohler, quando Langdon finalmente o alcançou. - O senhor acabou de jogar com um ganhador do Prêmio Nobel, George Charpak, inventor da câmara de múltiplas ligações proporcionais. 

Langdon sacudiu a cabeça. Hoje é meu dia de sorte. 

Levaram mais uns três minutos para chegar a seu destino, um grande prédio bem cuidado em meio a um bosque de choupos. Comparada às outras, essa construção era até luxuosa. Em uma placa de pedra em frente ao prédio lia-se, em letras entalhadas: EDIFICIO C. 

Cheio de imaginação, pensou Langdon. 

Apesar do nome inexpressivo, o Edificio C estava bem de acordo com o gosto de Langdon em matéria de estilo de arquitetura: sólido e conservador. A fachada era de tijolo vermelho e o edifício possuía uma balaustrada decorada e era emoldurado por sebes vivas simétricas bem aparadas. Quando os dois homens subiram o caminho de pedra que levava à entrada, passaram por uma estrutura formada por um par de colunas de mármore. Alguém pregara um bilhete adesivo em uma delas.

ESTA COLUNA É IÔNICA

Grafite de fisicos? - refletiu Langdon, examinando a coluna e dando uma risadinha baixa. 

- É um alívio saber que até os físicos mais brilhantes cometem erros. 

Kohler virou a cabeça. 

- O que quer dizer? 

- Quem escreveu esse bilhete cometeu dois erros: a grafia correta é jônica. E essa coluna é dórica, a equivalente grega. As colunas jônicas são de largura uniforme. Essa é afunilada. Um erro bem comum. 

Kohler não sorriu. 

- O autor do bilhete estava brincando, senhor Langdon. lônico significa que contém íons, partículas carregadas de eletricidade. A maioria dos objetos os contém. 

Langdon virou-se para a coluna lá atrás e resmungou em voz baixa. 

Langdon ainda se sentia um idiota quando saltou do elevador no último andar do Edifício C. Seguiu Kohler por um corredor bem decorado. O estilo da decoração - francês colonial tradicional - surpreendeu-o: um divã cor de cereja, ornamentação em volutas de madeira e um jarrão de porcelana. 

- Gostamos de manter com conforto nossos cientistas contratados - Kohler explicou. 

Dá para notar, pensou Langdon. 

- Então, o homem do fax morava aqui? Era um dos seus funcionários de alto nível? 

- Exato - disse Kohler. - Ele não compareceu a uma reunião comigo esta manhã e não respondeu a seu pager. Vim procurá-lo e o encontrei morto no meio da sala. 

Langdon sentiu um arrepio súbito quando se deu conta de que ia ver um cadáver. Seu estômago nunca fora muito robusto, uma fraqueza que descobrira quando era estudante de arte ao ouvir de um professor em sala de aula que Leonardo da Vinci adquirira sua experiência sobre as formas humanas exumando corpos e dissecando músculos. 

Kohler chegou ao fim do corredor. Havia ali uma única porta. 

- Apartamento de cobertura, como vocês chamam - anunciou ele, enxugando uma gota de suor na testa. 

Langdon leu a placa na porta de carvalho: 

LEONARDO VETRA 

- Leonardo Vetra - disse Kohler - iria fazer 58 anos na semana que vem. Era um dos cientistas mais brilhantes de nosso tempo. Sua morte é uma grande perda para a ciência. 

Por um instante, Langdon pensou ter visto uma nota de emoção no rosto duro de Kohler. Entretanto, aquilo se foi tão depressa quanto veio. Kohler enfiou a mão no bolso e começou a examinar um grande chaveiro. 

Um estranho pensamento passou pela mente de Langdon. O prédio parecia deserto.

- Onde está todo mundo? - perguntou. 

A ausência de atividade não era o que ele esperava, considerando-se que estavam prestes a entrar no local de um crime. 

- Os residentes estão em seu laboratórios - respondeu Kohler, encontrando a chave certa. 

- Estou falando da polícia - Langdon esclareceu. - Já foi embora? 

Kohler parou, a chave a meio caminho da fechadura. 

- A polícia? 

- Sim, a polícia. O senhor me mandou um fax sobre um homicídio. Deve ter chamado a polícia. 

- Claro que não. 

- O quê? 

Os olhos cinzentos de Kohler assumiram uma expressão penetrante. 

- A situação é complexa, senhor Langdon. 

Uma onda de apreensão tomou conta de Langdon. 

- Mas... com certeza, alguém mais tem conhecimento do fato! 

- Sim. A filha adotiva de Leonardo. Ela também é física aqui no CERN. Divide um laboratório com o pai.

Trabalham em parceria. A senhorita Vetra passou esta semana fora fazendo pesquisa de campo. Já lhe comuniquei a morte de seu pai e ela está a caminho, vindo para cá. 

- Mas um homem foi assassin... 

- Uma investigação formal - interrompeu Kohler com voz firme - será realizada. Entretanto, certamente vai envolver uma busca no laboratório de Vetra, um espaço que ele e a filha consideram altamente privado.

Portanto, vou esperar até que a senhorita Vetra chegue. Acho que devo a ela pelo menos essa pequena manifestação de discrição. 

E virou a chave na fechadura. 

Quando a porta se abriu, uma lufada de ar gélido penetrou no vestíbulo e atingiu direto o rosto de Langdon. Ele recuou, espantado. Encontrava-se no limiar de um mundo desconhecido. O apartamento à sua frente estava imerso em uma névoa branca e espessa. A névoa rodopiava formando espirais em torno dos móveis e envolvia o ambiente em um véu opaco. 

- Que diabo...? - gaguejou Langdon. 

- Sistema de resfriamento por fréon - Kohler explicou. - Esfriei o apartamento para preservar o corpo. 

Langdon abotoou o paletó de tweed para se proteger do frio. 

Estou em Oz, pensou. E esqueci de trazer meus sapatos mágicos.

 

CAPÍTULO 9 

O cadáver no chão diante de Langdon era horrendo. O falecido Leonardo Vetra estava deitado de costas, de barriga para cima, despido, a pele de um cinzento-azulado. Os ossos do pescoço projetavam-se para fora no ponto onde tinham sido quebrados e a cabeça fora totalmente virada para trás, apontando para o lado errado. Não se via seu rosto, voltado para o chão. O homem jazia em uma poça congelada da própria urina, os pêlos em torno de seus órgãos genitais enrugados cobertos de gotas geladas. 

Reprimindo a náusea, Langdon pousou os olhos no peito da vítima. Embora já tivesse olhado dezenas de vezes para a ferida simétrica no fax, a queimadura era infinitamente mais impressionante na vida real. A carne queimada e inchada fora delineada com perfeição... o símbolo formara-se sem uma falha sequer. 

Langdon não sabia se o frio intenso que o acometia era por causa do ar-condicionado ou por sua absoluta perplexidade com o significado do que contemplava naquele momento. 

HL'nin'nhhl 

Seu coração batia forte enquanto rodeava o corpo para ler a palavra ao contrário, confirmando a genialidade da simetria. O símbolo parecia ainda mais inconcebível visto de perto. 

- Senhor Langdon? 

Ele não escutou. Estava em um outro mundo... seu mundo, onde história, mito e fato iam de encontro um ao outro, inundando seus sentidos. As engrenagens entraram em funcionamento. 

- Senhor Langdon? - Kohler observava-o, cheio de expectativa. 

Langdon não ergueu os olhos, sua atenção agora intensificada, totalmente concentrado. 

- O que o senhor já sabe de fato sobre o assunto? 

- Só o que li no seu site. A palavra Iliuminati significa "os esclarecidos" É o nome de uma espécie de confraria antiga. 

Langdon concordou.

- Já tinha ouvido esse nome antes? 

- Não, até vê-lo marcado no senhor Vetra. 

- E então o senhor foi fazer uma busca na Internet para saber o que era? 

- Fui. 

- E verificou que o nome aparece em centenas de sites, sem dúvida. 

- Milhares - disse Kohler. - O seu site, porém, mencionava Harvard, Oxford, uma editora respeitável, bem como trazia uma lista de publicações relacionadas ao assunto. Como cientista, aprendi que a informação só é valiosa se a fonte também é. Suas referências pareciam autênticas. 

Os olhos de Langdon ainda estavam fixos no corpo. 

Kohler parou de falar. Apenas acompanhava os movimentos de Langdon, aparentemente esperando que ele pudesse produzir algum esclarecimento sobre a cena que se apresentava diante deles. 

Langdon levantou a cabeça e correu os olhos pelo apartamento gelado. 

- Quem sabe poderíamos falar sobre o assunto em um lugar mais quente? 

- Aqui está bom. - Kohler parecia indiferente ao frio. - Vamos conversar aqui mesmo. 

Langdon franziu o cenho. A história dos Illuminati não era nada simples. Vou congelar tentando explicar tudo. Olhou de novo para a marca, mais uma vez com uma sensação de assombro. 

Apesar de existirem relatos lendários sobre o símbolo dos Illuminati na moderna simbologia, nenhum acadêmico jamais o vira de fato. Antigos documentos descreviam a insígnia como um ambigrama - ambi, "ambos" -, significando que seria legível de ambos os lados. E embora os ambigramas fossem comuns na simbologia - suásticas, yin-yang, estrelas-de-davi, cruzes simples -, a idéia de que uma palavra pudesse ser trabalhada para formar um ambigrama parecia totalmente impossível. A maioria dos acadêmicos chegara à conclusão de que a existência do símbolo era um mito. 

- Afinal, quem eram os Iliuminati? - perguntou Kohler. 

Sim, pensou Langdon, quem seriam realmente? - e começou seu relato. 

- Desde o começo da história - explicou Langdon -, sempre existiu uma profunda brecha entre ciência e religião. Cientistas como Copérnico, que não tinham papas na língua... 

- Foram assassinados - interrompeu Kohler. - Assassinados pela Igreja por revelar verdades científicas. A religião sempre perseguiu a ciência.

- Sim, mas por volta de 1500, um grupo de homens em Roma revidou e lutou contra a Igreja. Alguns dos homens mais esclarecidos da Itália - fisicos, matemáticos, astrônomos - começaram a promover encontros secretos para discutir suas preocupações sobre os ensinamentos errados difundidos pela Igreja. Temiam que o monopólio da "verdade" pela Igreja ameaçasse a difusão dos conhecimentos acadêmicos pelo mundo afora. Fundaram o primeiro think tank científico do mundo, chamando a si mesmos de "os esclarecidos" 

- Os Illuminati. 

- Exato - concordou Langdon. - As mentes mais cultas da Europa... dedicadas à busca da verdade científica. 

Kohler calou-se. 

- Evidentemente, os Iliuminati eram caçados impiedosamente pela Igreja Católica. Somente através de ritos extremamente sigilosos é que os cientistas se mantinham seguros. Os rumores se espalharam pelo submundo acadêmico e a fraternidade dos Iliuminati cresceu, incluindo cientistas de toda a Europa. Eles encontravam-se regularmente em Roma em um refúgio ultra-secreto a que chamavam de "Igreja da Iluminação" 

Kohler tossiu e remexeu-se na cadeira. 

- Muitos dos Iliuminati - Langdon prosseguiu - queriam combater a tirania da Igreja com atos de violência, mas seu membro mais reverenciado persuadiu-os a não agir assim. Era um pacifista e um dos mais famosos cientistas da História. 

Langdon estava certo de que Kohler reconheceria o nome. Até os que não pertenciam ao mundo científico conheciam o malfadado astrônomo que fora preso e quase executado pela Igreja por ter declarado que o Sol, e não a Terra, era o centro do sistema solar. Embora seus dados fossem irrefutáveis, o astrônomo fora severamente punido por insinuar que Deus não instalara a humanidade no centro de seu universo. 

- Seu nome era Galileu Galilei - disse Langdon. 

- Galileu? - espantou-se Kohler. 

- Ele mesmo. Galileu era um Iliuminatus. E também um católico fervoroso. Tentou abrandar a posição da Igreja com relação à ciência proclamando que a ciência não prejudicava a noção da existência de Deus mas, ao contrário, reforçava-a. Escreveu certa vez que, quando olhava os planetas girando através de seu telescópio, conseguia ouvir a voz de Deus na música das esferas. Sustentava que a ciência e a religião não eram inimigas e sim aliadas, duas linguagens diferentes que contavam a mesma história, uma história de simetria e equilíbrio: céu e inferno, noite e dia, quente e frio, Deus e Satã. Tanto a ciência quanto a religião exultavam com a simetria de Deus, o infindável confronto da luz e das trevas. - Langdon fez uma pausa, batendo com os pés no chão para se aquecer. 

Kohler permaneceu sentado em sua cadeira de rodas olhando para ele. 

- Infelizmente - Langdon acrescentou -, a unificação da ciência e da religião não era o que a Igreja queria. 

- Claro que não - interrompeu Kohler. - A união teria invalidado a pretensão da Igreja de ser o único veículo através do qual o homem poderia compreender Deus. Assim, a Igreja acusou Galileu de heresia, condenou-o e colocou-o em prisão domiciliar permanente. Estou bastante a par da história científica, senhor Langdon. Só que isso tudo aconteceu séculos atrás. O que tem a ver com Leonardo Vetra? 

A pergunta de um milhão de dólares. Langdon tentou abreviar. 

- A prisão de Galileu causou uma convulsão entre os liluminati. Cometeram alguns erros e a Igreja descobriu as identidades de quatro membros, que foram capturados e interrogados. Mas os quatro cientistas nada revelaram, nem sob tortura. 

- Tortura? 

Langdon assentiu. 

- Foram marcados a fogo. No peito. Com o símbolo da cruz.

Os olhos de Kohler arregalaram-se e ele lançou um rápido olhar para o corpo de Vetra. 

- Em seguida, os cientistas foram brutalmente assassinados e seus corpos lançados às ruas de Roma como advertência para os que ainda cogitassem se unir aos Illuminati. Com a Igreja fechando o cerco, os liluminati que restavam fugiram da Itália. 

Langdon fez outra pausa, dessa vez para causar o efeito que desejava. Olhou direto para os olhos sem vida de Kohler. 

- Os Illuminati mergulharam fundo na clandestinidade, onde começaram a se misturar a outros grupos que haviam fugido dos expurgos da Igreja Católica:  místicos, alquimistas, ocultistas, muçulmanos, judeus. Ao longo dos anos, os liluminati absorveram novos membros. Surgiu um outro tipo de Iliuminati, mais soturno, profundamente anticristão. Tornaram-se muito poderosos, praticando ritos misteriosos, sigilo mortal e jurando um dia se erguerem outra vez e se vingarem da Igreja Católica. Seu poder cresceu a ponto de serem considerados a mais perigosa força anticristã do mundo. O Vaticano acusou publicamente a fraternidade de Shaitan. 

- Shaitan? 

- É um termo islâmico. Significa "adversário".., adversário de Deus. A Igreja escolheu o nome islâmico porque era uma língua que eles consideravam suja.

- Langdon hesitou. - Shaitan é a origem de uma palavra bem conhecida: Satã. Uma expressão de inquietude passou pelo rosto de Kohler. 

Langdon falou com voz dura. 

- Senhor Kohler, não sei como essa marca apareceu no peito desse homem, nem por que, mas o que o senhor está vendo é o símbolo há muito esquecido do mais antigo e mais poderoso culto satânico do mundo. 

 

CAPÍTULO 10

A viela era estreita e deserta. OHassassin caminhava depressa, os olhos negros cheios de expectativa. Enquanto percorria o caminho que o aproximava de seu destino, as palavras de despedida de Janus ecoavam em sua mente. A fase dois vai começar em breve. Procure descansar um pouco. 

O Hassassin deu um sorriso presunçoso. Ficara acordado a noite inteira, mas sono era a última coisa em que pensava. Sono era para os fracos. Ele era um guerreiro como seus ancestrais, e seu povo nunca dormia depois que a batalha começava. Aquela batalha com certeza acabara de começar, e ele tivera a honra de ser o primeiro a derramar sangue. Agora tinha duas horas para comemorar sua glória antes de voltar ao trabalho. 

Dormir? Há maneiras muito melhores de relaxar... 

Um apetite por prazeres hedonisticos fora algo que herdara de seus ancestrais. Seus antepassados regalavam-se com haxixe, mas ele preferia um tipo diferente de gratificação. Orgulhava-se de seu corpo, máquina bem ajustada e letal que, apesar de sua hereditariedade, ele se recusava a poluir com narcóticos.

Desenvolvera um vício mais revigorante do que as drogas, uma recompensa muito mais saudável e satisfatória. 

Sentindo crescer dentro de si a ansiedade já familiar, o Hassassin andou com mais rapidez pela rua.

Chegou a uma porta comum e tocou a campainha. Uma fenda retangular abriu-se na porta e dois belos olhos castanhos avaliaram-no, fazendo uma estimativa. Então, a porta foi aberta. 

- Seja bem-vindo - disse a mulher bem vestida. Levou-o para uma sala de estar impecavelmente mobiliada e com iluminação suave. O ambiente recendia a perfume caro e almíscar.

- Fique à vontade. - Entregou-lhe um álbum de fotografias. - Chame quando tiver escolhido. 

E saiu. 

O Hassassin sorriu. 

Quando se sentou no divã de pelúcia e colocou o álbum no colo, sentiu a fome carnal intensificar-se. Seu povo não comemorava o Natal, mas essa deveria ser a sensação que as crianças cristãs experimentavam diante de uma pilha de presentes, prestes a descobrir os mistérios que continham. Ele abriu o álbum e examinou as fotos. Um mundo de fantasias sexuais oferecia-se a ele. 

Mansa. Uma deusa italiana. Ardente. Uma jovem Sophia Loren. 

Sachiko. Uma gueixa japonesa. Dócil. Sem dúvida, habilidosa. 

Kanara. Uma estonteante visão negra. Musculosa. Exótica. 

Viu o álbum duas vezes e fez sua escolha. Apertou o botão na mesa a seu lado. Um minuto depois, a mulher que o recebera reapareceu. Ele apontou a escolhida. Ela sorriu. 

- Venha comigo. 

Depois de resolver os acertos financeiros, a mulher fez uma discreta ligação telefônica. Esperou alguns minutos e então o conduziu por uma escadaria de mármore em espiral até um luxuoso vestíbulo. 

- É a porta dourada no final - disse ela. - O senhor tem gostos caros. 

Claro, pensou ele, sou um connoisseur. 

As passadas do Hassassin pelo corredor pareciam as de uma pantera que aguarda uma refeição atrasada.

Ao chegar à porta, sorriu intimamente. A porta já estava entreaberta, convidando-o a entrar. Ele a empurrou e ela se abriu sem ruído. 

Quando viu o que escolhera, soube que havia decidido bem. Ela estava exatamente como ele solicitara: nua, deitada de costas, os braços amarrados aos balaústres da cama com grossos cordões de veludo. 

Ele atravessou o quarto e correu o dedo escuro pelo abdome claro como marfim. Matei na noite de ontem, pensou. Você é minha recompensa. 

 

CAPÍTULO 11

- Satânico? - Kohler enxugou a boca e se remexeu, desconfortável, na cadeira. - Esse símbolo é de um culto satânico?

Langdon andava de um lado para o outro no aposento gelado para se aquecer. 

- Os Illuminati eram satânicos. Mas não no sentido moderno da palavra. 

De modo sucinto, Langdon explicou que a maioria das pessoas imaginava que os cultos satânicos fossem rituais de adoração do demônio e, no entanto, os satanistas eram historicamente homens instruídos que assumiam sua posição de adversários da Igreja. Shaitan. Os rumores sobre sacrificios satânicos de animais, magia negra e rituais do pentagrama não passavam de mentiras disseminadas pela Igreja como parte de uma campanha de difamação contra seus inimigos. Ao longo do tempo, outros adversários da Igreja, querendo imitar os Illuminati, começaram a acreditar nessas mentiras e a praticar os supostos rituais.

Dessa forma, nasceu o satanismo moderno. 

Kohler resmungou abruptamente:

- Isso tudo é história antiga. Quero saber como esse símbolo veio parar aqui. 

Langdon respirou fundo. 

- O símbolo em si foi criado por um artista anônimo do século XVI, um dos Illuminati, como um tributo ao amor pela simetria de Galileu. Uma espécie de logomarca sagrada dos Illuminati. A fraternidade manteve o desenho em segredo, alegando que somente o revelaria quando tivesse reunido poder suficiente para ressurgir e levar adiante seu objetivo final. 

Kohler mostrou-se perturbado. 

- Quer dizer que esse símbolo significa que a fraternidade dos Illuminati está ressurgindo? 

O rosto de Langdon se tornou sombrio. 

- Acho impossível. Há um capítulo da história dos Illuminati que ainda não expliquei. 

Com intensidade na voz, Kohler disse: 

- Então, faça o favor de explicar. 

Langdon esfregou as palmas das mãos uma na outra, revendo mentalmente as centenas de documentos que lera ou escrevera sobre os Iliuminati. 

- Os Illuminati eram sobreviventes. Quando fugiram de Roma, viajaram por toda a Europa procurando um lugar seguro para se reagruparem. Foram acolhidos por uma outra sociedade secreta, uma fraternidade de ricos pedreiros bávaros chamados franco-maçons. 

- Os maçons? - espantou-se Kohler. 

Langdon concordou, nem um pouco surpreso que Kohler tivesse ouvido falar do grupo. A fraternidade dos maçons tinha mais de cinco milhões de membros no mundo inteiro, sendo que a metade deles nos Estados Unidos e mais de um milhão na Europa.

- Os maçons com toda a certeza não são satânicos - Kohler declarou, de repente parecendo cético. 

- Claro que não. Eles foram vítimas de sua própria benevolência. Depois de receberem os cientistas refugiados nos anos 1700, os maçons, sem saber, tornaram-se uma fachada para os Iliuminati. Estes cresceram em suas fileiras, assumindo gradualmente posições de poder dentro das lojas. Na surdina, restabeleceram sua fraternidade científica no seio da maçonaria, uma espécie de sociedade secreta dentro de outra sociedade secreta. Em seguida, os Iliuminati usaram a rede mundial de lojas maçônicas para espalhar sua influência. 

Langdon respirou fundo o ar frio e prosseguiu. 

- Eliminar o catolicismo era o compromisso principal dos Illuminati. A fraternidade sustentava que os dogmas supersticiosos impostos pela Igreja eram os maiores inimigos da humanidade. Temia que o progresso científico cessasse de vez caso a Igreja continuasse a promover mitos piedosos como se fossem fatos absolutos, e que dessa forma a humanidade fosse condenada a um futuro sem perspectivas, com guerras santas sem o menor sentido. 

- Mais ou menos o que acontece hoje em dia. 

Kohler tinha razão. As guerras santas ainda freqüentavam as manchetes dos jornais. Meu Deus é melhor do que o seu Deus. Parecia sempre haver uma estreita relação entre crentes fervorosos e altos números de mortos. 

- Continue - disse Kohler. 

Langdon organizou outra vez seus pensamentos e retomou a narrativa. 

- Os Illuminati ficaram mais poderosos na Europa e voltaram a atenção para a América, cujo governo ainda novato tinha maçons como líderes - George Washington, Benjamim Franklin -, homens honestos, tementes a Deus, que ignoravam que a sociedade maçônica era o reduto dos Iliuminati. Estes aproveitaram a possibilidade de infiltração e ajudaram a fundar bancos, universidades e indústrias para financiar a realização de seu objetivo máximo. - Langdon fez uma pausa. - A criação de um único estado mundial unificado, uma espécie de Nova Ordem Mundial secular. 

Kohler mantinha-se imóvel. 

- Uma Nova Ordem Mundial - repetiu Langdon - baseada em conhecimentos científicos, em um novo Iluminismo. Chamavam-na de Doutrina Luciferiana. A Igreja alega que Lúcifer era uma referência ao demônio, mas a fraternidade insistia que sua intenção era o significado literal da palavra, em latim, aquele que traz a luz. Ou Iluminador. 

Kohler suspirou e sua voz de repente ficou solene. 

- Senhor Langdon, por favor, sente-se.

Langdon sentou-se como pôde em uma cadeira já esbranquiçada por uma camada de gelo. 

Kohler aproximou-se dele em sua cadeira de rodas. 

- Não sei se compreendi bem tudo o que o senhor acabou de me contar, mas de uma coisa eu sei. Leonardo Vetra era um dos maiores trunfos do CERN. E era também meu amigo. Preciso que me ajude a localizar os Illuminati. 

Langdon não sabia o que responder. 

- Localizar os Illuminati? - Ele só pode estar brincando. - Receio, senhor Kohler, que isto seja totalmente impossível. 

Uma ruga surgiu na testa de Kohler. 

- Como assim? O senhor não... 

- Senhor Kohler - Langdon inclinou-se na direção dele, sem saber muito bem como fazê-lo compreender o que iria dizer -, não terminei minha história. Apesar das aparências, é bastante improvável que essa marca tenha sido feita pelos liluminati. Não houve comprovação da existência deles por mais de meio século e a maioria dos estudiosos afirma que a fraternidade dos Illuminati está extinta há muitos anos. 

As palavras foram recebidas com silêncio. Kohler olhava através da névoa com uma expressão entre estupefata e enraivecida. 

- Que diabos, como pode dizer que esse grupo está extinto quando o nome dele está marcado a fogo no peito daquele homem? 

Aquela era a pergunta que Langdon vinha fazendo a si mesmo a manhã inteira. O aparecimento do ambigrama dos Iliuminati era espantoso. Os simbologistas de todo o mundo ficariam fascinados. Ainda assim, o acadêmico em Langdon compreendia que a reemergência da marca não provava absolutamente nada sobre os Illuminati. 

- Os símbolos de forma alguma confirmam a presença de seus criadores originais. 

- O que quer dizer com isso? 

- Quando filosofias organizadas como a dos Illuminati deixam de existir, seus símbolos permanecem... prontos para serem adotados por outros grupos. Chama-se a isso de transferência. É muito comum em simbologia. Os nazistas tomaram a suástica dos hindus, os cristãos adotaram a cruz dos egípcios, os... 

- Esta manhã - provocou Kohler -, quando digitei a palavra "Iliuminati" no computador, obtive milhares de referências atuais. Ao que parece, muita gente ainda pensa que o grupo está vivo. 

- Mania de conspiração - replicou Langdon. 

Sempre o irritara a superabundância de teorias conspiratórias que circulavam na moderna cultura pop. Os meios de comunicação adoravam manchetes apocalípticas, e pessoas que se autoproclamavam "especialistas em cultos" ainda estavam faturando à custa da intensa publicidade em torno da mudança do milênio com histórias sobre os Iliuminati estarem vivos, gozando de excelente saúde e organizando sua Nova Ordem Mundial. Recentemente, o New York

Times publicara matéria sobre laços sinistros com a maçonaria mantidos por inúmeros personagens famosos: sir Arthur Conan Doyle, o duque de Kent, Peter Sellers, Irving Berlin, o príncipe Philip, Louis Armstrong e mais um panteão de conhecidos magnatas, industriais e banqueiros modernos. 

Kohler apontou com ar zangado para o corpo de Vetra. 

- Considerando-se as evidências, eu diria que talvez as teorias conspiratórias estejam corretas. 

- A impressão que se tem é realmente esta - disse Langdon, o mais diplomaticamente possível. - A explicação mais plausível, porém, é que alguma outra organização tenha assumido a marca dos Illuminati e a esteja usando para seus próprios objetivos. 

- Que objetivos? O que esse assassinato prova? 

Boa pergunta, pensou Langdon. Ele também estava intrigado, imaginando onde alguém teria desencavado a marca dos liluminati depois de 400 anos. 

- Só posso lhe dizer que, mesmo que os Illuminati estivessem ativos hoje em dia, e isso eu posso praticamente garantir que não estão, jamais teriam qualquer envolvimento com a morte de Leonardo Vetra. 

- Não teriam? 

- Não. Os Illuminati podem ter acreditado na abolição do cristianismo, mas exerciam seu poder por meios políticos e financeiros, não através de atos terroristas. Além disso, os Illuminati seguiam um rigoroso código moral com relação ao tipo de pessoas que viam como inimigos. Tinham os homens de ciência na mais alta conta. Não haveria possibilidade de assassinarem um companheiro cientista como Leonardo Vetra. 

O rosto de Kohler petrificou-se. 

- Talvez eu tenha deixado de mencionar que Leonardo Vetra era mais do que um cientista comum. 

Langdon suspirou, paciente. 

- Senhor Kohler, estou certo de que Leonardo Vetra era brilhante em muitos aspectos, mas o fato é que... 

Sem aviso, Kohler girou a cadeira de rodas e saiu em disparada da sala, deixando atrás de si um rastro de espirais de fria névoa branca ao desaparecer por um corredor. 

Pelo amor de Deus..., gemeu Langdon, seguindo-o. Kohler esperava por ele em um pequeno nicho no fim do corredor.

- Aqui era o gabinete de trabalho de Leonardo - disse Kohler, fazendo um gesto em direção a uma porta de correr. - Depois de vê-lo, talvez o senhor compreenda as coisas de outra maneira. 

Com um resmungo desajeitado, Kohler deu um empurrão e a porta deslizou, abrindo-se. 

Langdon correu os olhos pelo interior do aposento e sentiu sua pele se arrepiar. Santa Mãe de Deus, disse para si mesmo. 

 

CAPÍTULO 12

Em um outro país, um jovem guarda estava sentado pacientemente diante de uma ampla bancada de monitores de vídeo. Observava as imagens surgirem uma após a outra, emitidas ao vivo de centenas de videocâmeras sem fio que inspecionavam o extenso conjunto de construções. As imagens sucediam-se numa progressão infindável. 

Um corredor decorado. Um escritório particular. Uma cozinha industrial. 

À medida que as imagens passavam, o guarda lutava contra os devaneios que o acometiam. Estava próximo o fim de seu plantão e mesmo assim ele ainda estava vigilante. Estar de serviço era uma honra.

Algum dia lhe concederiam sua recompensa definitiva. 

Com seus pensamentos fluindo, uma imagem à sua frente registrou um alerta. Súbito, com um reflexo brusco com o qual ele mesmo se espantou, sua mão apertou um botão no painel de controle. A imagem imobilizou-se. 

Inclinou-se em direção à tela para ver melhor, os nervos tensos. No monitor, leu que a imagem estava sendo transmitida da câmera 86 - uma câmera que deveria estar posicionada para um corredor. 

Mas o que via naquele momento decididamente não era um corredor.

 

CAPÍTULO 13

Langdon olhava atônito para o gabinete de trabalho à sua frente. 

- Que lugar é este? 

A despeito da bem-vinda lufada de ar quente em seu rosto, um tremor o agitava quando ele passou pela porta. 

Kohler seguiu-o sem dizer palavra. 

Langdon correu os olhos pelo ambiente sem conseguir entender o que via, O aposento continha a mais peculiar mistura de objetos que jamais encontrara. Na parede do fundo, dominando a decoração, havia um enorme crucifixo de madeira, que Langdon classificou como sendo espanhol, do século XIV. Acima do crucifixo, pendurado no teto, encontrava-se um móbile feito de metal representando os planetas em órbita.

À esquerda havia uma pintura a óleo da Virgem Maria e, ao lado desta, uma tabela periódica dos elementos feita de material laminado. Na parede lateral, mais duas cruzes de bronze ladeavam um pôster de Albert Einstein com sua famosa citação: DEUS NÃO JOGA DADOS COM O UNIVERSO. 

À medida que andava pelo aposento, mais se surpreendia. Na escrivaninha de Vetra, uma Bíblia de capa de couro fazia companhia a um modelo atômico de Bohr e a uma réplica em miniatura do Moisés de Michelangelo. 

Isso é que é ser eclético, pensou Langdon. O calor era agradável, mas alguma coisa no ambiente causava mais arrepios em Langdon. Tinha a impressão de estar presenciando o choque de dois titãs filosóficos, uma confusão indistinta de forças opostas. Examinou os títulos dos livros na estante: A partícula de Deus, O Tao da Física e Deus: a prova. 

Em um dos suportes de livros estava escrita a citação:

 

A VERDADEIRA CIÊNCIA DESCOBRE DEUS 

À ESPERA ATRÁS DE CADA PORTA. 

- PAPA Pio XII

 

- Leonardo era um padre católico - disse Kohler. 

Langdon virou-se para ele. 

- Padre católico? Achei que tivesse dito que ele era físico. 

- Era as duas coisas. Há outros precedentes na história de religiosos que eram também homens de ciência.

Leonardo era um deles. Considerava a Física "a lei natural de Deus" Alegava que a escrita de Deus era visível na ordem natural

de tudo o que nos cerca. Através da ciência, ele esperava provar a existência de Deus para as massas incrédulas. Via a si mesmo como teofisico. 

Teofísico? Para Langdon, a expressão parecia um incrível oximoro. 

- O campo da Física de Partículas - explicou Kohler - fez algumas descobertas de grande impacto ultimamente, descobertas de implicação muito espiritual. Leonardo foi responsável por muitas delas. 

Langdon estudou o diretor do CERN, ainda tentando processar o bizarro ambiente. 

- Espiritualidade e física? 

Langdon passara sua carreira estudando história religiosa e, se havia um tema recorrente, era o que afirmava que ciência e religião haviam sido desde sempre como o óleo e a água, arquiinimigas, nunca se misturavam. 

- Vetra estava na vanguarda da Física de Partículas - acrescentou Kohler. 

- Estava começando a fundir Física e religião, demonstrando que uma complementava a outra de maneiras jamais previstas. Chamava a esse campo Nova Física. 

Kohler tirou um livro da prateleira e o entregou a Langdon. Ele examinou a capa e leu o título: Deus, milagres e a Nova Física, por Leonardo Vetra. 

- O campo é restrito - Kohler prosseguiu -, mas tem trazido novas respostas para algumas velhas perguntas.

Sobre a origem do universo e sobre as forças que ligam todos nós. Leonardo acreditava que sua pesquisa tinha potencial para converter milhões de pessoas a uma vida mais espiritual. No ano passado, ele provou categoricamente a existência de uma forma de energia que une todos nós. Demonstrou de fato que estamos todos fisicamente vinculados uns aos outros, que as moléculas de seu corpo estão entrelaçadas às moléculas do meu, que uma única força se move dentro de todas as pessoas. 

Langdon ficou desconcertado. E o poder de Deus unirá todas as gentes. 

- O senhor Vetra realmente descobriu uma forma de demonstrar que as partículas estão ligadas? 

- Descobriu provas conclusivas. Um artigo recente da Scientific American saudou a Nova Física como um caminho mais seguro para se chegar a Deus do que a própria religião. 

O comentário calou fundo. Langdon de repente se viu pensando nos Illuminati anti-religiosos.

Relutantemente, forçou-se a realizar uma momentânea incursão intelectual ao impossível. Se os Iliuminati ainda estivessem ativos, teriam matado Leonardo para impedi-lo de levar sua mensagem religiosa às massas? Langdon descartou a idéia. Absurdo! Os Iliuminati são história antiga! Todos os acadêmicos sabem disso!

- Vetra tinha uma porção de inimigos no mundo científico - continuou Kohler. - Muitos cientistas puristas desprezavam-no. Até aqui, no próprio CERN. Achavam que usar física analítica como apoio para princípios religiosos era trair a ciência. 

- Mas não é verdade que os cientistas de hoje estão um pouco menos na defensiva com relação à Igreja? 

Kohler resmungou, irritado. 

- Que motivos teríamos para isso? A Igreja pode não estar mais queimando cientistas na fogueira, mas, se acha que afrouxaram seu domínio sobre a ciência, por que será que a metade das escolas em seu país não está autorizada a ensinar a evolução? Por que será que a Coalizão Cristã dos EUA é o lobby mais influente contra o progresso científico no mundo? A batalha entre ciência e religião ainda está em andamento, senhor Langdon, só que saiu dos campos de batalha para as salas de reunião das diretorias. 

Langdon percebeu que Kohler tinha razão. Na semana anterior, a Escola de Teologia de Harvard fizera uma manifestação de protesto no prédio de Biologia contra a inclusão de engenharia genética no programa de graduação. O diretor do Departamento de Biologia, o famoso ornitólogo Richard Aaronian, defendeu seu currículo pendurando uma enorme faixa na janela de seu escritório. A faixa mostrava um "peixe", o símbolo cristão, modificado, com quatro pequenos pés, um tributo, segundo Aaronian, à evolução dos peixes dipnóicos africanos para a terra firme. Sob os peixes, em vez da palavra "Jesus", a proclamação "DARWIN!" 

O som de um bipe agudo cortou o ar e Langdon levantou a cabeça. Kohler voltou a atenção para o equipamento eletrônico em sua cadeira de rodas. Tirou um pequeno aparelho de seu suporte e leu a mensagem que chegara. 

- Ótimo. É a filha de Leonardo. A senhorita Vetra está chegando no heliponto neste momento. Vamos ao encontro dela. Acho melhor que ela não venha aqui e veja seu pai nesse estado. 

Langdon concordou. Seria um choque que nenhum filho merecia receber. 

- Vou pedir à senhorita Vetra que explique o projeto em que ela e seu pai vinham trabalhando, e talvez isso lance alguma luz sobre o motivo por que ele foi morto. 

- Acha que mataram Vetra por causa do trabalho dele? 

- É bem possível. Leonardo contou-me que estava trabalhando em algo pioneiro. Só me disse isso. Andava cheio de segredos sobre o projeto. Tinha um laboratório particular e exigia isolamento, o que eu de bom grado lhe concedi por causa de seu brilhantismo. Seu trabalho ultimamente vinha consumindo uma quantidade enorme de energia elétrica, mas eu me abstive de questioná-lo sobre o assunto. - Kohler girou a cadeira na direção da porta do gabinete. - Há uma coisa, porém, que o senhor precisa saber antes de sair deste apartamento. 

Langdon não estava muito certo se queria escutar o que era. 

- Algo foi roubado de Vetra por seu assassino. 

-Algo? 

- Venha comigo. 

O diretor dirigiu sua cadeira de volta para a sala enevoada. Langdon foi atrás, sem saber o que esperar.

Kohler manobrou até ficar a centímetros do corpo de Vetra e então parou. Fez um sinal para que Langdon se aproximasse. Langdon veio para perto, a bílis subindo-lhe à garganta por causa do cheiro da urina congelada da vítima. 

- Olhe o rosto dele - disse Kohler. 

Olhar o rosto dele? Langdon não compreendia. Pensei que alguma coisa tivesse sido roubada. 

Hesitante, Langdon ajoelhou-se. Tentou enxergar o rosto de Vetra, mas a cabeça fora torcida 180 graus para trás e o rosto estava pressionado contra o tapete. 

Lutando contra sua deficiência, Kohler inclinou-se e virou com cuidado a cabeça gelada de Vetra.

Estalando, o rosto do morto girou e ficou à mostra, contorcido de agonia. Kohler manteve-o naquela posição por um momento. 

- Meu Deus! - exclamou Langdon, recuando horrorizado. 

O rosto de Vetra estava coberto de sangue. Um único olho castanho devolveu-lhe um olhar sem vida. A outra órbita estava estraçalhada e vazia. 

- Roubaram o olho dele? 

 

CAPÍTULO 14

O sol ajudou a dissipar a imagem da órbita ocular vazia que ficara gravada em sua mente. 

- Por aqui, por favor - Kohler falou, dando uma guinada e enveredando por uma subida íngreme. A cadeira de rodas elétrica acelerava sem esforço. - A senhorita Vetra vai chegar a qualquer momento. 

Langdon corria para acompanhá-lo. 

- Então - perguntou Kohler -, ainda duvida do envolvimento dos liluminati?

Langdon não sabia mais coisa alguma. O fato de Vetra ser religioso era megavelmente perturbador, mas ainda assim Langdon não se convencia a deixar de lado todas as evidências acadêmicas que sempre pesquisara. Além disso, havia o olho... 

- Ainda acho - declarou, com mais ênfase do que pretendia - que os llluminati não são responsáveis por esse crime, O olho que falta é uma prova disso. 

- O quê? 

- Mutilação aleatória - explicou Langdon - é um ato muito pouco característico dos liluminati. Os especialistas em cultos dizem que a desfiguração sem propósito é típica de seitas marginais, de fanáticos que cometem atos de terrorismo ao acaso. Os Illuminati sempre demonstraram mais deliberação. 

- Deliberação? Remover cirurgicamente o globo ocular de alguém não é demonstrar deliberação? 

- Não transmite nenhuma mensagem clara. Não serve a nenhum objetivo maior. 

A cadeira de rodas de Kohler parou subitamente no alto da ladeira. Ele se virou. 

- Senhor Langdon, acredite, aquele olho que falta serve realmente a um objetivo maior, muito maior. 

Quando os dois homens atravessaram a elevação coberta de grama, ouviu- se o ruído das hélices de um helicóptero a oeste. O aparelho apareceu e descreveu um arco no vale aberto, vindo na direção deles.

Inclinou-se bastante para um lado e depois diminuiu a velocidade, pairando acima de um heliporto pintado na grama. 

Langdon observava, distante, sua mente em um redemoinho como o das hélices, pensando se uma boa noite de sono seria capaz de acabar com aquela desorientação, tornar suas idéias mais claras. De alguma forma, duvidava muito disso. 

A aeronave tocou o chão, um piloto saltou e começou a descarregar material. Havia um bocado de bagagem: apetrechos de acampamento bolsas impermeáveis de vinil, cilindros de oxigênio e engradados que pareciam conter equipamento de alta tecnologia para mergulho. 

Langdon ficou confuso. 

- Esse é o equipamento da senhorita Vetra? - gritou para Kohler em meio ao ruído dos motores. 

Kohler assentiu e gritou de volta:

- Ela estava fazendo pesquisas biológicas no mar Balear. 

- Pensei que tivesse dito que ela era física! 

- E é. Ela é biofísica de Quantum Entanglement, ou emaranhamento quântico. Estuda a interconexão dos sistemas de vida. O trabalho dela está intimamente relacionado com o do pai. Recentemente, ela refutou uma das teorias fundamentais de Einstein usando câmeras atomicamente sincronizadas para observar um cardume de atuns. 

Langdon examinou o rosto de seu anfitrião em busca de qualquer vestígio de humor. Einstein e atuns?

Ele começava a se questionar se o avião espacial X-33 não o teria deixado no planeta errado por engano.  

Um momento depois, Vittoria Vetra saiu do helicóptero. Robert Langdon percebeu que aquele seria realmente um dia de intermináveis surpresas. Ao descer da aeronave, de short cáqui e blusa branca sem mangas, Vittoria Vetra em nada se parecia com a cientista circunspecta que ele esperava. Ágil e graciosa, era alta, com pele morena e longos cabelos negros, que o vento dos rotores agitava. Seu rosto era inegavelmente italiano, sem ser bonita demais porém com traços largos e fortes que, mesmo à distância, transpiravam uma sensualidade crua. As lufadas de ar colavam sua roupa ao corpo, acentuando-lhe o torso esbelto e os seios pequenos. 

- A senhorita Vetra é uma mulher de tremenda força pessoal - disse Kohler, parecendo notar a fascinação de Langdon. - Passa meses a fio trabalhando em sistemas ecológicos perigosos. É uma vegetariana rigorosa e o guru residente de hata-ioga do CERN. 

Hata-ioga? Langdon ponderou. A antiga arte budista de meditação e alongamento parecia uma estranha habilidade para uma física filha de um padre católico. 

Langdon observou-a enquanto se aproximava. Obviamente, ela estivera chorando, seus olhos escuros e profundos cheios de emoções que Langdon não saberia identificar. Ainda assim, movia-se em direção a eles com ímpeto e firmeza. Seus braços e pernas eram fortes e de músculos bem trabalhados, irradiando a saudável luminosidade da pele mediterrânea que passara muitas horas ao sol. 

- Vittoria - disse-lhe Kohler -, meus sentimentos. É uma perda terrível para a ciência e para todos nós aqui no CERN. 

Vittoria agradeceu com um gesto de cabeça. Quando falou, sua voz era macia, com um sotaque gutural. 

- Já sabe quem é o responsável? 

- Ainda estamos trabalhando nisso. 

Ela se voltou para Langdon, estendendo-lhe a mão esguia. 

- Meu nome é Vittoria Vetra. O senhor deve ser da Interpol?

Langdon apertou a mão dela, momentaneamente enfeitiçado por seu olhar profundo. 

- Robert Langdon - apresentou-se, sem saber o que dizer mais. 

- O senhor Langdon não está com as autoridades - explicou Kohler. - Ele é um especialista vindo dos Estados Unidos. Está aqui para nos ajudar a localizar o responsável por esta situação. 

Vittoria pareceu meio insegura. 

- E a polícia? 

Kohler suspirou, mas não disse nada. 

- Onde está o corpo? - exigiu ela. 

- Sendo cuidado. 

A mentira caridosa surpreendeu Langdon. 

- Quero vê-lo - disse Vittoria. 

- Vittoria - instou Kohler -, seu pai foi brutalmente assassinado. Seria melhor que se lembrasse dele como era. 

Ela começou a falar, mas foi interrompida. 

- Ei, Vittoria - vozes chamaram de longe. - Seja bem-vinda de volta! 

Ela se virou. Um grupo de cientistas que passava perto do heliporto acenou alegremente. 

- Desmentiu mais alguma teoria de Einstein? - gritou um deles. 

- Seu pai deve estar orgulhoso! 

Vittoria acenou, sem jeito, quando eles passaram. Então, voltou-se para Kohler, o rosto com uma expressão confusa. 

- Ninguém sabe ainda?! 

- Decidi que discrição era fundamental. 

- O senhor não contou à equipe que meu pai foi assassinado? - Agora havia uma certa raiva no seu tom de voz. 

Kohler replicou com dureza: 

- Talvez tenha esquecido, senhorita Vetra, que, assim que eu comunicar a morte de seu pai, haverá uma investigação no CERN. Incluindo uma vistoria completa neste laboratório. Sempre procurei respeitar a privacidade de seu pai. Ele me contou apenas duas coisas sobre o seu projeto atual: que tem potencial para trazer milhões de francos para o CERN em contratos de licença na próxima década e que não está pronto para divulgação pública porque ainda é uma tecnologia de risco. Considerando-se esses dois fatos, preferiria não ter gente estranha bisbilhotando o laboratório dele e, quem sabe, roubando o trabalho dele ou morrendo ao fazê-lo e tornando o CERN responsável por isso em seguida. Ficou bem claro?

Vittoria parou, calada. Langdon percebeu nela um respeito e uma aceitação relutantes pela lógica de Kohler. 

- Antes de comunicarmos qualquer coisa às autoridades - disse Kohler -, preciso saber em que vocês dois estavam trabalhando. Preciso que nos leve ao seu laboratório. 

- O laboratório é irrelevante - disse Vittoria. - Ninguém sabia o que meu pai e eu estávamos fazendo. A experiência não poderia de jeito algum ter a ver com a morte dele.

A respiração de Kohler soou irritada, aflita. 

- Não é o que indicam as evidências. 

- Evidências? Que evidências?

Langdon fazia-se a mesma pergunta. 

Kohler mais uma vez enxugou a boca. 

- Por enquanto, vai ter de confiar em mim. 

Estava claro, pela intensidade do olhar, que ela não confiava.

 

CAPÍTULO 15

Langdon caminhou em silêncio atrás de Vittoria e Kohler na volta para o saguão principal onde sua estranha visita começara. As pernas de Vittoria moviam-se com fluida eficiência - como a de um mergulhador olímpico -, sem dúvida, imaginou Langdon, como resultado da flexibilidade e controle obtidos com a prática da ioga. Notou que ela respirava lenta e deliberadamente, como se tentasse filtrar sua dor. 

Langdon queria dizer-lhe alguma coisa, apresentar suas condolências. Ele também já sentira o vazio abrupto de perder um pai inesperadamente. Lembrava-se sobretudo do dia do enterro, cinzento e chuvoso. Dois dias depois de seu aniversário de 12 anos. A casa ficou cheia de homens do escritório, vestidos com ternos escuros, homens que apertavam sua mão com força demais. Todos murmuravam palavras como cardíaco e estresse. Sua mãe, com os olhos cheios de lágrimas, brincava que conseguia acompanhar o mercado de ações só segurando a mão de seu marido... o pulso dele era sua fita particular do registrador de cotações da bolsa. 

Certa vez, quando seu pai era vivo, Robert escutara a mãe pedindo-lhe que

"parasse um pouco para sentir o perfume das rosas". Naquele ano, Langdon comprou para o pai no Natal uma pequena rosa de vidro soprado. Era o objeto mais lindo que o menino já vira.., encantou-se com a maneira como o sol se refletia nela, lançando um arco-íris de cores na parede. "É linda' dissera o pai ao abrir o presente, beijando a testa de Robert. "Vamos procurar um lugar seguro para ela:' Então, seu pai colocou cuidadosamente a rosa em uma prateleira alta e empoeirada no ponto mais escuro da sala de estar.

Dias mais tarde, Langdon subiu em um banco, apanhou a rosa e devolveu-a à loja. O pai nunca percebeu que ela não estava mais lá. 

O som da campainha do elevador trouxe-o de volta ao presente. Vittoria e Kohler estavam à sua frente, entrando no elevador. Langdon hesitou diante da porta aberta. 

- Alguma coisa errada? - perguntou Kohler, mais impaciente do que preocupado. 

- Não, nada - disse Langdon, forçando-se a embarcar no cubículo apertado. Só usava elevadores quando absolutamente necessário. Preferia os espaços mais abertos das escadarias. 

- O laboratório do doutor Vetra é subterrâneo - esclareceu Kohler. 

Maravilha, pensou Langdon ao entrar, sentindo um vento gelado subir das profundezas do poço. As portas se fecharam e o elevador começou a descer. 

- Seis andares - disse Kohler inexpressivamente, como uma máquina. 

Langdon imaginou a escuridão do poço abaixo deles. Tentou bloquear o pensamento olhando para o painel numerado dos andares. Curiosamente, o painel do elevador só indicava duas paradas. TÉRREO e LHC. 

- O que quer dizer LHC? - perguntou Langdon, esforçando-se para não parecer nervoso. 

- Large Hadron Collider, o Grande Colisor de Hádrons - respondeu Kohler. 

- Um acelerador de partículas. 

Acelerador de partículas? O termo era-lhe vagamente familiar. Ouvira-o pela primeira vez em um jantar com colegas na Dunster House, em Cambridge. Um físico amigo deles, Bob Brownell, chegara enfurecido naquela noite. 

- Os malditos imbecis cancelaram tudo! - praguejou Brownell. 

- Cancelaram o quê? - perguntaram os outros. 

-OSCS! 

- O quê? 

- O Super Colisor Supercondutor! 

Alguém deu de ombros. 

- Não sabia que Harvard estava construindo um.

- Não é Harvard! - exclamou. - São os Estados Unidos! Seria o acelerador de partículas mais poderoso do mundo! Um dos mais importantes projetos científicos do século! Puseram dois bilhões de dólares nisso e o Senado dispensou o projeto! Aqueles lobistas desgraçados, protestantes fundamentalistas! 

Quando Brownell finalmente se acalmou, explicou que um acelerador de partículas é um grande tubo circular dentro do qual partículas subatômicas eram aceleradas. Dentro do túnel, ímãs são ativados e desativados em rápida sucessão para "empurrar" as partículas adiante até que alcancem velocidades. As partículas totalmente aceleradas circulam pelo tubo a quase 300 mil quilômetros por segundo. 

- Mas é quase a velocidade da luz - exclamou um dos professores. 

- É isso aí - disse Brownell. 

E continuou a falar, explicando que, ao acelerar duas partículas em direções opostas à volta do tubo e depois fazê-las colidir, os cientistas podem desintegrar as partículas nas partes em que são constituídas e assim ter uma noção a respeito dos componentes fundamentais da natureza. 

- Os aceleradores de partículas - declarou Brownell - são cruciais para o futuro da ciência. A colisão de partículas é a chave para se compreender os blocos de que é formado o universo. 

O Poeta Residente de Harvard, um homem sossegado chamado Charles Pratt, não se impressionou muito. 

- Para mim, isso parece mais - disse Pratt - uma abordagem científica de Neanderthal... igual a espatifar relógios para conhecer o mecanismo interno deles. 

Num rompante, Brownell largou o garfo e saiu da sala pisando duro. 

Quer dizer que o CERN tem um acelerador de partículas? - pensou Langdon, conforme o elevador descia. Um tubo circular para despedaçar partículas. Gostaria de saber por que era subterrâneo. 

Quando o elevador parou, Langdon ficou feliz em sentir terra firme de novo sob os pés. Assim que as portas se abriram, porém, seu alívio evaporou-se. Encontrava-se outra vez em um mundo totalmente estranho. 

O corredor estendia-se indefinidamente em ambas as direções, esquerda e direita. Tratava-se de um túnel revestido de cimento liso, largo o suficiente para permitir a passagem de um caminhão de cinco eixos.

Profusamente iluminado no ponto onde estavam, mais adiante o corredor tornava-se negro como breu. Um vento úmido, sussurrando, vinha da escuridão - um lembrete inquietante de que se encontravam agora muitos metros abaixo do solo. Langdon quase sentia o peso da terra e das pedras acima de sua cabeça. Por um instante, voltou a ter nove anos de idade, a escuridão forçando-o a voltar às cinco horas de trevas sufocantes que ainda o assombravam. Cerrando os punhos, lutou contra aquela sensação. 

Vittoria manteve-se em silêncio ao sair do elevador e seguir sozinha sem hesitar para o corredor escuro. No teto, conforme ela passava, as luzes fluorescentes iam aos poucos se acendendo para iluminar seu caminho. O efeito era perturbador, como se o corredor estivesse vivo, prevendo cada um dos movimentos

dela. Langdon e Kohler seguiam-na a certa distância. As luzes apagavam-se automaticamente atrás deles. 

- Esse acelerador de partículas - disse Langdon em voz baixa - está aqui embaixo neste túnel? 

- Está ali. - Kohler apontou para a sua esquerda, onde um tubo cromado, polido, corria pela parede interna do túnel. 

Langdon olhou para o tubo, perplexo. 

- Isso é o acelerador? 

Não era nem um pouco como ele havia imaginado. Completamente reto, com uns noventa centímetros de diâmetro, estendia-se na horizontal pela extensão visível do túnel até desaparecer na escuridão. Lembra mais um cano de esgoto high-tech, pensou Langdon. 

- Achei que os aceleradores de partículas fossem circulares. 

- Este acelerador é circular - disse Kohler. - Parece ser reto, mas isto é uma ilusão de ótica. A circunferência

deste túnel é tão grande que a curva é imperceptível. Como a da Terra. 

Langdon estava admirado. 

- Isto é um círculo? Mas então... deve ser imenso! 

- O LHC é a maior máquina do mundo. 

Langdon olhou de novo o tubo para ter certeza de que não se enganara. Lembrou-se do motorista do CERN comentando sobre uma enorme máquina sob a terra. No entanto... 

- Tem mais de oito quilômetros de diâmetro e vinte e sete quilômetros de extensão. 

Langdon virou rapidamente a cabeça para o diretor, depois para o túnel escuro à sua frente. 

- Vinte e sete quilômetros? Este túnel tem vinte e sete quilômetros de comprimento? 

Kohler concordou. 

- Cavados em um círculo perfeito. Vai até a França e volta para cá. As partículas aceleradas percorrem o tubo mais de dez mil vezes em um único segundo antes de colidirem. 

As pernas de Langdon ficaram bambas ao olhar para a abertura negra do túnel. 

- Está dizendo que o CERN removeu milhões de toneladas de terra só para espatifar partículas minúsculas? 

Kohler ergueu os ombros. 

- Às vezes, para encontrar a verdade, é preciso remover montanhas. 

 

CAPÍTULO 16

A quilômetros do CERN, uma voz soou através de um wallde-talkje. 

- 0K, estou no corredor.

O técnico que monitorava as telas de vídeo apertou o botão de seu transmissor e disse: 

- A câmera que você está procurando é a 86. Deve estar no fim do corredor. Seguiu-se um longo silêncio no rádio. Um ligeiro suor cobriu o rosto do técnico que esperava. Finalmente, seu rádio deu um estalido. 

- A câmera não está no lugar - disse a voz. - Mas dá para ver onde estava instalada. Alguém deve tê-la tirado daqui. 

O técnico respirou fundo. 

- Obrigado. Espere só mais um segundo, está bem? 

Suspirando, voltou a atenção para as telas de vídeo à sua frente. Grande parte do conjunto de prédios era aberta ao público, e câmeras sem fio já haviam sumido antes, em geral roubadas por visitantes engraçadinhos em busca de suvenires. Entretanto, assim que a câmera saía dos prédios e ficava fora de alcance, o sinal se perdia e a tela ficava em branco. Perplexo, o técnico olhava para o monitor. Uma imagem clara como água ainda vinha da câmera 86. 

Se a câmera foi roubada, refletia ele, como ainda estamos recebendo o sinal? Sabia que só havia uma explicação para isso. A câmera ainda estava dentro dos prédios, alguém apenas a trocara de lugar. Mas quem? E por quê? 

Estudou o monitor durante algum tempo. Por fim, pegou seu walkie-talkie. 

- Há algum armário embutido nesse poço de escada? Algum móvel com portas, algum nicho escuro?

A voz que respondeu parecia um tanto espantada. 

- Não. Por quê? 

O técnico fez uma cara feia. 

- Por nada. Obrigado pela ajuda. 

Desligou o walkie-talkie e apertou os lábios. 

Considerando-se o tamanho pequeno da câmera de vídeo e o fato de não ter fio, o técnico sabia que a câmera 86 podia estar transmitindo de qualquer lugar do fortemente vigiado complexo de construções - um conjunto compacto de 32 prédios independentes em um raio de 800 metros. A única pista é que a câmara parecia ter sido posta em um lugar escuro. Claro que isso não ajudava grande coisa. Havia milhares de lugares escuros ali - armários de manutenção, dutos de aquecimento, galpões de utensílios de jardinagem, armários de quartos de dormir e até um labirinto de túneis subterrâneos. Poderiam levar semanas para encontrar a câmera 86. 

Mas esse é o menor dos meus problemas. 

Além do dilema da nova localização da câmera, havia outra questão muito mais preocupante a resolver. O técnico levantou o olhar para a imagem que a câmera perdida estava transmitindo. A de um objeto imóvel.

Um aparelho moderno que não se parecia com nada que o técnico conhecesse. Ele examinou o mostrador eletrônico que piscava na base do aparelho. 

Embora o guarda tivesse passado por um rigoroso treinamento que o preparava para situações de tensão, ainda assim sentia seu pulso acelerando. Disse a si mesmo para não entrar em pânico. Tinha de haver uma explicação. O objeto parecia pequeno demais para oferecer perigo significativo. De qualquer forma, sua presença ali dentro era perturbadora. Muito perturbadora, na verdade. 

Logo hoje, pensou. 

Segurança era sempre uma prioridade para seu empregador, mas hoje, mais do que em qualquer outro dia nos últimos 12 anos, segurança era uma questão da maior importância. O técnico observou o objeto durante muito tempo e escutou o ruído de trovoadas de uma tempestade que se aproximava ao longe. 

Então, suando, discou para seu superior.

 

CAPÍTULO 17

Poucas crianças podem dizer que se lembram do dia em que  encontraram seu pai, mas Vittoria Vetra podia. Tinha oito anos e morava no lugar de sempre, o Orfanotrofio di Siena, um orfanato católico perto de Florença, abandonada por pais que nunca conhecera. Estava chovendo naquele dia. As freiras já tinham chamado por ela duas vezes para ir jantar, mas ela fingia não ouvir. Continuava lá fora, deitada no pátio, com o rosto voltado para o alto, para as gotas de chuva, sentindo-as bater em seu corpo, tentando adivinhar onde iriam cair em seguida. As freiras chamaram de novo, ameaçando-a de pegar uma pneumonia, o que tornaria aquela criança insuportavelmente cabeça-dura muito menos curiosa sobre a natureza. 

Não estou escutando vocês, pensava Vittoria. 

Estava encharcada quando o jovem padre saiu para buscá-la. Ele era novo ali. Vittoria esperou que ele viesse arrastá-la para dentro. Mas ele não o fez. Para surpresa dela, deitou-se ao seu lado, molhando a batina em uma poça. 

- Disseram que você faz uma porção de perguntas - disse o moço. 

Vittoria replicou, mal-humorada: 

- E é ruim fazer perguntas? 

Ele riu. 

- Acho que não. 

- O que você está fazendo aqui fora? 

- O mesmo que você: pensando por que as gotas de chuva caem. 

- Não estou pensando por que elas caem! Eu já sei! 

O padre olhou espantado para ela. 

- Você sabe? 

- A irmã Francisca disse que as gotas de chuva são lágrimas dos anjos que caem para lavar nossos pecados. 

- Puxa! - ele disse, em um tom admirado. - Então, está explicado.  

- Não, não está! - disparou a menina. - As gotas caem porque tudo cai! Tudo! Não é só a chuva! 

O padre coçou a cabeça. 

- Sabe, mocinha, você tem razão. Tudo cai mesmo. Deve ser a gravidade. 

- Deve ser o quê? 

Ele olhou para ela com ar incrédulo. 

- Você nunca ouviu falar da gravidade?

- Não. 

O padre fez um gesto decepcionado. 

- É uma pena. A gravidade responde a uma porção de perguntas. 

Vittoria sentou-se. 

- O que é gravidade? - perguntou exigente. - Diga para mim! 

O padre piscou o olho para ela. 

- E se eu explicar a você durante o jantar? 

O jovem padre era Leonardo Vetra. Embora tivesse ganho prêmios de Física quando aluno da universidade, ouvira um outro chamado e fora para o seminário. Leonardo e Vittoria tornaram-se grandes amigos, por mais improvável que fosse, naquele mundo solitário de freiras e regulamentos. Vittoria fazia Leonardo rir e ele tomou-a sob sua proteção, ensinando-lhe que belas coisas como o arco-íris e os rios tinham muitas explicações. Falou-lhe sobre a luz, os planetas, as estrelas e toda a natureza, tanto do ponto de vista de Deus quanto do da ciência. O intelecto e a curiosidade inatos de Vittoria faziam dela uma aluna cativante. Leonardo a protegia como a uma filha. 

Vittoria também estava feliz. Nunca sentira a alegria de ter um pai. Enquanto todos os outros adultos respondiam às suas perguntas com um ar de repreensão, Leonardo passava horas mostrando-lhe livros.

Até perguntava o que ela achava, quais eram suas idéias sobre os assuntos. Então, certo dia, seu pior pesadelo virou realidade. Padre Leonardo disse-lhe que iria sair do orfanato. 

- Vou me mudar para a Suíça - explicou ele. - Recebi uma subvenção para estudar Física na Universidade de Genebra. 

- Física? - exclamou Vittoria. - Pensei que você amasse a Deus! 

- Eu amo, e muito. Por isso é que quero estudar suas regras divinas. As leis da Física são a tela que Deus estendeu para pintar sua obra-prima. 

Vittoria ficou arrasada. Mas o padre Leonardo tinha mais novidades. Disse a Vittoria que conversara com seus superiores e eles haviam concordado que Leonardo a adotasse. 

- Você gostaria que eu a adotasse? - perguntou Leonardo. 

- O que significa adotar? - perguntou Vittoria por sua vez. 

O padre Leonardo explicou. 

Vittoria abraçou-o durante cinco minutos seguidos, chorando de alegria. 

- Ah, eu quero, quero sim! 

E ele disse que teria de partir e ficar longe por algum tempo, até instalar seu novo lar na Suíça, mas que mandaria buscá-la dentro de seis meses. Seria a mais longa espera da vida de Vittoria, mas Leonardo manteve a palavra. Cinco dias

antes de seu aniversário de nove anos, Vittoria mudou-se para Genebra. Freqüentava a Escola Internacional de Genebra durante o dia e estudava com seu pai à noite. 

Três anos depois, Leonardo Vetra foi contratado pelo CERN. Vittoria e Leonardo mudaram-se para um país das maravilhas como jamais a pequena Vittoria pudera imaginar. 

Vittoria Vetra sentia seu corpo entorpecido enquanto percorria o túnel do LHC. Via nele o reflexo de sua imagem silenciosa e percebia a ausência de seu pai. Normalmente, ela vivia em um estado de profunda calma, em harmonia com o mundo à sua volta. Agora, porém, de repente, nada mais fazia sentido. As últimas três horas haviam sido como um borrão indistinto. 

Eram dez da manhã quando a chamada de Kohler chegou nas ilhas Baleares. Seu pai foi assassinado. Volte imediatamente para casa. A despeito do calor abafado no convés do barco de mergulho, ela gelara até os ossos com aquelas palavras, o tom de voz de Kohler, despojado de qualquer emoção, ferindo-a tanto quanto a notícia. 

Agora, ela voltara para casa. Mas que casa, afinal? O CERN, seu mundo desde os 12 anos, parecia de repente estrangeiro. Seu pai, o homem que o tornara mágico, estava morto. 

Respire fundo, disse a si mesma, mas não conseguia acalmar sua mente. As perguntas sucediam-se uma à outra cada vez mais depressa. Quem matara seu pai? E por quê? Quem era aquele "especialista" americano? Por que Kohler insistia em ver o laboratório? 

Kohler dissera que existiam evidências de que o assassinato de seu pai estava relacionado com o projeto em curso. Que evidências? Ninguém sabia em que estávamos trabalhando! E, mesmo que alguém descobrisse, por que o matariam? 

Andando pelo túnel do LHC a caminho do laboratório de seu pai, Vittoria se deu conta de que estava prestes a revelar o trabalho mais importante de seu pai sem que ele estivesse presente.

Imaginara aquele momento de forma muito diferente: seu pai convocando os maiores cientistas do CERN, mostrando-lhes sua descoberta, vendo as expressões de admiração e respeito em seus rostos. Em seguida, radiante de orgulho paterno, ele explicaria a eles como havia sido uma idéia de Vittoria que o ajudara a transformar o projeto em realidade.., que a participação de sua filha havia sido essencial naquele trabalho pioneiro. Vittoria sentiu um nó na garganta. Meu pai e eu deveríamos estar juntos dividindo este momento. E lá estava ela sozinha. Sem colegas. Sem rostos felizes. Só um americano estranho e Maximilian Kohler. 

Maximilian Kohler. Der Kônig. 

Mesmo quando criança, Vittoria não simpatizava com ele. Embora tivesse aprendido a respeitar seu intelecto poderoso, aquelas maneiras gélidas sempre lhe pareceram desumanas, a antítese exata do comportamento caloroso de seu pai. Kohler buscava na ciência a lógica imaculada; seu pai, o deslumbramento espiritual. E, no entanto, por estranho que fosse, sempre parecera existir um tácito respeito entre os dois homens. Alguém explicara a ela que o gênio aceita outro gênio incondicionalmente. 

Gênio, pensou ela. Meu pai... papai. Morto. 

A entrada para o laboratório de Leonardo Vetra era um comprido e asséptico corredor inteiramente revestido de azulejos brancos. Langdon teve a impressão de estar entrando em uma espécie de asilo de loucos subterrâneo. Alinhadas nas paredes do corredor havia dezenas de imagens em preto-e-branco emolduradas. Langdon construíra sua carreira estudando imagens, mas aquelas lhe eram inteiramente desconhecidas. Pareciam negativos caóticos de riscos e espirais aleatórios. Arte moderna? - arriscou ele. Jackson Pollock depois das anfetaminas? 

- São diagramas de dispersão - disse Vittoria, notando o interesse de Langdon. - Representações em computador da colisão de partículas. Esta é a partícula Z - disse ela, apontando para um leve traço, quase invisível na confusão. - Meu pai descobriu-a faz cinco anos. Pura energia, sem massa nenhuma. Pode muito bem ser o menor bloco estrutural na natureza. A matéria nada mais é do que energia capturada. 

Matéria é energia? Langdon inclinou a cabeça para um lado. Isto soa muito zen. Examinou o minúsculo traço na fotografia e imaginou o que diriam seus amigos no Departamento de Física de Harvard quando lhes contasse que passara o fim de semana em um grande colisor de hádrons admirando partículas Z. 

- Vittoria - falou Kohler quando se aproximaram da imponente porta de aço do laboratório -, tenho de avisá-la que vim aqui esta manhã procurar seu pai. 

Vittoria enrubesceu ligeiramente. 

-Veio? 

- Sim. E fiquei muito surpreso ao ver que ele trocou a fechadura de segurança padronizada do CERN por algo diferente. 

Kohler indicou um aparelho eletrônico complicado ao lado da porta. 

- Desculpe - disse ela. - Mas sabe como ele se preocupava com a privacidade. Não queria que mais ninguém além de nós dois tivesse acesso ao laboratório.

- Muito bem - disse Kohler. - Abra a porta. 

Vittoria ficou parada por algum tempo. Então, respirando fundo, encaminhou-se para o mecanismo instalado na parede. 

Langdon não estava preparado para o que aconteceu em seguida. 

Vittoria aproximou-se do aparelho e, com cuidado, alinhou seu olho direito com uma lente protuberante que parecia um telescópio. Depois, apertou um botão. Ouviu-se um estalido dentro da máquina. Um facho de luz oscilava de um lado para outro, escaneando o globo ocular dela como se fosse uma máquina copiadora. 

- É um scanner de retina - explicou ela. - Segurança infalível. Programado para aceitar apenas dois padrões de retina, o meu e o do meu pai. 

Robert Langdon parou, horrorizado com a revelação. A imagem de Leonardo Vetra voltou-lhe à cabeça em detalhes assustadores - o rosto ensangüentado, o único olho castanho fitando-o de volta, a órbita vazia.

Tentou recusar a verdade óbvia, mas então viu no chão de azulejos brancos, abaixo do scanner, minúsculas gotas vermelhas. Sangue seco. 

Vittoria, ainda bem, nada percebeu. 

A porta de aço abriu-se deslizando e ela entrou. 

Kohler fixou em Langdon um olhar implacável. A mensagem era clara: É como eu lhe disse. O olho que falta serve realmente a um objetivo maior. 

 

CAPÍTULO 18

As mãos da mulher estavam amarradas, os pulsos agora roxos e inchados por causa do atrito. O Hassassin de pele cor de mogno estava deitado ao lado dela, esgotado, admirando sua presa nua.

Pensava se aquele sono leve a que ela estava entregue no momento não seria um truque, uma tentativa patética de evitar prestar-lhe mais serviço. 

Ele não se importava. Já se recompensara o suficiente. Saciado, sentou-se na cama. Em seu país, as mulheres eram propriedades, posses. Fracas. Instrumentos de  prazer. Escravas para serem negociadas como gado. E sabiam qual era o lugar delas. Mas ali, na Europa, elas fingiam ter uma força e uma independência que o divertiam e excitavam ao mesmo tempo. Forçá-las à submissão física era uma gratificação que ele sempre apreciava.

Agora, a despeito do contentamento sexual, o Hassassin percebia que um outro apetite crescia dentro dele. Ele matara na noite anterior, matara e mutilara, e para ele matar era como heroína, cada ocasião satisfazendo-o apenas temporariamente antes de aumentar sua ânsia por mais. A animação da véspera havia passado. O desejo ardente estava de volta. 

Analisou a mulher adormecida perto dele. Correndo a palma da mão por seu pescoço, excitou-o saber que poderia acabar com a vida dela em um instante. Que importância isso teria? Ela era subumana, apenas um veículo de prazer e serviços. Seus dedos fortes envolveram a garganta dela, saboreando sua pulsação delicada. Então, lutando contra o desejo, ele retirou a mão. Tinha um trabalho a fazer. Servir a uma causa mais elevada que seu próprio desejo. 

Saiu da cama e exultou com a honra da tarefa que o aguardava. Ainda não era capaz de avaliar a influência desse homem chamado Janus e da antiga fraternidade que ele comandava.

Maravilhava-se com o fato de ter sido escolhido por essa fraternidade. De alguma forma, conheciam seu ódio e suas habilidades. Como, ele nunca saberia. Suas raízes estendem-se até muito longe. 

Haviam concedido a ele a honra máxima. Ele seria suas mãos e sua voz. Seu assassino e seu mensageiro. Aquele a que seu povo chamava de Malak al-haq, o

Anjo da Verdade.

 

CAPÍTULO 19

O laboratório de Vetra era extremamente futurístico. 

Todo branco e rodeado por todos os lados de computadores e equipamento eletrônico especializado, lembrava uma sala de cirurgia. Langdon perguntava a si mesmo que segredos aquele lugar guardaria que justificassem alguém arrancar o olho de uma pessoa para entrar ali. 

Kohler mostrava-se apreensivo, esquadrinhando o ambiente como se procurasse um intruso.

Mas o laboratório estava deserto. Vittoria também se movia devagar, parecendo desconhecer o laboratório sem seu pai. 

A atenção de Langdon concentrou-se imediatamente no centro do aposento, onde uma série de colunas baixas erguia-se do chão. Como uma miniatura de Stonehenge, umas 10 ou 12 colunas de aço polido formavam um círculo no meio da sala. Tinham cerca de 90 centímetros de altura, semelhantes às que os museus utilizam para expor pedras preciosas. Aquelas colunas, porém, não se destinavam a jóias valiosas.

Cada uma servia de apoio a um tubo transparente do tamanho aproximado de uma lata de bolas de tênis.

Aparentemente, os tubos estavam vazios. 

Kohler olhou para os tubos com um ar de incompreensão. Pareceu ter decidido ignorá-los a princípio.

Voltou-se para Vittoria: 

- Alguma coisa foi roubada? 

- Roubada? Como? - argumentou ela. - O scanner de retina só permite a nossa entrada. 

- Dê uma olhada. 

Vittoria suspirou e correu os olhos pela sala durante uns poucos momentos. Deu de ombros. 

- Tudo está como meu pai sempre deixa. Um caos ordenado. 

Langdon via que Kohler pesava suas opções, como se avaliasse até que ponto levar Vittoria e o que deveria contar-lhe. E que mais uma vez resolvera adiar a decisão. Moveu sua cadeira de rodas para o centro da sala e examinou o misterioso agrupamento de tubos supostamente vazios. 

- Segredos - disse ele finalmente - são um luxo que não podemos mais nos permitir. 

Vittoria inclinou a cabeça assentindo, de repente parecendo emocionada, como se estar ali lhe trouxesse um mar de lembranças. 

Dê um minuto a ela, pensou Langdon. 

Preparando-se para o que ia revelar, Vittoria fechou os olhos e respirou fundo. E respirou fundo mais uma vez. E outra vez... 

Langdon observava-a, começando a ficar preocupado. Será que ela está passando bem? Relanceou os olhos para Kohler, que se mostrava imperturbável, talvez por já ter presenciado aquele ritual antes.

Passaram-se dez segundos até Vittoria reabrir os olhos. 

A metamorfose foi incrível. Vittoria Vetra transformara-se. Seus lábios cheios descontraíram-se, os ombros relaxaram-se, o olhar suavizou-se. Tinha-se a impressão de que ela realinhara todos os músculos de seu corpo para aceitar a situação. O clarão de ressentimento e angústia apagara-se de alguma forma sob uma frieza de águas profundas. 

- Por onde começar... - disse ela, imperturbável, com seu sotaque. 

- Pelo começo - pediu Kohler. - Conte-nos sobre as experiências de seu pai. 

- Alinhar a ciência com a religião sempre foi o sonho da vida de meu pai – disse Vittoria. - Ele esperava provar um dia que ciência e religião são dois campos totalmente compatíveis, duas abordagens diferentes para se encontrar a mesma verdade. - Fez uma pausa, como se mal acreditasse no que iria dizer a seguir. - E, recentemente, ele concebeu um modo de fazer isto. 

Kohler não fez nenhum comentário. 

- Ele arquitetou um invento com que tinha esperanças de resolver um dos conflitos mais amargos da história da ciência e da religião. 

Langdon perguntou-se que conflito seria esse. Havia tantos. 

- O criacionismo - declarou Vittoria. - A batalha sobre como surgiu o universo. 

Ah, pensou Langdon, o Grande Debate. 

- A Bíblia, é claro, afirma que Deus criou o universo - explicou. - Deus disse: 

"Faça-se a luz" e tudo o que vemos surgiu de um grande vazio. Infelizmente, uma das leis fundamentais da Física declara que a matéria não pode ser criada do nada. 

Langdon já lera sobre esse impasse. A idéia de que Deus supostamente criara "algo do nada" era totalmente contrária às leis aceitas pela Física moderna e, portanto, alegavam os cientistas, o Gênese era cientificamente absurdo. 

- Senhor Langdon - disse Vittoria, voltando-se para ele. - Presumo que conheça a Teoria do Big-Bang? 

- Mais ou menos. 

O que ele sabia sobre o Big-Bang é que era o modelo cientificamente aceito para explicar a criação do universo. Não o compreendia realmente, mas, de acordo com a teoria, um único ponto de energia intensamente concentrada estourava em uma explosão cataclísmica, expandindo-se para formar o universo.

Ou algo assim. 

Vittoria continuou. 

- Quando a Igreja Católica apresentou pela primeira vez a Teoria do Big-Bang em 1927, o... 

- Desculpe! - Langdon interrompeu, antes que pudesse se conter. - Disse que o Big-Bang foi uma idéia católica? 

A pergunta surpreendeu Vittoria. 

- Claro. Apresentada por um monge católico, Georges Lemaitre, em 1927. 

- Mas eu pensei... - ele hesitou. - A Teoria do Big-Bang não foi apresentada por um astrônomo de Harvard,

Edwin Hubble?  Kohler fechou a cara. 

- Mais uma vez, a arrogância científica dos norte-americanos. Hubble publicou seu trabalho em 1929, dois anos depois de Lemaitre. 

Langdon zangou-se. 

O telescópio chama-se Hubble, senhor, e nunca ouvi falar de nenhum telescópio Lemaitre! 

- O senhor Kohler tem razão - disse Vittoria -, a idéia pertenceu a Lemaitre.

Hubble somente a comprovou reunindo as provas de que o Big-Bang era cientificamente provável. 

- Ah - disse Langdon, imaginando se os fanáticos por Hubble no Departamento de Astronomia de Harvard alguma vez mencionavam Lemajtre em suas palestras. 

- Quando Lemaitre apresentou pela primeira vez a Teoria do Big-Bang - Vittoria prosseguiu -, os cientistas afirmaram que era absolutamente ridícula. A matéria, dizia a ciência, não podia ser criada a partir do nada.

Assim, quando Hubble chocou o mundo provando cientificamente que o Big-Bang era verdade, a Igreja cantou vitória, alardeando isso como prova de que a Bíblia era cientificamente correta. A verdade divina. 

Langdon balançou a cabeça concordando e agora escutando com toda a atenção. 

- É claro que não agradou nada aos cientistas ver suas descobertas usadas pela Igreja para promover a religião, de modo que imediatamente "matematizaram" a Teoria do Big-Bang, removeram-lhe todas as implicações religiosas e tomaram-na para si. Lamentavelmente, para a ciência, suas equações ainda hoje têm uma séria deficiência que a Igreja gosta de apontar. 

Kohler resmungou: 

- A singularidade. - Ele pronunciou a palavra como se aquilo fosse a maldição de sua existência. 

- Sim, a singularidade - repetiu Vittoria. - O exato momento da criação. A hora zero. Até hoje, a ciência não conseguiu compreender o momento inicial da criação. Nossas equações explicam o universo inicial com bastante eficiência, mas, quando recuamos no tempo e nos aproximamos da hora zero, nossa matemática se desintegra e tudo deixa de ter sentido. 

- Correto - disse Kohler, mordaz. - E a Igreja sustenta que essa deficiência é a prova do miraculoso envolvimento de Deus. Vá direto ao ponto. 

A expressão de Vittoria ficou distante. 

- Meu pai sempre acreditou no envolvimento de Deus no Big-Bang. Embora a ciência fosse incapaz de compreender o divino momento da criação, ele acreditava que algum dia isso aconteceria. - Ela se encaminhou para uma frase impressa em papel pregada na parede da área de trabalho de seu pai. - Meu pai costumava abanar este papel diante de meu rosto toda vez que eu tinha dúvidas. 

Langdon leu a mensagem:

 

A CIÊNCIA E A RELIGIÃO NÃO ESTÃO EM DESACORDO. 

É QUE A CIÊNCIA AINDA É MUITO JOVEM PARA COMPREENDER.

 

- Meu pai queria levar a ciência a um nível mais elevado, um nível em que a ciência corroborasse o conceito de Deus. - Ela passou a mão pelo cabelo comprido com ar melancólico. - Resolveu dedicar-se a algo que nenhum cientista jamais pensara em realizar. E que ninguém até então tivera tecnologia para realizar. - Fez uma pausa, sem saber muito bem como pronunciar as palavras seguintes. - Ele criou uma experiência para provar que o Gênese era possível. 

Provar o Gênese?, pensou Langdon. Que se faça a luz? Matéria a partir do nada? 

O olhar mortiço de Kohler cruzou a sala. 

- Como disse? 

- Meu pai criou um universo.., a partir do nada. 

Kohler virou a cabeça em todas as direções. 

- O quê? 

- Ou melhor, ele recriou o Big-Bang. 

Kohler parecia prestes a ficar de pé. 

Langdon estava oficialmente perdido. Criar um universo? Recriar o Big-Bang? 

- Foi feito em muito menor escala, evidentemente - disse Vittoria, agora falando mais depressa. - O processo era extremamente simples. Ele acelerou dois feixes de partículas ultrafinas em direções opostas no tubo acelerador. Os dois feixes colidiram de frente a uma extraordinária velocidade, entrando um pelo outro e comprimindo toda a sua energia em um único ponto. Assim, ele conseguiu obter densidades extremas de energia. 

Ela começou a citar uma longa sucessão de unidades e os olhos do diretor se arregalaram. 

Langdon esforçava-se para acompanhar o assunto. 

Quer dizer que Leonardo Vetra estava simulando o ponto comprimido de energia a partir do qual o universo supostamente nasceu. 

- O resultado - disse Vittoria - foi nada mais nada menos do que maravilhoso. Quando for publicado, vai abalar a própria estrutura da Física moderna. 

- Ela passou a falar devagar, saboreando a dimensão daquilo que estava revelando. - De repente, dentro do tubo do acelerador, desse ponto de energia altamente concentrada, partículas de matéria começaram a aparecer do nada.  Kohler não esboçava qualquer reação, olhava para ela estático. 

- Matéria - repetiu Vittoria. - Brotando do nada. Um incrível espetáculo de fogos de artificio subatômicos.

Um universo em miniatura desabrochando para a vida. Meu pai não só provou que a matéria pode ser criada do nada, como demonstrou que o Big-Bang e o Gênese podem ser explicados se simplesmente aceitarmos a presença de uma imensa fonte de energia. 

- Você quer dizer Deus? - perguntou Kohler.

- Deus, Buda, A Força, Iavé, a singularidade, o ponto de unicidade, chame como quiser, o resultado é o mesmo. Ciência e religião apóiam a mesma verdade: a energia pura é a mãe da criação. 

Quando Kohler finalmente falou, sua voz era soturna. 

- Vittoria, você me deixou perdido. Será que está mesmo me dizendo que seu pai criou matéria.., a partir do nada? 

- Estou. - Vittoria apontou para os tubos. - A prova está ali. Naqueles tubos, há espécimes da matéria que ele criou. 

Kohler tossiu e dirigiu-se para os tubos como um animal desconfiado rodeando alguma coisa que, por instinto, pressente não ser boa. 

- Eu devo ter perdido alguma parte da sua explicação - disse ele. - Como quer que eu acredite que esses tubos contêm partículas de matéria criada por seu pai? Poderiam ser partículas vindas de qualquer lugar. 

- Na verdade - disse Vittoria, confiante -, não poderiam. Essas partículas são únicas. São um tipo de matéria que não existe em nenhum lugar da Terra, portanto, só poderiam ter sido criadas. 

O rosto de Kohler tornou-se sombrío. 

-Vittoria, o que quer dizer com "um tipo de matéria"? Só existe um tipo, e... 

- Kohler parou de falar. 

Vittoria tinha uma expressão triunfante no rosto. 

- O senhor mesmo falou sobre o assunto em suas palestras, diretor. O universo contém dois tipos de matéria. É um fato científico. - Vittoria voltou-se para Langdon. - Senhor Langdon, o que a Bíblia diz sobre a criação? O que Deus criou? 

Langdon ficou embaraçado, sem saber o que aquilo tinha a ver com a questão. 

- Humm, Deus criou.., luz e trevas, céu e inferno... 

- Exato - interrompeu Vittoria. Deus criou tudo em opostos. Em simetria. Em perfeito equilíbrio. - Voltou-se novamente para Kohler. - Diretor, a ciência afirma o mesmo que a religião, que o Big-Bang criou tudo no universo com um oposto. 

- Inclusive a própria matéria - Kohler murmurou, como se falasse para si mesmo. 

Vittoria balançou a cabeça. 

- E quando meu pai realizou essa experiência, indiscutivelmente, dois tipos de matéria apareceram. 

Langdon especulava o que isso significaria. Leonardo Vetra criou o oposto da matéria? 

Kohler parecia zangado. 

- A substância a que você se refere só existe em algum outro lugar do universo. Certamente não na Terra. E possivelmente nem na nossa galáxia!

- Exatamente - replicou Vittoria. - O que prova que as partículas que estão nesses tubos teriam de ser criadas. 

O rosto de Kohler endureceu. 

- Vittoria, você não pode estar dizendo que esses tubos contêm espécimes de verdade? 

- Estou - e ela olhou com orgulho para os tubos. - Diretor, o senhor está diante dos primeiros espécimes do mundo de antimatéria. 

 

CAPÍTULO 20

Fase dois, pensou o Hassassin, caminhando a passos largos pelo túnel escuro. 

A tocha na mão dele era um exagero, ele sabia. Mas servia para causar efeito. Efeito era tudo. O medo, aprendera, era seu aliado. O medo mutila mais depressa do que qualquer implemento de guerra. 

Não havia nenhum espelho no caminho para ele apreciar seu disfarce, mas, pela sombra ondulante do manto, dava para perceber que estava perfeito. Misturar-se às pessoas fazia parte do plano, parte da depravação da intriga. Em seus sonhos mais loucos, jamais imaginara desempenhar aquele papel. 

Duas semanas antes, teria considerado a tarefa que o esperava no final daquele túnel como sendo impossível. Uma missão suicida. Entrar desarmado no covil do leão. Mas Janus transformara a definição de impossível. 

Os segredos que Janus partilhara com o Hassassin nas duas últimas semanas haviam sido muitos - aquele túnel era um deles. Antigo, mas ainda perfeitamente usável. 

À medida que se aproximava de seu inimigo, o Hassassin ponderava se o que o esperava lá dentro seria mesmo tão fácil quanto Janus prometera. Janus garantira que alguém no interior faria os arranjos necessários. Alguém no interior. Incrível. Quanto mais refletia, mais chegava à conclusão de que seria brincadeira de criança. 

Wahad... tintain... thalatha... arbaa, disse para si mesmo em árabe ao se aproximar do final. Um... dois... três... quatro...

 

CAPÍTULO 21

- Imagino que já tenha ouvido falar de antimatéria, não é, senhor Langdon? - Vittoria estudava-o, sua pele morena contrastando nitidamente com a brancura do laboratório. 

Langdon levantou a cabeça. Estava bastante zonzo. 

- Sim, isto é, mais ou menos. 

Um ligeiro sorriso aflorou-lhe aos lábios. 

- O senhor vê Jornada nas Estrelas. 

Langdon enrubesceu. 

- Bem, meus alunos gostam... - Ele franziu a testa. - Antimatéria é o combustível da Enterprise? 

Ela concordou com um gesto. 

- A boa ficção científica tem suas raízes na boa ciência. 

- Quer dizer que existe antimatéria? 

- Um fato da natureza. Tudo tem seu oposto. Os prótons têm os elétrons. Os up-quarks têm os down-quarks. Há uma simetria cósmica no nível subatômico. A antimatéria é o yin do yang da matéria. Equilibra a equação fisica. 

Langdon lembrou Galileu e sua crença na dualidade. 

- Os cientistas sabem desde 1918 - explicou ela - que dois tipos de matéria foram criados no Big-Bang. Um deles é o que vemos aqui na Terra, formando rochas, árvores, pessoas. O outro é o inverso, idêntico à matéria em todos os sentidos, exceto que as cargas de suas partículas são invertidas. 

Kohler falou como se emergisse de um nevoeiro, a voz instável. 

- Existem enormes barreiras tecnológicas para se armazenar antimatéria. E quanto à neutralização? 

- Meu pai criou um vácuo de polaridade inversa para puxar os pósitrons de antimatéria para fora do acelerador antes que se desintegrassem. 

Kohler objetou. 

- Mas o vácuo também puxaria a matéria para fora. Não haveria como separar as partículas. 

- Ele aplicou um campo magnético. A matéria arqueia-se para a direita, a antimatéria, para a esquerda. Têm polaridades opostas. 

Naquele instante, abriu-se uma brecha na muralha de dúvidas de Kohler. Ele levantou os olhos para Vittoria claramente espantado e, em seguida, foi tomado por um acesso de tosse.

- Ina... credi... tável - disse, enxugando a boca. - No entanto... - parecia que sua lógica ainda resistia -, mesmo que o vácuo funcionasse, esses tubos são feitos de matéria. A antimatéria não pode ser armazenada dentro de tubos feitos de matéria. A antimatéria reagiria de imediato com... 

- O espécime não está tocando o tubo - disse Vittoria, que já devia esperar a pergunta. - A antimatéria está suspensa. Os tubos são chamados de "armadilhas de antimatéria" porque literalmente prendem a antimatéria no centro do tubo, suspendendo-a a uma distância segura das laterais e do fundo. 

- Suspensa? Mas... como? 

- Na interseção de dois campos magnéticos. Venha, dê uma olhada aqui. 

Vittoria atravessou a sala e apanhou um grande aparelho eletrônico. Lembrou a Langdon uma espécie de pistola luminosa para projetar desenhos animados: um cano largo parecido com o de um canhão, um visor no topo e um emaranhado de dispositivos eletrônicos pendurado atrás. Vittoria alinhou o visor com um dos tubos, olhou pela lente e calibrou alguns botões. Depois, afastou-se para Kohler poder olhar. Este perguntou, pasmo: 

- Vocês coletaram porções visíveis? 

- Cinco mil nanogramas - respondeu Vittoria. - Plasma líquido contendo milhões de pósitrons. 

- Milhões? Mas umas poucas partículas foi tudo o que já se detectou... em qualquer lugar. 

- Xenônio - disse Vittoria, categórica. - Ele acelerou um feixe de partículas através de um jato de xenônio, separando os elétrons. Insistia em manter em segredo o procedimento exato, mas este implicava injetar simultaneamente elétrons puros no acelerador. 

Langdon estava perdido, tinha a impressão de que não falavam mais a mesma língua. 

Kohler parou, as linhas de sua testa aprofundando-se. Súbito, prendeu rapidamente a respiração e seus ombros se curvaram, como se tivesse sido atingido por uma bala. 

- Tecnicamente, isso deixaria... 

Vittoria sacudiu a cabeça. 

- É. Um bocado. 

Kohler voltou a atenção para o tubo diante dele. Vacilante, ergueu o corpo na cadeira e colocou um olho no visor. Ficou olhando durante muito tempo sem dizer palavra. Quando afinal se sentou, sua testa estava coberta de suor. As linhas em seu rosto haviam desaparecido. Sua voz era um sussurro. 

- Meu Deus... Você conseguiu mesmo.

Vittoria corrigiu-o. 

- Meu pai conseguiu. 

- Nem sei o que dizer. 

Vittoria virou-se para Langdon. 

- Gostaria de dar uma espiada? - E fez um gesto para o aparelho. 

Sem saber o que tinha pela frente, Langdon aproximou-se. A dois passos de distância, o tubo parecia vazio. O que quer que houvesse lá dentro, era diminuto. Ele encostou o olho no visor. Levou um instante até a imagem entrar em foco. 

Então, ele viu. O objeto não estava no fundo do recipiente como ele esperava, mas flutuando no meio, suspenso no ar, um glóbulo tremeluzente de um líquido parecido com mercúrio. Pairando como em um passe de mágica, o líquido agitava-se no espaço. Pequenas ondulações metálicas percorriam a superficie da gotícula. O fluido em suspensão trouxe à mente de Langdon um vídeo em que vira uma gota de água em gravidade zero. Mesmo sabendo que o glóbulo era microscópico, podia acompanhar cada mudança de forma à medida que a bola de plasma ia se movimentando vagarosamente. 

- Está flutuando - disse. 

- É bom que esteja - replicou Vittoria. - A antimatéria é altamente instável. Do ponto de vista energético, a antimatéria é a imagem espelhada da matéria, de modo que as duas instantaneamente se cancelam uma à outra se entram em contato. Manter a antimatéria isolada da matéria é sem dúvida um desafio, porque tudo na Terra é feito de matéria. As amostras têm de ser guardadas sem jamais tocarem qualquer coisa, até o ar. 

Langdon estava admirado. Imagine trabalhar no vácuo. 

- Esses recipientes da antimatéria - interrompeu Kohler, deslizando um dedo pálido em volta de uma das bases -, foi seu pai quem os projetou? 

- Não, na verdade, fui eu. 

Kohler encarou-a.

A voz dela soava despretensiosa. 

- Meu pai produziu as primeiras partículas de antimatéria, mas viu-se em apuros para armazená-las. Eu sugeri esses recipientes. Cápsulas herméticas nanocompósitas com eletromagnetos opostos em cada extremidade. 

- Parece que a genialidade de seu pai passou para você. 

- Na verdade, não. Tirei a idéia da natureza. As caravelas, ou águas-vivas, capturam peixes entre seus tentáculos usando cargas de líquido urticante de nematocistos. Temos o mesmo princípio aqui. Cada tubo tem dois eletroímãs, um em cada extremidade. Seus campos magnéticos opostos cruzam-se no centro do tubo e mantêm a antimatéria ali, suspensa no vácuo.

Langdon voltou-se mais uma vez para o tubo. Antimatéria flutuando no vácuo, sem tocar coisa alguma.

Kohler tinha razão. Era genial. 

- Onde está a fonte de energia para os ímãs? - perguntou Kohler. 

Vittoria apontou. 

- Na coluna que fica embaixo de cada tubo. Os tubos são aparafusados em módulos de acoplamento que os recarregam continuamente, de modo que os magnetos nunca param de funcionar. 

- E se o campo magnético parar de funcionar? 

- Acontece o óbvio. A antimatéria cai, atinge o fundo do tubo e dá-se um aniquilamento. 

Langdon apurou os ouvidos e repetiu:

- Aniquilamento? - A palavra não lhe soava nada bem. 

Vittoria não demonstrava preocupação. 

- Sim. Se a antimatéria e a matéria entram em contato uma com a outra, ambas são destruídas instantaneamente. Os físicos chamam a esse processo de aniquilamento, ou desmaterialização. 

-Ah. 

- É a reação mais simples da natureza, uma partícula de matéria e uma partícula de antimatéria combinam-se para liberar duas novas partículas, chamadas fótons. Um fóton é na verdade uma diminuta chispa de luz. 

Langdon já lera sobre fótons - partículas de luz -, a mais pura forma de energia. Resolveu não perguntar sobre o uso de torpedos de fótons pelo capitão Kirk contra os Klingons. 

- Então, se a antimatéria cair, vemos uma minúscula centelha de luz? 

- Depende do que chama de minúscula. Veja, vou mostrar como é. 

E ela começou a desatarrachar um dos tubos da coluna condutora de eletricidade que o mantinha carregado. 

Kohler deu um grito apavorado e atirou-se para a frente, empurrando as mãos dela. 

- Vittoria! Você enlouqueceu?! 

 

CAPÍTULO 22

Kohler, por incrível que pudesse parecer, ficou de pé por um momento, cambaleando nas duas pernas atrofiadas. Seu rosto estava branco de medo.

- Vittoria! Você não pode tirar esse tubo daí! 

O pânico repentino do diretor assustou Langdon. 

- Quinhentos nanogramas! - exclamou Kohler. - Se você interromper o campo magnético... 

- Diretor - Vittoria tranqüilizou-o -, é totalmente seguro. Cada tubo tem um dispositivo de segurança, uma bateria própria para o caso de ser removido de seu recarregador. O espécime continua em suspensão mesmo que eu tire o tubo da coluna. 

Kohler não parecia muito convencido. Depois, hesitante, instalou-se de volta na cadeira. 

- As baterias são ativadas automaticamente - continuou Vittoria - quando o tubo é retirado do recarregador.

Funcionam durante 24 horas. Como um tanque de reserva de gasolina. - Ela se virou para Langdon, percebendo sua preocupação. - A antimatéria tem algumas características surpreendentes, senhor Langdon, que a tornam um bocado perigosa. Calcula-se que uma amostra de dez miligramas, do tamanho de um grão de areia, contenha tanta energia quanto umas 200 toneladas de combustível comum de foguetes. 

A cabeça de Langdon estava girando outra vez. 

- É a fonte de energia do futuro. Mil vezes mais poderosa do que a energianuclear. Cem por cento eficiente. Sem produzir derivados, subprodutos. Sem produzir radiação. Sem produzir poluição. Alguns gramas bastariam para suprir de energia uma grande cidade durante uma semana. 

Gramas? Langdon recuou alguns passos, inquieto. 

- Não se preocupe - repetiu Vittoria. - Essas amostras são frações minúsculas de um grama, milionésimos.

Relativamente inofensivas. - Ela estendeu a mão novamente para o tubo e desencaixou-o de sua plataforma de recarregamento. 

Kohler estremeceu ligeiramente, mas não interferiu. Quando o tubo foi solto, ouviu-se um bipe agudo e acendeu-se um pequeno mostrador luminoso perto da sua base. Os dígitos vermelhos piscavam, em uma contagem regressiva de 24 horas.

 

24:00:00... 

23:59:59... 

23:59:58...

 

Inquietante como uma bomba-relógio, pensou Langdon, acompanhando a seqüência descendente dos números. 

- A bateria - explicou Vittoria - vai funcionar durante 24 horas completas antes de acabar. Para recarregá-la, basta colocar o tubo de volta no lugar. Foi projetada como medida de segurança, mas também é conveniente para transporte.

- Transporte? - Kohler parecia ter sido fulminado por um raio. - Você leva isso para fora do laboratório? 

- Claro que não - disse Vittoria. - Mas a mobilidade nos permite estudá-lo. 

Vittoria levou os dois para a extremidade da sala, puxou uma cortina atrás da qual havia uma janela, que por sua vez revelou um amplo quarto. As paredes, o piso e o teto haviam sido inteiramente revestidos de aço. Langdon lembrou-se do tanque de um petroleiro em que viajara para Papua, Nova Guiné, para estudar a pintura corporal Hanta. 

- É um tanque de aniquilamento - declarou Vittoria. 

Kohler levantou a cabeça. 

- Você consegue observar de fato os aniquilamentos? 

- Meu pai era fascinado pela física do Big-Bang. Uma enorme quantidade de energia vinda de minúsculos grãos de matéria. - Vittoria puxou uma gaveta de aço embutida sob a janela. Colocou o tubo dentro dela e fechou-a. Em seguida, moveu uma alavanca ao lado da gaveta. Logo depois, o tubo apareceu do outro lado do vidro, deslizando suavemente em um amplo movimento circular pelo chão de metal até parar perto do centro do aposento. 

Vittoria deu um sorriso tenso. 

- Vocês estão prestes a assistir a seu primeiro aniquilamento matéria-anti- matéria. Alguns milionésimos de grama. Uma amostra relativamente minúscula. 

Langdon olhou para o tubo de antimatéria pousado no chão do enorme tanque. Kohler também se virou para a janela, com ar de incerteza. 

- Normalmente - explicou Vittoria -, teríamos de esperar as 24 horas completas até a bateria acabar, mas esta câmara tem ímãs sob o piso que podem anular o efeito da bateria, fazendo a antimatéria sair do estado de suspensão. E, quando matéria e antimatéria se tocam... 

- Aniquilamento - murmurou Kohler. 

- Mais uma coisa - disse ela. - A antimatéria libera energia pura. É 100 por cento de conversão de massa em fótons. Por isso, não olhem diretamente para a amostra. Protejam os olhos. 

Langdon costumava ser cuidadoso, mas achou que Vittoria estava sendo teatral demais. Não olhem direto para a amostra! O tubo encontrava-se a mais de 30 metros de distância, atrás de uma parede de plexiglas fumê. Além do mais, a partícula nem se enxergava dentro do tubo, invisível, microscópica.

Proteger meus olhos? O quanto de energia aquele grãozinho poderia... 

Vittoria apertou um botão. 

E a claridade cegou Langdon instantaneamente. Um ponto brilhante de luz cintilou no tubo e depois explodiu para fora em uma onda de choque de luz que se irradiou em todas as direções, indo de encontro à janela diante dele com uma força tremenda. Ele recuou quando a detonação sacudiu a câmara. A luz ofuscou por um momento, incandescente, cortante, e depois se recolheu depressa, absorvendo-se em si mesma e transformando-se em um cisco diminuto que desapareceu, virou um nada. Langdon piscou, com dor, aos poucos recuperando a visão. Apertou os olhos. O tubo que estivera no chão desaparecera completamente. Evaporara-se. Não havia sequer vestígio dele. 

Boquiaberto, ele exclamou: 

-D... Deus! 

Vittoria balançou tristemente a cabeça. 

- Era exatamente o que meu pai dizia. 

 

CAPÍTULO 23

Kohler estava voltado para a câmara de aniquilamento, completamente embasbacado com o espetáculo que acabara de presenciar. Ao lado dele, Robert Langdon parecia ainda mais estupefato. 

- Quero ver meu pai - exigiu Vittoria. - Já lhe mostrei o laboratório. Agora, quero ver meu pai. 

Kohler virou-se devagar, aparentemente não a escutando. 

- Por que esperaram tanto, Vittoria? Você e seu pai deveriam ter-me contado logo sobre essa descoberta. 

Vittoria encarou-o. Quantas razões quer que eu apresente? 

- Diretor, podemos falar sobre isso mais tarde. Neste momento, quero ver meu pai. 

- Sabe o que essa tecnologia implica? 

- Claro - respondeu ela, ríspida. - Dinheiro para o CERN. Muito. Agora, quero... 

- Foi por isso que mantiveram segredo? - perguntou Kohler, claramente tentando fazê-la engolir a isca. - Porque temiam que o conselho e eu votássemos para que fosse licenciada? 

- Deveria ser licenciada -Vittoria disparou de volta, sentindo-se obrigada a discutir. - A antimatéria é uma tecnologia importante. Mas também é perigosa. Meu pai e eu queríamos tempo para aperfeiçoar os procedimentos e torná-la segura.

- Ou seja, vocês não confiaram que o conselho de diretores colocasse a ciência prudente antes da ganância financeira. 

Vittoria surpreendeu-se com a indiferença no tom de voz dele. 

- Havia ainda outras questões a considerar - disse ela. - Meu pai e eu queríamos apresentar a antimatéria sob uma luz adequada. 

- O que quer dizer, exatamente...? 

O que ele acha que quero dizer? 

- Matéria vinda da energia? Algo vindo do nada? É praticamente uma prova de que o Gênese é uma possibilidade científica. 

- Então, seu pai não queria que as implicações da descoberta se perdessem em uma investida furiosa de comercialismo? 

- De certa forma, é isso mesmo. 

- E você? 

As preocupações dela, ironicamente, eram um tanto contrárias. O comercialismo era crucial para o sucesso de qualquer nova fonte de energia. Embora a antimatéria tivesse um tremendo potencial como fonte de energia eficiente e não-poluente, se fosse divulgada prematuramente corria o risco de ser difamada pelos políticos e sofrer os mesmos fracassos de relações públicas que haviam arrasado com as energias nuclear e solar. A energia nuclear proliferara antes de se tornar segura, e tinham acontecido acidentes. A energia solar proliferara antes de se tornar eficiente e muita gente perdera dinheiro. As duas tecnologias haviam adquirido má reputação e murchado antes de serem colhidas. 

- Meus interesses - disse Vittoria - eram um pouco menos elevados do que o de unir ciência e religião. 

- O meio ambiente - sugeriu Kohler, confiante. 

- Energia ilimitada. O fim da mineração de carvão de superficie. O fim da poluição. Da radiação. A tecnologia da antimatéria poderia salvar o planeta. 

- Ou destruí-lo - objetou Kohler, sarcástico. - Dependendo de quem o usasse e para quê. - Uma frieza emanava das formas aleijadas de Kohler. 

- Quem mais sabia disso? - perguntou ele. 

- Ninguém - Vittoria responde. - Já lhe disse. 

- Então, por que acha que mataram seu pai? 

Os músculos de Vittoria se retesaram. 

- Não tenho a menor idéia. Ele tinha inimigos aqui no CERN, como sabe, mas não poderia haver nenhuma ligação com a antimatéria. Juramos um ao outro manter sigilo durante mais alguns meses até estarmos devidamente preparados. 

- E você tem certeza de que seu pai manteve esse voto de silêncio? 

Vittoria zangou-se.

- Meu pai soube manter votos mais dificeis do que esse! 

- E você não contou a ninguém? 

- Claro que não! 

Kohler deixou escapar um suspiro. Fez uma pausa, como se tivesse escolhendo as palavras seguintes com cuidado. 

- Vamos supor que alguém tenha descoberto. E que tenha conseguido entrar no laboratório. O que você imagina que essa pessoa poderia querer? Seu pai guardava anotações aqui embaixo? Alguma documentação sobre o processo criativo? 

- Diretor, fui muito paciente. Preciso de algumas respostas agora. O senhor continua falando sobre uma invasão do laboratório mesmo tendo visto o scanner de retina. Meu pai era muito atento à segurança e ao sigilo. 

- Seja um pouco mais tolerante comigo - replicou Kohler, espantando-a.

- O que poderia estar faltando? 

- Não tenho noção. - Irritada, Vittoria correu os olhos pelo laboratório. Conferiu todas as amostras de antimatéria. A área de trabalho de seu pai parecia em ordem. - Ninguém entrou aqui - declarou ela. - Tudo aqui em cima parece estar bem. 

Kohler ficou surpreso. 

- Aqui em cima? 

Vittoria falara sem pensar. 

- É, aqui no laboratório de cima. 

- Vocês estão usando o laboratório de baixo também? 

- Para armazenamento. 

Kohler deslizou sua cadeira na direção dela, tossindo outra vez. 

- Você está usando a câmara Haz-Mat para armazenamento? Armazenamento de quê? 

Material perigoso, ora essa! Vittoria estava perdendo a paciência. 

- Antimatéria. 

Kohler ergueu o corpo apoiando-se nos braços de sua cadeira. 

- Existem outros espécimes? Por que diabos não me disse? 

- Estou dizendo agora - rebateu ela. - E o senhor mal me deu uma oportunidade! 

- Temos de verificar esses espécimes - disse Kohler. - Agora. 

- Esse espécime - corrigiu Vittoria. - No singular. E o espécime está bem guardado. Ninguém jamais poderia... 

- Só um? - Kohler hesitou. - E por que não está aqui em cima? 

- Meu pai queria que ficasse sob o leito de rocha como precaução. É maior do que os outros.

Os olhares alarmados que Langdon e Kohler trocaram não passaram despercebidos por Vittoria. Kohler aproximou-se novamente dela: 

- Vocês criaram um espécime maior do que o de quinhentos nanogramas? 

- Foi necessário - justificou Vittoria. - Tínhamos de provar que o limiar de subsídio/rendimento poderia ser cruzado com segurança. 

Segundo ela, a questão principal relacionada a novas fontes de combustível era sempre a de subsídio versus rendimento, ou seja, quanto dinheiro era preciso gastar para obter o combustível. Instalar uma perfuratriz de petróleo para produzir um único barril seria um empreendimento perdido. Entretanto, se essa mesma perfuratriz, com um acréscimo mínimo de despesa, conseguisse produzir milhões de barris, então o negócio valeria a pena. O mesmo se aplicava à antimatéria. Ativar 25 quilômetros de eletromagnetos para criar um espécime diminuto de antimatéria gastava mais energia do que a antimatéria produzida continha.

Para provar que a antimatéria era eficiente e viável, fora necessário criar espécimes de tamanho maior. 

O pai de Vittoria relutara em criar um grande espécime, mas ela insistira muito que o fizesse. Argumentava que, para a antimatéria ser levada a sério, eles teriam de provar duas coisas: que era possível produzir quantidades que tornariam o custo compensador e que os espécimes poderiam ser armazenados com segurança. No final, ela vencera e o pai concordara a contragosto. Entretanto, não sem determinar algumas diretrizes firmes com relação a sigilo e acesso. A antimatéria, seu pai fizera questão, ficaria guardada em Haz-Mat - uma pequena cavidade de granito localizada a uns 30 metros mais abaixo do solo. Aquele espécime seria seu segredo particular. E só os dois teriam acesso a ele. 

- Vittoria? - insistiu Kohler, a voz tensa. - De que tamanho é esse espécime que você e seu pai criaram? 

Vittoria sentiu um estranho prazer. Sabia que a quantidade iria chocar até mesmo o grande Maximilian Kohler. Visualizou a antimatéria lá embaixo. Uma imagem incrível. Suspensa dentro do tubo, perfeitamente visível a olho nu, dançava uma diminuta esfera de antimatéria. Não se tratava dessa vez de um grão microscópico. Era uma gotícula do tamanho de uma bateria BB. 

Vittoria respirou fundo. 

- Tem 250 miligramas. 

O sangue fugiu do rosto de Kohler. 

- O quê! - Ele teve um acesso de tosse. - Duzentos e cinqüenta miligramas? Isso se converte em... quase cinco quilotons! 

Quilotons. Vittoria detestava aquela palavra. Ela e o pai nunca a usavam. Um quiloton era igual a 1.000 toneladas de TNT. Quilotons eram para armas.

Mísseis. Poder destrutivo. Vittoria e seu pai só falavam de elétron-volts e joules, produção construtiva de energia. 

- Essa quantidade de antimatéria pode literalmente liquidar tudo em um raio de quase um quilômetro! - exclamou Kohler. 

- Sim, se for aniquilada toda de uma vez - revidou Vittoria -, o que ninguém jamais fará! 

- Exceto quem não tenha conhecimento disso! Ou se as suas baterias falharem! 

Kohler já se dirigia para o elevador. 

- Razão por que meu pai a mantinha em Haz-Mat com dispositivos de energia à prova de falhas e um sistema de segurança a mais. 

Kohler virou-se, esperançoso. 

- Vocês têm segurança adicional em Haz-Mat? 

- Sim, um segundo scanner de retina. 

Kohler só pronunciou três palavras. 

- Vamos descer. Agora. 

O elevador de carga despencou como uma pedra mais trinta metros para dentro da terra. 

Vittoria percebeu que havia medo nos dois homens à medida que o elevador descia. O rosto habitualmente impassível de Kohler estava retesado. Eu sei que o espécime é enorme, pensou ela, mas as precauções que tomamos são... 

Chegaram ao fundo. 

O elevador se abriu e Vittoria saiu na frente pelo corredor mal iluminado. Adiante, o corredor terminava em uma grande porta de aço. Haz-Mat. O scanner de retina era idêntico ao do andar de cima. Ela se aproximou.

Com cuidado, alinhou seu olho com a lente. 

E recuou. Algo estava errado. A lente em geral imaculada estava respingada, manchada com alguma coisa que se parecia com.., sangue? Confusa, ela se virou para os dois homens e deu com seus rostos cor de cera. Tanto Kohler quanto Langdon estavam pálidos, os olhos fixos no chão perto dos pés dela. 

Vittoria acompanhou a direção do olhar deles... 

- Não! - gritou Langdon, inclinando-se para ela. Mas era tarde demais. 

A visão de Vittoria ficou presa ao objeto no chão. Era-lhe ao mesmo tempo totalmente estranho e intimamente familiar. 

Levou apenas um instante. 

Então, com uma sensação vertiginosa de horror, ela soube o que era.

Olhando-a do chão, atirado ali como se fosse lixo, havia um globo ocular. Ela teria reconhecido aquele tom de castanho em qualquer lugar. 

 

CAPÍTULO 24

O técnico de segurança prendeu a respiração quando seu chefe se inclinou por cima de seu ombro, examinando a bancada de monitores de vigilância diante dos dois. Passou-se um minuto. 

O silêncio do chefe era de se esperar, disse o técnico para si mesmo. O chefe era um homem que seguia rigidamente o protocolo. Não chegara ao comando de uma das forças de segurança de elite do mundo por falar primeiro e pensar depois. 

Mas o que ele estaria pensando? 

O objeto que eles observavam no monitor era um tipo de tubo, um cilindro com laterais transparentes. Até aí, era fácil. O resto é que era difícil. 

Dentro do recipiente, como se por algum efeito especial, uma pequena gota de líquido metálico parecia flutuar no vazio. A gotícula aparecia e desaparecia com o piscar da luz vermelha robótica de um mostrador digital marcando uma contagem resolutamente descendente, o que fazia o técnico se arrepiar todo. 

- Dá para clarear o contraste? - perguntou o comandante, fazendo o técnico sobressaltar-se. 

O técnico seguiu a instrução e a imagem clareou um pouco. O comandante curvou-se para a frente, fixando os olhos em algo que acabara de se tornar visível na base do recipiente. 

O técnico acompanhou o olhar de seu chefe. Quase indistinto, impresso ao lado do mostrador, havia um acrônimo. Quatro letras maiúsculas brilhavam nos fachos intermitentes de luz. 

- Fique aqui - determinou o comandante. - Não diga nada a ninguém. Eu cuido disso.

 

CAPÍTULO 25

Haz-Mat. Cinqüenta metros abaixo do solo. 

Vittoria Vetra cambaleou para a frente, quase indo de encontro ao scanner. Percebeu que o americano se precipitava para ajudá-la, para ampará-la. No chão a seus pés, o globo ocular de seu pai estava voltado para cima. Ela sentiu a pressão nos pulmões, o ar escapando. Arrancaram o olho dele! Seu mundo girava em um redemoinho. Kohler falava perto dela, pressionando-a. Langdon guiava-a. Como em um sonho, viu-se olhando no scanner de retina. O mecanismo emitiu um bipe. 

A porta deslizou e se abriu. 

Mesmo com o terror do olho do pai assombrando sua alma, Vittoria pressentiu que um outro motivo de terror a esperava lá dentro. Quando ergueu o olhar anuviado para o interior do aposento, confirmou-se o capítulo seguinte do pesadelo. A solitária coluna de recarga encontrava-se vazia. 

O tubo que ficava acoplado à coluna se fora. Haviam cortado o olho de seu pai para roubá-lo. As implicações vieram depressa demais para que ela as compreendesse por completo. Tudo resultara contrário ao esperado. O espécime destinado a provar que a antimatéria era uma fonte de energia segura e viável havia sido roubado. Mas ninguém sequer sabia que esse espécime existia! A verdade, contudo, era irrefutável. Alguém descobrira. Ela não conseguia imaginar quem poderia ser. Até Kohler, que, dizia-se, sabia de tudo no CERN, claramente desconhecia a existência do projeto. 

Seu pai estava morto. Assassinado por ser um gênio. 

Enquanto a dor apertava seu coração, uma nova emoção tomava forma na consciência de Vittoria. Muito pior. Esmagadora. Mortificando-a. Essa emoção era a culpa. Culpa incontrolável, implacável. Havia sido ela quem convencera o pai a criar o espécime. A contragosto. E ele morrera por causa disso. 

Um quarto de grama... 

Como qualquer tecnologia - o fogo, a pólvora, o motor de combustão -, nas mãos erradas, a antimatéria podia ser nefasta. Muito nefasta. A antimatéria era uma arma letal. Potente e incontrolável. Uma vez removida de sua plataforma de recarga no CERN, começaria a inexorável marcação regressiva no contador.

Seria como um trem desgovernado. 

E quando o tempo se esgotasse... 

Uma luz cegante. O rugido de um trovão. Incineração espontânea. Apenas o clarão... e uma cratera vazia.

Uma imensa cratera vazia.

A imagem da serena genialidade de seu pai sendo usada como ferramenta de destruição era como um veneno em seu sangue. A antimatéria era a arma terrorista por excelência. Não possuía peças de metal a serem identificadas por detetores de metal, não continha elementos químicos que pudessem ser rastreados por cães, não tinha detonador a ser desativado se as autoridades localizassem o recipiente. A contagem regressiva começara. 

Langdon não sabia mais o que fazer. Pegou seu lenço e cobriu com ele o olho de Leonardo Vetra no chão.

Vittoria parara na entrada da câmara Haz-Mat, no rosto uma uma mistura de sofrimento e pânico. Langdon dirigiu-se instintivamente para ela outra vez, mas Kohler interveio. 

- Senhor Langdon? - disse ele, a face inexpressiva. Fez sinal para que Langdon se afastasse para não serem ouvidos. O outro seguiu-o relutante, deixando Vittoria entregue a si mesma. - O senhor é o especialista - disse Kohler, em um sussurro enfático. - Quero saber o que esses desgraçados desses Iliuminati pretendem fazer com a antimatéria. 

Langdon tentou se concentrar. A despeito de toda a loucura a seu redor, sua primeira reação foi lógica.

Rejeição acadêmica. Kohler ainda estava fazendo suposições, suposições impossíveis. 

- Os Iliuminati estão extintos, senhor Kohler, eu lhe garanto. Esse crime poderia ter qualquer explicação, talvez um outro funcionário do CERN tenha descoberto algo sobre o trabalho do senhor Vetra e achado que o projeto seria perigoso demais para prosseguir. 

Kohler admirou-se. 

- O senhor acredita que esse seja um crime de consciência, senhor Langdon? Absurdo. Quem matou Leonardo Vetra queria apenas uma coisa: a amostra de antimatéria. E sem dúvida tem planos de usá-la. 

- Quer dizer, terrorismo. 

- Com certeza. 

- Mas os Iliuminati não eram terroristas. 

- Diga isso a Leonardo Vetra. 

Havia um fundo de verdade na afirmação. Leonardo Vetra fora de fato marcado a ferro em brasa com o símbolo dos Illuminati. De onde viera aquilo? A marca sagrada seria uma mistificação difícil demais para ser usada por alguém que quisesse despistar lançando as suspeitas em outro lugar. Deveria haver uma outra

explicação.

Mais uma vez, Langdon se viu forçado a considerar o implausível. Se os Iliuminati ainda estivessem ativos e se tivessem roubado a antimatéria, qual seria a sua intenção? Qual seria o seu alvo? A resposta que sua mente forneceu foi instantânea. Langdon descartou-a igualmente depressa. É verdade que os Iliuminati tinham um inimigo óbvio, mas um ataque terrorista em larga escala a esse inimigo era inconcebível. E em total desacordo com o caráter da fraternidade. Sim, os Iliuminati haviam matado pessoas, mas indivíduos, alvos cuidadosamente escolhidos. Destruição em massa, de certa forma, era algo mais grosseiro. Langdon fez uma pausa. Entretanto, refletiu, haveria uma eloqüência majestosa naquilo, a antimatéria, proeza científica definitiva, sendo usada para fazer desaparecer... 

Recusava-se a aceitar aquele pensamento absurdo. E disse subitamente: 

- Existe uma explicação lógica além do terrorismo. 

Kohler esperou que ele continuasse. 

Langdon procurou pôr em ordem o raciocínio. Os Iliuminati sempre haviam exercido um poder extraordinário utilizando-se de recursos financeiros. Eles controlavam bancos. Guardavam lingotes de ouro e prata. Dizia-se inclusive que possuíam a pedra preciosa mais valiosa do mundo, o Diamante Iliuminati, um diamante de grandes proporções, absolutamente perfeito. 

- Dinheiro - disse Langdon. - A antimatéria pode ter sido roubada para a obtenção de ganho financeiro. 

Kohler demonstrou incredulidade. 

- Ganho financeiro? Onde se pode vender uma gotícula de antimatéria? 

- Não a amostra - rebateu Langdon. - A tecnologia. A tecnologia da anti- matéria deve valer uma fábula.

Talvez alguém a tenha roubado para analisá-la e fazer P&D - Pesquisa e Desenvolvimento. 

- Espionagem industrial? Aquele tubo vai durar só 24 horas até as baterias acabarem. Os pesquisadores explodiriam antes de conseguirem descobrir qualquer coisa. 

- Poderiam recarregá-las antes que explodissem. Poderiam construir uma plataforma compatível de recarregamento, igual às daqui do CERN. 

- Em 24 horas? - desafiou Kohler - Mesmo que roubassem o projeto, um recarregador como aquele levaria meses para ser construído, não horas! 

- Ele tem razão - disse Vittoria, a voz fraca. 

Os dois homens se viraram. Vittoria aproximava-se, os passos tão trêmulos quanto suas palavras. 

- Ele tem razão. Ninguém conseguiria projetar e construir um recarregador como aquele a tempo. Só a interface levaria semanas. Filtros de fluxo, sistemas de servocontrole das bobinas, ligas condicionadoras de força, todos calibrados para o grau de energia específico da peça. 

Langdon franziu o cenho. Não havia mais o que discutir. A peça que continha a antimatéria não podia ser simplesmente ligada a uma tomada na parede. Uma vez removido do CERN, o tubo especial iniciava uma viagem de ida sem volta, uma viagem de 24 horas rumo ao fim, ao esquecimento. 

O que deixava apenas uma conclusão muito perturbadora. 

- Precisamos chamar a Interpol - disse Vittoria. Até para si mesma, sua voz soava distante. - Temos de chamar as autoridades competentes. Agora, já. 

Kohler meneou a cabeça. 

- De jeito nenhum. 

Essas palavras atordoaram-na. 

- Por que não? 

- Você e seu pai puseram-me em uma situação muito difícil. 

- Diretor, precisamos de ajuda. Temos de encontrar aquele tubo e trazê-lo de volta para cá antes que alguém se machuque. É nossa responsabilidade! 

- Temos a responsabilidade de pensar - disse Kohler, com dureza na voz. 

- Esta situação pode ter repercussões muito, muito sérias para o CERN. 

- Está preocupado com a reputação do CERN? Sabe o que aquele material poderia fazer com uma área urbana? Tem um raio de explosão de oitocentos metros! Nove quarteirões! 

- Talvez você e seu pai devessem ter levado isso em consideração antes de criarem o espécime. 

Vittoria teve a sensação de estar sendo apunhalada. 

Mas... nós tomamos todas as precauções. 

- Ao que tudo indica, não foram suficientes. 

- E ninguém sabia da existência da antimatéria. 

Ela se deu conta, evidentemente, de que aquele argumento era absurdo. Claro que alguém soubera.

Alguém descobrira. 

Vittoria não contara a ninguém. Restavam então apenas duas explicações. Ou seu pai fizera confidências a alguém sem dizer nada a ela, o que não fazia sentido porque havia sido ele quem exigira que jurassem segredo, ou ela e o pai haviam sido monitorados. Quem sabe, pelo telefone celular? Eles haviam falado um com o outro algumas vezes enquanto Vittoria estava viajando. Teriam falado demais? Era possível. Havia também os e-mails de ambos. Mas eles haviam sido discretos, não é? O sistema de segurança do CERN? Teriam sido monitorados sem que soubessem? 

Nada daquilo importava mais. O que fora feito estava feito. Meu pai está morto. 

O pensamento incitou-a a agir. Tirou o telefone celular do bolso do short. 

Kohler acelerou a cadeira em sua direção, tossindo violentamente, os olhos faiscando de raiva. 

- Quem você está chamando? 

- A mesa telefônica do CERN. Eles podem nos ligar com a Interpol. 

- Pense! - Kohler esgasgou-se, a cadeira freando com um guincho na frente dela. - Será que é assim tão ingênua? Aquele tubo pode estar em qualquer lugar do mundo agora! Nenhum serviço secreto vai ser capaz de se mobilizar para encontrá-lo a tempo. 

- Então não fazemos nada? - Vittoria sentia remorsos por desafiar um homem de saúde tão frágil, mas o diretor estava de tal maneira fora dos eixos que ela não o reconhecia mais. 

- Fazemos o que é mais inteligente - disse Kohler. - Não colocamos a reputação do CERN em risco envolvendo autoridades que de qualquer modo não podem ajudar. Ainda não. Não sem antes pensar. 

Vittoria admitia que havia uma certa lógica na argumentação dele, mas sabia que a lógica, por definição, era destituída de responsabilidade moral. Seu pai vivera pela responsabilidade moral: ciência cautelosa, compromisso de prestar contas, fé na bondade inerente do homem. Vittoria também acreditava nestas coisas, mas as via em termos de carma. Afastou-se de Kohler e abriu o telefone com um gesto rápido. 

- Você não pode fazer isso - ele disse. 

- Tente me impedir. 

Ele não saiu do lugar. 

No instante seguinte, Vittoria percebeu por quê. Àquela profundidade, o celular não tinha sinal. 

Furiosa, ela seguiu para o elevador.

 

CAPÍTULO 26

O Hassassin encontrava-se no fim do túnel de pedra. Sua tocha ainda ardia, a fumaça misturando-se com o cheiro de musgo e de ar parado. O silêncio o rodeava. A porta de ferro que lhe fechava o caminho parecia tão velha quanto o próprio túnel, enferrujada mas ainda firme. Ele esperou na penumbra, confiante. 

Estava quase na hora. 

Janus prometera que alguém lá de dentro abriria a porta. O Hassassin estava encantado com aquela traição. Teria esperado a noite inteira diante da porta para realizar sua tarefa, mas pressentia que isso não seria necessário. Estava trabalhando para homens determinados. 

Minutos depois, precisamente à hora combinada, ouviu o ruído alto de chaves pesadas entrechocando-se do outro lado. O atrito do metal contra o metal à medida que múltiplas fechaduras se desencaixavam. Uma a uma, três imensas cavilhas rangeram, abrindo-se. As dobradiças estalavam, pois não tinham sido usadas durante séculos. Por fim, tudo foi destrancado. 

Então, fez-se silêncio. 

O Hassassin esperou, paciente, os cinco minutos, exatamente como lhe haviam dito que fizesse.

Depois, com eletricidade correndo-lhe no sangue, ele deu um empurrão. A grande porta se abriu. 

 

CAPÍTULO 27

- Vittoria, não vou permitir! - Kohler respirava com dificuldade e foi piorando enquanto o elevador subia. 

Vittoria isolou-se dele. Ansiava por um refúgio, por algo familiar naquele local que não se parecia mais com sua casa. Sabia que não poderia ser. Naquele momento, precisava engolir a tristeza e agir. Procure um telefone. 

Robert Langdon encontrava-se a seu lado, silencioso como sempre. Vittoria desistira de tentar adivinhar quem seria ele. Um especialista? Kohler não poderia ter sido menos preciso. O senhor Langdon pode nos ajudar a encontrar O assassino de seu pai. Langdon não estava ajudando em nada. Sua cordialidade e bondade pareciam bastante genuínas, mas era evidente que estava escondendo alguma coisa. Os dois homens estavam. 

Kohler investiu contra ela outra vez. 

- Como diretor do CERN, tenho responsabilidades com o futuro da ciência. Se você ampliar isto, transformar a situação em um incidente internacional e o CERN for afetado... 

- Futuro da ciência? - Vittoria voltou-se para ele. - O senhor realmente planeja deixar de prestar contas e não admitir que a antimatéria saiu do CERN? Pretende ignorar a vida das pessoas que pusemos em perigo? 

- Nós não pusemos - contra-atacou Kohler. - Você, você e seu pai, sim. 

Vittoria virou o rosto para o lado. 

- E no que se refere a vidas em perigo - completou Kohler -, a própria vida é que está em questão. Você sabe que a tecnologia da antimatéria tem enormes implicações para a vida neste planeta. Se o CERN falir, destruído por um escândalo, todos saem perdendo. O futuro do homem está nas mãos de organizações como o CERN, de cientistas como você e seu pai, que trabalham para resolver os problemas do amanhã. 

Vittoria já escutara antes as teorias de Kohler a respeito de Deus e a Ciência, e nunca as engolira. A própria ciência causava a metade dos problemas que tentava resolver. O "Progresso" era a derradeira doença maligna da Mãe Terra. 

- O avanço científico traz riscos - argumentava Kohler. - Sempre trouxe. 

Programas espaciais, pesquisa genética, medicina, todos cometem erros. A ciência precisa sobreviver a seus próprios enganos e a qualquer custo. Para o bem de todos. 

Vittoria constatou a notável capacidade de Kohler para ponderar questões morais com imparcialidade científica. O intelecto dele parecia ser o produto de um gélido divórcio com seu próprio espírito interior. 

- O senhor acredita que o CERN seja tão crucial para o futuro da Terra que deva ficar imune a responsabilidades morais? 

- Não me venha falar de moral. Você passou dos limites quando criou aquele espécime e botou todas as nossas instalações em risco. Estou tentando proteger não só os empregos dos três mil cientistas que trabalham aqui, como também a reputação de seu pai. Pense nele. Um homem como seu pai não merece ser lembrado como o criador de uma arma de destruição em massa. 

Ele atingira o alvo certo. Fui eu quem convenceu meu pai a criar aquele espécime. A culpa de tudo isso é minha!

Quando a porta se abriu, Kohler ainda estava falando. Vittoria saiu do elevador, pegou seu telefone e tentou de novo. 

Nada de sinal. Droga! Ela se encaminhou para a porta. 

- Vittoria, pare. - A respiração do diretor soava mais asmática enquanto ele acelerava sua cadeira atrás da moça. - Vá mais devagar. Precisamos falar. 

- Basta di parlare! 

- Pense em seu pai - insistiu Kohler. - O que ele faria? 

Ela continuou andando. 

- Vittoria, não fui totalmente sincero com você. 

Ela diminuiu o ritmo. 

- Não sei o que eu estava pensando - disse Kohler -, só queria proteger você. Diga o que quer. Temos de trabalhar juntos nesta questão. 

Vittoria parou perto do laboratório mas não se virou. 

- Quero encontrar a antimatéria. E quero saber quem matou meu pai. 

Ela ficou esperando. Kohler suspirou. 

- Nós já sabemos quem matou seu pai. Sinto muito. 

Surpresa, ela se virou para ele. 

- Vocês o quê? 

- Eu não sabia como contar a você. É difícil... 

- Vocês sabem quem matou meu pai? 

- Temos uma noção, sim. O assassino deixou uma espécie de cartão de visitas. Foi por isso que chamei o senhor Langdon. O grupo que assumiu a autoria do crime é a especialidade dele. 

- O grupo? Um grupo terrorista? 

- Vittoria, eles roubaram duzentos e cinqüenta miligramas de antimatéria. 

Vittoria olhou para Robert Langdon ali perto, parado. Tudo começou a se encaixar. Isto explica o sigilo.

Como não lhe ocorrera antes? Kohler então havia chamado as autoridades, afinal. As autoridades. Agora, parecia óbvio. Robert Langdon era norte-americano, de boa aparência, conservador, provavelmente muito sagaz. Quem mais ele poderia ser? Ela deveria ter adivinhado desde o começo. Sentiu uma renovada esperança ao se dirigir a ele. 

- Senhor Langdon, quero saber quem matou meu pai. E também se sua agência pode encontrar a antimatéria. 

Langdon ficou embaraçado. 

- Minha agência? 

- O senhor é do serviço secreto americano, suponho.

- Na realidade.., não, não sou. 

Kohler interveio. 

- O senhor Langdon é professor de História da Arte na Universidade de Harvard. 

A informação caiu como um balde de água fria em Vittoria. 

- Professor de Arte? 

- Ele é especialista em simbologia de cultos - suspirou Kohler. - Vittoria, acreditamos que a morte de seu pai foi parte de um culto satânico. 

As palavras ecoaram na mente dela sem serem assimiladas. Um culto satânico. 

- O grupo que assumiu a autoria chama-se Illuminati. 

Vittoria olhou de um para outro, imaginando se seria uma brincadeira de mau gosto. 

- Os Illuminati? - perguntou ela. - Como os Iliuminati Bávaros? 

- Você já ouviu falar deles? -- perguntou Kohler, admirado. 

Ela sentiu as lágrimas de frustração se formando. 

- Os liluminati Bávaros: a Nova Ordem Mundial. Um jogo de computador. Metade dos fanáticos por informática daqui joga isso na Internet. - A voz dela falhou. - Mas não entendo... 

Langdon concordou. 

- É um jogo bem popular. Uma antiga fraternidade toma conta do mundo. É semi-histórico. Não sabia que estava na Europa também. 

- De que está falando? - disse Vittoria, exaltada. - Os Illuminati? Mas se trata de um jogo de computador! 

- Vittoria - disse Kohler -, os Illuminati são o grupo que alega responsabilidade pela morte de seu pai. 

Ela reuniu toda a coragem que pôde encontrar para lutar contra as lágrimas. Fez força para se controlar e avaliar a situação com lógica. Porém, quanto mais se concentrava, menos compreendia. Seu pai fora assassinado. Ocorrera uma grave falha de segurança no CERN. Havia uma bomba em contagem regressiva em algum lugar e ela era responsável por isso. E o diretor chamara um professor de História da Arte para ajudá-los a encontrar uma fraternidade mística de satanistas 

Sentiu-se repentinamente muito só. Virou-se para ir embora, mas Kohler Postou-se à sua frente. Tirou algo do bolso, um papel de fax amassado, e entregou-o a ela. 

Ela cambaleou, horrorizada, ao ver a imagem. 

- Eles o marcaram a fogo - disse Kohler. - Os desgraçados marcaram o peito dele a fogo.

 

CAPÍTULO 28

A secretária Sylvie Baudeloque estava em pânico. Andava de um lado para outro diante da porta da sala vazia do diretor. Onde diabos andará ele? O que faço agora? 

Havia sido um dia esquisito. Claro, todos os dias de trabalho com Maximilian Kohler tinham potencial para serem estranhos, mas o homem estivera em grande forma naquele. 

- Encontre Leonardo Vetra! - ordenara ele quando Sylvie chegou naquela manhã. 

Obedientemente, Sylvie enviara mensagem pelo pager, telefonara e mandara e-mails para Leonardo Vetra. 

E nada. 

Então, Kohler saíra mal-humorado, tudo indicava que para procurar Vetra ele próprio. Quando surgiu de volta algumas horas mais tarde, Kohler decididamente não parecia bem... não que ele alguma vez de fato parecesse bem, mas parecia pior do que de costume. Trancou-se no escritório e ela o ouviu telefonar, falar, usar o computador, o fax. Depois, saiu de novo. E ainda não tinha voltado desde então. 

Sylvie decidira ignorar as extravagâncias de mais um melodrama kohleriano, mas ficou preocupada quando ele não apareceu na hora certa de suas injeções diárias. O estado de saúde do diretor exigia um tratamento regular e, quando ele decidia abusar, os resultados nunca eram agradáveis: choque respiratório, acessos de tosse e uma correria danada para o pessoal da enfermaria. Às vezes, Sylvie achava que Maximilian Kohler tinha um desejo inconsciente de morrer. 

Ela considerou a possibilidade de mandar-lhe uma mensagem pelo pager para lembrar as injeções, mas havia aprendido que o orgulho de Kohler não tolerava aquele tipo de gesto. Na semana anterior, ele havia ficado tão enfurecido com um cientista visitante que demonstrara pena dele a ponto de se equilibrar nas pernas e atirar uma pasta na cabeça do homem. O rei Kohler ficava surpreendentemente ágil quando estava pissé. 

No momento, todavia, a preocupação de Sylvie pela saúde do diretor deixara de ser prioridade e fora substituida por um dilema bem mais urgente. A telefonista do CERN ligara cinco minutos antes, frenética, para dizer que tinha uma chamada importantíssima para o diretor. 

- Ele não está aqui, não pode atender agora - dissera Sylvie.

Então, a telefonista lhe disse quem estava chamando. 

Sylvie deu uma risada alta. 

- Está brincando, não é? 

Escutou o que a outra dizia, incrédula. 

- E a identificação dessa pessoa confirma... - Sylvie estava intrigada. - Está bem. Será que você pode perguntar ao... - Ela suspirou. - Não. Está certo. Peça a ele para esperar. Vou localizar o diretor agora mesmo. Sei, já entendi. Vou fazer isso agora. 

Mas Sylvie não conseguira encontrar o diretor. Ligara três vezes para o seu celular e todas as vezes ouvira a mesma mensagem: "A linha está fora de área ou desligada." Fora de área? Até onde ele poderia ter ido? Então, Sylvie ligara para o bipe dele. Duas vezes. Sem resposta. Muito esquisito, ele não costumava agir assim. Chegara até a mandar um e-mail para o computador portátil dele. Nada. Como se o homem tivesse desaparecido da face da Terra. 

E agora, o que faço? - pensava, aflita. 

Além de sair ela própria procurando pelo CERN inteiro, Sylvie sabia que havia somente uma outra maneira de chamar a atenção do diretor. Ele não ia ficar nada satisfeito, mas o homem ao telefone não era alguém que o diretor pudesse deixar esperando. E também parecia que a pessoa não estava muito disposta a ouvir que o diretor não fora encontrado. 

Impressionada com a própria audácia, Sylvie tomou a decisão. Entrou na sala de Kohler e se dirigiu para a caixa de metal na parede atrás da escrivaninha dele. Abriu a portinhola, examinou os controles e encontrou o botão certo. 

Em seguida, respirou fundo e apanhou o microfone. 

 

CAPÍTULO 29

Vittoria não se lembrava como eles haviam chegado ao elevador principal, mas lá estavam eles. Subindo. Kohler encontrava-se atrás dela, a respiração ruidosa e difícil. O olhar preocupado de Langdon passava por ela como se atravessasse um fantasma. Ele lhe tirara o fax da mão e enfiara-o no bolso de seu paletó, longe de sua vista, mas a imagem ainda lhe queimava a memória. 

Enquanto o elevador se deslocava, o mundo de Vittoria mergulhava na escuridão. Papa! Em sua mente, ela ia ao encontro dele. Por um momento, no oásis de sua memória, Vittoria estava com ele. Tinha nove anos de idade, correndo por colinas cheias de edelvais, o céu da Suíça acima de suas cabeças. 

Papa! Papa! 

Leonardo Vetra estava rindo ao lado dela, radiante. 

- O que é, meu anjo? 

- Papa! - ela ria, aconchegando-se a ele. - Faça uma pergunta sobre a matéria! 

- Sobre qual matéria, filha, como posso saber? É alguma coisa nova que aprendeu na escola? 

E ela imediatamente caiu na gargalhada. 

- Ora, papai, pergunte sobre pedras, árvores, átomos, qualquer coisa! Porque tudo é matéria! Ah, agora enganei você!

Ele riu com ela. 

- Você inventou isso sozinha? 

- Fui bem esperta, não fui?

- Minha pequena Einstein! 

Ela fez cara feia. 

- Ele tem um cabelo horrível. Vi um retrato dele.

- Mas tem uma boa cabeça. Já contei a você o que ele provou? 

Os olhos dela se arregalaram, como se estivesse assustada. 

- Papai! Você prometeu! 

- EMC2! - E fez cócegas nela. - E=MC2! 

- Matemática, não! Eu já disse! Detesto matemática! 

- Ainda bem que você detesta, porque as meninas não têm permissão para aprender matemática. 

Ela parou na mesma hora. 

-Não?! 

- Claro que não. Qualquer pessoa sabe disso. Meninas brincam com bonecas. Meninos estudam matemática. Nada de matemática para as meninas. Não tenho autorização nem para falar sobre matemática com as meninas. 

- O quê? Mas isso não é justo! 

- Regras são regras. Absolutamente nada de matemática para as meninas. 

Vittoria ficou horrorizada. 

- Mas brincar de bonecas é muito chato! 

- Sinto muito - disse seu pai. - Eu poderia falar sobre matemática com você, mas se descobrirem... - E ele inspecionou as colinas desertas fingindo um ar aflito. 

Vittoria acompanhou o olhar dele. 

- Está bem - ela cochichou. - Então fale bem baixinho.

Vittoria sobressaltou-se com o movimento do elevador. Abriu os olhos. O pai se fora. 

A realidade abateu-se sobre ela, envolvendo-a com suas garras geladas. Olhou para Langdon. A expressão de sincera preocupação que ele tinha no rosto aqueceu seu coração como a presença de um anjo da guarda, sobretudo em contraste com a frieza de Kohler. 

Um único pensamento nitidamente consciente começou a atormentar Vittoria com uma força implacável. 

Onde está a antimatéria? 

A terrível resposta viria minutos depois. 

 

CAPÍTULO 30

Maximilian Kohler. Por gentileza, entre em contato com seu  escritório imediatamente. 

Raios de sol resplandecentes ofuscaram a visão de Langdon quando as portas do elevador se abriram no saguão principal. Antes que se dissipasse o eco do aviso no sistema de comunicação interna, todos os aparelhos eletrônicos na cadeira de rodas de Kohler começaram a apitar e zumbir simultaneamente. Seu pager. Seu telefone. Seu e-mail. Kohler ficou meio tonto diante das luzes que piscavam. O diretor voltara à superficie e estava de novo ao alcance. 

Diretor Kohler. Por favor, ligue para seu escritório. 

O som de seu nome nas caixas de som pareceu espantar Kohler. 

Ele levantou a cabeça com ar zangado que, quase de imediato, se tornou preocupado. Os três se entreolharam. Ficaram imóveis por alguns segundos, como se toda a tensão entre eles se apagasse e fosse substituída por um só pressentimento a uni-los. 

Kohler tirou o telefone encaixado no apoio de braço de sua cadeira. Discou um ramal e esforçou-se para conter um novo ataque de tosse. Vittoria e Langdon esperaram. 

- Aqui é o diretor Kohler - disse ele, a respiração saindo com um chiado. 

- Sim? Eu estava no subterrâneo, fora de alcance. - Ele escutou, arregalando os olhos cinzentos. - Quem?

Sim, transfira a ligação para mim. - Houve uma pausa. - Alô? Aqui é Maximilian Kohler. Sou o diretor do CERN. Com quem estou falando? 

Os outros dois observavam em silêncio enquanto ele escutava seu interlocutor. 

- Não acho prudente - Kohler disse finalmente - falar sobre isso ao telefone. Vou para aí imediatamente. - Começou a tossir outra vez. - Encontre-me no Aeroporto Leonardo Da Vinci. Dentro de 40 minutos. - Já lhe faltava a respiração. Foi acometido por um ataque de tosse e, sufocando, mal conseguiu pronunciar as palavras. - Localizem o tubo depressa... estou indo. - E desligou o telefone. 

Vittoria correu para perto de Kohler, mas ele não conseguia mais falar. Ela pegou seu próprio telefone e chamou a enfermaria do CERN. Langdon sentia- se como um navio na periferia de uma tempestade, abalado mas distante. 

Encontre-me no Aeroporto Leonardo Da Vinci, ecoaram as palavras de Kohler. 

Em um instante, as sombras incertas que haviam nublado a mente de Langdon durante toda a manhã consolidaram-se em uma imagem vivida. No meio daquela confusão, ele sentiu uma porta se abrir dentro de si, como se algum limiar místico fosse ultrapassado. O ambigrama. O padre-cientista morto. A antimatéria. E agora, o alvo. A menção ao Aeroporto Leonardo Da Vinci só poderia significar uma coisa. Em um lampejo de absoluta conscientização, ele soube que acabara de cruzar aquele limiar. Agora, acreditava. 

Cinco quilotons. Que se faça a luz. 

Dois paramédicos apareceram correndo pelo saguão vestidos de branco. Ajoelharam-se ao lado de Kohler e colocaram uma máscara de oxigênio em seu rosto. Cientistas que circulavam pelo local pararam e postaram-se à distância, observando. 

Kohler respirou fundo duas vezes, puxou a máscara para o lado e, ainda lutando para respirar, dirigiu-se a Vittoria e Langdon: 

- Roma. 

- Roma? - perguntou Vittoria. - A antimatéria está em Roma? Quem telefonou? 

O rosto de Kohler contorceu-se, os olhos cinzentos marejados. 

- A... Suíça. 

Ele engasgou ao falar e os paramédicos puseram a máscara de volta em seu rosto. Quando se preparavam para levá-lo, Kohler estendeu a mão e agarrou o braço de Langdon. 

Langdon fez um gesto com a cabeça. Ele sabia. 

- Vá... - sussurrou Kohler sob a máscara. - Vá... Ligue para mim. 

E os paramédicos saíram às pressas, empurrando-o.

Vittoria permaneceu estática, vendo-o afastar-se. Então, voltou-se para Langdon. 

- Roma? O que ele quis dizer com a Suíça? 

Langdon pousou a mão no braço dela e disse em voz muito baixa:

- A Guarda Suíça. As sentinelas juradas da Cidade do Vaticano.

 

CAPÍTULO 31

O avião espacial X 33 decolou com um ruído estrondoso, inclinando-se para o sul em direção a Roma. A bordo, Langdon ia sentado em silêncio. Os últimos 15 minutos haviam sido como um borrão. Agora que acabara de resumir para Vittoria a história dos Illuminati e de seu pacto contra o Vaticano, começava a se dar conta do alcance da situação. 

Que diabos estou fazendo?, ponderava ele. Deveria ter ido para casa quando ainda era possível! No fundo, porém, sabia que de fato não fora possível em nenhum momento. 

Seu bom senso recomendara em voz bem alta que voltasse para Boston. Ainda assim, a curiosidade acadêmica de alguma forma vetara a prudência. Tudo em que ele sempre acreditara sobre a extinção dos Illuminati assemelhava-se de uma hora para outra a uma brilhante impostura. Um dos lados de sua cabeça ansiava por obter provas, confirmação. Havia também uma questão de consciência. Com Kohler doente e Vittoria sozinha, Langdon sabia que, caso os seus conhecimentos sobre os Illuminati pudessem ser de alguma ajuda, ele tinha a obrigação moral de estar ali. 

E havia mais a considerar. Embora tivesse vergonha de admitir, o horror inicial que sentira ao saber onde estava a antimatéria referia-se não só ao perigo para as vidas humanas na Cidade do Vaticano, mas também para algo mais. 

A arte. 

A maior coleção de arte do mundo encontrava-se naquele instante em cima de uma bomba-relógio. O Museu do Vaticano abrigava mais de 60 mil peças de valor incalculável em 1.407 salas: Michelangelo, Da Vinci, Bernini, Botticelli. Langdon ponderava sobre a possibilidade de tirar as peças de lá se fosse necessário. Mas sabia que seria impossível. Muitas eram esculturas que pesavam toneladas. Sem falar que alguns dos maiores tesouros eram arquiteturais, como a Capela Sistina, a Basílica de São Pedro, a famosa escadaria em espiral de Michelangelo que levava ao Museo Vaticano, testemunhos inestimáveis do gênio criativo do homem.

Langdon tentou calcular quanto tempo restaria ao tubo de antimatéria. 

- Obrigada por ter vindo - disse Vittoria em voz baixa. 

Langdon emergiu de seu devaneio e virou o rosto para ela. Vittoria estava sentada na poltrona do outro lado do corredor. Mesmo à luz fluorescente da cabine, havia uma aura de serenidade e domínio de si em torno dela, uma irradiação quase magnética de inteireza. Sua respiração tornara-se mais profunda, como se um lampejo de autopreservação se acendesse dentro dela... um desejo de justiça e de desforra, despertado por seu amor de filha. 

Ela não tivera tempo de trocar seu short e sua blusa sem mangas, e as pernas queimadas de sol estavam arrepiadas com o frio da cabine. Instintivamente, Langdon tirou o paletó e ofereceu-o a ela. 

- Cavalheirismo americano? - Ela aceitou, agradecendo silenciosamente com o olhar. 

O avião balançou com um pouco de turbulência e Langdon teve uma sensação de perigo. A cabine sem janelas pareceu-lhe apertada outra vez e ele tentou imaginar-se em um campo aberto. A idéia, percebia, era irônica. Fora em um campo aberto que tudo acontecera. A escuridão esmagadora. Afastou a lembrança de sua mente. Velha história. 

Vittoria o observava. 

- Acredita em Deus, senhor Langdon? 

Ele não esperava aquele tipo de pergunta. A seriedade na voz de Vittoria era ainda mais desconcertante do que a indagação. Se eu acredito em Deus? Esperava que pudessem conversar sobre um assunto mais leve para o tempo da viagem passar mais depressa. 

Um enigma espiritual, pensou Langdon. É assim que meus amigos me chamam. Apesar de ter estudado religião durante anos, não era um homem religioso. Respeitava o poder da fé, a bondade das igrejas, a força que a religião dava a tantas pessoas. Entretanto, para ele, a suspensão intelectual da descrença que era imperativa se alguém verdadeiramente desejava "crer" havia sido sempre um obstáculo grande demais para sua mente acadêmica. 

- Quero acreditar - ouviu-se dizendo. 

O tom da réplica de Vittoria não dava a entender que ela estivesse fazendo qualquer julgamento ou desafio. 

- E por que não acredita? 

Ele deu uma risadinha. 

- Bem, não é assim tão fácil. Ter fé requer entrega, aceitação cerebral de milagres, como a imaculada conceição e a intervenção divina. E existem ainda os códigos de conduta. A Bíblia, o Corão, as escrituras budistas, em todos há exigências semelhantes e penalidades semelhantes.

Determinam que se eu não viver de acordo com certo código, irei para o inferno. Não consigo imaginar um Deus que governe desta maneira. 

- Espero que não deixe seus alunos se esquivarem de perguntas assim com tanta desfaçatez. 

O comentário pegou-o desprevenido. 

- O quê? 

- Senhor Langdon, não perguntei se acredita no que o homem diz sobre Deus. Perguntei se acredita em Deus. Existe uma diferença. As escrituras sagradas são histórias.., lendas e a história da busca do homem para compreender sua própria necessidade de significado. Não pedi que desse sua opinião sobre literatura.

Estou perguntando se acredita em Deus. Quando se deita sob as estrelas, não sente a presença do divino? Não sente em seu íntimo que está diante da obra de Deus? 

Langdon refletiu um instante. 

- Estou me intrometendo - desculpou-se ela. 

- Não, é que... 

- O senhor com certeza deve debater assuntos de fé com seus alunos. 

- Sem parar. 

- E imagino que deva fazer sempre o papel do advogado do diabo. Sempre estimulando as discussões. 

Langdon sorriu. 

- Também deve ser professora. 

- Não, mas aprendi com um mestre. Meu pai era capaz de discutir os dois lados de uma Faixa de Mõbius. 

Langdon riu, visualizando a engenhosa Faixa de Mõbius, um anel torcido de papel que tecnicamente possui apenas um lado. Langdon vira aquela forma pela primeira vez nos trabalhos do artista M. C. Escher. 

- Posso lhe fazer uma pergunta, senhorita Vetra? 

- Prefiro que me chame de Vittoria. "Senhorita" Vetra faz com que me sinta velha. 

Ele suspirou intimamente, de repente se dando conta de sua própria idade. 

- Vittoria, e eu sou Robert. 

- Você ia fazer uma pergunta. 

- Certo. Como cientista e filha de um padre católico, o que você pensa da religião? 

Ela fez uma pausa, afastando uma mecha de cabelo dos olhos. 

- Religião é como um traje ou uma língua. Gravitamos em torno das práticas com as quais fomos criados. No final, porém, todos proclamamos a mesma coisa. Que a vida tem um sentido. Que somos gratos ao poder que nos criou. 

A resposta intrigou Langdon. 

- Então, está dizendo que ser cristão ou muçulmano depende do lugar onde se nasceu? 

- Não é óbvio? Veja a difusão da religião pelo mundo afora. 

- Quer dizer que a fé é aleatória? 

- Dificilmente. A fé é universal. Nossos métodos específicos para compreendê-la são arbitrários. Algumas pessoas rezam para Jesus, outras vão a Meca, outras estudam partículas subatômicas. No final, estamos todos apenas buscando a verdade, aquela que é maior do que nós mesmos. 

Langdon desejou que seus alunos fossem capazes de se expressar com tanta clareza. Ele próprio gostaria de saber se expressar com aquela clareza! 

- E Deus? - ele perguntou. - Você acredita em Deus? 

Vittoria ficou calada por um longo tempo. 

- A ciência me diz que Deus tem de existir. Minha mente me diz que nunca vou compreender Deus. E meu coração me diz que não fui feita para isto. 

Isto é que é concisão, pensou ele. 

- Então, acredita que Deus é fato mas que nunca o compreenderemos. 

- A compreenderemos - corrigiu ela, com um sorriso. - Seus índios nativos tinham razão. 

Langdon deu uma risadinha. 

- A Mãe Terra. 

- Gaea. O planeta é um organismo. Todos nós somos células com diferentes finalidades. No entanto, somos entrelaçados. Servindo uns aos outros. Servindo ao todo. 

Ouvindo-a falar, Langdon sentiu despertar dentro de si algo que não sentia há muito tempo. Havia uma limpidez cativante em seus olhos... uma pureza em sua voz. Ele se sentiu atraído. 

- Senhor Langdon, deixe que eu lhe faça uma outra pergunta. 

- Robert -corrigiu ele. - Senhor Langdon faz com que me sinta velho. Eu sou velho! 

- Se não se importa, gostaria de saber como se envolveu com os Illuminati? 

Langdon pensou um pouco. 

- Na verdade, foi por causa de dinheiro. 

Vittoria pareceu desapontada. 

- Dinheiro? Consultoria, não é? 

Ele riu, percebendo como sua resposta fora interpretada. 

- Não, dinheiro como moeda de um país. - Enfiou a mão no bolso da calça e tirou algumas notas. Encontrou uma de um dólar. - Fiquei fascinado com o culto quando soube que o dinheiro norte-americano traz um elemento da simbologia dos Iliuminati. 

Vittoria semicerrou os olhos, sem saber se o levava a sério ou não. 

Langdon passou-lhe a nota. 

- Olhe o verso. Está vendo o sinete oficial à esquerda? 

Ela virou a nota. 

- A pirâmide? 

- É, a pirâmide. Sabe o que as pirâmides têm a ver com a história dos Estados Unidos? 

Vittoria deu de ombros. -

- Exato - disse Langdon. - Absolutamente nada. 

- E por que é o símbolo central do seu sinete oficial? 

- É uma história estranha - disse Langdon. - A pirâmide é um símbolo secreto que representa a convergência para cima, para a extrema fonte de Iluminação. Está vendo o que aparece em cima dela? 

Vittorja examinou a nota. 

- Um olho dentro de um triângulo. 

- Chama-se trinacria. Já viu esse olho dentro do triângulo em algum outro lugar? 

Ela ficou em silêncio um instante. 

- Na realidade já vi, mas não sei muito bem onde. 

- Na fachada de lojas maçônicas do mundo inteiro. 

- O símbolo é maçônico? 

- Na verdade, não, é dos Iliuminati. Eles o chamavam de seu "delta brilhante" Um chamado para a mudança esclarecida. O olho significa a habilidade dos Illuminati de se infiltrarem e verem todas as coisas. O triângulo reluzente simboliza o esclarecimento, a instrução. E o triângulo é também a letra grega delta, que é o símbolo matemático de...  

- Mudança. Transição. 

Langdon sorriu. 

- Esqueci que estava falando com uma cientista. 

- Então, está dizendo que o sinete oficial norte-americano é um chamado para a mudança esclarecida, que tudo vê? 

- Que alguns chamam de Nova Ordem Mundial. 

Vittoria estava espantada. Examinou a nota mais uma vez. 

- A inscrição sob a pirâmide diz Novus... Ordo... 

- Novus Ordo Seculorurn - completou Langdon. - Nova Ordem Secular.

- Secular, querendo dizer não-religiosa? 

- É, não-religiosa. A frase não só enuncia claramente o objetivo dos Iliuminati como contradiz flagrantemente a frase que está ao lado. Em Deus Confiamos. 

Aquelas informações eram perturbadoras. 

- Como se explica que toda essa simbologia tenha ido parar na moeda mais poderosa do mundo? 

- Muitos acadêmicos acham que foi através do vice-presidente Henry Wallace. Ele era um maçom dos altos escalões e certamente tinha ligações com os Iliuminati. Se era um membro ou estava inocentemente sob a influência deles, não se sabe. Mas foi Wallace quem vendeu o desenho do sinete oficial para o presidente. 

- Como? Por que o presidente teria concordado em... 

- O presidente era Franklin D. Roosevelt. Wallace simplesmente lhe disse que Novus Ordo Seculorum significava New Deal. 

Vittoria mostrou-se cética. 

- E Roosevelt não tinha ninguém mais que examinasse o símbolo antes de mandar o Tesouro imprimi-lo? 

- Não foi preciso. Ele e Wallace eram como irmãos. 

- Irmãos? 

- Dê uma conferida em seus livros de História - disse Langdon com um sorriso. - Franklin D. Roosevelt era um maçom conhecido.

 

CAPÍTULO 32

Langdon prendeu a respiração enquanto o X-33 fazia uma descida  em espiral na direção do Aeroporto Internacional Leonardo Da Vinci. Vittoria, sentada à sua frente, fechou os olhos, como se procurasse submeter a situação ao seu controle. A aeronave tocou o solo e taxiou para um hangar particular. 

- Desculpem o vôo lento - desculpou-se o piloto, saindo da cabine de comando. 

- Tive de segurá-lo por causa dos regulamentos sobre ruído em áreas povoadas. 

Langdon verificou o relógio. O vôo tinha levado 37 minutos. 

O piloto abriu a porta externa. 

- Alguém pode me dizer o que está acontecendo? 

Nenhum dos dois respondeu.

- Ótimo - disse ele, alongando-se. -Vou esperar na cabine de comando com o ar condicionado e minha música. Só eu e Garth. 

Fora do hangar, o sol do fim de tarde ardia, intenso. Langdon carregava seu paletó de tweed pendurado no ombro. Vittoria levantou o rosto para o sol e respirou fundo, como se a luz solar de alguma forma transferisse para ela uma energia revigorante e mística. 

Povos mediterrâneos... observou Langdon para si mesmo, já suando. 

- Você está um pouco velho para desenhos animados, não acha? – perguntou Vittoria, sem abrir os olhos. 

- Como disse? 

- Seu relógio de pulso. Vi lá dentro do avião. 

Langdon enrubesceu um pouco. Estava acostumado a ter de defender seu relógio. Era uma peça de coleção, um relógio do Mickey Mouse que lhe fora dado de presente na infância por seus pais. Apesar do ridículo dos braços esticados do Mickey indicando a hora, fora o único relógio de pulso que Langdon usara em toda a sua vida. À prova d'água e com um mostrador que brilhava no escuro, era perfeito para nadar e para andar à noite pelos caminhos sem iluminação da universidade. Quando seus alunos questionavam seu conceito de moda, ele respondia que usava aquele relógio para se lembrar diariamente que queria manter seu espírito jovem. 

- São seis horas - disse. 

Vittoria balançou a cabeça, os olhos ainda fechados. 

- Acho que nossa carona chegou. 

Langdon ouviu o zumbido distante e olhou para cima, com o coração apertado. Vindo do norte, um helicóptero se aproximava, voando baixo acima da pista de pouso. Langdon andara de helicóptero uma vez no vale Palpa andino para ver os desenhos de areia Nazca e não gostara nem um pouco. Uma caixa de sapatos voadora. Depois de passar a manhã voando em um avião espacial, contava que o Vaticano enviasse um carro para buscá-los. 

Tudo indicava que não seria o caso. 

O helicóptero reduziu a velocidade, pairou um instante e desceu na pista de pouso diante deles. Era branco e trazia na lateral um brasão pintado - duas chaves mestras cruzadas sobre um escudo encimado pela mitra papal. Ele conhecia bem aquele símbolo. Era o brasão tradicional do Vaticano, o símbolo sagrado da Santa

Sé, ou "santa sede" do governo, literalmente o antigo trono de São Pedro.

O Santo Helicóptero, resmungou Langdon, acompanhando o pouso. Esquecera-se de que o Vaticano possuía um, usado para transportar o Papa para o aeroporto, para reuniões ou para seu castelo de verão em Gandolfo. Langdon decididamente teria preferido um carro. 

O piloto saltou e caminhou na direção deles pela pista. 

Agora era Vittoria que parecia apreensiva. 

- Esse é o nosso piloto? 

Langdon também ficou preocupado. 

- Voar ou não voar, eis a questão. 

O piloto parecia estar vestido para um melodrama shakespeariano. Sua túnica bufante era listrada verticalmente de azul-vivo e dourado. Usava calças e polainas combinando. Estava calçado com sapatos rasos pretos que pareciam chinelos. Na cabeça, trazia uma boina preta de feltro. 

- O uniforme tradicional da Guarda Suíça - explicou Langdon. - Desenhado pelo próprio Michelangelo. - Quando o homem se aproximou mais, Langdon estremeceu. - E, admito, não foi um dos melhores trabalhos dele. 

A despeito do traje extravagante do homem, Langdon viu logo que ele não estava brincando. Movia-se ao encontro deles com a mesma rigidez e dignidade de um fuzileiro naval norte-americano. Langdon lera muitas vezes sobre as rigorosas exigências para se fazer parte da elitista Guarda Suíça. Recrutados em um dos quatro cantões católicos da Suíça, os candidatos tinham de ser rapazes suíços natos com idade entre 19 e 30 anos, pelo menos 1,74 m de altura, solteiros e treinados pelo exército suíço. Esse soberbo corpo militar era invejado por governos de todo o mundo por ser a mais fiel e mortífera força de segurança que existe. 

- Vocês são do CERN? - perguntou o guarda, ao chegar diante deles. Sua voz era dura como aço. 

- Sim, senhor - respondeu Langdon. 

- Fizeram um tempo notável - disse ele, lançando um olhar intrigado para o X-33. Virou-se para Vittoria. - A senhora tem outra roupa para vestir? 

- Como disse? 

Ele apontou para as pernas dela. 

- Não é permitido entrar de calças curtas no Vaticano. 

Langdon olhou para as pernas de Vittoria e fez uma careta. Esquecera daquilo. Na Cidade do Vaticano era rigorosamente proibido ter as pernas à mostra acima do joelho, tanto para as mulheres quanto para os homens. A norma era uma forma de mostrar respeito pela santidade da cidade de Deus. 

- Só tenho esta - ela disse. - Saímos de lá com muita pressa.

O guarda sacudiu a cabeça, aborrecido. Em seguida, dirigiu-se a Langdon. 

- O senhor está carregando alguma arma? 

Arma? pensou Langdon. Eu não trouxe nem uma muda de roupa de baixo! E negou com um gesto de cabeça. 

O oficial agachou-se aos pés de Langdon e começou a apalpá-lo por baixo, começando pelas meias.

Rapaz confiante, pensou Langdon. As mãos fortes do guarda subiram pelas pernas de Langdon chegando desconfortavelmente perto de sua virilha. Por fim, deslocaram-se para seu peito e ombros.

Aparentemente satisfeito por nada ter encontrado, o guarda virou-se para Vittoria. Correu os olhos pelo tronco e pelas pernas dela. 

Ela lhe lançou um olhar feroz. 

- Nem pense nisso. 

O guarda encarou-a com uma expressão que claramente pretendia intimidá-la. Ela não cedeu. 

- O que é isso? - disse o guarda, apontando para uma leve protuberância quadrada no bolso da frente do short dela. 

Vittoria tirou do bolso um telefone celular ultrafino. O guarda pegou-o, ligou-o, aguardou o sinal de linha e, tendo verificado que o aparelho não passava realmente de um telefone, devolveu-o a ela. 

- Dê uma volta, por favor - disse o guarda. 

Vittoria obedeceu, levantando os braços e girando o corpo 360 graus. 

O guarda examinou-a com cuidado. Langdon já observara que a blusa e o short justos de Vittoria não mostravam nenhuma saliência onde não deveriam. Parecia que o guarda chegara à mesma conclusão. 

- Obrigado. Venham, por favor. 

O helicóptero da Guarda Suíça funcionava em ponto morto quando Vittoria e Langdon se aproximaram dele. Vittoria embarcou primeiro, como uma freqüentadora habitual, mal se curvando ao passar por baixo das pás em movimento. Langdon parou um instante. 

- Nenhuma possibilidade de irmos de carro? - gritou, meio brincando, para o guarda suíço, que se acomodava no banco do piloto. 

O homem nem respondeu. 

Com os motoristas loucos de Roma, Langdon sabia que, de qualquer maneira, voar seria provavelmente mais seguro. Respirou fundo e embarcou, depois de ter o cuidado de se abaixar bem para passar sob os rotores.

Enquanto o guarda preparava a decolagem, Vittoria perguntou:

- Já localizaram o tubo?

O guarda olhou para ela por cima do ombro, sem compreender.

- O quê?

- O tubo. Vocês não telefonaram para o CERN por causa de um tubo?

O homem deu de ombros.

- Não sei sobre o que está falando. Estivemos muito ocupados hoje. Meu comandante mandou que eu viesse buscá-los. É tudo o que sei.

Vittoria virou-se para Langdon com o rosto inquieto.

- Coloquem os cintos, por favor - disse o piloto quando aumentou a velocidade do motor.

Langdon procurou seu cinto de segurança e afivelou-o. Tinha a impressão de que a fuselagem diminuta encolhia à sua volta. Então, com um ronco, a aeronave subiu e inclinou-se abruptamente para o lado, descrevendo uma curva para o norte na direção de Roma.

Roma... o caput mundi, onde César um dia reinou, onde São Pedro foi crucificado. O berço da civilização moderna. E em seu âmago... o tique-taque de uma bomba.

 

CAPÍTULO  33

Roma vista de cima é um labirinto - um emaranhado indecifrável de antigas estradas serpenteando em volta de prédios, fontes e ruínas.

O helicóptero do Vaticano voava baixo no céu rumo a noroeste através da camada permanente de fumaça produzida pelos congestionamentos da cidade. Langdon via as bicicletas motorizadas, os ônibus de turismo e o enxame de miniaturas de Fiats sedã contornando apressados os entroncamentos rotatórios e espalhando-se em todas as direções. Koyaanisqatsi, pensou ele, lembrando o termo hopi que significa "vida desequilibrada'

Vittoria mantinha-se em silenciosa determinação no assento ao lado dele.

O helicóptero inclinou-se fortemente para o lado.

Com um vazio no estômago, Langdon procurou fixar os olhos em pontos mais distantes. E encontrou as ruínas do Coliseu romano. Ele sempre considerara o Coliseu uma das maiores ironias da História. Hoje um símbolo consagrado do desenvolvimento da cultura e da civilização humana, o estádio fora construído para exibir séculos de eventos bárbaros - leões famintos despedaçando prisioneiros, exércitos de escravos combatendo-se até a morte, estupros coletivos de mulheres exóticas capturadas em terras remotas, assim como decapitações e castrações públicas. Era também irônico, na opinião dele, ou talvez apropriado, que a estrutura arquitetônica do Coliseu tivesse servido de modelo para o Soldier Field de Harvard, o estádio de futebol onde as antigas tradições de selvageria eram reencenadas todos os outonos, com fãs enlouquecidos clamando por sangue quando Harvard enfrentava Yale.

Olhando para o norte, Langdon avistou o Fórum romano, o coração da Roma pré-cristã. As colunas em ruínas pareciam lápides de túmulos caídas em um cemitério que de alguma forma conseguira não ser engolido pela metrópole que o rodeava.

A oeste, a ampla bacia do rio Tibre desenhava enormes arcos através da cidade. Mesmo de cima, dava para notar que o rio era fundo. As torrentes revoltas eram escuras, cheias de sedimentos e espuma causados por fortes chuvas.

- Bem à nossa frente - disse o piloto, subindo mais.

Langdon e Vittoria olharam para fora e viram. Como uma montanha rompendo a bruma, o domo colossal erguia-se diante deles: a Basílica de São Pedro.

- Nisso aí, por exemplo - disse Langdon para Vittoria -, Michelangelo saiu-se muito bem.

Langdon nunca vira a basílica de cima. A fachada de mármore resplandecia ao sol da tarde. Adornado com 140 estátuas de santos, mártires e anjos, o hercúleo edificio tinha a mesma largura de dois campos de futebol e o comprimento assombroso de seis. O descomunal interior da basílica tinha capacidade para

abrigar mais de 60 mil devotos, cem vezes mais que a população da Cidade do Vaticano, o menor país do mundo.

Por inacreditável que fosse, nem mesmo uma cidadela dessa magnitude conseguia fazer a piazza à sua frente parecer menor. Uma vastidão de granito, a Praça de São Pedro era um extenso espaço aberto no congestionamento de Roma, como um Central Park clássico. Diante da basílica, contornando o grande espaço aberto, 284 colunas espalhavam-se em quatro arcos concêntricos cujos tamanhos iam diminuindo... um trompe l'wil arquitetural utilizado para intensificar a impressão de grandiosidade da piazza.

Contemplando aquele magnífico santuário, Langdon imaginou o que São Pedro pensaria se estivesse ali. O santo morrera de modo horripilante, crucificado de cabeça para baixo naquele mesmo local. Hoje, repousava na mais sagrada das tumbas, muitos metros abaixo do solo, diretamente sob a cúpula central da basílica.

- A Cidade do Vaticano - disse o piloto, num tom de voz que poderia ser tudo, menos hospitaleiro.

Altos bastiões de pedra elevavam-se adiante - fortificações impenetráveis cercando o complexo de construções, uma estranha defesa terrena para um mundo espiritual de segredos, poder e mistério.

- Veja! - disse Vittoria de repente, agarrando o braço de Langdon. Ela apontou, veemente, para a Praça de São Pedro logo abaixo deles. Langdon aproximou o rosto da janela para enxergar melhor.

- Ali adiante - indicou ela.

A parte de trás da piazza parecia um estacionamento, lotada com uns dez trailers. No teto dos trailers, imensas antenas parabólicas estavam viradas para o céu, todas elas exibindo nomes conhecidos:

 

TELEVISOR EUROPEA

VIDEO ITALIA

BBC

UNITED PRESS INTERNATIONAL

 

Ocorreu a Langdon que a notícia sobre a antimatéria já pudesse ter vazado.

Vittoria ficou tensa.

- Por que a imprensa está aqui? O que está havendo?

O piloto virou a cabeça e lançou-lhe um olhar estranho.

- O que está havendo? Então, não sabe?

- Não - ela respondeu depressa, o sotaque soando rouco e forte.

- Ii Conclavo - disse. - As portas vão ser lacradas dentro de uma hora. O mundo inteiro está acompanhando.

Ii Conclavo.

A palavra reverberou por um longo instante nos ouvidos de Langdon antes da sensação de ter um tijolo caindo em seu estomago. O Conclave do Vaticano. Como esquecera daquilo? A notícia estivera nos jornais recentemente.

Quinze dias antes, o Papa falecera, depois de um pontificado tremendamente popular de doze anos. Todos os jornais do mundo haviam contado a história do derrame fatal que acometera o Papa durante o sono - morte repentina e inesperada que muitos consideravam suspeita. Agora porém, mantendo a tradição sagrada, 15 dias depois da morte de um Papa, o Vaticano realizava Ii Conclavo: a cerimônia em que os 165 cardeais do mundo, os homens mais poderosos da cristandade, reuniam-se na Cidade do Vaticano para eleger o novo pontífice.

Todos os cardeais do planeta estão aqui hoje, Langdon refletiu enquanto o helicóptero passava por cima da Basílica de São Pedro. O vasto mundo interior da Cidade do Vaticano estendia-se abaixo deles.

Toda a estrutura de poder da Igreja Católica Romana está em cima de uma bomba-relógio.

 

CAPÍTULO 34

O cardeal Mortati levantou o olhar para o teto exuberante da Capela Sistina e procurou recolher-se em um momento de quieta reflexão. Nas paredes cobertas de afrescos ecoavam as vozes de cardeais de todas as nações do globo. Os homens acotovelavam-se no santuário iluminado pela luz de velas, cochichando alvoroçados e trocando opiniões em diversas línguas, as universais sendo o inglês, o italiano e o espanhol.

A luz na capela era geralmente sublime - longos raios coloridos de sol cortando a escuridão como se viessem direto do Paraíso -, mas não hoje. Como era o costume, todas as janelas da Capela haviam sido cobertas de veludo negro em função do sigilo. Assim, ninguém lá dentro podia mandar sinais ou comunicar-se de que maneira fosse com o mundo exterior. O resultado era uma profunda escuridão iluminada apenas por velas e uma luminosidade difusa que parecia purificar todos os que tocava, tornando-os imateriais, como santos.

Que privilégio, pensou Mortati, eu ser o supervisor deste acontecimento santificado.

Os cardeais acima de oitenta anos eram considerados velhos demais para se candidatarem à eleição e não participavam do conclave, mas, aos 79 anos, Mortati era o mais velho de todos e fora designado para dirigir os procedimentos.

Seguindo a tradição, os cardeais reuniam-se ali duas horas antes do conclave para reatarem o contato com os amigos e debaterem questões de última hora. Às sete da noite, o camarista do último Papa chegava, fazia a oração de entrada e depois ia embora. Em seguida, a Guarda Suíça lacrava as portas, trancando todos os cardeais dentro da capela. Então, tinha início o ritual político mais secreto do mundo. Os cardeais só podiam sair depois de decidirem quem entre eles seria o novo Papa.

Conclave. Até o nome sugeria segredo. "Con clave" significava literalmente "trancado à chave' Os cardeais não podiam ter qualquer contato com o mundo exterior. Nada de ligações telefônicas, nada de mensagens, nada de sussurros através de portas. O conclave era um vácuo, não podia ser influenciado por

nada que viesse de fora. Para garantir que os cardeais tivessem Solum Deum prae oculis – somente Deus diante dos olhos.

Do lado de fora da capela, naturalmente, a mídia observava e esperava, especulando qual dos cardeais seria o líder de um bilhão de católicos em todo o mundo. Os conclaves criavam uma atmosfera intensa, politicamente carregada e, ao longo dos séculos, haviam-se tornado às vezes fatais: envenenamentos, lutas corporais e até assassinatos já haviam irrompido entre as paredes sagradas. História antiga, pensou Mortati. O conclave daquela noite seria marcado pela união e, acima de tudo, seria breve.

Pelo menos, fora o que pensara.

Agora, todavia, surgira um transtorno inesperado. Inexplicavelmente quatro cardeais estavam ausentes da capela. Mortati sabia que todas as saídas da Cidade do Vaticano estavam guardadas e que os cardeais que faltavam não poderiam estar longe. Ainda assim, a menos de uma hora da prece de abertura, ele se sentia desconcertado. Afinal de contas, os quatro homens não eram cardeais comuns. Eram os cardeais.

Os quatro escolhidos.

Como supervisor do conclave, Mortati já mandara avisar a Guarda Suíça através dos canais competentes, alertando-a para a ausência deles. Ainda não tivera nenhuma resposta. Outros cardeais já haviam notado a incompreensível ausência. Haviam começado os cochichos ansiosos. De todos, aqueles quatro eram os que deveriam ter sido mais pontuais! O cardeal Mortati começava a recear que a noite pudesse ser longa, afinal.

Ele nem imaginava quanto.

                                                                                           

 

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Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

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