Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ANJOS E DEMONIOS 3 / Dan Brown
ANJOS E DEMONIOS 3 / Dan Brown

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ANJOS E DEMONIOS

 

CAPÍTULO 69

Quase asfixiado pelos gases que emanavam da cova, Langdon subiu com dificuldade pela  escada na direção da luz no alto do poço. Ouviu vozes acima, mas nada fazia sentido. Sua cabeça estava girando com  imagens do cardeal marcado a fogo. 

Terra... Terra... 

Enquanto se esforçava para subir, sua visão escureceu e ele receou perder a consciência. A dois degraus da abertura  perdeu o equilíbrio. Atirou-se para cima tentando segurar a borda, mas não a alcançou. As mãos soltaram-se da escada  e ele quase caiu de costas na escuridão. Sentiu uma dor aguda embaixo dos braços e de repente estava no ar, as pernas  balançando loucamente no abismo. 

As mãos fortes de dois guardas suíços puxaram-no para cima pelas axilas. No momento seguinte, a cabeça de Langdon  emergiu da cova do demônio, tossindo e arquejando. Os guardas arrastaram-no e deitaram-no de costas no piso frio de  mármore. 

Por um instante, Langdon não soube onde estava. Via estrelas lá em cima, planetas em órbita. Figuras nebulosas  passavam por ele correndo. Pessoas gritavam. Tentou sentar-se. Estava deitado na base de uma pirâmide de pedra. O  conhecido azedume de uma voz irritada ecoou dentro da capela e então ele voltou a si. 

Olivetti estava gritando com Vittoria. 

- Por que cargas d'água vocês não viram isso antes? 

Vittoria tentava explicar a situação. 

Olivetti interrompeu-a no meio de uma frase e vociferou uma saraivada de ordens para seus homens. 

- Retirem aquele corpo de lá! Vasculhem o resto da igreja! 

Langdon fez um esforço para se sentar. A Capela Chigi estava cheia de guardas suíços. A cortina de plástico que  fechava a capela fora arrancada e o ar fresco encheu seus pulmões. Enquanto ele recobrava lentamente os sentidos,  Vittoria veio em sua direção. Ela se ajoelhou, o rosto igual ao de um anjo. 

- Você está bem? - Ela pegou o braço dele e examinou-lhe o pulso. Sentiu a maciez das mãos dela em sua pele. 

- Obrigado - disse ele, sentando-se por completo. - Olivetti está uma fera. 

Vittoria assentiu. 

- Tem razão de estar. Nós estragamos tudo.

- Eu estraguei tudo. 

- Então, redima-se. Pegue-o da próxima vez. 

Próxima vez? Langdon achou o comentário cruel. Não haverá próxima vez! Nós perdemos a  chance! 

Vittoria verificou o relógio de Langdon. 

- Mickey está dizendo que temos quarenta minutos. Ponha a cabeça de volta no lugar e me ajude a  procurar o próximo marco. 

- Já lhe disse, Vittoria, as esculturas foram retiradas. O Caminho da Iluminação está... - e ele se deteve. 

Vittoria sorriu com suavidade. 

De um salto, Langdon se pôs de pé, cambaleando. Girou de um lado para outro, zonzo, olhando para as  obras de arte que o rodeavam. Pirâmides, estrelas, planetas, elipses. E tudo lhe voltou. Este é que é

o primeiro altar da ciência! Não o Panteão! Deu-se conta de como toda a capela era tão perfeitamente

liluminati, de uma forma muito mais sutil e seletiva do que o mundialmente famoso Panteão. A Capela Chigi  era uma alcova afastada, literalmente um buraco na parede, um tributo a um grande patrono da ciência,  decorada com simbologia referente à Terra. Perfeita. 

Langdon encostou-se na parede e examinou as enormes pirâmides esculpidas. Vittoria estava coberta de  razão. Sendo o primeiro altar da ciência, a capela devia conter ainda a escultura Illuminati que servira de  primeiro marco. Veio- lhe uma sensação eletrizante de esperança ao perceber que ainda havia uma chance.

Se o marco ainda estivesse ali e pudessem segui-lo até o próximo altar da ciência, talvez houvesse mesmo  outra oportunidade de pegar o assassino. 

Vittoria aproximou-se. 

- Descobri quem era o escultor Illuminati desconhecido. 

A cabeça de Langdon virou-se como se fosse de mola. 

-Você o quê? 

- Agora só temos de descobrir qual das esculturas aqui dentro é o... 

- Espere aí! Você disse que sabe quem era o escultor Illuminati? 

Ele passara anos tentando encontrar aquela informação. 

Vittoria sorriu. 

- Era Bernini - e fez uma pausa. - O Bernini. 

Ele tinha certeza de que Vittoria estava enganada. Bernini era uma impossibilidade. Gianlorenzo Bernini foi  o segundo mais famoso escultor de todos os tempos, sua fama eclipsada apenas pela do próprio  Michelangelo. Durante o século XVII, Bernini criou mais esculturas do que qualquer outro artista. O  homem que procuravam era supostamente um desconhecido, um joão-ninguém.

Vittoria franziu as sobrancelhas. 

- Você não ficou muito entusiasmado. 

- É impossível ser Bernini. 

- Por quê? Bernini foi contemporâneo de Galileu. Era um escultor brilhante. 

- Era um homem muito famoso e era católico. 

- Sim - replicou Vittoria -, exatamente como Galileu. 

- Não - argumentou ele -, nem um pouco como Galileu. Galileu era uma pedra no sapato do Vaticano.

Bernini era o menino-prodígio do Vaticano. A Igreja adorava Bernini. Foi escolhido como a maior  autoridade artística do Vaticano. Ele praticamente viveu a vida inteira dentro da Cidade do Vaticano! 

- Um disfarce perfeito. Infiltração liluminati. 

Langdon estava exaltado. 

- Vittoria, os Illuminati referiam-se a seu artista secreto como il maestro ignoto, o mestre desconhecido! 

- Sim, desconhecido para eles. Pense no sigilo dos maçons. Só os membros do escalão superior sabiam de tudo. Galileu pode ter mantido em segredo para a maior parte dos membros a verdadeira identidade de Bernini, tendo em vista a própria segurança de Bernini. Desse jeito, o Vaticano nunca descobriria. 

Langdon não se convencera, mas tinha de admitir que a lógica de Vittoria fazia sentido. Os Illuminati eram famosos por manter informações secretas compartimentadas, só revelando a verdade aos membros de nível mais alto. Era a pedra de toque de sua capacidade de se manterem secretos: muito poucos sabiam a história completa. 

- E a filiação de Bernini aos Iliuminati - Vittoria acrescentou com um sorriso - explica por que ele projetou estas duas pirâmides. 

Langdon voltou-se para as duas imensas pirâmides esculpidas e sacudiu a cabeça. 

- Bernini era um escultor religioso. Jamais teria esculpido estas pirâmides. 

Vittoria deu de ombros. 

- Diga isso para a placa atrás de você. 

Langdon virou-se para a placa: 

ARTE DA CAPELA CHIGI 

Rafael foi o responsável pela arquitetura, e todas as peças de ornamentação interior são de autoria de 

Gianlorenzo Bernini.

Langdon leu a placa duas vezes e ainda assim não se convenceu. Gianlorenzo

Bernini era célebre por suas intricadas esculturas religiosas da Virgem Maria, de anjos, profetas, de papas.

Como iria esculpir pirâmides? 

Langdon olhou para os altivos monumentos e ficou completamente desorientado. Duas pirâmides, cada uma com um reluzente medalhão elíptico. Não poderia haver duas esculturas menos cristãs. As pirâmides, as estrelas acima, os signos do zodíaco. Todas as peças de ornamentação interior são de autoria de Gianlorenzo Bernini. Se isso fosse verdade, Vittoria tinha de estar certa. À revelia,

Bernini era o mestre liluminati desconhecido. Ninguém mais contribuíra com obras de arte para a Capela

Chigi! As implicações vieram rápido demais para que Langdon as processasse. 

Bernini era um liluminatus. 

Bernini desenhou os ambigramas dos Iliuminati. 

Bernini projetou e realizou o Caminho da Iluminação. 

Langdon mal conseguia falar. Seria possível que ali, na pequena Capela Chigi, o mundialmente famoso Bernini tivesse colocado uma escultura que apontava para o próximo altar da ciência através de Roma? 

- Bernini - disse. - Jamais teria imaginado. 

- Quem mais senão um famoso artista do Vaticano teria influência política para colocar suas obras de arte em capelas católicas específicas por Roma afora e criar o Caminho da Iluminação? Não um desconhecido qualquer. 

Langdon ponderou a questão. Examinou as pirâmides, conjeturando se alguma delas poderia ser o marco.

Quem sabe, ambas? 

- As pirâmides estão voltadas para direções opostas - disse Langdon, sem saber bem como avaliá-las. - Também são idênticas, por isso não sei qual... 

- Não acho que as pirâmides sejam o que estamos procurando. 

- Mas são as únicas esculturas aqui. 

Vittoria interrompeu-o apontando na direção de Olivetti e alguns de seus guardas, reunidos em torno da cova do demônio. 

Langdon acompanhou a linha da mão dela até a parede mais distante. A princípio, não viu nada. Então, alguém se moveu e ele entreviu alguma coisa. Mármore branco. Um braço. Um tronco. Depois, um rosto esculpido. Parcialmente oculto em seu nicho. Duas figuras juntas, em tamanho natural. O pulso de Langdon acelerou-se. Ficara tão absorvido pelas pirâmides e pela cova do demônio que sequer vira aquela escultura. Cruzou o recinto pelo meio de todas as pessoas. Ao se aproximar, reconheceu o puro estilo de Bernini na obra - a intensidade da composição artística, a complexidade dos rostos e os trajes ondulantes, tudo feito com o mais puro mármore branco que o dinheiro do Vaticano podia comprar. Somente quando ficou de frente para ela é que reconhece a própria escultura. Levantou a cabeça para contemplar os dois rostos e perdeu o fôlego. 

- Quem são eles? - perguntou Vittoria, ansiosa, aproximando-se por trás dele. 

Langdon continuava boquiaberto. 

- Habacuc e o Anjo - disse ele, a voz quase inaudível. 

A peça era um trabalho bastante conhecido de Bernini que aparecia em alguns livros de História da Arte.

Langdon esquecera que estava ali. 

- Habacuc? 

- É. O profeta que previu a aniquilação da Terra. 

Apreensiva, Vittoria perguntou: 

- E você acha que esse é o marco? 

Langdon balançou a cabeça, extasiado. Nunca em sua vida tivera tanta certeza de alguma coisa. Aquele era o primeiro marco Illuminati. Sem qualquer dúvida. Embora esperasse que a escultura de alguma forma

"apontasse" para o próximo altar da ciência, não contava que isso fosse literal. Tanto o anjo quanto Habacuc tinham os braços estendidos e apontavam para longe. 

Vittoria estava excitada mas confusa. 

- Ambos estão apontando, mas um contradiz o outro. O anjo está apontando para um lado e o profeta para o lado oposto. 

Langdon deu uma risadinha. Era verdade. As duas figuras estavam de fato apontando para longe, mas para direções totalmente contrárias. No entanto, ele já resolvera este problema. Com um impulso de energia, dirigiu-se para a porta. 

- Onde é que você vai? - perguntou Vittoria. 

- Para fora da igreja! - As pernas de Langdon estavam leves outra vez quando ele correu para a porta. - Tenho de ver para qual direção a escultura está apontando! 

- Espere aí! Como sabe qual dos dedos tem de acompanhar? 

- O poema - ele gritou por cima do ombro. - O último verso! 

- Que os anjos o guiem em sua busca sublime? - Ela levantou a cabeça e viu o dedo estendido do anjo. Seus olhos enevoaram-se sem querer. - Ora, não é que é mesmo?!

 

CAPÍTULO 70

Gunther Glick e Chinita Macri estavam sentados dentro do furgão da BBC do outro lado da Piazza del Popolo, onde havia menos claridade. Tinham chegado logo depois dos quatro Alpha Romeos, a tempo de presenciar uma inconcebível sucessão de acontecimentos. Chinita sequer fazia idéia do significado de tudo aquilo, mas mesmo assim mantivera a câmera funcionando. 

Logo ao chegarem, Chinita e Glick tinham visto um verdadeiro exército de homens sair depressa dos Alpha Romeos e cercar a igreja. Alguns seguravam armas. Um deles, mais velho e empertigado, saiu acompanhado de um grupo direto para as escadarias da frente da igreja. Os soldados sacaram armas e arrebentaram com tiros os cadeados que trancavam as portas. Macri não ouviu nada e presumiu que eles deviam estar usando silenciadores. Aí, os soldados entraram na igreja. 

Chinita recomendou que os dois ficassem sentados quietos filmando tudo de longe. Afinal de contas, os outros estavam armados e eles podiam ver tudo muito bem do furgão. Glick nem discutira. Agora, do outro lado da piazza, havia homens entrando e saindo da igreja. Gritavam uns para os outros. Chinita ajustou sua câmera para seguir uma equipe que estava revistando a área ao redor. Todos eles, apesar de vestidos com roupas civis, se moviam com precisão militar. 

- Quem você acha que esses homens devem ser? - perguntou ela. 

- Sei lá! - Glick parecia hipnotizado. - Tá pegando tudo? 

- Cada cena. 

Glick perguntou, cheio de si: 

- Ainda acha que devíamos voltar para o plantão do Papa? 

Chinita não tinha certeza. Obviamente, algo estava acontecendo ali, mas ela já trabalhava com jornalismo havia bastante tempo e sabia que muitas vezes acontecimentos interessantes têm explicações absolutamente sem graça. 

- Isso pode não ser nada - disse ela. - Esses caras podem ter recebido a mesma dica que você e estarem só verificando. Pode ser um alarme falso. 

Glick puxou o braço dela. 

- Ali! Focalize bem! - e apontou para a igreja. 

Chinita girou a câmera de volta para o alto das escadas. 

- Olá! - disse ela, acompanhando o homem que agora saía da igreja. 

- Quem é o arrumadinho? - perguntou Glick.

Chinita mexeu na lente para obter um dose. 

- Nunca o vi antes. - Focalizou o rosto do homem e sorriu. - Mas não me importaria nem um pouco em vê-lo de novo. 

Robert Langdon desceu correndo as escadas do lado de fora da igreja e foi para o meio da piazza.

Escurecia, o sol de primavera desaparecia tarde no sul de Roma. Àquela hora, já se escondera por trás dos prédios e havia sombras riscando a praça. 

- Muito bem, Bernini - disse ele para si mesmo em voz alta. - Para onde o seu bendito anjo está apontando? 

Examinou a posição da igreja de onde acabara de sair. Imaginou a Capela Chigi e a estátua do anjo dentro dela. Sem hesitar, virou-se diretamente para oeste, para o iminente pôr-do-sol. O tempo estava se evaporando. 

- Sudoeste - disse, fechando a cara para as lojas e apartamentos que bloqueavam sua visão. - O próximo marco fica naquela direção. 

Quebrando a cabeça, repassou página por página da História da Arte italiana. 

Apesar de Langdon conhecer bem a obra de Bernini, o escultor fora prolixo  demais para alguém que não fosse especialista em saber tudo sobre seu trabalho. 

Ainda assim, considerando-se a relativa fama do primeiro marco, Habacuc e o 

Anjo, Langdon esperava que o segundo fosse uma obra de que ele se lembrasse. 

Terra, Ar, Fogo, Água, pensou. Terra já tinham encontrado - dentro da Capela da Terra -, Habacuc, o profeta que prognosticara a aniquilação da Terra. 

Ar é o próximo. Langdon obrigou-se a pensar depressa. Uma escultura de Bernini que tenha a ver com Ar! Sua cabeça era um branco total. De qualquer maneira, sentia-se energizado. Estou no Caminho da Iluminação! O caminho ainda está intacto! 

Voltando-se para o sudoeste, esforçou-se para enxergar uma flecha ou uma torre de igreja projetando-se acima dos obstáculos. Não viu nada. Precisava de um mapa. Se conseguissem descobrir quais as igrejas que ficavam a sudoeste dali, talvez uma delas pudesse acender alguma luz na memória de Langdon. Ar, insistiu ele. Ar. Bernjnj. Escultura. Pense! 

Ele subiu de volta as escadas da catedral. Encontrou-se com Vittoria e Olivetti debaixo do andaime. 

- Sudoeste - disse, arfando. - A próxima igreja fica a sudoeste daqui. 

O sussurro de Olivetti saiu frio. 

- Tem certeza desta vez?

Langdon não aceitou a provocação. 

- Precisamos de um mapa. Um que mostre todas as igrejas de Roma. 

O comandante estudou-o um momento, o rosto impassível. 

Langdon olhou para o seu relógio. 

- Só temos meia hora. 

Olivetti passou por ele, desceu as escadas e encaminhou-se para o seu carro, estacionado bem em frente à igreja. Langdon esperava que ele tivesse ido buscar um mapa. 

Vittoria estava animada. 

- Quer dizer que o anjo está apontando para sudoeste? Tem idéia de quais são as igrejas que ficam a sudoeste? 

- Não consigo enxergar além dos malditos prédios. - Virou-se para a praça de novo. - E não conheço as igrejas de Roma o suficien... - Ele se deteve. 

- O que foi? - perguntou Vittoria, assustada. 

Langdon correu os olhos pela praça mais uma vez. Por ter subido as escadas, tinha uma visão melhor ali do alto. Ainda não dava para ver nada, mas sabia que a direção estava certa. Examinou a instável torre de andaimes acima de sua cabeça: da altura de um edificio de seis andares, chegava até a rosácea da igreja.

Em um instante Langdon resolveu o que faria em seguida. 

Do outro lado da praça, Chinita Macri e Gunther Glick estavam grudados no pára-brisa do furgão da BBC. 

- Tá pegando isso aí? - perguntou Gunther. 

Macri concentrou-se no homem que agora subia pelos andaimes. 

- Ele está bem vestido demais para brincar de Homem Aranha, na minha opinião. 

- E quem é a senhora Aranha? 

Chinita deu uma olhada na mulher atraente que estava embaixo dos andaimes. 

- Aposto que você gostaria de descobrir. 

- Acha que devo ligar para a redação? 

- Ainda não. Vamos observar. É melhor ter alguma coisa mais concreta antes de admitir que abandonamos o conclave. 

- Será que alguém matou mesmo um dos velhotes aí dentro da igreja? 

Chinita deu uma risada. 

- Você vai com toda certeza para o inferno. 

- Mas vou levando o Pulitzer comigo.

 

CAPÍTULO 71

Os andaimes tornavam-se menos estáveis quanto mais Langdon subia. Sua visão de Roma, entretanto, ficava melhor a cada etapa. E ele continuou a subir. 

Respirava com mais dificuldade do que esperava quando alcançou a última plataforma. Puxou o corpo para cima, sacudiu o pó da roupa e ficou de pé. A altura não o incomodava nada. Na realidade, era até revigorante. 

A vista era espetacular. Como um oceano de fogo, os telhados vermelhos de Roma estendiam-se a seus pés, incandescentes ao pôr-do-sol escarlate. Daquele ponto, pela primeira vez em sua vida, Langdon viu Roma além da poluição e do tráfego, enxergou a cidade e suas antigas origens: Città di Dio, a cidade de

Deus. 

Apertando os olhos para o poente, examinou os telhados à procura de uma igreja. Mas, apesar de olhar cada vez mais longe na direção do horizonte, não viu nenhuma. Existem centenas de igrejas em Roma, pensou. Deve existir alguma a sudoeste daqui! Isto, se a igreja for visível, lembrou a si mesmo. Diabos, e se ainda estiver de pé! 

Obrigando os olhos a traçarem a linha bem devagar, ele reiniciou a busca. Sabia que nem todas as igrejas teriam flechas visíveis, principalmente as menores e mais afastadas. Sem falar que Roma mudara muito

desde o século XVII, quando as igrejas eram por lei as construções mais altas. Agora, havia edificios de apartamentos, prédios altíssimos, torres de TV. 

Pela segunda vez, o olhar de Langdon alcançou o horizonte sem distinguir nada. Nem uma única flecha.

Ao longe, nos limites de Roma, o colossal domo de Michelangelo encobria o pôr-do-sol. A Basílica de São Pedro. A Cidade do Vaticano. Langdon deu por si imaginando como os cardeais estariam se saindo, se a Guarda Suíça já teria encontrado a antimatéria. Algo lhe dizia que ainda não tinham encontrado nada e que não iriam encontrar. 

O poema ecoava de novo em sua cabeça. Ele o analisou com cuidado, verso por verso. Da tumba terrena de San ti com a cova do demônio. Já tinham encontrado a tumba de Santi. Através de Roma se estendem os místicos elementos. Os místicos elementos eram Terra, Ar, Fogo e Água. O caminho da luz está

preparado, o teste sagrado. O Caminho da Iluminação formado pelas esculturas de Bernini. Que os anjos o guiem em sua busca sublime. 

E o anjo apontava para sudoeste...

 

CAPÍTULO 72

- As escadas da frente! - Glick exclamou, apontando freneticamente através do pára-brisa do furgão da BBC. - Alguma coisa está acontecendo! 

Chinita voltou sua câmera para a entrada principal. Alguma coisa sem dúvida estava acontecendo. O homem de aparência militar estacionara um dos Alpha Romeos ao do pé da escadaria e abrira a mala do carro. Agora, estava correndo os olhos pela praça para verificar se havia alguém observando. Por um segundo, Macri achou que o homem os localizara, mas os olhos continuaram o exame. Aparentemente satisfeito, ele pegou um walkie-talkie e falou no aparelho. 

Quase no mesmo instante, foi como se um exército saísse de dentro da igreja. Tal qual um time de futebol americano se organizando, os soldados formaram uma linha reta no alto da escada. Movendo-se como uma parede humana, começaram a descer. Atrás deles, quase completamente ocultos pela parede, quatro soldados carregavam um volume. Pesado. Desajeitado.  Glick inclinou-se mais para perto do pára-brisa. 

- Será que estão roubando alguma coisa da igreja? 

Chinita aproximou mais ainda a imagem de sua câmera, usando a teleobjetiva para sondar a barreira humana e tentar achar uma abertura. Uma fração de segundo, pediu ela. Uma enquadrada. Basta uma, só preciso de uma. Mas os homens deslocavam-se em bloco. Vamos lá! Ela acompanhou-os e valeu a pena. Quando os soldados tentaram levantar o objeto para colocá-lo na mala do carro, Macri conseguiu a brecha. Por ironia, foi o chefe quem cometeu o erro. Apenas por um instante, mas pelo tempo suficiente, ela conseguiu o enquadramento. Na realidade, conseguiu mais do que isso, conseguiu registrar bem a imagem. 

- Ligue para a redação - disse Chinita. - Temos um cadáver aqui. 

Longe dali, no CERN, Maximilian Kohler manobrou sua cadeira de rodas dentro do escritório de Leonardo Vetra. Com eficiência mecânica, revistou os arquivos de Vetra. Sem ter encontrado o que buscava, Kohler passou para o quarto de dormir de Vetra. A gaveta de cima da mesa-de-cabeceira estava trancada. Kohler arrombou-a com uma faca da cozinha. 

Dentro, achou exatamente o que estava procurando. Langdon desceu do andaime para o chão. Limpou a poeira da roupa. Vittoria o esperava. 

- E então, nada? 

Ele fez que não com a cabeça. 

- Puseram o cardeal na mala do carro. 

Langdon olhou para o carro estacionado e viu Olivetti e um grupo de guardas com um mapa aberto sobre o capô. 

- Estão procurando na direção sudoeste? 

Ela concordou. 

- Mas não há igrejas. Daqui, a primeira é São Pedro. 

encontro de Olivetti. Os soldados afastaram-se para deixá-lo passar. 

Olivetti dirigiu-se a ele. 

- Nada. Mas este mapa não mostra todas as igrejas, só as grandes. Mais ou menos umas cinqüenta. 

- Onde estamos? - perguntou Langdon. 

Olivetti mostrou a Piazza del Popolo e traçou uma linha reta para sudoeste. A linha passava longe, e bem longe, do agrupamento de quadrados escuros que indicavam a posição das maiores igrejas de Roma.

Lamentavelmente, as grandes igrejas de Roma também eram as mais antigas que teriam existido no século XVII. 

- Tenho de resolver algumas coisas - disse Olivetti. - Tem certeza mesmo de que a direção é essa? 

Langdon lembrou do dedo estendido do anjo e uma sensação de urgência tomou conta dele outra vez. 

- Sim, senhor, absoluta. 

Olivetti deu de ombros e traçou a linha reta outra vez. O caminho cruzava a Ponte Margherita, a Via Cola di Riezo e passava pela Piazza dei Risorgimento sem encontrar qualquer igreja até terminar abruptamente no centro da Praça de São Pedro. 

- Por que não pode ser São Pedro? - perguntou um dos soldados. Ele tinha uma cicatriz profunda sob o olho esquerdo. - É uma igreja. 

Langdon sacudiu a cabeça. 

- Tem de ser um lugar público. Neste momento, não é nada público.

- Mas a linha atravessa a Praça de São Pedro - acrescentou Vittoria, olhando por cima do ombro de Langdon -, e a praça é pública. 

Langdon já considerara aquela possibilidade. 

- Mas não há estátuas lá. 

- Não há um monumento de pedra no centro? 

Ela estava certa. Havia um monólito egípcio na Praça de São Pedro. Langdon olhou para o monólito diante deles na praça. Pirâmide elevada. Uma estranha coincidência, pensou ele. Mas deixou-a de lado. 

- O monólito do Vaticano não é de Bernini. Foi levado para lá por Calígula. E não tem nada a ver com Ar. - Ainda havia outro problema. - Além disso, o poema diz que os elementos estão espalhados através de Roma. A Praça de São Pedro é na Cidade do Vaticano, não é em Roma. 

- Depende do ponto de vista - aparteou um guarda. 

Langdon encarou-o. 

- O quê? 

- Sempre foi um pomo de discórdia. A maioria dos mapas mostra a Praça de São Pedro como pertencendo à Cidade do Vaticano, mas, por ficar fora dos muros da cidade, há séculos que as autoridades romanas alegam que é parte de Roma. 

- Está brincando - disse Langdon, que nunca soubera disso. 

- Só mencionei o assunto - continuou o guarda - porque o comandante Olivetti e a senhorita Vetra estavam falando sobre uma escultura relacionada ao Ar. 

Langdon arregalou os olhos. 

- E você conhece uma na Praça de São Pedro? 

- Mais ou menos. Não é bem uma escultura. Talvez nem seja relevante. 

- Fale - Olivetti pressionou-o. 

O homem fez um gesto com o ombro. 

- Só sei disso porque em geral fico de sentinela na piazza. Conheço cada cantinho da Praça de São Pedro. 

- A escultura - insistiu Langdon. - Como é? - Ele já considerava a possibilidade de os Iliuminati terem tido a audácia de instalar o segundo marco na frente da Basílica de São Pedro. 

- Passo por ela todos os dias, a serviço - disse o guarda. - Fica no centro, direto para onde esta linha aponta. Foi o que

me fez pensar nela. Como já disse, não se trata propriamente de uma escultura. Émais um bloco. 

Olivetti, agitado, perguntou: 

- Um bloco?

- Sim, senhor, um bloco de mármore no meio da praça. Na base do monólito. Mas o bloco não é um retângulo, é uma elipse. E tem gravado nele a imagem de um sopro de vento, ondulante. - Ele fez uma pausa. - De Ar, para usar a palavra mais científica. 

Langdon, estupefato, tinha os olhos fixos no jovem soldado. 

- Um relevo! - exclamou de repente. 

Todos olharam para ele. 

- Relevo - disse Langdon - é a outra modalidade de escultura! - Escultura é a arte de dar forma a figuras em redondo e também em relevo. Escrevera a definição em quadros-negros durante anos a fio. Os relevos eram essencialmente esculturas bidimensionais, como o perfil de Abraão Lincoin nas moedas norte-americanas de centavo. Os medalhões de Bernini na Capela Chigi eram outro exemplo perfeito. 

- Bassorelevo? - perguntou o guarda, usando o termo artístico italiano. 

- Isso! Baixo-relevo! - Langdon deu pancadinhas seguidas no capô do carro. 

- Nem me ocorreu essa expressão! A pedra de que está falando se chama West Ponente - Vento Oeste. Também é conhecida como Respiro di Dio. 

- Sopro de Deus? 

- Isso! Ar! E foi esculpida e colocada lá pelo arquiteto original! 

Vittoria não entendeu. 

- Mas não foi Michelangelo que projetou São Pedro? 

- Foi, a basílica! - exclamou Langdon, com triunfo na voz. - A praça foi projetada por Bernini! 

Quando a caravana de Alpha Romeos saiu correndo da Piazza dei Popolo, todos estavam com tanta pressa que nem notaram o furgão da BBC arrancando atrás deles. 

 

CAPÍTULO 73

Gunther Glick afundou o no acelerador do furgão da BBC e foi dando guinadas e se desviando do trânsito para seguir os quatro rápidos Alpha Romeos através do rio Tibre pela Ponte Margherita. Normalmente, Glick teria procurado manter uma distância que não chamasse a atenção, mas naquela hora ele mal conseguia acompanhá-los.

Os caras estavam voando.

Macri estava em seu local de trabalho dentro do furgão, acabando de falar ao telefone com Londres.

Quando desligou, gritou para ser ouvida por Glick em meio ao ruído do trânsito: 

- Quer as boas ou as más notícias? 

Glick fechou a cara. Nada jamais era simples quando se lidava com a sede. 

-As más. 

- Os editores ficaram furiosos porque abandonamos nosso posto. 

- Grande surpresa. 

- Eles também acham que o seu informante é um impostor. 

- Claro. 

- E o chefe acabou de me avisar que devem estar faltando uns parafusos na sua cabeça. 

Glick ficou carrancudo. 

- Beleza. E as boas notícias?  

- Eles concordaram em dar uma espiada na fita que gravamos. 

A carranca de Glick amenizou-se em um sorriso irônico. Então, vamos ver na cabeça de quem é que faltam parafusos. 

- Então, despache logo essa coisa. 

- Não posso transmitir enquanto não pararmos e eu tiver um sinal estável. 

Glick entrou com o furgão a toda velocidade na Via Cola di Rienzo. 

- Não dá para parar agora. 

Foi atrás dos Alpha Romeos dando uma guinada violenta à esquerda para contornar a Piazza Risorgimento. 

Macri agarrou seu equipamento lá atrás enquanto tudo deslizava. 

- Se quebrar meu transmissor - avisou ela -, vamos ter de levar a fita a pé até Londres. 

- Segure firme, meu bem. Algo me diz que estamos quase chegando. 

-Onde? 

Glick lançou um olhar para o conhecido domo que ia crescendo na frente deles. E deu um sorriso. 

- Ao lugar de onde saímos. 

Os quatro Alpha Romeos desviaram-se com agilidade do tráfego ao redor da Praça de São Pedro.

Separaram-se e espalharam-se contornando a piazza, enquanto deixavam homens discretamente em pontos escolhidos. Os guardas que desceram dos carros se misturaram à multidão de turistas e furgões da imprensa e logo ficaram invisíveis. Alguns deles se dirigiram para a floresta de colunas que rodeava a

praça. Esses também pareceram evaporar-se nos arredores. Observando tudo através do vidro do carro, Langdon sentiu que um cerco se fechava em torno de São Pedro. 

Além dos homens que acabara de despachar, Olivetti comunicara-se antes com o Vaticano e destacara mais guardas à paisana para o ponto central onde  o West Ponente de Bernini estava localizado. Os amplos espaços abertos da praça trouxeram de volta à mente de Langdon a velha pergunta. Como o assassino Illuminati planeja se safar? Como vai passar com um cardeal por todas essas pessoas e matá-lo diante de todos? O seu relógio de Mickey

Mouse marcava 8h54 da noite. Faltavam seis minutos. 

Do banco da frente, Olivetti virou-se para Langdon e Vittoria. 

- Quero vocês dois plantados bem em cima daquela placa de Bernini, ou bloco, ou seja lá o que for. O mesmo truque de antes. Fingindo que são turistas. Usem o telefone se virem alguma coisa. 

Antes que Langdon pudesse responder, Vittoria agarrou a mão dele e puxou-o para fora do carro. 

O sol de primavera escondia-se por trás da Basílica de São Pedro e uma imensa sombra se espalhava, engolindo toda a praça. Langdon teve um mau pressentimento quando os dois penetraram na fria e negra penumbra. Infiltrando-se na multidão, Langdon examinava cada rosto pelo qual passavam, imaginando se o assassino estaria por perto. Sentia o calor da mão de Vittoria na sua. 

Ao cruzarem o amplo espaço aberto da Praça de São Pedro, ele constatou como a praça produzia o efeito exato que o artista pretendera ao criá-la, o que lhe fora encomendado: o de "despertar um sentimento de humildade em todos que nela entrassem" Langdon com certeza sentia-se mais humilde naquele momento.

Humilde e faminto, percebeu ele, espantado que uma idéia tão corriqueira lhe viesse à cabeça àquela altura dos acontecimentos. 

- Para o obelisco? - perguntou Vittoria. 

Langdon concordou, dirigindo-se para a esquerda através da praça. 

- Que horas são? - perguntou Vittoria, andando em passo ligeiro mas descontraído. 

- Faltam cinco. 

Vittoria não disse nada, mas apertou com mais força a mão dele. Langdon ainda trazia o revólver no bolso.

Esperava que Vittoria não decidisse que precisava dele. Não conseguia imaginá-la sacando uma arma na Praça de São Pedro e explodindo os miolos de um assassino para toda a imprensa mundial assistir. Entretanto, um incidente desses não seria nada em comparação com um assassinato ali, em público, de um cardeal marcado a fogo. 

Ar, pensou Langdon. O segundo elemento da ciência. Tentou imaginar como seria a marca. O método do assassinato. Mais uma vez, correu os olhos pelo pavimento de granito sob seus pés - a Praça de São Pedro, um descampado rodeado pela Guarda Suíça. Se o assassino realmente ousasse fazer aquilo, Langdon não sabia como ele poderia escapar. 

No centro da piazza elevava-se o obelisco egípcio de Calígula, pesando 350 toneladas. Tinha 25 metros de altura até a ponta piramidal, encimada por uma cruz de aço vazada. Alta o suficiente para captar os últimos raios do sol, a cruz brilhava como se acesa por um passe de mágica, supostamente contendo relíquias da cruz em que Jesus fora crucificado. 

Duas fontes ladeavam o obelisco em perfeita simetria. Os historiadores sabiam que as fontes assinalavam com precisão os focos da elipse da piazza de Bernini, mas constituíam uma singularidade arquitetural que Langdon até então não levara em conta. Parecia que Roma de repente estava cheia de elipses, pirâmides e elementos geométricos surpreendentes. 

Ao se aproximarem do obelisco, Vittoria diminuiu o ritmo. Expeliu com força o ar dos pulmões, como se incentivasse seu companheiro a relaxar junto com ela. Langdon colaborou soltando os músculos dos ombros e afrouxando a tensão dos maxilares. 

Em algum ponto em torno do obelisco, audaciosamente colocado junto à maior igreja do mundo, estava o segundo altar da ciência - o West Ponente de Bernini, uma placa elíptica na Praça de São Pedro. 

Gunther Glick observava tudo protegido pelas sombras das colunas que circundavam a Praça de São Pedro. Em qualquer outro dia, o homem de paletó de tweed e a mulher de short cáqui não lhe teriam despertado o mínimo interesse. Aparentavam ser nada mais do que turistas passeando na praça. Mas

aquele não era um dia qualquer. Aquele fora um dia de informações pelo telefone, carros policiais sem identificação correndo por Roma afora e um homem de paletó de tweed subindo em andaimes à procura de sabe-se lá o quê Glick ia ficar atrás dos dois. 

Olhou para o outro lado da praça e viu Macri. Ela fora direto para onde ele lhe dissera para ir, para o outro lado do casal, rondando na retaguarda deles. Macri carregava sua câmera de vídeo com ar informal, mas, apesar de estar fazendo força para imitar uma entediada representante da imprensa, ela chamava mais atenção do que Glick gostaria. Não havia outros repórteres naquele ponto da praça e a sigla BBC bem visível em sua câmera estava atraindo os olhares de alguns turistas. 

A fita que Macri gravara mostrando o corpo despido sendo colocado na mala do carro estava naquele mesmo instante no transmissor de vídeo instalado na parte detrás do furgão. Glick sabia que as imagens estariam viajando agora via satélite a caminho de Londres. Imaginava o que o pessoal de lá iria dizer. 

Lamentava que ele e Macri não tivessem chegado e encontrado o corpo mais cedo, antes que o exército de soldados à paisana aparecesse. O mesmo exército, ele sabia, agora se espalhara e rodeara a praça. Alguma coisa muito importante estava para acontecer. 

A mídia é o braço direito da anarquia, dissera o assassino. Glick conjeturava se não teria perdido sua grande chance. Olhou os outros furgões da imprensa à distância e viu Macri seguindo o casal misterioso pela praça. Algo lhe dizia que o jogo ainda não terminara. 

 

CAPÍTULO 74

Langdon encontrou o que procurava uns dez metros antes de chegarem. Em meio aos turistas esparsos, a elipse de mármore branco do West Ponente de Bernini destacava-se dos cubos de granito cinzento que compunham o piso do resto da piazza. Vittoria também a avistou. Sua mão ficou mais tensa. 

- Relaxe - murmurou Langdon. - Faça aquela coisa da respiração. 

Vittoria afrouxou o aperto da mão. 

À medida que chegavam mais perto, tudo lhes parecia inquietantemente normal. Turistas vagavam, freiras conversavam ao longo da praça, uma menina dava comida aos pombos junto à base do obelisco. 

Langdon preferiu não olhar o relógio. Sabia que estava quase na hora. 

A seus pés surgiu a elipse de pedra e os dois pararam, como se fossem apenas dois turistas que se detêm para admirar um detalhe de ligeiro interesse. 

- West Ponente - disse Vittoria, lendo a inscrição na pedra.

Langdon contemplou o relevo de mármore e sentiu-se subitamente ingênuo. Nunca, em seus livros de arte ou em suas numerosas viagens a Roma, nunca o significado pleno do West Ponente lhe saltara tanto aos olhos. 

Nunca, até aquele momento. 

O relevo era elíptico, com uns 90 centímetros de comprimento, e mostrava um rosto rudimentar, uma representação do Vento Oeste com um semblante de anjo. Saindo da boca do anjo, Bernini desenhara um vigoroso sopro de ar que vinha da direção do Vaticano - o Sopro de Deus. Esse era o tributo de Bernini ao segundo elemento, Ar, um zéfiro etéreo brotando dos lábios de um anjo. Enquanto o examinava, Langdon deu-se conta de que o significado do relevo era ainda mais profundo. Bernini esculpira o sopro de ar com cinco traços distintos - cinco! E mais, havia duas estrelas reluzentes ladeando o medalhão. Langdon pensou em Galileu. Duas estrelas, o sopro de cinco traços, elipses, simetria. Sentiu um vazio e sua cabeça doía. 

Vittoria recomeçou a andar quase imediatamente, guiando-o para longe do relevo. 

- Acho que alguém está nos seguindo - disse ela. 

- Onde? - perguntou Langdon, levantando a cabeça. 

Vittoria deslocou-se bem uns 30 metros antes de falar. Apontou para o alto do Vaticano como se mostrasse algo no domo a Langdon. 

- A mesma pessoa que vem vindo atrás de nós o tempo todo através da praça. - De modo despreocupado, deu uma espiada para trás. - E ainda está aí. Continue andando. 

- Acha que é o Hassassin? 

Vittoria fez que não com a cabeça. 

- A não ser que os Iliuminati contratem mulheres com câmeras da BBC. 

Quando os sinos de São Pedro iniciaram seu alarido ensurdecedor, tanto Langdon quanto Vittoria se sobressaltaram. Estava na hora. Tinham se afastado do West Ponente fazendo um movimento circular mas agora estavam voltando para perto do relevo. 

Apesar do ressoar dos sinos, o local parecia perfeitamente calmo. Turistas andavam de um lado para outro.

Um mendigo bêbado cochilava meio desajeitado na base do obelisco. A menina dava comida aos pombos.

Langdon ponderou se a repórter teria espantado o assassino. Duvido, concluiu ele, lembrando-se da promessa do matador. Farei de seus cardeais luminares da mídia.

Quando o eco da nona badalada dissipou-se ao longe, um silêncio tranqüilo desceu sobre a praça. 

Então, a menina começou a gritar.

 

CAPÍTULO 75

Langdon foi o primeiro a alcançar a menina que gritava. Aterrorizada, a garotinha apontava para a base do obelisco, onde um bêbado decrépito e maltrapilho estava meio caído nas escadas. O homem tinha um aspecto miserável, devia ser um dos sem-teto de Roma.

As mechas gordurosas do cabelo grisalho caíam-lhe pelo rosto e o corpo inteiro estava enrolado em um pano sujo. A menina continuou a gritar enquanto corria para longe, misturando-se às pessoas. 

Langdon foi tomado por uma nova onda de apreensão ao correr na direção do velho. Havia uma mancha escura se espalhando pelos trapos do homem. Sangue fresco. 

Depois, foi como se tudo acontecesse ao mesmo tempo. 

O velho tombou para a frente, oscilante. Langdon precipitou-se para ampará-lo, mas não houve tempo. O homem rolou as escadas e bateu no chão com o rosto para baixo. Imóvel. 

Langdon caiu de joelhos. Vittoria chegou ao seu lado. Formou-se um ajuntamento de pessoas. 

Vittoria colocou os dedos no pescoço do homem por trás. 

- Tem pulso - afirmou. - Vire-o. 

Langdon já estava em ação. Segurou o homem pelos ombros e virou-lhe o corpo. Ao fazê-lo, os trapos que o envolviam soltaram-se como pele morta. O homem caiu de costas, flácido. Bem no meio de seu peito nu havia uma grande queimadura. 

Vittoria prendeu a respiração e recuou. 

Langdon ficou paralisado, em um estado intermediário entre a náusea e o assombro. O símbolo era de uma simplicidade aterrorizante.

- Ar - arquejou Vittoria. - É ele. 

Os guardas suíços surgiram vindos do nada, gritando ordens, correndo atrás de um assassino invisível. 

Perto, um turista explicou que, minutos antes, um homem de pele escura tivera a gentileza de ajudar aquele pobre mendigo ofegante a atravessar a praça e chegara a sentar-se por um momento nas escadas com o enfermo antes de voltar e sumir na multidão. 

Vittoria arrancou o resto dos trapos de cima do abdômen do velho. Havia duas perfurações profundas, uma de cada lado da marca, logo abaixo das costelas. Ela inclinou a cabeça do homem para trás e iniciou uma respiração boca a boca.

Langdon não estava preparado para o que aconteceu em seguida. Quando Vittoria soprou, as duas feridas no tórax do homem sibilaram e esguicharam sangue como se fossem respiradouros de baleia. O líquido salgado atingiu Langdon no rosto. 

Vittoria parou, horrorizada. 

- Os pulmões dele... - ela gaguejou - foram perfurados. 

Langdon enxugou os olhos e viu as perfurações. Os orifícios gorgolejavam. Os pulmões do cardeal haviam sido destruídos. Ele estava morto. 

Vittoria tentou ocultar o corpo enquanto os guardas suíços se aproximavam. 

Langdon levantou-se, desorientado. E foi quando a viu. A mulher que os seguira antes estava agachada ali perto. Tinha sua câmera de vídeo com a sigla BBC apoiada no ombro, voltada para ele e funcionando. Os dois se entreolharam e ele percebeu que ela gravara tudo. Depois, como um gato, ela fugiu. 

 

CAPÍTULO 76

Chinita Macri estava fugindo. Conseguira a melhor matéria de toda a sua vida. 

Sua câmera de vídeo pesava-lhe como uma âncora enquanto ela atravessava com dificuldade a Praça de São Pedro, abrindo caminho entre a multidão cada vez maior. A maioria vinha no sentido oposto ao dela, em direção ao tumulto que se formara. Macri estava tentando se afastar ao máximo de lá. O homem do paletó de tweed a vira e agora ela tinha a impressão de que havia outros em seu encalço, outros que ela não sabia onde estavam e que se aproximavam de todos os lados.

Macri ainda estava horrorizada com as imagens que acabara de gravar. Pensava se o homem morto seria realmente quem ela imaginava que fosse. O contato telefônico misterioso de Glick agora lhe parecia menos maluco. 

Ela continuava a seguir apressada para o furgão da BBC quando um rapaz com inconfundível aspecto militar destacou-se do meio da multidão diante dela. Seus olhos se encontraram e ambos pararam. Rápido, ele sacou um walkie-talkie e falou ao aparelho. Depois, andou ao encontro dela. Macri fez meia-volta e misturou-se às pessoas, o coração batendo forte. 

Tropeçando no mar de braços e pernas, ela retirou a fita de vídeo gravada de dentro da câmera. Ouro puro, pensou, enfiando a fita na parte de trás do seu cinto, escondida pelas abas do casaco. Ao menos uma vez estava satisfeita com seu excesso de peso. Glick, seu desgraçado, onde está você? 

Outro soldado apareceu à sua esquerda, aproximando-se. Macri sabia que tinha pouco tempo. Meteu-se pelo meio do povaréu outra vez. Tirou uma fita virgem da maleta e enfiou-a na câmera. E começou a rezar. 

Estava a uns 30 metros do furgão quando os dois homens se materializaram na frente dela, os braços cruzados. Ela não iria a mais lugar nenhum. 

- O filme - disse um. - Agora. 

Macri recuou, protegendo sua câmera com os dois braços. 

- De jeito nenhum. 

Um dos homens abriu a jaqueta, mostrando uma arma no coldre. 

- Pode atirar em mim, se quiser - disse Macri, espantada com o atrevimento de sua própria voz. 

- O filme - repetiu o primeiro. 

Onde foi parar esse maldito Glick? Macri bateu o pé e gritou o mais alto que pôde. 

- Sou uma profissional da BBC! Pelo artigo 12 da Lei da Liberdade de Imprensa, este filme é propriedade da British Broadcast Corporation! 

Os homens nem se abalaram. O que mostrara a arma deu um passo em sua direção e disse: 

- Sou tenente da Guarda Suíça e, de acordo com a Sagrada Doutrina que rege a propriedade na qual se encontra agora, a senhora está sujeita a busca e apreensão. 

Muitas pessoas agora começavam a se reunir em torno deles. 

Macri gritou: 

- Eu me recuso terminantemente a entregar a vocês o filme que está nesta câmera antes de falar com meu editor em Londres. Sugiro que vocês... 

Os guardas não a deixaram continuar. Um arrancou a câmera das mãos dela. O outro agarrou-a à força pelo braço e virou-a na direção do Vaticano. 

- Grazie - dizia ele, empurrando-a através da multidão que se acotovelava.

Macri rezava para que não a revistassem e encontrassem a fita. Se de algum jeito conseguisse esconder o filme até dar tempo para... 

Subitamente, aconteceu o impensável. Alguém estava pondo a mão por baixo do seu casaco. Macri sentiu a fita ser puxada. Girou o corpo depressa, mas engoliu as palavras. Atrás dela, um ofegante Glick piscou com uma cara marota e desapareceu outra vez no meio da multidão. 

 

CAPÍTULO 77

Robert Langdon entrou meio cambaleante no banheiro particular ao lado do escritório do Papa. Enxugou o sangue no rosto e nos lábios. O sangue não era seu, mas do cardeal Lamassé, que morrera de modo terrível havia pouco na praça cheia de gente. Sacrifícios de virgens nos altares da ciência. Até então, o Hassassin cumprira sua ameaça. 

Langdon sentiu-se sem forças ao olhar no espelho. Seu rosto estava abatido, a barba curta começara a escurecer sua face. O aposento em que se encontrava era imaculado e luxuoso - mármore negro com ferragens douradas, toalhas de algodão e sabonetes perfumados. 

Tentou apagar de sua mente a marca cruel que vira no peito do cardeal. Ar. A imagem permanecia. Já vira três ambigramas desde que acordara naquela manhã e sabia que mais dois estavam a caminho. 

Do lado de fora da porta, Olivetti, o camerlengo e o capitão Rocher estavam discutindo o que fazer em seguida. Pelo jeito, a busca da antimatéria não dera em nada até aquele momento. Ou os guardas não tinham visto o tubo ou o intruso fora mais longe dentro do Vaticano do que o comandante Olivetti gostaria de admitir. 

Langdon enxugou o rosto e as mãos. Depois, procurou um mictório. Não havia mictório, somente um vaso sanitário. Ele levantou a tampa do vaso. 

De pé ali, a tensão de seu corpo diminuindo, um atordoamento e uma grande exaustão invadiram-no. As emoções que se emaranhavam em seu peito eram muitas e muito incongruentes. Estava cansado, sem dormir nem comer, percorrendo o Caminho da Iluminação e traumatizado por dois assassinatos brutais.

Experimentou um sentimento de horror ainda mais profundo quando pensou no possível desenlace daquele drama. 

Pense, disse a si mesmo. Mas sua mente estava em branco.

Quando acionou a descarga, ocorreu-lhe um pensamento inesperado. Este é o banheiro do Papa.

Acabei de fazer pipi no banheiro do Papa. Teve de rir. No Trono Sagrado. 

 

CAPÍTULO 78

Em Londres, uma funcionária da BBC tirou uma fita de vídeo de um gravador conectado via satélite e saiu às pressas da sala de controle. Irrompeu pela sala do chefe de redação, colocou a fita no aparelho de vídeo dele e apertou o botão play. 

Enquanto viam a fita, ela lhe contou sobre a conversa que acabara de ter com Gunther Glick na Cidade do Vaticano. E acrescentou que obtivera logo depois uma confirmação da identidade da vítima da Praça de São Pedro nos arquivos fotográficos da BBC. 

Quando o redator-chefe saiu de sua sala, veio tocando uma sineta. Tudo parou na redação. 

- Ao vivo em cinco minutos! - bradou o homem com voz estrondosa. 

- Quero gente com talento para editar e colocar no ar! Coordenadores de mídia, quero seus contatos on-line! Temos uma história para vender! E temos o filme!

Eles pegaram depressa seus cadernos de telefone. 

- Especificação do filme? - gritou um deles. 

- Tomada de 30 segundos! - respondeu o chefe. 

- Assunto? 

- Homicídio ao vivo. 

Os coordenadores mostraram-se animados.

- Preço para uso e licença? 

- Um milhão de dólares. 

Cabeças levantaram-se, rápidas. 

- O quê?

- Isto mesmo que vocês ouviram! Quero o topo da cadeia alimentar. CNN, MSNBC e depois as três grandes!

Ofereçam uma apresentação prévia. Dêem a eles uns cinco minutos para se organizarem antes que a BBC solte a matéria. 

- Que diabos aconteceu? - alguém perguntou. - O primeiro-ministro foi esfolado vivo?

O chefe balançou a cabeça. 

- Muito melhor. 

Naquele instante preciso, em algum ponto de Roma, o Hassassin desfrutava de um fugaz momento de repouso em uma cadeira confortável. Admirava o lendário aposento onde se encontrava. Estou sentado na Igreja da Iluminação, pensou. No refúgio dos Iliuminati. Quase não acreditava que o local ainda estivesse ali depois de passados tantos séculos. 

Zeloso, discou o número do repórter da BBC com quem falara antes. Estava na hora. O mundo ainda não ouvira a notícia mais chocante de todas. 

 

CAPÍTULO 79

Vittoria Vetra tomou pequenos goles de água e beliscou distraída uns bolinhos que um dos guardas suíços acabara de lhe servir. Sabia que precisava comer, mas não tinha vontade, O escritório do Papa estava fervilhante agora, cheio do som de conversas tensas. O capitão Rocher, o comandante Olivetti e uma meia dúzia de guardas avaliavam os prejuízos e debatiam o próximo passo a ser dado. 

Robert Langdon estava por perto olhando para fora, para a Praça de São Pedro, com um ar bastante desanimado. Vittoria foi até ele. 

- Alguma idéia? 

Ele fez que não. 

- Quer um bolinho? 

O ânimo dele pareceu melhorar ao ver algo para comer. 

- Puxa, se quero. Obrigado. - E devorou uns bolinhos. 

A conversa atrás deles silenciou de repente quando o camerlengo entrou pela porta acompanhado por dois guardas suíços. Se o camerlengo já parecera esgotado antes, pensou Vittoria, agora parecia vazio. 

- O que aconteceu? - ele perguntou a Olivetti. Pela expressão de seu rosto, já tinham lhe contado o pior.

O informe oficial de Olivetti soou como um relatório de baixas em combate. Enumerou os fatos com seca eficiência. 

- O cardeal Ebner foi encontrado morto na igreja de Santa Maria del Popolo logo depois das oito horas.

Havia sido asfixiado e marcado com a palavra ambigramática "Terra". O cardeal Lamassé foi assassinado na Praça de São Pedro dez minutos atrás. Morreu de perfurações no peito. Foi marcado a fogo com a palavra "Ar', também ambigramática. O assassino escapou nas duas oportunidades. 

O camerlengo cruzou a sala, sentou-se pesadamente atrás da escrivaninha do Papa e baixou a cabeça. 

- Os cardeais Guidera e Baggia, entretanto, ainda estão vivos. 

A cabeça do camerlengo levantou-se de um golpe, no rosto uma expressão de dor. 

- E isso por acaso nos serve de consolo? Dois cardeais foram assassinados, comandante. E os outros dois pelo jeito também não vão permanecer vivos por muito tempo, a não ser que o senhor os encontre. 

- Vamos encontrá-los - garantiu Olivetti -, estamos esperançosos. 

- Esperançosos? Só tivemos fracassos. 

- Não é verdade. Perdemos duas batalhas, signore, mas estamos vencendo a guerra. Os Iliuminati pretendiam transformar esta noite em um espetáculo para a mídia. Até agora, frustramos os planos deles.

Os corpos dos dois cardeais foram resgatados sem incidentes. Além disso - continuou Olivetti -, o capitão Rocher contou-me que está fazendo grandes avanços na busca da antimatéria. 

O capitão Rocher, com sua boina vermelha na cabeça, deu um passo à frente. Vittoria observou que de certa forma ele parecia mais humano do que os outros guardas, firme mas não tão rígido. A voz de Rocher era cristalina, com um tom emocionado, como um violino. 

- Espero trazer o tubo para o senhor dentro de uma hora, signore. 

- Capitão - disse o camerlengo -, desculpe-me se não demonstro confiança, mas tive a impressão de que a busca da Cidade do Vaticano levaria muito mais tempo do que isso. 

- Uma busca completa, sim. No entanto, depois de avaliar a situação, creio que o tubo de antimatéria esteja localizado em uma de nossas zonas brancas, os setores do Vaticano acessíveis ao público em geral, os museus e a Basílica de São Pedro, por exemplo. Já desligamos a energia elétrica nessas zonas e estamos realizando a nossa varredura. 

- Vocês pretendem procurar em só uma pequena parcela da Cidade do Vaticano? 

- Sim, signore. É muito improvável que um intruso tenha tido acesso às zonas mais centrais do Vaticano, O fato de a câmera de segurança em questão ter sido roubada em uma área aberta ao público, um vão de escada de um dos museus, claramente indica que o invasor tinha acesso limitado. Portanto, só poderia reinstalar a câmera e deixar a antimatéria em outra área aberta ao público. É nestas áreas que estamos concentrando nossas buscas. 

- Mas esse homem seqüestrou quatro cardeais. O que decerto supõe uma infiltração mais profunda do que pensávamos. 

- Não necessariamente. Precisamos lembrar que os quatro cardeais passaram grande parte do dia nos museus do Vaticano e na Basílica de São Pedro, desfrutando destes locais sem a presença do público. É provável que os cardeais tenham sido capturados em um desses pontos. 

- E como foram levados para fora de nossos muros? 

- Ainda estamos analisando isto. 

- Compreendo. - O camerlengo suspirou e levantou-se. Aproximou-se de Olivetti. - Comandante, gostaria de saber qual é o seu plano de contingência para uma evacuação da cidade. 

- Ainda estamos formalizando isto, signore. Nesse meio tempo, acredito que o capitão Rocher vá encontrar o tubo. 

Rocher bateu os calcanhares em apreço pelo voto de confiança. 

- Meus homens já examinaram dois terços das zonas brancas. Há um alto grau de confiança. 

O camerlengo não demonstrava o mesmo sentimento. 

Naquele momento, o guarda com a cicatriz sob um dos olhos entrou trazendo uma pequena prancheta e um mapa.

Dirigiu-se a Langdon. 

- Senhor Langdon? Trouxe a informação que o senhor solicitou sobre o West Ponente. 

Langdon engoliu seu bolinho. 

- Ótimo. Vamos a ela. 

Os outros continuaram conversando enquanto Vittoria juntava-se a Robert e aos guardas e eles abriam o mapa sobre a escrivaninha do Papa. 

O soldado apontou para a Praça de São Pedro. 

- Aqui é onde estamos. O traço do meio do sopro de West Ponente aponta para leste, direto para fora da Cidade do Vaticano. - O guarda traçou uma linha com seu dedo a partir da Praça de São Pedro, atravessando o rio Tibre e entrando no coração da velha Roma. - Como vêem, a linha passa por quase toda Roma. Existem umas 20 igrejas católicas perto desta linha. 

Langdon quase desmontou. 

- Vinte?

- Talvez mais. 

- A linha passa exatamente em cima de alguma dessas igrejas? 

- Algumas estão mais próximas - disse o guarda -, mas transferir as orientações do West Ponente para um mapa vai dar margem a muitos erros. 

Langdon olhou para a Praça de São Pedro por um instante. Depois, coçou o queixo e perguntou. 

- E com relação afogo? Será que uma delas não teria alguma obra de Bernini relacionada a fogo? 

Silêncio. 

- E obeliscos? - perguntou ele. - Existe alguma perto de um obelisco? 

O guarda examinou de novo o mapa. 

Vittoria viu um lampejo de esperança no rosto de Langdon e adivinhou o que ele estava pensando. Ele tem razão! Os dois primeiros marcos ficavam perto de praças que tinham obeliscos. Quem sabe se os obeliscos não seriam o tema?

Pirâmides elevadas marcando a trilha dos Iliuminati? Quanto mais Vittoria pensava mais apropriado lhe parecia: quatro sinais proeminentes erguendo-se acima de Roma para marcar os altares da ciência. 

- É uma probabilidade remota - disse Langdon -, mas sei que muitos dos obeliscos de Roma foram erigidos ou levados de um lugar para outro no tempo de Bernini. Ele com certeza esteve envolvido na instalação deles. 

- Ou - acrescentou Vittoria - Bernini poderia ter colocado seus marcos perto de obeliscos já existentes. 

- É verdade - concordou Langdon. 

- Más notícias - disse o guarda. - Nenhum obelisco nessa reta. - Correu o dedo pelo mapa. - Nem perto dela. Nada. 

Langdon suspirou. 

Vittoria deixou os ombros caírem. Achara a idéia boa, mas, pelo jeito, não ia ser tão fácil quanto esperavam. Esforçou-

se para continuar sendo positiva. 

- Robert, pense. Você deve conhecer alguma estátua de Bernini que tenha alguma coisa a ver com fogo. Qualquer coisa. 

- Acredite, estive pensando nisso. Bernini era incrivelmente produtivo. Criou centenas de obras. Contava que o West

Ponente indicasse uma única igreja. Algo que chamasse a atenção. 

- Fuàco - insistiu ela. - Fogo. Nenhum título de obra de Bernini lhe ocorre? 

- Existem os famosos desenhos de Fogos de Artificio, mas não são escultura e estão em Leipzig, na Alemanha. 

Vittoria fez uma careta. 

- E tem certeza de que o sopro é o que indica a direção?

- Você viu o relevo, Vittoria. O desenho é inteiramente simétrico. A única referência a direção é o sopro. 

Vittoria sabia que ele tinha razão. 

- Sem falar que, pelo fato de o West Ponente significar Ar, seguir o sopro é simbolicamente apropriado - acrescentou ele. 

Muito bem, pensou ela, então vamos seguir o sopro. Mas para onde? 

Olivetti aproximou-se. 

- O que encontraram? 

- Igrejas demais - disse o soldado. - Umas vinte e tantas. Se puséssemos quatro homens em cada igreja... 

- Esqueça - disse Olivetti. - Já deixamos esse sujeito escapar duas vezes sabendo exatamente onde ele ia estar. Um

cerco maciço deixaria a Cidade do Vaticano desprotegida e nos obrigaria a cancelar a busca à antimatéria. 

- Precisamos de uma obra de referência - disse Vittoria. - Um índice das obras de Bernini. Se examinarmos os títulos delas, talvez nos ocorra alguma idéia. 

- Não sei, não - disse Langdon. - Se for uma obra que Bernini criou especificamente para os Illuminati, pode ser muito obscura. Não é muito provável que conste de alguma lista em um livro. 

Vittoria recusava-se a acreditar. 

- As outras duas esculturas eram muito famosas. Você as conhecia. 

- Pois é - disse Langdon. 

- Se procurarmos referências à palavra "fogo" em uma lista de títulos, talvez encontremos uma estátua que esteja na direção certa. 

Langdon convenceu-se de que valia a pena tentar. Dirigiu-se a Olivetti. 

- Preciso de uma lista de todas as obras de Bernini. Será que vocês têm por aqui um desses livros grandes sobre Bernini, desses que as pessoas colocam em cima de mesas baixas para serem folheados? 

Olivetti não entendeu a que tipo de livro Langdon se referia. 

- Deixe para lá. Qualquer lista de obras serve. No Museu do Vaticano eles devem ter referências sobre Bernini. 

O guarda com a cicatriz fez um aparte. 

- O museu está sem luz no momento e a sala de registros é gigantesca. Sem a equipe de lá para ajudar... 

- A obra de Bernini em questão - interrompeu Olivetti - teria sido criada enquanto Bernini trabalhava aqui no Vaticano? 

- Isso é praticamente certo - respondeu Langdon. - Ele passou quase toda a carreira aqui. E certamente estava aqui durante o período dos conflitos da Igreja com Galileu.

Olivetti balançou a cabeça. 

- Então, existem outras referências. 

Vittoria sentiu um lampejo de otimismo. 

- Onde? 

O comandante não respondeu. Falou à parte e em voz baixa com o guarda. O guarda pareceu inseguro, mas assentiu com a cabeça, obediente. Quando Olivetti acabou de falar, o guarda dirigiu-se a Langdon. 

- Venha comigo, por favor, senhor Langdon. São 9h 15. Temos de nos apressar. 

Langdon e o guarda se dirigiram para a porta. 

Vittoria saiu atrás deles. 

- Vou junto para ajudar. 

Olivetti pegou-a pelo braço. 

- Não, senhorita Vetra. Preciso falar com a senhorita. 

A pressão da mão dele era firme. 

Langdon e o guarda saíram. O rosto de Olivetti parecia uma dura máscara de madeira quando a levou para um lado.

Entretanto, o que quer que ele fosse dizer, não teve mais oportunidade. Seu walkie-talkie crepitou alto. 

- Commandante?

Todos na sala se viraram. 

A voz no transmissor soou desagradável. 

- É melhor o senhor ligar a televisão.

 

CAPÍTULO 80

Ao deixar os Arquivos Secretos do Vaticano apenas duas horas antes, Langdon jamais pensou que fosse voltar lá. Agora, meio sem fôlego por ter feito todo o percurso correndo com o guarda suíço que o acompanhava, Langdon encontrava-se de volta. 

Seu acompanhante, o guarda com a cicatriz, conduziu Langdon ao longo das filas de cubículos transparentes. O silêncio nos arquivos de certa forma parecia mais ameaçador do que antes e Langdon ficou satisfeito quando o guarda o quebrou.

- Ali adiante, acho - disse ele, conduzindo Langdon para os fundos da sala, onde uma sucessão de câmaras menores enfileirava-se ao longo da parede. O guarda examinou os títulos das câmaras e indicou uma delas. 

- Isso mesmo, aqui está. Onde o comandante disse que estaria. 

Langdon leu o título. ATTIVI VATICANI. Ativos do Vaticano? Deu uma espiada na lista de assuntos. Imóveis, moeda, Banco do Vaticano, antiguidades  - a lista prosseguia. 

- Documentos de todos os ativos do Vaticano - disse o guarda. 

Langdon olhou para o cubículo. Jesus! Mesmo no escuro, dava para ver que estava lotado. 

- Meu comandante disse que tudo o que Bernini criou enquanto trabalhava para o Vaticano deve estar listado aqui como ativo. 

Langdon concordou, achando que o palpite do comandante talvez desse resultado. No tempo de Bernini, tudo o que um artista criava sob o patrocínio do Papa tornava-se, por lei, propriedade do Vaticano. Era mais feudalismo do que mecenato, mas os grandes artistas viviam bem e raramente se queixavam. 

- Inclusive obras localizadas em igrejas fora da Cidade do Vaticano? 

O soldado lançou-lhe um olhar enviesado. 

- Claro. Todas as igrejas católicas de Roma são propriedade do Vaticano. 

Langdon deu uma olhada na lista que tinha na mão. Continha o nome das vinte  e tantas igrejas localizadas na linha reta determinada pelo sopro de West Ponente. 

O terceiro altar da ciência era uma delas e ele esperava que tivesse tempo de descobrir qual. Em outras circunstâncias, teria de muito bom grado explorado pessoalmente cada uma das igrejas. Naquele dia, porém, tinha cerca de 20 minutos para  encontrar o que procurava: a igreja que guardava um tributo de Bernini ao fogo. 

Encaminhou-se para a porta giratória eletrônica da câmara. O guarda não o seguiu. Langdon percebeu uma hesitação nele. Deu um sorriso. 

- O ar está ótimo. Rarefeito, mas respirável. 

- Minhas ordens foram para acompanhá-lo até aqui e depois voltar imediatamente para o centro de segurança. 

- Você vai embora? 

- Vou. A Guarda Suíça não tem permissão para entrar nos Arquivos. Já estou quebrando o protocolo por acompanhá-lo até este ponto. O comandante mencionou isto para mim. 

- Quebrando o protocolo? Tem alguma noção de o que está se passando por aqui esta noite? De que lado o seu comandante está, afinal? 

Toda a afabilidade desapareceu do rosto do guarda. A cicatriz sob seu olho estremeceu. Suas feições endureceram e ele ficou bastante parecido com o próprio Olivetti.

- Desculpe - disse Langdon, arrependendo-se de ter feito o comentário. - É só porque um pouco de ajuda seria bom. 

O guarda nem pestanejou. 

- Fui treinado para cumprir ordens. Não para discuti-las. Quando encontrar o que procura, entre em contato com o comandante imediatamente. 

Langdon ficou confuso. 

- Mas onde ele vai estar? 

O guarda retirou seu walkie-talkie e colocou-o sobre uma mesa próxima. 

- Canal um. 

E desapareceu na escuridão. 

 

CAPÍTULO 81

O aparelho de televisão que havia no escritório do Papa era um enorme Hitachi escondido em um armário do lado oposto da escrivaninha. As portas do armário tinham sido abertas e todos estavam reunidos diante da TV. Vittoria também foi para perto do aparelho. Quando a tela se acendeu, mostrou uma jovem repórter morena com olhos castanhos de gazela. 

- Para o jornal da MSNBC - anunciou ela -, sou Kelly Horan-Jones, ao vivo da Cidade do Vaticano. 

Atrás da moça, uma imagem noturna da Basílica de São Pedro com todas as luzes brilhando. 

- Você não está ao vivo coisa nenhuma - disparou Rocher. - As luzes da basílica estão apagadas neste momento! 

Olivetti calou-o com um psiu. 

A repórter continuou, com voz tensa. 

- Graves acontecimentos abalaram a eleição no Vaticano esta noite. Temos a informação de que dois membros do

Colégio dos Cardeais foram brutalmente assassinados em Roma. 

Olivetti soltou uma praga em voz baixa. 

Enquanto a moça falava na televisão, um guarda apareceu à porta, esbaforido. 

- Comandante, a mesa telefônica central comunicou que todas as linhas estão chamando. Solicitam nossa posição oficial sobre... 

- Desliguem a mesa telefônica - disse Olivetti, sem tirar os olhos da TV.

O guarda ficou hesitante. 

- Mas, comandante... 

-Vá! 

O guarda saiu correndo. 

Vittoria notou que o camerlengo quis dizer alguma coisa, mas se conteve. Em vez de falar, ele olhou prolongada e firmemente para Olivetti antes de se voltar outra vez para a televisão. 

A MSNBC estava agora mostrando cenas gravadas. A Guarda Suíça descendo as escadas de Santa Maria del Popolo com o corpo do cardeal Ebner, depois o levantando-o para colocar no Alpha Romeo. A imagem era congelada e o corpo despido do cardeal aparecia em dose antes de ser depositado na mala do carro. 

- Quem foi o desgraçado que filmou isso? - perguntou Olivetti. 

A repórter da MSNBC continuava falando. 

- Acredita-se que esse seja o corpo do cardeal Ebner, de Frankfurt, Alemanha. Os homens que estão retirando seu corpo da igreja pertencem provavelmente à Guarda Suíça do Vaticano. 

A repórter dava a impressão de estar fazendo o máximo de esforço para aparentar emoção. Em seguida, um close de seu rosto sugeria uma profunda consternação. 

- Neste momento, a MSNBC gostaria de avisar aos seus espectadores que as imagens que vamos mostrar agora são extremamente dramáticas e não são recomendadas para todas as pessoas. 

Vittoria fez pouco da falsa preocupação da emissora com a sensibilidade dos espectadores, reconhecendo aquela observação como o supremo recurso da mídia para chamar a atenção. Ninguém mudava de canal depois de um aviso como aquele. 

A repórter insistiu. 

- Repetimos, as cenas a que vamos assistir podem perturbar alguns espectadores. 

- Que cenas? - perguntou Olivetti. - Vocês já mostraram... 

Surgiu na TV um casal andando no meio da multidão da Praça de São Pedro. Vittoria logo reconheceu as duas pessoas como sendo ela própria e Robert Langdon. Em um canto da tela, lia-se em letras pequenas um texto sobreposto:

CORTESIA DA BBC. Um sino tocava ao fundo. 

- Ah, não - disse Vittoria em voz alta. - Ah... não. 

O camerlengo parecia não compreender. Dirigiu-se a Olivetti. 

- Você não me disse que havia confiscado essa fita? 

Subitamente, na televisão, havia uma criança gritando. A câmera deslocou-se para uma garotinha apontando para o que aparentava ser um mendigo ensangüentado. Robert Langdon apareceu abruptamente tentando ajudar a menina. O cinegrafista estabilizou a câmera no mesmo ponto. 

Todos no escritório do Papa assistiram em silêncio, horrorizados, ao drama desenrolar-se diante deles. O corpo do cardeal tombou e ele caiu com o rosto no chão. Vittoria apareceu e começou a agir. Havia sangue. A marca a fogo. Uma tentativa horripilante e fracassada de administrar respiração boca a boca. 

- Essas cenas incríveis - a repórter estava dizendo - foram filmadas poucos minutos atrás fora do Vaticano. Nossas fontes nos informam que se trata do cardeal Lamassé, da França. Por que ele estaria vestido daquela maneira e por que não estava no conclave são perguntas que permanecem sem resposta. Até agora, o Vaticano recusou-se a fazer qualquer comentário. - E a fita recomeçou a ser exibida. 

- "Recusou-se a fazer qualquer comentário"? - disse Rocher. - Não tivemos nem tempo! 

A repórter continuava a falar com grande intensidade, as sobrancelhas franzidas. 

- A MSNBC ainda não obteve confirmação sobre o motivo do ataque, mas nossas fontes asseguram que um grupo que se autodenomina Illuminati assumiu a responsabilidade pelos assassinatos. 

Olivetti explodiu. 

- O quê?! 

- . . . saiba mais sobre os Illuminati visitando nosso site em... 

- Non é posibile! - declarou Olivetti. E mudou de canal. 

Na outra estação havia um repórter hispânico falando: 

- . . . um culto satânico conhecido como os Illuminati, que alguns historiadores acreditam... 

Olivetti começou a apertar freneticamente o controle remoto. Todos os canais estavam transmitindo a notícia ao vivo.

Muitos deles, em inglês. 

- . . . Guarda Suíça removendo um corpo de uma igreja no princípio desta noite. Acredita-se que o corpo seja o do cardeal... 

- . . . as luzes da basílica e dos museus foram apagadas e especula-se que... 

- . . . dentro em pouco falaremos com o especialista em teorias conspiratórias Tyler Tingley sobre esse espantoso reaparecimento... 

- .. .há rumores sobre mais dois assassinatos planejados para mais tarde esta noite... 

- . . .dúvidas se o provável Papa, o cardeal Baggia, estaria entre os desaparecidos... 

Vittoria afastou-se. Tudo estava acontecendo rápido demais. Lá fora, na noite que descia, o rude magnetismo da tragédia humana parecia atrair mais pessoas para a Cidade do Vaticano. A multidão na praça aumentava quase a cada instante. Os pedestres chegavam incessantemente enquanto novas equipes de imprensa descarregavam seus furgões e faziam valer seus direitos na Praça de São Pedro. 

Olivetti largou o controle remoto e dirigiu-se ao camerlengo. 

- Signore, não posso imaginar como isso aconteceu. Nós pegamos a fita que estava naquela câmera! 

O camerlengo parecia momentaneamente atordoado para falar. 

Ninguém dizia uma palavra sequer. A Guarda Suíça mantinha-se rígida, atenta. 

- Tudo indica - disse finalmente o camerlengo, em um tom de voz arrasado demais para estar zangado - que não soubemos conter essa crise tão bem quanto fui levado a acreditar. - Olhou pela janela, para a massa de gente que se formava lá fora. - Preciso fazer um pronunciamento. 

Olivetti sacudiu a cabeça. 

- Não, signore. Isso é precisamente o que os liluminati querem que faça. Legitimá-los, admitir seu poder. Temos de nos manter em silêncio. 

- E essas pessoas? - O camerlengo apontou para a janela. - Logo haverá milhares. Depois, centenas de milhares. Deixar que essa charada prossiga só vai colocá-las em perigo. Tenho de preveni-las. E em seguida temos de tirar daqui o nosso Colégio de Cardeais. 

- Ainda há tempo. Deixe que o capitão Rocher encontre a antimatéria. 

O camerlengo encarou-o. 

- Está querendo me dar ordens? 

- Não, estou lhe dando um conselho. Se está preocupado com o povo lá fora, podemos anunciar que houve um escapamento de gás e desimpedir a área, mas admitir a nossa vulnerabilidade pode ser perigoso. 

- Comandante, só vou dizer isto uma vez. Não vou usar esse cargo como um púlpito para mentir para o mundo. Se eu anunciar alguma coisa, só poderá ser a verdade. 

- A verdade? A Cidade do Vaticano está ameaçada de ser destruída por terroristas satânicos! Só vai enfraquecer nossa posição. 

O camerlengo fulminou-o com o olhar. 

- Nossa posição não pode ficar mais fraca do que já está. 

Rocher gritou repentinamente, apoderando-se do controle remoto e aumentando o volume da televisão. Todos se viraram para o aparelho. 

No ar, a mulher da MSNBC parecia agora verdadeiramente amedrontada. Ao lado dela haviam sobreposto uma fotografia do último Papa.

- ... divulgar informações. Acabamos de receber a notícia da BBC... - ela relanceou o olhar para a câmera como se quisesse confirmar que tinha realmente de dar aquela notícia. Aparentemente tendo recebido confirmação, voltou-se para os espectadores. - Os liluminati acabaram de assumir a responsabilidade pela... - ela hesitou. - Eles assumiram a responsabilidade pela morte do Papa 15 dias atrás. 

O queixo do camerlengo caiu. 

Rocher largou o controle remoto. 

Vittoria mal conseguia processar a informação. 

- Pela lei do Vaticano - a mulher prosseguiu -, jamais se realiza uma autópsia formal em um Papa, portanto não se pode confirmar a declaração de assassinato feita pelos Illuminati. Seja como for, os Illuminati afirmam que a causa da morte do último Papa não foi um derrame, como relatou o Vaticano, mas envenenamento. 

A sala inteira ficou em silêncio completo outra vez. 

Olivetti irrompeu em exclamações. 

- Loucura! Que mentira descarada! 

Rocher começou a mudar rapidamente os canais outra vez. O boletim espalhara-se como uma praga de uma estação para outra. Todas tinham a mesma história. As chamadas competiam pelo maior sensacionalismo possível.

ASSASSINATO NO VATICANO PAPA ENVENENADO SATÃ NA CASA DE DEUS

O camerlengo afastou os olhos da tela. 

- Que Deus nos ajude.

Quando Rocher estava mudando de canal, passou pela BBC. 

- . . .me avisou sobre o assassinato em Santa Maria del Popolo... 

- Espere! - disse o camerlengo. - Volte. 

Rocher voltou. Na tela, um locutor empertigado estava sentado diante da escrivaninha do jornal da BBC. Acima do ombro dele destacava-se uma foto de um homem esquisito com uma barba ruiva. Sob a foto estava escrito:

GUNTHER GLICK - AO VIVO DA CIDADE DO VATICANO. O repórter Glick transmitia suas notícias pelo telefone, a ligação entremeada de chiados intermitentes. 

- . . . minha cinegrafista conseguiu gravar a cena do cardeal sendo removido da Capela Chigi. 

- Devo lembrar aos nossos espectadores - disse o âncora em Londres - que o repórter Gunther Glick, da BBC, foi quem

primeiro divulgou esta história. Até agora manteve dois contatos telefônicos com o suposto assassino Iliuminati. Gunther, você confirma que o assassino telefonou há pouco para transmitir uma mensagem dos Illuminati? 

- Sim, confirmo. 

- E a mensagem informava que os Illuminati foram de alguma forma responsáveis pela morte do Papa? - A voz do âncora revelava incredulidade. 

- Correto. A pessoa me disse que a morte do Papa não foi causada por um derrame, como o Vaticano pensou, mas que o Papa foi envenenado pelos liluminati. 

No escritório do Papa todos estavam paralisados. 

- Envenenado? - perguntou o âncora. - Mas como? 

- Ele não especificou - respondeu Glick - só me disse que o mataram com uma droga conhecida como... - ouviu-se um ruído de papéis sendo folheados 

- alguma coisa conhecida como heparina. 

O camerlengo, Olivetti e Rocher trocaram olhares embaraçados. 

- Heparina? - Rocher perguntou, espantado. - Mas não era...? 

O camerlengo empalideceu. 

- A medicação do Papa. 

Vittoria ficou atordoada. 

- O Papa estava tomando heparina? 

- Ele tinha tromboflebite - disse o camerlengo. - Tomava uma injeção por dia. 

Rocher estava perplexo. 

- Mas a heparina não é veneno. Por que os Illuminati diriam que... 

- A heparina é letal nas dosagens erradas - esclareceu Vittoria. - Trata-se de um anticoagulante poderoso. Uma dose excessiva poderia causar uma grande hemorragia interna e hemorragia cerebral. 

Olivetti perguntou, desconfiado: 

- Como sabe disso? 

- Os biólogos usam heparina em mamíferos marinhos em cativeiro para evitar coágulos causados pela diminuição de atividade. Já morreram animais por administração errada do remédio. - Ela fez uma pausa. - Uma dose excessiva de

heparina em um ser humano pode causar sintomas que seriam facilmente confundidos com os de um derrame, sobretudo se não se fizer uma autópsia adequada. 

O camerlengo agora se mostrava profundamente perturbado. 

- Signore - disse Olivetti -, isso é obviamente uma manobra dos Iliuminati para atrair mais publicidade. Seria impossível alguém dar uma dose excessiva de remédio ao Papa. Ninguém tinha acesso. E mesmo que engolíssemos a isca e tentássemos refutar a declaração deles, como poderíamos? A lei papal proíbe

a autópsia. E mesmo que se fizesse a autópsia, nada ficaria esclarecido, porque se encontraria heparina no corpo dele, a

das injeções que ele tomava todos os dias.  - É verdade. - E a voz do camerlengo tornou-se mais penetrante. - No entanto, algo mais me incomoda. Ninguém de fora sabia que Sua Santidade estava tomando heparina. 

Fez-se silêncio. 

- Se ele tomou uma dose excessiva de heparina - disse Vittoria -, seu corpo teria sinais disso. 

Olivetti girou o corpo para encará-la. 

- Senhorita Vetra, caso não tenha escutado, as autópsias papais são proibidas pela Lei do Vaticano. Não vamos profanar o corpo de Sua Santidade, cortando-o todo só porque um inimigo fez declarações ridículas! 

Vittoria sentiu-se constrangida. 

- Eu não estava sugerindo... - Ela não tivera intenção de desrespeitar ninguém. - Com certeza, não sugeri que exumassem o Papa... 

Ainda assim, hesitava em falar. Algo que Robert lhe contara em Chigi passara por sua mente como um fantasma. Ele mencionara que os sarcófagos papais eram mantidos acima do solo e nunca fechados com cimento, talvez um costume vindo do tempo dos faraós, quando se acreditava que lacrar e enterrar um caixão prendia a alma do defunto lá dentro. A gravidade tornara-se a alternativa à argamassa, com tampas de caixões que às vezes pesavam centenas de quilos.

Tecnicamente, ela percebia, seria possível... 

- Que espécie de sinais? - perguntou inesperadamente o camerlengo. 

Vittoria sentiu seu coração palpitar de medo. 

- As doses excessivas podem causar sangramento da mucosa oral. 

-Da... 

- As gengivas da vítima sangrariam. Algum tempo após a morte, o sangue coagularia e o interior da boca ficaria negro. 

Certa vez, Vittoria tinha visto uma foto tirada em um aquário de Londres em que um par de baleias havia sido medicado em excesso por um engano de seu treinador. As baleias boiavam mortas dentro do tanque, as bocas abertas e

as línguas negras como piche. 

O camerlengo não fez nenhum comentário. Pensativo, olhava pela janela. 

A voz de Rocher perdera todo o otimismo. 

- Signore, se essa história de envenenamento for verdadeira... 

- Não é - declarou Olivetti, categórico. - O acesso ao Papa por uma pessoa de fora é absolutamente impossível. 

- Se a história for verdadeira - repetiu Rocher - e nosso Santo Padre tiver sido mesmo envenenado, isto tem enormes implicações para a procura da anti-matéria. Um suposto assassinato significa uma infiltração muito maior no Vaticano do que calculamos. Procurar só nas zonas brancas pode ser inútil. Se estivermos a tal ponto comprometidos, talvez não encontremos o tubo de anti- matéria a tempo. 

Olivetti dirigiu um olhar gelado a seu capitão. 

- Capitão, vou lhe dizer o que vai acontecer. 

- Não - disse o camerlengo, virando-se repentinamente. - Eu vou lhe dizer o que vai acontecer. - Encarou Olivetti. - Isso já foi longe demais. Em 20 minutos vou decidir se cancelo o conclave e esvazio a Cidade do Vaticano ou não.

Minha decisão vai ser definitiva. Ficou bem claro? 

Olivetti nem piscou. Nem reagiu. 

O camerlengo falava agora energicamente, como se recorresse a uma reserva escondida de força. 

- O capitão Rocher vai completar sua busca nas zonas brancas e prestar contas diretamente a mim quando terminar. 

Rocher curvou a cabeça, endereçando um olhar constrangido a Olivetti. 

O camerlengo então destacou dois guardas. 

- Quero o repórter da BBC, o senhor Glick, aqui neste escritório imediatamente. Se os liluminati andaram se comunicando com ele, talvez possa nos ajudar. Andem. 

Os dois soldados desapareceram. 

O camerlengo então dirigiu-se aos guardas restantes. 

- Cavalheiros, não vou permitir que mais vidas se percam esta noite. Até as dez horas vocês vão localizar os dois últimos cardeais e capturar o monstro responsável por essas mortes. Será que me fiz compreender? 

- Mas, signore - objetou Olivetti -, não temos a menor idéia de onde... 

- O senhor Langdon está trabalhando nisso. Ele parece competente. Tenho esperanças. 

Com isto, o camerlengo encaminhou-se para a porta, suas passadas revelando uma nova determinação. Antes de sair, apontou para três guardas. 

- Vocês três, venham comigo. Agora. 

Os guardas o seguiram. 

Junto da porta, o camerlengo se deteve. Falou com Vittoria. 

- Senhorita Vetra, venha também, por favor. 

Vittoria ficou insegura. 

- Aonde vamos? 

Ele saiu porta afora. 

- Ver um velho amigo.

 

CAPÍTULO 82

No CERN, a secretária Sylvie Baudeloque estava faminta, querendo ir para casa. Para sua decepção, Kohler parecia ter sobrevivido ao seu passeio à enfermaria. Ele telefonara e mandara - não pedira, mandara - que Sylvie ficasse até mais tarde naquele dia. Sem a menor explicação. 

No decorrer dos anos, Sylvie programara-se para ignorar as bizarras oscilações de humor e as excentricidades de Kohler - sua convivência silenciosa, sua mania irritante de filmar reuniões em segredo com a câmera de vídeo portátil de sua cadeira de rodas. Intimamente, desejava que um dia ele desse um tiro por engano em si mesmo durante a sua visita semanal ao estande recreativo de tiro ao alvo do CERN, mas pelo jeito ele era um exímio atirador. 

Agora, sentada sozinha diante de sua escrivaninha, Sylvie sentia o estômago roncar. Kohler não voltara nem lhe dera nenhum trabalho extra para aquela noite. Pois sim que vou ficar plantada aqui passando fome e me aborrecendo sem fazer nada, decidiu. Deixou um bilhete para Kohler e foi até a cantina fazer um lanche. 

Mas não chegou lá. 

Ao passar pelas suites de loisir do CERN, uma área de lazer formada por um comprido corredor com saguões onde havia televisões, notou que as salas estavam transbordando de empregados que deviam ter abandonado o jantar para assistir às notícias. Alguma coisa importante estava acontecendo. Sylvie entrou na primeira suíte. Estava lotada de jovens programadores de computador. Quando viu as manchetes na TV, ela tomou um susto. 

TERRORISMO NO VATICANO 

Sylvie escutou o comentário, mal acreditando no que ouvia. Uma fraternidade antiga matando cardeais? Para provar o quê? O ódio deles? O domínio? A ignorância? 

E o mais inacreditável é que o humor reinante naquela suíte era tudo, menos sombrio. 

Dois jovens técnicos passaram correndo, exibindo camisetas que traziam um retrato de Bill Gates e a inscrição: E OS NERDS HERDARÃO A TERRA! 

- Illuminati! - gritou um. - Eu disse para você que esses caras existiam! 

- Incrível! Pensei que fosse só um jogo!

- Eles mataram o Papa, cara! O Papa! 

- É! Quanto pontos será que se ganha por isto? 

E foram embora dando risadas. 

Sylvie ficou parada ali, estarrecida. Como católica e trabalhando em um meio de cientistas, de vez em quando ouvia uma ou outra observação anti-religiosa, mas a festa que os garotos estavam fazendo era de total euforia pela perda que a Igreja sofrera. Como podiam ser tão insensíveis? Por que tanto ódio? 

Para Sylvie, a Igreja fora sempre uma entidade inofensiva, um local de companheirismo e introspecção e, às vezes, apenas um lugar onde podia cantar em voz alta sem que as pessoas olhassem para ela. A Igreja registrava as referências de sua vida - funerais, casamentos, batismos, feriados - e não pedia nada em troca.

Até as doações em dinheiro eram voluntárias. Seus filhos todas as semanas saíam melhores da igreja dominical, cheios de idéias sobre ajudarem os outros e serem mais bondosos. O que poderia haver de errado aí? 

Sempre se admirara que tantas das chamadas "mentes brilhantes" do CERN deixassem de compreender a importância da Igreja. Será que de fato acreditavam que quarks e mésons também serviam de inspiração para a média dos seres humanos? Ou que as equações podiam substituir a necessidade de uma pessoa ter fé no divino? 

Aturdida, Sylvie foi andando pelo corredor e passando pelos outros saguões. Todas as salas de TV estavam cheias de gente. Refletiu sobre aquele telefonema que Kohler recebera do Vaticano mais cedo.

Coincidência? Talvez. O Vaticano ligava para o CERN de tempos em tempos como "cortesia" antes de divulgar declarações mordazes condenando as pesquisas do CERN - a mais recente fora sobre os avanços do CERN em nanotecnologia, um campo que a Igreja denunciava por causa de suas implicações para a engenharia genética. O CERN jamais dava importância às críticas. Invariavelmente, minutos após uma das investidas do Vaticano, o telefone de Kohler tocava sem parar com chamadas das companhias de investimento em tecnologia querendo permissão para utilizar a nova descoberta. Kohler sempre dizia:

"Nada melhor do que a má propaganda." 

Sylvie ponderou se deveria mandar uma mensagem pelo pager de Kohler, onde quer que ele estivesse metido, e dizer-lhe para ver as notícias. Será que se interessaria? Ou já ouvira tudo? Claro que já deveria ter ouvido. Provavelmente, estava gravando toda a reportagem com sua frenética filmadora, sorrindo pela primeira vez em todo o ano. 

Continuando seu percurso pelo corredor, ela finalmente encontrou um saguão com um ambiente mais calmo, quase melancólico. Os cientistas que se encontravam ali vendo televisão eram alguns dos mais velhos e mais respeitados do CERN. Nem repararam quando Sylvie entrou e se sentou. 

Do outro lado do CERN, no frígido apartamento de Leonardo Vetra, Maximiian Kohler acabara de ler o diário de capa de couro que tirara da mesa-de-cabeceira de Vetra. Agora, estava assistindo às notícias da televisão. Depois de alguns minutos, guardou o diário, desligou a TV e saiu do apartamento. 

Longe dali, na Cidade do Vaticano, o cardeal Mortati levou outra bandeja cheia de fichas de voto para a lareira da Capela Sistina. Queimou-as e a fumaça saiu negra. 

Duas votações. Não se elegera o Papa. 

 

CAPÍTULO 83

A luz fraca das lanternas pouco adiantava naquele volumoso negrume da Basílica de São Pedro. O vácuo acima de suas cabeças pesava sobre eles como uma noite sem estrelas. Vittoria sentiu o vazio espalhar-se em torno dela como um oceano solitário. Mantinha-se perto do camerlengo e dos guardas suíços enquanto caminhavam. No alto, uma pomba arrulhou e esvoaçou para longe, as asas farfalhando. 

Parecendo notar aquele desconforto, o camerlengo deixou-se ficar para trás e pousou a mão em seu ombro.

Uma força tangível transferiu-se para ela com aquele toque, como se o homem magicamente lhe infundisse a calma de que precisava para o que iam fazer. 

O que vamos fazer?, pensou. Isto é loucura! 

Contudo, Vittoria sabia que, apesar de toda a irreverência e do inevitável horror da situação, a tarefa que se apresentava era inescapável. As graves decisões que o camerlengo tinha de tomar exigiam informações

- informações encerradas em um sarcófago nas Grutas do Vaticano. Perguntava a si mesma o que iriam encontrar. Será que os Iliuminati mataram mesmo o Papa? O poder deles chegaria de fato tão longe? Será que estou prestes a realizar a primeira autópsia em um Papa? 

Vittoria achou uma ironia estar mais apreensiva naquela igreja escura do que se estivesse nadando à noite no mar no meio das barracudas. A natureza era seu refúgio. Ela compreendia a natureza. As questões humanas e espirituais é que a deixavam desorientada. A idéia de peixes assassinos reunindo-se no escuro trazia-lhe à cabeça imagens da imprensa reunindo-se do lado de fora da basílica. As filmagens dos corpos marcados lembravam-lhe o cadáver de seu pai e a risada grosseira do matador. O matador estava à solta lá fora, em algum lugar. A raiva abafou o medo de Vittoria. 

Quando contornaram uma coluna - de diâmetro maior do que o de qualquer sequóia imaginável -, Vittoria divisou um brilho alaranjado adiante. A luz parecia emanar de baixo do piso no centro da basílica. Ao se aproximarem, ela compreendeu o que estava vendo. Tratava-se do famoso santuário escavado sob o altar principal - a suntuosa câmara subterrânea que continha as relíquias mais sagradas do Vaticano. Junto ao portão que rodeava a abertura, Vittoria olhou para baixo e viu a arca dourada no meio de inúmeras lamparinas a óleo acesas. 

- São os ossos de São Pedro? - perguntou, sabendo muito bem que eram. Todo mundo que visitava a Basílica de São Pedro sabia o que havia dentro da pequena arca dourada. 

- Na realidade, não - respondeu o camerlengo. - Um engano bastante comum. Isso não é um relicário. Dentro da arca são guardados os palliums, faixas tecidas que o Papa dá aos cardeais recém-eleitos. 

- Mas pensei... 

- Como todos. Os guias turísticos dizem que aqui é a tumba de São Pedro, mas o verdadeiro túmulo dele fica dois níveis abaixo de nós, enterrado no solo. O Vaticano escavou-o nos anos 1940. Ninguém tem permissão para descer lá. 

Vittoria estava impressionada. À medida que saíam do nicho reluzente e voltavam para a escuridão, pensou nas histórias que ouvira de peregrinos que viajavam milhares de quilômetros para ver aquela caixa dourada, achando que estavam na presença de São Pedro. 

- O Vaticano não deveria dar essa informação às pessoas? 

- Todos nos beneficiamos de uma sensação de contato com a divindade, mesmo que a sensação seja apenas imaginada. 

Vittoria, como cientista, não podia discutir aquela lógica. Lera inúmeros estudos sobre os efeitos do placebo - aspirinas curando câncer de pessoas que acreditavam estar usando uma droga milagrosa. O que era afé, afinal de contas?

- Mudanças - disse o camerlengo - não são algo que fazemos muito bem aqui na Cidade do Vaticano. Admitir nossos erros do passado, modernização, são coisas que historicamente evitamos. Sua Santidade estava tentando modificar isto. - Ele fez uma pausa. - Para alcançar o mundo moderno. Procurar novos caminhos para chegar a Deus. 

Mesmo no escuro, Vittoria fez um gesto de concordância. 

- Como a ciência? 

- Para ser franco, a ciência me parece irrelevante. 

- Irrelevante? - Vittoria conseguia pensar em uma porção de palavras para definir ciência, mas, no mundo moderno,

"irrelevante" não era uma delas. 

- Quando o senhor sentiu sua vocação? 

- Antes do meu nascimento. 

Vittoria olhou para ele. 

- Desculpe - explicou o camerlengo -, essa questão sempre parece estranha. O que quero dizer é que sempre soube que iria servir a Deus. Desde o momento em que comecei a pensar. Só quando rapaz, porém, no exército, é que compreendi verdadeiramente meu objetivo. 

Ela ficou surpresa. 

- O senhor esteve no exército? 

- Dois anos. Recusei-me a disparar uma arma, então me puseram para pilotar helicópteros Medevac. Na realidade, ainda vôo de vez em quando. 

Vittoria tentou imaginar o jovem padre pilotando um helicóptero. O interessante é que conseguia vê-lo perfeitamente por trás dos controles. O camerlengo Ventresca possuía uma firmeza de caráter que intensificava suas convicções em

vez de tirar-lhes o brilho. 

- O senhor chegou a transportar o Papa alguma vez? 

- Não, de jeito nenhum. Deixávamos esse passageiro precioso para os profissionais. Sua Santidade às vezes permitia que eu levasse o helicóptero para nosso retiro em Gandolfo. - Ele fez uma pausa, olhando para ela. - Senhorita Vetra, obrigada por sua ajuda aqui hoje. Sinto muito por seu pai. Sinceramente. 

- Obrigada. 

- Nunca conheci meu pai. Morreu antes que eu nascesse. Perdi minha mãe quando tinha dez anos. 

- O senhor ficou órfão? - ela sentiu uma afinidade repentina entre eles. 

- Sobrevivi a um acidente. Um acidente que levou minha mãe. 

- Quem tomou conta do senhor? 

- Deus - disse o camerlengo. - Ele quase literalmente me enviou outro pai. Um bispo de Palermo apareceu junto à minha cama de hospital e tomou conta de mim. Na ocasião, não me surpreendi. Já sentia a mão vigilante de Deus sobre mim desde pequeno. O aparecimento do bispo simplesmente confirmou o que eu já desconfiava, que Deus de certa forma me escolhera para servi-lo. 

- O senhor acreditava que Deus o havia escolhido? 

- Sim, e ainda acredito. - Não havia qualquer vestígio de vaidade na voz do camerlengo, só de gratidão. - Trabalhei sob a tutela do bispo durante muitos anos. Ele acabou se tornando cardeal. Mas nunca me esqueceu. Ele é o pai de quem me lembro. 

A luz de uma das lanternas passou pelo rosto do camerlengo e Vittoria vislumbrou a solidão em seus olhos. 

O grupo chegou junto a uma coluna gigantesca e a luz de suas lanternas convergiu para uma abertura no chão. Ao olhar para a escadaria que mergulhava no vazio, Vittoria de repente teve vontade de voltar atrás.

Os guardas já estavam ajudando o camerlengo a descer. Em seguida, ajudaram Vittoria. 

- O que aconteceu com ele? - ela perguntou enquanto desciam, tentando manter a voz firme. - Com o cardeal que tomou conta do senhor? 

- Ele deixou o Colégio dos Cardeais para assumir outro posto. 

Vittoria surpreendeu-se. 

- E depois, sinto muito dizer, ele faleceu. 

- Le mie condoglianze - disse ela. - Recentemente? 

O camerlengo virou-se para ela, as sombras acentuando a dor em seu rosto. 

- Há exatamente 15 dias. Vamos vê-lo agora. 

 

CAPÍTULO 84

As luzes escuras espalhavam seu fulgor avermelhado no interior da câmara dos Arquivos do Vaticano. Essa câmara era muito menor do que aquela em que Langdon estivera antes. Menos ar. Menos tempo. Arrependeu-se de não ter pedido a Olivetti para ligar os ventiladores de renovação do ar. 

Langdon localizou rapidamente a seção de ativos que continha os livros de registros das Belie Arti. Não havia como não encontrar a seção. Ocupava quase oito estantes completas. A Igreja Católica possuía milhões de peças pelo mundo todo. 

Ele examinou as prateleiras à procura do nome de Gianlorenzo Bernini.

Começou sua busca no meio do segundo grupo de estantes, mais ou menos onde deveria começar a letra B. Depois de um breve momento de pânico temendo que aquele catálogo em especial estivesse faltando, ele descobriu, desanimado,

que os catálogos não tinham sido dispostos em ordem alfabética. Por que isto não me surpreende tanto assim? 

Só depois de contornar tudo, voltar ao início e subir uma escada com rodízios para chegar à prateleira mais alta é que compreendeu o critério da organização da câmara. Empoleirado na parte superior das estantes, encontrou os catálogos mais grossos, referentes aos mestres da Renascença: Michelangelo, Rafael, Da Vinci e Botticelli. Bem de acordo com uma câmara chamada "Ativos do Vaticano", os catálogos eram dispostos segundo o valor monetário total da coleção de cada artista. Entre os de Rafael e Michelangelo, Langdon encontrou o catálogo com o nome de Bernini. Tinha uns 12 centímetros de espessura. 

Já sem fôlego e segurando desajeitadamente o incômodo volume, Langdon desceu a escada. Então, como um garoto que vai ler uma revista em quadrinhos, estendeu-se no chão e abriu o livro. 

O catálogo tinha capa de pano e era muito compacto. Fora escrito à mão em italiano. Cada página tratava de uma única obra, com uma breve descrição, a data, a localização, o custo dos materiais e às vezes um esboço simples da peça.

Langdon folheou o livro de mais de 800 páginas. Bernini fora um homem ocupado. 

Quando Langdon era um jovem estudante de arte, sempre o intrigara como um único artista podia produzir tantos trabalhos durante a vida. Mais tarde, para grande desapontamento seu, descobriu que os artistas famosos criavam na realidade muito pouco de sua própria obra. Dirigiam estúdios onde treinavam jovens artistas para executar seus projetos. Escultores como Bernini criavam miniaturas em barro e contratavam outros para ampliá-las em mármore. Se

Bernini tivesse sido obrigado a realizar pessoalmente todas as suas encomendas, ainda estaria trabalhando até hoje. 

- Índice - disse ele em voz alta, tentando manter afastadas as teias de aranha mentais. Foi para o final do livro com a intenção de procurar na letra F os títulos com a palavra fuàco - fogo -, mas os Fs não estavam juntos. Que diabos esse pessoal tem contra a ordem alfabética? 

As entradas obedeciam a uma ordem cronológica, uma a uma, à medida que Bernini criava uma nova obra. Tudo estava listado por data. Não adiantava procurar ali. 

Enquanto contemplava a lista, outro pensamento desalentador ocorreu-lhe. O título da escultura que procurava podia nem conter a palavra Fogo. As duas obras anteriores - Habacuc e o Anjo e West Ponente - não tinham referências específicas a Terra ou Ar. 

Passou um ou dois minutos folheando o catálogo ao acaso na esperança de alguma ilustração lhe dar alguma pista. Nenhuma deu. Encontrou inúmeras obras obscuras de que nunca ouvira falar, mas também muitas que reconheceu: 

Daniel e o Leão, Apolo e Dafne, além de várias fontes. Ao encontrar as fontes, seus pensamentos deram um salto momentâneo para a frente. Água. Imaginou se o quarto altar da ciência seria uma fonte.

Uma fonte seria um perfeito tributo à água. Langdon esperava que pegassem o assassino antes que ele tivesse de considerar o elemento Água - Bernini esculpira dezenas de fontes em Roma, a maioria em frente a igrejas. 

E voltou para o assunto em questão, Fogo. Virando as folhas do livro, lembrou-se das palavras de Vittoria para incentivá-lo. Você conhecia as duas primeiras esculturas, provavelmente conhece essa também. Abriu o índice novamente e procurou títulos que conhecia. Alguns lhe eram bem familiares, mas nenhum despertou sua atenção. Langdon concluiu que jamais terminaria aquela busca sem antes desmaiar e então decidiu, a contragosto, que teria de levar o catálogo para fora do arquivo. É só um catálogo, disse a si mesmo. Não é como tirar daqui um fólio original de Galileu. Lembrou-se do fólio no bolso de seu paletó e recomendou a si mesmo que não podia esquecer de devolvê-lo antes de sair. 

Apressando-se, estendeu a mão para pegar o livro, mas, ao fazê-lo, viu algo que o fez parar. Embora o índice fosse constituído de numerosas anotações, a que atraiu seu olhar era significativa. 

A anotação indicava que a famosa escultura de Bernini, O Êxtase de Santa Teresa, pouco tempo depois de inaugurada, fora transferida de sua localização original no Vaticano. Mas não foi esse o fato que chamou a atenção de Langdon, sabedor das vicissitudes por que passara aquela escultura. Considerada uma obra-prima por alguns, o Papa Urbano VIII recusou O Êxtase de Santa Teresa alegando que se tratava de uma obra sexualmente muito explícita para o Vaticano. Baniu-a para uma capela obscura do outro lado da cidade. O que despertou o interesse de Langdon foi constatar que essa capela era uma das cinco igrejas de sua lista. E, ainda por cima, que a escultura fora transferida para lá per suggerimento dei artista. 

Por sugestão do artista? Não fazia sentido Bernini sugerir que sua obra-prima ficasse escondida em um lugar pouco conhecido. Todo artista quer sua obra exposta em local destacado, não em uma remota... 

Langdon hesitava. A menos que...

Receava até acalentar a idéia. Seria possível? Teria Bernini criado intencionalmente uma obra tão explícita que forçara o Vaticano a enfurná-la em algum lugar afastado? Um lugar que talvez Bernini pudesse sugerir?

Quem sabe uma igreja distante que ficasse em linha reta com o sopro de West Ponente? 

À medida que aumentava a excitação de Langdon, sua vaga familiaridade com a estátua interferia, insistindo que a obra nada tinha a ver com fogo. A escultura, como qualquer pessoa que a tivesse visto poderia confirmar, era tudo, menos científica - pornográfica até, mas não científica, sem dúvida. Um crítico inglês condenou O Êxtase de Santa Teresa, afirmando que era "o ornamento mais impróprio que jamais fora colocado em uma igreja cristã" Langdon entendia a razão da controvérsia. Apesar de brilhantemente executada, a estátua representava Santa Teresa deitada de costas entregue a um orgasmo dos bons. Nada de acordo com o gosto do Vaticano. 

Langdon passou depressa para a descrição da obra no catálogo. Quando viu o desenho, sentiu uma instantânea e inesperada centelha de esperança. No esboço, Santa Teresa realmente parecia estar entregue ao gozo, mas havia uma outra figura que Langdon esquecera e que fazia parte do conjunto.  

Um anjo. 

A sórdida lenda de repente voltou-lhe à memória... 

Santa Teresa era uma freira que fora santificada depois de afirmar que um anjo lhe fizera uma beatífica visita durante o sono. Os críticos mais tarde concluíram que o encontro provavelmente havia sido mais sexual do que espiritual. Rabiscado ao pé da página, Langdon leu um trecho conhecido do diário da santa.

As próprias palavras de Santa Teresa pouco deixavam para a imaginação: sua grande lança dourada... cheia de fogo... penetrou em mim várias vezes.., até minhas entranhas... uma doçura tão extrema que se desejaria que nunca cessasse. 

Langdon sorriu. Se isto não é uma metáfora de sexo para valer, não sei o que é. Sorriu também por causa da descrição da obra. Apesar de o parágrafo estar escrito em italiano, a palavra fuàco aparecia uma meia dúzia de vezes. 

• . .lança do anjo com a ponta de fogo... .raios de fogo emanando da cabeça do anjo... 

• . . mulher inflamada pelo fogo da paixão... 

Langdon ainda não se convencera por completo até olhar de novo para o desenho. A lança de fogo do anjo estava erguida como um farol apontando o caminho. Que os anjos o guiem em sua busca sublime. E até o tipo de anjo que

Bernini escolhera parecia significativo. É um serafim, observou Langdon. Serafim significa literalmente "o que é feito de fogo". 

Robert Langdon não era um homem que algum dia tivesse esperado por uma confirmação vinda do alto, mas quando leu o nome da igreja onde a escultura agora se encontrava resolveu que, afinal de contas, poderia começar a acreditar em alguma coisa.  Santa Maria dela Vittoria. 

Vittoria, pensou ele, rindo. Perfeito. 

Pôs-se de pé meio cambaleante e sentiu uma tonteira. Olhou para o alto da escada, ponderando se deveria repor o livro no lugar. Ora, dane-se, pensou. O Padre Jaqui pode fazer isso depois. Fechou o livro e colocou-o educadamente ao pé da estante. 

Quando se encaminhou para o botão luminoso na saída eletrônica da câmara, sua respiração estava curta.

Ainda assim, sentia-se rejuvenescido por sua boa sorte. 

Sua boa sorte, porém, terminou antes que alcançasse a saída. 

Sem aviso, a câmara exalou um suspiro penoso. As luzes diminuíram e o botão luminoso apagou-se. Então, como um enorme animal que expira, o arquivo inteiro ficou às escuras. Alguém desligara a energia elétrica. 

 

CAPÍTULO 85

As Grutas Santas do Vaticano estão situadas sob o chão da  Basílica de São Pedro. É lá que são enterrados os Papas. 

Vittoria chegou ao fim da escada em espiral e entrou na gruta. O túnel escuro lembrava o do Grande Colisor de Hádrons do CERN, o acelerador de partículas - negro e frio. Iluminado agora apenas pela luz das lanternas da Guarda Suíça, o túnel transmitia uma sensação nitidamente incorpórea. Dos dois lados havia nichos cavados ao longo das paredes. Dentro desses vãos, até onde a luz lhes permitia enxergar, assomavam volumosas as sombras dos sarcófagos. 

Um calafrio fez seu corpo estremecer. É o ar frio, disse a si mesma, sabendo entretanto que só em parte era verdade. Tinha a impressão de estarem sendo observados, não por alguém de carne e osso, mas por espectros na penumbra.

Em cima de cada túmulo, com todas as vestimentas papais, repousavam figuras em tamanho natural com os traços de cada Papa falecido, retratado como morto, os braços dobrados sobre o peito. Os corpos deitados pareciam emergir das tumbas como se pressionados de encontro às tampas de mármore para tentar escapar de sua reclusão mortal. A procissão de lanternas avançava e as silhuetas dos Papas subiam e desciam nas paredes, prolongando-se e desaparecendo como um macabro teatro de sombras. 

Caíra um silêncio sobre o grupo, Vittoria não saberia dizer se de respeito ou de apreensão. Ambos, talvez.

O camerlengo andava de olhos fechados, como se soubesse de cor cada passo. Vittoria desconfiava que ele já fizera aquele lúgubre passeio muitas vezes desde a morte do Papa, talvez para rezar junto à sua tumba em busca de orientação. 

Trabalhei sob a sua tutela durante muitos anos. Ele foi um pai para mim, dissera o

camerlengo. Vittoria lembrou-se do camerlengo dizendo essas palavras ao se referir ao religioso que o "salvara" do exército. Agora, porém, ela compreendia o resto da história. O mesmo homem que tomara o camerlengo sob sua proteção chegara mais tarde ao papado e levara consigo seu jovem protegido para servir como camarista. 

Isto explica muita coisa, pensou Vittoria. Ela sempre possuíra uma intuição bem afinada para as emoções íntimas das pessoas, e algo no camerlengo a vinha intrigando o dia inteiro. Desde que o encontrara, percebera nele uma angústia mais sentimental e pessoal do que a causada pela crise avassaladora que enfrentava naquele momento. Por trás daquela calma piedosa, via um homem atormentado por demônios particulares. Não só enfrentava a ameaça mais devastadora da história do Vaticano, como o fazia sem seu amigo e mentor, voando solo. 

Os guardas diminuíram o passo, como se não soubessem exatamente onde, naquela escuridão, o último Papa fora enterrado. O camerlengo continuou andando, seguro, e se deteve diante de uma tumba cujo mármore ainda conservava um brilho que as outras não tinham mais. Deitada sobre ela, uma imagem esculpida do Papa falecido. Quando Vittoria reconheceu o rosto que via sempre na televisão, sentiu uma pontada de medo. O que estamos fazendo? 

- Sei que não temos muito tempo - disse o camerlengo -, mas ainda assim pediria que fizéssemos uma rápida oração. 

Os guardas suíços curvaram a cabeça. Vittoria fez o mesmo, seu coração batendo forte naquele silêncio. O camerlengo ajoelhou-se junto à tumba e rezou em italiano. Escutando aquelas palavras, Vittoria sentiu um pesar inesperado vir à tona em forma de lágrimas - lágrimas por seu próprio mentor, seu próprio santo pai. As palavras do camerlengo eram tão adequadas para o Papa quanto para seu pai. 

- Pai supremo, conselheiro, amigo. - A voz do camerlengo ecoava mansamente na roda de pessoas. - O senhor me disse, quando eu era jovem, que a voz de meu coração era a voz de Deus. Disse que eu deveria segui-la ainda que me levasse para caminhos difíceis. Ouço essa voz agora, exigindo de mim tarefas impossíveis. Dê-me forças. Conceda-me o perdão. O que faço é em nome de tudo em que o senhor acreditava. Amém. 

- Amém - murmuraram os guardas. 

Amém, pai. Vittoria enxugou os olhos. 

O camerlengo levantou-se devagar e afastou-se da tumba. 

- Empurrem a tampa para o lado. 

Os guardas suíços ficaram indecisos. 

- Signore - disse um deles -, por lei, estamos sob suas ordens. - Fez uma pausa. - Faremos o que mandar... 

O camerlengo pareceu ler a mente do rapaz. 

- Um dia, vou pedir perdão a vocês por tê-los colocado nesta situação. Hoje, peço que me obedeçam. As leis do Vaticano foram estabelecidas para proteger esta igreja. Com esse mesmo espírito, exijo que agora as infrinjam. 

Houve um momento de silêncio e então o líder dos guardas deu a ordem. Os três homens colocaram as lanternas no chão e suas sombras saltaram para o alto. Iluminados de baixo para cima, aproximaram-se da tumba. Apoiaram as mãos na tampa de mármore na altura da cabeceira da tumba, plantaram os pés no chão com firmeza e prepararam-se para empurrar. A um sinal, todos empurraram juntos, retesados de encontro à enorme lápide. Ao ver que a lápide não se deslocara nem um pouco, Vittoria se deu conta de estar quase torcendo para que fosse pesada demais. Temia o que poderiam encontrar ali dentro. 

Os homens empurraram mais e a lápide não saiu do lugar. 

- Ancora - disse o camerlengo, enrolando as mangas de sua batina e tomando posição para empurrar junto com eles. - Ora! - Todos empurraram ao mesmo tempo. 

Vittoria estava prestes a oferecer ajuda, quando a lápide começou a deslizar. Os homens deram impulso outra vez e, com um rangido de pedra contra pedra que parecia um grunhido primal, a lápide girou em cima da tumba e parou formando um ângulo - a cabeça esculpida do Papa dentro do nicho e seus pés estendidos no corredor. 

Todos recuaram.

Tateando, um dos guardas abaixou-se e apanhou sua lanterna no chão. Depois, apontou-a para o interior da tumba. O facho de luz tremeu um pouco e então o guarda o firmou. Os outros guardas reuniram-se ao primeiro, um a um. Mesmo no escuro, Vittoria percebeu que eles recuaram e, sucessivamente, se benzeram. 

O camerlengo estremeceu quando olhou para dentro da tumba e seus ombros caíram, pesados. Ficou parado algum tempo antes de se virar. 

Vittoria receava que a boca do cadáver estivesse cerrada com o rigor mortis e ela sugeriu que se quebrasse a mandíbula para ver a língua. Mas isso não seria necessário. As faces haviam caído e a boca do Papa estava aberta. 

Sua língua estava negra como a morte. 

 

CAPÍTULO 86

Nenhuma luz. Nenhum som. 

Os Arquivos Secretos estavam imersos em negra escuridão. 

O medo, notou Langdon, era um forte motivador. Sem fôlego, saiu vacilante na direção da porta rotativa.

Encontrou o botão na parede e bateu nele com a palma da mão. Nada aconteceu. Tentou de novo. A porta estava desligada. 

Rodopiou às cegas, tentou chamar em voz alta, mas a voz saiu estrangulada. 

O estado crítico de sua situação tomou conta dele por completo. Seus pulmões  lutavam por oxigênio quanto mais a adrenalina acelerava sua batida cardíaca. 

A sensação era a de um soco no estômago. 

Quando se atirou com todo o seu peso contra a porta, por um segundo achou que ela começara a girar.

Empurrou de novo e viu estrelas. Deu-se conta de que era a sala inteira que rodava, não a porta.

Desequilibrou-se, tropeçou na base de uma escada de rodízios e caiu pesadamente no chão. Cortou o joelho na quina de uma estante. Xingando, levantou-se e saiu procurando a escada. 

Encontrou-a. Esperava que fosse de madeira pesada ou de ferro, mas era de alumínio. Agarrou-a, segurou-a como um aríete e correu com ela no escuro para a parede de vidro. A parede ficava mais perto do que ele imaginara. A escada bateu e voltou. Pelo som fraco da colisão, ele percebeu que precisaria de muito mais do que uma escada de alumínio para quebrar aquele vidro. 

Ocorreu-lhe usar o revólver, mas suas esperanças se esvaíram tão depressa quanto haviam surgido. A arma não estava mais com ele. Olivetti a tomara dele no escritório do Papa, dizendo que não queria armas carregadas por perto com o camerlengo presente. Na hora, fizera sentido. 

Langdon chamou de novo, produzindo ainda menos som do que antes. 

Em seguida, lembrou-se do walkie-talkie que o guarda deixara na mesa fora da câmara. Por que diabos não o trouxe para dentro! Estrelinhas roxas começaram a dançar diante de seus olhos e ele se esforçou para pensar. Você já ficou preso antes, disse a si mesmo. Já sobreviveu a coisa pior.

Era só uma criança e conseguiu se safar. A escuridão tenebrosa inundou tudo. Pense! 

Langdon então se abaixou, deitou de costas no chão e estendeu os braços ao lado do corpo. O primeiro passo era recuperar o autocontrole. 

Relaxe. Poupe-se. 

Sem ter mais que lutar contra a gravidade para bombear o sangue, o coração de Langdon começou a bater mais devagar. Aquele era um truque que os nadadores usavam para reoxigenar o sangue entre competições subseqüentes. 

Tem ar mais do que suficiente aqui dentro, disse a si mesmo. Mais do que suficiente. Agora, pense. Esperou, quase acreditando que a luz voltaria a qualquer momento. Não voltou. Deitado ali, conseguindo respirar melhor, uma sinistra resignação o invadiu. Sentiu-se em paz. E lutou contra aquela sensação. 

Você vai se mexer, droga! Mas onde... 

No seu pulso, Mickey Mouse brilhava alegremente, como se estivesse gostando do escuro: 9h33 da noite.

Meia hora para o Fogo. Tinha a impressão de que fosse muito mais tarde. Em sua cabeça, em vez de um plano para sair dali, vinham perguntas, a necessidade de uma explicação. Quem teria desligado a luz?

Será que teria sido Rocher, expandindo sua busca? E Olivetti, por que não informou Rocher que eu estava aqui dentro? Langdon sabia entretanto que, àquela altura, não fazia diferença alguma. 

Abrindo bem a boca e inclinando um pouco a cabeça para trás, conseguia inalar o mais fundo que lhe era possível. A cada vez, a respiração ardia menos do que a anterior. Sua mente clareou. Reorganizou seus pensamentos e forçou as engrenagens a se movimentarem. 

Paredes de vidro, ponderou. Mas um vidro danado de grosso. 

Conjeturou se haveria livros guardados em um daqueles arquivos de aço pesados, à prova de fogo.

Langdon já os encontrara algumas vezes em outros lugares, mas não vira nenhum ali. Além disso, procurar no escuro levaria tempo demais. Não que ele, de qualquer modo, fosse capaz de levantar um arquivo de aço, ainda mais naquele estado. 

Que tal a mesa de exame? Sabia que naquela câmara, como na anterior, havia uma no meio das estantes. E daí? Não conseguiria levantá-la também. Sem falar que, mesmo que tivesse forças para arrastar a mesa, não poderia ir muito longe. As estantes ficavam muito juntas e as passagens entre elas eram estreitas demais. 

As passagens são estreitas... 

De repente, soube o que iria fazer. 

Em um rompante de confiança, pôs-se de pé mais depressa do que deveria. Tonto, estendeu a mão à procura de um ponto de apoio. Sua mão encontrou uma estante. Parou alguns segundos, obrigando-se a poupar energia. Precisaria de toda a sua força para fazer o que pretendia. 

Encostou o corpo na estante, firmou os pés no chão e empurrou. Se conseguir fazer a estante se inclinar... Mas ela nem se moveu. Mudou de posição e empurrou outra vez. Seus pés escorregaram para trás. A estante rangeu, mas nem se abalou. 

Precisava de uma alavanca. 

Encontrou a parede de vidro de novo e pousou uma das mãos nela, correndo até o fim da câmara. A parede do fundo surgiu de repente e ele bateu com o ombro nela. Soltou um palavrão, contornou a prateleira e agarrou a estante na altura do seu rosto. Em seguida, escorando um dos pés na parede de vidro atrás de si

e o outro nas prateleiras inferiores, começou a subir. Livros caíam em torno dele, farfalhando na escuridão.

Nem se importou. O instinto de sobrevivência há muito que superara seu decoro arquivístico. Reparou que a escuridão total afetava seu equilíbrio e fechou os olhos, incentivando sua mente a ignorar o estímulo visual. Aos poucos foi se deslocando com mais rapidez. Quanto mais subia, mais rarefeito ficava o ar.

Chegou com grande esforço às prateleiras do alto, pisando nos livros, procurando apoio, puxando o corpo para cima. Então, como um alpinista que acabou de conquistar uma plataforma de pedra, alcançou a última prateleira. Estendendo as pernas para trás, fez seus pés andarem pela parede devidro até seu corpo ficar quase na horizontal. 

É agora ou nunca, Robert, uma voz animou-o. Igual ao aparelho de musculação para as pernas da academia de ginástica de Harvard. 

Com um esforço sobre-humano, firmou os pés na parede atrás de si, encostou o peito e os braços na estante e empurrou. Nada aconteceu. 

Lutando para respirar, reposicionou-se e tentou de novo, esticando as pernas. A estante mexeu-se ligeiramente, ele empurrou outra vez, a estante balançou uns centímetros para a frente e voltou. Langdon aproveitou o balanço, inalando o que lhe pareceu uma ausência total de oxigênio e deu novo impulso. A estante oscilou mais um pouco. 

Como um balanço, disse consigo. Mantenha o ritmo. Um pouco mais. 

Langdon balançava a estante esticando mais as pernas a cada impulso. Seus quadríceps ardiam, mas ele procurava bloquear a dor. O pêndulo estava em movimento. Três empurrões mais, incentivou a si mesmo. 

Só precisou de dois. 

Houve um instante de incerteza, de ausência de peso. Depois, com uma trovoada de livros escorregando das prateleiras, Langdon e a estante caíram para a frente. 

No meio do caminho, a estante bateu na estante seguinte. Langdon segurou- se, jogando seu peso para a frente, obrigando a segunda estante a tombar. Um segundo de pânico imóvel e, estalando com o peso, a segunda estante começou a inclinar-se. Langdon recomeçou a cair. 

Tal e qual enormes peças de dominó, as estantes tombaram uma após a outra. Metal chocando-se com metal, livros vindo abaixo por todos os lados, Langdon segurou-se como pôde enquanto sua estante se inclinava como uma lingüeta de catraca em um macaco de automóvel. Tentava calcular quantas estantes haveria no total. Quanto pesariam? O vidro na outra extremidade da câmara era grosso... 

A estante de Langdon caíra em uma posição quase horizontal quando ele ouviu o que esperava - um tipo diferente de colisão. Longe. Do outro lado da câmara. O choque estridente do metal no vidro. A câmara à sua volta foi sacudida e ele teve certeza de que a última estante, derrubada pelo peso das outras, batera violentamente no vidro, O som que se seguiu foi o menos bem-vindo que ele ouvira até então. 

Silêncio absoluto. 

Não houve o ruído do vidro se despedaçando, só o baque surdo do peso das estantes todas juntas encostando-se na parede. Langdon ficou parado em cima da pilha dos livros, os olhos arregalados, à espera. Em algum ponto distante houve um estalo. Langdon teria de bom grado prendido a respiração para escutar melhor se ainda conseguisse respirar. 

Um segundo. Dois... 

Então, à beira da inconsciência, Langdon ouviu algo ceder, um murmúrio propagando-se pelo vidro afora.

De repente, igual a um tiro de canhão, o vidro explodiu. A estante sobre a qual ele estava acabou de despencar. 

Como uma deliciosa chuva no deserto, estilhaços de vidro caíram tilintando no escuro. Houve um grande silvo de sucção e o ar entrou jorrando.

Trinta segundos depois, nas Grutas do Vaticano, Vittoria estava de pé diante de um cadáver quando o ruído eletrônico de um walkie-talkie rompeu o silêncio. A voz alta e aguda soou arquejante. 

- Aqui é Robert Langdon! Alguém está me ouvindo? 

Vittoria levantou depressa a cabeça. Robert! Mal acreditava o quanto desejava que ele estivesse ali naquela hora. 

Os guardas trocaram olhares, confusos. Um deles tirou o aparelho do cinto. 

- Senhor Langdon? O senhor está no canal três, O comandante está esperando para falar com o senhor no canal um. 

- Sei que ele está no canal um, droga! Não quero falar com ele. Quero falar com o camerlengo. Agora!

Alguém o encontre para mim! 

Na obscuridade dos Arquivos Secretos, Langdon encontrava-se no meio de pedaços espatifados de vidro e tentava recuperar o fôlego. Sentiu algo quente escorrendo em sua mão e notou que estava sangrando. A voz do camerlengo veio de imediato, fazendo-o assustar-se. 

- Aqui é o camerlengo Ventresca. O que está havendo? 

Langdon apertou o botão, o coração ainda batendo forte. 

- Acho que alguém tentou me matar! 

Fez-se silêncio do outro lado da linha. 

Langdon procurou acalmar-se. 

- Também sei onde vai ser o próximo assassinato. 

A voz que ouviu de volta não foi a do camerlengo. Foi a do comandante Olivetti.

- Senhor Langdon. Não diga mais nenhuma palavra.

 

CAPÍTULO 87

O relógio de Langdon, todo lambuzado de sangue, marcava 9h41 quando ele atravessou correndo o Pátio do Belvedere e se aproximou da fonte diante do centro de segurança da Guarda Suíça. Sua mão parara de sangrar e agora doía mais do que sua aparência fazia supor. Quando ele chegou, foi como se todos tivessem chegado também ao mesmo tempo - Olivetti, Rocher, o camerlengo, Vittoria e uma porção de guardas. 

Vittoria correu para ele. 

- Robert, você está machucado. 

Antes que Langdon pudesse responder, Olivetti postou-se diante dele. 

- Senhor Langdon, é um alívio vê-lo bem. Sinto muito pelas falhas de comunicação nos Arquivos. 

- Falhas de comunicação? - reclamou Langdon. - Você sabia muito bem... 

- Foi minha culpa - adiantou-se Rocher, com ar contrito. - Não sabia que o senhor estava nos Arquivos.

Parte de nossas zonas brancas tem ligação com aquele prédio. Estávamos ampliando nossa busca. Fui eu quem desligou a energia elétrica. Se tivesse sabido... 

- Robert - disse Vittoria, segurando a mão ferida dele e examinando-a - o Papa foi envenenado, Os Iliuminati o mataram. 

Langdon ouviu as palavras, mas não as registrou. Estava exausto. Só era capaz de sentir o calor das mãos de Vittoria. 

O camerlengo tirou um lenço de seda de sua batina e o entregou a Langdon para que ele se limpasse. O homem não dizia nada. Seus olhos pareciam brilhar com um novo fogo. 

- Robert - insistiu Vittoria -, você disse que descobriu onde o próximo cardeal vai ser morto? 

Langdon sentia-se meio frívolo. 

- Descobri, é na... 

- Não - interrompeu Olivetti. - Senhor Langdon, quando lhe pedi para não dizer mais nada no walkie-talkie, havia um motivo. - Virou-se para os guardas suíços que os rodeavam. - Senhores, dêem-nos licença. 

Os soldados desapareceram no centro de segurança. Sem qualquer indignidade. Só submissão. 

Olivetti voltou-se para o grupo que restara. 

- Por mais que seja doloroso para mim dizer isto, o assassinato do nosso Papa foi um ato perpetrado com a ajuda de alguém que vive dentro destes muros. Para o bem de todos, não podemos confiar em mais ninguém. Até mesmo em nossos guardas. - Ele parecia estar sofrendo ao falar aquilo. 

Rocher, ansioso, disse: 

- Conspiração interna, quer dizer que... 

- Sim - disse Olivetti -, que a validade de sua busca está comprometida. No entanto, é um risco que temos de correr. Continue procurando. 

Rocher ia dizer alguma coisa, mas pensou melhor e foi embora.

O camerlengo respirou fundo. Ainda não dissera uma palavra sequer e Langdon notou que havia uma nova austeridade no homem, como se tivesse chegado a um momento decisivo. 

- Comandante? - a voz do camerlengo era impenetrável. - Vou interromper o conclave. 

Olivetti apertou os lábios, obstinado. 

- Não aconselho que faça isso. Ainda temos duas horas e vinte minutos. 

- É quase nada. 

O tom de Olivetti agora tinha um quê de desafio. 

- O que pretende fazer? Tirar os cardeais do Vaticano sozinho? 

- Pretendo salvar esta igreja com o poder que Deus me concedeu, seja qual for. Como vou agir não é mais da sua conta. 

Olivetti aprumou o corpo. 

- O que quer que vá fazer... - ele fez uma pausa - não tenho autoridade para impedi-lo. Principalmente depois do meu fracasso como chefe de segurança. Peço-lhe apenas que espere. Espere vinte minutos, até depois de dez horas. Se a informação do senhor Langdon estiver correta, ainda posso ter uma chance de apanhar esse assassino. Existe ainda uma chance de manter o protocolo e o decoro. 

- Decoro? - o camerlengo deixou escapar uma risada abafada. - Já deixamos a compostura para trás há muito tempo, comandante. Caso não tenha percebido, isto é uma guerra. 

Um guarda saiu do centro de segurança e falou com o camerlengo. 

- Signore, acabei de receber a informação de que detivemos o repórter da BBC, o senhor Glick. 

O camerlengo fez um sinal com a cabeça e disse: 

- Faça com que ele e sua cinegrafista me encontrem do lado de fora da Capela Sistina. 

Os olhos de Olivetti arregalaram-se. 

- O que vai fazer? 

- Vinte minutos, comandante. Só lhe dou mais vinte minutos. 

E se foi. 

Quando o Alpha Romeo de Olivetti saiu correndo da Cidade do Vaticano, dessa vez não havia a fila de carros sem identificação vindo atrás dele. No banco traseiro, Vittoria fazia um curativo na mão de Langdon, usando o material de um estojo de primeiros-socorros que encontrara no porta-luvas.

Olivetti olhava para a frente. 

- Então, senhor Langdon, para onde vamos?

 

CAPÍTULO 88

Mesmo com a sirene agora instalada e ligada, o carro de Olivetti não parecia ser notado enquanto atravessava a ponte em louca disparada para o coração da cidade velha. Todo o tráfego estava indo na direção contrária, para o Vaticano, como se ir para a Santa Sé de uma hora para outra tivesse se tornado o programa mais divertido de Roma. 

Langdon ia sentado no banco de trás, um torvelinho de perguntas agitando- se em sua cabeça. Pensava no assassino, se iriam pegá-lo desta vez, se ele lhes diria o que precisavam saber, se já não seria tarde demais. Quanto tempo teriam até que o camerlengo anunciasse ao povo na Praça de São Pedro que estavam em perigo? O incidente nos Arquivos ainda o intrigava. Um engano. 

Olivetti nem uma única vez pisou no freio enquanto ziguezagueava com o barulhento Alpha Romeo rumo à igreja de Santa Maria della Vittoria. Langdon sabia que em qualquer outra ocasião os nós de seus dedos estariam brancos. No momento, porém, sentia-se anestesiado. Só a mão latejante lembrava-lhe onde estava. 

E a sirene do carro uivava acima de suas cabeças. Nada melhor para avisar a ele que estamos chegando, pensou Langdon. Mas avançavam numa rapidez incrível. Olivetti provavelmente desligaria a sirene quando chegassem mais perto. 

Com um pouco de tempo para refletir, ele se enchia de assombro com o assassinato do Papa, agora que afinal assimilava a notícia. A idéia era inconcebível e no entanto, ao mesmo tempo, parecia um acontecimento bastante lógico. A infiltração sempre havia sido a base do poder dos Illuminati - a redistribuição interna do poder. E não era a primeira vez que assassinavam um Papa. Existiam inúmeros boatos de traições passadas, mas, como não se fazia autópsia, nenhuma jamais fora confirmada. Até recentemente. Alguns acadêmicos haviam obtido permissão para radiografar a tumba do Papa Celestino V, que supostamente morrera nas mãos de seu muito apressado sucessor, Bonifácio VIII. Os pesquisadores esperavam que os raios X pudessem revelar algum pequeno indício de perfídia - um osso quebrado, no máximo. Mas o que se viu foi um prego de 25 centímetros enfiado no crânio do Papa. 

Langdon também se lembrou de diversos recortes de jornal que outros estudiosos dos Illuminati lhe haviam enviado anos atrás. A princípio, achando que se tratasse de uma brincadeira, ele consultara os arquivos de microfichas de Harvard para confirmar se os artigos eram mesmo autênticos. E eram. Pregara-os no seu quadro de avisos como exemplos de como até respeitáveis órgãos de notícias podiam ser tomados pela paranóia dos Illuminati. Naquela hora, porém, as suspeitas da mídia pareciam-lhe bem menos paranóicas. Os textos dos artigos estavam bem claros em sua memória...

THE BRITISH BROADCASTING CORPORATION

14 de junho de 1998

O Papa João Paulo 1, que morreu em 1978, foi vítima de uma trama arquitetada pela Loja Maçônica P2... A sociedade secreta P2 decidiu matar João Paulo 1 quando soube que ele iria demitir o arcebispo norte-americano Paul Marcinkus da presidência do Banco do Vaticano, O banco esteve implicado em nebulosos acordos financeiros com a Loja Maçônica... 

THE NEW YORK TIMES 

24 de agosto de 1998 

Por que o falecido João Paulo 1 estava na cama vestido com a camisa que usava durante o dia? Por que a camisa estava rasgada? As perguntas não param aí. Nenhuma investigação médica foi realizada, O cardeal Villot proibiu a autópsia alegando que nenhum Papa fora submetido a um exame desses. E os remédios de João Paulo 1 desapareceram misteriosamente de sua mesa-de-cabeceira, assim como seus óculos, seus chinelos e seu testamento. 

LONDON DAILY MAIL 

27 de agosto de 1998 

...uma conspiração envolvendo uma poderosa, implacável e ilegal loja maçônica com tentáculos que chegam até o Vaticano. 

O celular no bolso de Vittoria tocou, felizmente apagando aqueles pensamentos da cabeça de Langdon.

Vittoria atendeu, sem imaginar quem poderia estar ligando para ela. Mesmo de longe, Langdon reconheceu a voz cortante como laser que falava do outro lado. 

- Vittoria? Aqui é Maximilian Kohler. Já encontraram a antimatéria? 

- Max? Você está bem? 

- Vi as notícias. Não fizeram referência ao CERN nem à antimatéria. Isto é bom. O que está acontecendo? 

- Ainda não localizamos o tubo. A situação aqui está bastante complicada. Robert Langdon tem sido de grande ajuda. Conseguimos uma vantagem sobre o homem que está assassinando os cardeais. Neste momento, estamos indo para... 

- Senhorita Vetra - interrompeu Olivetti. - Já falou demais. 

Ela cobriu o bocal do telefone, aborrecida. 

- Comandante, ele é o presidente do CERN. Tem o direito de saber... 

- Ele teria o direito - retrucou Olivetti - de estar aqui lidando com esta situação. A senhorita está falando em uma linha aberta de celular. E já falou demais. 

Vittoria suspirou. 

- Max? 

- Tenho uma informação para você - disse Max -, sobre seu pai... Talvez eu saiba com quem ele falou a respeito da antimatéria. 

O rosto de Vittoria anuviou-se. 

- Max, meu pai disse que não contou nada a ninguém. 

- Receio, Vittoria, que seu pai tenha contado tudo a alguém. Preciso verificar alguns registros confidenciais. Volto a entrar em contato com você em breve. 

E desligou. 

Vittoria estava pálida quando pôs de novo o telefone no bolso. 

- Você está bem? - perguntou Langdon. 

Ela sacudiu a cabeça, as mãos trêmulas denunciando a mentira. 

- A igreja fica na Piazza Barberini - disse Olivetti, desligando a sirene e verificando seu relógio. - Temos nove minutos. 

Assim que Langdon descobriu qual era o terceiro marco, a localização da igreja soou-lhe conhecida, mas não conseguia associar com quê. Piazza Barberini... 

Agora sabia o que era. A piazza tinha a ver com uma discutida estação de metrô. Vinte anos antes, a construção de um terminal de metrô criara grande alvoroço entre os historiadores de arte, que temiam que as escavações sob a Piazza Barberini fizessem tombar um obelisco de muitas toneladas que havia no centro da praça. Os urbanistas removeram o obelisco e o substituíram por uma pequena fonte chamada o Tritão. 

No tempo de Bernini, concluiu Langdon, a Piazza Barberini tinha um obelisco! Qualquer dúvida que Langdon tivesse sobre a localização do terceiro marco teria se evaporado naquele instante. 

A um quarteirão da piazza, Olivetti entrou em uma viela, acelerou até o meio do caminho e parou com uma derrapada. Tirou o paletó do uniforme, enrolou as mangas da camisa e carregou sua arma. 

- Não podemos correr o risco de vocês serem reconhecidos - disse. - Os dois apareceram na televisão.

Quero que vão para o lado oposto da piazza, fora da vista, e observem a entrada da frente. Vou entrar por trás. - Pegou o revólver e entregou-o a Langdon. - Só para garantir. 

Langdon franziu a testa. Era a segunda vez naquele dia que lhe davam aquela arma. Guardou-a no bolso interno do paletó. Ao fazê-lo, reparou que ainda carregava o fólio do Diagramma. Esquecera de deixá-lo nos Arquivos! Imaginou o curador do Vaticano contorcendo-se em espasmos de raiva pela afronta de saber que seu documento de valor incalculável andara de um lado para outro em Roma como se fosse um mapa turístico. Depois, Langdon pensou na confusão de vidros quebrados e livros espalhados que deixara para trás. O curador teria outros problemas. Caso os arquivos durassem até o dia seguinte...  Olivetti saiu do carro e apontou para trás. 

- A piazza fica para aquele lado. Fiquem de olhos bem abertos e não deixem que ninguém os veja. - Deu um tapinha no telefone em seu cinto. - Senhorita Vetra, vamos testar de novo nossa autodiscagem. 

Vittoria tirou seu telefone do bolso e apertou o número que ela e Olivetti tinham programado no Panteão. O telefone de Olivetti vibrou, com a campainha desligada, no seu cinto. 

O comandante disse: 

- Muito bem, se virem alguma coisa, quero que me digam - e engatilhou a arma. - Vou estar lá dentro esperando. Esse herege é meu. 

Naquele mesmo momento, bem perto dali, outro telefone celular tocou. 

O Hassassin atendeu. 

- Fale. 

- Sou eu, Janus. 

O Hassassin sorriu.

- Olá, mestre. 

- É possível que saibam onde você está. E saíram para tentar impedir que você aja. 

- Vão chegar tarde. Já fiz os preparativos aqui. 

- Ótimo. Procure escapar com vida. Ainda há trabalho para ser feito. 

- Os que se atravessarem no meu caminho vão morrer. 

- Eles são instruídos. 

- Está falando do especialista americano? 

- Sabe quem é? 

O Hassassin deu uma risadinha. 

- É calmo mas ingênuo. Falei com ele ao telefone algumas horas atrás. Está com uma mulher que parece ser o oposto. 

O matador sentiu-se excitado ao lembrar o temperamento fogoso da filha de Leonardo Vetra. 

Houve um silêncio momentâneo na linha, a primeira hesitação que o Hassassin percebia em seu mestre Iliuminati. Finalmente, Janus falou. 

- Elimine-os se for necessário. 

O matador riu. 

- Considere isso feito. 

Uma cálida expectativa espalhou-se por seu corpo. Embora talvez eu guarde a mulher como recompensa. 

 

CAPÍTULO 89

Explodira uma guerra na Praça de São Pedro. 

A praça irrompera em um frenesi agressivo. Os furgões da mídia tomavam posição cantando pneus, como se fossem veículos de assalto ocupando posições estratégicas. Repórteres desenrolavam fios de equipamentos de última geração com um nervosismo de soldados armando-se para uma batalha. Em toda a

praça, as redes de emissoras disputavam uma posição e corriam para levantar a mais nova arma das guerras da mídia - os displays de tela plana. 

Estes eram enormes telas de vídeo que podiam ser montadas no alto dos furgões ou em armações portáteis. Serviam como uma espécie de anúncio de  outdoor para a rede, transmitindo a sua cobertura e ostentando o seu logotipo como um cinema ao ar livre. Se a tela ficasse bem situada - na frente do local da ação, por exemplo -, uma rede concorrente não poderia filmar a história sem fazer ao mesmo tempo a propaganda da adversária. 

A praça rapidamente se transformava não só em um extravagante espetáculo multimídia, como em uma nervosa vigília pública. Chegavam pessoas de todas as direções. Espaço em um local que habitualmente não tinha limites começava a ser um artigo valioso. Os espectadores amontoavam-se em torno das imensas telas e assistiam, agitados, atordoados, às reportagens ao vivo. 

A apenas uns 100 metros de distância, dentro das grossas paredes da Basílica de São Pedro, o mundo estava sereno. O tenente Chartrand e três outros guardas andavam em meio à escuridão. Usando seus óculos infravermelhos, cruzavam a nave movendo seus detectores de um lado para outro à sua frente. A busca nas áreas do Vaticano abertas ao público até então não dera em nada. 

- É melhor tirar os óculos aqui - disse o guarda mais velho. 

Chartrand já estava fazendo isto. Aproximavam-se do Nicho dos Pálios - o local rebaixado no centro da basílica. A luz de 99 lamparinas de óleo através do infravermelho teria queimado os olhos deles. 

Chartrand ficou satisfeito por tirar os pesados óculos e aproveitou para alongar o pescoço enquanto desciam ao nicho para fazer a varredura daquela área. O aposento era muito bonito, dourado e luminoso.

Ele nunca estivera ali antes. 

Parecia que, desde a sua chegada na Cidade do Vaticano, todos os dias Chartrand descobria um novo mistério daquele lugar. Aquelas lamparinas de óleo eram um deles. Exatamente 99, acesas permanentemente. Era a tradição. Os sacerdotes, vigilantes, enchiam as lamparinas com os óleos sagrados

de modo que nenhuma se apagasse. Dizia-se que queimariam até o fim dos tempos. 

Ou no mínimo até a meia-noite de hoje, pensou Chartrand, com a boca seca de novo. 

Chartrand passou seu detector sobre as lamparinas de óleo. Nada escondido ali. Não se surpreendeu. O tubo, de acordo com a imagem do vídeo, estava escondido em uma área escura. 

Andando pelo nicho, chegou a uma grade que cobria uma abertura no chão. A abertura levava a uma escada íngreme e estreita que descia em linha reta. Ouvira histórias sobre o que havia lá embaixo. Ainda bem que não teriam de descer. As ordens de Rocher tinham sido bem claras. Procurem apenas nas áreas abertas ao acesso do público.

- Que cheiro é esse? - perguntou, afastando-se da grade. Havia um perfume muito forte e doce no ar. 

- Vem das lamparinas - um deles explicou. 

Chartrand surpreendeu-se. 

- Cheira mais a colônia do que a querosene. 

- Não é querosene. Essas lamparinas estão próximas ao altar do Papa, de modo que se usa nelas uma mistura especial: etanol, açúcar, butano e perfume. 

- Butano? - Chartrand olhou para as lamparinas, apreensivo. 

O guarda confirmou. 

- Cuidado para não entornar nenhuma delas. A mistura tem cheiro de água- de-colônia, mas queima como fogo. 

Os guardas haviam terminado a busca no Nicho dos Pálios e estavam andando pela basílica quando seus walkies-talkies começaram a funcionar juntos. 

Era um alerta geral. Os guardas pararam para escutar, pasmos. 

Pelo jeito, teriam surgido novos transtornos que não podiam ser transmitidos pelos aparelhos, mas o camerlengo resolvera quebrar a tradição e entrar no conclave para falar com os cardeais. Nunca antes na História isto havia acontecido. Mas também, concluiu Chartrand, nunca antes o Vaticano estivera sob a ameaça de algo parecido com uma ogiva nuclear neotérica. 

O que tranqüilizava Chartrand era saber que o camerlengo estava assumindo o controle. Ele era a pessoa dentro do Vaticano a quem Chartrand mais respeitava. Alguns dos guardas consideravam-no um beato - um fanático religioso cujo amor a Deus beirava a obsessão -, mas até eles concordavam que, quando se tratava de combater os inimigos de Deus, o camerlengo era o homem certo para entrar na briga e jogar duro. 

A Guarda Suíça tivera muito contato com o camerlengo naquela semana de preparação do conclave e todos tinham comentado que o homem parecia meio ríspido, os olhos verdes mais intensos do que de costume. Não era à toa, diziam. Ele era o responsável por todo o planejamento do conclave e ainda por cima tinha de providenciar tudo aquilo logo depois da perda de seu mentor, o Papa. 

Havia poucos meses que Chartrand estava no Vaticano quando ouvira a história da bomba que matara a mãe do camerlengo na frente do menino. Uma bomba na igreja e agora está acontecendo tudo de novo.

Infelizmente, as autoridades nunca prenderam os desgraçados que instalaram a tal bomba, provavelmente algum grupo extremista anticristão, disseram, e o caso caíra no esquecimento. Talvez fosse por isso que o camerlengo não gostava de apatia. 

Uns dois meses antes, em uma tarde sossegada, Chartrand cruzara com  o camerlengo vindo por um dos caminhos que cortavam a Cidade do Vaticano. 

O sacerdote reconhecera Chartrand como um dos novos guardas e convidara-o para acompanhá-lo em um passeio a pé. Não conversaram sobre nenhum assunto em especial, mas o camerlengo fez Chartrand sentir-

se imediatamente à vontade. 

- Padre - disse Chartrand -, posso lhe fazer uma pergunta esquisita? 

O camerlengo sorriu. 

- Só se eu puder lhe dar uma resposta esquisita. 

Chartrand achou graça. 

- Já perguntei isto a todos os padres que conheço e continuo não entendendo. 

- O que é que você não entende? 

O camerlengo ia na frente em passos rápidos, o pé levantando a ponta da batina quando ele andava. Os sapatos eram pretos, de sola crepe, e combinavam com ele, pensou Chartrand, como se refletissem a essência do homem:  moderno mas modesto e mostrando sinais de desgaste. 

Chartrand respirou fundo. 

- Não entendo o que vem a ser uma onipotência benevolente. 

O camerlengo sorriu. 

- Você anda lendo a Sagrada Escritura. 

- Eu tento. 

- E está confuso porque a Bíblia define Deus como uma divindade onipotente e benevolente. 

- Exato. 

- Onipotente e benevolente significa apenas que Deus é todo-poderoso e bem-intencionado. 

- Compreendo o conceito. É que parece haver uma contradição aí. 

- Sim. A contradição é a dor. A fome, as guerras, as doenças. 

- Exatamente! - Chartrand sabia que o camerlengo compreenderia. - Coisas terríveis acontecem neste mundo. A tragédia humana é como uma prova de que Deus não pode ser simultaneamente todo-poderoso e bem-intencionado. Se Ele nos ama e tem o poder de mudar nossa situação, Ele deveria também evitar nossas dores, não é? 

- Deveria mesmo? - perguntou o camerlengo. 

Chartrand ficou embaraçado. Teria passado dos limites? Será que se tratava de uma daquelas perguntas religiosas que não se devia fazer?

- Bem, se Deus nos ama, se é capaz de nos proteger, Ele deveria, sim. Parece que Ele é onipotente e indiferente ou, ao contrário, benevolente e incapaz de nos ajudar. 

- Tem filhos, tenente? 

Chartrand enrubesceu. 

- Não, signore. 

- Imagine se tivesse um filho de oito anos. Você o amaria? 

- Claro. 

- E faria tudo o que pudesse para evitar que ele sofresse na vida? 

- Claro que sim. 

- E deixaria que ele andasse de skate? 

Chartrand estacou, admirado. O camerlengo parecia singularmente "por dentro" para um sacerdote. 

- Sim, acho que sim - disse Chartrand. - Com certeza deixaria que andasse de skate, mas diria a ele para ter cuidado. 

- Quer dizer que, como pai desse menino, você lhe daria uns bons conselhos básicos e deixaria que saísse e cometesse seus próprios erros? 

- Eu não correria atrás dele para mimá-lo, se é o que o senhor quer dizer. 

- E se ele caísse e ralasse o joelho? 

- Ele aprenderia a ser mais cuidadoso. 

O camerlengo sorriu de novo. 

- Então, quer dizer que, mesmo tendo o poder de interferir e evitar que seu filho sentisse dor, você optaria por demonstrar seu amor deixando-o aprender suas próprias lições? 

- Claro, a dor é parte do crescimento. É como aprendemos. 

O camerlengo sacudiu a cabeça. 

- Exatamente. 

 

CAPÍTULO 90

Langdon e Vittoria observavam a Piazza Barberini das sombras de uma viela. A igreja ficava do lado oposto ao local onde se encontravam, a cúpula enevoada emergindo de um vago aglomerado de construções do outro lado da praça. A noite trouxera consigo um frescor agradável e Langdon não esperava encontrar a praça tão deserta. Acima deles, pelas janelas abertas, o som das televisões ligadas lembrou-lhe onde estavam as pessoas todas. 

- . . .o Vaticano ainda não se pronunciou . . . assassinos Illuminati de dois cardeais . . .presença satânica em Roma . . .especulações sobre maior infiltração... 

As notícias se espalhavam como o incêndio de Nero. Roma inteira estava siderada, assim como o resto do mundo. Langdon pensava se de fato eles seriam capazes de interromper o percurso daquele trem descontrolado. 

Examinando a praça enquanto esperava, ele notou que, apesar da invasão de edifícios modernos, a piazza ainda era notavelmente elíptica. No alto, como uma espécie de moderno sacrário para um herói do passado, um enorme letreiro de néon piscava no teto de um hotel de luxo. Vittoria já o havia mostrado a Langdon. O letreiro parecia sinistramente adequado. 

HOTEL BERNINI 

- Cinco para as dez - disse Vittoria, seus olhos felinos percorrendo viva- mente a praça. 

Mal tinha acabado de falar, agarrou o braço de Langdon e puxou-o para trás, escondendo-os na escuridão.

Fez um gesto em direção ao meio da praça. 

Langdon acompanhou o gesto dela. Quando viu o que apontava, ele ficou tenso. Atravessando a praça sob a luz de um poste, surgiram duas figuras sombrias. 

Ambas usavam capas e as cabeças vinham cobertas por xales negros, o acessório tradicional das viúvas católicas. Poderiam ser mulheres, mas à noite não dava para se ter certeza. Um dos vultos parecia mais velho e movia-se como se sentisse dor, curvado, O outro, mais alto e forte, ajudava-o. 

- Passe o revólver - disse Vittoria. 

-Você não pode ir... 

Ágil como um gato, ela pôs a mão no bolso dele e pegou mais uma vez a arma. O metal do revólver cintilou.

Então, em silêncio absoluto, como se seus pés nem tocassem as pedras do calçamento, ela rodeou a praça pela esquerda, sempre no escuro, para se aproximar da dupla pelas costas. Langdon ficou paralisado ao vê-la desaparecer. Depois, praguejando em voz baixa, saiu atrás dela. 

A dupla avançava devagar e bastou meio minuto para Langdon e Vittoria postarem-se atrás deles e irem se aproximando aos poucos. Vittoria escondeu o revólver sob os braços cruzados displicentemente, fora da vista mas acessível em um instante. À medida que o espaço entre eles diminuía, ela dava a impressão de flutuar cada vez mais depressa, e Langdon se esforçava para acompanhá-la.

Quando o sapato dele esbarrou em uma pedra que saiu quicando, Vittoria fulminou-o com um olhar de soslaio. Os dois vultos não escutaram, porém. Estavam falando. 

A uns dez metros de distância, Langdon começou a ouvir suas vozes. Mas não distinguiu nenhuma palavra. Só leves murmúrios. Ao lado dele, Vittoria andava mais rápido a cada passada, com os braços mais soltos e o revólver começando a aparecer. Seis metros. As vozes ficaram mais nítidas - uma delas muito mais alta do que a outra. Zangada. Reclamando. Parecia a voz de uma mulher idosa. Rouca.

Andrógina. Tentou ouvir o que ela dizia quando uma outra voz cortou o silêncio da noite. 

- Mi scusi! - o tom amistoso de Vittoria acendeu a praça como um holofote. 

Langdon retesou-se ao ver o par embrulhado em suas capas parar de repente e começar a virar. Vittoria continuava a andar na direção das duas pessoas mais depressa ainda, em rota de colisão. De trás, Langdon viu os braços dela se soltarem, a mão surgir e o revólver balançar para a frente. Depois, por cima

do ombro dela, enxergou um rosto iluminado pela luz do poste de rua. O pânico fez suas pernas agirem e ele se precipitou para diante. 

- Vittoria, não! 

Vittoria, contudo, parecia estar uma fração de segundo à frente dele. Em um movimento tão ligeiro quanto natural, ela levantou os braços de novo fazendo desaparecer o revólver enquanto cingia o próprio corpo, como fazem as mulheres em uma noite fria. Langdon chegou tropeçando ao lado dela, quase se chocando

com a dupla encasacada. 

- Buona sera - disse Vittoria, abruptamente, a voz meio alterada por causa do recuo. 

Langdon suspirou aliviado. Duas senhoras idosas olhavam sérias para eles sob seus xales. Uma era tão velha que a muito custo se mantinha de pé. A outra amparava-a. Ambas seguravam rosários. Pareciam espantadas com a súbita abordagem. 

Vittoria sorriu, embora com expressão abalada. 

- Dov'è la chiesa Santa Maria deila Vittoria? Onde é a igreja de... 

As duas apontaram juntas a silhueta maciça de um prédio na rua inclinada de onde haviam saído. 

- É là. 

- Grazie - disse Langdon, pondo as mãos nos ombros de Vittoria e puxando-a de leve para trás. Era inacreditável, mas quase tinham atacado duas senhoras de idade. 

- Non si puó entrare - preveniu uma das senhoras. - É chi usa temprano.

- Fechou mais cedo? - perguntou Vittoria, espantada. - Perchè? 

Ambas explicaram ao mesmo tempo. Zangadíssimas. Langdon só entendeu parte das palavras resmungadas em italiano. Aparentemente, 15 minutos antes, as duas estavam na igreja rezando pelo Vaticano, que se encontrava naquela situação dificil, quando um homem aparecera e dissera que a igreja iria ser fechada mais cedo. 

- Hanno conosciuto l'uomo?- indagou Vittoria, nervosa. - Conheciam o homem? As mulheres sacudiram a cabeça. O homem era um straniero crudo, completaram, e tinha obrigado todos que se encontravam lá dentro a sair, até o jovem padre e o zelador, que disseram que iriam chamar a polícia. Mas o intruso limitara-se a rir e lhes dissera para recomendar à polícia que não se esquecesse de trazer câmeras. 

 

- Bar-à rabo? - Langdon perguntou a Vittoria. - Um bárbaro? 

Vittoria enrijeceu-se de repente. 

- Não. Bar-àrabo é um trocadilho pejorativo. Significa Àrabo, árabe. 

Langdon sentiu um arrepio e virou-se para a igreja. Ao fazê-lo, divisou algo através dos vitrais. A imagem encheu-o de pavor. 

Sem reparar, Vittoria pegou seu celular e apertou o botão combinado para a autodiscagem. 

- Vou avisar Olivetti. 

Sem fala, Langdon tocou no braço dela. Com a mão trêmula, apontou para a igreja. 

Vittoria prendeu a respiração. 

Dentro da igreja, fulgurantes como pupilas diabólicas através do vidro colorido, reluziam os clarões das primeiras chamas de um incêndio.

 

CAPÍTULO 91

Langdon e Vittoria correram para a entrada principal da igreja de Santa Maria deila

Vittoria e encontraram a porta de madeira trancada. Vittoria disparou três tiros na fechadura antiga earrebentou-a.

A igreja não possuía átrio, de modo que o santuário inteiro se abriu à vista em toda a sua extensão quandoos dois escancararam a porta. Deram com uma cena tão inesperada, tão bizarra, que Langdon teve de fechar e abrir os olhos para assimilá-la por inteiro. 

A igreja era toda de um profuso estilo barroco, com paredes e altares dourados. Bem no meio do santuário, sob a cúpula principal, os bancos de madeira haviam sido empilhados e incendiados, formando uma espécie de pira funerária épica. Uma fogueira acesa lançando suas labaredas para o domo. Quando

Langdon acompanhou com o olhar aquele inferno, o indizível horror do espetáculo completo desceu sobre ele como uma ave de rapina. 

Do alto, dos lados direito e esquerdo do teto, pendiam dois cabos de incensórios - cordões usados para balançar recipientes com incenso acima da congregação. Nesses cordões, porém, não havia agora nenhum incensório pendurado. Nem os cordões estavam balançando. Haviam sido usados para outra finalidade... 

Suspenso pelos cordões havia um ser humano. Um homem despido. Cada um de seus pulsos fora amarrado a um dos cordões e ele fora içado e esticado quase ao ponto de ser partido ao meio. Seus braços estavam abertos como se tivesse sido pregado em uma cruz invisível que pairasse no ar na casa de Deus. 

Paralisado, Langdon olhava para cima. No momento seguinte, presenciou a crueldade final. O velho estava vivo e mexeu a cabeça. Um par de olhos aterrorizados voltou-se para baixo em uma súplica silenciosa por ajuda. No peito do homem, o desenho da queimadura. Ele fora marcado a fogo. Langdon não conseguia ver com nitidez, mas não tinha dúvidas sobre o que estava escrito. As labaredas cresceram e lamberam os pés da vítima, que gritou de dor, o corpo tremendo. 

Movido por uma força inexplicável, Langdon sentiu seu corpo entrar em movimento e sair correndo pela nave central na direção do fogo. Seus pulmões encheram-se de fumaça ao chegar mais perto. A três metros da fogueira, a toda velocidade, ele se chocou com uma parede de calor. A pele de seu rosto ficou

chamuscada e ele caiu para trás, protegendo os olhos com os braços, o corpo batendo com força no chão de mármore. Levantou-se cambaleando e tentou avançar outra vez, as mãos erguidas na frente do rosto. 

Mas o calor era intenso demais. 

Retrocedeu e esquadrinhou as paredes da igreja. Uma tapeçaria pesada, pensou. Se de algum modo eu conseguir abafar o fogo... Mas sabia que seria impossível encontrar uma tapeçaria ali. Isto é uma igreja barroca, Robert, não é um castelo alemão! Pense! Obrigou-se a olhar de novo para o homem pendurado. 

No alto, um torvelinho de fumaça e chamas agitava-se na cúpula. Os cordões

de incensórios que prendiam os punhos do homem subiam para o teto, passavam por roldanas e desciam novamente até duas braçadeiras de metal colocadas em cada uma das paredes laterais da igreja. Langdon examinou uma das braçadeiras. Ficava no alto da parede, mas se ele a alcançasse e afrouxasse um dos cordões, a tensão diminuiria e o corpo do homem balançaria, afastando-se bastante do fogo. 

As chamas aumentaram repentinamente e Langdon ouviu um grito lancinante vindo de cima. A pele dos pés do cardeal cobrira-se de bolhas. Ele estava sendo assado vivo. Langdon concentrou-se na braçadeira e precipitou-se para ela. 

No fundo da igreja, Vittoria segurou-se com força no encosto de um dos  bancos tentando recuperar-se. A imagem no alto era medonha. Virou o rosto. 

Faça alguma coisa! Queria saber onde estava Olivetti. Teria encontrado o  Hassassin? Será que o pegara? Onde estariam eles agora? Andou na direção de  Langdon para ajudá-lo, mas um som a fez parar. 

O estalar das labaredas fazia cada vez mais barulho, mas havia também um segundo som cortando o ar.

Uma vibração metálica. Perto. A pulsação repetitiva parecia vir da extremidade do banco à sua esquerda.

Era uma trepidação seca, como o toque de um telefone, mas dura, pétrea. Ela segurou o revólver com firmeza e caminhou ao longo da fileira de bancos. O som ficou mais alto. Soava e parava. Uma vibração recorrente. 

Ao chegar no fim da passagem, percebeu que o som vinha do chão, atrás do último banco. Quando avançou com o revólver na mão direita levantada, notou que também segurava algo na mão esquerda - seu telefone celular. Com toda aquela tensão, esquecera que o usara lá fora para discar para o comandante,

acionando a vibração silenciosa do telefone dele, o aviso combinado. Vittoria colocou seu telefone no ouvido. Ainda estava tocando. O comandante não chegara a atender. Súbito, com um medo crescente, achou que sabia o que estava produzindo aquele ruído. Deu mais um passo, trêmula. 

A igreja pareceu afundar sob seus pés quando se deparou com a forma sem vida no chão. Nenhum líquido fluía do corpo. Nenhum sinal de violência marcava a carne. Havia somente a terrível geometria da cabeça do comandante virada para trás, torcida 180 graus na direção errada. Vittoria lutou contra a lembrança do corpo mutilado de seu próprio pai. 

O telefone no cinto do comandante estava encostado no chão, vibrando sem parar de encontro ao mármore frio. Vittoria desligou o seu e o ruído cessou.

No silêncio, ela escutou um outro som. A respiração de alguém nas sombras atrás dela. 

Começou a girar o corpo apontando a arma, mas já sabia que seria tarde demais. Foi como se um raio atingisse seu corpo do alto do seu crânio às solas dos pés quando o cotovelo do assassino encostou na sua nuca. 

- Agora você é minha - disse uma voz. 

Então, tudo ficou negro. 

Do outro lado da igreja, na parede lateral esquerda, Langdon equilibrava-se em um banco, estendendo o braço em impulsos, tentando alcançar a braçadeira. O cordão estava a mais de três metros acima de sua cabeça. Braçadeiras como aquela eram comuns nas igrejas, sempre colocadas no alto para evitar que fossem tocadas. Langdon sabia que os padres usavam escadas de madeira chamadas piuàli para alcançar as braçadeiras. O matador obviamente usara a

escada da igreja para içar sua vítima. Onde está o raio da escada? Langdon olhou para baixo, procurando-a pelo chão. Tinha uma vaga lembrança de ter visto uma escada por ali em algum lugar. Mas onde? Um segundo mais tarde, lembrou-se, desalentado, onde a vira. Voltou-se para a fogueira. Lá estava a escada, sobre a pilha de bancos, envolta em chamas. 

Desesperado, olhando do alto, procurou por toda a igreja algo que o pudesse ajudar a alcançar a braçadeira. E, de repente, ocorreu-lhe: onde estará Vittoria? Ela desaparecera. Será que foi buscar ajuda? Gritou o nome dela, mas não obteve resposta. E onde foi parar Olivetti? 

Ao ouvir um urro de dor vindo de cima, Langdon achou que já era tarde demais. Levantando os olhos de novo para a vítima que queimava lentamente, ele só pensou em uma coisa. Água.

Muita água. Para apagar o fogo. Pelo menos para diminuir a altura das chamas. 

- Preciso de água, de água! - berrou ele. 

- Mais tarde - rosnou uma voz vinda do fundo da igreja. 

Langdon girou, quase caindo do banco. 

Em largas passadas pela nave lateral, vinha em sua direção um monstro sombrio em forma de homem. Mesmo à luz da fogueira, seus olhos negros tinham um brilho escuro. Langdon reconheceu na mão dele o revólver que saíra do bolso de seu próprio casaco, o que Vittoria estivera segurando ao entrarem na igreja. 

A repentina onda de pânico que o acometeu era uma mistura desconexa de

muitos medos. Seu primeiro instinto foi pensar em Vittoria. O que aquele animal teria feito com ela? Estaria machucada? Ou algo pior? Naquele instante, o homem que estava suspenso lá em cima começou a gritar mais alto. O cardeal ia morrer. Era impossível ajudá-lo agora. Quando o

Hassassin mirou o revólver no peito de Langdon, o pânico novamente seapoderou dele, seus sentidos ficaram sobrecarregados. E, quando o tiro partiu, seu reflexo foi pular de cabeça, os braços estendidos para a frente, no mar de bancos da igreja. 

Chocou-se com os bancos com mais força do que imaginara, rolando imediatamente para o chão. O mármore recebeu o impacto do seu corpo com a mesma gentileza do aço frio. Passos aproximaram-se pela direita. Langdon virou o corpo para a frente da igreja e saiu agachado, oculto pelos bancos, tentando salvar a própria vida. 

Muito acima do chão da igreja, o cardeal Guidera vivia seus últimos torturantes minutos de consciência. Ao baixar os olhos para seu corpo nu, viu a pele dos seus pés formando bolhas e soltando-se. Estou no inferno, concluiu. Deus, por que me abandonastes? Sabia que devia ser o inferno porque estava olhando para as letras em seu peito de cabeça para baixo e, no entanto, como se por um sortilégio do demônio, a palavra era perfeitamente legível.

 

CAPÍTULO 92

Três votações. E nada de Papa. 

Dentro da Capela Sistina o cardeal Mortati começou a rezar por um milagre. Mande-nos os candidatos!

O atraso já se prolongara demais. Um único candidato faltando, dava para entender. Mas os quatro? Não deixava nenhuma opção. Naquelas condições, só por um ato de Deus em pessoa obteriam a maioria de dois terços. 

Quando as dobradiças da porta externa começaram a ranger e a porta se abriu, Mortati e todo o Colégio dos Cardeais voltaram-se juntos para a entrada. Mortati sabia que aquilo só poderia significar uma coisa. Pela lei, as portas da capela somente podiam ser abertas por duas razões - para retirar do recinto os que se encontrassem muito doentes ou para admitir os cardeais atrasados. 

Os preferiti estão chegando! 

O coração de Mortati alçou vôo, O conclave estava salvo. 

Todavia, quando a porta se abriu, o murmúrio de espanto que ecoou pela capela não foi de alegria. Mortati viu, incrédulo, o homem entrar na capela. Pela primeira vez na história do Vaticano, um camerlengo atravessava o sagrado limiar do conclave depois de selar as portas. 

O que ele pensa que está fazendo? 

O camerlengo encaminhou-se para o altar e posicionou-se para falar à plateia estupefata. 

- Signori - disse -, esperei o mais que pude. Existe algo que todos aqui têm o direito de saber. 

 

CAPÍTULO 93

Langdon avançava sem saber para onde ia. Sua única bússola eram seus reflexos, afastando-o do perigo. Seus cotovelos e joelhos ardiam enquanto se esgueirava entre os bancos, mas não parava. Algo lhe dizia para ir para a esquerda. Se conseguir chegar à nave principal, posso correr para a saída. Mas isto seria impossível. Há uma parede de fogo no meio da nave principal! Com a cabeça à cata de opções, ele prosseguia cegamente. Os passos aproximavam-se mais depressa, agora pela direita. 

Quando aconteceu, Langdon não estava preparado. Calculara que houvesse mais uns três metros de fileiras de bancos até a parte da frente da igreja. Calculara mal. Inesperadamente, seu esconderijo terminou. Imobilizou-se um instante, meio exposto na frente da igreja. Erguendo-se no nicho à sua esquerda, estava a escultura que o levara ali. Esquecera-se completamente dela.

O Êxtase de Santa Teresa de Bernini surgia como uma espécie de natureza-morta

pornográfica: a santa deitada de costas, o tronco arqueado de prazer, a bocaentreaberta em um gemido e, acima dela, o anjo apontando sua lança de fogo. 

Uma bala explodiu no banco por cima da cabeça de Langdon. Seu corpo precipitou-se como o de um atleta quando é dada a largada. Impelido somente pela adrenalina e sem ter muita consciência de seus atos, ele subitamente estava correndo, curvado, a cabeça abaixada, atravessando a frente da igreja para a direita.

Com as balas pipocando às suas costas, mergulhou de novo e deslizou sem controle pelo piso de mármore até ir de encontro à grade de um nicho na parede do lado direito. 

Foi então que a viu. Caída no chão junto ao fundo da igreja. Vittoria! As pernas nuas estavam torcidas sob o corpo, mas Langdon de alguma forma pressentiu que ela estava respirando. E não tinha tempo para ajudá-la. 

Imediatamente, o matador contornou as fileiras de bancos na extremidade esquerda da igreja e avançou para ele, implacável. Em uma fração de segundo Langdon percebeu que não tinha mais saída. O matador levantou a arma e Langdon fez a única coisa que podia. Rolou o corpo por cima da grade para dentro do nicho. Ao bater no chão do outro lado, as colunas de mármore da balaustrada foram atingidas por uma saraivada de balas. 

Langdon sentiu-se como um animal encurralado ao recuar para o fundo do recinto semicircular. Diante dele, a única peça que ocupava aquele espaço parecia ironicamente oportuna - um sarcófago isolado.

Talvez o meu, pensou. Até a tumba em si era apropriada: uma scàtola - um pequeno e despojado ataúde de mármore. Um enterro de acordo com o orçamento. O ataúde estava apoiado em dois blocos de mármore e Langdon examinou a abertura entre eles tentando calcular se daria para passar por ali. 

Passos ecoaram atrás dele. 

Sem outra opção em vista, ele se comprimiu contra o chão e rastejou na direção da tumba. Agarrando os dois suportes de mármore, um em cada mão, deu impulso como se estivesse nadando de peito e puxou o tronco para dentro da abertura sob o ataúde. O revólver do homem disparou. 

Junto com o estrondo do tiro, Langdon experimentou uma sensação que nunca tivera em sua vida, a de uma bala passando rente à sua carne. Ouviu o silvo do ar, igual ao que se escuta depois de uma chicotada, quando a bala raspou sua pele e depois penetrou no mármore levantando uma nuvem de pó. Com o sangue brotando, arrastou-se pelo resto do espaço embaixo do ataúde. No final, levantou-se e correu para o outro lado. 

Para um beco sem saída. 

Langdon estava agora cara a cara com a parede do fundo do nicho, já convencido de que o espaço exíguo atrás da tumba seria o lugar onde iria cair morto. E vai ser logo, disse para si ao ver o cano da arma surgir na abertura sob o sarcófago. O Hassassin segurava o revólver quase encostado no chão, mirando direto no meio do tronco de Langdon. 

Impossível errar. 

Um resto de autopreservação apoderou-se do inconsciente de Langdon. Torceu o corpo e virou-se de barriga, paralelamente ao ataúde. Com o rosto para baixo, fincou as mãos no chão, o corte do vidro dos arquivos abrindo-se com uma ferroada. Sem fazer caso da dor, empurrou o corpo para cima de modo desajeitado, arqueando o estômago e afastando-o do chão no mesmo instante em que o outro atirou. Dava para sentir a onda de choque das balas passando por baixo dele e pulverizando o poroso mármore travertino atrás. Fechou os olhos. Lutando contra a exaustão, Langdon rezou para que o tiroteio parasse. 

E parou. 

À trovoada de tiros seguiu-se o estalido seco de um tambor vazio. 

Langdon abriu os olhos devagar, quase temendo que suas pálpebras fizessem algum ruído. Com um enorme esforço, apesar da dor que o fazia tremer, ele manteve a posição, arqueado como um gato. Não se atrevia nem a respirar. Os tímpanos entorpecidos pelo barulho dos tiros, tentava escutar qualquer sinal que lhe indicasse que o assassino se fora. Silêncio. Pensou em Vittoria, ansioso para ir ajudá-la. 

O som que se seguiu foi ensurdecedor. Animalesco. Um grito gutural de esforço. 

O sarcófago acima da cabeça de Langdon inclinou-se apoiado em um dos lados. O corpo de Langdon tombou e a peça de mármore pesando centenas de quilos oscilou em sua direção. A gravidade superou o atrito e a tampa foi a primeira a cair, escorregando de cima da tumba e despencando com grande estrépito ao lado dele. O ataúde veio atrás, soltando-se de seus apoios e caindo emborcado em cima de Langdon. 

Quando o ataúde desceu, Langdon achou que ficaria sepultado no oco embaixo dele ou seria esmagado por um dos seus lados. Encolhendo as pernas e a cabeça, ele compactou o próprio corpo e ainda puxou os braços para junto do tronco. Fechou os olhos na expectativa angustiante. 

O ataúde de mármore bateu com força no chão, que sacudiu inteiro. A borda superior assentara-se a milímetros do alto de sua cabeça, fazendo seus dentes chacoalharem. Seu braço direito, que Langdon tivera a certeza de que seria esmigalhado, estava miraculosamente intacto. Abriu os olhos e viu uma faixa de luz. A borda direita do ataúde não chegara a encostar no chão e ainda estava em parte apoiada sobre seus suportes. Olhando para cima, contudo, Langdon viu-se

literalmente encarando a morte. 

O ocupante original da tumba estava pendurado acima dele, tendo aderido ao fundo do sarcófago, como costuma acontecer com os corpos em decomposição. O esqueleto esperou um instante, como um amante cauteloso, e então, crepitante, pegajoso, sucumbiu à gravidade e despregou-se. O esqueleto precipitou-se para abraçá-lo, em meio a uma chuva de pó e ossos pútridos que lhe cobriram os olhos e a boca. 

Antes que Langdon pudesse reagir, um braço penetrou na abertura debaixo do ataúde, coleando por entre a ossada como uma serpente faminta. Tateou até encontrar o pescoço de Langdon e comprimiu-o.

Langdon tentou lutar contra o punho de ferro que apertava sua garganta, mas descobriu que a manga esquerda de seu paletó ficara presa sob a borda do ataúde. Tinha somente um braço livre e o resultado da luta seria uma batalha perdida. 

As pernas de Langdon dobraram-se no único espaço que havia, os pés procurando apoiar-se no fundo do ataúde acima. Encontrando o apoio, encolheu-se e firmou os pés. A mão em seu pescoço apertou mais forte; ele fechou os olhos e estendeu as pernas como um aríete. O ataúde moveu-se ligeiramente para o lado, mas já foi o suficiente. 

Com um rangido áspero, o sarcófago deslizou de cima dos suportes e bateu no chão. A borda de mármore caiu sobre o braço do homem, que soltou uma exclamação abafada de dor. A mão largou o pescoço de Langdon, contorcendo-se e sacudindo no escuro. Quando o homem finalmente conseguiu puxar o braço para fora, o ataúde caiu com um baque definitivo de encontro ao chão liso de mármore. 

Escuridão completa. De novo. E silêncio. 

Não houve batidas frustradas do lado de fora do sarcófago virado. Nenhuma tentativa para levantá-lo.

Nada. Deitado no escuro no meio de uma pilha de ossos, Langdon procurou desviar o rumo de seus pensamentos. 

Vittoria. Será que você está viva? 

Se ele soubesse a verdade, a terrível situação em que Vittoria se encontraria ao acordar, teria desejado, para o próprio bem dela, que estivesse morta.

 

CAPÍTULO 94

Sentado na Capela Sistina junto com seus companheiros estarrecidos, o cardeal Mortati tentava assimilar as palavras que escutava. Diante deles, iluminado apenas pela luz das velas, o camerlengo acabara de contar uma história de tamanho ódio e perfídia que Mortati, quando deu por si, estava tremendo. O camerlengo falou de cardeais seqüestrados, cardeais marcados a fogo, cardeais

assassinados. Falou dos antigos Illuminati, um nome que trazia à memória medos esquecidos, do ressurgimento deles e de seu juramento de vingança contra a Igreja. Com a voz cheia de pesar, o camerlengo falou de seu último Papa, vítima de envenenamento pelos Illuminati. E por fim, num sussurro, falou de uma nova tecnologia mortal, a antimatéria, que ameaçava destruir toda a Cidade do Vaticano em menos de duas horas. 

Quando terminou, foi como se o próprio satã tivesse sugado todo o ar do ambiente. Ninguém se mexia. As palavras do camerlengo pairavam na penumbra. 

O único som que Mortati ouvia agora era o zumbido inusitado de uma câmera de TV ao fundo, uma presença eletrônica que nenhum conclave na história jamais tolerara, mas uma presença exigida pelo camerlengo. Para espanto completo dos cardeais, o camerlengo entrara na Capela Sistina com dois repórteres da BBC - um homem e uma mulher - e anunciara que eles transmitiriam seu pronunciamento solene ao vivo para o mundo. 

Agora, falando diretamente para a câmera, o camerlengo deu um passo à frente. 

- Aos Iliuminati - disse ele, a voz mais grave - e aos homens de ciência, deixem que lhes diga uma coisa - e fez uma pausa. - Vocês ganharam a guerra. 

O silêncio espalhara-se agora pelos recônditos mais profundos da capela. Mortati ouvia a batida desesperada de seu próprio coração. 

- As engrenagens estão em movimento há muito tempo - disse o camerlengo. - Sua vitória foi inevitável.

Nunca antes isto ficou tão evidente quanto neste momento. A ciência é o novo Deus. 

O que ele está dizendo!, pensou Mortati. Será que enlouqueceu? O mundo inteiro está escutando isso! 

- Medicina, comunicações eletrônicas, viagens espaciais, manipulação genética, estes são os milagres sobre os quais agora falamos às nossas crianças. Estes são os milagres que alardeamos como prova de que a ciência nos trará as respostas. As histórias antigas de concepções imaculadas e mares que se abrem não são mais relevantes. Deus ficou obsoleto. A ciência venceu a batalha. Nós nos rendemos.

Um rumor de confusão e perplexidade agitou a capela. 

- Mas a vitória da ciência - o camerlengo acrescentou, a voz se intensificando-nos custou caro. Custou muito caro para cada um de nós. 

Silêncio. 

- A ciência pode ter aliviado os sofrimentos das doenças e dos trabalhos enfadonhos e fatigantes, pode ter proporcionado uma série de aparelhos engenhosos para nossa conveniência e distração, mas deixou-nos em um mundo sem deslumbramento. Nossos crepúsculos foram reduzidos a comprimentos de ondas e freqüências. As complexidades do universo foram desmembradas em equações matemáticas. Até o nosso amor-próprio de seres humanos foi destruído. A ciência proclama que o planeta Terra e seus habitantes são um cisco insignificante no grande plano. Um acidente cósmico - e aqui o camerlengo fez uma pausa. - Até a tecnologia que promete nos unir, ao contrário, só nos divide. Cada um de nós está hoje eletronicamente conectado ao globo inteiro e, entretanto, todos nos sentimos sós. Somos bombardeados pela violência, pela divisão, pela desintegração e pela traição. O ceticismo passou a ser uma virtude. O cinismo e a exigência de provas para tudo converteram-se em pensamento esclarecido. Alguém ainda se admira que as pessoas hoje se sintam mais deprimidas e derrotadas do que em qualquer outra ocasião da história do homem? Será que existe alguma coisa que a ciência considere sagrada? A ciência procura

respostas usando fetos não-nascidos como material de pesquisa. A ciência até se atreve a reorganizar nosso DNA. Despedaça o mundo de Deus em parcelas cada vez menores em busca de significados e só encontra mais perguntas. 

Mortati assistia a tudo cheio de assombro. O camerlengo falava de modo quase hipnótico agora. Possuía um vigor físico nos movimentos e na voz que Mortati jamais presenciara em um altar do Vaticano. Suas palavras vinham impregnadas de convicção e de tristeza. 

- A velha guerra entre a ciência e a religião está encerrada - disse o camerlengo. - Vocês venceram. Mas não venceram honestamente. Não venceram fornecendo respostas. Venceram redirecionando nossa sociedade de modo tão radical que as verdades que outrora víamos como diretrizes agora parecem inaplicáveis. A religião não tem capacidade para acompanhar isto. O crescimento científico é exponencial. Alimenta-se de si mesmo como um vírus. Cada novo avanço abre caminho para outros novos avanços. A humanidade levou milhares de anos para evoluir da roda para o carro. E apenas décadas do carro para o espaço.

Atualmente, calculamos por semana o progresso científico. Estamos girando fora de controle, O abismo entre nós se aprofunda sem parar e, à medida que a religião vai ficando para trás, as pessoas se vêem em um vazio espiritual. Imploramos pelo sentido das coisas. E, acreditem, imploramos de fato. Vemos OVNIS, freqüentamos médiuns, buscamos contato com os espíritos, experiências extracorpóreas, uso do poder mental - todas essas idéias excêntricas têm um verniz científico, mas são descaradamente irracionais. São o grito desesperado da alma moderna, solitária e atormentada, deformada por seu próprio esclarecimento e por sua incapacidade de aceitar que haja sentido em qualquer coisa que seja estranha à tecnologia. 

Mortati reparou que, involuntariamente, se inclinara para a frente em seu assento. Ele, os outros cardeais e gente do mundo inteiro estavam presos a cada palavra daquele padre. O camerlengo falava sem empregar qualquer retórica ou virulência. Não fazia referências à Bíblia ou a Jesus Cristo. Usava termos modernos, sem enfeites, despojados. De certa forma, como se as palavras fluíssem do próprio Deus, ele utilizava uma linguagem moderna para transmitir a mensagem antiga. Naquela hora, Mortati entendeu uma das razões por que o falecido Papa apreciava tanto aquele moço. Em um mundo de apatia, cinismo e deificação tecnológica, homens como o camerlengo, realistas que sabiam falar às nossas almas como ele acabara de fazer, eram a única esperança da Igreja. 

O tom do camerlengo ficou mais veemente. 

- A ciência, dizem vocês, vai nos salvar. A ciência, digo eu, nos destruiu. Desde o tempo de Galileu, a Igreja vem tentando diminuir o ritmo da marcha implacável da ciência, às vezes por meios equivocados, mas sempre com intenções benéficas. Ainda assim, as tentações são grandes demais para o homem resistir. Previno-os, olhem em torno de si. As promessas da ciência não foram mantidas. As promessas de eficiência e simplicidade resultaram somente em poluição e caos. Somos uma espécie despedaçada e frenética, seguindo um caminho que leva à destruição. 

O camerlengo fez uma pausa prolongada e então olhou para a câmera com uma expressão penetrante. 

- Quem é esse deus-ciência? Quem é esse deus que oferece poder a seu povo, mas nenhuma estrutura moral para lhe dizer como usar este poder? Que tipo de deus dá fogo a uma criança, mas não a avisa sobre seus perigos? A linguagem da ciência não vem com diretrizes sobre o bem e o mal. Os livros científicos explicam-nos como criar uma reação nuclear, mas não têm nenhum capítulo discutindo se é uma boa ou má idéia. 

- À ciência, quero dizer o seguinte: a Igreja está cansada. Estamos exaustos de tanto tentar ser uma diretriz para o mundo. Nossos recursos estão esgotados por sermos a voz do equilíbrio enquanto vocês se atiram de cabeça em sua busca por chips menores e lucros maiores. Nem perguntamos por que vocês não se controlam, pois como poderiam? Seu mundo anda tão depressa que, se pararem por um instante que seja para refletir sobre as implicações de seus atos, alguém mais eficiente pode ultrapassá-los em um piscar de olhos. Por isso, vocês vão em frente. Promovem o aumento das armas de destruição em massa, mas é o Papa quem tem de viajar pelo mundo suplicando aos líderes que tenham prudência. Clonam criaturas vivas, mas é a Igreja que tem de lembrar a necessidade de considerarmos as implicações morais de nossos atos. Incentivam as pessoas

a interagir através de telefones, telas de vídeo e computadores, mas é a Igreja que abre suas portas e nos lembra de comungar aqui, no mundo real, que é como se deve fazer. Vocês até matam bebês que ainda não nasceram em nome de pesquisas que salvarão vidas. Mais uma vez, cabe à Igreja comprovar a falácia de tal raciocínio. 

- E, o tempo todo, vocês proclamam que a Igreja é ignorante. Quem é mais ignorante, porém? O homem que não sabe definir o raio que cai durante um temporal ou o que não respeita seu poder admirável? Esta igreja está tentando chegar a vocês. Está tentando chegar a todas as pessoas. E, todavia, quanto mais tentamos, mais vocês nos repelem. Mostrem-nos uma prova da existência de Deus, dizem vocês. E eu respondo, usem seus telescópios para olhar o céu e me digam como é possível não haver um Deus! - O camerlengo tinha lágrimas nos olhos. - Vocês perguntam com que Deus se parece, e eu, por minha vez, pergunto

também: de onde vem essa pergunta? A resposta é uma só, a resposta é a mesma. Não vêem Deus em sua ciência? Como podem deixar de vê-Lo! Vocês proclamam que a menor alteração na força da gravidade ou no peso de um átomo teria convertido nosso universo em uma névoa sem vida em vez do magnífico mar de corpos celestes que contemplamos, e ainda assim deixam de ver a mão de Deus nisso? Será que é mesmo tão mais fácil acreditar que escolhemos a carta certa em um baralho em que há bilhões delas? Será que estamos tão falidos espiritualmente que preferimos acreditar numa impossibilidade matemática e não em um poder maior do que nós? 

- Se vocês acreditam em Deus ou não - disse o camerlengo, a voz mais grave e carregada de deliberação -, têm de acreditar nisto: quando nós, como espécie, abandonamos a confiança em um poder maior do que nós, abandonamos também nossa noção da obrigatoriedade de prestar contas. A fé, todas as formas de fé, são advertências de que existe algo que não podemos compreender, algo a que temos de responder. Com fé, prestamos contas uns aos outros, a nós mesmos e a uma verdade maior. A religião é falha, mas só porque o homem é falho. Se o mundo exterior pudesse ver esta igreja como eu vejo, além do ritual de dentro dessas paredes, veria um milagre moderno, uma fraternidade de almas imperfeitas e simples, querendo apenas ser uma voz de compaixão em um mundo do qual se está perdendo o controle. 

O camerlengo fez um gesto para o Colégio dos Cardeais e a cinegrafista da BBC instintivamente o acompanhou, focalizando a multidão de cardeais. 

- Somos mesmo obsoletos? - perguntou o camerlengo? - Será que esses homens são mesmo dinossauros? Será que eu também sou? Será que o mundo realmente precisa de uma voz para os pobres, os fracos, os oprimidos, para as crianças que ainda não nasceram? Será que realmente precisamos de almas como essas que, apesar de imperfeitas, passam a vida nos implorando para seguirmos as diretrizes da moralidade e não nos extraviarmos de nosso caminho? 

Mortati percebeu que o camerlengo, conscientemente ou não, estava realizando uma brilhante manobra. Ao mostrar os cardeais, estava personalizando a Igreja. A Cidade do Vaticano não era mais uma construção, era feita de gente - gente como o camerlengo, que passara a vida a serviço do bem. 

- Esta noite, estamos à beira de um precipício - disse o camerlengo. 

- Nenhum de nós pode se dar ao luxo da indiferença. Quer encarem toda essa maldade como Satã, corrupção ou imoralidade, o fato é que as forças do mal estão vivas e crescendo a cada dia. Não as ignorem. - O camerlengo baixou a voz a um sussurro e a câmera se aproximou. - As forças são poderosas, mas não são invencíveis, O bem pode prevalecer. Ouçam a voz de seus corações. Ouçam a voz de Deus. Juntos, podemos recuar deste abismo. 

E Mortati enfim compreendeu. Aquela era a razão. O conclave fora violado, mas era o único jeito. O camerlengo fizera um dramático e desesperado pedido de ajuda. Dirigira-se não só a seu inimigo como também a seus amigos. Estava rogando a todos, amigos ou inimigos, que compreendessem e parassem com aquela loucura. Com certeza, alguém que estivesse escutando perceberia a insanidade daquela trama e tomaria uma atitude. 

O camerlengo ajoelhou-se no altar. 

- Rezem comigo. 

O Colégio dos Cardeais caiu de joelhos para unir-se ao camerlengo em uma prece. Lá fora, na Praça de São Pedro e em todos os países, o mundo aturdido ajoelhou-se junto com eles.

 

CAPÍTULO 95

O Hassassin deitou seu troféu inconsciente na traseira do furgão e levou uns instantes examinando o corpo estendido. Não era tão bonita quanto as mulheres que comprava, mas tinha um vigor animal que o excitava. O corpo era radioso, orvalhado de transpiração. E cheirava a almíscar. 

Parado ali saboreando sua recompensa, ele ignorava o braço que latejava. O ferimento causado pela queda do sarcófago, embora doloroso, era insignificante. Valia bem a compensação que se encontrava diante dele. Consolava-o pensar que o americano que lhe fizera aquilo provavelmente estaria morto àquela altura. 

Contemplando sua prisioneira inerte, o Hassassin visualizava o que o esperava. Correu a palma da mão sob a blusa dela. Os seios pareciam perfeitos sob o sutiã. Sim, sorriu. Você valeu muito a pena.

Lutando contra a vontade de possuí- la de imediato, ele fechou a porta, sentou-se ao volante e desapareceu na noite. 

Não havia necessidade de alertar a imprensa sobre aquela última morte: as labaredas do incêndio fariam isso por ele. 

No CERN, Sylvie estava sob o efeito atordoante da fala do camerlengo. Nunca antes se sentira tão orgulhosa de ser católica e, ao mesmo tempo, tão envergonhada de trabalhar no CERN. Ao sair do setor de lazer, reparou que a atmosfera em cada uma das salas era sombria e desconcertada. Quando voltou para o escritório de Kohler, as sete linhas de telefone estavam tocando. As ligações dos meios de comunicação nunca eram encaminhadas direto para a sala do diretor, portanto as chamadas só podiam ter um motivo.  Geld. Dinheiro. 

A tecnologia da antimatéria já tinha pretendentes. 

No Vaticano, Gunther Glick estava nas nuvens enquanto seguia o camerlengo na saída da Capela Sistina.

Ele e Macri tinham acabado de fazer a transmissão ao vivo da década. E que transmissão extraordinária.

O camerlengo fora fascinante.

Já no saguão, o camerlengo virara-se para Glick e Macri: 

- Pedi à Guarda Suíça para reunir algumas fotografias para vocês, tanto dos cardeais marcados a fogo quanto uma de Sua Santidade. Devo preveni-los de que não são imagens agradáveis. Queimaduras medonhas, língua negra. Mas gostaria que as divulgassem para o mundo. 

Ele quer que eu divulgue uma foto exclusiva do Papa morto? 

- O senhor quer mesmo? - perguntou Glick, procurando não demonstrar sua animação. 

O camerlengo balançou a cabeça. 

- A Guarda Suíça também vai lhe fornecer uma gravação ao vivo do tubo de antimatéria em contagem regressiva. 

Glick estava pasmo. 

- Os liluminati estão prestes a descobrir - declarou o camerlengo - que jogaram pesado demais.

 

CAPÍTULO 96

Como um tema recorrente em uma sinfonia demoníaca, a sufocante escuridão estava de volta. 

Sem luz. Sem ar. Sem saída. 

Langdon estava preso debaixo do sarcófago emborcado e sentia sua mente derivar perigosamente para o limiar da sanidade. Tentando desviar seus pensamentos para outro rumo além do espaço apertado em torno dele, forçava a sua cabeça a se ocupar com algum processo lógico - matemática, música, qualquer coisa. Mas não havia lugar para pensamentos calmantes. Não posso me mexer! Não posso respirar! 

A manga presa de seu paletó felizmente se soltara quando o ataúde caíra, deixando-o com mobilidade nos dois braços. Mesmo assim, ao empurrar para cima o teto de sua cela minúscula, esta permaneceu imóvel.

Teria sido melhor ficar com a manga presa, que talvez deixasse uma fresta para o ar entrar. 

Quando tentou empurrar outra vez, sua manga escorregou e revelou o brilho de um velho amigo. Mickey.

A carinha esverdeada de desenho animado olhava-o, zombeteira. 

Langdon examinou a escuridão tentando distinguir algum outro vestígio de claridade, mas a borda do ataúde ajustava-se perfeitamente ao chão. Esses desgraçados desses italianos perfeccionistas, praguejou ele; agora estava em perigo por causa da mesma excelência artística que ensinava seus alunos a reverenciar:  acabamentos impecáveis, paralelos perfeitos e, claro, só o mármore de Carrara mais resistente e sem falhas. 

A precisão às vezes pode ser sufocante. 

- Levante essa droga - disse em voz alta, empurrando com mais força através do emaranhado de ossos. A tumba deslocou-se ligeiramente. Cerrando a mandíbula, tentou levantá-la de novo. Tinha a impressão de estar suspendendo uma pedra enorme, mas dessa vez o ataúde subiu alguns milímetros. Uma luminosidade fugidia cercou-o e depois o ataúde tombou com um baque seco. Langdon ficou arquejando no escuro.

Tentou usar as pernas como fizera antes, mas, com o ataúde inteiramente encostado no chão, não havia espaço nem para esticar seus joelhos. 

Invadiu-o um pânico claustrofóbico e Langdon foi assoberbado por imagens do sarcófago encolhendo em torno dele. Pressionado pelo delírio, combateu a ilusão com todos os restos de lógica intelectual que ainda possuía. 

- Sarcófago - enunciou em voz alta, com o máximo de esterilidade acadêmica que conseguiu arranjar. No entanto, até a erudição parecia estar contra ele. Sarcófago vem do grego sarx, significando carne, e phagein, que quer dizer "comer' Estou preso em uma caixa literalmente criada para "comer carne' 

As imagens de carne sendo devorada até o osso serviram apenas de sinistro lembrete para o fato de que Langdon estava coberto de restos humanos. A consciência disto deu-lhe náuseas e calafrios. Mas também lhe deu uma idéia. 

Remexendo às cegas dentro do caixão, Langdon encontrou um pedaço de osso. Uma costela, talvez? Não importava o que fosse. O que ele queria era uma cunha. Se conseguisse levantar o caixão, nem que fosse uma pequena fresta, e enfiar o fragmento de osso entre a borda e o chão, talvez a quantidade de ar fosse suficiente para... 

Com uma das mãos firmando o pedaço estreito de osso entre a borda e o chão, ele estendeu a outra mão e empurrou. O ataúde não se moveu. Nem um pouco. Langdon tentou de novo. Por um instante o ataúde pareceu tremer ligeiramente, mas foi tudo. 

O mau cheiro da decomposição e a falta de oxigênio já lhe tirando as forças, ele percebeu que só tinha tempo para mais uma tentativa. E que precisaria dos dois braços. 

Reorganizou-se e colocou o pedaço alongado de osso de encontro à borda, deslocou um pouco o tronco e escorou o osso firmemente com o ombro. Com cuidado para não tirá-lo do lugar, levantou os dois braços. Sentiu o recinto abafado começar a asfixiá-lo e uma onda de pânico intenso apoderou-se dele. Era a segunda vez naquele dia que ficava preso em um local sem ar. Gritando, deu um empurrão para cima num movimento de explosão. O ataúde ergueu- se por uma fração de segundo. Foi o bastante. O pedaço de osso que prendera com o ombro encaixou-se no espaço que se abriu. Quando o ataúde tombou de novo, o osso se espatifou. Mas dava para ver que ainda havia uma escora. Um filete de luz aparecia sob a borda. 

Extenuado, Langdon soltou o corpo. Torcendo para que a sensação de estrangulamento em sua garganta passasse, ele esperou. Entretanto, a sensação só piorou. O ar que penetrava através da minúscula fresta parecia imperceptível. Langdon pensava se daria para mantê-lo vivo. E, se desse, por quanto tempo? Se ele desmaiasse, quem descobriria que estava ali? 

Levantou o braço, que pesava como chumbo, e olhou o relógio outra vez: 

10h12 da noite. Os dedos trêmulos, ajustou o relógio e deu sua última cartada. Torceu um dos pequeninos ponteiros e apertou um botão. 

À medida que a consciência se esvaía e as paredes da tumba o comprimiam, os velhos medos o assaltaram.

Tentou imaginar que se encontrava em um campo aberto. A cena que lhe ocorreu, porém, não ajudava em nada. O pesadelo que o assombrara desde pequeno voltou com toda a força. 

As flores aqui parecem pinturas, pensou a criança, sorridente, correndo pela campina. Pena que seus pais não estavam ali também. Os dois tinham ficado instalando o acampamento. 

- Não vá muito longe - dissera sua mãe. 

Ele fingiu não ter ouvido enquanto se afastava aos saltos pela mata. 

Agora, atravessando aquele campo magnífico, o menino encontrou pedras empilhadas.

Imaginou que fossem fundações de alguma casa de campo abandonada. Não se

aproximaria. Sabia que era melhor. Além disso, seus olhos tinham sido atraíd os para outra coisa: uma esplêndida orquídea selvagem, aflor mais rara e bonita de New

Hampshire. Só a vira nos livros. 

Empolgado, aproximou-se da flor. Ajoelhou-se ao lado dela. O solo estava fofo, mole. Viu que a flor havia encontrado um lugar muito fértil para germinar. Brotara de um pedaço de madeira podre. 

Entusiasmado pela idéia de levar aquela maravilha para casa, o menino estendeu o braço, os dedos prestes a alcançar o caule da flor. 

Que nem chegou a tocar. 

Com um barulho assustador, a terra cedeu.

Nos segundos do vertiginoso terror da queda, ele achou que iria morrer. Preparou-se para o choque que lhe quebraria os ossos. Quando aconteceu, não houve dor. Só maciez. 

E frio. 

Bateu na água profunda primeiro com a cabeça, mergulhando no estreito negrume.

Rodopiando em saltos desorientados, tateou as paredes escorregadias que o cercavam por todos os lados. De alguma forma, talvez por instinto, manteve-se na superficie. 

Luz. 

Fraca. Lá no alto. A quilômetros de distância, parecia. 

Seus braços curvavam-se e agarravam a água, procurando nas paredes do buraco um ponto onde se agarrar. Só encontrava pedras lisas. Caíra através da tampa apodrecida de um poço abandonado. Gritou pedindo socorro, mas seus gritos reverberavam na cavidade apertada. Gritou várias vezes. Acima de sua cabeça, o buraco de madeira arrebentada foi escurecendo. 

Caiu a noite. 

O tempo parecia deformar-se na escuridão. O corpo ficou dormente dentro da água em que ele boiava, nas profundezas, chamando, gritando. Tinha visões torturantes das paredes caindo e enterrando-o vivo. Seus braços ardiam de fadiga. Algumas vezes achou que ouvia vozes. Gritou, mas sua voz não saía.., como nos sonhos. 

À medida que a noite passava, mais o poço se aprofundava. As paredes aproximavam-se pouco a pouco. O menino apertava o corpo de encontro às pedras, empurrando-as.

Esgotado, queria desistir. Entretanto, sentia a água sustentando-o, esfriando aos poucos o ardor de seus medos até entorpecê-lo. 

Quando a equipe de resgate chegou, encontraram-no quase inconsciente. Mantivera-se à tona durante cinco horas. Dois dias depois, o Boston Globe publicou uma matéria de primeira página cujo título era "O Pequeno Nadador que Conseguiu' 

 

CAPÍTULO 97

O Hassassin sorriu quando entrou com seu furgão na colossal estrutura de pedra junto ao rio Tibre. Carregou sua presa escada acima, cada vez mais alto pelo túnel também de pedra, satisfeito por sua carga ser leve. Chegou à porta.

A Igreja da Iluminação, regozijou-se. A antiga sala de encontros dos liluminati. Quem imaginaria que ficava ali? 

Lá dentro, deitou-a em um sofá macio. Em seguida, amarrou com habilidade os braços dela atrás das costas e atou-lhe os pés. Sabia que aquilo por que ansiava teria de esperar até que sua última tarefa estivesse terminada. Água. 

Ainda assim, pensou, podia se permitir um momento. Ajoelhou-se junto a ela e correu a mão por sua coxa.

Era macia. A mão subiu. Mais. Seus dedos escuros penetraram sob a bainha do short dela. Mais. 

Ele parou. Paciência, disse a si mesmo, sentindo-se excitado. Ainda há trabalho a fazer. 

Encaminhou-se para a alta sacada do aposento. A brisa da noite lentamente esfriou seu ardor. Muito abaixo, o Tibre corria, vociferante. Levantou os olhos para o domo de São Pedro, a pouco mais de um quilômetro dali, desnudo sob o clarão das luzes da imprensa. 

- Sua hora final - disse em voz alta, pensando nos milhares de muçulmanos massacrados durante as Cruzadas. - À meia-noite, vão encontrar seu Deus. 

Atrás dele, a mulher se mexeu. O Hassassin se virou. Ponderou se a deixaria acordar. Ver o terror nos olhos das mulheres era o seu melhor afrodisíaco. 

Optou pela prudência, pois seria melhor que ela ficasse inconsciente enquanto ele estava fora. Embora estivesse amarrada e nunca fosse escapar, o Hassassin não queria voltar e encontrá-la exausta de tanto lutar. Quero sua força preservada para mim. 

Levantou um pouco a cabeça dela, colocou a palma da mão na parte posterior de seu pescoço e encontrou a depressão logo abaixo do crânio. Aquele meridiano era um ponto de pressão que ele já usara inúmeras vezes. Com força esmagadora, comprimiu o polegar contra a cartilagem macia e sentiu-a afundar. O corpo da mulher afrouxou de imediato. Vinte minutos, pensou. Ela seria um final tentador para um dia perfeito.

Depois que ela o servisse e ele a matasse, o Hassassin iria para a sacada assistir aos fogos de artifício do Vaticano à meia-noite. 

Água. Seria o último. 

Retirando uma tocha da parede como já fizera três vezes antes, começou a aquecer a ponta do objeto.

Quando estava em brasa, levou-o para a cela. 

Dentro, um único homem estava em silêncio. Velho e solitário. 

- Cardeal Baggia - sibilou o matador. - Já rezou? 

Os olhos do italiano não demonstravam medo. 

- Só pela sua alma.

 

CAPÍTULO 98

Os seis pompieri destacados para o incêndio de Santa Maria della Vittoria apagaram a fogueira no meio da igreja com jatos de gás Halon. Água seria mais barato, mas o vapor que produzia teria estragado os afrescos na igreja e o Vaticano pagava caro aos pompieri romanos para a prestação de serviços com rapidez e prudência em todas as construções de sua propriedade. 

Os pompieri, pela natureza de seu trabalho, presenciavam tragédias quase diariamente, mas a execução perpetrada dentro daquela igreja foi algo que nenhum deles jamais esqueceria. Ao mesmo tempo crucificação, enforcamento e queima na fogueira, a cena parecia ter saído de um pesadelo gótico. 

Infelizmente, a imprensa, como de costume, chegara antes dos bombeiros. Já tinham feito inúmeras gravações antes que os pompieri esvaziassem a igreja. Quando enfim os bombeiros desceram a vítima e deitaram-na no chão, todos sabiam de quem se tratava. 

- Cardinale Guidera - murmurou um deles -, di Barcelona. 

O homem estava nu. A metade inferior de seu corpo estava toda queimada, escarlate e negra, o sangue escorrendo de rachaduras abertas nas coxas. Do joelho para baixo, os ossos das pernas estavam expostos.

Um dos bombeiros vomitou. Outro teve de sair para tomar ar. 

O maior horror, contudo, era o símbolo marcado a fogo no peito do cardeal. O chefe dos bombeiros contornou o corpo, amedrontado. Lavoro del diavolo, dizia para si. Feito pelo próprio diabo. E fez o sinal-da-cruz pela primeira vez desde a infância. 

- Un' altro corpo! - gritou alguém. Um dos bombeiros encontrara outro corpo. 

O chefe reconheceu imediatamente a segunda vítima. O austero comandante da Guarda Suíça era um homem por quem poucos dos responsáveis pela manutenção da lei e da ordem na cidade sentiam qualquer afeto. O chefe telefonou para o Vaticano, mas todas as linhas estavam ocupadas. Sabia que não era necessário. A Guarda Suíça receberia a notícia pela televisão em questão de minutos. 

Enquanto avaliava os estragos e tentava reconstituir o que poderia ter acontecido ali, o chefe viu um nicho crivado de furos de balas. Uma tumba estava virada no chão, provavelmente caíra de cima de seus suportes durante alguma luta. O lugar estava um caos. Isso é trabalho para a polícia e para a Santa Sé, pensou o chefe, dando as costas para aquela confusão.

Assim que se virou, entretanto, ele parou. Ouviu um som que vinha de dentro do ataúde. Um som que todo bombeiro tinha pavor de ouvir. 

- Bomba! - bradou ele. - Tuttifuori! 

Quando os membros do esquadrão antibombas desviraram o caixão, porém, descobriram a origem do bipe eletrônico. Desnorteados, ficaram parados, olhando. 

- Mèdico! - um deles finalmente gritou. - Mèdico! 

 

CAPÍTULO 99

- Alguma notícia de Olivetti? - perguntou o camerlengo com aparência esgotada, quando Rocher o acompanhava da Capela Sistina para o escritório do Papa. 

- Não, signore. Temo que tenha acontecido o pior. 

Quando chegaram ao escritório do Papa, a voz do camerlengo estava pesada. 

- Capitão, acho que não há muito mais que eu possa fazer aqui esta noite. Receio que já tenha feito até demais. Vou entrar neste escritório para rezar. Gostaria de não ser incomodado. O resto está nas mãos de Deus. 

- Sim, signore. 

- Já é tarde, capitão. Encontre aquele tubo. 

- Nossa busca prossegue. - Rocher hesitou. - Parece que a arma está muito bem escondida. 

O camerlengo teve um estremecimento, como se não conseguisse pensar no assunto. 

- É verdade. Às 11h15 exatamente, se a igreja ainda estiver em perigo, quero que você retire daqui os cardeais. Estou colocando a segurança deles em suas mãos. Peço apenas uma coisa: que esses homens possam sair deste lugar com dignidade. Faça-os sair para a Praça de São Pedro para ficar lado a lado com o

resto do mundo. Não quero que a última imagem desta igreja seja a de um bando de velhos assustados esgueirando-se por uma porta dos fundos. 

- Muito bem. E o signore? Devo vir buscá-lo também à mesma hora? 

- Não será preciso.

- Como assim? 

- Vou sair quando tiver espírito para isso. 

Rocher refletiu que talvez o camerlengo pretendesse afundar com o navio. 

O camerlengo abriu a porta do escritório do Papa e entrou. 

- Na verdade... - disse ele, virando-se. - Há uma coisa. 

- Signore? 

- Parece que há uma friagem neste escritório esta noite. Estou tremendo. 

- O aquecimento elétrico está desligado. Permita que acenda a lareira para

o senhor.

O camerlengo deu um sorriso cansado. 

- Obrigado, muito obrigado.

Rocher saiu do escritório do Papa deixando o camerlengo rezando à luz da lareira diante de uma estatueta

da Virgem Maria. Era uma cena soturna. Uma sombra negra ajoelhada na luminosidade bruxuleante.

Quando Rocher cruzava o saguão, um guarda apareceu, correndo em sua direção. Mesmo à luz de velas, Rocher reconheceu o tenente Chartrand. Jovem, inexperiente e empenhado. 

- Capitão - chamou Chartrand, segurando um telefone celular. - Acho que o pronunciamento do camerlengo deu resultado. Há uma pessoa aqui ao telefone que diz ter informações que podem nos ajudar. Ligou para uma das linhas particulares do Vaticano. Não sei como ele conseguiu o número. 

Rocher se deteve. 

- O quê? 

- Ele disse que só vai falar com o oficial superior. 

- Alguma notícia de Olivetti? 

- Não, senhor. 

Ele apanhou o telefone. 

- Aqui é o capitão Rocher. Sou o oficial superior no momento. 

- Rocher - disse a voz. - Vou explicar a você quem sou eu. Depois, vou lhe dizer o que tem de fazer. 

Quando o interlocutor se calou e desligou, Rocher ficou estático. Agora sabia de quem estava recebendo ordens.

No CERN, Sylvie Baudeloque tentava freneticamente dar conta de todos os pedidos de licença que chegavam no correio de voz de Kohler. A linha particular na mesa do diretor começou a tocar, sobressaltando-a. Ninguém tinha aquele número. Ela atendeu. 

- Sim? 

- Senhorita Baudeloque? Aqui é o diretor Kohler. Entre em contato com meu piloto. Meu jato tem de estar preparado para decolar em cinco minutos. 

 

CAPÍTULO 100

Robert Langdon não sabia onde estava nem quanto tempo ficara inconsciente quando abriu os olhos e deu com o interior de uma cúpula barroca coberta de afrescos. Havia fumaça ondulando lá em cima. Algo cobria sua boca. Uma máscara de oxigênio. Ele a puxou. Um cheiro horrível pairava no ambiente - de carne queimada. 

Langdon contraiu-se, a cabeça latejando. Tentou sentar-se. Um homem de branco estava ajoelhado junto dele. 

- Riposati! - disse o homem, fazendo Langdon voltar a se deitar. - Sono ii paramédico. 

Langdon obedeceu, a cabeça girando como a fumaça no alto. Que diabos aconteceu? Sensações tênues de pânico passavam rápidas por sua mente. 

- Sórcio salvatore - disse o paramédico. - Ratinho salvador. 

Langdon ficou ainda mais perdido. Ratinho salvador? 

O homem apontou para o relógio do Mickey Mouse no pulso de Langdon. Os pensamentos dele começaram a clarear. Lembrou-se ter preparado o alarme do relógio. Olhando distraído para o mostrador, viu também a hora: 10h28. 

Sentou-se de repente. 

Então, tudo lhe voltou à memória. 

Langdon estava perto do altar-mor com o chefe dos bombeiros e alguns dos seus homens. Eles o bombardeavam de perguntas. Ele não escutava. Tinha suas próprias perguntas. Seu corpo inteiro doía, mas ele sabia que precisava agir depressa.

Um pompiero aproximou-se dele vindo do outro lado da igreja. 

- Verifiquei de novo, senhor. Os únicos corpos que encontramos foram os do cardeal Guidera e do comandante da Guarda Suíça. Não há nem sinal de uma mulher aqui. 

- Grazie - disse Langdon, entre aliviado e assustado. Sabia que vira Vittoria caída no chão, inconsciente.

Agora, ela havia desaparecido. A única explicação para isso não era nada reconfortante. O matador não fora nem um pouco sutil ao telefone. "Uma mulher de fibra. Estou excitado. Talvez, antes que esta noite acabe, eu encontre você. E quando isto acontecer..." 

Langdon olhou em torno. 

- Onde está a Guarda Suíça? 

- Ainda não conseguimos entrar em contato com eles. As linhas telefônicas do Vaticano estão todas ocupadas. 

Langdon sentiu-se prostrado e sozinho. Olivetti estava morto. O cardeal morrera. Vittoria sumira. Meia hora de sua vida desaparecera em um piscar de olhos. 

Lá fora ouvia-se o alvoroço da imprensa. Desconfiava que as imagens da horripilante morte do terceiro cardeal estariam no ar em breve, se é que já não estavam. Langdon esperava que o camerlengo tivesse admitido o impasse e começado a agir. Esvaziem a droga do Vaticano! Chega de esconde-esconde! Nós perdemos! 

Langdon então se conscientizou de que todos os elementos catalisadores que o vinham mobilizando - ajudar a salvar a Cidade do Vaticano, resgatar os quatro cardeais, ver de perto a fraternidade que ele estudara durante tantos anos - tinham se evaporado de sua cabeça. A guerra estava perdida. Uma nova compulsão acendera-se dentro dele. Simples. Inflexível. Primordial. 

Encontrar Vittoria. 

Sentia um inesperado vazio dentro de si. Sempre ouvira falar que situações intensas às vezes uniam mais duas pessoas do que décadas de convivência. Agora acreditava naquilo. Com a ausência de Vittoria, experimentava algo que há anos não sentia. Solidão. E o sentimento doloroso deu-lhe forças. 

Afastando tudo o mais de sua mente, Langdon procurou concentrar-se. Rezava para que o Hassassin cuidasse da obrigação antes do prazer. Senão, Langdon sabia que seria tarde demais. Não, disse consigo, você tem tempo. O captor de Vittoria ainda tinha trabalho a fazer. Precisava mostrar-se uma última vez antes de desaparecer para sempre. 

O último altar da ciência, pensou Langdon. O matador tinha uma derradeira tarefa a cumprir. Terra. Ar. Fogo. Água. 

Olhou para o relógio. Trinta minutos. Passou pelos bombeiros em direção ao

Êxtase de Santa Teresa. Dessa vez, diante do marco de Bernini, não tinha dúvidas sobre o que estava procurando. 

Que os anjos o guiem em sua busca sublime... 

Acima da santa reclinada, diante de um fundo de chamas douradas, pairava  o anjo de Bernini. Na mão dele, uma lança pontiaguda de fogo. Langdon seguiu  a direção da lança, um arco que indicava o lado direito da igreja. Seus olhos  deram com a parede. Examinou o local para onde a lança apontava. Não havia  nada ali. Ele sabia, claro, que a lança apontava para um lugar muito além da  parede da igreja, no meio da noite de Roma. 

- Que direção é aquela? - perguntou Langdon ao chefe dos bombeiros com renovada determinação. 

- Direção? - o chefe olhou, sem compreender bem, para onde Langdon apontava. - Não estou bem certo.

Oeste, acho. 

- Que igrejas ficam naquela direção? 

O chefe ficou ainda mais confuso. 

- Há dezenas delas. Por quê? 

Langdon fez uma careta. Claro que havia dezenas. 

- Preciso de um mapa da cidade. Agora mesmo. 

O chefe mandou alguém correndo ao caminhão dos bombeiros buscar um mapa. 

Langdon virou-se para a estátua. Terra... Ar... Fogo... VITTORIA. 

O marco final é o da Água, disse a si mesmo. A Água de Bernini. Estava em uma daquelas igrejas lá fora. Uma agulha no palheiro. Vasculhou sua mente passando em revista todas as obras de Bernini de que se lembrava. Preciso de um tributo à Água! 

Ocorreu-lhe a estátua Tritão de Bernini - o deus grego do mar. E lembrou-se de que estava localizada na praça do lado de fora daquela mesma igreja e na direção totalmente errada. Forçou-se a pensar. Que figura Bernini teria esculpido para glorificar a água? Netuno e Apolo? Infelizmente, aquela estátua se encontrava no Museu Victoria & Albert, de Londres. 

- Signore? - um bombeiro chegou apressado trazendo um mapa. 

Langdon agradeceu e abriu o mapa em cima do altar. Instantaneamente, percebeu que fizera o pedido às pessoas certas. O mapa de Roma do Corpo de Bombeiros era o mais detalhado que Langdon já encontrara. 

- Onde estamos agora? 

O homem mostrou. 

- Junto à Piazza Barberini. 

Langdon deu outra olhadela na lança do anjo para se orientar. O chefe calculara certo. De acordo com o mapa, a lança apontava para oeste. Langdon traçou uma linha reta no mapa a partir do lugar onde estavam rumo a oeste. E logo suas esperanças se esvaíram. A cada centímetro que seu dedo percorria, encontrava uma construção marcada com uma pequena cruz negra. Igrejas. A cidade estava cheia delas. Por fim, o dedo de Langdon não encontrou mais igrejas e perdeu-se nos subúrbios de Roma. Ele suspirou, desanimado, e afastou-se do mapa. Droga. 

Observando Roma como um todo, seu olhar se deteve nas três igrejas onde os três primeiros cardeais tinham sido mortos. A Capela Chigi, São Pedro, aqui... 

Contemplando os três locais, Langdon reparou algo estranho em suas posições. Imaginara que as igrejas estivessem espalhadas ao acaso pela cidade. Mas não estavam, com toda a certeza. Por mais que lhe parecesse improvável, as três igrejas estavam separadas sistematicamente, formando um enorme triângulo

que abrangia toda a cidade. Verificou de novo. Não estava imaginando coisas. 

- Penna - pediu, sem levantar a cabeça. 

Alguém lhe entregou uma caneta esferográfica. 

Langdon fez um círculo sobre cada igreja. Seu pulso se acelerou. Conferiu sua marcação. Um triângulo simétrico! 

Seu primeiro pensamento foi a associação com o sinete da nota de um dólar 

- o triângulo contendo o olho que tudo vê. Entretanto, aquilo não fazia sentido. Ele marcara apenas três pontos. Deveria haver um total de quatro. 

Então, onde diabos está a Água? Onde quer que colocasse o quarto ponto, o triângulo seria destruído. A única opção para manter a simetria seria situar o quarto ponto dentro do triângulo, no centro.

Olhou para o local no mapa. Nada. A idéia ainda assim o importunava. Os quatro elementos da ciência eram considerados iguais. A água não era especial, não havia justificativa para que ficasse no centro. 

De qualquer maneira, seu instinto lhe dizia que o arranjo sistemático não podia ser acidental. Não estou distinguindo o quadro completo. Havia somente uma alternativa: os quatro pontos não formarem um triângulo e sim uma outra figura. 

Langdon olhou para o mapa. Um quadrado, talvez? Embora o quadrado não fizesse sentido simbolicamente, pelo menos era simétrico. Langdon apoiou o dedo no mapa em um dos pontos que converteriam o triângulo em um quadrado. Viu logo que um quadrado perfeito seria impossível. Os ângulos do triângulo original eram oblíquos e criariam algo mais próximo de um quadrilátero torto.

Enquanto estudava os outros pontos possíveis em torno do triângulo, aconteceu algo inesperado. Notou que a linha que desenhara antes para indicar a direção assinalada pela lança do anjo passava precisamente por uma das possibilidades. Estupefato, Langdon fez um círculo sobre aquele ponto. Tinha à sua frente agora quatro pontos marcados a tinta no mapa, dispostos em um formato um tanto desajeitado, parecendo uma pipa, o formato de um diamante. 

Franziu o cenho. Os diamantes também não eram um símbolo dos Iliuminati. Refletiu um pouco. No entanto... 

Por um instante, lembrou-se do célebre Diamante Illuminati. Mas a idéia era ridícula. Descartou-a. Além do mais, o diamante era oblongo - como uma pipa 

- e não seria um bom exemplo da impecável simetria pela qual os Illuminati eram reverenciados. 

Quando se curvou para examinar onde colocara o último marco, Langdon surpreendeu-se ao constatar que o quarto ponto ficava bem no centro da famosa Piazza Navona. Estava certo de que havia uma igreja importante na piazza, mas seu dedo já passara por ela e, que soubesse, não continha nenhuma obra de

Bernini. A igreja chamava-se Santa Inês - ou Santa Agnes - em Agonia, uma santa jovem e virgem que fora condenada a uma vida de escravidão sexual por recusar-se a renunciar à sua fé. 

Deve haver alguma coisa naquela igreja! Langdon deu tratos à bola tentando lembrar o interior da igreja.

Não tinha conhecimento de qualquer obra de Bernini lá dentro, muito menos relacionada com água. A disposição dos pontos no mapa também o incomodava. Um diamante. Era precisa demais para ser coincidência, mas não era precisa o suficiente para fazer sentido. Uma pipa? Conjeturou se não teria escolhido o ponto errado. O que é que está faltando? 

Langdon levou uns trinta segundos para achar a resposta mas, quando achou, exultou como nunca antes em toda a sua vida acadêmica. 

A genialidade dos Illuminati, pelo jeito, era infinita. 

A forma que via não era a de um diamante, não fora planejada para ser a de um diamante. Os quatro pontos só formavam um diamante porque Langdon ligara pontos adjacentes. Os liluminati acreditavam em opostos! Ao ligar vértices opostos com sua caneta, os dedos de Langdon tremiam. Ali no mapa à sua frente havia uma enorme cruz. Uma cruz! Os quatro elementos da ciência estendidos diante de seus olhos, cruzando a cidade de Roma de ponta a ponta. 

Enquanto se extasiava com sua descoberta, um verso ressoou em sua mente como um velho amigo de cara nova. 

Através de Roma se estendem os místicos elementos. 

'Cross Rome the mystic elements unfold.

'Cross Rome... 

A névoa começou a se dissipar. A resposta estivera diante dele a noite inteira! O poema Iliuminati dizia-lhe como os altares da ciência estava dispostos. Em cruz! 

'Cross Rome the mystic elements unfold! 

Um astuto jogo de palavras. Langdon lera a palavra 'cross - cruz - como uma abreviatura de across - através. Presumiu que se tratasse de uma licença poética para manter a métrica do poema em inglês. Mas era muito mais do que isso, era outra pista disfarçada! 

A forma da cruz no mapa, constatou ele, era a extrema dualidade Illuminati, um símbolo religioso formado por elementos da ciência. O Caminho da Iluminação de Galileu era um tributo tanto à ciência quanto a Deus! 

O resto das peças do quebra-cabeças encaixou-se prontamente. 

Piazza Navona. 

No centro da Piazza Navona, perto da igreja de Santa Inês em Agonia, Bernini instalara uma de suas mais celebradas esculturas. Todas as pessoas que visitavam Roma iam vê-la. 

A Fonte dos Quatro Rios! 

Um primoroso tributo à água, a Fonte dos Quatro Rios de Bernini glorificava os quatro maiores rios conhecidos do Velho Mundo - o Nilo, o Ganges, o Danúbio e o Prata. 

Água, pensou Langdon, o marco final. Perfeito. 

E ainda mais perfeito, lembrou ele, é que bem no alto da fonte de Bernini havia um imenso obelisco. 

Deixando para trás os bombeiros confusos, Langdon atravessou a igreja às pressas em direção ao corpo sem vida de Olivetti. 

10h31, pensou. Tenho tempo à beça. Pela primeira vez naquele dia sentia-se com vantagem sobre o inimigo. 

Ajoelhando-se ao lado de Olivetti, fora de visão atrás de alguns bancos da igreja, Langdon apoderou-se discretamente da arma do comandante e de seu walkie-talkie. Teria de pedir socorro, mas não ali. O último altar da ciência tinha de permanecer em segredo por enquanto. A imprensa e o Corpo de Bombeiros correndo para a Piazza Navona com a sirene ligada não seriam de grande ajuda. 

Sem dizer uma palavra, Langdon escapuliu pela porta e driblou a imprensa, que agora entrava na igreja em tropel. Cruzou a Piazza Barberini. Nas sombras, ligou o walkie-talkie. Tentou chamar a Cidade do Vaticano, mas só ouviu estática. Ou ele estava fora de área ou o transmissor precisava de algum tipo de código de autorização para o contato. Langdon mexeu nos complicados botões e controles sem qualquer resultado. Deu-se conta de que seu plano de conseguir ajuda não iria funcionar. Procurou em torno por um telefone público. Não havia nenhum. As linhas do Vaticano estariam congestionadas, de qualquer forma. 

Estava sozinho. 

Com seu impulso inicial de confiança bastante abalado, Langdon parou um momento para avaliar o estado deplorável em que se encontrava - coberto de poeira de ossos, machucado, em uma exaustão que beirava o delírio e, ainda por cima, faminto. 

Olhou para a igreja lá atrás. Espirais de fumaça saíam da cúpula, iluminadas pelas luzes da mídia e pelos caminhões dos bombeiros. Ponderou se deveria voltar e pedir ajuda. O instinto, porém, lhe dizia que mais ajuda, sobretudo ajuda não especializada, seria um risco. Se o Hassassin nos vê chegar... Pensou em

Vittoria e pressentiu que aquela seria a útima oportunidade de enfrentar o homem que a capturara. 

Piazza Navona, refletiu, sabendo que poderia chegar lá com tempo de sobra  e ficar à espreita. Procurou um táxi, mas as ruas estavam quase desertas. Até os  motoristas de táxi, aparentemente, tinham largado tudo para ver televisão. A praça ficava a pouco mais de um quilômetro de distância, mas Langdon não  tinha a intenção de gastar uma energia preciosa indo a pé. Olhou de novo para  a igreja, imaginando se poderia pegar algum veículo emprestado. 

Um carro de bombeiros? Um furgão da imprensa? Tenha juízo, criatura. 

Com as opções e os minutos se esgotando, Langdon tomou uma decisão. Tirou a arma do bolso e teve uma atitude tão incompatível com seu caráter que achou que sua alma devia estar possuída. Aproximou-se de um solitário Citroën sedã parado em um sinal e apontou a arma para o motorista pela janela aberta. 

- Fuori! - gritou. 

O homem saiu do carro, trêmulo. 

Langdon sentou-se depressa ao volante e acelerou.

 

CAPÍTULO 101

Gunther Glick sentou-se em um banco de uma cela do escritório da Guarda Suíça. Rezava para todos os deuses que lhe passavam pela cabeça. Por favor, faça com que NÃO seja um sonho. Tinha sido o furo de sua vida. A reportagem da vida de qualquer um. Todos os repórteres, sem exceção, gostariam de ser Glick naquele momento. Você não está sonhando, disse consigo. E é uma celebridade. Dan Rather deve estar aos prantos neste instante. 

Macri estava ao lado dele, um pouco atordoada. Glick compreendia. Além de divulgarem com exclusividade o discurso do camerlengo, ela e Glick haviam fornecido ao mundo fotografias impressionantes dos cardeais e do Papa - aquela língua dele! -, assim como um vídeo com imagens ao vivo do tubo de antimatéria em contagem regressiva. Incrível! 

Claro que tudo acontecera sob os auspícios do camerlengo, portanto não era essa a razão pela qual Glick e Macri estavam presos na Guarda Suíça. O que não tinha agradado aos guardas fora aquele audacioso acréscimo de Glick à matéria. Glick sabia que a conversa que havia noticiado não fora destinada a seus ouvidos, mas tratava-se da maior oportunidade da sua vida. Mais um furo de reportagem de Glick! 

- O Samaritano da Décima Primeira Hora? - Macri resmungou, sentada ao lado dele no banco, com cara de pouco caso. 

Glick sorriu. 

- Foi o máximo, não foi? 

- O máximo da idiotice. 

Ela está é com inveja, pensou Glick. Logo depois que o camerlengo terminou seu discurso, Glick, mais uma vez e por pura sorte, viu-se no lugar certo e na hora certa. Por acaso, tinha ouvido Rocher dando novas ordens a seus homens. Ao que tudo indica, Rocher havia recebido uma ligação de uma pessoa não identificada que tinha informações importantíssimas sobre a crise que estavam passando. Rocher estava falando como se esse homem pudesse ajudá-los e orientava seus guardas para se aprontarem para a chegada do visitante. 

Embora a informação fosse nitidamente confidencial, Glick agiu como qualquer repórter dedicado faria - sem nenhum respeito. Procurou um canto escuro, pediu a Macri para ligar a câmera às escondidas e divulgou a notícia. 

- Novidades surpreendentes na cidade de Deus - anunciou, apertando os olhos para dar mais ênfase às palavras. E continuou informando que um convidado misterioso estava chegando à Cidade do Vaticano para salvar a situação. O Samaritano da Décima Primeira Hora, Glick assim o batizou - um nome perfeito para um homem sem rosto que aparecia no último instante para fazer uma boa ação. Outras redes de emissoras adotaram a alcunha do personagem, que soava bem, e Glick foi mais uma vez imortalizado. 

Sou o máximo, pensou. Peterlennings deve ter acabado de se atirar de uma ponte. 

É evidente que Glick não parou por aí. Com a atenção do mundo voltada para ele, aproveitou para acrescentar gratuitamente um pouco da própria teoria conspiratória. 

O máximo. Simplesmente o máximo. 

- Você acabou conosco - disse Macri. - Estragou tudo. 

- Do que está falando? Fui perfeito! 

Macri olhou para ele, incrédula. 

- O ex-presidente George Bush? Um Illuminatus? 

Glick sorriu. Nada podia ser mais evidente. George Bush era um comprovado maçom de trigésimo terceiro grau e ocupava o mais alto posto da CIA quando a agência encerrou as investigações sobre os Illuminati por falta de provas. E todos aqueles discursos sobre "milhares de pontos de luz" e uma "Nova Ordem Mundial" Claro que Bush era um dos Illuminati. 

- E aquela parte sobre o CERN? - disse Macri em tom de reprovação. 

- Amanhã, você vai encontrar uma fila bem comprida de advogados à sua porta. 

- O CERN? Ora, pare com isso! Está tão na cara! Pense bem! Os Iliuminati desapareceram da face da Terra por volta de 1950, mais ou menos na mesma ocasião em que o CERN foi fundado. O CERN é um paraíso para as pessoas mais esclarecidas da Terra. Eles recebem toneladas de recursos financeiros de origem

privada e conseguiram construir uma arma com capacidade para destruir a Igreja que, opa, eles não sabem onde foi parar?! 

- E aí você espalha para o mundo inteiro que o CERN é a nova sede dos Illuminati? 

- É claro! As fraterniclades não desaparecem assim sem mais nem menos. Os liluminati tinham de ir para algum lugar. E o CERN é o esconderijo perfeito. Não estou dizendo que todo mundo no CERN seja liluminati. Provavelmente, aquilo funciona como uma colossal loja maçônica, onde a maioria é inocente, mas o escalão superior... 

- Já ouviu falar em difamação, Glick? Em responsabilidade civil? 

- Já ouviu falar de jornalismo de verdade? 

- Jornalismo? Você está inventando chifre em cabeça de burro! Eu devia ter desligado a câmera! E que besteira foi aquela sobre o logotipo do CERN? Aquela história de simbologia satânica? Perdeu o juízo?

Glick sorriu. A inveja de Macri estava toda à mostra. O logotipo do CERN foi a sua proeza de maior brilhantismo. Desde o discurso do camerlengo, todas as emissoras estavam falando sobre o CERN e a antimatéria. Alguns canais mostravam o logotipo do CERN como tela de fundo. O logotipo parecia bastante comum - dois círculos que se cruzam, representando dois aceleradores de partículas, e cinco linhas tangenciais representando tubos de injeção de partículas. O mundo inteiro não tirava os olhos desse logotipo, mas fora Glick, que também tinha os seus conhecimentos sobre símbolos, quem primeiro havia reparado na simbologia dos Illuminati ali camuflada. 

- Você não é especialista em simbologia - reclamou Macri -, é apenas um repórter com sorte. Devia ter deixado a simbologia por conta do tal sujeito de Harvard. 

- O sujeito de Harvard deixou passar essa - respondeu Glick. 

A expressão dos Iliuminati neste logotipo é muito óbvia! 

Glick estava rindo de alegria por dentro. Embora o CERN tivesse inúmeros aceleradores, o logotipo mostrava apenas dois. Dois é o número da dualidade para os Illuminati. E embora a maioria dos aceleradores tivesse apenas um tubo de injeção, o logo mostrava cinco. Cinco é o número do pentagrama dos Iliuminati. Então veio o golpe de mestre, o mais brilhante de todos. Glick observou que no logotipo estava desenhado o número "6" bem grande, formado por uma das linhas e um dos círculos, e, se o logotipo fosse girado, apareceria outro número seis e depois mais um. O logotipo tinha três números seis! 666! O número do demônio! A marca da besta! 

Glick era um gênio. 

Macri estava a ponto de agredi-lo. 

A inveja dela passaria, disso Glick tinha certeza, enquanto sua mente já se desviava para outro pensamento. Se o CERN fosse mesmo a sede dos Illuminati, seria lá o local onde eles guardavam o famoso Diamante Illuminati? Glick lera sobre isso na Internet: "um diamante sem jaça, nascido dos antigos elementos com tamanha perfeição que todos os que o viam ficavam extasiados' 

Glick ficou imaginando se o paradeiro secreto do Diamante Illuminati poderia vir a ser mais um mistério que ele desvendaria naquela noite.

 

CAPÍTULO 102

Pazza Navona, Fonte dos Quatro Rios. 

As noites em Roma, como as do deserto, podem ser surpreendentemente frias, mesmo depois de um dia quente. Langdon estava todo encolhido nos arredores da Piazza Navona, apertando o paletó contra o corpo. Assim como o ruído do tráfego à distância, uma cacofonia de reportagens ressoava por toda a cidade. Olhou o relógio. Quinze minutos. Era bom ter alguns momentos para descansar. 

A piazza estava deserta. A magistral fonte de Bernini agitava suas águas diante dele, enfeitiçante, imponente. O tanque espumante lançava para cima uma névoa mágica, iluminada por holofotes submersos.

Langdon captava uma gélida eletricidade no ar. 

A característica mais impressionante da fonte era sua altura. A parte central sozinha ultrapassava seis metros - uma montanha escarpada de mármore travertino talhado em cavernas e grutas entre as quais a água se revolvia. Toda a elevação era rodeada de símbolos pagãos. No alto, ficava um obelisco que avançava mais 12 metros. Langdon acompanhou-o com o olhar. Na ponta do obelisco, uma tênue silhueta desenhava-se no céu: um pombo solitário pousado silenciosamente. 

Uma cruz, pensou Langdon, ainda admirado com a disposição dos marcos através de Roma. A Fonte dos Quatro Rios de Bernini era o último altar da ciência. Fazia apenas algumas horas, Langdon estava dentro do Panteão, certo de que o Caminho da Iluminação havia sido interrompido e de que ele jamais chegaria até ali. Que grande tolice. Na verdade, o caminho inteiro estava intacto. Terra, Ar, Fogo, Água. E Langdon o havia percorrido do começo ao fim. 

Não exatamente até ofim, fez-se lembrar. O caminho tinha cinco pontos, não quatro. Essa fonte, o quarto marco, de certa maneira apontava para o destino final, o refúgio sagrado dos Illuminati: a Igreja da Iluminação. Ele conjeturava se o esconderijo ainda existiria. Pensava se teria sido para lá que o Hassassin levara Vittoria. 

Langdon examinava as figuras da fonte em busca de alguma pista do caminho para o esconderijo. Que os anjos o guiem em sua busca sublime. Quase que imediatamente, porém, uma percepção inquietante ocupou seus pensamentos. Não havia sequer um anjo nessa fonte. Nenhum anjo, pelo menos nenhum que se avistasse de onde Langdon se encontrava, e nenhum que ele tivesse visto no passado. A Fonte dos Quatro Rios era uma obra pagã. As esculturas eram todas profanas - seres humanos, animais, até mesmo um deselegante tatu. Um anjo aqui não passaria despercebido. 

Seria o lugar errado? Meditou sobre a disposição em cruz dos quatro obeliscos. Cerrou os punhos. Esta fonte é perfeita. 

Ainda eram 10h46 da noite quando um furgão preto apareceu na ruela do lado mais afastado da praça. Langdon não teria prestado maior atenção se o furgão não estivesse com os faróis desligados. Como um tubarão rondando em uma

baía enluarada, o carro circulou em volta da praça. 

Langdon pôs-se junto ao chão, agachado nas sombras da imensa escadaria que leva à igreja de Santa Inês em Agonia.

Olhou em direção à praça, o pulso acelerado. 

Depois de dar duas voltas completas, o furgão descreveu uma curva na direção da fonte de Bernini. Parou junto ao tanque e deslocou-se paralelamente à borda até a lateral do furgão ficar ao nível da fonte. Estacou de repente, a porta corrediça somente alguns centímetros acima das águas revoltas. 

A névoa erguia-se em turbilhões pelo ar. 

Langdon teve um pressentimento ruim. Será que o Hassassin viera antes da hora? Teria vindo em um furgão? Langdon imaginara o assassino escoltando sua última vítima a pé pela praça, como tinha feito em São Pedro, o que permitiria que Langdon atirasse a descoberto. Mas se o Hassassin tivesse chegado em um furgão, as regras tinham acabado de mudar. 

De repente, a porta lateral do furgão se abriu. 

Sobre o piso do furgão, contorcido de dor, jazia um homem nu, o corpo enrolado em muitos metros de pesadas correntes. Ele se debatia em vão em meio aos elos de ferro. Um deles atravessava-lhe a boca como um freio de cavalo, sufocando seus gritos de socorro. Foi então que Langdon viu uma segunda figura movimentando-se no escuro atrás do prisioneiro, como se finalizasse os preparativos. 

Langdon sabia que tinha apenas segundos para agir. 

Pegou a arma, tirou o paletó e jogou-o no chão. Não queria o estorvo adicional de um paletó de lã, nem tinha intenção nenhuma de levar o Diagramma de Galileu para perto da água. O documento ali ficaria em segurança e seco. 

Langdon seguiu com cautela pela direita. Fez uma volta em torno da fonte e parou de frente para o furgão. A imensa peça central da fonte impedia-lhe a visão. Levantou-se e correu direto para o tanque. Contava que o barulho da água abafasse o ruído de seus passos. Ao alcançar a fonte, passou por cima da borda e caiu no tanque espumante. 

A água lhe batia na altura da cintura e estava gelada. Langdon cerrou os dentes e avançou com esforço. O fundo escorregadio era duplamente traiçoeiro devido a uma camada de moedas jogadas para atrair sorte.

Langdon percebeu que iria precisar de mais do que boa sorte. À medida que a névoa o envolvia, ficou imaginando se seria o frio ou o medo que fazia com que a arma lhe tremesse nas mãos. 

Conseguiu chegar ao interior da fonte e circundou-a pela esquerda de onde estava. Caminhava com dificuldade, mantendo-se encoberto pelas figuras de mármore. Escondido atrás de uma imensa escultura em forma de cavalo, Langdon parou para espreitar. O furgão encontrava-se a pouco mais de cinco metros.

O Hassassin estava agachado no assoalho do furgão, as mãos sobre o cardeal enrolado nas correntes, prestes a empurrá-lo porta afora para dentro da fonte. 

Com água pela cintura, Robert Langdon levantou a arma e saiu da névoa, sentindo-se como uma espécie de caubói aquático pronto para gravar uma cena final. 

- Não se mexa - disse, a voz mais firme que a arma. 

O Hassassin ergueu os olhos. Por um instante pareceu confuso, como se tivesse visto um fantasma.

Depois, os lábios se apertaram em um sorriso maldoso. Pôs os braços para cima em sinal de obediência e respondeu: 

- Assim seja. 

- Para fora do furgão. 

- Você está um pouco molhado. 

- E você chegou cedo. 

- Estou louco para voltar para a minha presa. 

Langdon apontou-lhe a arma. 

- Não vou hesitar em atirar. 

- Já hesitou. 

Langdon sentiu a pressão do dedo no gatilho. O cardeal já não se mexia. Parecia exausto, à beira da morte. 

- Solte-o. 

- Esqueça-o. Você veio por causa da mulher. Não finja que não. 

Langdon fez um grande esforço naquela hora para não terminar tudo de uma vez. 

- Onde ela está? 

- Em um lugar seguro. Esperando que eu volte. 

Está viva. Langdon sentiu um fio de esperança.

- Na Igreja da Iluminação? 

O assassino sorriu. 

- Jamais vai descobrir onde é. 

Era difícil de acreditar. O esconderijo ainda está de pé. Apontou a arma. 

- Onde? 

- O lugar é um mistério há séculos. Eu mesmo só vim a saber dele há pouco. Prefiro a morte a trair este segredo. 

- Vou conseguir encontrá-lo sem você. 

- Uma idéia bem arrogante. 

Langdon gesticulou na direção da fonte. 

- Cheguei até aqui. 

- Como muitos outros. A etapa final é a mais difícil. 

Langdon foi-se aproximando, os pés instáveis sob a água. O Hassassin parecia extraordinariamente calmo agachado no fundo do furgão, os braços erguidos sobre a cabeça. Langdon apontou direto para o peito dele, ponderando se deveria simplesmente atirar e acabar logo com o assunto. Não. Ele sabe onde está

Vittoria. Sabe onde está a antimatéria. Preciso obter essas informações! 

Da escuridão do furgão, o Hassassin observava o agressor. Não pôde deixar de achar graça e ao mesmo tempo sentir uma certa pena dele. O americano era corajoso, isto ele já comprovara. Mas também não tinha muita prática. O que também havia sido comprovado. Heroísmo sem experiência era suicídio. Havia regras de sobrevivência. Regras antigas. E o americano estava quebrando todas elas. 

Você tinha uma vantagem, o elemento surpresa. E desperdiçou-a. 

O americano estava indeciso, provavelmente esperando reforços ou talvez um ato falho do assassino que deixasse escapar informações decisivas. 

Nunca faça um interrogatório antes de neutralizar a vítima. Um inimigo encurralado é um inimigo mortífero. 

De novo, o americano estava falando. Sondando. Manipulando. 

O assassino estava a ponto de cair na gargalhada. Este não é um dos seus filmes de Hollywood, nada de longas discussões com a arma na mão antes do tiro final. Este é o final. Agora. 

Sem desgrudar os olhos do outro, o assassino foi estendendo as mãos bem devagar até encontrar o que procurava no teto do furgão. Olhando direto para frente, agarrou o objeto. 

E fez a sua jogada.

O movimento foi absolutamente inesperado. Por um instante, Langdon achou que as leis da física haviam deixado de existir. O assassino pareceu pairar no ar enquanto suas pernas se desdobravam em um salto, as botas atingindo um lado do cardeal, empurrando seu corpo carregado de correntes para fora. O cardeal afundou, espalhando água para todo lado. 

Com a água escorrendo-lhe pelo rosto, Langdon compreendeu tarde demais o que tinha acontecido. O assassino tinha agarrado uma das barras da estrutura do furgão e a usara como ponto de apoio para balançar o corpo. Agora, vinha em sua direção, os pés na frente, em meio à chuva de respingos d'água. 

Langdon puxou o gatilho e o silenciador cuspiu fogo. A bala explodiu na bota esquerda do Hassassin, atravessando-a na altura do dedo grande. No mesmo segundo, Langdon sentiu as solas das duas botas do Hassassin no seu peito, atirando-o para trás com um chute violento. 

Os dois homens caíram espadanando água e sangue. 

Quando o líquido gelado engoliu o corpo de Langdon, a primeira coisa que sentiu foi dor. O instinto de sobrevivência veio depois. Notou que não segurava mais a arma. Ela tinha caído. Mergulhou, tateando o fundo lamacento. A mão tocou em metal. Um punhado de moedas. Deixou-as cair. Abriu os olhos e explorou o tanque iluminado. As águas agitavam-se ao redor de Langdon como se ele estivesse em uma Jacuzzi gelada. 

Apesar do instinto de subir para respirar, o medo fez com que permanecesse no fundo. Mexia-se o tempo todo. Não fazia a menor idéia de onde viria o próximo golpe. Precisava encontrar a arma!

Desesperadamente, suas mãos procuravam às apalpadelas. 

Você está em vantagem agora, disse consigo. Está em seu elemento. Mesmo vestido com uma camisa de gola rulê ensopada, era um nadador ágil. A água é o seu elemento. 

Quando, pela segunda vez, os dedos de Langdon tocaram metal, acreditou que a sorte havia mudado de lado. O objeto que segurava não era um punhado de moedas. Agarrou-o e tentou puxá-lo para si, mas, ao fazê-lo, sentiu o próprio corpo deslizando pela água. O objeto estava preso. 

Langdon percebeu, antes mesmo de alcançar o corpo contorcido do cardeal, que havia agarrado parte da corrente de metal que o mantinha submerso. Ele hesitou por um momento, imobilizado com a visão apavorante do rosto que o encarava do fundo da fonte. 

Espantado por ainda encontrar vida nos olhos do homem, Langdon estende as mãos para baixo e segurou com força as correntes, tentando levantá-lo até a superficie. O corpo movimentou-se devagar, como uma âncora. Langdon puxou com mais força. Quando a cabeça do cardeal irrompeu da água, ele aspirou o ar umas poucas vezes, desesperado. Então, com grande ímpeto, o corpo girou, o que fez com que Langdon perdesse a pega da corrente escorregadia. Como uma pedra, Baggia foi de novo para o fundo e desapareceu por baixo da espuma da água. 

Langdon mergulhou, olhos abertos na água turva. Encontrou o cardeal. Dessa vez, quando Langdon o agarrou, as correntes na altura do peito de Baggia deslocaram-se e revelaram mais uma crueldade: a palavra marcada em sua carne com ferro em brasa.

Uma fração de segundo depois, Langdon avistou duas botas. De uma delas, jorrava sangue.

                                                                                           

 

Parte 1 - Parte 2 - Parte 3 - Parte 4

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

Planeta Criança                                                             Literatura Licenciosa