Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ANJOS E DEMONIOS 2 / Dan Brown
ANJOS E DEMONIOS 2 / Dan Brown

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ANJOS E DEMONIOS

 

CAPÍTULO 35

O heliponto do Vaticano, por questões de segurança ou de controle de ruído, localiza-se na extremidade nordeste da Cidade do Vaticano, tão longe da Basílica de São Pedro quanto possível.

- Terra firma - anunciou o piloto quando pousaram. Ele saiu e abriu a porta de correr para Vittoria e Langdon.

Langdon desceu e virou-se para ajudar Vittoria, mas ela já tinha saltado com facilidade. Todos os músculos do corpo dela pareciam estar afinados para um único objetivo: encontrar a antimatéria antes que esta deixasse um terrível legado.

Depois de estender um painel refletor para proteger o vidro da cabine de comando contra o sol, o piloto conduziu-os para um carrinho elétrico de golfe que aguardava ali perto. O carrinho, silencioso e rápido, levou-os ao longo da fronteira oeste do Vaticano - um baluarte de cimento de 15 metros de altura, grosso o bastante para resistir até mesmo à investida de tanques. Enfileirados na parte interna do muro, postados a intervalos de 50 metros, os guardas suíços mantinham-se atentos, vigilantes. O carrinho dobrou à direita e saiu na Via dell'Osservatorio. Havia placas de sinalização apontando para todas as direções:

 

PALAZZO GOVERNATORIO

COLLEGIO ETHIOPIANA

BASILICA SAN PIETRO

CAPELLA SISTINA

 

Aceleraram pela rua bem cuidada e passaram por uma construção atarracada onde havia uma placa com os dizeres: RADIO VATICANA. Langdon deu-se conta de que dali vinha a programação de rádio mais ouvida do planeta, a que espalhava a palavra de Deus para milhões de ouvintes no mundo inteiro.

- Attenzione - disse o piloto, dobrando abruptamente em um entroncamento rotatório.

Enquanto o carro circulava, Langdon mal podia crer na vista que se apresentava diante deles. Giardini Vaticani, pensou. O coração da Cidade do Vaticano. Bem à frente, encontrava-se a parte dos fundos da Basílica de São Pedro, que muita gente jamais vira. À direita erguia-se o Palácio do Tribunal, a opulenta residência papal cuja decoração barroca rivalizava apenas com Versailles. O prédio do Governatorato, de aparência severa, estava agora atrás deles e abrigava a administração da Cidade do Vaticano. E, mais além, à esquerda, estava o maciço edifício retangular do Museu Vaticano. Langdon sabia que não haveria tempo para visitar nenhum museu naquela viagem.

- Onde estão todos? - perguntou Vittoria, observando os gramados e calçadas desertos.

O guarda conferiu seu cronógrafo preto, de estilo militar - um curioso anacronismo sob sua manga bufante.

- Os cardeais estão reunidos na Capela Sistina. O conclave começa em menos de uma hora.

Langdon balançou a cabeça, lembrando-se vagamente que, antes do conclave, os cardeais passavam duas horas dentro da Capela Sistina em tranqüila reflexão e estabelecendo contato com seus companheiros do resto do mundo. O período de tempo tinha como finalidade renovar velhas amizades e fazer com que o processo eleitoral fosse menos acalorado.

- E o resto dos residentes e funcionários?

- Proibidos de entrar na cidade para garantir que haja sigilo e segurança até que o Conclave termine.

- E quando termina?

O guarda deu de ombros.

- Só Deus sabe.

As palavras soaram estranhamente literais.

Depois de estacionar o carrinho no vasto gramado logo atrás da Basílica de São Pedro, o guarda escoltou Vittoria e Langdon por uma rampa de pedra que dava acesso a uma esplanada junto aos fundos da basílica. Atravessaram a esplanada, aproximaram-se da basílica e contornaram-na passando por um pátio triangular, cruzando a Via Belvedere e um conjunto de edifícios muito próximos uns dos outros. As aulas de História da Arte de Langdon haviam-lhe permitido que aprendesse italiano o suficiente para identificar ali a Gráfica do Vaticano, o Laboratório de Restauração de Tapeçarias, a Administração do Correio e a

Igreja de Santa Ana. Atravessaram mais uma pequena praça e chegaram a seu destino.

O Escritório da Guarda Suíça fica ao lado de le Corpo di Vigilanza, a nordeste da basílica, em uma construção robusta, de pedra. De cada lado da entrada, como duas rígidas estátuas, havia um guarda.

Langdon teve de admitir que esses guardas não pareciam tão cômicos. Também usavam o uniforme azul e dourado, mas seguravam a tradicional "espada longa do Vaticano' uma lança de dois metros e meio de comprimento com uma ponta falciforme, afiada como uma navalha, que teria sido usada para decapitar inúmeros muçulmanos na defesa dos cruzados cristãos no século XV.

Quando Langdon e Vittoria se aproximaram, os dois guardas deram um passo à frente e cruzaram suas longas espadas, bloqueando a entrada. Um deles olhou para o piloto, confuso.

- Ipantaloni - disse, indicando o short de Vittoria.

O piloto fez um gesto para que os deixasse passar.

- Ii comandante vuole vederli subito.

Os guardas fizeram cara feia. Relutantes, afastaram-se para o lado.

Dentro, o ar estava frio. Não se parecia em nada com a sede administrativa de um serviço de segurança que Langdon teria imaginado. Decorados e impecavelmente mobiliados, os corredores continham quadros que qualquer museu ficaria contente em expor em sua sala principal.

O piloto apontou para uma escadaria íngreme.

- Vamos descer, por favor.

Langdon e Vittoria desceram os degraus de mármore entre uma fileira de estátuas masculinas nuas. Todas elas usavam folhas de parreira de um material de tonalidade mais clara que o do resto do corpo.

A Grande Castração, pensou Langdon.

Foi uma das piores tragédias da arte da Renascença. Em 1857, o Papa Pio IX decidiu que a representação exata do corpo masculino poderia incitar à luxúria. Então, pegou um cinzel e um malho e decepou a genitália de todas as estátuas masculinas da Cidade do Vaticano. Desfigurou obras de Michelangelo, Bramante e Bernini. Folhas de parreira feitas de gesso serviram de remendo para o estrago. Langdon muitas vezes imaginara se não haveria um enorme caixote cheio de pênis em algum lugar.

- Aqui - anunciou o guarda.

Haviam chegado ao pé da escada, que só dava acesso a uma pesada porta de aço. O guarda digitou um código de entrada e a porta correu, abrindo-se. Os dois entraram.

Lá dentro reinava o caos absoluto.

 

CAPÍTULO 36

O Escritório da Guarda Suíça.

Langdon parou na porta, observando a colisão de séculos à sua frente. Multimídia, pensou. A sala era uma biblioteca renascentista suntuosamente decorada, com estantes de madeira marchetada, tapetes orientais e tapeçarias coloridas. Entretanto, fervilhava de equipamentos eletrônicos de última geração - computadores, faxes, mapas eletrônicos do conjunto de construções do Vaticano e televisões ligadas na CNN. Homens de calças bufantes coloridas digitavam febrilmente nos teclados dos computadores e escutavam atentos seus fones de ouvido futurísticos.

- Esperem aqui - disse o guarda.

Os dois viram-no cruzar a sala e aproximar se de um homem excepcionalmente alto e magro, vestido com um uniforme militar azul. Ele falava ao telefone celular e mantinha-se tão ereto que quase se curvava para trás. O guarda disse-lhe algo e o homem lançou um olhar para Langdon e Vittoria. Cumprimentou-os com um gesto de cabeça, depois se virou de costas para eles e continuou a falar ao telefone.

O guarda voltou.

- O comandante Olivetti vai estar com os senhores em um minuto.

- Obrigado.

O guarda saiu e subiu as escadas de volta.

Langdon analisou o comandante Olivetti através da sala, dando-se conta de que ele era na realidade o comandante-em-chefe das forças armadas de um país inteiro. Enquanto esperavam, Vittoria e Langdon observavam a movimentação ao seu redor. Guardas vestidos de cores vivas andavam apressados de um

lado para outro gritando ordens em italiano.

- Continua cercando! - um deles exclamou ao telefone.

- Probasti ii museo? - perguntava outro.

Langdon não precisava falar italiano fluente para verificar que o centro de segurança estava naquele momento intensamente empenhado em procurar alguma coisa. Essa era a boa notícia. A má era que obviamente ainda não haviam encontrado a antimatéria.

- Você está bem? - ele perguntou a Vittoria.

Ela deu de ombros, com um sorriso cansado.

Quando o comandante finalmente desligou o telefone e veio na direção deles, deu a impressão de crescer a cada passo. O próprio Langdon era alto e não estava acostumado a levantar a cabeça para falar com as pessoas, mas a estatura do comandante Olivetti exigia isso. Langdon percebeu de imediato que aquele homem já passara por várias tempestades, por seu rosto duro e vigoroso.

Tinha o cabelo escuro em um corte rente de estilo militar e seus olhos ardiam com a rígida determinação que só se adquire depois de anos de muito treinamento. Movimentava-se com uma precisão enérgica, um pequeno fone discretamente colocado atrás da orelha fazendo com que se parecesse mais com um membro do serviço secreto norte-americano do que da Guarda Suíça.

Falou-lhes em inglês com sotaque. A voz era espantosamente baixa para um homem tão grande - ele quase sussurrava. Mas era cortante, e ele falava com uma contida eficiência militar.

- Boa tarde - disse. - Sou o comandante Olivetti, Comandante Principale da Guarda Suíça. Fui eu quem telefonou para seu diretor.

O comandante não disse mais nada. Fez sinal para que o seguissem e conduziu-os através do labirinto de máquinas para uma porta na parede lateral da sala.

- Entrem - disse, segurando a porta para eles.

Os dois entraram e viram-se na penumbra de uma sala de controle, onde, em uma parede cheia de monitores de vídeo, sucediam-se devagar imagens em preto-e-branco do conjunto de edifícios. Um jovem guarda estava sentado observando as imagens com atenção.

- Fuori - disse Olivetti.

O guarda pegou suas coisas e saiu.

Olivetti encaminhou-se para uma das telas e apontou para ela. Depois, virou-se para seus visitantes.

- Esta imagem é de uma câmera remota escondida em algum ponto da Cidade do Vaticano. Gostaria de uma explicação.

Langdon e Vittoria prenderam a respiração ao mesmo tempo. A imagem era categórica. Não havia qualquer dúvida. Tratava-se do tubo de antimatéria do CERN. Dentro dele, a ameaça de uma reluzente gotícula suspensa no ar, iluminada pelo piscar ritmado do mostrador eletrônico do relógio digital. De modo sinistro, a área em torno do tubo estava quase por completo às escuras, como se a antimatéria estivesse dentro de um armário ou de um quarto sem iluminação. No alto da tela aparecia um texto: AO VIVO - CÂMERA 86.

Vittoria verificou o tempo restante no indicador do tubo.

- Menos de seis horas - murmurou para Langdon, o rosto tenso.

Langdon olhou para o relógio.

- Então, temos até... - ele parou de falar, um nó apertando-lhe o estômago.

- Meia-noite - completou Vittoria, com um ar abatido.

Meia-noite, pensou Langdon. Um toque dramático. Pelo jeito, quem roubara o tubo na noite anterior calculara o tempo com perfeição. Veio-lhe um mau pressentimento ao lembrar que estava exatamente na área de explosão de uma bomba.

O cochichar de Olivetti soava agora mais como o sibilar de uma cobra.

- Esse objeto pertence à sua empresa?

Vittoria concordou com um gesto.

- Sim, senhor. Foi roubado de lá. Contém uma substância extremamente combustível chamada antimatéria.

Olivetti não se mostrou abalado.

- Estou bem familiarizado com materiais incendiários, senhorita. Nunca ouvi falar de antimatéria.

- É uma nova tecnologia. Precisamos localizá-la imediatamente ou evacuar a Cidade do Vaticano.

Olivetti fechou os olhos devagar e reabriu-os, como se focalizando-os de novo em Vittoria pudesse mudar o que acabara de ouvir.

- Evacuar? Tem noção do que está havendo aqui esta noite?

- Sim, senhor. E as vidas de seus cardeais estão em perigo. Temos cerca de seis horas. Já obteve algum progresso na localização do tubo?

Olivetti sacudiu a cabeça.

- Nem começamos a procurar.

Vittoria quase engasgou.

- O quê? Mas escutamos nitidamente seus guardas falando sobre procurar o...

- Sobre procurar, sim - interrompeu Olivetti -, mas não o seu tubo. Meus homens estão procurando outra coisa que não lhes diz respeito.

A voz de Vittoria chegou a falhar.

- Vocês ainda nem começaram a procurar esse tubo?

As pupilas de Olivetti pareceram recuar para dentro de sua cabeça. Ficou com a aparência impassível de um inseto.

- Senhorita Vetra, não é? Deixe-me explicar-lhe algo. O diretor de sua empresa recusou-se a me fornecer qualquer detalhe ao telefone sobre esse objeto, a não ser para me dizer que eu precisava encontrá-lo imediatamente. Estamos bastante ocupados aqui e não posso me dar ao luxo de destacar efetivo para uma situação sem apurar alguns fatos.

- Só existe um fato relevante neste momento, senhor - disse Vittoria.

- Dentro de seis horas aquele aparelho vai desintegrar todos estes prédios.

Olivetti ficou imóvel.

- Senhorita Vetra, há uma coisa que precisa saber - disse ele, num tom de voz meio condescendente. - Apesar da aparência arcaica da Cidade do Vaticano, cada uma das entradas, tanto as públicas como as particulares, está equipada com os sensores mais avançados que se conhece. Se alguém tentar entrar com qualquer tipo de dispositivo incendiário, isto será detectado no mesmo instante. Temos scanners de isótopos radioativos, filtros olfatórios projetados pelo DEA (Drug Enforcement Administration), a agência norte-americana de combate ao narcotráfico, para detectar o mais tênue vestígio químico de combustíveis e toxinas. Também usamos os mais avançados detectores de metais e scanners de raios X disponíveis.

- Excelente - disse Vittoria, com a mesma frieza de Olivetti. - Infelizmente, a antimatéria não é radioativa, sua assinatura química é a de hidrogênio puro e o tubo é feito de plástico. Nenhum desses aparelhos a teria detectado.

- Mas o dispositivo tem uma fonte de energia - disse Olivetti, apontando para o mostrador luminoso que

piscava. - O menor vestígio de níquel-cádmio seria identificado como...

- As baterias também são de plástico.

Via-se claramente que a paciência de Olivetti estava a ponto de terminar.

- Baterias de plástico?

- Eletrólito de gel-polímero com teflon.

Olivetti inclinou-se para ela, como se quisesse acentuar a diferença de altura entre ambos.

- Signorina, o Vaticano é alvo de dezenas de ameaças de bomba por mês. Sou eu pessoalmente quem treina toda a Guarda Suíça em moderna tecnologia de explosivos. Sei muito bem que não existe substância neste mundo tão poderosa assim para fazer o que está dizendo, a não ser que esteja se referindo a uma ogiva nuclear com um núcleo de combustível do tamanho de uma bola de beisebol.

Vittoria fulminou-o com o olhar.

- A natureza tem muitos mistérios ainda por revelar.

Olivetti inclinou-se mais para ela.

- Posso perguntar quem exatamente é a senhorita? Qual é a sua função no CERN?

- Sou membro sênior da equipe de pesquisas e fui designada para ser o contato com o Vaticano nesta crise.

- Desculpe-me a indelicadeza, mas, se esta é de fato uma crise, por que estou lidando com a senhorita e não com seu diretor? E o que pretende com o desrespeito de entrar no Vaticano com essa roupa?

Langdon deu um gemido. Não podia acreditar que, naquelas circunstâncias, o homem estivesse preocupado com trajes. Contudo, refletiu, se pênis de pedra podiam despertar pensamentos lascivos nos moradores do Vaticano, Vittoria Vetra de short certamente seria uma ameaça à segurança nacional.

- Comandante Olivetti - intrometeu-se Langdon, tentando desarmar o que parecia ser uma segunda bomba

prestes a explodir -, meu nome é Robert Langdon. Sou professor de estudos religiosos nos Estados Unidos e sem vínculos com o CERN. Assisti a uma demonstração dos efeitos da antimatéria e posso confirmar a afirmação da senhorita Vetra de que se trata de uma substância excepcionalmente perigosa. Temos motivos para crer que foi colocada dentro do Vaticano por representantes de um culto anti-religioso com a intenção de destruir o conclave.

Olivetti virou-se, olhando Langdon de cima.

- Tenho aqui uma mulher de short me dizendo que uma gotinha de líquido vai explodir o Vaticano e um

professor americano me dizendo que somos o alvo de um culto anti-religioso. O que afinal querem que eu faça?

- Encontre o tubo - disse Vittoria. - Agora mesmo.

- Impossível. Pode estar em qualquer lugar. A Cidade do Vaticano é enorme.

- Suas câmaras não têm localizadores GPS?

- Não costumam ser roubadas. Levaríamos dias para localizar essa câmara.

- Não temos dias - replicou Vittoria, inflexível. - Temos seis horas.

- Seis horas para que, senhorita Vetra? - A voz de Olivetti ficou alta de repente.

Apontou para a imagem na tela. - Até que essa contagem chegue a zero? Até que

a Cidade do Vaticano desapareça? Acredite, não gosto nem um pouco que alguém venha burlar meu sistema de segurança. Nem me agrada que uma geringonça dessas apareça misteriosamente dentro dos meus edifícios. Eu estou preocupado.

É minha obrigação estar preocupado. Mas o que me contou é inaceitável.

Langdon não se conteve:

- O senhor já ouviu falar dos Illuminati?

A atitude glacial do comandante rompeu-se. Seus olhos ficaram brancos, como os de um tubarão pronto para atacar.

- Estou avisando a vocês. Não tenho tempo para isso.

- Então, quer dizer que o senhor já ouviu falar dos Illuminati?

Os olhos de Olivetti pareciam perfurar como golpes de baioneta.

- Sou um defensor jurado da Igreja Católica. Claro que já ouvi falar dos Illuminatj. Estão mortos há décadas.

Langdon enfiou a mão no bolso e tirou o fax com a imagem do corpo marcado a fogo de Leonardo Vetra.

Estendeu-o para Olivetti.

- Sou um estudioso dos Illuminati - disse Langdon, enquanto Olivetti examinava o papel. - Estou tendo grande dificuldade em aceitar que os Iliuminati ainda estejam em atividade, mas a aparência dessa marca combinada com o fato de que os Iliuminati têm um conhecido pacto contra o Vaticano me fizeram mudar de

idéia.

- Uma fraude produzida por computador. - Olivetti devolveu o fax a Langdon.

Este exclamou, incrédulo:

- Fraude? Veja a simetria! O senhor melhor do que ninguém deveria reconhecer a autenticidade de...

- Autenticidade é exatamente o que falta a vocês. A senhorita Vetra talvez não tenha lhe informado, mas os cientistas do CERN vêm criticando as políticas do Vaticano há anos. Eles regularmente nos encaminham pedidos de retratação da teoria criacionista, de desculpas formais a Galileu e Copérnico e repelem nossas críticas a pesquisas perigosas ou imorais. O que parece mais provável aos senhores: que um culto satânico de quatrocentos anos tenha ressurgido com uma arma avançada de destruição em massa ou que algum engraçadinho no CERN esteja tentando acabar com um evento sagrado do Vaticano lançando mão de uma fraude bem executada?

- Aquela foto - disse Vittoria, a voz igual a lava incandescente - é do meu pai. Assassinado. Acha que eu iria brincar com uma coisa dessas?

- Não sei, senhorita Vetra. O que sei é que, até conseguir algumas respostas que façam sentido, não vou acionar qualquer tipo de alarme. Vigilância e discrição são meus deveres para que as questões espirituais possam ter lugar aqui com clareza de mente. Hoje mais do que nunca.

Langdon disse:

- Ao menos, então, adie o evento.

- Adiar? - o queixo de Olivetti caiu. - Que  se pode transferir por causa da chuva! É um evento sagrado com um código e um processo rigorosos. Não faz mal que um bilhão de católicos estejam esperando por um líder! Não faz mal que a imprensa mundial esteja lá fora! O protocolo deste evento é sagrado, não está sujeito a modificações. Desde 1179, os conclaves sobreviveram a terremotos, fome e até à peste. Acreditem, não vai ser cancelado por causa de um cientista morto e de uma gotinha de sabe-se lá o quê.

- Leve-me à pessoa encarregada - exigiu Vittoria.

Olivetti lançou-lhe um olhar furibundo.

- Está diante dela.

- Não - disse ela -, alguém do clero.

As veias na testa de Olivetti começaram a crescer.

- O clero se foi. Com exceção da Guarda Suíça, só quem está presente no momento é o Colégio dos Cardeais. E eles estão no interior da Capela Sistina.

- E quanto ao camarista do Papa? - perguntou Langdon, incisivo.

- Quem?

- O camarista do último Papa. - Ele repetiu a palavra, seguro de si, rezando para que a memória o tivesse ajudado. Lembrou-se de ter lido certa vez sobre a curiosa delegação de autoridade que se seguia à morte de um Papa. Se estivesse correto, no período entre Papas, o poder autônomo completo transferia-se temporariamente para o assistente pessoal do Papa anterior, seu camarista ou camareiro, um secretário que supervisionava o conclave até que os cardeais escolhessem o novo Santo Padre. - Creio que o camarista é a pessoa encarregada no momento.

- Ii camerlengo?- disse Olivetti. - O camerlengo é só um padre aqui. Nem cônego ele é. Era o criado do último Papa.

- Mas ele está aqui. E o senhor responde a ele.

Olivetti cruzou os braços.

- Senhor Langdon, é verdade que as regras do Vaticano determinam que o camerlengo assuma a superintendência durante o conclave, mas é apenas porque a sua inelegibilidade para o papado garante uma eleição imparcial. É como se o seu presidente morresse e um de seus assistentes temporariamente se sentasse na Sala Oval. O camerlengo é jovem e seus conhecimentos sobre segurança, ou qualquer coisa relacionada a isso, são extremamente limitados. Para todos os efeitos, o responsável aqui sou eu.

- Leve-nos até ele - pediu Vittoria.

- Impossível. O conclave começa dentro de 40 minutos. O camerlengo está no escritório do Papa, preparando tudo. Não pretendo incomodá-lo com assuntos de segurança.

Vittoria abriu a boca para responder, mas foi interrompida por uma batida na porta. Olivetti abriu-a.

Um guarda em traje de gala estava do lado de fora, apontando para o relógio.

- P l'ora, comandante.

Olivetti verificou seu próprio relógio e sacudiu a cabeça, concordando. Virou-se para Langdon e Vittoria como um juiz que decidisse o destino deles.

- Sigam-me.

Saiu com eles da sala de monitoramento, cruzando o centro de segurança até um cubículo claro junto à parede do fundo.

- Meu escritório.

Olivetti fez com que entrassem. A sala não tinha nada de especial: uma escrivaninha cheia de coisas, além de arquivos, cadeiras dobráveis e um refrigerador.

- Volto em dez minutos. Sugiro que aproveitem o tempo para decidir como querem agir.

Vittoria girou nos calcanhares.

- Não pode sair assim! Aquele tubo é...

- Não tenho tempo para isso agora - Olivetti estava agitado. - Talvez tenha de prendê-los até depois do conclave, quando terei tempo.

- Signore - insistiu o guarda, apontando de novo para o relógio. - Spazzare di capeila.

Olivetti sacudiu a cabeça e dirigiu-se para a porta.

- Spazzare di capeila? - perguntou Vittoria. - Estão saindo para varrer a capela?

Olivetti virou-se com um olhar penetrante.

- Vamos fazer uma varredura, procurar grampos, escuta eletrônica, senhorita Vetra. Por uma questão de discrição. - E ele fez um gesto para as pernas dela.

- Embora eu não espere que a senhorita compreenda o que quer dizer isto.

E bateu a porta, sacudindo o vidro pesado. Com um movimento ligeiro, fez aparecer uma chave, colocou-a na fechadura e girou-a. Uma tranca pesada encaixou-se no lugar.

- Idiota! - gritou Vittoria. - Não pode nos prender aqui!

Através do vidro, Langdon viu Olivetti dizer alguma coisa para um guarda. A sentinela concordou.

Quando Olivetti saiu da sala, o guarda veio e ficou de frente para eles do outro lado do vidro, os braços cruzados, uma arma pendurada no quadril, bem à vista.

Perfeito, pensou Langdon, simplesmente perfeito.

 

CAPÍTULO 37

Vittoria fulminou com o olhar o guarda suíço do outro lado da porta trancada do escritório de Olivetti. O guarda devolveu-lhe o olhar fulminante, o uniforme colorido em desacordo com seu ar ameaçador.

Che fiasco, pensou Vittoria. Mantida presa por um homem armado vestido de pijamas.

Langdon calara-se e Vittoria esperava que ele estivesse usando seu cérebro de Harvard para achar um jeito de escapulirem dali. Pela cara dele, porém, tinha a impressão de que estava mais em estado de choque do que entregue a pensamentos. Lamentava tê-lo envolvido naquela situação.

O primeiro instinto de Vittoria havia sido pegar o telefone celular e ligar para Kohler, mas sabia que teria sido inútil. Primeiro, o guarda provavelmente entraria e tomaria seu telefone. Segundo, se aquele episódio de Kohler tivesse seguido o curso habitual, ele provavelmente ainda estaria incapacitado. Não que fizesse diferença... Olivetti não parecia inclinado a acreditar na palavra de quem quer que fosse naquele momento.

Lembre-se!, disse a si mesma. Lembre-se da solução para este problema!

A lembrança era um truque filosófico budista. Em vez de pedir à sua mente para procurar uma solução para um desafio potencialmente impossível, Vittoria pedia-lhe que apenas se lembrasse da solução. O pressuposto de que sabia a resposta criava a disposição mental de que a resposta deveria existir, eliminando assim o conceito paralisante de desesperança. Vittoria costumava utilizar aquele processo para resolver incertezas científicas, aquelas que a maioria das pessoas achava não terem solução.

Naquela hora, todavia, o truque da lembrança só produzia um grande branco.

Portanto, ela avaliou suas opções, suas necessidades. Precisava avisar alguém.

Alguém no Vaticano precisava levá-la a sério. Mas quem? O camerlengo? Como?

Ela estava dentro de uma caixa de vidro com uma única porta de saída.

Ferramentas, disse consigo. Sempre existem ferramentas. Reavalie seu ambiente.

Instintivamente, ela abaixou os ombros, relaxou o rosto e respirou fundo três vezes. Sentiu seu ritmo cardíaco diminuir e seus músculos se descontraírem. O pânico caótico em sua mente dissipou-se. Muito bem, pensou, deixe a mente livre. O que há de positivo nesta situação? Quais são minhas vantagens?

A mente analítica de Vittoria Vetra, tendo se acalmado, tornava-se uma força poderosa. Em segundos, ela verificou que o fato de estarem encarcerados constituía na verdade a chave de sua fuga daquele lugar.

- Vou dar um telefonema - anunciou, de súbito, a Langdon.

- Eu já ia sugerir que ligasse para Kohler, mas...

- Kohler, não. Outra pessoa.

- Quem?

- O camerlengo.

- Você vai ligar para o camerlengo? Como?

- Olivetti disse que o camerlengo estava no escritório do Papa.

- Certo. E você sabe o número do telefone do Papa?

- Não. Mas não é do meu telefone que vou ligar. - E fez um sinal na direção de um sofisticado sistema de telefonia na mesa de Olivetti. Havia uma porção de botões de discagem direta. - O chefe da segurança deve ter uma linha direta para o escritório do Papa.

- E também temos um halterofilista com uma arma plantado a dois metros daqui.

- E nós estamos trancados aqui dentro.

- Eu já tinha notado.

- Quero dizer é que o guarda não pode entrar. Este é o escritório particular de Olivetti. Duvido que alguém mais tenha a chave.

Langdon deu uma espiada no guarda.

- O vidro é bem fino e a arma é bem grande.

- E o que ele vai fazer, atirar em mim porque estou usando o telefone?

- Sabe-se lá! Este lugar é bem esquisito, e do jeito que as coisas vão...

- Ou isso - disse Vittoria - ou podemos passar as próximas cinco horas e quarenta e oito minutos na prisão do Vaticano. Pelo menos, vamos assistir de camarote quando a antimatéria explodir.

Langdon empalideceu.

- O guarda vai chamar Olivetti assim que você pegar aquele telefone. Além disso, há uns 20 botões ali. E não estou vendo nenhuma identificação. Vai tentar todos eles e torcer para acertar de primeira?

- Não - disse ela, dirigindo-se para o telefone. - Só vou tentar um. - Vittoria pegou o fone e apertou o primeiro botão. - Número um. Aposto um daqueles dólares dos Illuminati que você tem no bolso que este é o botão do escritório do Papa. O que mais teria importância prioritária para um comandante da Guarda Suíça?

Langdon não teve tempo de responder. O guarda lá fora começou a bater no vidro com a coronha de sua arma. Fazia sinal para que ela largasse o telefone.

Vittoria piscou para ele. O guarda pareceu inflar de tanta raiva.

Langdon afastou-se da porta e falou com Vittoria.

- É bom você estar certa, porque esse sujeito não está muito satisfeito.

- Droga! - disse ela, escutando. - Uma gravação!

- Gravação? - perguntou Langdon. - O Papa tem secretária eletrônica?

- Não era o escritório do Papa - disse Vittoria, desligando. - Era o maldito cardápio semanal da intendência do Vaticano.

Langdon deu um sorriso amarelo para o guarda lá fora, que agora estava com uma cara furiosa, comunicando-se com Olivetti pelo walkie-talkie.

 

CAPÍTULO 38

A mesa telefônica do Vaticano localiza-se no Ufficio di Communicazione, atrás do Correio do Vaticano. Fica em uma sala relativamente pequena contendo um equipamento Corelco 141 de oito linhas, O departamento atende a 2.000 ligações por dia, a maioria encaminhada automaticamente para o sistema gravado de informações. Naquela noite, o único telefonista de plantão estava sentado sossegadamente tomando sua xícara de chá. Sentia-se orgulhoso por ser um dos poucos funcionários autorizados a permanecer dentro do Vaticano durante o conclave.

É claro que a honra ficava de certa forma abalada pela presença dos guardas suíços rondando sua porta. Uma escolta para ir ao banheiro, pensou ele. Ah, as indignidades que somos obrigados a aturar em nome do Santo Conclave!

Felizmente, as chamadas até então haviam sido poucas. O que talvez não fosse tão bom assim.

O interesse mundial pelos negócios do Vaticano diminuíra nos últimos anos, O número de ligações da imprensa fora menor e até os malucos não ligavam mais com tanta freqüência. A secretaria de imprensa esperava que houvesse um alvoroço mais festivo em torno do acontecimento da noite. Entretanto, lamentavelmente, embora a Praça de São Pedro estivesse cheia de carros de reportagem, aparentemente a maioria dos furgões pertencia à imprensa italiana ou européia. Só um pequeno número de redes internacionais estava presente... e sem dúvida haviam enviado apenas seus giornalisti secundari.

O telefonista pegou sua caneca e conjeturou se a noite seria longa. Até meia- noite, mais ou menos, calculou ele. Hoje em dia, muita gente bem informada já sabia quem era o favorito para se tornar Papa muito antes de o conclave se reunir, de modo que o processo acabava sendo mais um ritual de três ou quatro horas do que propriamente uma eleição. Claro que dissensões de última hora podiam prolongar a cerimônia pela madrugada afora... ou além. O conclave de

1831 durara 54 dias. Mas não o de hoje, disse consigo. Falava-se que este conclave seria uma "vigília de fumaça".

Os pensamentos do telefonista evaporaram-se com o zumbido de uma linha interna em seu painel. Olhou para a luz vermelha piscando e coçou a cabeça. Que coisa estranha, pensou. A linha zero. Quem será que está ligando daqui de dentro para o telefonista de informações? E quem é que ainda está aqui dentro, afinal?

- Città dei Vaticano, prego? - disse ele, atendendo.

A voz que estava na linha falava um italiano rápido. O telefonista reconheceu

vagamente o sotaque como sendo o que era comum aos guardas suíços, italiano fluente com leve influência franco-suíça. Aquela pessoa, porém, decididamente não pertencia à Guarda Suíça.

Ao ouvir a voz da mulher, o telefonista levantou-se de um pulo, quase derramando seu chá. Verificou o painel outra vez. Não se enganara. Era uma extensão interna. A ligação vinha de dentro. Não era possível, algo estava errado! Uma mulher dentro da Cidade do Vaticano? Hoje?

A mulher falava depressa e furiosamente. O telefonista passara tempo suficiente naquele trabalho para saber quando estava lidando com um pazzo. Aquela mulher não parecia maluca. Seu tom era urgente mas racional. Calmo e eficiente. Ele escutou o pedido dela, aturdido.

- Ii camerlengo? - disse o telefonista, ainda tentando descobrir de onde estaria vindo a ligação. – Não posso completar... sim, sei que ele está no escritório do Papa mas... quem é a senhora, mesmo? E quer avisar a ele que... - O homem escutava, cada vez mais desconcertado. Todos em perigo? Como? E de onde está chamando? - Talvez seja melhor entrar em contato com a Guarda Su... - O telefonista parou no meio da frase. - Onde é que a senhora está? Onde?

Ele escutou, atônito, depois tomou uma decisão.

- Aguarde um pouco, por favor - disse, colocando a mulher na espera antes que ela pudesse responder. Em seguida, ligou para a linha direta do comandante Olivetti. Não é possível que a mulher esteja realmente...

A ligação foi atendida de imediato.

- Per l'amore di Dio! - a voz feminina conhecida gritou. - Faça a bendita ligação!

A porta do centro de segurança da Guarda Suíça abriu-se com um silvo. Os guardas abriram caminho quando o comandante Olivetti entrou na sala como um foguete. Chegando à porta de seu escritório, constatou o que o guarda no walkie-talkie acabara de lhe contar: Vittoria Vetra estava de pé diante da mesa dele falando em seu telefone particular.

Che coglioni che ha questa!, pensou ele.

Lívido, aproximou-se, enfiou a chave na fechadura e abriu a porta, perguntando:

- O que está fazendo?

Vittoria ignorou-o.

- Sim - dizia ela ao telefone. - E tenho de prevenir...

Olivetti arrancou o telefone da mão dela e colocou-o no próprio ouvido.

- Quem diabos está falando?

Em uma fração de segundo, a postura rígida de Olivetti desfez-se repentinamente.

- Sim, camerlengo... - disse ele. - Correto, signore... mas questões de segurança exigem... claro que não... estou mantendo-a aqui por... com certeza, mas... - Ele escutou. - Sim, senhor - disse, afinal. - Vou subir com eles imediatamente.

 

CAPÍTULO 39

O Palácio Apostólico consiste em um aglomerado de prédios situados perto da Capela Sistina, no ângulo nordeste da Cidade do Vaticano. Com uma ampla vista da Praça de São Pedro, o palácio abriga não só os apartamentos papais como o escritório do Papa.

Vittoria e Langdon seguiram calados o comandante Olivetti por um longo corredor rococó, os músculos do pescoço dele pulsando de raiva. Depois de subir três lances de escada, entraram em um grande vestíbulo meio imerso na penumbra.

Langdon mal acreditava nas obras de arte que via nas paredes: bustos, tapeçarias e baixos-relevos em perfeito estado de conservação, obras que valiam centenas de milhares de dólares. Ao cruzarem o vestíbulo, passaram por uma fonte de alabastro. Olivetti dobrou à esquerda e, em um vão, deram com uma das maiores portas que Langdon já vira.

- Ufficio di Papa - declarou o comandante, com um olhar corrosivo para Vittoria.

Ela não hesitou, adiantou-se e bateu com força na porta.

O escritório do Papa, Langdon repetiu mentalmente, com dificuldade para se conscientizar de que estava à porta de uma das salas mais sagradas da religião mundial.

- Avanti! - alguém disse lá dentro.

Quando a porta se abriu, Langdon teve de proteger os olhos com as mãos. A luminosidade do sol era ofuscante. Devagar, a imagem à sua frente entrou em foco.

O escritório do Papa lembrava mais um salão de baile, O piso de mármore vermelho estendia-se até as paredes enfeitadas com afrescos de cores vivas. Um lustre colossal pendia do teto e uma série de janelas em arco oferecia um panorama deslumbrante da Praça de São Pedro banhada de sol.

Meu Deus, pensou ele. Isto é que é um quarto com vista.

Na extremidade oposta do aposento, em uma escrivaninha de madeira entalhada, um homem estava sentado escrevendo energicamente.

- Avanti - repetiu ele, pousando a caneta e fazendo sinal para que se aproximassem.

Olivetti foi na frente, com seu passo militar.

- Signore - disse ele, desculpando-se -, no ho potuto...

O homem interrompeu-o. Levantou-se e estudou os dois visitantes.

O camerlengo não tinha nada da imagem dos frágeis e beatíficos homens idosos que Langdon costumava imaginar circulando pelo Vaticano. Não trazia rosários ou pingentes. Nem usava uma daquelas túnicas pesadas. Estava vestido com uma batina preta simples que ampliava a solidez de sua substancial constituição física. Deveria estar com quase quarenta anos, uma criança para os padrões do Vaticano. Seu rosto era surpreendentemente bonito, com bastos cabelos revoltos e olhos verdes quase radiantes que brilhavam como se fossem acesos e movidos pelos mistérios do universo. Mais de perto, porém, Langdon viu naqueles olhos uma profunda exaustão, como a de uma pessoa que tivesse acabado de viver os dias mais difíceis de sua vida.

- Sou Carlo Ventresca - disse, em inglês perfeito. - O camerlengo do último Papa.

- Sua voz era despretensiosa e amável, com apenas um ligeiro sotaque italiano.

- Vittoria Vetra - disse ela, dando um passo à frente e estendendo-lhe a mão.

- Obrigada por nos receber.

O rosto de Olivetti crispou-se quando o camerlengo apertou a mão de Vittoria.

- Este é Robert Langdon - disse Vittoria -, um historiador de religiões da Universidade de Harvard.

- Padre - disse Langdon, pronunciando o melhor possível o seu italiano. E curvou a cabeça ao estender a mão.

- Não, não - insistiu o camerlengo, fazendo Langdon levantar o corpo. - O escritório de Sua Santidade não me torna santo. Sou apenas um padre, um camarista servindo em uma hora de necessidade.

Langdon endireitou o corpo.

- Por favor - disse o camerlengo -, sentem-se todos.

Dispôs algumas cadeiras em torno de sua mesa. Langdon e Vittoria sentaram-se, Olivetti preferiu ficar de pé.

O camerlengo sentou-se em sua cadeira diante da escrivaninha, entrelaçou as mãos, suspirou e olhou para seus visitantes.

- Signore - disse Olivetti -, o traje da moça é culpa minha. Eu...

- A roupa dela não é o que me preocupa - replicou o camerlengo, a voz revelando que estava fatigado demais para ser incomodado. - Quando o telefonista do

Vaticano liga para mim meia hora antes do início do conclave e diz que uma mulher está telefonando da sua sala particular para me alertar sobre uma grande ameaça à segurança sobre a qual não fui informado, isso sim me preocupa.

Olivetti permaneceu rígido, as costas arqueadas como se fosse um soldado passando por intensa inspeção.

Langdon estava hipnotizado pela presença do camerlengo. Mesmo sendo moço e estando tão cansado, o padre tinha um quê de herói mítico, irradiando carisma e autoridade.

- Signore - falou Olivetti, em tom de desculpas mas ainda inflexível -, não devia se preocupar com questões de segurança. O senhor tem outras responsabilidades.

- Sei muito bem de minhas outras responsabilidades. Também sei que, como direttore intermediario, sou responsável pela segurança e bem-estar de todos os que participam deste conclave. O que está havendo aqui?

- A situação está sob controle.

- Não parece.

- Padre - interrompeu Langdon, tirando do bolso o fax amassado e estendendo-o para o camerlengo -, por favor.

O comandante Olivetti adiantou-se, tentando intervir.

- Padre, por favor, não perturbe seus pensamentos com...

O camerlengo pegou o fax, ignorando Olivetti por alguns momentos. Olhou a imagem de Leonardo Vetra morto e prendeu a respiração, estupefato.

- O que é isto?

- É meu pai - disse Vittoria, a voz trêmula. - Era um padre e um homem de ciência. Foi assassinado na noite passada.

O rosto do camerlengo suavizou-se no mesmo instante. Levantou os olhos para ela.

- Minha filha, sinto muito. - Fez o sinal da cruz e olhou de novo para o fax, sua expressão revelando ondas sucessivas de repulsa. - Quem faria.., e essa queimadura no... - o camerlengo parou de falar, apertando os olhos para enxergar a imagem mais de perto.

- Está escrito liluminati - disse Langdon. - O senhor decerto conhece o nome.

Uma estranha sombra passou pelo rosto do camerlengo.

- Já ouvi o nome, sim, mas...

- Os liluminati mataram Leonardo Vetra para roubar uma nova tecnologia que ele estava...

- Signore - aparteou Olivetti. - Isso é um absurdo. Os Illuminati? É evidente que se trata de alguma fraude sofisticada.

O camerlengo pareceu ponderar as palavras do comandante. Depois, virou- se e contemplou Langdon com tanta intensidade que ele sentiu o ar lhe fugir dos pulmões.

- Senhor Langdon, passei toda a minha vida na Igreja Católica. Conheço bem as histórias dos Illuminati e a lenda das marcações a fogo. Ainda assim, devo preveni-lo de que sou um homem do presente. O cristianismo já tem inimigos demais, não precisamos ressuscitar os fantasmas.

- O símbolo é autêntico - afirmou Langdon, de modo um pouco mais defensivo do que pensou. Inclinou-se para a mesa e girou o papel.

O camerlengo ficou calado quando viu a simetria.

- Nem os computadores modernos - acrescentou Langdon - conseguiram criar um ambigrama simétrico dessa palavra.

O camerlengo cruzou as mãos e não disse nada por alguns instantes.

- Os Illuminati estão mortos - disse finalmente. - Há muito tempo. É fato histórico.

Langdon assentiu.

- Ontem, eu teria concordado com o senhor.

- Ontem?

- Antes da série de acontecimentos de hoje. Acredito que os Illuminati tenham ressurgido para cumprir um antigo pacto.

- Perdoe-me, meus conhecimentos de história estão enferrujados. Que antigo pacto é esse?

Langdon respirou fundo.

- A destruição da Cidade do Vaticano.

- A destruição do Vaticano? - o camerlengo estava mais confuso do que assustado. - Mas isto seria impossível.

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Sinto muito, mas ainda não acabamos de lhe dar as más notícias.

 

CAPÍTULO 40

- Isso é verdade? - indagou o camerlengo, olhando espantado de Vittoria para Olivetti.

- Signore - garantiu Olivetti -, admito que haja um certo dispositivo aqui no

Vaticano. Está visível em um de nossos monitores de segurança, mas, quanto ao poder que a senhorita Vetra afirma que essa substância tem, não posso de maneira alguma...

- Espere aí - disse o camerlengo. - Vocês conseguem ver essa coisa?

- Sim, signore. Na câmera sem fio 86.

- E por que não foram buscá-la? - o camerlengo agora falava zangado.

- Muito dificil, signore - Olivetti explicou a situação, muito empinado.

O camerlengo escutava e Vittoria notou a sua preocupação crescente.

- Tem certeza de que está dentro do Vaticano? - perguntou ele. - Alguém pode ter levado a câmera para fora e estar transmitindo de outro lugar.

- Impossível - disse Olivetti. - Nossos muros externos são blindados eletronicamente para proteger nossas comunicações internas. Esse sinal só pode estar vindo de dentro, ou não o estaríamos recebendo.

- E suponho - continuou o camerlengo - que vocês estejam procurando essa câmera perdida com todos os recursos disponíveis?

Olivetti sacudiu a cabeça.

- Não, signore. Localizar aquela câmera poderia levar centenas de homens- hora. Temos várias outras preocupações de segurança no momento e, com todo o respeito à senhorita Vetra, essa gotícula de que ela fala é muito pequena. Não pode ser tão explosiva quanto ela alega.

A paciência de Vittoria evaporou-se.

- Aquela gotícula é suficiente para arrasar a Cidade do Vaticano! Será que não escutou nenhuma palavra do que eu disse?

- Minha senhora - disse Olivetti, a voz dura como aço -, tenho vasta experiência em explosivos.

- Sua experiência está obsoleta - revidou ela, igualmente dura. - Apesar da minha roupa, que vejo que o senhor acha inconveniente, sou uma fisica de nível sênior na instituição de pesquisas subatômicas mais avançadas do mundo. Fui eu quem projetou pessoalmente o recipiente da antimatéria que impede o aniquilamento imediato daquela amostra. E estou avisando ao senhor que, a menos que encontre aquele tubo nas próximas seis horas, seus guardas não terão nada para proteger no próximo século a não ser um grande buraco no chão.

Olivetti girou nos calcanhares e encarou o camerlengo, seus olhos de inseto fuzilando de raiva.

- Signore, não posso, em sã consciência, permitir que isto se prolongue. Seu tempo está sendo desperdiçado por impostores. Os Illuminati? Uma gotinha que vai destruir tudo?

- Basta - declarou o camerlengo. Pronunciou a palavra em voz baixa e no entanto ela pareceu ecoar pelo aposento. Depois, ficou em silêncio. E então continuou, em um sussurro. - Perigoso ou não, Illuminati ou não, o que quer que seja, este objeto não deveria estar dentro do Vaticano. Muito menos na véspera do conclave. Quero que seja encontrado e retirado daqui. Organize uma busca imediatamente.

Olivetti não desistiu.

- Signore, mesmo que utilizemos todos os guardas para fazer uma busca geral em todos os prédios, levaria dias para encontrarmos essa câmera. Além disso, depois de falar com a senhorita Vetra, mandei um dos meus guardas procurar em nosso mais avançado guia de balística qualquer referência a essa substância chamada antimatéria. E ele não encontrou nada, nem uma citação sequer. Nada.

Idiota arrogante, pensou Vittoria. Um guia de balística? Que tal uma enciclopédia? Na letra A!

Olivetti continuava falando.

- Signore, se está sugerindo uma busca a olho nu na Cidade do Vaticano inteira, então preciso protestar.

- Comandante - a voz do camerlengo fervia de irritação. - Tenho de lembrar-lhe que, quando se dirige a mim, está se dirigindo a este cargo. Percebo que o senhor não está levando a sério a minha posição. Mesmo assim, pela lei, sou eu quem decide. Se não me engano, os cardeais encontram-se agora seguros dentro da Capela Sistina e as suas preocupações com a segurança são mínimas até o encerramento do conclave. Não compreendo por que reluta em procurar esse objeto. Se não o conhecesse, diria que está submetendo este conclave a um perigo internacional.

Olivetti respondeu com desdém.

- Como ousa! Servi seu Papa durante 12 anos! E o Papa antes dele durante 14 anos! Desde 1438, a Guarda Suíça...

O walkie-talkje no cinto de Qlivetti emitiu um chamado alto, interrompendo-o.

- Comandante?

Olivetti agarrou-o e apertou o botão do transmissor.

- Sto ocupato! Cosa voi?!!!

- Scusi - disse o guarda suíço ao rádio. - Aqui é do setor de Comunicações. Achei que o senhor gostaria de ser informado de que recebemos uma ameaça de bomba.

Olivetti não demonstrou qualquer interesse.

- Então, resolvam isso! Sigam os procedimentos de sempre e façam o relatório!

- Foi o que fizemos, senhor, mas o homem que ligou... - o guarda fez uma pausa. - Eu não queria incomodá-lo, comandante, mas ele mencionou a substância que o senhor me pediu para pesquisar. Antimatéria.

Todos na sala se entreolharam.

- Ele mencionou o quê? - gaguejou Olivetti.

- Antimatéria, senhor. Enquanto seguíamos a rotina, fiz mais umas pesquisas a respeito. As informações sobre a antimatéria são... bem, para falar a verdade, são bem preocupantes.

- Mas você disse que não havia nenhuma referência a ela no guia de balística.

- Encontrei referências na Internet.

Aleluia, pensou Vittoria.

- A substância parece ser bastante explosiva - disse o guarda. - É difícil de acreditar que esta informação é correta, mas aqui diz que a antimatéria carrega aproximadamente cem vezes mais carga útil do que uma ogiva nuclear.

Olivetti curvou os ombros. Era como assistir a uma montanha desmoronando. A sensação de triunfo de Vittoria dissipou-se ao ver a expressão de horror no rosto do camerlengo.

- Vocês rastrearam a chamada? - disse Olivetti, a voz trêmula.

- Não conseguimos. Veio de um celular criptografado. As linhas estão embaralhadas, portanto a triangulação é impossível. A assinatura digital indica que ele está em algum ponto de Roma, mas não há realmente nenhuma forma de rastreá-lo.

- Ele fez alguma exigência? - disse Olivetti, em voz baixa.

- Não, senhor. Só avisou que há antimatéria escondida dentro dos prédios do Vaticano. Pareceu surpreso por não sabermos. Perguntou se eu ainda não a tinha visto, O senhor perguntou sobre a antimatéria, por isso decidi comunicar-lhe.

- Fez muito bem - disse Olivetti. - Vou descer em um minuto. Avise imediatamente se ele ligar de novo.

Houve um momento de silêncio no walkie-talkie.

- A pessoa ainda está na linha, senhor.

Olivetti ficou com a aparência de alguém que acabou de ser eletrocutado.

- O quê? A linha está aberta?

- Sim, senhor. Faz dez minutos que estamos tentando rastreá-la sem conseguir. Ele deve saber que não podemos encontrá-lo porque se recusa a desligar enquanto não falar com o camerlengo.

- Transfira a ligação para cá - ordenou o camerlengo. - Agora!

Olivetti virou-se para ele.

- Padre, não. Um guarda suíço seria muito mais indicado como negociador para lidar com isso.

-Agora!

Olivetti deu a ordem.

Logo depois, o telefone na mesa do camerlengo Ventresca começou a tocar. O religioso apertou o botão do viva-voz.

- Quem, em nome de Deus, você pensa que é?

 

CAPÍTULO 41

A voz que emanava do aparelho na mesa do camerlengo era metálica e fria, com traços de arrogância. Todos na sala a escutavam.

Langdon tentou localizar o sotaque. Oriente Médio, talvez?

- Sou o mensageiro de uma antiga fraternidade - a voz anunciou, com uma cadência estrangeira. – Uma fraternidade que vocês ultrajaram durante séculos. Sou um mensageiro dos Illuminati.

Langdon sentiu seus músculos se retesarem, os últimos vestígios de dúvida se esvaírem. Por um segundo experimentou a mistura conhecida de emoção, privilégio e medo mortal que tomara conta dele naquela manhã ao ver o ambigrama pela primeira vez.

- O que você quer? - perguntou o camerlengo.

- Represento os homens de ciência. Homens que, como vocês, procuram respostas. Respostas sobre o destino do homem, seu propósito, seu criador.

- Quem quer que você seja - disse o camerlengo - eu...

- Silenzio. É melhor escutar. Durante dois milênios, sua igreja dominou a busca da verdade. Vocês esmagaram seus oponentes com mentiras e profecias de condenação. Manipularam a verdade para servir às suas necessidades, matando aqueles cujas descobertas não prestavam serviço às suas políticas. Estão espantados por serem alvo de homens esclarecidos de todo o mundo?

- Homens esclarecidos não recorrem a chantagem para promover suas causas.

- Chantagem? - o homem riu. - Isto não é chantagem. Não temos exigências a fazer. A extinção do Vaticano não é negociável. Esperamos 400 anos por este dia. À meia-noite sua cidade será destruída. Não há nada que possam fazer.

Olivetti vociferou para o aparelho:

- É impossível ter acesso a esta cidade! Vocês não podem de modo algum ter plantado explosivos aqui!

- Você fala com a devoção ignorante de um guarda suíço. Talvez seja até um oficial. Com certeza, deve saber que, durante séculos, os Illuminati se infiltraram em organizações de elite do mundo inteiro. Acha que só o Vaticano iria ficar imune a isto?

Jesus, pensou Langdon, eles têm gente aqui dentro. Não era nenhum mistério a tática da infiltração ser a marca registrada do poder dos Iliuminati. Haviam- se infiltrado entre os maçons, nas grandes redes de bancos, organismos dos governos. Churchill, certa vez, chegara a dizer a jornalistas que, se os espiões ingleses tivessem se infiltrado entre os nazistas da mesma forma que os Iliuminati tinham se infiltrado no Parlamento inglês, a guerra teria terminado em um mês.

- Um blefe mais do que evidente - disse Olivetti, áspero. - Não é possível que a sua influência se estenda tanto assim.

- Por quê? Porque seus guardas suíços estão vigilantes? Porque eles tomam conta de cada pedacinho de seu mundo particular? E que tal os próprios guardas suíços? Não são homens? Acredita mesmo que arriscariam suas vidas pela fábula de um homem que anda sobre a água? Pergunte a si mesmo de que outra maneira a antimatéria poderia ter entrado em sua cidade. Ou como quatro de seus mais preciosos ativos poderiam ter desaparecido esta tarde.

- Nossos ativos? - Olivetti franziu o cenho. - O que quer dizer com isso?

- Um, dois, três, quatro. Até agora não deram falta deles?

- De que diabos está falan... - Olivetti parou de falar, os olhos arregalados como se tivesse levado um soco no estômago.

- A luz se faz - disse o homem. - Quer que eu diga os nomes?

- O que está havendo? - perguntou o camerlengo atordoado.

O homem deu uma risada.

- Seu oficial ainda não lhe informou? Que pecado! Não me surpreende com tanta vaidade. Imagine a desmoralização, contar a verdade, que quatro cardeais que ele jurou proteger desapareceram...

Olivetti explodiu.

- Onde conseguiu essa informação?

- Camerlengo - tripudiou o homem -, pergunte ao seu comandante se todos os cardeais estão presentes na Capela Sistina.

O camerlengo voltou-se para Olivetti, os olhos verdes exigindo uma explicação.

- Signore - Olivetti sussurrou no ouvido do camerlengo -, é verdade que quatro de nossos cardeais ainda não se apresentaram na Capela Sistina, mas não há motivo para alarme. Todos eles tiveram a entrada registrada no edifício residencial esta manhã, portanto sabemos que estão em segurança dentro da Cidade do Vaticano. O senhor mesmo tomou chá com eles há poucas horas. Devem ter apenas se atrasado para a reunião que precede o conclave. Estamos procurando, mas tenho certeza de que somente perderam a hora e ainda estão por aí apreciando as belezas do lugar.

- Apreciando as belezas do lugar? - A calma abandonou a voz do camerlengo. - Eles deveriam estar na capela há mais de uma hora!

Langdon olhou assombrado para Vittoria. Cardeais desaparecidos? Então eram eles que estavam sendo procurados lá embaixo?

- Eis nossa lista - disse o homem -, que vocês vão achar bem convincente. Há o cardeal Lamassé, de Paris, o cardeal Guidera, de Barcelona, o cardeal Ebner, de Frankfurt...

Olivetti parecia encolher um pouco a cada nome citado.

O homem fez uma pausa, como se saboreasse com prazer especial o último nome.

- E, da Itália..., o cardeal Baggia.

O camerlengo bambeou, como um alto veleiro cujas velas acabassem de perder o vento em uma calmaria.

Sua batina ondulou e ele se deixou cair em sua cadeira.

- 1 preferiti - murmurou. - Os quatro favoritos.., inclusive Baggia, o mais provável sucessor do Sumo Pontífice... Como é possível?

Langdon já lera bastante sobre as modernas eleições papais e compreendia o desespero no rosto do camerlengo. Embora tecnicamente todo cardeal com menos de oitenta anos pudesse tornar-se Papa, apenas uns poucos possuíam a capacidade necessária de infundir respeito para obter uma maioria de dois terços no processo de votação intensamente partidário. Eram conhecidos como os preferiti. E todos haviam sumido.

O suor escorria na testa do camerlengo.

- O que pretende com esses homens?

- O que acha que pretendo? Sou descendente dos Hassassin.

Langdon sentiu um calafrio. Conhecia bem aquele nome. A Igreja fizera alguns inimigos mortais através dos anos - os Hassassin, os Cavaleiros Templários, exércitos que haviam sido perseguidos ou traídos pelo Vaticano.

- Liberte os cardeais - disse o camerlengo. - Já não basta a ameaça de destruir a cidade de Deus?

- Esqueça seus quatro cardeais. Eles já estão perdidos para você. Mas fique certo de que suas mortes serão lembradas por milhões de pessoas. É o sonho de todo mártir. Farei deles luminares da mídia. Um a um. Até a meia-noite, os Iliuminati vão atrair a atenção de todos. Para que mudar o mundo se o mundo não estiver assistindo? Os assassinatos públicos têm um certo horror inebriante, não é verdade? Vocês provaram isto há muito tempo com a Inquisição, a tortura dos Templários, as Cruzadas. - Ele fez uma pausa.

- E, é claro, la purga.

O camerlengo ficou calado.

- Não se lembra de la purga? - perguntou o homem. - Claro que não, você é uma criança. Os padres não são bons historiadores. Talvez porque sua história os envergonhe?

- La purga - Langdon ouviu-se dizer. - 1668. A Igreja marcou a fogo quatro cientistas illuminati com o símbolo da cruz. Para purgar seus pecados.

- Quem está falando? - perguntou a voz, num tom mais intrigado do que preocupado. - Quem está aí?

Langdon estremeceu.

- Meu nome não é importante - disse ele, tentando manter sua voz firme. Falar com um liluminati vivo desorientava-o. Tanto quanto se estivesse falando com George Washington. - Sou um acadêmico que estudou a história de sua fraternidade.

- Excelente - replicou a voz. - Estou satisfeito por saber que ainda há gente que conhece os crimes que foram cometidos contra nós.

- A maioria dos estudiosos pensa que vocês morreram todos.

- Um equívoco que a fraternidade trabalhou muito para promover. O que mais sabe sobre la purga?

Langdon hesitou. O que mais eu sei? Que esta situação é insana, é o que sei!

- Depois de serem marcados a fogo, os cientistas foram assassinados e seus corpos foram deixados em locais públicos em torno de Roma como advertência a outros cientistas para que não se juntassem aos Illuminati.

- Sim, é isso. Portanto, vamos fazer o mesmo. Quid pro quo. Considerem o gesto como represália por nossos irmãos assassinados. Seus quatro cardeais vão morrer, um a cada hora, começando às oito. À meia-noite teremos a atenção do mundo inteiro.

Langdon foi para perto do fone.

- Vocês pretendem mesmo marcar a fogo e matar esses quatro homens?

- A história se repete, não é? Claro que vamos ser mais elegantes e audaciosos do que a Igreja foi. Eles mataram em particular, abandonando os corpos quando ninguém estava olhando. Uma atitude tão covarde!

- O que está dizendo? Que vai marcar e matar esses homens em público?

- Muito bem! Embora isso dependa do que você considera público. Noto que não há mais tanta gente assim indo à igreja.

Langdon arriscou mais uma vez.

- Vai matá-los dentro de igrejas?

- Um gesto de bondade. Permitir que Deus convoque as suas almas ao Paraíso com maior presteza. Nada mais justo. Evidentemente, a imprensa também vai adorar, penso eu.

- Você está blefando - disse Olivetti, a frieza de volta na voz. - Não pode matar um homem dentro de uma igreja e achar que pode escapar impune.

- Blefando? Nós nos movimentamos entre os seus guardas suíços como se fôssemos fantasmas, tiramos quatro de seus cardeais de dentro de suas paredes, plantamos um explosivo mortal no meio de seu santuário mais sagrado e você acha que estou blefando? À medida que as mortes se sucederem e as vítimas forem encontradas, todos os meios de comunicação vão acorrer como um verdadeiro enxame para cá. À meia-noite o mundo vai tomar conhecimento da causa dos Illuminati.

- E se colocarmos guardas em cada igreja? - disse Olivetti.

O homem riu.

- Receio que a natureza prolífica de sua religião torne essa tarefa difícil. Tem feito contas ultimamente? Há mais de quatrocentas igrejas católicas em Roma. Catedrais, capelas, tabernáculos, abadias, monastérios, conventos, escolas paroquiais...

O rosto de Olivetti continuou impassível.

- Em noventa minutos, vou começar - disse o homem, conclusivo. - Um por hora. Em uma progressão matemática e mortal. Agora, preciso ir.

- Espere! - pediu Langdon. - Fale-me das marcas que pretende usar nesses homens.

O matador pareceu divertir-se.

- Desconfio que já saiba quais serão as marcas. Ou será que você é um cético? Vai vê-las logo, logo. Vão provar que as lendas antigas são verdade.

A cabeça de Langdon girou. Sabia exatamente o que o outro estava dizendo. Lembrou a marca no peito de Leonardo Vetra. O folclore dos Iliuminati mencionava cinco marcas ao todo. Restam quatro marcas e faltam quatro cardeais.

- Fiz o juramento - disse o camerlengo - de eleger um novo Papa esta noite. Jurei a Deus.

- Camerlengo - disse o homem -, o mundo não precisa de um novo Papa. Depois da meia-noite ele terá apenas um monte de entulho para governar. A Igreja Católica está acabada. Seu reino na Terra terminou.

Fez-se um silêncio pesado.

O camerlengo parecia sinceramente triste.

-Você está enganado. Uma igreja é muito mais do que pedra e cimento. Não pode simplesmente apagar dois mil anos de fé, de qualquer fé, seja ela qual for. Não pode destruir a fé apenas removendo suas manifestações terrenas. A Igreja Católica vai continuar com ou sem a Cidade do Vaticano.

- Uma nobre mentira. Mas ainda assim uma mentira. Ambos sabemos qual é a verdade. Diga, por que o Vaticano é uma cidade murada?

- Os homens de Deus vivem em um mundo perigoso - disse o camerlengo.

- Quantos anos você tem? O Vaticano é uma fortaleza porque a Igreja Católica mantém metade de seu patrimônio dentro desses muros - pinturas e esculturas raras, jóias de valor incalculável, livros preciosos... e ouro em barras e títulos imobiliários nos cofres do Banco do Vaticano. Estima-se que o valor bruto da Cidade do Vaticano seja de 48,5 bilhões de dólares. Um pé-de-meia bastante razoável. Amanhã, será um monte de pó. Ativos liquidados, para dizer a verdade. Vocês estarão falidos. Nem os homens do clero podem trabalhar de graça.

A exatidão das afirmativas refletia-se na expressão de Olivetti e do camerlengo, a de pessoas em estado de choque. Langdon não sabia o que era mais impressionante: a Igreja Católica ter todo aquele dinheiro ou os Illuminati terem conhecimento dele.

O camerlengo suspirou pesadamente.

- É a fé, não o dinheiro, que constitui a espinha dorsal da Igreja.

- Mais mentiras - disse o homem. - No ano passado, vocês gastaram 183 milhões de dólares tentando apoiar suas dioceses em dificuldades pelo mundo afora. O comparecimento às igrejas teve a maior queda de todos os tempos - menos 46 por cento na última década. As doações caíram à metade do que eram há apenas sete anos. Cada vez menos homens entram para os seminários. Embora vocês não admitam, sua igreja está morrendo. Considerem isto como uma chance de acabar bem.

Olivetti deu um passo à frente. Mostrava-se menos combativo agora, como se tomasse consciência da realidade a enfrentar. Era um homem procurando uma saída. Qualquer uma.

- E se um pouco daquele ouro passasse a financiar a sua causa?

- Não nos insulte a ambos.

- Temos dinheiro.

- Nós também. Mais do que pode calcular.

Em um lampejo, Langdon relembrou as supostas fortunas dos Illuminati, as antigas riquezas dos pedreiros bávaros, os Rothschilds, os Bilderbergers, o lendário diamante Iliuminati.

- 1 preferiti - disse o camerlengo, mudando de assunto. Sua voz suplicava.

- Poupe-os. São velhos. Eles...

- Serão sacrificios de virgens - o homem riu. - Diga, acredita mesmo que eles sejam virgens? Será que os carneirinhos vão balir ao morrer? Sacrifici vergini nell'altare di scienza.

O camerlengo ficou em silêncio um longo tempo.

- São homens de fé - disse afinal. - Não temem a morte.

O homem escarneceu.

- Leonardo Vetra era um homem de fé e contudo vi medo em seus olhos na noite passada. Um medo que eliminei.

Vittoria, até então calada, de repente deu um salto, o corpo retesado de ódio, e exclamou.

- Assassino! Ele era meu pai!

Uma gargalhada ecoou do outro lado do telefone.

- Seu pai? Que história é essa? Vetra tinha uma filha? Você tem de saber que seu pai choramingou como uma criança no final. De dar pena, realmente. Um homem patético.

Vittoria cambaleou como se tivesse sido agredida fisicamente pelas palavras dele. Langdon correu para ampará-la, mas ela recuperou o equilíbrio e fixou os olhos escuros no aparelho.

- Juro pela minha vida que antes que esta noite acabe vou encontrar você.

- A voz dela saiu cortante como um laser. - E quando isto acontecer...

O homem riu de modo grosseiro.

- Uma mulher de fibra. Estou excitado. Talvez, antes que esta noite acabe, eu encontre você. E quando isto acontecer...

As palavras pairaram como uma lâmina no ar. Ele se fora.

 

CAPÍTULO 42

O cardeal Mortati agora suava dentro de sua batina preta. Não só a Capela Sistina começava a se parecer com uma sauna, como o conclave estava programado para começar daí a 20 minutos e ainda não se tinha notícia dos quatro cardeais que faltavam.

Com a ausência deles, os iniciais cochichos de perplexidade dos outros cardeais haviam se transformado em ansiedade declarada.

Mortati não podia imaginar onde estariam os ausentes. Com o camerlengo, quem sabe? Sabia que o camerlengo realizara o tradicional chá particular para os quatro preferiti mais cedo naquela tarde, mas aquilo fora horas atrás. Será que estavam passando mal? Com algo que tivessem comido? Mortati duvidava. Mesmo à beira da morte, os preferiti estariam ali. Só uma vez na vida, geralmente nunca, um cardeal tinha a oportunidade de ser eleito Sumo Pontífice e, pela Lei Vaticana, esse cardeal tinha de estar dentro da Capela Sistina quando a votação se realizasse. Caso contrário, ele seria inelegível.

Apesar de haver quatro preferiti, poucos cardeais tinham qualquer dúvida sobre quem seria o próximo Papa. Nos últimos 15 dias, inúmeros faxes e telefonemas haviam sido trocados para discutir os candidatos em potencial. Como era o costume, quatro nomes haviam sido selecionados como preferiti, cada um deles preenchendo os requisitos tácitos para se tornar Papa: fluente em italiano, espanhol e inglês; sem qualquer mancha em seu passado; ter entre 65 e 80 anos de idade.

Como sempre, um dos preferiti destacara-se como o homem que o Colégio se propunha a eleger. Naquela noite, tratava-se do cardeal Aldo Baggia, de Milão. O histórico impecável de Baggia, combinado com excepcionais habilidades lingüísticas e a capacidade de transmitir a essência da espiritualidade, haviam feito dele o indiscutível favorito.

E onde será que ele se meteu?, cismava Mortati.

Mortati estava particularmente irritado com os cardeais faltosos porque a tarefa de supervisionar o conclave coubera a ele. Uma semana antes, o Colégio dos Cardeais escolhera unanimemente Mortati para o cargo conhecido como O Grande Eleitor, o mestre-de-cerimônias interno do conclave. Ainda que o camerlengo fosse o funcionário mais graduado da Igreja, era apenas um padre e pouco familiarizado com o complexo processo eleitoral, de modo que um cardeal era selecionado para dirigir a cerimônia de dentro da Capela Sistina.

Os cardeais costumavam brincar que ser indicado como Grande Eleitor era a honra mais cruel da cristandade. A indicação tornava a pessoa inelegível, além de exigir que passasse muitos dias antes do conclave debruçada sobre as páginas do Universi Dominici Gregis reestudando as sutilezas dos misteriosos rituais do conclave para garantir que a eleição fosse administrada convenientemente.

Mortati não se ressentia por isso, todavia. Sabia que era a escolha lógica. Não só por ser o cardeal mais velho, como por ter sido confidente do último Papa, um fato que aumentava o apreço por sua pessoa. Embora ainda estivesse tecnicamente dentro da faixa etária legal para a eleição, já estava um pouco velho para ser um candidato de peso. Com 79 anos, já ultrapassara o limiar não expresso em palavras além do qual o Colégio não mais confiava na saúde da pessoa para agüentar a rigorosa programação do papado. Um Papa geralmente trabalhava 14 horas por dia, sete dias por semana e morria de exaustão em uma média de 6,3 anos.

A piada que circulava internamente dizia que aceitar o papado era "o caminho mais curto para o Céu" para um cardeal.

Mortati, muitos acreditavam, poderia ter sido Papa quando mais moço se não fosse tão liberal. Quando se tratava de alcançar o papado, havia uma Santíssima Trindade a considerar: Conservadorismo, Conservadorismo e Conservadorismo.

Mortati sempre se divertira muito com a ironia de o último Papa - que Deus guardasse a sua alma - ter-se revelado surpreendentemente liberal assim que assumiu o cargo. Talvez por perceber que o mundo moderno progredia afastando-se da Igreja, o Papa promovera aberturas, suavizando a posição da Igreja com relação às ciências e até fazendo doações em dinheiro para causas científicas selecionadas.

Lamentavelmente, aquilo acabara se constituindo em suicídio político. Os católicos conservadores declararam que o Papa estava "senil" e os puristas científicos acusaram-no de tentar disseminar a influência da Igreja onde não era chamado.

- Então, onde estão eles?

Mortati virou-se.

Um dos cardeais batia nervosamente no ombro dele.

- Sabe onde eles estão, não sabe?

Mortati procurou não demonstrar muita preocupação.

- Talvez ainda com o camerlengo.

- A esta hora? Isto estaria altamente em desacordo com as regras! - O rosto do cardeal ensombreceu-se, desconfiado. - Talvez o camerlengo tenha perdido a noção da hora?

Mortati duvidava muito disso, mas nada disse. Estava bem consciente de que a maioria dos cardeais não simpatizava muito com o camerlengo, achando-o muito moço para servir ao Papa tão de perto. Mortati suspeitava de que grande parte dessa animosidade fosse de fato causada por ciúme, e ele próprio admirava muito o jovem padre, tendo aplaudido em segredo o gesto do último Papa quando este o escolhera para seu camarista. Mortati só via convicção nos olhos do camerlengo e, ao contrário de muitos cardeais, o camerlengo colocava a Igreja e a fé antes da política trivial. Ele era verdadeiramente um homem de Deus.

Durante todo o tempo em que desempenhou suas funções, a inabalável devoção do camerlengo tornara-se lendária. Muitos a atribuíam a um acontecimento milagroso na sua infância, que teria deixado uma impressão permanente no coração de qualquer pessoa. O milagre e a sensação do maravilhoso, pensou Mortati, que algumas vezes desejara que sua infância lhe tivesse proporcionado um acontecimento capaz de despertar uma fé sem dúvidas como aquela.

Infelizmente para a Igreja, Mortati sabia, o camerlengo nunca se tornaria Papa quando fosse mais maduro.

Chegar ao papado requeria uma certa quantidade de ambição política, algo que parecia faltar ao jovem padre. Ele recusara várias ofertas do Papa para ocupar posições mais elevadas, dizendo que preferia servir à Igreja como um simples homem.

- E então? - o cardeal bateu no ombro de Mortati, esperando.

Mortati ergueu os olhos para ele.

- Como assim?

- Eles estão atrasados! O que vamos fazer?

- O que podemos fazer? - retrucou Mortati. - Esperar. E ter fé.

Nem um pouco satisfeito com a resposta de Mortati, o cardeal desapareceu nas sombras outra vez.

Mortati ficou parado um momento, dando pancadinhas nas têmporas e tentando clarear sua mente.

De fato, o que vamos fazer? Olhou, além do altar, para o afresco restaurado de Michelangelo, O Último Julgamento. A pintura não acalmou sua ansiedade. Era uma apavorante representação de mais de 15 metros de altura de Jesus Cristo separando a humanidade entre virtuosos e pecadores, e lançando os pecadores no inferno. Havia carne viva exposta, corpos queimando e até um dos rivais de Michelangelo usando orelhas de burro sentado no inferno. Guy de Maupassant escrevera certa vez que aquela pintura parecia ter sido criada para uma barraca de lutas de parque de diversões por um carvoeiro ignorante.

O cardeal Mortati tinha de concordar.

 

CAPÍTULO 43

Langdon ficou parado, imóvel,diante da janela à prova de bala do escritório do Papa, olhando para baixo, para o alvoroço dos trailers da imprensa na Praça de São Pedro. A sinistra conversa telefônica o deixara confuso, aturdido. Não parecia ele mesmo.

Os Tiluminati, como uma serpente saída das profundezas esquecidas da História, haviam surgido e se enrolado em torno de um antigo adversário. Nenhuma exigência. Sem negociações. Só retaliação.

Demoniacamente simples. Exercendo pressão. Uma vingança preparada durante 400 anos. Ao que parecia, depois de séculos de perseguição, a ciência revidava.

O camerlengo estava de pé diante da escrivaninha, olhando para o telefone com um ar parado. Olivetti foi o primeiro a quebrar o silêncio.

- Carlo - disse, usando o primeiro nome do camerlengo e parecendo mais um amigo fatigado do que um oficial. - Há 26 anos, jurei dar a minha vida para proteger esta função. Acho que hoje perdi minha honra.

O camerlengo balançou a cabeça.

- Você e eu servimos a Deus de formas diferentes, mas este serviço sempre traz honra.

- Estes acontecimentos... não posso imaginar como... esta situação...

Olivetti estava arrasado.

- Temos somente uma atitude possível a tomar. Sou responsável pela segurança do Colégio dos Cardeais.

- Acho que esta responsabilidade era minha, signore.

- Então, seus homens vão cuidar da evacuação imediata.

- Signore?

- Mais tarde podemos nos ocupar das outras opções, como procurar o aparelho, promover a busca dos cardeais desaparecidos e de seus captores. Mas, primeiro, os cardeais devem ser levados para um local seguro. A santidade da vida humana está acima de tudo. Esses homens são a base desta Igreja.

- O senhor está sugerindo que cancelemos o conclave de imediato?

- Que outra escolha tenho?

- E quanto à sua tarefa de fazer eleger um novo Papa?

O camarista suspirou e voltou-se para a janela, o olhar se desviando para Roma, que se estendia lá embaixo.

- Sua Santidade me disse certa vez que o Papa é um homem dividido entre dois mundos, o mundo verdadeiro e o divino. E que a igreja que ignorasse a realidade não sobreviveria para desfrutar do divino. - Sua voz soava de repente mais madura do que a de alguém de sua idade. - O mundo real está diante de nós esta noite. Seria uma ilusão ignorá-lo. Orgulho e precedência não podem obscurecer a razão.

Olivetti concordou com um gesto de cabeça, impressionado.

- Eu o subestimei, senhor.

O camerlengo não pareceu ouvir. Seu olhar estava distante, voltado para a janela.

- Vou falar abertamente, signore. O mundo real é o meu mundo. Mergulho todos os dias em sua feiura para que outros fiquem livres dessa incumbência e possam buscar algo mais puro. Permita que o aconselhe na presente situação. É para isso que sou treinado. Seu instinto, cujo valor ainda assim reconheço, pode ter conseqüências desastrosas.

O camerlengo voltou-se para ele.

Olivetti suspirou.

- Tirar o Colégio dos Cardeais da Capela Sistina é a pior coisa que se poderia fazer neste momento.

O camerlengo não se mostrou indignado com a sugestão, apenas desnorteado.

- O que sugere, então?

- Não diga nada aos cardeais. Sele o conclave. Vai nos dar tempo para tentar outras alternativas.

O camerlengo ficou perturbado.

- Está sugerindo que eu tranque o Colégio dos Cardeais inteiro em cima de uma bomba-relógio?

- Sim, signore. Por ora. Mais tarde, se for necessário, podemos providenciar a evacuação.

O camerlengo sacudiu a cabeça.

- Adiar a cerimônia antes que comece já é razão suficiente para um inquérito, mas depois que as portas são lacradas, nada mais pode interferir com o processo. Os procedimentos do conclave exigem...

- O mundo real, signore. O senhor está nele esta noite. Preste atenção. - Olivetti falava agora com a animação de um oficial de campo. - Deslocar 165 cardeais despreparados e desprotegidos para Roma seria uma imprudência. Causaria pânico e confusão em alguns homens muito idosos e, francamente, um derrame fatal este mês já foi o bastante.

Um derrame fatal. As palavras do comandante fizeram Langdon lembrar as manchetes que lera durante o jantar com alunos no Harvard Commons: PAPA

SOFRE DERRAME E MORRE DORMINDO.

- Além do mais - continuou Olivetti -, a Capela Sistina é uma fortaleza. Apesar de não alardearmos o fato, a estrutura é altamente reforçada e pode resistir a qualquer agressão, exceto de mísseis. Um de nossos preparativos foi examinar cada centímetro da capela esta tarde. Fizemos uma varredura completa procurando grampos e outros equipamentos de escuta. A capela está limpa, é um abrigo seguro e tenho certeza de que a antimatéria não está lá dentro. Não existe lugar mais seguro onde esses homens possam ficar neste momento. E podemos sempre discutir uma evacuação de emergência mais tarde, se for o caso.

Langdon ficou impressionado. A lógica fria e inteligente de Olivetti lembrava-o de Kohler.

- Comandante - disse Vittoria, a voz tensa -, há outras questões a considerar. Nunca se criou uma quantidade tão grande de antimatéria. Só posso fazer uma estimativa de qual seria exatamente o raio de explosão. É possível que uma parte dos arredores de Roma também corra perigo. Se o material estiver dentro de um de seus edificios centrais ou no subsolo, o efeito fora destes muros pode ser mínimo, mas se estiver perto do perímetro, neste prédio, por exemplo... - e ela lançou um olhar cauteloso para fora da janela, para a multidão na Praça de São Pedro.

- Tenho plena consciência das minhas responsabilidades para com o mundo exterior - replicou Olivetti -, que não tornam menos grave esta situação. A proteção deste santuário foi minha única incumbência por mais de 20 anos. Não tenho qualquer intenção de permitir que essa arma detone.

- Acha que pode encontrá-la? - perguntou o camerlengo.

- Deixe que eu discuta nossas opções com alguns dos meus especialistas em vigilância. Existe a possibilidade, se cortarmos a energia elétrica da Cidade do Vaticano, de eliminarmos o fundo de radiofreqüência e criarmos um ambiente limpo o suficiente para conseguir uma leitura do campo magnético daquele tubo.

Vittoria ficou surpresa e depois impressionada.

- O senhor quer apagar a Cidade do Vaticano inteira?

- Talvez. Ainda não sei se é possível, mas é uma opção que quero explorar.

- Os cardeais decerto ficariam imaginando o que teria acontecido - observou Vittoria.

Olivetti fez que não com a cabeça.

- Os conclaves são realizados à luz de velas. Os cardeais jamais saberiam. Depois que o conclave fosse selado, poderia convocar todos os meus guardas, com exceção de alguns poucos do perímetro, e iniciar uma busca. Cem homens poderiam fazer uma boa varredura em cinco horas.

- Quatro horas - corrigiu Vittoria. - Tenho de levar o tubo de volta para o CERN. A detonação será inevitável se as baterias não forem carregadas.

- Existe alguma forma de recarregá-las aqui?

Vittoria sacudiu a cabeça.

- A interface é muito complexa. Teria trazido tudo se fosse possível.

- Quatro horas, então - assentiu Olivetti, de cara fechada. - Ainda temos bastante tempo. Não adianta entrar em pânico. Signore, tem dez minutos. Vá para a capela e sele o conclave. Dê a meus homens um pouco de tempo para que façam o trabalho deles. À medida que nos aproximarmos da hora crítica, tomaremos as decisões críticas.

Langdon conjeturou até que ponto de proximidade da "hora crítica" Olivetti deixaria as coisas chegarem.

O camerlengo estava inquieto.

- Mas o Colégio vai perguntar pelos preferiti... principalmente por Baggia, vai querer saber onde eles estão.

- Vai ter de pensar em alguma coisa, signore. Diga que serviu alguma coisa durante o chá aos quatro cardeais que não lhes caiu bem.

O camerlengo irritou-se.

- Subir ao altar da Capela Sistina e mentir para o Colégio dos Cardeais?

- Para a própria segurança deles. Una bugia veniale. Uma mentira inocente. Sua tarefa será a de manter a paz. - Olivetti encaminhou-se para a porta.

- Agora, se me permitem, preciso agir.

- Comandante - instou o camerlengo -, não podemos simplesmente dar as costas aos cardeais desaparecidos.

Olivetti parou à porta.

- Baggia e os outros estão fora de nossa esfera de influência neste momento. Temos de deixá-los de lado para o bem da maioria. Os militares chamam a isso de triagem.

- Não seria abandono?

Sua voz endureceu.

- Se houvesse alguma forma, signore, qualquer uma neste mundo, de localizar esses quatro cardeais, eu daria a minha vida para fazer isso. Entretanto... - e ele apontou para a janela do outro lado da sala, de onde se via o mar infinito de telhados romanos reluzindo ao sol do fim da tarde -, não está ao meu alcance fazer uma busca em uma cidade de cinco milhões de habitantes. Não vou gastar um precioso tempo acalmando minha consciência em um esforço inútil.

Sinto muito.

Vittoria fez um aparte inesperado.

- Mas, se nós pegássemos o assassino, o senhor não o faria falar?

Olivetti respondeu, sério.

- Soldados não podem se dar ao luxo de serem santos, senhorita Vetra. Acredite, simpatizo com sua motivação pessoal para pegar esse homem.

- Não é somente pessoal - explicou ela. - O assassino sabe onde está a anti-matéria.., e os quatro cardeais.

Se conseguíssemos encontrá-lo...

- E fazer o jogo deles? - disse Olivetti. - Afastar toda a proteção do Vaticano para correr centenas de igrejas é o que os liluminati esperam que façamos, desperdiçando tempo e potencial humano quando deveríamos estar procurando... ou, pior ainda, deixando o Banco do Vaticano totalmente desprotegido.

Sem falar nos outros cardeais.

Era um argumento irrefutável.

- E a polícia de Roma? - perguntou o camerlengo. - Poderíamos alertar toda a cidade pedindo reforços para a crise. Solicitar a ajuda deles para encontrar o raptor dos cardeais.

- Seria outro erro - disse Olivetti. - O senhor sabe o que os carabinieri romanos acham de nós. Teríamos uma colaboração sem muito empenho de uns poucos homens e, em contrapartida, eles divulgariam a nossa crise para a imprensa mundial. Exatamente o que querem nossos inimigos. Vamos ter de lidar com a imprensa muito breve, de qualquer modo.

Farei de seus cardeais luminares da mídia, foram as palavras do matador. O corpo do primeiro cardeal vai aparecer às oito. Depois aparecerá um a cada hora. A imprensa vai adorar.

O camerlengo falou novamente, um traço de indignação em sua voz.

- Comandante, não podemos em sã consciência deixar de fazer alguma coisa pelos cardeais desaparecidos!

Olivetti encarou o camerlengo com firmeza.

- A oração de São Francisco, signore. Lembra-se dela?

O jovem padre pronunciou uma única frase com um tom dolorido.

- "Deus, dê-me forças para aceitar as coisas que não posso mudar."

- Acredite em mim - concluiu Olivetti -, esta é uma dessas coisas.

E saiu.

 

CAPÍTULO 44

O escritório central da BBC - British Broadcast Corporation - fica em Londres, a oeste de Picadilly Circus. A linha telefônica externa tocou e uma jovem editora atendeu.

- BBC - disse ela, apagando seu cigarro Dunhill.

A voz ao telefone era áspera, com um sotaque do Oriente Médio.

- Tenho uma história sensacional em primeira mão que deve interessar à sua emissora.

A editora pegou uma caneta e papel.

- A respeito de quê?

- Da eleição do Papa.

Ela fez uma careta, enfastiada. A BBC divulgara na véspera uma história sobre o mesmo assunto e tivera uma audiência medíocre. O público, aparentemente, não estava muito interessado na Cidade do Vaticano.

- Sob que aspecto?

- Vocês têm um repórter de TV em Roma cobrindo a eleição?

- Acho que sim.

- Preciso falar diretamente com essa pessoa.

- Sinto muito, mas não posso lhe dar o número dele sem ter uma idéia...

- O conclave está ameaçado. É tudo o que posso adiantar.

A editora tomou notas.

- Seu nome, por favor?

- Meu nome não tem importância.

- E o senhor tem como provar o que alega?

- Tenho.

- Gostaria muito de receber a informação, mas não é nossa política dar os números de telefones de nossos repórteres, a não ser que...

- Compreendo. Vou entrar em contato com outra emissora. Obrigado por sua atenção. Até lo...

- Um momento - disse ela. - Pode aguardar um pouco?

A moça pôs a ligação na espera e alongou o pescoço. A arte de identificar as potenciais chamadas de pessoas excêntricas ou malucas não era de modo algum uma ciência perfeita, mas aquele homem acabara de passar pelos dois testes de autenticidade de uma fonte telefônica. Recusara-se a dar seu nome e mostrara-se impaciente para desligar. Charlatães e maníacos por um pouco de fama em geral ficavam se lamentando e fazendo pedidos insistentes.

Para sorte dela, os repórteres viviam com medo de perder uma boa história e por isso raramente se queixavam por ela lhes passar os ocasionais psicóticos que os decepcionavam. Desperdiçar cinco minutos do tempo de um repórter era perdoável. Perder uma boa manchete, não.

Bocejando, ela olhou para o seu computador e digitou as palavras "Cidade do Vaticano' Quando viu o nome do repórter que estava cobrindo a eleição papal, deu uma risadinha. Era um funcionário novo que a BBC acabara de trazer de um tablóide londrino de má qualidade para fazer a cobertura mais rotineira. Os chefes obviamente o tinham feito começar pelo degrau mais baixo.

Ele estaria provavelmente morto de tédio, esperando a noite inteira para gravar sua matéria de dez segundos ao vivo. Ficaria talvez até agradecido por uma interrupção da monotonia.

A editora da BBC anotou o número do celular via satélite do repórter na Cidade do Vaticano. Depois, acendendo outro cigarro, deu o número ao interlocutor anônimo.

 

CAPÍTULO 45

- Não vai funcionar - disse Vittoria, andando de um lado para outro no escritório do Papa.

Ela se dirigiu ao camerlengo.

- Mesmo que uma equipe da Guarda Suíça consiga filtrar a interferência eletrônica, terão de estar praticamente em cima do tubo de antimatéria para detectar um sinal qualquer. E isto se o tubo estiver em local acessível e não existirem outras barreiras a isolá-lo. E se estiver enterrado dentro de uma caixa de

metal em algum ponto do terreno? Ou dentro de um duto de ventilação feito de metal? Não haverá meio de rastreá-lo. E se houver mesmo espiões naGuarda Suíça? Quem garante que a busca será confiável?

O camerlengo tinha uma expressão esgotada no rosto.

- O que propõe, senhorita Vetra?

Vittoria agitou-se. Não é evidente?

- Proponho, senhor, que tome outras precauções imediatamente. Podemos torcer, contra todas as probabilidades, que a busca do comandante seja bem- sucedida. Ao mesmo tempo, olhe lá para fora, pela janela. Está vendo toda aquela gente? Aqueles prédios do outro lado da piazza? Os carros da imprensa?

Os turistas? Estão todos provavelmente dentro do raio da explosão. O senhor tem de agir agora.

O camerlengo concordou, apático.

Vitória ficou frustrada. Olivetti convencera a todos de que havia tempo de sobra. Mas Vittoria sabia que, se a notícia do problema no Vaticano vazasse, toda a área estaria cheia de espectadores em questão de minutos. Ela presenciara uma cena assim certa vez do lado de fora do prédio do parlamento suíço. Durante um incidente envolvendo reféns e uma bomba, milhares de pessoas haviam se reunido diante do prédio para assistir ao desenlace da situação. Apesar dos avisos da polícia de que era perigoso permanecer ali, a multidão aglomerava-se cada vez mais perto do edificio. Nada desperta mais o interesse humano do que a tragédia.

- Signore, o homem que matou meu pai está à solta por aí. Cada célula do meu corpo deseja sair daqui correndo para caçá-lo. Mas estou aqui no seu escritório porque me sinto responsável pelo senhor. Pelo senhor e pelos outros. Há vidas em perigo, signore. Está me ouvindo?

O camerlengo não respondeu.

Vittoria escutava seu próprio coração em disparada. Por que a Guarda Suíça não conseguira rastrear a maldita ligação? O assassino Iliuminati é a chave de tudo! Ele sabe onde está a antimatéria e, diabos, também sabe onde estão os cardeais! É só pegar o assassino e tudo se resolve.

Vittoria percebeu que estava começando a se sentir desestabilizada, um tipo estranho de angústia dos tempos da infância de que se lembrava apenas vagamente, dos anos de orfanato, da falta de instrumentos para lidar com a frustração. Agora você tem os instrumentos, disse a si mesma, sempre tem. Não adiantava, porém. Seus pensamentos interferiam, estrangulando-a. Ela era uma pesquisadora, uma pessoa cuja função era resolver problemas. Mas aquele problema não tinha solução. Quais os dados de que precisa? Disse a si mesma para respirar fundo e, pela primeira vez na vida, não conseguiu. Estava sufocada.

A cabeça de Langdon doía, ele tinha a sensação de estar somente no limiar da racionalidade. Observava Vittoria e o camerlengo, mas sua visão estava nublada por imagens horrendas: explosões, o alvoroço da imprensa, o espoucar dos flashes das máquinas fotográficas, quatro corpos marcados a fogo.

Shaitan... Lúcifer... Aquele que traz a luz... Satan...

Afastou as imagens demoníacas de sua mente. Terrorismo calculado, lembrou a si mesmo, agarrando-se à realidade. Caos planejado. Recordou-se de um seminário em Radcliffe de que participara como ouvinte quando estava pesquisando o simbolismo pretoriano. Desde então, modificara sua maneira de ver os terroristas.

- O terrorismo - começara o professor - tem um objetivo em especial. Qual é?

- Matar pessoas inocentes? - arriscou um aluno.

- Incorreto. A morte é apenas um subproduto do terrorismo.

- Uma exibição de força?

- Não. Não existe forma mais fraca de persuasão.

- Causar terror?

- Sendo muito conciso, sim. Simplesmente, o objetivo do terrorismo é criar terror e medo. O medo abala a confiança nas instituições. Enfraquece o inimigo de dentro para fora, causa inquietação nas massas.

Escrevam isto: o terrorismo não é uma expressão de raiva. O terrorismo é uma arma política. Quando se acaba com a fachada de infalibilidade de um governo, acaba-se com a fé do povo.

Perda de fé...

Seria esta a questão? Langdon imaginava como os cristãos de todo o mundo reagiriam quando soubessem que quatro cardeais haviam sido sacrificados como se fossem cães mutilados. Se a fé de um religioso consagrado não era capaz de protegê-lo das maldades de Satã, que esperança restava para nós? A cabeça de Langdon latejava mais agora, ouvindo vozes ao longe sobrepondo-se umas às outras...

A fé não protege ninguém. Remédios e air-bags é que protegem as pessoas. Deus não protege ninguém. A inteligência, sim. Esclarecimento. Tenha fé somente em algo com resultados tangíveis. Há quanto tempo não se ouve falar que alguém andou sobre a água? Os milagres modernos são realizados pela ciência... computadores, vacinas, estações espaciais... até o milagre divino da criação. A matéria vinda do nada... em um laboratório. Quem precisa de Deus? Não! A ciência é Deus.

A voz do assassino ressoava na mente de Langdon. Meia-noite... progressão matemática da morte... sacrifici vergini nell'altare di scienza.

Então, de súbito, como uma multidão que se dispersa ao ouvir um tiro, as vozes se foram.

Robert Langdon levantou-se num pulo. Sua cadeira caiu para trás, batendo com força no chão de mármore.

Vittoria e o camerlengo tiveram um sobressalto.

- Deixei escapar... - Langdon murmurava, como se estivesse enfeitiçado.

- Estava bem na minha frente.

- Deixou escapar o quê? - perguntou Vittoria.

Langdon dirigiu-se para o padre.

- Padre, durante três anos requeri acesso aos Arquivos do Vaticano. O acesso me foi negado sete vezes.

- Senhor Langdon, sinto muito, mas este não é o momento apropriado para fazer queixas como essa.

- Preciso ter acesso imediatamente. Os quatro cardeais desaparecidos. Talvez eu consiga descobrir onde eles vão ser mortos.

Vittoria olhava fixo para ele, certa de não ter compreendido bem.

O camerlengo tinha a expressão perturbada de alguém que está sendo vítima de uma brincadeira cruel.

- Espera que eu acredite que essa informação está em nossos arquivos?

- Não posso prometer localizá-la a tempo, mas, se me deixar entrar...

- Senhor Langdon, tenho de estar na Capela Sistina dentro de quatro minutos. Os arquivos estão do outro lado da cidade.

- Você está falando sério, não está? - interrompeu Vittoria, encarando Langdon, parecendo entender a intensidade de seu empenho.

- Não é hora para brincadeiras - respondeu Langdon.

- Padre - disse Vittoria, dirigindo-se ao camerlengo -, se houver uma chance, por menor que seja, de sabermos onde essas mortes vão ocorrer, poderíamos cercar os locais e...

- Mas, e os arquivos? - insistiu o camerlengo. - Como é possível que contenham alguma pista?

- Se eu fosse explicar - disse Langdon -, gastaria um tempo que o senhor não tem. Mas, se eu estiver certo, podemos usar as informações para pegar o Hassassin.

O camerlengo esforçava-se para acreditar, mas não conseguia.

- Os códices mais sagrados da cristandade encontram-se naquele arquivo. Tesouros que eu próprio não tive o privilégio de ver.

- Estou ciente disso.

- O acesso só é autorizado por decreto do curador e do Conselho dos Bibliotecários Vaticanos.

- Ou - completou Langdon - por mandado papal. Está escrito em todas as cartas de recusa que seu curador me mandou.

O camerlengo concordou.

- Não quero ser indelicado - insistiu Langdon -, mas, se não me engano, o mandado papal sai deste escritório. Que eu saiba, hoje é o senhor quem está incumbido dessa função. Considerando-se as circunstâncias...

O camerlengo tirou um relógio de bolso de sua batina e consultou-o.

- Senhor Langdon, estou preparado para dar minha vida, literalmente, para salvar a Igreja esta noite.

Langdon viu apenas a verdade refletida no olhar do padre.

- Esse documento - disse o camerlengo -, o senhor acredita realmente que está aqui? E que pode nos ajudar a localizar as quatro igrejas?

- Eu não teria feito inúmeras solicitações de acesso se não estivesse convencido disso. A Itália é um tanto longe demais para se vir ao acaso quando se vive de um salário de professor. O documento é um antigo...

- Por favor - o camerlengo interrompeu-o. - Perdoe-me. Minha cabeça não consegue processar nenhum detalhe a mais neste momento. O senhor sabe onde os arquivos secretos estão?

Langdon sentiu uma onda de excitação.

- Atrás do Portão de Sant'Ana.

- Estou impressionado. A maioria dos estudiosos pensa que se chega lá por uma porta secreta atrás do Trono de São Pedro.

- Não. Ali fica o Archivio delia Reverenda di Fabbrica di S. Pietro. Um engano comum.

- Um bibliotecário docente acompanha todos os que entram em todas as ocasiões. Esta noite, não há nenhum docente, todos saíram do Vaticano. O que me pede é um acesso com carta branca. Nem os nossos cardeais entram lá sozinhos.

- Vou tratar os seus tesouros com o maior respeito e cuidado. Seus bibliotecários não vão encontrar qualquer vestígio da minha presença.

Os sinos de São Pedro começaram a tocar. O camerlengo verificou a hora em seu relógio.

- Preciso ir - fez uma pausa tensa e olhou para Langdon. - Vou mandar um guarda suíço encontrá-lo no local dos arquivos. Senhor Langdon, estou depositando minha confiança no senhor. Agora, vá.

Langdon não encontrou palavras.

O jovem padre parecia agora ter um porte e uma presença quase sobrenaturais. Estendeu a mão e apertou o ombro de Langdon com uma força surpreendente.

- Quero que encontre o que vai procurar. E depressa.

 

CAPÍTULO 46

Os Arquivos Secretos do Vaticano estão situados na extremidade do

Pátio Bórgia, em uma elevação a que se chega pelo Portão de Sant'Ana.

Contêm mais de 20.000 volumes e, dizem, guarda tesouros como os diários

perdidos de Leonardo da Vinci e até livros não publicados da Bíblia Sagrada.

Langdon atravessou com passadas vigorosas a deserta Via della Fondamenta rumo aos arquivos, mal acreditando que lhe fora concedido o acesso tão ambicionado. Vittoria seguia a seu lado, acompanhando-o sem o menor esforço. O cabelo dela ondulava levemente à brisa e Langdon aspirava seu perfume de amêndoa. Sentiu seus pensamentos se dispersarem e fez um esforço para se concentrar.

Vittoria disse:

- Vai me contar o que vamos procurar?

- Um livrinho escrito por um sujeito chamado Galileu.

- Você não perde tempo - comentou ela, surpresa. - O que há nele?

- Supõe-se que contenha algo chamado ii segno.

- A indicação, a senha?

- Pista, sinal.., depende da sua tradução.

- Indicação para quê?

Langdon apertou o passo.

- Para um local secreto. Os liluminati do tempo de Galileu precisavam se proteger do Vaticano e por isso criaram um local de reuniões ultra-secreto aqui em Roma, a que chamaram de Igreja da Iluminação.

- Muita audácia chamar de igreja um antro satânico.

Langdon abanou a cabeça.

- Os Illuminati de Galileu não eram nem um pouco satânicos. Eram cientistas que reverenciavam o conhecimento, as luzes. Seu ponto de encontro era apenas o lugar onde podiam se encontrar em segurança e discutir tópicos proibidos pelo Vaticano. Embora se saiba que esse lugar existiu, até agora ninguém jamais o localizou.

- Quer dizer que os Iliuminati sabiam manter segredo.

- Sem dúvida. Na realidade, eles nunca revelaram a localização de seu esconderijo para ninguém mais fora

da fraternidade. Esse segredo protegia-os, mas, ao mesmo tempo, criava um problema quando se tratava de recrutar novos membros.

- Não poderiam crescer se não fizessem propaganda - disse Vittoria, as pernas e o raciocínio acompanhando-o perfeitamente.

- Exato. Rumores sobre a fraternidade de Galileu começaram a correr por volta de 1630, e cientistas de todo o mundo fizeram peregrinações secretas a Roma na esperança de se juntar aos Illuminati, ávidos por uma oportunidade de olhar através do telescópio de Galileu e ouvir as idéias do mestre. Infelizmente, porém, por causa do sigilo mantido pelos Illuminati, os cientistas que chegavam em Roma nunca sabiam aonde ir para assistir às reuniões ou a quem se dirigir com segurança. Os Iliuminati queriam sangue novo, mas não podiam se arriscar divulgando seu paradeiro.

- Era então uma situazione senza soluzione - comentou Vittoria.

- Pois é. Um beco sem saída, como se diz.

- E o que eles fizeram?

- Eram cientistas, portanto examinaram o problema e encontraram uma solução. Uma solução brilhante, para ser franco. Os llluminati criaram uma espécie de mapa engenhoso que orientava os cientistas para seu refúgio.

Vittoria diminuiu o passo, cética.

- Um mapa? Meio imprudente. Se uma cópia caísse nas mãos erradas...

- Não havia possibilidade - disse Langdon. - Não existiam cópias em lugar algum. Não era o tipo de mapa que cabe em uma folha de papel. Era enorme. Uma trilha marcada de várias maneiras através da cidade.

Vittoria diminuiu ainda mais o passo.

- Setas pintadas nas calçadas?

- De certo modo, sim, mas com mais sutileza. O mapa consistia em uma série de marcos simbólicos disfarçados cuidadosamente em locais públicos pela cidade afora. Um marco levava ao outro, e assim por diante, formando uma trilha que acabava levando ao refúgio dos Iliuminati.

Vittoria olhou-o de soslaio.

- Parece mais uma caça ao tesouro.

Langdon sorriu timidamente.

- E realmente não deixa de ser. Os Illuminati chamavam a sua seqüência de marcos de "Caminho da Iluminação" E quem quer que desejasse fazer parte da fraternidade tinha de segui-la toda até o fim. Uma espécie de teste.

- Mas, se o Vaticano quisesse encontrar os liluminati - argumentou Vittoria -, bastaria que também seguisse os marcos.

- Não. O caminho estava oculto. Era um quebra-cabeça, construído de tal forma que apenas determinadas pessoas teriam a capacidade de encontrar os marcos e adivinhar onde estava escondida a igreja dos Illuminati. Os Illuminati pretendiam que fosse uma espécie de iniciação, funcionando não apenas como medida de segurança, mas também como um processo de seleção em que somente os cientistas mais brilhantes chegassem à sua porta.

- Não pode ser. No século XVII, os homens do clero estavam entre os mais instruídos do mundo. Se esses marcos ficavam em lugares públicos, com certeza existiriam homens do Vaticano capazes de encontrá-los.

- Sem dúvida - disse Langdon -, se eles soubessem dos marcos. Mas não sabiam. E nunca perceberam a existência dos marcos porque os Illuminati os prepararam de uma forma que os clérigos jamais suspeitariam

que fossem o que eram. Utilizaram um método que em simbologia é chamado de dissimulação.

- Camuflagem.

Langdon surpreendeu-se.

- Você conhece o termo.

- Dissimulacione - disse ela. - A melhor forma de defesa da natureza. Experimente achar um peixe-trombeta flutuando verticalmente no meio da vegetação marinha.

- Pois é. Os Iliuminati empregaram o mesmo conceito. Criaram marcos que desapareciam contra o pano de fundo da antiga Roma. Não podiam usar ambigramas nem simbologia científica porque seria um recurso visível demais, de modo que convocaram um artista Illuminatus, o mesmo prodígio anônimo que criara seu símbolo ambigramático "Illuminati' e encomendaram-lhe quatro esculturas.

- Esculturas Illuminati?

- Sim, esculturas que deveriam seguir duas rigorosas diretrizes. Primeiro, serem parecidas com o resto das obras de arte de Roma, serem obras de arte que o Vaticano nunca desconfiasse que pertenciam aos Illuminati.

- Arte religiosa.

Langdon concordou, animado, falando agora mais depressa.

- E a segunda diretriz eram os temas das quatro esculturas, que tinham de ser muito específicos. Cada uma delas teria de ser um tributo sutil a um dos elementos da ciência.

- Quatro elementos? - disse Vittoria. - Há mais de cem.

- Não no século XVII - lembrou Langdon. - Todos os alquimistas acreditavam que o universo se constituía de apenas quatro substâncias: Terra, Ar, Fogo e Água.

A cruz primitiva, Langdon sabia, era o símbolo mais comum dos quatro elementos - quatro braços representando Terra, Ar, Fogo e Água. Além disso, entretanto, existiam literalmente dezenas de ocorrências simbólicas de Terra, Ar, Fogo e Água através da História - os ciclos da vida pitagóricos, o Hong-Fan chinês, os rudimentos junguianos do feminino e do masculino, os quadrantes do zodíaco. Até os muçulmanos reverenciavam os quatro elementos, embora no Islã fossem conhecidos como "quadrados, nuvens, raios e ondas' Para Langdon, porém, era um uso mais moderno que sempre lhe dava arrepios – os quatro graus místicos de Iniciação Absoluta dos maçons: Terra, Ar, Fogo e Água.

Vittoria estava um pouco zonza.

- Quer dizer que esse artista Illuminati criou quatro obras de arte que pareciam religiosas, mas eram na realidade tributos à Terra, ao Ar, ao Fogo e à Água?

- Exatamente - disse Langdon, dobrando na Via Sentinel em direção aos Arquivos. - As peças misturaram-se ao mar de arte religiosa espalhado por Roma. Doando essas obras anonimamente para igrejas específicas e usando sua influência política, a fraternidade instalou as quatro peças em igrejas criteriosamente escolhidas em Roma. Cada uma delas, é claro, era um marco apontando sutilmente para a igreja seguinte onde estava o próximo marco. Funcionava como uma trilha de pistas disfarçada de arte religiosa. Se um candidato a Iliuminati encontrasse a primeira igreja e o marco que correspondia à Terra, podia seguir para o do Ar, depois para o do Fogo, o da Água e, por fim, para a Igreja da Iluminação.

Vittoria achava a explicação cada vez menos clara.

- E tudo isso tem alguma coisa a ver com pegarmos o assassino liluminati?

Langdon riu e deu a última cartada.

- Ah, claro. Os Illuminati tinham uma denominação muito especial para essas quatro igrejas. Os Altares da Ciência.

Vittoria franziu a testa.

- Desculpe, mas isso não signif... - ela parou de falar. - L'altare di scienza! - exclamou. - O assassino liluminati. Ele disse que os cardeais seriam sacrificios de virgens nos altares da ciência!

Langdon sorriu para ela.

- Quatro cardeais, quatro igrejas. Os quatro altares da ciência.

Ela estava assombrada.

- Quer dizer que as quatro igrejas onde os cardeais vão ser sacrificados são as mesmas que marcam o antigo Caminho da Iluminação?

- Acredito que sim.

- Mas por que o assassino nos daria essa pista?

- Por que não? Poucos historiadores sabem sobre essas esculturas. Ainda por cima, pouquíssimos acreditam que existam. E sua localização permaneceu secreta por 400 anos. Decerto os Illuminati confiavam que o segredo fosse mantido por mais cinco horas. Além disso, eles não precisam mais do Caminho da

Iluminação. Seu refúgio secreto provavelmente já desapareceu faz tempo. Vivem no mundo moderno.

Encontram-se em salas de reuniões da presidência de bancos, em restaurantes de clubes e campos de golfe particulares. Esta noite, querem tornar públicos seus segredos. É o seu grande momento. A grande revelação.

Langdon temia que a grande revelação dos Illuminati viesse acompanhada de mais uma característica paralela que ele ainda não mencionara. As quatro marcas a fogo. O assassino declarara que cada cardeal seria marcado com um símbolo diferente. Para provar que as lendas antigas são verdade, dissera ele. A lenda das quatro marcas ambigramáticas era tão antiga quanto os próprios liluminati: terra,

ar, fogo, água - quatro palavras trabalhadas em perfeita simetria. Como a palavra Illuminati. Cada cardeal deveria ser marcado com um dos antigos elementos da ciência. O boato de que as quatro marcas eram em inglês e não em italiano ainda servia de tema de discussão entre os historiadores. O inglês parecia ser um desvio fortuito da sua língua natural... e os Illuminati não faziam nada ao acaso.

Langdon enveredou pelo caminho revestido de tijolos diante do prédio dos arquivos. Imagens horripilantes agitavam sua mente. O plano geral dos liluminati começava a revelar sua paciente grandiosidade. A fraternidade jurara manter-se na surdina por quanto tempo fosse necessário, acumulando influência e poder suficientes para que pudesse reemergir sem medo, declarar sua posição e lutar por sua causa em plena luz do dia. Sem se esconder mais. Alardeando seu poder, confirmando os mitos conspiratórios. Aquela noite seria uma façanha publicitária mundial.

Vittoria anunciou:

- Lá vem nosso acompanhante.

Langdon levantou a cabeça e viu um guarda suíço atravessando às pressas um gramado adjacente em direção à porta da frente.

Quando o guarda avistou os dois, parou. Olhou para eles como se estivesse tendo uma alucinação. Sem dizer palavra, virou-se de costas e pegou seu walkie-talkie. Aparentemente sem acreditar no que lhe haviam mandado fazer, o guarda falou em tom urgente com a pessoa do outro lado. Langdon não conseguiu decifrar a vociferação que o rapaz ouviu de volta, mas a mensagem era bem clara. O guarda se encolheu, guardou o walkie-talkie e virou-se para eles com uma cara aborrecida.

Mudo, conduziu-os para o interior do prédio. Passaram por quatro portas de aço, duas entradas fechadas com chave privativa, desceram uma comprida escadaria que dava em um saguão com duas fechaduras digitais. Atravessaram uma série de portões eletrônicos e chegaram à extremidade de um longo corredor, diante de largas portas duplas de carvalho. O guarda parou, examinou-os de alto a baixo outra vez e, resmungando, encaminhou-se para uma caixa metálica presa na parede. Destrancou-a e digitou um código.

As portas emitiram um zumbido e a cavilha se abriu.

O guarda voltou-se, falando com eles pela primeira vez.

- Os arquivos estão atrás daquelas portas. Recebi instruções para acompanhá-los até este ponto e voltar para cumprir outras ordens.

- Vai embora? - perguntou Vittoria.

- A Guarda Suíça não tem acesso aos Arquivos Secretos. Os senhores estão aqui somente porque meu comandante recebeu uma ordem direta do camerlengo.

- Mas como vamos sair?

- Segurança monodirecional. Não terão dificuldade alguma.

Sendo aquilo tudo o que tinha para dizer, o guarda girou nos calcanhares e marchou para a saída.

Vittoria fez um comentário qualquer, mas Langdon não a escutou. Sua mente estava concentrada nas portas duplas à sua frente, conjeturando que mistérios guardariam.

 

CAPÍTULO 47

Apesar de saber que estava em cima da hora, o camerlengo Cano Ventresca ia andando devagar. Precisava de um tempo a sós para ordenar seus pensamentos antes de fazer a prece de abertura. Tanta coisa estava acontecendo. Seguindo pela Ala Norte, imerso em sombria solidão, o desafio dos últimos 15 dias pesava em cada um de seus ossos.

Cumprira seus santos deveres ao pé da letra.

Como determinava a tradição do Vaticano, logo depois da morte do Papa o camerlengo constatara pessoalmente o óbito pousando os dedos na artéria carótida do pontífice, escutara se ainda respirava e em seguida chamara-o pelo nome três vezes. Por lei, não havia autópsia.

Então, ele selara o quarto de dormir do Papa, destruíra o Anel do Pescador e o sinete usado para fazer os selos de chumbo e tomara as providências necessárias para as exéquias. Tendo terminado, iniciara os prepararativos para o conclave.

Conclave, pensou. A barreira final a ultrapassar. Era uma das mais antigas tradições da cristandade. Hoje em dia, pelo fato de em geral o resultado do conclave já ser conhecido antes do seu começo, o processo era criticado, considerado obsoleto - visto mais como uma paródia do que uma eleição. O camerlengo sabia, porém, que isso se devia a uma falta de compreensão. O conclave não era uma eleição. Era uma antiga e mística transferência de poder. A tradição não tinha idade... o segredo, as tiras de papel dobradas, a queima das cédulas, a mistura de antigos produtos químicos, os sinais de fumaça.

À medida que o camerlengo se aproximava através das Loggias de Gregório XIII, pensava se o cardeal Mortati já estaria em pânico àquela altura. Mortati com certeza já percebera a ausência dos preferiti. Sem eles, a votação entraria pela noite adentro. A indicação de Mortati para Grande Eleitor, o camerlengo se tranqüilizava, fora uma boa escolha. O homem era um livre-pensador e podia falar com franqueza. O conclave daquela noite precisaria mais do que nunca de um líder.

 

Quando chegou ao topo da Escadaria Real, teve a sensação de que se encontrava no precipício de sua vida. Dali já se ouvia o rumor de atividade na Capela Sistina, lá embaixo - o burburinho inquieto de 165 cardeais.

Cento e sessenta e um cardeais, corrigiu-se.

Por um instante, o camerlengo estava caindo, mergulhando no inferno, com pessoas gritando, labaredas envolvendo-o, pedras e sangue caindo do céu como chuva.

E, depois, o silêncio.

Quando a criança acordou, estava no céu. Tudo em torno dela era branco. A luz era ofuscante e pura.

Havia gente que dizia que um menino de dez anos não seria capaz de compreender o céu, mas o jovem Carlo Ventresca sabia muito bem o que era o céu. Estava no céu naquele momento. Onde mais poderia estar? Na sua breve década de existência na Terra, Carlo sentira a majestade de Deus - o som atroador do órgão, os domos grandiosos, as vozes elevando-se em cânticos, os vitrais, o reluzir do bronze e do ouro.

Maria, a mãe de Cano, levava-o à missa todos os dias.

- Por que vamos à missa todos os dias? - perguntava ele, não que se importasse.

- Porque prometi a Deus - ela respondia. - E uma promessa que se faz a Deus é a mais importante de todas.

Jamais quebre uma promessa a Deus.

Cano prometeu a ela que nunca o faria. Amava sua mãe mais do que tudo no mundo. Ela era seu santo anjo. Às vezes, chamava-a de Maria Benedetta - Maria Bendita -, embora ela não gostasse nem um pouco disso. Ajoelhava junto dela para rezar, sentindo o doce perfume de seu corpo e escutando o murmúrio da sua voz passando as contas do rosário. Santa Maria, Mãe de Deus... rogai por nós, pecadores... agora e na hora de nossa morte.

- Onde está meu pai? - Carlo perguntava, já sabendo que seu pai morrera antes de seu nascimento.

- Deus é seu pai agora - era a resposta de sempre. - Você é um filho da Igreja.

Cano adorava aquilo.

- Sempre que sentir medo - ela explicava -, lembre-se que agora Deus é seu pai. Ele vai tomar conta de você e protegê-lo para sempre. Deus tem grandes planos para você, Cano.

O menino sabia que ela tinha razão. Já era capaz de sentir Deus em seu sangue.

Sangue...

Sangue caindo do céu como chuva!

Silêncio. E o céu depois.

O céu de Cano - o menino aprendeu quando as luzes ofuscantes foram desligadas - era na realidade a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Santa Clara, nos arredores de Palermo. Cano fora o único sobrevivente de um atentado terrorista a bomba que demolira a capela onde ele e a mãe estavam assistindo à missa durante o período de férias. Os jornais chamaram a sobrevivência de Cano de Milagre de São Francisco. Por alguma razão desconhecida, Carlo afastara-se da mãe minutos antes da explosão e entrara em uma alcova protegida para apreciar uma tapeçaria que representava a história de São Francisco.

Deus me chamou ali, concluiu ele. Queria me salvar.

Carlo delirava de dor. Ainda via sua mãe, ajoelhada no banco da igreja, soprando-lhe um beijo e, em seguida, com um estrondo, seu corpo docemente perfumado despedaçar-se. Ainda sentia na boca o gosto da maldade humana. Choveu sangue. O sangue de sua mãe! Maria Bendita!

Deus vai tomar conta de você e protegê-lo para sempre, dissera sua mãe.

Mas onde estava Deus agora?

Então, como uma manifestação mundana da verdade de sua mãe, um sacerdote foi ao hospital. Não era um sacerdote qualquer. Era um bispo. Rezou junto à cama de Carlo. O Milagre de São Francisco. Quando Cano se recuperou, o bispo providenciou para que ele fosse morar em um pequeno monastério ligado à catedral onde o bispo exercia sua jurisdição. Carlo vivia ali e ali tinha aulas com os monges. Chegou a ser coroinha de seu novo protetor. O bispo sugeriu que Carlo fosse para uma escola secundária, mas o menino não quis. Não podia estar mais feliz em seu novo lar. Agora vivia de fato na casa de Deus.

Toda noite, Carlo rezava por sua mãe.

Deus me salvou por alguma razão, pensava. Que razão?

Quando completou dezesseis anos, de acordo com a lei italiana, foi obrigado a prestar dois anos de serviço militar. O bispo disse a Carlo que ele seria dispensado desse dever se entrasse para o seminário. Carlo respondeu que planejava entrar para o seminário, mas que primeiro precisava entender a maldade.

O bispo não compreendeu.

Carlo explicou que, se ia passar a vida na Igreja lutando contra a maldade, primeiro precisava entendê-la.

Não imaginava lugar melhor para entender a maldade do que no exército. O exército usava armas e bombas.

Uma bomba matou minha mãe Bendita!

O bispo tentou dissuadi-lo, mas Carlo já se decidira.

- Tenha cuidado, filho - dissera-lhe o bispo. - E lembre-se de que a Igreja o aguarda quando voltar.

Os dois anos do serviço militar de Cano foram terríveis. A juventude dele se passara em silêncio e reflexão. No exército, porém, não havia sossego para se refletir. O barulho era incessante.

Máquinas enormes por toda parte. Nem um momento sequer de paz. Apesar de os soldados irem à missa uma vez por semana no quartel, Cano não sentia a presença de Deus nos seus companheiros. O caos enchia demais as mentes deles para que vissem Deus.

Carlo detestava sua nova vida e ansiava por voltar para casa. Mas estava determinado a perseverar. Ainda não entendia a maldade. Recusava-se a dar um tiro, e assim os militares ensinaram-no a pilotar um helicóptero do serviço médico. Carlo não gostava do ruído nem do cheiro do helicóptero, mas ao menos o deixavam voar pelo céu e ficar mais próximo de sua mãe.

Ao ser informado de que seu treinamento de piloto incluía aprender a saltar de pára- quedas, o rapaz ficou apavorado. Não tinha opção, porém.

Deus vai me proteger, disse a si mesmo.

Seu primeiro salto de pára-quedas foi a mais estimulante experiência física de sua vida. Era como voar com Deus. Depois, ele jamais se cansava daquilo... o silêncio.., a sensação de flutuar... enxergar o rosto de sua mãe nas nuvens brancas ondulantes enquanto ele pairava na descida à terra. Deus tem planos para você, Carlo. Assim que saiu do exército, Cano entrou para o seminário.

Tudo acontecera vinte e três anos antes.

Agora, enquanto descia a Escadaria Real, o camerlengo Carlo Ventresca tentava compreender a cadeia de acontecimentos que o fizera chegar àquela extraordinária encruzilhada.

Abandone todo medo, disse a si próprio, e entregue esta noite a Deus.

Avistava a grande porta de bronze da Capela Sistina devidamente protegida por quatro guardas suíços. Os guardas destrancaram a porta e abriram-na. Lá dentro, todas as cabeças se viraram para a porta. O camerlengo passou os olhos pelos homens diante dele, vestidos de batinas negras e faixas vermelhas na cintura. Compreendeu quais eram os planos que Deus lhe reservara. O destino da Igreja fora colocado em suas mãos.

Ele fez o sinal-da-cruz e entrou na capela.

 

CAPÍTULO 48

Gunther Glick, jornalista da BBC, estava suando, sentado dentro do furgão da emissora que fora estacionado na extremidade leste da Praça de São Pedro, e amaldiçoando seu editor. Embora a primeira matéria mensal de Glick tivesse voltado da mesa do editor coberta de elogios - engenhoso, perspicaz, confiável -, cá estava ele na Cidade do Vaticano fazendo o "Plantão do Papa' Procurava convencer-se de que trabalhar para a BBC dava muito mais credibilidade do que ficar inventando um monte de lixo para o British Tattler, mas ainda assim aquilo não era propriamente a idéia que ele fazia de ser repórter.

A tarefa de Glick era simples. Chegava a ser um insulto, de tão simples. Tinha de ficar sentado esperando um bando de velhos gagás elegerem seu próximo chefe, depois sair do carro e gravar uma reportagem de 15 segundos "ao vivo" com o Vaticano ao fundo.

Genial.

Glick mal acreditava que a BBC ainda deslocasse repórteres para cobrir aquela baboseira. Não há nenhuma rede de notícias norte-americana aqui esta noite. Claro que não! Porque os garotões de lá sabiam como fazer as coisas. Eles assistiam à CNN, faziam uma sinopse e depois filmavam sua reportagem "ao vivo" diante de uma tela azul, superpondo vídeos de arquivo para obter um pano de fundo realista. A MSNBC usava até máquinas de vento e chuva de estúdio para maior autenticidade. Os espectadores não queriam mais na verdade, queriam diversão.

Glick olhou através do pára-brisa e sentiu-se cada vez mais deprimido. A montanha grandiosa da Cidade do Vaticano erguia-se à sua frente como um melancólico lembrete das coisas que os homens podiam realizar quando se empenhavam por elas.

- O que realizei de bom na minha vida? - refletiu em voz alta. - Nada.

- Então, desista - disse uma voz feminina atrás dele.

Glick deu um pulo. Quase se esquecera de que não estava sozinho. Virou-se para o banco de trás, onde a operadora de câmera Chinita Macri estava sentada polindo suas lentes. Ela estava sempre polindo as lentes. Chinita era negra, embora preferisse ser chamada de afro-americana, e também um tanto rude e danada de esperta. Não deixava passar nada. Era meio estranha, mas Glick gostava dela. E ele com certeza estava precisando de companhia naquele momento.

- Qual é o problema, Gunth? - perguntou Chinita.

- O que estamos fazendo aqui?

Ela continuou a polir as lentes.

- Presenciando um acontecimento empolgante.

- Uma porção de velhos trancados no escuro é empolgante?

- Você sabe que vai direto para o inferno, não sabe?

- Já estou nele.

- Conte por que está tão aborrecido.

Parecia a mãe dele falando.

- Eu só queria me distinguir de alguma forma no meu trabalho.

- Você escreveu para o British Tattler.

- É, mas nada que tivesse impacto.

- Ah, deixe disso, soube que você escreveu um artigo sensacional sobre a vida sexual secreta da rainha com extraterrestres.

- Obrigado.

- Ei, as coisas estão melhorando, hoje você vai fazer seus primeiros 15 segundos da história da TV.

Glick resmungou. Já conseguia até ouvir as palavras do âncora: "Obrigado Gunther, grande reportagem' E o âncora passaria para a meteorologia.

- Devia ter tentado conseguir um lugar de âncora.

Macri riu.

- Sem experiência? E com essa barba? Nem pensar!

Glick correu os dedos pelo tufo avermelhado de cabelo em seu queixo.

- A barba me faz parecer mais inteligente.

Ainda bem que o telefone celular do furgão tocou, interrompendo mais um comentário sobre os fracassos de Glick.

- Talvez seja a editoria - disse ele, de repente esperançoso. - Será que vão querer as últimas notícias ao vivo?

- Dessa história? - riu Macri. - Você continua sonhando, hein?

Glick atendeu ao telefone com sua melhor voz de âncora.

- Gunther Glick, BBC. Cobertura ao vivo da Cidade do Vaticano.

O homem do outro lado tinha um sotaque árabe carregado.

- Escute com atenção o que tenho para dizer - disse o homem. - Daqui a pouco, vou fazer a sua vida inteira mudar.

 

CAPÍTULO 49

Langdon e Vittoria ficaram sozinhos diante das portas duplas que levavam ao santuário dos Arquivos Secretos. A decoração do lugar onde estavam era uma mistura incongruente de tapetes sobre pisos de mármore e câmeras de segurança instaladas ao lado de querubins esculpidos no teto. Langdon apelidou-a de Estéril Renascença. Ao lado da entrada em arco havia uma pequena placa de bronze.

ARCHIVIO VATICANO

Curatore, Padre Jaqui Tomaso

Padre Jaqui Tomaso. Langdon reconheceu o nome do curador, que vinha nas cartas de recusa empilhadas em cima de sua escrivaninha, em casa. Caro senhor Langdon, lamento informar que...

"Lamento." Pois sim. Desde que começara o reinado de Jaqui Tomaso, Langdon jamais encontrara um único acadêmico americano não-católico que tivesse recebido autorização para visitar os Arquivos Secretos do Vaticano. el guardiano, chamavam-no os historiadores. Jaqui Tomaso era o bibliotecário mais severo do mundo.

Ao abrir as portas e entrar no recinto, Langdon quase esperava encontrar o padre Jaqui envergando uniforme militar e capacete, montando guarda com uma bazuca na mão. O espaço, porém, estava deserto.

Silêncio. Luz suave.

Archivio Vaticano. Um dos sonhos de sua vida.

Quando correu os olhos pelo aposento sagrado, sua primeira reação foi de vergonha. Percebeu que romântico empedernido ele era. A imagem que fizera durante tantos anos daquele lugar não poderia ser mais inexata. Imaginara estantes empoeiradas até o alto cheias de livros esfrangalhados, padres catalogando os volumes à luz de velas e de janelas com vitrais, monges examinando rolos de pergaminhos.

A realidade nem chegava perto.

À primeira vista, a sala parecia um hangar escuro de companhia aérea no qual alguém tivesse construído umas 12 quadras independentes de squash. Langdon evidentemente sabia para que serviam os recintos de paredes de vidro. Não se surpreendeu ao encontrá-los: a umidade e o calor deterioravam antigos velinos e pergaminhos e a conservação adequada exigia câmaras herméticas como aquelas - cubículos vedados que impediam a penetração da umidade e dos ácidos naturais do ar. Langdon já estivera dentro de câmaras herméticas muitas vezes, mas sempre haviam sido experiências perturbadoras... mais ou menos como entrar em um contêiner fechado onde o oxigênio fosse controlado por um bibliotecário.

As câmaras eram escuras, espectrais mesmo, vagamente delineadas por pequenas luminárias em forma de cúpula na extremidade de cada conjunto de estantes. Em meio às trevas daquelas células, Langdon percebia a presença dos gigantes fantasmagóricos, fila após fila de imensas estantes carregadas de história. Era uma coleção e tanto.

Vittoria também parecia deslumbrada. Ao lado dele, contemplava em silêncio os gigantescos cubos transparentes.

Tinham pouco tempo e por isso Langdon não o desperdiçou nem um pouco vasculhando a sala mal iluminada em busca de um catálogo - uma enciclopédia encadernada onde estivesse catalogada a coleção da biblioteca. Tudo o que viu foi o brilho de uma porção de terminais de computador espalhados pela sala.

- Parece que eles têm o Biblion. O índice é computadorizado.

Vittoria ficou esperançosa.

- O que deve acelerar as coisas.

Langdon gostaria de sentir o mesmo entusiasmo, mas tinha a impressão de que a notícia não era tão boa assim. Dirigiu-se a um terminal e começou a digitar. Seus temores confirmaram-se instantaneamente.

- O método antigo teria sido melhor.

- Por quê?

Ele se afastou do monitor.

- Porque livros de verdade não são protegidos por senhas. Será que os físicos são também hackers por natureza?

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Só sei abrir ostras.

Langdon respirou fundo e virou-se para o fantástico conjunto de câmaras diáfanas. Aproximou-se da que estava mais perto e tentou enxergar o sombrio interior. Por trás das paredes de vidro havia formas pouco definidas que Langdon identificou como as habituais prateleiras de livros, caixas de pergaminhos e mesas de leitura. Olhou para as etiquetas brilhando no alto de cada conjunto de estantes. Como em todas as bibliotecas, as etiquetas indicavam o assunto dos livros daquelas estantes. Foi lendo os dizeres e andando ao longo da barreira transparente.

PIETRO IL ERIMIT0... LE CROCIATE... URBANO II... LEVANTE...

- Estão etiquetadas - disse ele, ainda caminhando. - Mas não em ordem alfabética por autor.

Não se surpreendeu. Arquivos antigos em geral não eram catalogados em ordem alfabética porque incluíam muitos autores desconhecidos. Também não os catalogavam pelos títulos porque muitos documentos históricos eram cartas sem título e fragmentos de pergaminhos. A maior parte da catalogação seguia a ordem cronológica. O que era desconcertante, no entanto, é que aquela arrumação também parecia não ser cronológica.

Estavam perdendo um tempo precioso.

- Tenho a impressão de que o Vaticano tem seu próprio sistema de catalogação.

- Que surpresa...

Ele examinou as etiquetas outra vez. Os documentos eram originários de muitos séculos, mas todas as palavras-chave, notou Langdon, estavam relacionadas entre si.

- Acho que a classificação é temática.

- Temática? - desaprovou a cientista Vittoria. - Não deve ser eficiente.

Na realidade, refletiu Langdon, examinando-a mais de perto, talvez essa seja a forma mais inteligente de catalogação que já vi. Sempre insistira com seus alunos que procurassem compreender o tom e os temas predominantes de um período em vez de se prenderem a minúcias como datas e obras específicas. Os Arquivos Vaticanos, ao que parecia, haviam sido catalogados de acordo com uma filosofia semelhante. Grandes temas...

- Tudo o que está nesta câmara - disse Langdon, mais confiante -, séculos de material, tem a ver com as Cruzadas. É o tema desta câmara em especial.

- Estava tudo ali, ele se deu conta. Relatos históricos, cartas, arte, dados sociopolíticos, análises modernas. Tudo junto para incentivar a compreensão mais profunda de um tópico. Brilhante.

Vittoria franziu o cenho.

- Mas os dados podem estar relacionados a múltiplos temas simultaneamente.

- É por isso que foi feita a remissão recíproca com marcadores especiais. - Langdon apontou, através do vidro, para os marcadores de plástico colorido inseridos entre os documentos. - Esses marcadores indicam documentos secundários localizados em outro lugar junto com seus assuntos principais.

- Certo - disse ela, aparentemente abandonando o assunto. Pôs as mãos na cintura e correu o olhar pelo imenso espaço. Depois, dirigiu-se a Langdon. - Então, professor, como é mesmo o nome dessa obra de Galileu que estamos procurando?

Langdon não pôde deixar de sorrir. Ainda não acreditava muito que estava ali, naquele lugar. Está aqui, pensou. Em algum ponto dessa escuridão, está à espera.

- Venha atrás de mim - disse ele. Começou a percorrer com andar rápido a primeira passagem entre as câmaras lendo a etiqueta de identificação de cada uma delas. - Lembra o que lhe contei sobre o Caminho da Iluminação? Como os liluminati recrutavam novos membros usando um teste complexo?

- A caça ao tesouro - disse Vittoria, seguindo-o.

- O desafio para os llluminati, depois de terem instalado os marcos, foi achar uma forma de dizer à comunidade científica que o caminho existia.

- Lógico - comentou Vittoria. - Senão, ninguém saberia que era necessário procurá-lo.

- Sim, e mesmo que soubessem que existia, os cientistas não teriam como descobrir onde o caminho começava. Roma é enorme.

Langdon passou para o corredor seguinte, examinando as etiquetas enquanto falava.

- Há uns 15 anos, alguns historiadores da Sorbonne e eu descobrimos uma série de cartas dos Illuminati cheias de referências ao segno.

- O sinal. O aviso sobre o caminho e onde ele começava.

- Isso. E, desde então, vários acadêmicos que estudam os liluminati, inclusive eu, descobriram outras referências ao segno. Hoje em dia, é uma teoria aceita que a pista de fato existe e que Galileu a distribuiu profusamente pela comunidade científica sem que o Vaticano jamais soubesse.

- De que maneira?

- Não se sabe ao certo, mas o mais provável é que tenha sido através de publicações impressas. Ele publicou muitos livros e boletins ao longo dos anos.

- De que o Vaticano sem dúvida teve conhecimento. Coisa perigosa.

- É verdade. Mesmo assim, o segno foi distribuído.

- E ninguém jamais o encontrou?

- Jamais. O mais estranho é que, sempre que aparecem alusões ao segno, seja em diários maçônicos, antigas revistas científicas, cartas dos Illuminati ou outras fontes, ele costuma vir representado por um número.

- 666?

Ele sorriu.

- Não, 503.

- Que significa o quê?

- Nenhum de nós foi capaz de descobrir. Fiquei fascinado com o número 503, tentando de tudo para encontrar seu significado: numerologia, referências cartográficas, latitudes. - Langdon chegou ao fim daquela passagem, dobrou para um lado e continuou examinando rapidamente a fila seguinte de etiquetas e falando ao mesmo tempo. - Durante muitos anos, o único indício possível que se tinha era o fato de 503 começar com o número cinco, um dos dígitos sagrados dos Illuminati. - Ele fez uma pausa.

- Algo me diz que você recentemente encontrou a resposta e que é por isso que estamos aqui.

- Correto - disse Langdon, permitindo-se um raro momento de orgulho por seu trabalho. - Conhece um livro de Galileu chamado Diàlogo?

- Claro. Famoso entre os cientistas como a suprema traição científica.

Traição não era bem a palavra que Langdon teria usado, mas compreendia o que Vittoria queria dizer. No início da década de 1630, Galileu quis publicar um livro endossando o modelo heliocêntrico do sistema solar formulado por Copérnico. O Vaticano, porém, só permitiria que o livro fosse lançado se Galileu incluísse nele provas igualmente convincentes do modelo geocêntrico adotado pela Igreja, um modelo que Galileu sabia estar completamente errado. Galileu não teve escolha senão ceder à exigência da Igreja e publicou um livro que dava o mesmo espaço para os dois modelos, o certo e o errado.

- Como deve saber - prosseguiu Langdon -, apesar da concessão de Galileu, o Diálogo ainda foi considerado herético e o Vaticano colocou o cientista em prisão domiciliar.

- Nenhuma boa ação passa sem punição.

Langdon achou graça.

- É mesmo. Entretanto, Galileu era persistente. Enquanto estava preso em casa, escreveu secretamente um manuscrito menos conhecido que alguns estudiosos às vezes confundem com o Diàlogo. Esse livro se chama Discorsi.

Vittoria concordou.

- Sei qual é. Discursos sobre as Marés.

Langdon parou, admirado por ela conhecer a obscura publicação sobre os movimentos dos planetas e seu efeito sobre as marés.

- Não se esqueça de que está falando com uma fisica italiana cujo pai idolatrava Galileu.

Não eram os Discorsi, porém, que estavam procurando. Langdon explicou que aquele livro não fora o único trabalho de Galileu durante o seu confinamento. Os historiadores acreditavam que ele também escrevera um livreto pouco conhecido chamado Diagramma.

- Diagramma delia Veritá - citou. - Diagrama da Verdade.

- Nunca ouvi falar deste.

- Não me espanta. Diagramma foi o livro mais secreto de Galileu, supostamente uma espécie de tratado sobre fatos científicos que ele considerava verdadeiros, mas que não estava autorizado a divulgar. Como alguns dos seus manuscritos anteriores, Diagramma foi contrabandeado para fora de Roma por um amigo e discretamente publicado na Holanda. O livrinho tornou-se muito popular no submundo científico europeu. Até que o Vaticano tomou conhecimento dele e iniciou uma campanha de queima de livros.

Vittoria agora estava intrigada.

- E você acha que Diagramma continha a pista? O segno? A informação sobre o Caminho da Iluminação?

- Diagramma foi como Galileu fez a notícia correr. Disto estou certo.

Langdon enveredou pela terceira fileira de câmaras de vidro e continuou examinando as etiquetas de identificação.

- Os arquivistas vêm procurando um exemplar do Diagramma há anos. No entanto, com as queimas de livros promovidas pelo Vaticano e o baixo coeficiente de permanência do livro, este desapareceu da face da Terra.

- Coeficiente de permanência?

- A durabilidade. Os arquivistas classificam os documentos de um a dez segundo sua integridade estrutural. Diagramma foi impresso em uma variedade muito frágil de papiro. Parece o material dos nossos lenços de papel modernos. Vida útil de pouco mais de um século.

- Por que não se usou um material mais forte?

- Foi uma determinação de Galileu para proteger seus seguidores. Dessa forma, qualquer cientista que fosse apanhado com um exemplar poderia simplesmente jogá-lo na água e o livro se dissolveria. Era um meio excelente de destruir uma prova, mas foi terrível para os arquivistas. Acredita-se que apenas um exemplar do Diagramma tenha subsistido além do século XVIII.

- Um? - uma expressão encantada passou pelo rosto de Vittoria enquanto ela corria os olhos pela sala. – E está aqui?

- Confiscado pelo Vaticano na Holanda logo depois da morte de Galileu. Venho solicitando permissão para vê-lo há anos. Desde que percebi o que havia nele.

Como se lesse a mente de Langdon, Vittoria deslocou-se para o outro lado e começou a examinar a fileira seguinte, dobrando o ritmo da busca.

- Obrigado - disse ele. - Procure etiquetas de referência que tenham alguma coisa a ver com Galileu, ciência, cientistas. Vai saber quando encontrar uma.

- Está bem, mas ainda não me contou como descobriu que a pista estava no Diagramma. Teve alguma relação com o número que vocês sempre viam nas cartas dos Iliuminati? 503?

Por um instante, Langdon reviveu o momento da revelação inesperada: 16 de agosto. Dois anos atrás. Ele estava à margem de um lago, na festa de casamento do filho de um colega. O som de gaitas de fole repercutiu sobre as águas quando os noivos e acompanhantes fizeram sua entrada espetacular através do lago em uma barcaça. A embarcação fora decorada com flores e guirlandas. No casco, ostentava um número pintado em algarismos romanos: DCII.

Curioso com o número, Langdon perguntou ao pai da noiva:

- Por que o número 602?

- 602?

Langdon apontou para a barcaça.

- DCII é 602 em algarismos romanos.

O homem deu uma risada.

- Não são algarismos romanos. É o nome da barcaça.

- O DCII?

O homem assentiu.

- O Dick e Connie II.

Langdon ficou encabulado. Dick e Connie eram os noivos. A barcaça evidentemente recebera aquele nome em homenagem a eles.

- O que aconteceu com o DCI?

O homem fez uma careta.

- Afundou ontem durante o almoço do ensaio do casamento.

Langdon achou engraçado, mas disse assim mesmo:

- Que pena.

E olhou novamente para a barcaça. A DCII, pensou. Como se fosse um QEII em miniatura. Um segundo depois, tudo ficou claro em sua cabeça.

E Langdon continuou a contar a Vittoria:

- Como já disse, 503 é um código. Um estratagema dos Iliuminati para esconder o que na realidade era um algarismo romano. O número 503 em algarismos romanos é...

- DIII.

- Rápida, hein? Não me diga que é uma Illuminata.

Ela riu.

- Uso algarismos romanos para codificar estratos pelágicos.

Claro, pensou Langdon. Quem não o faz?

- E qual é afinal o significado de DIII?

- DI, DII e DIII são abreviaturas muito antigas. Os cientistas da antiguidade usavam-nas para fazer distinção entre os três documentos de Galileu que mais eram confundidos.

Vittoria quase perdeu o fôlego ao dizer:

- Diàlogo... Discorsi... Diagramma.

- D-um, D-dois, D-três. Todos eles científicos. Todos, motivo de controvérsia. 503 é DIII. Diagramma. O terceiro dos livros de Galileu.

Vittoria estava sob o impacto da revelação.

- Mas uma coisa ainda não faz sentido. Se esse segno, essa pista, essa mensagem sobre o Caminho da Iluminação estava realmente no Diagramma de Galileu, como o Vaticano não descobriu nada quando se apossou de todos os exemplares?

- Podem ter visto e não ter percebido o que viam. Lembra-se dos marcos dos Iliuminati? A habilidade para esconder o que está à vista? A dissimulação? Tudo indica que o segno estava oculto da mesma maneira, bem à vista. Invisível para aqueles que não o estavam procurando. Também invisível para os que não o compreendiam.

- Como assim?

- Galileu escondeu-o muito bem. De acordo com os registros históricos, o segno foi revelado de uma forma que os Illuminati chamavam de lingua pura.

- A linguagem pura?

- Sim.

- Matemática?

- É a minha opinião. Parece bastante óbvio. Galileu era um cientista, afinal de contas, e estava escrevendo para cientistas. A matemática seria a linguagem lógica para elaborar a pista. O livreto chama-se Diagramma e, assim, diagramas matemáticos poderiam fazer parte do código.

A réplica de Vittoria soou apenas ligeiramente mais esperançosa.

- Galileu poderia ter criado algum tipo de código matemático que passasse despercebido ao clero.

- Tenho a impressão de que você não ficou muito convencida - disse Langdon, prosseguindo em seu caminho.

- Não fiquei. Talvez porque você mesmo não esteja. Se tinha tanta certeza sobre o DIII, por que não publicou nada a respeito? Então, alguém que tivesse acesso aos Arquivos Vaticanos poderia ter vindo aqui e analisado o Diagramma há muito tempo.

- Eu não quis publicar nada - respondeu Langdon. - Trabalhei tanto para conseguir a informação que... – ele se calou, constrangido.

- Também queria a glória - completou ela.

Langdon sentiu seu rosto corar.

- De certa forma, sim. É que...

- Não fique tão encabulado. Está falando com uma cientista. Publicar ou perecer. No CERN, chamamos a isso de "comprovar ou sufocar'

- Não se tratava só de ser o primeiro. Receava que as pessoas erradas encontrassem a informação no Diagramma e sumissem com ela.

- As pessoas erradas seriam do Vaticano?

- Não que sejam erradas por si, mas a Igreja sempre fez pouco caso da ameaça dos Illuminati. No princípio da década de 1900, o Vaticano chegou ao cúmulo de afirmar que os liluminati eram uma fantasia criada por imaginações exaltadas, O clero achou, e talvez com certa razão, que a última coisa que os cristãos precisavam saber era que existia um poderoso movimento anti- cristão se infiltrando em seus bancos, sua política e suas universidades. - O verbo é no tempo presente, Robert, lembrou a si mesmo. EXISTE uma poderosa força anticristã se infiltrando em seus bancos, sua política e suas universidades.

- Portanto, você acha que o Vaticano teria ocultado qualquer prova que comprovasse a ameaça dos liluminati?

- É muito possível. Qualquer ameaça, seja ela real ou imaginária, enfraquece a confiança no poder da Igreja.

- Mais uma pergunta. - Vittoria parou e encarou-o como se ele fosse um extraterrestre. - Está falando sério?

Langdon parou também.

- O que quer dizer com isso?

- É esse mesmo o seu plano para salvar a situação?

Ele não teve certeza se o que viu nos olhos dela era pena misturada com diversão ou puro terror.

- Você diz, encontrar o Diagramma?

- Não, quero dizer encontrar o Diagramma, localizar um segno de 400 anos de idade, decifrar um código matemático e seguir uma antiga trilha de obras de arte que somente os cientistas mais brilhantes da História conseguiram seguir... tudo isso nas próximas quatro horas.

Ele encolheu os ombros.

- Estou aberto a outras sugestões.

 

CAPÍTULO 51

Robert Langdon estava do lado de fora do Arquivo Câmara 9 lendo as itiquetas nas estantes:

BRAHE... CLAVIUS... COPERNICO... KEPLER... NEWTON...

Leu os nomes outra vez e ficou apreensivo. Cá estão os cientistas, mas onde stá Galileu?

Dirigiu-se a Vittoria, que verificava os assuntos de uma câmara próxima.

- Encontrei o assunto certo, mas está faltando Galileu.

- Não está, não - disse ela, séria, ao passar para a câmara seguinte. - Ele está aqui. Mas espero que você tenha trazido seus óculos de leitura, porque esta câmara inteira é dedicada a ele.

Langdon correu para lá. Vittoria tinha razão. Todas as etiquetas de identificação da Câmara 10 tinham a mesma palavra-chave.

IL PROCESO GALILEANO

Langdon deixou escapar um assobio baixo ao ver que Galileu tinha sua própria câmara.

- O Caso Galileu - maravilhou-se, espiando através do vidro os contornos escuros das estantes. - O mais longo e dispendioso processo da história do Vaticano. Quatorze anos e 600 milhões de liras. Tudo aqui.

- Tem uma certa quantidade de documentos legais.

- Acho que os advogados não mudaram muito no decorrer dos séculos.

- Nem os tubarões.

Langdon encaminhou-se para um grande botão amarelo ao lado da câmara. Apertou-o e uma série de luzes acendeu-se lá dentro no teto. Eram luzes vermelhas, escuras, e transformaram o cubo em uma reluzente célula rubra contendo um labirinto de estantes muito altas.

- Meu Deus - disse Vittoria, assombrada. - Vamos trabalhar ou nos bronzear?

- O pergaminho e o velino desbotam, por isso a iluminação das câmaras é sempre feita com luzes escuras.

- Dá para se enlouquecer ali dentro.

Ou pior, pensou Langdon, encaminhando-se para a única entrada da câmara.

- Uma palavrinha de aviso, O oxigênio é oxidante e, por isso, as câmaras herméticas contêm muito pouco dele. Aí dentro é um vácuo parcial. Você vai precisar fazer esforço para respirar.

- Ora, se os velhos cardeais conseguem sobreviver a isto...

Verdade, concordou Langdon. Tomara que tenhamos a mesma sorte.

A entrada da câmara era por uma única porta giratória eletrônica. Langdon observou o arranjo habitual de quatro botões de acesso no vestíbulo interno da porta, um botão para cada compartimento. Quando se pressionava um deles, a porta motorizada era acionada, fazia a meia rotação convencional e então parava-o procedimento-padrão para preservar a integridade da atmosfera interna.

- Depois que eu entrar - explicou Langdon -, basta apertar o botão e vir atrás de mim. Há somente oito por cento de umidade lá dentro, de modo que se prepare para sentir a boca seca.

Langdon entrou no compartimento rotativo e apertou o botão. A porta soltou um zumbido alto e começou a girar. Enquanto acompanhava o movimento dela, Langdon preparou seu corpo para o choque físico que sempre acompanhava os primeiros segundos em uma câmara hermética. Entrar em um arquivo destes era

como estar no nível do mar e ir a seis mil metros de profundidade em um instante. Náusea e tonteira eram comuns. Visão dupla, dobre o corpo, lembrou ele, repetindo o mantra dos arquivistas. Seus ouvidos pipocaram. Ouviu-se um silvo de ar e a porta parou.

Ele entrara na câmara.

O que notou em primeiro lugar foi o ar do interior, mais rarefeito do que previra. O Vaticano, aparentemente, levava seus arquivos um pouco mais a sério do que a maioria dos seus congêneres.

Langdon lutou contra o reflexo da náusea e relaxou o peito enquanto seus capilares pulmonares se dilatavam. A sensação de aperto passou depressa. O golfinho em ação, refletiu, satisfeito que suas 50 voltas por dia na piscina servissem para alguma coisa. Respirando mais normalmente, olhou em volta.

Apesar das paredes transparentes, sentiu a ansiedade conhecida. Estou dentro de uma caixa, pensou. Uma caixa vermelha como sangue.

A porta zumbiu atrás dele e ele se virou para ver Vittoria entrar. Quando ela chegou, seus olhos imediatamente começaram a lacrimejar e sua respiração ficou pesada.

- Espere um minuto - disse ele. - Se ficar tonta, abaixe a cabeça.

- Sinto... - Vittoria engasgou - como se estivesse.., mergulhando com um cilindro de mergulho... com a mistura errada.

Langdon esperou que ela se ambientasse. Sabia que ficaria bem. Vittoria Vetra estava em excelente forma, ao contrário das trêmulas ex-alunas de Radcliffe que Langdon certa vez acompanhara em uma visita à câmara hermética da Biblioteca

Widener. O passeio terminara com Langdon fazendo respiração boca a boca em uma senhora idosa que quase aspirara a própria dentadura.

- Está melhor? - perguntou.

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Viajei no seu maldito avião espacial, então achei que você me devia essa.

Ela sorriu.

- Touché.

Langdon estendeu a mão para uma caixa ao lado da porta e tirou de lá luvas brancas de algodão.

- Vai ser uma ocasião formal? - brincou ela.

- O ácido dos dedos. Não podemos manusear os documentos sem elas. Vai precisar usá-las.

Vittoria colocou as luvas.

- De quanto tempo dispomos?

Langdon verificou seu relógio de Mickey Mouse.

- São pouco mais de sete horas.

- Temos de encontrar essa coisa em menos de uma hora.

- Na realidade - disse Langdon -, não temos esse tempo todo. - E apontou para um duto gradeado de entrada de ar. - Normalmente, o curador deve ligar um sistema de reoxigenação quando alguém está dentro da câmara, o que não está ocorrendo hoje. Em 20 minutos, ficaremos sem ar.

Vittoria empalideceu visivelmente apesar da luminosidade avermelhada. Langdon sorriu e alisou suas luvas.

- Comprovar ou sufocar, senhorita Vetra. Mickey está em movimento.

 

CAPÍTULO 52

Gunther Glick, o repórter da BBC, ficou uns dez segundos parado com o celular

na mão antes de afinal desligá-lo.

Chinita Macri observava-o do banco de trás do furgão.

- O que aconteceu? Quem era?

Glick sentia-se como uma criança que ganhou um presente de Natal e tem medo de que o presente não seja realmente para ela.

- Acabei de receber uma dica. Algo está acontecendo dentro do Vaticano.

- Chama-se conclave. Grande dica essa.

- Não, não é isso. Uma coisa importante. - Ponderou se a história que o homem lhe contara poderia ser verdadeira. Glick sentiu uma ponta de vergonha quando percebeu que estava rezando para que fosse. – E se eu lhe contasse que quatro cardeais foram seqüestrados e vão ser assassinados, um de cada vez, em quatro igrejas diferentes esta noite?

- Eu diria que alguém no escritório com um senso de humor doentio está passando um trote em você.

- E se eu lhe disser que ele vai nos dar antes da hora a localização exata do primeiro assassinato?

- Só queria saber quem foi o louco com quem você acabou de falar.

- Ele não disse o nome.

- Talvez porque estivesse doidão?

Glick já esperava a reação sarcástica de Macri, mas ela estava esquecendo que ele lidara com mentirosos e lunáticos por mais de dez anos no British Tattler. Aquele homem não era uma coisa nem outra. Falara de modo frio e racional. Lógico. Vou telefonar novamente para você um pouco antes das oito, dissera o homem, para avisar onde vai acontecer o primeiro assassinato. As imagens que você vai gravar vão torná-lo famoso. Quando Glick perguntou por que estava recebendo aquelas informações, a resposta veio gélida como o sotaque oriental do homem. A mídia é o braço direito da anarquia.

- Ele me disse mais uma coisa - disse Glick.

- O quê? Que Elvis Presley acabou de ser eleito Papa?

- Acesse o banco de dados da BBC, por favor. - A adrenalina de Glick estava aumentando. - Quero ver que outras histórias já publicamos sobre esses caras.

- Que caras?

- Faça o que estou pedindo, está bem?

Macri suspirou e acessou o banco de dados da BBC.

- Só mais um minuto.

A cabeça de Glick dava voltas.

- O homem fez muita questão de saber se eu tinha um cinegrafista para gravar as imagens.

- Você tem uma cinegrafista.

- E se tínhamos condições de transmitir ao vivo.

- Um ponto cinco três sete megahertz. Qual é o assunto? - Ouviu-se um bipe: o banco de dados estava disponível. - Pronto, estamos conectados. O que você quer procurar?

Glick deu-lhe a palavra-chave.

Macri encarou-o, séria.

- Tomara que você esteja mesmo brincando.

 

CAPÍTULO 53

A organização interna da Câmara 10 não era tão intuitiva quanto Langdon esperava, e o manuscrito do Diagramma aparentemente não estava junto com outras publicações semelhantes de Galileu. Sem ter acesso ao Biblion e a um localizador computadorizado de referências, Langdon e Vittoria não tinham como prosseguir.

- Tem certeza de que o Diagramma está aqui? - perguntou Vittoria.

- Absoluta. Consta da listagem tanto do Uffi cio deila Propaganda della Fede quanto do...

- Ótimo. Contanto que você tenha certeza...

Ela foi para a direita e ele, para a esquerda. Langdon começou a busca manual. Precisava apelar para todo o seu autocontrole para não parar e ler cada tesouro pelo qual passava. A coleção era maravilhosa. O Experimentador, Mensageiro das Estrelas, História e Demonstração sobre as Manchas Solares, Carta à Grã Duquesa Cristina, Apologia pro Galileo... E assim por diante.

Foi Vittoria quem finalmente tirou a sorte grande do outro lado da câmara. Sua voz rouca soou alta:

- Diagramma delia Verità!

Langdon correu ao encontro dela através da névoa avermelhada.

- Onde?

Vittoria apontou e ele percebeu de imediato por que não o haviam encontrado antes. o manuscrito estava em uma caixa especial para in-fólios, não nas prateleiras. Essas caixas eram um recurso comum para se guardar páginas soltas. A etiqueta colocada na frente do recipiente não deixava qualquer dúvida sobre seu conteúdo.

 

DIAGRAMMA DELLA VERITÀ

Galileo Galilei, 1639

 

- Diagramma. - Deu um sorriso largo para ela. - Bom trabalho. Agora me ajude a tirar essa caixa daí.

Vittoria ajoelhou-se ao lado dele e os dois puxaram a caixa. A bandeja de metal sobre a qual estava colocada deslizou, movida por rodízios, e deixou à mostra a parte superior da caixa.

- Sem cadeado? - disse Vittoria, surpresa por só haver um fecho simples.

- Nunca. Às vezes existe a necessidade de se remover os documentos com rapidez, como no caso de incêndios ou enchentes.

- Então, abra-o.

Langdon não precisou de uma segunda ordem. Com o sonho de sua vida acadêmica bem ali na frente e o ar da câmara cada vez mais rarefeito, ele não titubeou. Abriu o fecho e levantou a tampa. Dentro, no fundo, havia uma bolsa de pano preto. A capacidade de ventilação do tecido da bolsa era crucial para a preservação de seu conteúdo. Estendendo as duas mãos e mantendo a bolsa na horizontal, Langdon tirou- a de dentro da caixa.

- Pensei que fôssemos encontrar um baú do tesouro - disse Vittoria -, mas isso aí parece mais uma fronha.

- Venha comigo - disse ele.

Segurando a bolsa com os braços estendidos como se fosse uma oferenda sagrada, Langdon se encaminhou para o centro da câmara, onde encontrou a costumeira mesa de tampo de vidro especial para examinar documentos. A localização central da mesa tinha como objetivo diminuir ao máximo o deslocamento dos documentos, mas os pesquisadores gostavam da privacidade proporcionada pelas estantes ao redor. Nas câmaras mais importantes do mundo faziam-se descobertas que definiam carreiras, e os pesquisadores não gostavam que os rivais bisbilhotassem através do vidro enquanto eles trabalhavam.

Langdon pousou a bolsa de pano na mesa e desabotoou-a. Vittoria postou-se de pé a seu lado.

Remexendo em uma bandeja que continha instrumentos de arquivista, Langdon pegou uma tenaz com as pontas revestidas de feltro, grandes pinças com discos achatados no final de cada haste. À medida que sua excitação aumentava, receava acordar a qualquer momento em Cambridge diante de uma pilha de provas para corrigir. Respirando fundo, abriu a bolsa de pano. Com os dedos trêmulos nas luvas de algodão, introduziu a pinça na bolsa.

- Relaxe - disse Vittoria. - Não é plutônio, é papel.

Langdon fez as hastes da pinça deslizarem em torno da pilha de documentos dentro da bolsa e teve o cuidado de aplicar pressão idêntica nos dois lados. Em seguida, ao invés de puxar o documento, ele o manteve no lugar e puxou a bolsa - um procedimento empregado pelos arquivistas para reduzir ao mínimo a força de torção sobre o material. Só depois de remover a  bolsa e acender a luz especial de exame sob a mesa é que ele voltou a respirar normalmente.

Vittoria parecia um espectro, iluminada de baixo para cima pela luz da mesa de vidro.

- Folhas pequenas - disse ela, a voz reverente.

Langdon concordou com um gesto de cabeça. A pilha de fólios diante deles era como as páginas soltas de um pequeno livro de bolso. A primeira folha era uma capa desenhada a bico-de-pena com o título, a data e o nome de Galileu escritos de próprio punho.

Naquele instante, Langdon esqueceu o espaço exíguo, esqueceu sua exaustão e a situação horrível que o levara até ali. Apenas contemplou o livro, extasiado.

O contato direto com a História sempre deixava Langdon entorpecido de tanta reverência, era como estar vendo de perto as pinceladas na Mona Lisa.

O papiro esmaecido, amarelado, não deixava em Langdon qualquer dúvida quanto à sua idade e autenticidade, mas, exceto pelo inevitável desbotamento, estava em excelente estado. Pigmento ligeiramente descolorido. Pequenas falhas na coesão do papiro. Mas, de modo geral, em ótimas condições. Ele examinou o desenho decorativo da capa, feito à mão, sua vista já se embaçando por causa da falta de umidade. Vittoria mantinha-se em silêncio.

- Passe-me a espátula, por favor - Langdon apontou para uma bandeja ao lado de Vittoria, cheia de instrumentos em aço inoxidável especiais para uso em arquivos. Ela entregou-lhe a espátula. Langdon pegou-a e viu que era uma espátula de boa qualidade. Correu os dedos pela lâmina para remover qualquer estática possível e, em seguida, com o maior cuidado, fez a lâmina deslizar sob a capa. Levantou a espátula e abriu o livro.

A primeira página era escrita à mão com uma caligrafia minúscula, estilizada, quase impossível de ler.

Langdon logo percebeu que não havia diagramas nem números na página. Tratava-se de um ensaio.

- Sistema heliocêntrico - disse Vittoria, traduzindo o cabeçalho no Fólio 1. Ela correu os olhos pelo texto. - Parece que Galileu está renunciando ao modelo geocêntrico de uma vez por todas. Mas é italiano antigo, portanto não posso garantir nada sobre a tradução.

- Esqueça - disse Langdon. - Estamos procurando matemática. A linguagem pura.

E usou a espátula para virar a página seguinte. Outro ensaio. Nada de matemática ou diagramas. As mãos de Langdon começaram a suar dentro das luvas.

- Movimento dos Planetas - disse Vittoria, traduzindo o título.

Langdon fechou a cara. Em qualquer outra ocasião, teria ficado fascinado com aquela leitura. Por incrível que pareça, o modelo atual da NASA de órbitas planetárias, observado através de telescópios de última geração, era quase idêntico ao das previsões originais de Galileu.

- Nada de matemática - declarou Vittoria. - Ele está falando aqui sobre movimentos retrógrados e órbitas elípticas, ou algo assim.

Órbitas elípticas. Langdon lembrou que grande parte dos problemas de Galileu com a Justiça começaram quando ele afirmou que o movimento dos planetas era elíptico. O Vaticano exaltava a perfeição do círculo e insistia que o movimento celeste deveria ser somente circular. Os Illuminati de Galileu, entretanto, também viam perfeição na elipse, reverenciando a dualidade matemática de seus dois focos iguais. No mundo atual, a elipse dos Illuminati ainda era encontrável nas modernas pranchetas de desenho dos maçons e nos projetos dos alicerces dos seus prédios.

- Próxima - disse Vittoria. - Langdon virou a página.

- Fases lunares e movimentos das marés - disse ela. - Não tem números nem diagramas.

Ele virou mais uma página. Nada. Continuou virando páginas, umas dez ou mais. Nada. Nada. Nada.

- Pensei que ele fosse matemático - disse Vittoria. - Aqui só tem texto.

Langdon sentiu o ar em seus pulmões começando a rarear. Suas esperanças também estavam menos densas. A pilha de folhas diminuía.

- Nada aqui - disse Vittoria. - Matemática nenhuma. Umas poucas datas, um ou outro número-padrão, mas nada que pudesse ser uma pista.

Langdon virou o último conjunto de folhas e suspirou. Era também um ensaio.

- Livro pequeno - disse Vittoria, de cara fechada.

Langdon fez que sim com a cabeça.

- Merda, como se diz em Roma.

É mesmo uma merda, pensou Langdon. Seu reflexo no vidro parecia zombar dele, como a imagem de si mesmo que vira na janela de sua casa naquela manhã. Um fantasma envelhecido.

- Tem de haver alguma coisa - disse ele, o desespero rouco em sua voz espantando-o. - O segno está aí em algum lugar. Tenho certeza!

- Quem sabe você se enganou sobre o DIII?

Langdon lançou-lhe um olhar duro.

- Tudo bem - concordou ela. - DIII faz sentido. Mas e se a pista não for matemática?

- Lingua pura. O que mais poderia ser?

- Arte?

- Não há diagramas nem ilustrações no livro. Tudo o que sei é que lingua pura se refere a algo que não é italiano. Matemática seria a resposta lógica.

- Também acho.

Langdon recusava-se a admitir a derrota tão depressa.

- Os números podem estar escritos por extenso. A matemática deve estar em palavras em vez de em equações.

- Vai levar algum tempo ler todas as páginas.

- Não temos tempo. Vamos ter de dividir o trabalho. - Langdon virou a pilha de folhas e voltou para a primeira página. - Sei italiano o suficiente para localizar números. - Usando a espátula, dividiu a pilha como se fosse um baralho de cartas e depositou as primeiras seis diante de Vittoria. - Está aí, tenho certeza.

Vittoria estendeu a mão e virou a primeira página com a mão.

- Espátula! - exclamou Langdon, pegando uma outra ferramenta na bandeja. - Use a espátula.

- Estou usando luvas - resmungou ela. - Que estrago poderia fazer?

- Não discuta, use a espátula.

Vittoria obedeceu.

- Está sentindo o mesmo que eu?

- Tensão?

- Não, falta de ar.

Langdon também sentia, inegavelmente. O ar ia ficando muito rarefeito mais depressa do que ele imaginara.

Sabia que tinham de se apressar. Tentar desvendar enigmas dentro de arquivos não era novidade para ele, mas em geral tinha mais do que uns poucos minutos para trabalhar neles. Sem falar, inclinou a cabeça e começou a traduzir a primeira página de sua pilha.

Apareça, droga! Apareça!

 

Ao dobrar uma esquina ele os viu, exatamente como os havia deixado - quatro velhos apavorados atrás das barras de ferro enferrujado de um cubículo de pedra.

- Qui êtez-vous?- perguntou um dos homens, em francês. - O que quer de nós?

- Hilfe! - disse outro, em alemão. - Deixe-nos ir embora!

- Tem noção de quem somos nós? - perguntou outro ainda, em inglês com sotaque espanhol.

- Silêncio - ordenou a voz áspera. Havia um tom de inevitabilidade na palavra.

O quarto prisioneiro, um italiano calado e pensativo, vislumbrou o vazio negro do olhar de seu captor.

Seria capaz de jurar que enxergou o inferno lá dentro. Que Deus nos ajude, pensou.

O matador olhou o relógio e depois voltou-se para os prisioneiros.

- E agora - disse ele -, quem vai ser o primeiro?

 

Nos Arquivos do Vaticano, dentro da Câmara 10, Robert Langdon recitava números em italiano enquanto examinava superficialmente o manuscrito diante de si. Milie, centi, uno, duo, ter, cincuanta. Preciso de uma referência numérica! Qualquer uma, droga!

Quando chegou ao final do fólio que estava lendo, apanhou a espátula para virar as páginas. Ao alinhar a lâmina com a página seguinte, fez um movimento desajeitado, encontrando dificuldade para segurar a espátula com firmeza. Minutos depois, percebeu que abandonara a espátula e estava virando as páginas com a mão. Opa, disse para si mesmo, sentindo-se quase um criminoso. A falta de oxigênio estava afetando suas inibições. Pelo jeito, vou acabar queimando no inferno dos arquivistas.

- Até que enfim - disse Vittoria, meio sufocada, vendo-o virar as páginas com a mão. Largou e espátula e imitou-o.

- Encontrou alguma coisa?

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Nada que seja puramente matemático. Estou lendo por alto, mas não vejo nada que pareça uma pista.

Langdon continuou traduzindo seus fólios com dificuldade cada vez maior.

 

CAPÍTULO 54

Em algum ponto de Roma, uma figura sombria esgueirou-se por uma rampa de pedra para o túnel subterrâneo. O antigo corredor estava iluminado apenas por tochas acesas, o que tornava o ar pesado e quente. Ao longe, vozes assustadas de homens chamavam em vão, ecoando nos espaços fechados.

 

Seus conhecimentos de italiano eram, na melhor das hipóteses, apenas claudicantes, e a letra miúda e a linguagem arcaica o faziam avançar lentamente. Vittoria chegou antes dele ao fim de sua pilha e, desanimada, folheou as páginas outra vez. Debruçou-se sobre elas para uma inspeção mais intensa.

Quando Langdon terminou, praguejou em voz baixa e olhou para Vittoria. Ela estava curvada tentando enxergar melhor algo em um de seus fólios.

- O que é? - perguntou.

Ela não levantou a cabeça.

- Suas páginas tinham alguma nota de rodapé?

- Não que eu percebesse. Por quê?

- Esta página tem uma. Está meio escondida em uma ruga do papel.

Langdon tentou ver o que ela estava examinando, mas só conseguiu distinguir um número de página no alto da margem direita da folha. Fólio 5. Levou um momento para registrar a coincidência e, mesmo assim, a associação de idéias lhe parecia vaga. Fólio 5. Cinco, Pitágoras, pentagramas, Iliuminati.

Langdon especulava se os Illuminati teriam escolhido a página cinco para esconder sua pista. Através da névoa avermelhada que os envolvia, ele vislumbrou um pequenino raio de esperança.

- A nota de rodapé tem alguma relação com matemática?

Vittoria fez que não com a cabeça.

- Texto. Uma linha só. Letra muito pequena, quase ilegível.

As esperanças dele se esvaíram.

- Deveria ser matemática. Lingua pura.

- É, eu sei - ela hesitou. - Mas acho que você vai querer ouvir isto.

Havia uma certa excitação na voz dela.

- Diga logo.

Apertando os olhos junto ao fólio, Vittoria leu a frase.

- "O caminho da luz está preparado, o teste sagrado."

As palavras não eram o que Langdon tinha imaginado.

- O que foi que disse?

Vittoria repetiu.

- "O caminho da luz está preparado, o teste sagrado."

- Caminho da luz? - Langdon sentiu suas costas se endireitarem.

- É o que está escrito aqui. Caminho da luz.

À medida que ele assimilava as palavras, um lampejo de clareza penetrava o seu delírio, O caminho da luz está preparado, o teste sagrado. Não tinha idéia de como a frase podia ajudá-los, mas o fato é que era uma referência mais do que direta ao Caminho da Iluminação. O caminho da luz. O teste sagrado. A cabeça

dele fazia um esforço semelhante ao de um motor alimentado com gasolina de má qualidade e que está tentando pegar.

- Tem certeza de que a tradução está correta?

Ela ficou indecisa.

- Na verdade - ela lhe lançou um olhar estranho -, não é tecnicamente uma tradução. A frase está escrita em inglês.

Por um instante, ele pensou que a acústica da câmara tivesse afetado sua audição.

- Em inglês?!

Vittoria empurrou o documento para ele e Langdon leu as letrinhas diminutas no pé da página:

- The path of light is laid, the sacred test. Em inglês! Por que em inglês em um livro italiano?

Vittoria deu de ombros. Ela também parecia um tanto embriagada.

- Quem sabe é o que eles chamavam de lingua pura? É considerada a língua internacional da ciência. Só falamos inglês no CERN.

- Mas isso foi em 1600 - argumentou Langdon. - Ninguém falava inglês na Itália, nem o... - ele parou, percebendo o que ia dizer. - Nem o clero. - A mente acadêmica de Langdon funcionava agora a todo vapor. - No século XVII - continuou ele, falando agora mais depressa -, o inglês era uma língua que o

Vaticano ainda não adotava. Eles usavam o italiano, o latim, o alemão, até o espanhol e o francês, mas o inglês era uma língua totalmente estrangeira dentro do Vaticano. Consideravam-na uma língua corrompida de livres-pensadores, que servia para profanos como Chaucer e Shakespeare. - Ocorreu-lhe de repente a questão das marcas a fogo dos Illuminati, Terra, Ar, Fogo e Água. A lenda de que as marcas eram em inglês agora fazia sentido, um sentido bizarro.

- Quer dizer que talvez Galileu considerasse o inglês la lingua pura porque era a única língua que o Vaticano não controlava?

- É isso mesmo. Ou, talvez, ao redigir a pista em inglês, Galileu estivesse sutilmente restringindo a leitura, excluindo o Vaticano.

- Mas nem chega a ser uma pista - objetou ela. - O caminho da luz está preparado, o teste sagrado? Que diabos quer dizer isto?

Ela tem razão, pensou Langdon. A frase não ajudava nada. No entanto, repetindo-a em sua mente, um estranho fato ocorreu-lhe. Ora, não é interessante? Será que existe alguma possibilidade aí?

- Temos de sair daqui - disse Vittoria, a voz enrouquecida.

Langdon não escutou. The path of light is laid, the sacred test.

- É um pentâmetro iâmbico! - exclamou, contando as sílabas outra vez.

- Cinco dísticos de silabas agudas e breves alternadas.

Vittoria parecia perdida.

- Pentâmetro o quê?

E súbito Langdon estava de volta à Academia Phillips Exeter, em uma aula de inglês de um sábado de  manhã. Um verdadeiro inferno na Terra. A estrela do beisebol da escola, Peter Greer, estava tendo  dificuldades para lembrar o número de dísticos de um verso pentâmetro iâmbico de Shakespeare. O  professor, um animado mestre chamado Bisseli, pulou para cima da mesa e berrou: 

- Pentâ-metro, Greer! Lembre de pentá-gono! Cinco lados! Penta! Penta! Penta! Deeeus do cééu! 

Cinco dísticos, pensou Langdon. Cada dístico tendo, por definição, duas sílabas. Mal podia crer que  em toda a sua carreira jamais fizera aquela associação. O pentâmetro iâmbico era uma métrica com simetria  que se baseava nos dois números sagrados dos Iliuminati, 5 e 2! 

Você está exagerando! Ele disse para si mesmo, tentando afastar o pensamento de sua mente. É uma  coincidência sem sentido! Mas a idéia não lhe saía da cabeça. Cinco.., para Pitágoras e o  pentagrama. Dois para a dualidade de todas as coisas. 

No momento seguinte, uma outra descoberta fez suas pernas bambearem. O pentâmetro iâmbico, por sua  simplicidade, era muitas vezes chamado de "puro verso", ou "pura métrica" La língua pura? Seria essa  a língua pura a que os liluminati se referiam? The path of light is laid, the sacred test... 

- Oh-oh - disse Vittoria. 

Langdon viu Vittoria virar o fólio de cabeça para baixo. Sentiu um aperto no estômago. De novo, não... 

- Não há possibilidade de essa frase ser um ambigrama! 

- Não, não é um ambigrama, mas é... - e ela continuou a virar o documento 90 graus de cada vez. 

- É o quê? 

Vittoria encarou-o. 

- Aquela não é a única frase. 

- Existe outra? 

- Há uma em cada margem. Na de cima, na de baixo, na da esquerda e na da direita. Acho que é um poema. 

- Quatro versos? - Langdon arrepiou-se de excitação. Galileu era poeta? 

- Deixa eu ver! 

Vittoria não largou a página. Continuava virando-a para ler o que estava escrito nas quatro margens. 

- Não vi antes os versos porque estão nas margens. - Ela inclinou a cabeça

para ler a última. - Humm... Sabe de uma coisa? Nem foi Galileu quem escreveu isto. 

-O quê? 

- O poema está assinado por John Milton. 

- John Milton? 

O influente poeta inglês que escreveu Paraíso Perdido era contemporâneo de Galileu e um sábio que os  aficionados por conspirações colocavam no topo da lista de suspeitos de serem Iliuminati. A suposta  aflhiação de Milton à confraria dos Iliuminati de Galileu era uma lenda que Langdon acreditava ser  verdadeira. Não só Milton fizera uma bem-documentada peregrinação a Roma em 1638 para "comungar  com os homens esclarecidos", como tivera encontros com o cientista durante sua prisão domiciliar,  encontros estes retratados em muitas pinturas renascentistas, entre elas a famosa tela de Annibale Gatti,  Galileu e Milton, hoje exposta no Instituto e Museu da História da Ciência, em Florença. 

- Milton conhecia Galileu, não é? - disse Vittoria, empurrando finalmente o in-fólio para Langdon. - Quem  sabe ele escreveu o poema como um favor? 

Langdon cerrou os dentes ao pegar o documento com seu invólucro. Deixando-o aberto sobre a mesa, leu  a frase no alto. Depois, girou a página 90 graus e leu a frase da margem direita. Girou outra vez e leu a de  baixo. Mais um giro final para ler a última e completar o movimento circular. Havia ao todo quatro frases. A  que Vittoria encontrara primeiro era na realidade o terceiro verso do poema. Completamente boquiaberto,  ele leu os quatro versos de novo na seqüência certa: alto, direita, rodapé, esquerda. Quando terminou,  soprou o ar dos pulmões com vontade. Não tinha mais nenhuma dúvida. 

- Muito bem, senhorita Vetra, você encontrou. 

Ela sorriu com os lábios apertados. 

- Ótimo, agora podemos dar o fora daqui? 

- Tenho de copiar esses versos. Preciso encontrar lápis e papel. 

Vittoria sacudiu a cabeça. 

- Esqueça, professor. Nada de bancar o escriba, não temos tempo para isso. Mickey está andando. - Ela  tirou o documento da mão dele e se encaminhou para a porta. 

Langdon levantou-se. 

- Não pode levar isso para fora! É um... 

Mas Vittoria já estava longe.

 

CAPÍTULO 55

Langdon e Vittoria irromperam às pressas pelo pátio do lado de fora dos Arquivos

Secretos. O ar fresco fluiu para os pulmões de Langdon como se fosse uma droga inebriante. Os pontos  vermelhos em sua vista sumiram rapidamente. A culpa, todavia, não sumiu. Ele acabara de se tornar  cúmplice do roubo de uma preciosa relíquia pertencente ao arquivo mais protegido do mundo. O  camerlengo dissera: Estou depositando minha confiança no senhor. 

- Depressa - disse Vittoria, ainda segurando o fólio e atravessando a Via Borgia na direção do escritório de  Olivetti quase em passo de corrida. 

- Se cair água nesse papiro... 

- Calma, quando decifrarmos essa coisa, vamos devolver o bendito Fólio 5. 

Langdon acelerou o passo para acompanhá-la. Além de se sentir um criminoso, ainda estava sob o impacto  das fascinantes implicações do documento. John Milton era um Iliuminatus. Compôs o poema  para Galileu publicar no Fólio 5, longe dos olhos do Vaticano. 

Ao saírem do pátio, Vittoria entregou o fólio a Langdon. 

- Acha que pode decifrar isso? Ou perdemos todas aquelas células cerebrais à toa? 

Langdon segurou o documento com todo o cuidado. Sem titubear, enfiou-o em um dos bolsos internos de  seu paletó de tweed para protegê-lo da luz do sol e dos perigos da umidade. 

- Já o decifrei faz tempo. 

Vittoria estacou. 

-Você o quê? 

Langdon continuou a andar. 

Vittoria foi atrás dele. 

- Você só o leu uma vez! Pensei que fosse muito dificil! 

Langdon sabia que ela estava certa e, no entanto, ele decifrara o segno com uma única leitura. Uma  estrofe perfeita de pentâmetros iâmbicos e o primeiro altar da ciência revelara-se com uma clareza  impecável. Tinha de confessar que a facilidade com que realizara a tarefa deixara-o bastante inquieto. Ele  era um produto da ética puritana do trabalho. Ainda era capaz de ouvir a voz de seu pai repetindo o velho  aforismo da Nova Inglaterra: Se não foi penoso e dificil, é porque você fez errado. Langdon  torcia para que o ditado não fosse verdade.

- Já decifrei - disse, andando mais depressa. - Sei onde vai acontecer o primeiro assassinato. Temos de avisar Olivetti. 

Vittoria aproximou-se dele. 

- Como é que você pode já ter descoberto? Deixe eu ver isso outra vez. 

Com o jogo de corpo de um pugilista, ela enfiou a mão com grande agilidade no bolso dele e tirou de lá o fólio. 

- Cuidado! - exclamou Langdon. - Não pode... 

Vittoria não lhe deu atenção. Com o fólio na mão, ela flutuava ao lado dele, segurando o documento com o  braço levantado para enxergar à luz do fim do dia, examinando as margens. Ela começou a ler em voz alta e  Langdon fez um movimento para recuperar o fólio mas, sem querer, viu-se enfeitiçado pela voz de contralto  e pelo sotaque de Vittoria, que dizia os versos no mesmo ritmo de seus passos. 

Por um momento, ao ouvir os versos, Langdon sentiu-se transportado no tempo, como se fosse um dos contemporâneos de Galileu que os escutasse pela primeira vez sabendo que eram um teste, um mapa, uma  pista para desvendar os quatro altares da ciência, os quatro marcos que abriam um caminho secreto através de Roma. Os versos fluíam dos lábios de Vittoria como uma canção.

From Santi's earthly tomb with demon's hole, 'Cross Rome the mystic elements unfold. The path of light is laid, the sacred test, Letangelsguideyou onyourloftyquest.

Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio 

Através de Roma se estendem os místicos elementos. 

O caminho da luz está preparado, o teste sagrado, 

Que os anjos o guiem em sua busca sublime.

Vittoria leu duas vezes e depois se calou, deixando as palavras antigas ressoarem sozinhas. 

Da tumba terrena de Santi, Langdon repetiu em sua mente. O poema era claro como água neste ponto. O Caminho da Iluminação começava na tumba de Santi. A partir dali, através de Roma, os marcos assinalavam o percurso. 

Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio 

Através de Roma se estendem os místicos elementos.

Os místicos elementos. Também estava claro. Terra, Ar, Fogo e Água. Os elementos da ciência, os quatro marcos dos liluminati disfarçados de esculturas religiosas. 

- O primeiro marco - disse Vittoria - parece ser na tumba de Santi. 

Langdon sorriu. 

- Eu disse que não era tão difícil assim. 

- E quem é Santi? - perguntou ela, de repente cheia de entusiasmo. - E onde é a tumba dele? 

Langdon dissimulou o riso. Impressionante como poucas pessoas sabiam que San ti era o sobrenome de um dos mais famosos artistas da Renascença. Seu primeiro nome o mundo inteiro conhecia: o menino-prodígio que com 25 anos já realizava trabalhos encomendados pelo Papa Júlio II e que, ao morrer, com apenas 38 anos, deixou a maior coleção de afrescos que o mundo jamais conheceu. Santi era um dos monstros sagrados do mundo da arte, e ser conhecido apenas pelo primeiro nome era atingir um nível de fama a que só uma elite restrita tinha acesso, pessoas como Napoleão, Galileu, Jesus e, claro, os semideuses de quem agora Langdon ouvia os clamores vindos dos quartos nos prédios residenciais da

Universidade de Harvard: Sting, Madonna, Jewel e o artista antes conhecido como Prince, que agora mudara seu nome para o símbolo , o que fizera Langdon apelidá-lo de "Cruz Tau Cortada por Ankh Hermafrodita". 

- Santi - explicou Langdon - é o sobrenome do grande mestre da Renascença, Rafael. 

Vittoria espantou-se. 

- Rafael? O Rafael? 

- O próprio - respondeu, continuando a andar em passo acelerado para o escritório da Guarda Suíça. 

- Então, o caminho começa na tumba de Rafael? 

- O que na verdade faz bastante sentido - comentou Langdon, enquanto caminhavam. - Os Iliuminati costumavam considerar os grandes artistas e escultores como irmãos honorários nas luzes do conhecimento. Podem ter escolhido a tumba de Rafael como uma espécie de homenagem. - Langdon também sabia que, provavelmente, como muitos outros artistas religiosos, Rafael era um ateu não declarado. 

Vittoria colocou o fólio de volta no bolso de Langdon com todo o cuidado. 

- E onde ele está enterrado? 

Langdon respirou fundo. 

- Acredite se quiser, Rafael está enterrado no Panteão.

- No Panteão? 

- No Panteão. 

Langdon tinha de admitir que o Panteão não era o lugar que esperara para o primeiro marco. Imaginara o primeiro altar da ciência em alguma igreja sossegada, meio afastada, algo mais discreto. Já no século XVII, o Panteão, com seu domo colossal, era um dos locais mais conhecidos de Roma. 

- O Panteão é uma igreja? - perguntou Vittoria. 

- A mais antiga igreja católica de Roma. 

Vittoria fez um gesto de descrença. 

- Acha mesmo que o primeiro cardeal poderia ser morto no Panteão? Deve ser um dos pontos turísticos mais movimentados de Roma. 

Ele deu de ombros. 

- Os Iliuminati disseram que queriam o mundo inteiro assistindo. Matar um cardeal no Panteão com certeza deve chamar a atenção de muita gente. 

- Como é que esse sujeito acha que vai matar alguém no Panteão e sair de lá sem ser notado? Seria impossível. 

- Tão impossível quanto seqüestrar quatro cardeais dentro da Cidade do Vaticano? O poema é bem preciso. 

- E você tem certeza de que Rafael está enterrado no Panteão? 

- Já vi a tumba dele muitas vezes. 

Vittoria ainda parecia preocupada, mas balançou a cabeça. 

- Que horas são? 

Langdon conferiu o relógio. 

- Sete e meia. 

- O Panteão é muito longe? 

- Mais ou menos um quilômetro. Temos tempo. 

- O poema falava da tumba terrena de Santi. Acha que significa alguma coisa? 

Langdon atravessou na diagonal o pátio da sentinela. 

- Terrena? É provável que não haja lugar mais terreno em Roma do que o Panteão. Seu nome vem da religião originalmente praticada ali, o panteísmo, a adoração de todos os deuses, especificamente os deuses pagãos da Mãe Terra. 

Quando estudante de arquitetura, Langdon ficara admirado ao aprender que as dimensões da câmara principal do Panteão eram um tributo a Gaea, a deusa da Terra. E que as proporções eram tão exatas que um gigantesco globo caberia perfeitamente dentro da construção com uma folga de menos de um milímetro. 

- Está bem - disse Vittoria, mais convencida. - E a cova do demônio? Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio? 

Langdon não tinha muita certeza quanto a isso.

- A cova do demônio deve ser o óculo - respondeu, tentando adivinhar pela lógica. - A famosa abertura circular no teto do Panteão. 

- Mas trata-se de uma igreja - objetou Vittoria, andando sem esforço ao lado dele. - Por que chamariam a abertura de cova do demônio? 

Na realidade, Langdon vinha se perguntando a mesma coisa. Nunca ouvira a expressão "cova do demônio' mas lembrava-se de uma célebre crítica feita ao Panteão no século VI cujas palavras pareciam estranhamente apropriadas agora. O Venerável Bede escrevera que a abertura no teto do Panteão fora feita por demônios que tentavam escapar do prédio quando este foi consagrado pelo Papa Bonifácio IV. 

- E por que - acrescentou Vittoria quando entraram em um pátio menor – os Iliuminati usariam o nome Santi se ele era de fato conhecido como Rafael? 

- Você faz um bocado de perguntas. 

- Meu pai costumava dizer o mesmo. 

- Duas razões possíveis. Uma, a palavra Rafael tem sílabas demais. Teria destruído o pentâmetro iâmbico do poema. 

- Uma interpretação meio forçada, convenhamos. 

Langdon concordou com ela. 

- Talvez, então, usar "Santi" tornasse a pista mais obscura e só homens muitos esclarecidos reconheceriam a referência a Rafael. 

A explicação também não satisfez Vittoria por completo. 

- Acredito que o sobrenome de Rafael devia ser muito conhecido na sua época. 

- Por incrível que pareça, não, O reconhecimento de alguém por um único nome era símbolo de status.

Rafael evitava usar seu sobrenome, do mesmo jeito que algumas estrelas populares fazem hoje em dia.

Como Madonna, por exemplo. Ela nunca usa seu sobrenome, Ciccone. 

Vittoria achou graça. 

-Você sabe o sobrenome de Madonna? 

Langdon arrependeu-se de ter dado aquele exemplo. Impressionante as bobagens que se aprendem convivendo com dez mil adolescentes. 

Ao passarem pelo último portão para chegarem ao escritório da Guarda Suíça, Vittoria e Langdon foram inesperadamente obrigados a parar. 

- Para! - bradou uma voz atrás deles. 

Os dois se viraram e deram com o cano de um fuzil. 

- Attento! - exclamou Vittoria, recuando de um salto. - Cuidado com... 

- Non sportarti! - disse o guarda, ríspido, engatilhando a arma. 

- Soldato! - chamou alguém do lado oposto do pátio. Olivetti estava saindo do centro de segurança. - Deixe-os passar!

O guarda, desconcertado, objetou: 

- Ma, signore, é una donna... 

- Para dentro! - ele gritou para o guarda. 

- Signore, non posso... 

- Já! Suas ordens são outras agora. O capitão Rocher vai transmitir novas instruções para a Guarda em dois minutos. Vamos organizar uma busca. 

Aturdido, o guarda entrou correndo no centro de segurança. Olivetti veio ao encontro de Langdon, rígido e furioso. 

- Nossos arquivos mais secretos? Vou querer uma explicação. 

- Temos boas novas - disse Langdon. 

Os olhos de Olivetti estreitaram-se. 

- É melhor que sejam muito boas. 

 

CAPÍTULO 56

Os quatro carros Alpha Romeo 155 T-Sparks sem identificação dispararam pela Via dei Coronari como caças decolando em uma pista de aviação. Os veículos levavam 12 guardas suíços à

paisana armados com semi- automáticas Cherchi-Pardini, bombas de gás asfixiante e cassetetes de alta-voltagem de longo alcance. Os três atiradores de elite seguravam fuzis de mira a laser. 

Sentado ao lado do motorista no primeiro carro, Olivetti dirigiu-se a Langdon e a Vittoria, que estavam no banco de trás. Seu rosto tinha uma expressão de raiva. 

- Vocês garantiram que me dariam uma explicação plausível e isso é tudo o que têm a dizer? 

Langdon estava apertado no pequeno carro. 

- Compreendo sua... 

- Não, não compreende nada! - Olivetti nunca levantava a voz, mas a sua intensidade triplicou. - Acabei de tirar 12 dos meus melhores homens da Cidade do Vaticano na véspera de um conclave. E o fiz para vasculhar o Panteão baseado no testemunho de um americano que nunca vi antes e que acabou de

interpretar um poema escrito há 400 anos. Também acabei de deixar nas mãos de oficiais subalternos a responsabilidade pela busca dessa arma de antimatéria.

Langdon resistiu à vontade de puxar o Fólio 5 de dentro do bolso e sacudi- lo diante do nariz de Olivetti. 

- Tudo o que sei é que a informação que encontramos se refere à tumba de Rafael e que essa tumba fica dentro do Panteão. 

O oficial que dirigia o carro confirmou. 

- Ele tem razão, comandante, minha mulher e eu... 

- Dirija - ordenou Olivetti. E voltou-se outra vez para Langdon. - Como alguém poderia cometer um assassinato em um lugar tão movimentado e escapar sem ser visto? 

- Não sei - respondeu Langdon. - Mas os Illuminati sem dúvida têm muitos meios. Invadiram o CERN e a Cidade do Vaticano. Foi pura sorte termos conseguido saber onde vai ocorrer a primeira morte. O Panteão é a sua única chance de pegar esse sujeito. 

- Mais contradições - reclamou Olivetti. - Única chance? O senhor não disse que havia uma espécie de trilha? Uma série de marcos? Se o Panteão for o lugar certo, podemos seguir a trilha para os outros marcos.

Teremos quatro chances de pegar o assassino. 

- Era o que eu esperava - disse Langdon. - Teríamos quatro chances, um século atrás. 

Descobrir que o Panteão era o primeiro altar da ciência havia sido para Langdon um momento de prazer com um travo amargo. A História de vez em quando prega peças cruéis naqueles que a perseguem. Seria querer demais que o Caminho da Iluminação estivesse intacto depois de tanto tempo, com todas as suas estátuas no mesmo lugar, mas uma parte da cabeça de Langdon acalentara a fantasia de seguir o caminho até o fim e encontrar o refúgio sagrado dos Iliuminati. Admitia, com muita pena, que isto não seria possível. 

- O Vaticano removeu e destruiu todas as estátuas do Panteão no final do século XIX. 

- Por quê? - perguntou Vittoria, chocada. 

- Eram estátuas pagãs, deuses do Olimpo. Infelizmente, isto significa que o primeiro marco se foi e, com ele... 

- Qualquer esperança de encontrar o Caminho da Iluminação e os outros marcos?

Três outros Alpha Romeos derraparam atrás dele. O comboio da Guarda Suíça parou cantando os pneus. 

- O que está fazendo?! - exclamou Vittoria. 

- Meu trabalho - disse Olivetti, ajeitando-se no assento, a voz dura como pedra. - Senhor Langdon, quando falou que explicaria a situação a caminho, presumi que chegaríamos ao Panteão com uma idéia clara da razão por que meus homens estavam ali. Não é o caso. Como estou abandonando obrigações de importância vital pelo fato de estar aqui e, além disso, como acho que não faz muito sentido essa sua teoria de sacrificios de virgens e poesia antiga, não posso em sã consciência continuar. Estou cancelando esta missão agora mesmo. 

Ele pegou seu walkie-talkie e ligou-o. 

Vittoria inclinou-se para a frente e agarrou o braço dele. 

- Não pode fazer isso! 

Olivetti bateu com o aparelho no banco do carro e lançou-lhe um olhar furioso. 

- Já esteve no Panteão, senhorita Vetra? 

- Não, mas... 

- Deixe que lhe explique como é o lugar. O Panteão consiste em um único ambiente. Uma construção circular feita de pedra e cimento. Tem uma entrada. Não tem janelas. A entrada é estreita. É guardada o tempo todo por nada menos do que quatro policiais romanos armados que protegem o santuário contra destruidores de obras de arte, terroristas anticristãos e golpes de falsos turistas. 

- Aonde quer chegar? - disse ela com frieza. 

- Aonde quero chegar? - Os dedos de Olivetti agarravam com força o encosto do banco do carro. - O que acabaram de me contar é totalmente impossível! Será que são capazes de me apresentar uma descrição plausível de como alguém poderia matar um cardeal dentro do Panteão? Antes de mais nada, como é que alguém passaria com um refém qualquer pelos guardas que ficam na entrada? E ainda por cima o mataria e fugiria em seguida? - Olivetti debruçou-se no encosto, seu hálito cheirando a café no rosto de Langdon. 

- Como, senhor Langdon? Vamos lá, só uma descrição plausível. 

Langdon sentia-se como se o pequenino carro tivesse encolhido em volta dele. Não tenho a menor idéia! Não sou um assassino! Não sei como ele vai agir! Só sei... 

- Uma descrição? - repetiu Vittoria com sarcasmo na voz, imperturbável. - Que tal o assassino vir em um helicóptero e deixar cair um cardeal marcado a fogo e aos gritos pela abertura do teto, o cardeal bater no piso de mármore e morrer?

- Isso. Temos uma chance, o Panteão. Depois, a trilha desaparece. Olivetti olhou fixo para ambos durante um longo momento e depois voltou a olhar para a frente. 

- Encoste - rosnou para o motorista. 

O motorista deu uma guinada para junto do meio-fio e enfiou o pé no freio.

A atenção de todos no carro voltou-se para Vittoria. Langdon não sabia o que pensar. Você tem uma imaginação doentia, moça, mas é um bocado rápida. 

Olivetti franziu o sobrolho. 

- Possível, admito, mas dificilmente... 

- Ou o assassino dá uma droga qualquer ao cardeal - disse Vittoria - e entra no Panteão com ele em uma cadeira de rodas, como se fosse um turista idoso. Lá dentro, corta discretamente a garganta dele e sai sem ser notado. 

Aquela alternativa fez Olivetti acordar um pouco. 

Nada mal!, pensou Langdon. 

- Ou - continuou ela -, o assassino poderia... 

- Já entendi - interrompeu Olivetti. - Chega. 

Ele respirou fundo e soprou o ar dos pulmões. Alguém bateu no vidro com insistência e todos se sobressaltaram. Era um soldado de um dos outros carros. Olivetti abaixou o vidro. 

- Tudo bem, comandante? - O soldado estava vestido com roupas civis. Levantou a manga de sua camisa jeans e mostrou um relógio de pulso preto de estilo militar. - Sete e quarenta, comandante. Precisamos de tempo para nos posicionarmos. 

Olivetti fez um gesto vago com a cabeça, mas ficou calado alguns instantes. Correu o dedo de um lado para o outro no painel do carro, fazendo uma linha na poeira. Examinou Langdon pelo retrovisor e Langdon sentiu-se medido e avaliado. Finalmente, Olivetti dirigiu-se ao guarda. Havia relutância em sua voz. 

- Quero abordagens separadas. Carros na Piazza deila Rotonda, Via degli Orfani, Piazzas Sant'Ignazio e Sant'Eustachio. A dois quarteirões de distância, não menos. Quando estacionarem, preparem-se e aguardem minhas ordens. Três minutos. 

- Muito bem, senhor. 

O soldado voltou para seu carro. 

Langdon fez uma careta para Vittoria com ar impressionado. Ela sorriu de volta e, por um instante, estabeleceu-se entre os dois uma ligação inesperada, um fio de magnetismo. 

O comandante virou-se para Langdon, incisivo: 

- Senhor Langdon, é bom que tudo isso não estoure em cima de nós. 

Langdon deu um sorriso constrangido. Como poderia?

 

CAPÍTULO 57

O diretor do CERN, Maximilian Kohler, abriu os olhos ainda sob o efeito da

cromolina e do leucotrieno em seu corpo, dilatando seus tubos brônquicos e seus capilares pulmonares. Respirava normalmente outra vez. Encontrava-se deitado em um quarto particular na enfermaria do CERN, sua cadeira de rodas encostada à cama. 

Avaliou a situação e examinou a túnica de papel com que o haviam vestido. Suas roupas estavam dobradas na cadeira ao lado. Lá fora, ouvia uma enfermeira fazendo a ronda.

Permaneceu deitado um longo minuto, à escuta. Depois, procurando fazer o mínimo barulho possível, chegou até a beirada da cama e apanhou sua roupa. Lutando com suas pernas sem vida, vestiu-se. Então, arrastou o corpo e sentou-se na cadeira de rodas. 

Abafou a tosse e fez girar as rodas da cadeira até a porta. Movimentou-a manualmente, com cuidado, sem ligar o motor. Quando chegou à porta, espiou para fora. O vestíbulo estava vazio. 

Silenciosamente, Maximilian Kohler escapuliu da enfermaria. 

 

CAPÍTULO 58

- Sete e quarenta e seis e trinta... preparem-se.-Mesmo quando falava em seu

walkie-talkie, a voz de Olivetti não passava de um sussurro. 

Langdon agora suava dentro de seu casaco de tweed no banco de trás do Alpha-Romeo, parado em uma praça a três quarteirões de distância do Panteão. Vittoria, sentada a seu lado, tinha toda a sua atenção concentrada em Olivetti, que transmitia as ordens finais. 

- A formação de combate será um cerco de oito pontos. O alvo pode reconhecê-los, portanto vocês ficarão pas-visibles. Empreguem somente força nãomortal. Precisamos de alguém para vigiar o telhado. O alvo é prioritário. O refém é secundário. 

Credo, pensou Langdon, arrepiado com a eficiência com que Olivetti dissera

a seus homens que o refém poderia ser sacrificado por razões estratégicas. O refém é secundário. 

- Repetindo. Intervenção não-mortal. O alvo tem de estar vivo. Agora, vão! 

Vittoria estava perplexa, quase zangada. 

- Comandante, ninguém vai entrar? 

- Entrar? - repetiu Olivetti. 

- É! No Panteão! Onde se supõe que tudo vá acontecer! 

- Attento - disse Olivetti, seus olhos se congelando. - Se houve mesmo infiltração em minhas fileiras, meus homens podem ser reconhecidos. Seu amigo acabou de avisar que esta pode ser a única chance de pegarmos o alvo. Não tenho nenhuma intenção de espantar essa pessoa fazendo meus homens invadirem o local. 

- E se o assassino já estiver lá dentro? 

Olivetti verificou o relógio. 

- O alvo foi bem específico. Oito horas. Temos 15 minutos. 

- Ele disse que mataria o cardeal às oito horas. Mas pode já ter entrado antes com a vítima. E se seus homens virem o alvo sair mas não souberem que é ele? Alguém precisa ir verificar se há algum suspeito lá dentro. 

- É arriscado demais a essa altura. 

- Não se a pessoa que entrar não puder ser reconhecida. 

- Disfarçar alguém levaria tempo demais e... 

- Estou me referindo à minha pessoa - disse Vittoria. 

Langdon voltou-se para ela. 

Olivetti foi enfático. 

- De jeito nenhum. 

- Ele matou meu pai. 

- Exato, e pode saber quem a senhorita é. 

- O senhor ouviu o que ele disse ao telefone. Não tinha a menor idéia de que Leonardo Vetra sequer tivesse uma filha. Com certeza, não sabe quem sou. Eu poderia entrar como uma turista qualquer. Se visse alguma coisa suspeita, iria para a praça e faria sinal para seus homens entrarem. 

- Desculpe, mas não posso autorizar isso. 

- Comandante? - Ouviu-se o chamado no aparelho de Olivetti. - Temos um problema no ponto norte. A fonte está bloqueando a nossa linha de visão. Só poderemos enxergar a entrada se nos deslocarmos para o meio da piazza. Qual é a sua ordem? Permanecermos sem visão ou ficarmos vulneráveis? 

Vittoria aparentemente não agüentava mais. 

- Chega. Estou indo.

Ela abriu a porta do carro e saiu. 

Olivetti largou o walkie-talkie e saltou do carro, contornando-o na frente de Vittoria. 

Langdon saiu também. Que diabos ela está fazendo? 

Olivetti postou-se no caminho dela. 

- Senhorita Vetra, seus instintos são bons, mas não posso deixar um civil interferir. 

- Interferir? Vocês estão fazendo um vôo cego. Quero ajudar. 

- Eu gostaria muito de ter um contato lá dentro, mas... 

- Mas o quê? - ela o interpelou. - Mas eu sou uma mulher? 

Olivetti ficou calado. 

- É bom que não tenha sido isso o que o senhor ia dizer, comandante, porque sabe muito bem que a idéia é boa, e se deixar que uma bobagem machista dessas, um preconceito arcaico... 

- Deixe eu fazer o meu trabalho. 

- Deixe eu ajudar. 

- É perigoso demais. Não teríamos nenhuma linha de comunicação com a senhorita. Não posso deixá-la levar um walkie-talkie, iria denunciá-la. 

Vittoria enfiou a mão no bolso de sua blusa e tirou seu telefone celular. 

- Uma porção de turistas carrega telefones celulares. 

Vittoria abriu o telefone e imitou uma chamada: 

- "Oi, querido, estou dentro do Panteão. Você precisava ver este lugar, que maravilha!" - Ela fechou o telefone e fulminou Olivetti com o olhar. - Quem vai descobrir? Não há risco nenhum! Deixe que eu espione

para vocês! - Fez um gesto para o celular de Olivetti preso no cinto dele. - Qual é o seu número? 

Ele não respondeu. 

O motorista vinha acompanhando a conversa e aparentemente tinha algumas opiniões a dar. Saiu do carro e puxou Olivetti para um lado. Cochicharam durante alguns segundos, ao fim dos quais Olivetti voltou e disse a Vittoria: 

- Programe este número. - E ditou-lhe o número do seu telefone. 

Vittoria programou o seu celular. 

- Agora, ligue para o número que lhe dei. 

Vittoria pressionou a discagem automática. O telefone no cinto de Olivetti começou a tocar. Ele o atendeu e falou: 

- Entre no prédio, senhorita, olhe em torno, saia do prédio, depois ligue para mim e diga o que viu. 

Vittoria fechou o telefone. 

- Obrigada, senhor.

Langdon foi tomado por uma onda repentina e inesperada de instinto protetor. 

- Espere aí - disse ele para Olivetti. - Vai mandá-la entrar lá sozinha? 

- Robert, não faz mal - disse Vittoria, com ar mal-humorado. 

O motorista da Guarda Suíça cochichou mais alguma coisa no ouvido de Olivetti. 

- É perigoso - Langdon disse a Vittoria. 

- Ele tem razão - confirmou Olivetti. - Nem os meus melhores homens trabalham sozinhos. Meu tenente acabou de lembrar que a encenação será mais convincente com vocês dois. 

Com nós dois? Langdon hesitou. Na verdade, o que eu queria dizer era... 

- Com vocês dois entrando juntos - disse Olivetti. - Vão parecer um casal em férias. Também podem dar apoio um ao outro. Fico mais tranqüilo assim. 

Vittoria deu de ombros. 

- Por mim, está bem, mas temos de andar ligeiro. 

Langdon deixou escapar uma praga em voz baixa. 

Olivetti apontou para a rua. 

- A primeira rua por onde têm de ir é a Via degli Orfani. Dobrem à esquerda e, com dois minutos de caminhada, no máximo, sairão direto no Panteão. Vou ficar aqui comandando meus homens e esperando sua chamada. Gostaria que tivessem proteção. - Pegou seu revólver. - Algum de vocês sabe atirar? 

O coração de Langdon acelerou-se. Não precisamos de arma nenhuma! 

Vittoria estendeu a mão. 

- Consigo acertar um golfinho saindo da água a 40 metros de distância da proa de um barco em movimento. 

- Ótimo - Olivetti entregou-lhe a arma. - Vai ter de escondê-la. 

Vittoria olhou para seu short. Depois, olhou para Langdon. 

Ah, não faça isso! Pensou ele, mas Vittoria foi mais rápida. Abriu o paletó dele e colocou o revólver em um dos bolsos internos. Ele teve a impressão de que uma pedra caíra dentro de sua roupa. O único consolo era o fato de o Diagramma estar no outro bolso. 

- Nossa aparência é bem inofensiva - disse Vittoria. - Vamos embora. 

Ela deu o braço a Langdon e encaminhou-se para a rua. 

O motorista falou: 

- Boa idéia, ir de braços dados. Lembrem-se de que são turistas. Talvez, até recém-casados. Dar as mãos não seria melhor ainda? 

Quando dobraram a esquina, Langdon poderia jurar que vislumbrou um leve sorriso no rosto de Vittoria.

 

CAPÍTULO 59

A "sala de concentração" de tropas da Guarda Suíça fica ao lado do quartel do Corpo de Vigilanza e é usada sobretudo para planejar a segurança nas ocasiões em que o Papa aparece em público e nos eventos públicos do Vaticano. Naquele dia, entretanto, estava sendo usada para outra coisa. 

O homem que falava à força-tarefa reunida era o segundo em comando da Guarda Suíça, o capitão Elias Rocher. Rocher tinha o tórax arredondado como um barril e o rosto de traços macios, como se feitos de massa. Vestia o tradicional uniforme azul de capitão com seu toque pessoal: uma boina vermelha colocada

de lado na cabeça. Sua voz era surpreendentemente cristalina para um homem tão grande e, quando ele falava, seu timbre possuía a clareza de um instrumento musical. A despeito de sua inflexão precisa, os olhos de Rocher eram enevoados como os de um mamífero noturno. Seus homens chamavam-no de urso, urso cinzento. Às vezes, gracejavam dizendo que Rocher era "o urso que andava à sombra da víbora" O comandante Olivetti era a víbora. Rocher era tão perigoso quanto a víbora, mas ao menos se via quando ele chegava. 

Os homens de Rocher mantinham-se vivamente atentos, ninguém mexia um músculo, embora a informação que haviam acabado de receber tivesse feito a pressão deles todos subir. 

O tenente Chartrand, um novato, postado no fundo da sala, desejava que tivesse ficado entre os 99 por cento de candidatos que não tinham sido escolhidos para estar ali. Com 20 anos, Chartrand era o guarda mais novo da tropa. Havia apenas três meses que estava no Vaticano. Como todos, fora treinado pelo exército suíço e ainda agüentara dois anos de mais ausbilding em Berna antes de se habilitar para a extenuante prova do Vaticano, realizada em um quartel secreto fora de Roma. Nada em seu treinamento, todavia, o preparara para uma crise como aquela. 

De início, Chartrand pensou que as instruções fossem algum tipo de estranho exercício de treinamento.

Armas futuristas? Cultos antigos? Cardeais seqüestrados? Então, Rocher mostrara-lhes o vídeo da arma em questão. Pelo jeito, não se tratava de exercício coisa nenhuma. 

- Vamos desligar a energia em determinadas áreas - Rocher estava dizendo - para eliminar a interferência magnética externa. Vamos nos deslocar em grupos de quatro. E usar óculos infravermelhos. O reconhecimento vai ser efetuado com o equipamento habitual de varredura, regulado para campos de fluxo abaixo de três ohms.

Alguma pergunta? 

Nenhuma. 

A cabeça de Chartrand estava sobrecarregada. 

- E se não encontrarmos o material a tempo? - perguntou, na mesma hora arrependendo-se de ter perguntado. 

O urso cinzento lançou-lhe um olhar sob sua boina vermelha. E dispensou o grupo com uma saudação soturna: 

- Vão com Deus. 

 

CAPÍTULO 60

A dois quarterões do Panteão, Langdon e Vittoria passaram a pé por uma fila de táxis estacionados, os motoristas dormindo nos bancos da frente. A hora da soneca era eterna na Cidade Eterna, o cochilo coletivo no mesmo horário sendo lá uma extensão aperfeiçoada do hábito das sestas vespertinas nascido na antiga Espanha. 

Langdon esforçou-se para concentrar seus pensamentos, mas a situação era por demais fora do comum para ser assimilada racionalmente. Seis horas antes, ele estava dormindo profundamente em Cambridge.

Agora, encontrava-se na Europa, no meio de uma batalha surreal de antigos titãs, carregando um revólver no bolso de seu paletó de tweed e de mãos dadas com uma mulher que tinha acabado de encontrar. 

Olhou para Vittoria. Estava inteiramente voltada para o que os esperava. Havia força no seu aperto de mão, a força de uma mulher determinada e independente. Os seus dedos envolviam os dele com o conforto de uma aceitação inata. Sem hesitar. Langdon sentiu uma atração crescente por ela. Seja realista, disse para si mesmo. 

Vittoria notou o constrangimento dele. 

- Relaxe - disse ela, sem virar a cabeça -, temos de parecer recém-casados. 

- Estou relaxado. 

- Você está esmagando a minha mão. 

Langdon enrubesceu e aproximou os dedos. 

- Respire através dos seus olhos.

-Como é? 

- Serve para relaxar os músculos. Chama-se pranayama. 

-Piranha? 

- Não, não é nome de peixe. Pranayama. Ora, deixe para lá. 

Dobraram a esquina para a Piazza della Rotonda e o Panteão ergueu-se diante deles. Langdon admirou-o, como sempre, com reverência, O Panteão. Templo de todos os deuses. Deuses pagãos. Deuses da natureza e da Terra. A estrutura, vista de fora, parecia mais compacta e fechada do que ele se lembrava. As colunas verticais e os pronaus triangulares obscureciam o domo circular que ficava atrás.

Ainda assim, a ousada e vaidosa inscrição acima da entrada garantia-lhe que estavam no lugar certo. M AGRIPPA L F COS TERTIUM FECIT. Langdon mais uma vez se divertiu com a tradução: Marcus Agrippa, cônsul pela terceira vez, construiu isto. 

Tão modesto, pensou, correndo os olhos pelo espaço ao redor. Alguns turistas perambulavam com câmeras de vídeo na mão. Outros estavam sentados no café ao ar livre La Tazza di Oro, saboreando o melhor café gelado de Roma. Junto da entrada do Panteão, quatro policiais romanos armados vigiavam, atentos, como Olivetti predissera. 

- Tudo bastante tranqüilo - comentou Vittoria. 

Langdon concordou, mas sentia-se preocupado. Agora que estava ali, o cenário todo não lhe parecia muito real. Apesar da confiança de Vittoria, que acreditava que ele estivesse certo, Langdon deu-se conta de que pusera todos na linha de fogo. O poema Illuminati subsistia. Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio. SIM, afirmou internamente. Era ali. A tumba de Santi. Já estivera muitas vezes sob o óculo do Panteão, junto ao túmulo do grande Rafael. 

- Que horas são? 

Langdon verificou o relógio de pulso. 

- Sete e cinqüenta. Dez minutos para o espetáculo começar. 

- Espero que esses guardas sejam bons - disse Vittoria, observando os turistas esparsos entrando no Panteão. - Se alguma coisa acontecer ai dentro, vamos ficar todos sob fogo cruzado. 

Langdon soprou fortemente o ar dos pulmões enquanto se encaminhavam para a entrada. A arma pesava em seu bolso. Imaginou o que aconteceria se os policiais o revistassem e encontrassem a arma, mas eles nem o olharam duas vezes. O disfarce deveria estar mesmo convincente. 

Langdon sussurrou para Vittoria. 

- Já atirou com outra coisa além de uma espingarda de tranqüilizante? 

- Não confia em mim?

- Como posso? Nem conheço você direito! 

Vittoria fez uma cara desapontada. 

- E eu que pensei que fôssemos recém-casados.

 

CAPÍTULO 61

O ar dentro do Panteão estava frio e úmido, pesado de história, O teto amplo flutuava no espaço acima como se não tivesse peso algum - um vão livre de 43 metros, maior ainda do que o da cúpula de São Pedro. 

Langdon mais uma vez sentiu um arrepio quando entrou no imenso ambiente. Era uma extraordinária mistura de engenharia e arte. No alto, a famosa abertura circular no teto brilhava com a luminosidade do sol do entardecer. O óculo, pensou Langdon, a cova do demônio. 

Tinham chegado. 

Langdon acompanhou com os olhos o arco do teto descendo para as paredes com as colunas, o piso de mármore polido sob seus pés. Um leve eco dos passos e murmúrios dos turistas reverberava pelo domo.

Langdon observou os pouco mais de dez turistas que andavam a esmo nas sombras. Você está aí? 

- Bem calmo o lugar - disse Vittoria, ainda segurando a mão dele. 

Langdon fez que sim. 

- Qual é a tumba de Rafael? 

Langdon parou um instante, tentando se orientar. Examinou a circunferência do recinto. Tumbas. Altares.

Colunas. Nichos. Indicou um monumento funerário particularmente ornamentado à esquerda, do outro lado do domo. 

- Acho que é aquela. 

Vittoria esquadrinhou o resto do ambiente. 

- Não vejo ninguém que pareça um assassino prestes a matar um cardeal. Vamos dar uma olhada por aí? 

Langdon concordou e os dois saíram andando. 

- Há somente um lugar aqui onde alguém poderia se esconder. É melhor verificarmos as rientranze. 

- Os recessos? 

- Isso - ele apontou. - Os nichos na parede. 

Ao longo do perímetro, intercalados com as tumbas, havia vários nichos

semicirculares formando cavidades na parede. Embora não fossem enormes, eram grandes o bastante para esconder alguém. Lamentavelmente, Langdon sabia que antes continham estátuas dos deuses olímpicos, mas essas esculturas pagãs haviam sido destruídas quando o Vaticano transformou o Panteão em igreja

cristã. Veio-lhe um acesso de frustração por saber que estava no primeiro altar da ciência e o marco se perdera. Indagava-se qual seria a estátua e para onde teria apontado. Não concebia emoção maior do que a de encontrar o marco llluminati - a estátua que indicava sorrateiramente o percurso do Caminho da

Iluminação. E de novo imaginava quem seria o anônimo escultor liluminati. 

- Vou pela esquerda - disse Vittoria, mostrando a metade esquerda da circunferência. -Você, pela direita.

Nos encontramos daqui a 180 graus. 

Ele sorriu amarelo. 

Quando ela se afastou, Langdon sentiu o horror da situação infiltrar-se de novo em sua consciência.

Enquanto se dirigia para a direita, a voz do assassino parecia sussurrar no espaço vazio que o rodeava.

Oito horas. Sacrificios de virgens nos altares da ciência. Uma progressão matemática e mortal. Oito, nove, dez, onze... e à meia-noite. Olhou o relógio de pulso: 7h52. Oito minutos. 

Caminhando para o primeiro nicho, passou pela tumba de um dos reis católicos da Itália. O sarcófago, como muitos outros em Roma, fora colocado obliquamente à parede, uma posição meio desajeitada. Um grupo de visitantes dava a impressão de estar perplexo com aquilo. Langdon não se deteve para explicar.

As tumbas cristãs muitas vezes não eram alinhadas com a arquitetura para que ficassem voltadas para o leste. Tratava-se de uma antiga superstição que uma das turmas de Simbologia de Langdon chegara a discutir no mês anterior. 

- Isso é totalmente absurdo! - uma aluna na fila da frente exclamara quando Langdon explicou a razão por que as tumbas eram viradas para leste. - Por que os cristãos iriam querer suas tumbas voltadas para o sol nascente? Estamos falando de cristianismo, não de adoração ao Sol! 

Langdon sorriu, andando diante do quadro-negro e comendo uma maçã. 

- Senhor Hitzrot! - gritou ele. 

Um rapaz que cochilava no fundo da sala sentou-se, sobressaltado. 

- Eu? 

Langdon apontou para um pôster sobre arte renascentista pendurado na parede. 

- Quem é aquele homem ajoelhado diante de Deus? 

-É... um santo? 

- Muito bem. E como sabe que é um santo? 

- Por causa do halo?

- Excelente, e esse halo dourado lembra alguma coisa? 

Hitzrot abriu um sorriso. 

- Claro! Aquelas coisas egípcias que estudamos no semestre passado. Aqueles... humm... discos solares! 

- Obrigado, Hitzrot. Pode continuar a dormir. - Langdon dirigiu-se de novo à turma. - Os halos, como grande parte da simbologia cristã, foram tirados da antiga religião egípcia baseada na adoração ao Sol. O cristianismo está cheio de manifestações de adoração ao Sol. 

- Desculpe - disse a moça da fila da frente -, mas vou sempre à igreja e não costumo ver tanta adoração ao Sol assim! 

- É mesmo? O que você comemora no dia 25 de dezembro? 

- O Natal. O nascimento de Jesus Cristo. 

- No entanto, de acordo com a Bíblia, Cristo nasceu em março. Por que, então, se comemora a data no final de dezembro? 

Silêncio. 

Langdon prosseguiu. 

- O dia 25 de dezembro, meus amigos, é o dia da antiga festa pagã do sol invictus, o Sol Invicto, que coincidia com o solstício de inverno. É aquela maravilhosa fase do ano em que o Sol retorna e os dias começam a ficar mais longos outra vez. 

Ele comeu mais um pedaço de maçã e continuou. 

- As religiões vitoriosas costumam adotar as festas já existentes para tornar a conversão menos chocante.

Chama-se a isto de transmutação. Ajuda as pessoas a se acostumarem com a nova fé. Os devotos mantêm as mesmas datas santas, rezam nos mesmos locais sagrados, usam uma simbologia semelhante e apenas substituem o deus anterior por outro diferente. 

A essa altura, a moça da frente estava furiosa. 

- O senhor está insinuando que o cristianismo não passa de uma espécie de adoração ao Sol em outra embalagem! 

- De jeito nenhum. O cristianismo não tomou elementos emprestados somente da adoração ao Sol. O ritual da canonização cristã foi tirado do antigo rito de deificação de Euhemerus. A prática de "comer Deus' ou seja, a Santa Comunhão, foi copiada dos astecas. Até o conceito de Cristo morrer por nossos pecados pode-se dizer que não é exclusivamente cristão: o auto-sacrifício de um rapaz para absolver os pecados de seu povo aparece nos registros das mais remotas tradições associadas a Quetzalcoatl. 

A moça disse, com ar feroz. 

- Quer dizer que nada no cristianismo é original?

- Muito pouco em qualquer religião organizada é inteiramente original. As religiões não começam do zero. Crescem uma a partir da outra. As religiões modernas são colagens, um registro histórico assimilado do esforço humano para compreender o divino. 

- Espere aí - disse Hitzrot, agora acordado. - Existe uma coisa cristã que é original. A nossa imagem de Deus. A arte cristã nunca retrata Deus igual a um falcão, a um animal asteca ou algo esquisito assim.

Sempre mostra Deus como um velho de barba branca. Então, a nossa imagem de Deus é original, não é? 

Langdon sorriu de novo e respondeu. 

- Quando os primeiros cristãos convertidos abandonaram suas divindades anteriores, como os deuses pagãos, os deuses romanos, os deuses gregos, o Sol, Mitra ou o que seja, eles perguntaram à Igreja com quem se parecia o seu deus cristão. Sabiamente, a Igreja escolheu o mais temido, o mais poderoso e aquele

cuja aparência era a mais conhecida de que se tinha notícia. 

Hitzrot arriscou, cético: 

- Um velho com uma barba branca comprida? 

Langdon apontou para uma representação da hierarquia de deuses da antiguidade pendurada na parede.

No alto estava sentado um velho com longas barbas brancas. 

- Zeus não lhe parece familiar? 

A campainha para encerrar a aula tocou naquele exato momento. 

- Boa noite - disse uma voz masculina. 

Langdon tomou um susto. Estava de volta ao Panteão. Deu de cara com um homem idoso usando uma pelerine azul com uma cruz vermelha no peito. O homem sorriu para ele revelando dentes acinzentados. 

- O senhor é inglês, não é? - o homem falava com um sotaque toscano carregado. 

Langdon pestanejou, confuso. 

- Não, na verdade, sou americano. 

O homem ficou embaraçado. 

- Oh, desculpe, mas o senhor está tão bem vestido que pensei... Por favor, peço mil desculpas. 

- Posso ajudá-lo em alguma coisa? - perguntou Langdon, o coração batendo loucamente. 

- Na realidade, achei que talvez eu pudesse ajudá-lo. Sou cicerone voluntário aqui - e o homem apontou orgulhoso para seu crachá emitido pela prefeitura da cidade. - Meu trabalho é tornar sua visita a Roma mais interessante. 

Mais interessante? Ele tinha certeza absoluta de que aquela visita a Roma era interessante até demais. 

- O senhor parece um homem distinto - o guia bajulou-o -, sem dúvida mais interessado em cultura do que a maioria das pessoas. Talvez eu possa lhe contar um pouco da história desta construção fascinante. 

Langdon sorriu educadamente. 

- Muito obrigado, mas eu sou professor de História da Arte e... 

- Ótimo! - o rosto do homem se iluminou como se tivesse acertado na loteria. - Então, com certeza, o senhor vai apreciar muito mais! 

- Obrigado, mas acho que prefiro... 

- O Panteão - começou o homem, embarcando em sua arenga decorada - foi construído por Marcus Agrippa em 27 a.C. 

- Sim - interrompeu Langdon -, e reconstruído por Adriano em 119 d.C. 

- Era o maior domo do mundo até 1960, quando foi superado pelo Superdomo de Nova Orleans! 

Langdon resmungou em voz baixa. O homem era irreprimível. 

- E um teólogo do século V chamou o Panteão de Casa do Demônio e declarou que a abertura no teto era uma entrada para os demônios! 

Langdon desligou-se do que o outro dizia. Ergueu os olhos para o óculo e a lembrança da cena sugerida por Vittoria projetou uma imagem aterrorizante em sua mente: um cardeal marcado a fogo despencando através da abertura e estatelando-se no chão de mármore. Seria de fato um prato cheio para a mídia.

Langdon deu por si procurando repórteres dentro do Panteão. Nenhum. Respirou fundo. A idéia era absurda. A logística para produzir uma atração como aquela seria despropositada. 

À medida que se deslocava para continuar sua inspeção, o guia tagarela seguia-o como um cãozinho carente de afeto. Não posso esquecer, disse para si mesmo, não há nada pior do que um historiador entusiasmado demais. 

Do outro lado, Vittoria estava imersa em sua busca. Sozinha pela primeira vez desde que recebera a notícia sobre seu pai, sentiu a crua realidade das últimas oito horas fechando-se em torno dela. Seu pai fora assassinado - cruel e abruptamente. Quase tão dolorosa era a consciência de que o trabalho de seu pai fora corrompido e agora se tornara um instrumento de terroristas.

Atormentava-a a culpa de ter sido a sua invenção o que permitira que a anti- matéria pudesse ser transportada. Era o contador eletrônico de seu tubo especial que agora estava marcando o tempo restante dentro do Vaticano. Na tentativa de contribuir para a busca de seu pai pela simplicidade da verdade, ela se transformara em uma conspiradora do caos. 

Estranhamente, a única coisa que parecia estar certa em sua vida naquele momento era a presença de um desconhecido. Robert Langdon. Encontrava um refúgio inexplicável em seu olhar, como a harmonia dos oceanos que ela deixara para trás naquela manhã bem cedo. Sentia-se contente por ele estar ali. Não só

fora para ela uma fonte de força e de esperança como utilizara a rapidez de sua inteligência para encontrar aquela chance única de pegar o assassino de seu pai. 

Vittoria respirou fundo e continuou a procurar, andando em torno do perímetro do Panteão. Estava assoberbada pelos inesperados desejos de vingança pessoal que haviam dominado seus pensamentos durante todo o dia. Mesmo sendo uma amante declarada de toda forma de vida, queria ver aquele carrasco morto. Não haveria bom carma que a fizesse dar a outra face naquele dia. Ao mesmo tempo alarmada e eletrizada, notava algo correndo em seu sangue italiano que nunca sentira antes: os sussurros dos ancestrais sicilianos que defendiam a honra da família com justiça brutal. Vendetta, pensou ela, pela primeira vez compreendendo o verdadeiro sentido da palavra. 

Visões de represálias possíveis incitavam-na a prosseguir. Aproximou-se da tumba de Rafael Santi. Mesmo à distância, via-se logo que se tratava de uma figura especial. Seu sepulcro, ao contrário dos outros, possuía uma proteção de plexiglas e ficava em um nicho da parede. Através da barreira, ela conseguia ver a

frente do sarcófago. 

RAPHAEL SANTI, 1483 - 1520 

Vittoria examinou o conjunto e depois leu a frase na placa descritiva ao lado da tumba de Rafael. 

Então, leu de novo. 

E mais uma vez. 

Um segundo depois, saiu correndo pelo Panteão, chamando, horrorizada: 

- Robert! Robert!

 

CAPÍTULO 62

Langdon avançava pelo seu lado do Panteão com uma certa dificuldade por causa do guia, que não lhe saía dos calcanhares e agora prosseguia em sua incansável narrativa enquanto Langdon se preparava para verificar o último nicho. 

- O senhor está gostando um bocado desses nichos! - disse o guia, encantado. - Sabia que a espessura gradativamente menor das paredes é que faz o domo parecer não ter peso? 

Langdon fez um gesto com a cabeça, sem prestar atenção e se preparando para examinar outro nicho. De repente, alguém o agarrou por trás. Era Vittoria. Ela estava sem fôlego e puxava-o pelo braço. Pela expressão apavorada do rosto dela, Langdon só podia deduzir uma coisa. Ela havia encontrado um corpo. Uma nova onda de temor cresceu dentro dele. 

- Ah, sua mulher! - exclamou o guia, visivelmente entusiasmado por ter mais um visitante. Apontou para o short e para as botas de caminhada que ela usava. - Mas ela com certeza é americana! 

Vittoria apertou os olhos. 

- Sou italiana. 

O sorriso do guia murchou. 

- Oh, meu Deus. 

- Robert - cochichou Vittoria, tentando dar as costas para o guia. - O Diagramma de Galileu. Preciso vê-lo. 

- Diagramma? - disse o guia, girando de volta nos calcanhares. - Ora, ora! Vocês dois conhecem história mesmo! Infelizmente, esse documento não pode ser visto. Está guardado nos Arquivos do Vati... 

- Pode nos dar licença um instante? - disse Langdon. Não compreendia o pânico de Vittoria. Levou-a para um lado e pôs a mão no bolso, tirando de lá com todo o cuidado o fólio do Diagramma. - O que houve? 

- Qual é a data que está escrita aí? - Vittoria perguntou, correndo os olhos pela folha. 

O guia estava junto deles outra vez, olhando para o fólio de boca aberta. 

- Esse não é... de verdade... 

- É uma reprodução para turistas - mentiu Langdon. - Obrigado por sua ajuda. Por favor, minha mulher e eu gostaríamos de ficar a sós um instante. 

O guia recuou, sem tirar os olhos do papel.

- A data - Vittoria repetiu. - Quando foi que Galileu publicou... 

Langdon mostrou um número em algarismos romanos. 

- Esta é a data de publicação. O que está acontecendo? 

Vittoria decifrou o número. 

- 1639? 

- É. Alguma coisa errada? 

A expressão de Vittoria tornou-se mais carregada com um mau pressentimento. 

- Temos um problema sério, Robert. Muito sério. As datas não combinam. 

- Que datas não combinam? 

- A tumba de Rafael. Ele só foi enterrado aqui em 1759. Um século depois do Diagramma ser publicado. 

Langdon encarou-a, tentando dar sentido ao que ela dizia. 

- Não - replicou -, Rafael morreu em 1520, muito antes do Diagramma. 

- Sim, mas ele só foi enterrado aqui muito depois. 

Langdon estava perdido. 

- O que está dizendo? 

- Acabei de ler naquela placa. O corpo de Rafael foi trasladado para o Panteão em 1758. Como parte de um

tributo histórico a italianos eminentes. 

Ao assimilar as palavras dela, Langdon teve a impressão de que lhe puxavam um tapete de baixo dos pés. 

- Quando aquele poema foi escrito - afirmou Vittoria -, a tumba de Rafael era em outro lugar qualquer.

Naquela época, o Panteão não tinha nada a ver com Rafael! 

Langdon chegou a ficar sem ar. 

- Então, isso quer dizer que... 

- Pois é! Que estamos no lugar errado! 

Ele cambaleou. Não é possível. Eu tinha tanta certeza... 

Vittoria correu e agarrou o braço do guia, puxando-o de volta. 

- Signore, desculpe, mas onde estava o corpo de Rafael no século XVII? 

- Urb... em Urbino - gaguejou ele, agora parecendo desnorteado. - Onde ele nasceu. 

- Impossível! - Langdon praguejou baixinho. - Os altares da ciência dos Illuminati eram aqui em Roma.

Tenho certeza! 

- Illuminati? - o guia engoliu em seco, olhando de novo para o documento na mão de Langdon. - Quem são vocês, Deus do céu? 

Vittoria tomou a frente. 

- Estamos procurando por algo que é chamado de a tumba terrena de Santi. Em Roma. Sabe o que pode

ser? O homem mostrava-se inquieto. 

- Esta foi a única tumba de Rafael em Roma. 

Langdon esforçava-se para pensar, mas sua cabeça se recusava a funcionar direito. Se a tumba de Rafael não estava em Roma em 1639, a que o poema se referia, então? Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio? Que diabos é isso? Pense! 

- Houve outro artista chamado Santi? - perguntou Vittoria. 

O guia deu de ombros. 

- Não que eu saiba. 

- E alguém famoso, qualquer pessoa? Um cientista, um poeta ou um astrônomo chamado Santi? 

O homem agora dava a impressão de querer ir embora. 

- Não, senhora. O único Santi de que já ouvi falar era Rafael, o arquiteto. 

- Arquiteto? - repetiu ela. - Pensei que ele fosse pintor! 

- Era as duas coisas, é claro. Todos eles eram. Michelangelo, Da Vinci, Rafael. 

Langdon não soube se foram as palavras do guia ou as tumbas ornamentadas em torno dele que abriram sua mente para a revelação, mas não tinha importância, o pensamento lhe viera. Santi era arquiteto. Daí em diante, a progressão de idéias evoluiu como se fosse uma fileira de dominós caindo. Os arquitetos da Renascença viviam por apenas duas razões: para glorificar a Deus com enormes igrejas e para glorificar dignitários com pródigas tumbas. A tumba de Santi. Seria possível? As imagens agora lhe vinham mais depressa... 

A Mona Lisa de Da Vinci. 

Os Nenúfares de Monet. 

O Davi de Michelangelo. 

A tumba terrena de Santi... 

- Santi projetou a tumba - declarou Langdon. 

Vittoria virou-se. 

- O quê? 

- Não é uma referência ao lugar onde Rafael está enterrado, é uma referência a uma tumba que ele projetou. 

- O que é que você está dizendo? 

- Eu não compreendi direito a frase. Não é o túmulo de Rafael que estamos procurando, e sim um túmulo que Rafael projetou para outra pessoa. Não posso acreditar que deixei passar isto. A metade dos trabalhos de escultura feitos na Roma renascentista e barroca destinava-se aos monumentos funerários. - E

ele riu, satisfeito com a descoberta. - Rafael deve ter projetado centenas de tumbas!

Vittoria não parecia tão contente. 

- Centenas? 

O sorriso de Langdon sumiu. 

-Ah... 

- Alguma delas seria terrena, professor? 

De repente, ele se sentiu um incompetente. Sabia muito pouco sobre a obra de Rafael, era uma vergonha.

Se fosse Michelangelo, teria sido mais fácil, mas o trabalho de Rafael nunca o atraíra tanto. Só se lembrava de umas duas tumbas mais famosas de Rafael, mas talvez nem soubesse descrevê-las. 

Percebendo o bloqueio de Langdon, Vittoria dirigiu-se ao guia, que ia saindo de fininho. Segurou o braço dele e puxou-o, fazendo com que ficasse de frente para ela. 

- Preciso de uma tumba. Projetada por Rafael. Uma tumba que possa ser considerada terrena. 

O homem fez uma cara desconsolada. 

- Uma tumba de Rafael? Não sei. Ele projetou tantas! Talvez queira dizer uma capela de Rafael, não uma tumba. Os arquitetos sempre desenhavam as capelas junto com as tumbas. 

Ele tinha razão. Langdon perguntou: 

- Existe alguma tumba ou capela de Rafael considerada terrena? 

- Sinto muito - o outro respondeu -, não sei o que quer. A palavra terrena não se aplica a nada que eu conheça. Tenho de ir embora. 

Vittoria estendeu o braço e leu a linha de cima do fólio: 

- Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio. Significa algo para o senhor? 

- Não, nada. 

Langdon levantou a cabeça. Esquecera momentaneamente a segunda parte do verso. A cova do demônio? 

- Já sei! - ele disse para o guia. - É isso! Sabe se alguma das capelas de Rafael tem um óculo? 

O guia sacudiu a cabeça. 

- Pelo que sei, o Panteão é o único... - ele fez uma pausa - mas... 

- Mas o quê? - exclamaram os dois em uníssono. 

O homem então inclinou a cabeça para o lado e andou na direção deles Outra vez. 

- Cova do demônio.., seria o mesmo que... buco diàvolo? 

- Literalmente, sim - confirmou Vittoria. 

O homem deu um ligeiro sorriso.

- Aí está uma expressão que não escuto faz tempo. Se não me engano, buco diàvolo é uma abóbada subterrânea. 

- Uma abóbada subterrânea? - perguntou Langdon. - Uma cripta? 

- É, mas um tipo específico de cripta. Acho que cova do demônio é uma expressão antiga para uma enorme cavidade funerária localizada em uma capela e sob uma outra tumba. 

- Um ossário anexo? - indagou Langdon, identificando imediatamente o que o homem descrevia. 

O guia, impressionado, confirmou. 

- É! Era exatamente essa a palavra que eu estava procurando! 

Langdon considerou a possibilidade. Os ossários anexos eram uma solução barata oferecida pelas igrejas para um incômodo dilema. 

Quando as igrejas homenageavam seus membros mais distintos com tumbas ornamentadas dentro do santuário, os familiares sobreviventes dessas pessoas freqüentemente pediam que o resto da família fosse enterrado junto, garantindo assim um cobiçado espaço para suas sepulturas dentro da igreja. No entanto, se a igreja não tivesse espaço ou recursos para criar tumbas para uma família inteira, havia a alternativa de cavar um ossário anexo - um buraco no chão perto da tumba principal, onde se enterravam os membros menos ilustres da família. Esse buraco então era fechado com o equivalente renascentista de uma tampa de bueiro. Apesar de conveniente, o ossário anexo logo saiu de moda por causa do mau cheiro que muitas vezes exalava e se espalhava pela catedral. Cova do demônio, pensou. Nunca ouvira a expressão antes.

Era sinistramente apropriada à situação. 

O coração dele batia acelerado. Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio. Havia apenas mais uma pergunta a fazer. 

- Rafael desenhou tumbas com essas covas do demônio? 

O guia coçou a cabeça. 

- Na verdade, desculpem, mas só me lembro de uma. 

Só uma? Não poderia haver resposta melhor. 

- Onde? - Vittoria quase gritou. 

O guia fitou-os de modo estranho. 

- Chama-se Capela Chigi. Túmulo de Agostino Chigi e de seu irmão, ricos patronos das artes e das ciências. 

- Ciências? - exclamou Langdon, trocando um olhar com Vittoria. 

- Onde? - Vittoria perguntou de novo. 

O guia ignorou a pergunta, de novo entusiasmado em poder prestar serviço. 

- Se a tumba é terrena ou não, isto não sei dizer, mas sem dúvida é, digamos, diferente.

- Diferente? Como assim? 

- Incoerente com a arquitetura. Rafael só foi o arquiteto. Um outro escultor fez a decoração interior, não me lembro quem. 

Langdon era todo ouvidos. O mestre Iliuminati anônimo, talvez? 

- Quem quer que seja ele, os monumentos do interior da capela são de muito mau gosto - disse o guia. - Dio mio! Que atrocidade! Quem iria querer ser enterrado sob pirâmides? 

Langdon mal podia acreditar. 

- Pirâmides? A capela contém pirâmides? 

- Pois é! - o guia escarneceu. Terrível, não é? 

Vittoria puxou a manga do guia. 

- Signore, onde fica essa Capela Chigi? 

- Mais ou menos a um quilômetro e meio daqui, na direção norte. Na Igreja de Santa Maria dei Popolo. 

Ela suspirou. 

- Obrigada. Vamos... 

- Ei... - disse o guia. - Acabei de lembrar de uma coisa. Que idiota eu sou. 

Vittoria parou. 

- Não me diga que se enganou. 

Ele sacudiu a cabeça. 

- Não, mas isso deveria ter me ocorrido antes. A Capela Chigi nem sempre foi conhecida por este nome,

Chigi. Antes era chamada de Capeila delia Terra. 

- Capela da Terra! - exclamou Langdon. 

Vittoria já estava seguindo direto para a porta. 

Vittoria Vetra sacou de seu celular enquanto corria pela Piazza delia Rotonda. 

- Comandante Olivetti - disse -, estamos no lugar errado! 

Incrédulo, Olivetti repetiu. 

- Errado? Como, como?  

- O primeiro altar da ciência é na Capela Chigi! 

- Onde? - agora, a voz dele estava zangada. - Mas o senhor Langdon disse... 

- Santa Maria dei Popolo! A um quilômetro e meio daqui rumo ao norte. Leve seus homens para lá agora!

Temos só quatro minutos! 

- Mas meus homens estão posicionados aqui! Não tenho como... 

- Ande! - Vittoria fechou o telefone com um estalo.

Atrás dela, tonto, saindo do Panteão, vinha Langdon. 

Vittoria puxou-o pela mão na direção de uma fila de táxis aparentemente  sem motoristas que esperavam junto ao meio-fio. Ela socou o capô do primeiro carro da fila. O motorista adormecido aprumou-se com um salto dando um grito de susto. Vittoria escancarou a porta de trás, empurrou Langdon para dentro e pulou para o assento ao lado dele. 

- Santa Maria dei Popolo - ordenou. - Presto! 

Frenético e meio aterrorizado, o motorista pisou fundo no acelerador e saiu numa correria desabalada pela rua. 

 

CAPÍTULO 63

Gunther Glick assumíra o controle do computador, em vez de Chinita Macri, que agora estava curvada no banco de trás do atravancado furgão da BBC espiando a tela por cima do ombro dele. 

- Eu disse a você - falou Glick digitando mais algumas palavras. - O British Tattler não é o único jornal que publica histórias sobre esses caras. 

Macri chegou mais perto para enxergar melhor. Ele tinha razão. O banco de dados da BBC mostrava que sua distinta rede de emissoras havia descoberto e publicado seis matérias nos últimos dez anos sobre a fraternidade chamada Illuminati. Bem, agora tenho de dar minha cara a tapa, pensou ela. 

- Quem foram os jornalistas que redigiram as matérias? - perguntou Macri. 

- Os de quinta? 

A BBC não contrata jornalistas de quinta categoria. 

- Mas contratou você. 

Glick ficou carrancudo. 

- Não sei por que você é tão cética. Os Illuminati estão bem documentados através da História. 

- As bruxas, os OVNIs e o monstro do Lago Ness também. 

Glick leu a lista de matérias. 

- Já ouviu falar de um sujeito chamado Winston Churchill? 

- O nome não me é estranho. 

- A BBC fez um documentário há algum tempo sobre a vida de Churchill. Bastante liberal, aliás. Sabia que, em 1920, Churchill publicou uma declaração condenando os Illuminati e prevenindo os ingleses sobre uma conspiração de âmbito mundial contra a moralidade? 

Macri replicou, irônica: 

- E onde saiu? No British Tattler? 

Ele sorriu. 

- Não, no London Herald. Em 8 de fevereiro de 1920. 

- Não é possível. 

- Veja para crer. 

E ela leu: London Herald. 8 defev.,1920. Que coisa, jamais pensei... 

- Bem, Churchill era meio paranóico. 

- E não foi só ele - disse Glick, continuando a ler. - Parece que Woodrow Wilson fez três pronunciamentos pelo rádio em 1921 chamando a atenção para o controle crescente dos Illuminati sobre o sistema bancário norte-americano. Quer ouvir um pedaço da transcrição de um desses pronunciamentos? 

- Acho que não. 

Mas ele leu a citação assim mesmo. 

- Ele disse: "Existe um poder tão organizado, tão sutil, tão completo, tão penetrante que ninguém deve falar em voz alta quando fizer críticas a ele." 

- Nunca ouvi nada sobre eles. 

- Talvez porque em 1921 você fosse muito pequena. 

- Engraçadinho. 

Macri não ligou para a indireta. Sabia que aparentava a própria idade. Com 43 anos, seus cerrados caracóis negros estavam estriados de cinza. Era orgulhosa demais para pintá-los. Sua mãe, sulista e batista, ensinara Chinita a ter amor-próprio e a ser uma pessoa contente consigo mesma. Se você é uma mulher negra, dizia sua mãe, não há como esconder. Se tentar, vai se dar mal. Levante a cabeça, sorria bonito e deixe os outros quererem descobrir qual é o segredo que faz você rir. 

- Sabe quem é Cecil Rhodes? - perguntou Glick. 

Macri olhou para ele. 

- O financista inglês? 

- Esse mesmo. Fundou a famosa instituição com o seu nome, a que distribui bolsas de estudo. 

- Não me diga que... 

- Um Illuminatus. 

- Mentira. 

- Não. BBC, 16 de novembro de 1984. 

- Nós escrevemos que Cecil Rhodes era um Iliuminatus?

- Com todas as letras. E, segundo a nossa rede de emissoras, as bolsas de estudo Rhodes eram fundos estabelecidos séculos atrás para recrutar as mentes jovens mais brilhantes do mundo para as fileiras dos Illuminati. 

- Isso é ridículo! Meu tio foi um bolsista Rhodes! 

Glick piscou um olho. 

- Bill Clinton também. 

Macri já estava ficando zangada àquela altura. Nunca tivera paciência com o jornalismo sensacionalista, de baixa qualidade. Ainda assim, conhecia bem a BBC e sabia que toda matéria que a rede divulgava era cuidadosamente pesquisada e confirmada. 

- E desta aqui você deve lembrar - disse Glick. - BBC, 5 de março de 1998. O presidente da Câmara dos Comuns no Parlamento Britânico, Chris Mullin, determinou que todos os membros que fossem maçons declarassem abertamente sua filiação. 

Macri de fato se lembrava. O decreto acabara incluindo também policiais e juízes. 

- Qual foi mesmo o motivo alegado? 

Glick leu: "...preocupação que facções secretas dentro da maçonaria exercessem controle significativo sobre os sistemas político e financeiro." 

- Isso mesmo. 

- Causou um tremendo alvoroço. Os maçons do Parlamento ficaram furiosos. Com razão. A grande maioria era composta de homens inocentes que haviam entrado para a maçonaria com o objetivo de estabelecer uma rede de contatos e realizar obras de caridade. Desconheciam completamente as antigas filiações da fraternidade. 

- Supostas filiações. 

- Seja lá o que for. - Glick correu os olhos pelos artigos. - Veja só. Há relatos que associam os liluminati a Galileu, aos Guerenets, na França, aos Alumbrados, na Espanha. Até a Karl Marx e à Revolução Russa. 

- A História sempre encontra um jeito de se corrigir. 

- Ótimo, quer algo mais atual? Dê uma olhada nisto. Uma referência aos Illumjnati em um número recente do Wall Street Journal. 

O nome chamou a atenção de Macri. 

- O Journal? 

- Adivinhe qual é o jogo de computador pela Internet mais popular nos Estados Unidos hoje em dia? 

- Coloque uma Cauda em Pamela Anderson. 

- Quase. Chama-se Iliuminati: Nova Ordem Mundial.

Macri leu por cima do ombro dele a sinopse do jogo. "Steve Jackson Games tem um jogo que é um sucesso estrondoso, uma aventura semi-histórica na qual uma antiga fraternidade satânica da Bavária se mobiliza para tomar conta do mundo. Você pode encontrá-lo on-line em..." Macri interrompeu a leitura com uma sensação de repugnância. 

- O que esses Iliuminati têm contra o cristianismo? 

- Não é só contra o cristianismo - disse Glick -, é contra a religião em geral. 

- Ele inclinou a cabeça para o lado e esticou os lábios em um sorriso largo. 

- Embora, pelo que ouvi no telefonema que nós acabamos de receber, pareça  que eles têm mesmo um fraco pelo Vaticano. 

- Ora, tenha dó, você acha mesmo que o cara que ligou é quem diz que é? 

- Um mensageiro dos liluminati? Que está se preparando para matar quatro cardeais? - Glick sorriu. - Tomara que seja. 

 

CAPÍTULO 64

O táxi de Langdon e Vittoria completou a corrida desenfreada de cerca de um quilômetro e meio pela ampla Via delia Scrofa em pouco mais de um minuto. Pararam com uma freada barulhenta no lado sul da Piazza dei Popolo quase às oito horas. Como não tinha liras, Langdon teve de pagar o motorista

em dólares, e a mais. Ele e Vittoria saltaram depressa do carro. A piazza estava sossegada, exceto pelas risadas de um grupo de freqüentadores sentados do lado de fora do popular Rosati Caffè, um local favorito dos literatos italianos. A brisa cheirava a café expresso e a massa de torta. 

Langdon ainda estava em estado de choque por causa de seu engano no Panteão. Bastou um rápido olhar para aquela praça, porém, e seu sexto sentido começou a dar avisos. A piazza estava sutilmente impregnada de significados próprios dos Illumjnatj. Não só a sua forma era uma elipse perfeita, como no centro exato erguia-se um enorme obelisco egípcio, uma coluna quadrada de pedra com uma ponta distintamente piramidal. Despojos dos saques da Roma imperial, os obeliscos espalhavam-se por toda a cidade e eram chamados pelos simbologistas de "Pirâmides Elevadas' extensões voltadas para o céu da sagrada forma piramidal. 

Enquanto contemplava o monolito, porém, sua atenção foi atraída para algo mais ao fundo. Algo ainda mais extraordinário.

- Estamos no lugar certo - disse em voz baixa, sentindo uma cautela repentina. - Dê uma espiada naquilo. - E apontou para a imponente Porta del Popolo, a grande arcada de pedra na extremidade oposta da piazza.

Havia séculos que aquela estrutura se elevava acima da praça. No meio do ponto mais alto do arco destacava-se um relevo simbólico. - Já viu aquilo antes em algum lugar? 

Vittoria examinou o imenso relevo. 

- Uma estrela brilhando em cima de uma pilha triangular de pedras? 

Langdon fez que sim. 

- Uma fonte de iluminação, de esclarecimento, em cima de uma pirâmide. 

Vittoria arregalou os olhos. 

- Igual ao sinete dos Estados Unidos? 

- Exato. O símbolo maçônico na nota de um dólar. 

Vittoria tomou fôlego e correu os olhos pela praça. 

- Então, onde fica essa bendita igreja? 

A Igreja de Santa Maria dei Popolo, colocada de través na base de uma colina na extremidade sudoeste da piazza, lembrava um deslocado navio de guerra. A alta construção de pedra do século XI parecia ainda mais desajeitada com a torre de andaimes que lhe cobria a fachada. 

Os pensamentos de Langdon eram um borrão enquanto eles se encaminhavam apressados para o edifício.

Olhava para a igreja, atônito. Será que um assassinato iria mesmo se realizar lá dentro? Torcia para que Olivetti chegasse depressa. O revólver em seu bolso dava-lhe uma sensação incômoda. 

As escadas na frente da igreja eram ventaglio - em acolhedor formato de leque -, uma ironia, no caso, porque estavam bloqueadas por andaimes, material de construção e uma placa com um aviso:

CONSTRUZIONE. NON ENTRARE. 

Uma igreja fechada para reformas significava total privacidade para um assassino. Ao contrário do Panteão. Aqui não havia necessidade de truques fantasiosos. Bastava achar um modo de entrar.  Vittoria esgueirou-se sem hesitação entre os cavaletes e subiu a escada.

- Vittoria - Langdon, precavido, lembrou -, se ele ainda estiver aí... 

Vittoria não lhe deu ouvidos. Subiu para o pórtico principal onde se encontrava a única porta da igreja, de madeira. Langdon subiu correndo as escadas atrás dela. Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, ela segurou a maçaneta da porta e puxou-a. Langdon prendeu a respiração. A porta nem se mexeu. 

- Deve haver outra entrada - disse ela.

- Provavelmente - disse Langdon, soltando o ar dos pulmões -, mas Olivetti vai estar aqui em um minuto. É perigoso demais entrar agora. Deveríamos ficar tomando conta da igreja daqui até... 

Vittoria virou-se para ele, fulminando-o com os olhos. 

- Se existe outra entrada, existe outra saída. Se esse cara sumir, estamos fungiti. 

O italiano de Langdon era suficiente para saber que ela estava certa. 

O corredor do lado direito da igreja era apertado e escuro, com muros altos  dos dois lados. Cheirava a urina, um odor comum em uma cidade em que  o número de bares superava o de banheiros públicos na proporção de 20  para 1. 

Langdon e Vittoria mergulharam na fétida penumbra. Uns dez metros depois, Vittoria apertou o braço de Langdon e apontou para algo adiante. 

Langdon também tinha visto. Tratava-se de uma porta simples de madeira com pesadas dobradiças. Ele a identificou como a habitual porta sacra - uma entrada particular para o clero. Fazia tempo que a maioria dessas portas deixara de ser usada, à medida que o avanço dos prédios novos e as limitações do setor imobiliário iam banindo as entradas laterais para vielas incômodas. 

Vittoria correu para a porta. Ao chegar, olhou para baixo, perplexa, procurando a maçaneta. Langdon aproximou-se por trás e viu a peculiar argola em forma de rosquinha pendurada onde deveria estar a maçaneta. 

- Um annulus - ele cochichou. Estendeu a mão e, sem fazer ruído, segurou o anel e puxou-o para si.

Ouviu-se um dique. Vittoria mexeu-se, de repente inquieta. Em silêncio, Langdon torceu o anel no sentido horário. O anel girou em falso 360 graus sem se encaixar. Langdon franziu a testa e tentou a outra direção, com o mesmo resultado. 

Vittoria examinou o resto da viela. 

- Será que pode haver outra entrada? 

Ele achava que não. A maioria das igrejas da Renascença fora projetada para funcionar também como fortaleza improvisada caso a cidade fosse tomada de assalto. Por isso tinham o menor número possível de entradas. 

- Se houver outra entrada - disse ele -, vai estar provavelmente escondida no bastião dos fundos, mais uma saída para fugas do que uma entrada. 

Vittoria já estava a caminho. 

Langdon seguiu-a um bom pedaço pela viela. Os muros elevavam-se dos dois lados. Em algum lugar, um sino bateu oito horas...

Robert Langdon não escutou quando Vittoria o chamou pela primeira vez. Ele parara junto a uma janela de vitral protegida por barras de ferro e estava tentando enxergar o interior da igreja. 

- Robert! - a voz dela vinha em um sussurro alto. 

Langdon levantou a cabeça. Vittoria estava no final da viela. Apontava para os fundos da igreja e acenava para que ele se aproximasse. Ele trotou com relutância na direção dela. Na base da parede traseira, um bastião de pedra projetava-se para fora escondendo uma cavidade estreita, uma espécie de passagem apertada que ia direto para a base da igreja. 

- É uma entrada? - perguntou Vittoria. 

Langdon concordou. Na realidade, trata-se de uma saída, mas não vamos discutir esses detalhes agora. 

Vittoria ajoelhou-se e espiou para dentro do túnel. 

- Vamos examinar a porta, ver se está aberta. 

Ele abriu a boca para objetar, mas ela o pegou pela mão e puxou. 

- Espere - disse Langdon. 

Ela se virou para ele, impaciente. 

Ele suspirou. 

- Eu vou na frente. 

Vittoria surpreendeu-se. 

- Mais cavalheirismo? 

- A idade antes da beleza. 

- Isso foi um elogio? 

Langdon sorriu e passou à frente dela para a escuridão. 

- Cuidado com os degraus. 

Ele avançou aos poucos, às cegas, com uma das mãos na parede lateral. Sentia a aspereza da pedra nas pontas dos dedos. Por um instante, lembrou-se do velho mito de Dédalo, de como o rapaz manteve a mão na parede através do labirinto do Minotauro, sabendo que com certeza encontraria o fim se jamais interrompesse o contato com a parede. Langdon seguia em frente sem saber muito bem se queria encontrar o fim. 

O túnel estreitou-se ligeramente e Langdon diminuiu o ritmo. Sentia Vittoria bem atrás dele. A parede fez uma curva para a esquerda e o túnel se abriu em um nicho semicircular. Estranhamente, havia uma luminosidade fraca ali. Na penumbra, Langdon divisou o contorno de uma grossa porta de madeira. 

- Opa - disse ele. 

- Trancada? 

- Estava.

- Estava? - Vittoria veio para o lado dele. 

Ele apontou. Iluminada por uma réstia de luz que vinha de dentro, a porta pendia entreaberta, as dobradiças quebradas por um pé-de-cabra ainda preso à madeira. 

Os dois ficaram parados em silêncio por um instante. Então, no escuro, Langdon sentiu as mãos de Vittoria em seu peito, tateando, esgueirando-se para dentro de seu casaco. 

- Calma, professor - disse ela. - Só estou querendo pegar o revólver. 

Naquele momento, dentro dos museus do Vaticano, uma força-tarefa de guardas suíços espalhava-se em todas as direções. A área estava às escuras e por isso eles usavam óculos especiais infravermelhos produzidos pelo Corpo de Fuzileiros Navais norte-americano. Os óculos faziam tudo aparecer sob um lúgubre tom de verde. Todos os guardas usavam fones de ouvido ligados a um detector parecido com uma antena que oscilava ritmicamente à frente deles - os mesmos aparelhos que utilizavam duas vezes por semana para fazer a varredura de grampos eletrônicos nas dependências do Vaticano. Movimentavam- se de maneira metódica, verificando atrás de estátuas, no interior de nichos, dentro de armários, sob os móveis. As antenas produziriam um ruído característico se detectassem qualquer campo magnético por menor que fosse. 

Naquela noite, porém, não estavam emitindo nenhum sinal. 

 

CAPÍTULO 65

O interior de Santa Maria dei Popolo era como uma caverna tenebrosa na claridade que se extinguia aos poucos. Parecia mais uma estação de metrô em obras do que uma catedral. A nave central assemelhava- se a uma pista de obstáculos, com montes de pedaços do piso arrancado, tijolos, areia, carrinhos de mão e até uma escavadeira enferrujada. Colunas gigantescas erguiam-se do chão sustentando o teto abobadado. No ar, uma poeira  fina flutuava quase imóvel contra o brilho embaçado dos vitrais. Langdon e Vittoria encontravam-se sob um extenso afresco de Pinturicchio e corriam os olhos pelo santuário desmantelado.

Nada se movia. Havia um silêncio mortal. 

Vittoria segurou o revólver com as duas mãos estendidas diante de si. 

Langdon verificou seu relógio: 8h04 da noite. Somos malucos por vir aqui, pensou. É perigoso demais. No entanto, sabia que se o assassino estivesse dentro da igreja poderia sair pela porta que quisesse e, portanto, seria completamente inútil ficarem à espreita do lado de fora com uma única arma. O jeito seria pegá-lo ali dentro, isto é, se ele ainda não tivesse ido embora. Langdon culpava-se pelo fiasco que os fizera perder tempo no Panteão. Não lhe cabia agora insistir em precauções. Era ele o responsável por estarem naquele beco sem saída. 

Vittoria, aflita, examinava a igreja. 

- Então - cochichou ela -, onde é que fica essa Capela Chigi? 

Langdon olhou para a parte de trás da catedral através daquela meia-luz fantasmagórica e estudou as paredes externas. Ao contrário do que se costuma pensar, as catedrais renascentistas invariavelmente tinham diversas capelas, sendo que grandes catedrais como a Notre-Dame possuíam muitas. Essas capelas não eram aposentos e sim vãos, concavidades - nichos semicirculares contendo tumbas ao longo do perímetro da igreja. 

Más notícias, pensou Langdon ao divisar quatro recessos em cada uma das paredes laterais. Havia um total de oito capelas. Embora oito não fosse um número tão exagerado assim, as quatro aberturas estavam cobertas com imensos plásticos transparentes por causa da obra, as cortinas translúcidas provavelmente tendo a função de proteger da poeira as tumbas que ficavam dentro das capelas. 

- Pode ser qualquer um desses espaços cobertos - respondeu Langdon. 

- Não há como saber qual é a Capela Chigi sem olhar dentro de cada um. O que é uma boa razão para esperar por Oliv... 

- Qual é a segunda abside à esquerda? - perguntou ela. 

Surpreso ao vê-la dominar a terminologia de arquitetura, ele repetiu: 

- Segunda abside à esquerda? 

Vittoria mostrou a parede atrás de si. Havia um azulejo decorativo engastado na pedra. Nele estava gravado o mesmo símbolo que tinham visto do lado de fora - uma pirâmide sob uma estrela reluzente. Ao lado, em uma placa suja de poeira, lia-se: 

BRASÃO DE ALEXANDER CHIGI 

CUJA TUMBA ESTÁ LOCALIZADA NA 

SEGUNDA ABSIDE À ESQUERDA DESTA CATEDRAL

Quer dizer que o brasão dos Chigi era uma pirâmide e uma estrela?, pensou Langdon. E conjeturou se o abastado patrono Chigi não teria sido um Illuminatus. Cumprimentou Vittoria. 

- Bom trabalho, Nancy Drew. 

- O quê? 

- Nada. Eu... 

Uma peça de metal caiu no chão a apenas alguns metros deles. O barulho ecoou pela igreja inteira.

Langdon puxou Vittoria para trás de uma coluna e ela, ao mesmo tempo, apontou o revólver para a direção de onde vinha o ruído, mantendo-o firme. Silêncio. Eles esperaram. De novo, ouviu-se um som, dessa vez um ruído farfalhante. Langdon prendeu a respiração. Nunca deveria ter consentido em virmos para cá! O barulho ficou mais próximo, um som intermitente de um pé se arrastando, como o de um homem que mancasse. Súbito, junto à base da coluna, apareceu algo assustador. 

- Figlio di una puttana! - xingou Vittoria em voz baixa, pulando para trás. Langdon recuou junto com ela. 

Ao lado da coluna, arrastando um sanduíche meio comido e embrulhado em papel, havia um rato enorme.

A criatura parou quando deu com eles, examinou longamente o cano do revólver de Vittoria e depois, sem se abalar, continuou a arrastar sua presa para algum recanto da igreja. 

- Filho da... - arquejou Langdon, o coração em disparada. 

Vittoria abaixou a arma, recompondo-se rapidamente. Langdon esticou a cabeça e viu, do outro lado da coluna, a lancheira de um operário caída no chão, que o engenhoso rato derrubara de cima de um cavalete. 

Langdon procurou alguma coisa em movimento dentro da igreja e sussurrou: 

- Se o sujeito está aqui, é claro que ouviu isso. Tem certeza de que não quer esperar por Olivetti? 

- Segunda abside à esquerda - repetiu Vittoria -, onde é? 

A contragosto, Langdon tentou se orientar. A terminologia das catedrais era igual à das instruções para a representação de uma peça teatral - o inverso do que manda o instinto. Ficou de frente para o altar-mor.

Centro do palco. Então, apontou com seu polegar para trás por cima do ombro. 

Os dois se viraram e olharam para onde ele apontava. 

A Capela Chigi estava localizada no terceiro dos quatro recessos à direita deles. A boa notícia é que eles estavam do lado certo da igreja. A má é que estavam na extremidade errada. Teriam de percorrer toda a extensão da catedral e passar por três outras capelas, todas elas, assim como a Capela Chigi, cobertas porcortinas de plástico translúcido.

- Espere - disse ele. - Vou na frente.

- Nem pensar.

- Fui eu quem fez a besteira de ir para o Panteão. 

- Mas sou eu quem está com o revólver. 

Ele via refletido em seu olhar, porém, o que ela estava realmente pensando. Fui eu quem perdeu o pai.

Fui eu quem ajudou a criar uma arma de destruição em massa. Quero a pele desse sujeito. 

Langdon concluiu que era inútil insistir e deixou-a ir. Foi andando ao lado dela, cautelosamente, pelo lado

leste da basílica. Ao deixarem para trás a primeira capela coberta, Langdon,tenso, sentiu-se como um concorrente de um daqueles jogos da televisão. Escolho a cortina número três, pensou. 

A igreja estava silenciosa, as grossas paredes de pedra bloqueavam todo vestígio do mundo exterior. Ao passarem pelas absides, pálidas formas humanas oscilavam como fantasmas atrás dos plásticos farfalhantes. Esculturas de mármore, ele disse para si mesmo, torcendo para estar certo. Eram 8h06 da noite. Será que o assassino tinha sido pontual e caído fora antes que eles entrassem na igreja? Ou ainda estava lá dentro? Langdon não sabia bem o que era pior. 

Passaram pela segunda abside, sinistra na escuridão crescente da catedral. A noite parecia estar caindo mais depressa, acentuada pelo colorido embaçado dos vitrais. Quando seguiam adiante, a cortina de plástico a seu lado enfunouse subitamente, como se fosse agitada por uma corrente de ar. Langdon se perguntou se alguém em algum lugar teria aberto uma porta. 

Vittoria diminuiu o passo quando a terceira capela surgiu diante deles. Segurou o revólver à sua frente, indicando com a cabeça a estela ao lado da abside. Em um bloco de granito havia duas palavras esculpidas: 

CAPELLA CHIGI 

Langdon confirmou com um gesto. Sem fazer ruído, foram para um canto da abertura, postando-se atrás de uma larga coluna. Dali, Vittoria curvou-se e apontou o revólver para o plástico. Depois, fez sinal para Langdon afastar o plástico. 

Uma boa hora para começar a rezar, pensou ele. Relutante, estendeu o braço por cima do ombro dela. Com o maior cuidado possível, começou a puxar o plástico para o lado. O plástico deslocou-se alguns centímetros e encrespou-se com um ruído alto. Os dois ficaram imóveis. Silêncio. Após um instante, em câmara lenta, Vittoria inclinou-se para a frente e espiou através da brecha estreita. Langdon espiou também, ainda por cima do ombro dela. 

Por alguns segundos, nenhum dos dois sequer respirou.

- Vazia - disse Vittoria, afinal, abaixando a arma. - Chegamos tarde demais. Langdon não escutou. Estava deslumbrado, transportado em um instante  para outro mundo. Jamais imaginara em toda a sua vida uma capela como aquela. Inteiramente executada em mármore castanho, a Capela Chigi era de tirar o fôlego. Seu olho treinado devorava tudo avidamente, às porções. A capela não poderia ser mais terrena, quase como se Galileu e os Iliuminati a tivessem desenhado eles próprios. 

No alto, a cúpula abobadada brilhava com um campo de estrelas iluminadas  e os sete planetas astronômicos. Abaixo, os sete signos do zodíaco - símbolos  pagãos, terrenos, cuja origem está associada à astronomia. O zodíaco também  estava ligado diretamente a Terra, Ar, Fogo e Água, os quadrantes representando o poder, o intelecto, o ardor e a emoção respectivamente. Terra corresponde 

a poder, recordou Langdon. 

Mais adiante, ele viu na parede tributos às quatro estações temporais da Terra - primavera, esta te, autunno, invérno. O mais incrível de tudo, porém, eram as duas imensas estruturas que se elevavam no local. Langdon contemplava-as em silêncio, pasmo. Não pode ser, pensava. Não é possível! Mas era.

De cada lado da capela, em rigorosa simetria, havia duas pirâmides de mármore de três metros de altura. 

- Não estou vendo nenhum cardeal - cochichou Vittoria. - Nem um assassino. 

Ela afastou o plástico e entrou na capela. 

Os olhos de Langdon estavam fixos nas pirâmides. O que essas pirâmides estão fazendo dentro de uma capela cristã? E, inacreditavelmente, ainda havia mais. No centro de cada pirâmide, engastados em suas fachadas, encontravam- se dois medalhões de ouro, medalhões como poucos que Langdon jamais vira:  elipses perfeitas. Os discos polidos brilhavam à luz do sol poente que se infiltrava pela cúpula. As elipses de Galileu? Pirâmides? Uma abóbada de estrelas? O aposento tinha mais significado liluminati do que se Langdon o tivesse inventado em sua cabeça. 

- Robert - Vittoria disse abruptamente, a voz trêmula. - Olhe! 

Langdon girou nos calcanhares, voltando à realidade ao bater com os olhos no que ela estava mostrando. 

- Raios! - gritou ele, pulando para trás. 

Rindo com escárnio para eles do chão havia a imagem de um esqueleto - um mosaico de mármore intricadamente detalhado representando "a morte em vôo". O esqueleto carregava uma placa com a mesma imagem da pirâmide e estrela que tinham visto lá fora. Não havia sido a figura, entretanto, que gelara o sangue de Langdon. Fora o fato de estar encaixada em uma pedra circular - chamada cupermento - que tinha sido removida como uma tampa de poço e estava agora pousada ao lado de uma negra abertura no piso. 

- A cova do demônio - disse Langdon com voz entrecortada. 

Ele ficara tão absorto no teto que nem notara aquilo. Aproximou-se devagar do poço. O mau cheiro que vinha dali era insuportável. 

Vittoria colocou a mão sobre a boca. 

- Che puzzo. 

- Eflúvios - disse ele. - Emanações de ossos em decomposição. - Ele respirou através da manga de sua roupa e inclinou-se para o buraco tentando distinguir algo dentro dele. Trevas completas. - Não enxergo nada. 

- Será que tem alguém lá embaixo? 

- Não dá para saber. 

Vittoria mostrou a outra extremidade do buraco, onde uma escada de madeira apodrecida descia para as profundezas. 

Langdon sacudiu a cabeça. 

- Nem pensar. 

- Talvez haja uma lanterna aí fora, junto com aquelas ferramentas. - Ela parecia ansiosa por uma desculpa para escapar do mau cheiro. - Vou procurar. 

- Cuidado! - preveniu ele. - Não temos certeza se o assassino... 

Mas Vittoria já se fora. 

Mulher voluntariosa, pensou Langdon. 

Ao se virar de novo para a cova, ficou um pouco tonto com as emanações. Prendendo a respiração, deixou a cabeça cair abaixo da borda e esforçou-se para ver alguma coisa na escuridão. Lentamente, conforme seus olhos se acostumavam, começou a divisar vagas formas lá embaixo. A cova parecia dar em uma pequena câmara. A cova do demônio. Pensou em quantas gerações de Chigi teriam sido jogadas ali sem

a menor cerimônia. Fechou os olhos e esperou, forçando suas pupilas a se dilatarem para enxergar melhor no escuro. Quando abriu os olhos de novo, uma figura muda e esmaecida pairou nas trevas. Langdon estremeceu, mas lutou contra a vontade instintiva de sair, de se levantar. Estou vendo coisas? Aquilo

é um corpo? A figura sumiu aos poucos. Ele fechou os olhos outra vez e esperou mais tempo agora, de modo que seus olhos pudessem apreender a menor claridade que existisse. 

Uma tonteira instalou-se e seus pensamentos vagaram na escuridão. Só mais uns segundos. Não sabia se era porque estava respirando aqueles gases ou se por estar com a cabeça inclinada para baixo, mas decididamente começava a se sentir nauseado. Quando enfim abriu os olhos, a imagem diante dele era totalmente inexplicável.

Estava olhando para uma cripta banhada em uma misteriosa luz azulada. Um leve som sibilante reverberava em seus ouvidos. A luz bruxuleava nas paredes escarpadas da cavidade. De repente, uma longa sombra materializou-se acima dele. Assustado, tentou levantar-se depressa. 

- Preste atenção! - alguém exclamou atrás dele. 

Antes que pudesse se virar, sentiu uma dor aguda na nuca. Deu com Vittoria afastando dele um maçarico aceso, a chama assoviando e lançando uma luz azul pela capela. 

Langdon pôs a mão na nuca. 

- Que diabos está fazendo? 

- Estava iluminando o poço para você - disse ela. - Você levantou direto em cima de mim. 

Langdon lançou um olhar feroz para o maçarico portátil na mão dela. 

- Foi o melhor que consegui arranjar- explicou ela. - Não achei nenhuma lanterna. 

Langdon esfregou o pescoço. 

- Não ouvi você chegar. 

Vittoria entregou-lhe o maçarico, fazendo uma careta para o fedor da cripta. 

- Acha que esses gases são combustíveis? 

- Tomara que não. 

Ele pegou o maçarico e levou-o devagar para perto do buraco. Com cuidado, aproximou-se da borda e apontou a chama para baixo, para dentro do buraco, iluminando a parede lateral. Direcionou a luz, acompanhando o contorno da parede na descida. A cripta era circular e tinha cerca de seis metros de diâmetro. Uns dez metros abaixo, o facho de luz encontrou o chão. Um chão escuro e mosqueado. De terra.

Então Langdon viu o corpo. 

Seu instinto foi recuar. 

- Ele está lá - disse, forçando-se a não sair dali. 

A figura pálida contrastava com o chão de terra. 

- Acho que está nu - e a imagem do cadáver despido de Leonardo Vetra surgiu como um breve clarão em sua mente. 

- É um dos cardeais? 

Langdon não tinha a menor idéia, mas não imaginava quem mais poderia ser. Ele examinou a silhueta clara. Imóvel. Sem vida. E no entanto... Langdon hesitou. Havia algo muito estranho na posição daquela figura. Parecia que ele estava... 

Langdon chamou: 

-Ei!

- Acha que ele está vivo? 

Não houve resposta vinda de baixo. 

- Ele não está se mexendo - disse Langdon -, mas parece... - Não, impossível. 

- Parece o quê? - Vittoria agora também estava espiando lá para baixo. 

Langdon apertou os olhos para a penumbra da cova. 

- Parece que ele está de pé. 

Vittoria prendeu a respiração e inclinou mais o rosto para enxergar melhor. Depois de um momento, ela ergueu o tronco. 

- Você tem razão. Ele está de pé! Talvez esteja vivo e precise de ajuda! - Ela gritou para dentro do buraco. -

Alô?! Mi puó sentire? 

Nenhum eco voltou do fundo do buraco. Só silêncio. 

Vittoria dirigiu-se para a frágil escada de madeira. 

- Vou descer.

Langdon segurou o braço dela. 

- Não. É perigoso. Eu vou. Dessa vez, Vittoria não discutiu.

 

CAPÍTULO 66

Chinita Macri estava furiosa. Encontrava-se sentada no banco  do passageiro do furgão da BBC, parado em uma esquina na Via Tomacelli. 

Gunther Glick estava verificando seu mapa de Roma, aparentemente perdido. 

Como ela temia, o homem misterioso ligara de novo, dessa vez com informações. 

- Piazza dei Popolo - insistia Glick. - É o que estamos procurando. Há uma igreja lá. E dentro está a prova. 

- Prova. - Chinita parou de polir a lente que tinha na mão e voltou-se para ele. - Prova de que um cardeal foi morto? 

- Foi o que ele disse. 

- Você acredita em tudo o que ouve? - Chinita gostaria, como sempre, que fosse ela a tomar as decisões.

Os cinegrafistas, porém, ficavam à disposição dos repórteres malucos para quem gravavam as matérias. Se Gunther Glick queria seguir uma dica idiota que recebera pelo telefone, ela teria de ir atrás dele como um cachorrinho na coleira. 

Ela o observou, sentado ao lado, a boca apertada, determinado. Os pais dele, na certa, deviam ser comediantes frustrados para lhe darem aquele nome. Não era à toa que o sujeito agia como se fizesse questão de provar alguma coisa. Mesmo assim, apesar do nome e daquela mania irritante de se afirmar, Glick era um doce, charmoso à sua moda, com aquela sua brancura e o jeito meio ansioso de

inglês. Um Hugh Grant tomando lítio. 

- Não seria melhor voltarmos para a Praça São Pedro? - disse Macri, com a maior paciência possível. - Podemos conferir esse mistério da igreja mais tarde. O conclave começou há uma hora. E se os cardeais chegarem a uma conclusão enquanto estamos fora? 

Glick pareceu não escutar. 

- Acho que temos de ir para a direita aqui. - Entortou o mapa e examinou-o outra vez. - É, se eu for para a direita e logo em seguida para a esquerda. - E arrancou com o carro pela rua estreita onde estavam. 

- Cuidado! - gritou Macri. 

Ela era operadora de vídeo e tinha visão aguçada. Felizmente, Glick também era rápido. Enfiou o pé no freio e não entrou no cruzamento exatamente quando uma fila de quatro Alpha Romeos surgiu do nada e passou correndo. Depois de passarem, os carros diminuíram a velocidade e, cantando pneus, entraram acelerados à esquerda no quarteirão seguinte, fazendo o mesmo caminho que Glick pretendia fazer. 

- Doidos! - gritou Macri. 

Glick parecia abalado. 

- Você viu? 

- Claro que vi! Eles quase nos mataram! 

- Não, estou falando dos carros - disse ele, a voz de repente excitada. - Eram todos iguais. 

- Então, eram doidos sem imaginação. 

- Os carros também estavam cheios. 

- E daí? 

- Quatro carros idênticos, todos com quatro passageiros? 

- Já ouviu falar de carona compartilhada? 

- Na Itália? - Glick verificou o cruzamento. - Eles ainda nem ouviram falar de gasolina sem chumbo. - E pisou no acelerador, disparando atrás dos carros. 

Macri foi atirada contra o encosto de seu banco. 

- Que diabos está fazendo? 

Glick desceu a rua à toda e dobrou à esquerda seguindo os Alpha Romeos. 

- Algo me diz que você e eu não somos os únicos que estão indo para aquela igreja agora.

 

CAPÍTULO 67 

A descida foi lenta. 

Langdon ia de degrau em degrau pela escada que rangia, cada vez mais fundo sob o piso da Capela Chigi. Para dentro da cova do demônio, lembrou. Estava de frente para a parede lateral, de costas para a câmara e perguntou-se quantos espaços escuros e apertados mais um único dia poderia proporcionar. A escada gemia a cada passo e o cheiro penetrante de carne decomposta e de umidade era quase asfixiante. Onde estaria o cretino do Olivetti, pensava Langdon. 

A silhueta de Vittoria ainda era visível acima segurando o maçarico dentro do buraco, iluminando o caminho de Langdon. À medida que ele descia, o brilho azulado que vinha do alto ficava mais fraco. A única coisa mais forte era o cheiro. 

Doze degraus abaixo, aconteceu. O pé dele se apoiou em um ponto escorregadio da madeira apodrecida e ele se desequilibrou. Atirou o corpo para a frente e agarrou-se na escada, onde bateu com os antebraços, para evitar uma queda até o fundo. Amaldiçoando a dor latejante dos braços machucados, puxou o corpo de volta para os degraus e recomeçou a descida.  

Três degraus depois, quase caiu de novo, mas dessa vez por um motivo diferente - um sobressalto de medo. Ao passar por um nicho escavado na parede, deu de cara com um monte de caveiras. Quando recuperou o fôlego e olhou em torno, percebeu que naquele trecho havia diversas aberturas em forma de prateleiras - nichos funerários -, todas cheias de esqueletos.

Formavam, sob a luminosidade fosforescente, uma colagem sobrenatural de órbitas vazias e gaiolas torácicas em decomposição tremeluzindo à sua volta. 

Esqueletos à luz da fogueira, pensou ele, fazendo uma careta e lembrando que, por coincidência, vivera uma noite de certa forma semelhante no mês anterior. Uma noitada de ossos e chamas. O jantar beneficente à luz de velas do Museu de Arqueologia de Nova York - salmão flambado à sombra de um esqueleto de brontossauro. Comparecera a convite de Rebecca Strauss, ex-modelo e agora crítica de arte do Times, um turbilhão de veludo negro, cigarros e seios em destaque sem qualquer sutileza. Ela lhe telefonara duas vezes desde então e ele não ligara de volta. Muito pouco cavalheiresco, censurava-se, imaginando quanto tempo Rebecca Strauss resistiria em uma cloaca como aquela. 

Foi um alívio sentir o chão de terra fofa depois do último degrau. Sob os sapatos, sentiu a umidade do solo. Depois de se assegurar que as paredes não se fechariam sobre ele, voltou-se para a cripta. Era circular, com uns seis metros de diâmetro. Respirando de novo através da manga do paletó, olhou para o corpo. Na semi-obscuridade, a imagem era indistinta. Um vulto branco, corpulento. Virado para o lado oposto. Imóvel. Silencioso. 

Avançando pela cripta mal iluminada, Langdon tentou entender o que via. O homem estava de costas para ele, não podia ver-lhe o rosto, mas parecia mesmo estar de pé. 

- Olá? - disse Langdon, a voz abafada na manga. 

Nada. À medida que se aproximava, percebia que o homem era muito baixo. Baixo demais... 

- O que está acontecendo aí? - Vittoria chamou do alto, deslocando o foco de luz. 

Langdon não respondeu. Encontrava-se agora próximo o suficiente para ver tudo. Com um arrepio de repulsa, compreendeu de imediato. A cripta pareceu contrair-se em torno dele. Emergindo como um demônio do chão de terra, havia um homem idoso, ou metade dele. Fora enterrado até a cintura.

Completamente despido. As mãos atadas atrás do tronco com uma faixa vermelha de cardeal. Estava molemente inclinado, a espinha arqueada para trás como uma espécie de medonho saco de treinamento de pugilismo, os olhos voltados para o céu como se implorasse a ajuda do próprio Deus. 

- Ele está morto? - perguntou Vittoria. 

Langdon andou para perto do corpo. Espero que sim, para o próprio bem dele. A poucos centímetros, Langdon viu os olhos azuis voltados para o alto, esbugalhados e injetados. Curvou-se para escutar se o homem ainda respirava, mas recuou de imediato. 

- Deus do céu! 

- O que foi? 

Langdon quase vomitou. 

- Ele está morto, sim. Acabei de descobrir a causa da morte. 

A cena era horripilante. A boca do homem fora escancarada e entulhada de terra. 

- Alguém lhe enfiou uma porção de terra na boca. Ele morreu sufocado. 

- Terra? - disse Vittoria. 

Langdon caiu em si. Terra. Quase esquecera. As marcas. Terra, Ar, Fogo, Água. O assassino ameaçara marcar cada vítima com um dos antigos elementos da ciência. O primeiro elemento era Terra.

Da tumba terrena de San ti. Tonto por causa das emanações, Langdon rodeou o cadáver, ficando de frente para ele. Ao fazê-lo, o simbologista dentro dele reafirmou enfaticamente o desafio artístico de criar o mítico ambigrama. Terra? Como? E, entretanto, um instante depois, estava diante dele. Séculos de lendas sobre os Iliuminati rodopiaram em sua mente. A marca no peito do cardeal era uma queimadura de onde exsudava líquido. A carne estava carbonizada. La lingua pura... 

Langdon fixou o olhar na marca e tudo começou a girar.

- Earth - ele sussurrou, virando a cabeça para ler o símbolo ao contrário. 

- Terra. 

Então, com uma sensação de terror, veio uma percepção final. Há mais três. 

 

CAPÍTULO 68

A despeito da suave luz de velas na Capela Sistina, o cardeal Mortati estava nervoso, O conclave começara oficialmente. E começara de uma forma muito pouco auspiciosa. 

Meia hora antes, no horário determinado, o camerlengo Cano Ventresca entrara na capela. Dirigira-se para o altar-mor e fizera a prece de abertura. Depois, abrira os braços e falara-lhes da maneira mais direta que Mortati jamais ouvira alguém falar daquele altar da Capela Sistina. 

- Todos têm conhecimento - disse o camerlengo - de que nossos quatro preferiti não estão presentes no conclave neste momento. Peço-lhes, em nome de Sua Santidade falecida, que prossigam como deve ser, com fé e determinação. Que todos possam ter Deus diante de seus olhos. 

E preparou-se para sair. 

Um dos cardeais não se conteve. 

- Mas onde estão eles? 

O camerlengo parou. 

- Isso, sinceramente, não posso dizer.

- Quando vão voltar? 

- Isso, sinceramente, não posso dizer. 

- Eles estão bem? 

- Isso, sinceramente, não posso dizer.  

- Eles vão voltar? 

Fez-se uma longa pausa. 

- Tenham fé - disse o camerlengo. E saiu da capela. 

As portas da Capela Sistina haviam sido seladas por fora, como era o costume, com duas pesadas correntes. Quatro guardas suíços estavam de sentinela no saguão ao lado. Mortati sabia que as portas sópoderiam ser abertas agora, antes da eleição de um Papa, se alguém ali dentro caísse seriamente doente ou se os preferiti chegassem. Ele rezava para que fosse a última alternativa a acontecer, embora o nó em seu estômago não lhe desse tanta certeza. 

Prossigamos como deve ser, decidiu Mortati, tomando como exemplo a firmeza na voz do camerlengo.

Por isso, iniciara a votação. O que mais poderia fazer? 

Haviam sido necessários trinta minutos para que se completassem os rituais preparatórios desse primeiro escrutínio. Mortati esperara pacientemente no altar-mor que cada cardeal, em ordem de antiguidade, se aproximasse e realizasse o procedimento específico de votação. 

Agora, enfim, o último cardeal havia chegado ao altar e ajoelhava-se diante dele. 

- Chamo como testemunha - declarou o cardeal, exatamente como todos os outros antes dele - Cristo, o Senhor, que saberá que meu voto está sendo dado àquele que, diante de Deus, julgo que deve ser o eleito. 

O cardeal levantou-se. Ergueu sua ficha de voto bem alto, acima da cabeça, para todos verem. Depois, baixou-a até o altar, onde um prato estava pousado sobre um grande cálice. Colocou a ficha de voto em cima do prato. Em seguida, pegou o prato e usou-o para deixar cair a ficha de voto dentro do cálice. O uso do prato era para garantir que ninguém disfarçadamente pusesse mais de um papel no cálice. 

Após dar seu voto, ele recolocou o prato sobre o cálice, inclinou-se na direção da cruz e voltou para seu lugar. 

O último voto fora depositado no cálice. 

Chegara a hora de Mortati trabalhar. 

Deixando o prato sobre o cálice, Mortati sacudiu as fichas de voto para misturá-las. Em seguida, retirou o prato e tirou uma ao acaso de dentro do cálice. Desdobrou-o. A ficha de voto tinha exatos cinco centímetros de largura. Ele leu em voz alta para todos ouvirem. 

"Eligo in summum pontifi cem...", declarou, lendo o texto gravado em relevo no alto de cada ficha de voto.

Elejo como Sumo Pontífice... E anunciou o nome do indicado que fora escrito abaixo. Depois de ler o nome, apanhou uma agulha preparada com um fio, levantou-a e furou a ficha de voto na palavra Eligo, fazendo-a deslizar com cuidado pelo fio. E tomou nota do voto em um livro de registro. 

Em seguida, repetiu o procedimento. Escolheu uma ficha de voto dentro do cálice, leu o que estava escrito em voz alta, enfiou a ficha no fio e fez a anotação no livro. Quase imediatamente Mortati percebeu que essa primeira votação não daria em nada. Não havia consenso. Após sete votos apenas, sete diferentes cardeais já haviam sido citados. Como era normal, os cardeais haviam procurado disfarçar a própria letra floreando a escrita ou escrevendo em letra de imprensa. O disfarce era uma ironia nesse caso porque eles estavam obviamente votando em si mesmos. Mortati sabia que essa aparente vaidade nada tinha a ver com ambição pessoal. Tratava-se de uma forma de retenção. Uma manobra defensiva. Uma tática de protelação para que nenhum cardeal recebesse votos suficientes para vencer e fosse necessário realizar outra votação. 

Os cardeais estavam esperando por seus preferiti 

Quando a última ficha de voto foi marcada, Mortati declarou que a votação malograra. 

Pegou o fio com todas as fichas de voto presas, amarrou suas pontas formando um anel e depositou o anel de votos em uma bandeja de prata. Acrescentou os produtos químicos devidos e levou a bandeja até uma pequena lareira atrás de si. Ali, pôs fogo nos papéis. Quando estes se queimaram, os produtos químicos que ele utilizara criaram uma fumaça negra. A fumaça subiu por um tubo até uma abertura no telhado, de onde se espalhou acima da capela para todos lá fora verem. O cardeal Mortati acabara de enviar sua primeira comunicação ao mundo exterior. 

Uma primeira votação. O Papa não fora escolhido.

                                                                                           

 

Parte 1 - Parte 2 - Parte 3 - Parte 4

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

Planeta Criança                                                             Literatura Licenciosa