Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
ONDE O SONHO COMEÇA
“Naquele mundo, tudo é fantasia. Até o amor!”
As mãos de Bárbara acariciam o peito largo de Spencer, sobem até o rosto, descem para o ventre e vão mais abaixo, deliciosamente sedutoras.
Ele geme baixinho, enterra os dedos nos cabelos sedosos e a toma nos braços com uma fúria quase animal.
Então ela percebe que não pode lhe negar nada. Ali, naquele instante, não são mais chefe e empregado. São dois amantes apaixonados, prontos para satisfazer as mais loucas fantasias!
Bárbara O'Neill parou o carro bem em frente a um dos portões imponentes da United Film Studios. Aos trinta e quatro unos, mantinha-se tão bela que podia facilmente ser confundida com uma starlet, uma daquelas jovens e atraentes atrizes que circulavam aos montes por Hollywood à procura de uma oportunidade. O vento frio de outubro fazia-lhe esvoaçar os cabelos castanho-claros, aos quais os raios do sol emprestavam reflexos mais claros. A pele era morena e acetinada; os olhos, de um azul muito vivo, emoldurados por cílios longos e espessos.
Mas Bárbara não era uma starlet. Era a mais nova presidente da United, e logo todos saberiam disso.
— Seu nome, por favor — perguntou o guarda, da janela da guarita.
Quando Bárbara respondeu, o homem correu os olhos pela lista de pessoas autorizadas a entrar no estúdio. Em seguida, encarou-a com expressão de surpresa.
— Harrison Kahn autorizou a senhora a entrar?
Ela fez que sim com um gesto de cabeça, Harrison era o dono dos estúdios da United, e seu nome tinha o poder de abrir e fechar portas com enorme facilidade. Enquanto pressionava o botão para levantar a barra que bloqueava a passagem, o guarda continuou olhando para Bárbara com indisfarçável curiosidade. Ela sorriu simpática, e avançou com o carro em direção ao estacionamento interno.
Harrison a contratara naquele fim de semana, depois de uma rápida entrevista. Assim, quase num piscar de olhos, ela, uma bem-sucedida vice-presidente de produção, se transformava na segunda mulher a dirigir um estúdio de cinema em Hollywood.
Um sinal de tráfego ficou vermelho e ela pisou no freio. Conduzir um carro pelo interior de um estúdio de Hollywood, onde filmagens de cenas se sucediam o tempo todo, exigia do motorista quase a mesma atenção que rodar pelas ruas de uma grande cidade. Mas Bárbara estava acostumada a isso. Quase à sua frente, um assistente de direção falava num walkie-talkie, enquanto logo atrás dele uma cena estava sendo gravada. Havia uma pequena multidão de atores e figurantes em ação. O diretor, erguido muitos metros acima do solo por uma grua, num carro especial de filmagem, manejava sua câmera com habilidade.
A cena trouxe à memória de Bárbara a época em que trabalhava como assistente de produção. Era um trabalho extenuante, cheio de dores de cabeça, porque um bom assistente tem que tomar uma infinidade de providências práticas, que envolvem desde a parafernália dos equipamentos até pequenos exércitos de coadjuvantes, para deixar o diretor inteiramente entregue à tarefa essencial de fazer o filme.
Em minutos a cena estava terminada e a luz vermelha do sinal de tráfego foi substituída pela verde. Ao passar pelos cenários permanentes do estúdio — ruas de faroeste, blocos de apartamentos, casas — Bárbara sentiu-se como que voltando ao passado. Tinha vivido boa parte de sua infância nos sets de filmagem. Sua mãe, Sheila O'Neill, fora uma atriz famosa até o começo da década de 60 e fizera muitos de seus filmes ali.
Criada naquele ambiente, Bárbara experimentava a sensação de que nada, praticamente nada que se relacionasse à indústria do cinema tinha segredos para ela. Olhando em volta, refletiu sobre como tudo aquilo tinha mudado pouco desde seus tempos de criança. A aparência geral, como a de qualquer estúdio, era a de uma fábrica. Mas uma fábrica de sonhos e fantasias. Os escritórios ficavam em prédios cinzentos e feios. Bárbara já podia sentir toda a vibração do estúdio e uma onda de excitação tomou conta dela só em pensar nos recursos fabulosos que teria à disposição.
Estacionou o carro num espaço vazio, onde uma tabuleta indicava o nome Jack Leif, na frente do bloco dos escritórios executivos. Jack Leif era o homem a quem Bárbara ia substituir na presidência da United Film Studios. Ela saltou rapidamente do carro e começou a caminhar na direção do edifício.
— Ei, moça! Esse lugar é reservado ao carro do presidente! — gritou-lhe um office-boy que ia passando de bicicleta.
— Eu sei — respondeu ela com um sorriso, sem interromper a caminhada.
"Consegui", pensou. "E não tive que ir para a cama com nenhum manda-chuva nem precisei puxar o tapete de nenhum colega para chegar até aqui."
Depois de anos trabalhando duro, Bárbara teria finalmente nas mãos um poder que em Hollywood era reservado quase exclusivamente aos homens. Desde o início acreditara que seu trabalho em Lovelorn, uma comédia leve e romântica que rendera cem milhões de dólares, contribuiria decisivamente para isso. Em todo caso, o reconhecimento de sua competência não veio tão pacificamente como esperava. Em meio à repercussão favorável de Lovelorn, ela ainda esperou ansiosamente pela promoção a chefe de estúdio. Quando percebeu que sua companhia jamais a promoveria, resolveu pedir demissão e procurar um estúdio que não barrasse sua ascensão profissional pelo simples fato de ela ser mulher. Sabia que seria muito difícil encontrar o que queria. Em Hollywood não faltavam mulheres bem-sucedidas em funções gerenciais, mas o nível executivo parecia privativo dos homens.
Uma semana depois de sua demissão, porém, Harrison ofereceu-lhe a presidência da United Film Studios. Bárbara agora sorria ao lembrar-se da entrevista, em Nova York. Como estivera nervosa! Quando mencionara suas notas da época de estudante de Artes Cinematográficas, Harrison ironizara:
— Estudantes não sabem do que realmente gostam. Apenas pensam que sabem.
Bárbara conseguira ser firme na réplica:
— Sei exatamente do que gosto. Gosto de rir. Gosto de chorar. Quando saio de uma sessão de cinema, não gosto de sentir que fui tapeada. Mas o que não gosto realmente é de ver dinheiro perdido, especialmente num filme meu.
Para seu alívio, Harrison rira. Nesse exato momento Bárbara sentira que o emprego era seu.
Enquanto essas lembranças desfilavam em sua cabeça, ela foi entrando na ante-sala dos escritórios que tinham pertencido a Jack Leif. Havia um guarda, que a olhou com ar confuso. A porta da sala estava entreaberta e Bárbara pôde ver Harrison lá dentro, falando ao telefone. Lembrou-se de como ficara atônita ao ouvir dele as razões da demissão de Leif:
— Jack Leif é um trapaceiro. Deu um desfalque de meio milhão de dólares na United. Só eu e meu diretor financeiro sabemos disso, e você também deve guardar segredo. A última coisa que desejo é que aconteça na United um abalo igual àquele que atingiu a Columbia, com o escândalo de Begelman. Espero-a segunda-feira, as dez, para começarmos a trabalhar. Leif já terá sido demitido e o caminho estará livre para você.
Enquanto ela se lembrava de mais essa cena, Harrison continuava falando ao telefone. Bárbara só então se deu conta da existência de uma escrivaninha atrás da qual se abrigava uma jovem visivelmente tensa. A moça revelava a atitude típica de uma secretária em cujos domínios estão ocorrendo mudanças, cuja extensão e alcance ela não conseguia avaliar. Bárbara decidiu apresentar-se.
— Oh! O Sr. Kahn disse que a senhorita viria hoje — respondeu a jovem, com voz insegura. — Não tenho certeza, mas... — Interrompeu-se, como se não soubesse bem o que queria dizer. Voltou os olhos significativamente para a escrivaninha vazia na sala de espera.
Na certa era a mesa que pertencera à secretária de Jack Leif, provavelmente despedida junto com o chefe.
— Qual é o seu nome? — perguntou Bárbara.
— Marci... Marci Schoenfeld.
— Faz tempo que trabalha aqui?
— Não, Srta. O'Neill. Para falar a verdade, hoje é meu primeiro dia.
Bárbara não pôde deixar de sorrir, entre aliviada e divertida. Aliviada por constatar que Marci não teria nenhum sentimento de lealdade para com Leif, nem mágoa por ele ter sido despedido. E divertida porque era visível que a moça estava impressionada com o clima de poder reinante nos escritórios da United.
Depois de conversar com ela por alguns minutos, Bárbara concluiu que gostaria de tê-la como secretária. Quando lhe revelou essa intenção, viu seu rostinho pálido e inseguro abrir-se num largo sorriso. Os agradecimentos de Marci foram interrompidos por Harrison, que entrou na sala. Era um homem de uns cinqüenta anos. Apesar da pequena estatura e da evidência de algum excesso de peso, tinha um corpo firme e compacto que permitia supor que no passado ostentara um porte atlético. A cabeleira era grisalha, mas densa. Apesar de vestir-se sempre com ternos clássicos, havia nele algo que insinuava uma postura jovem.
Bárbara sabia que Harrison era um homem bem-sucedido nos negócios, um milionário que se fizera sozinho. Quando o encontrou pela primeira vez, sentiu-se intimidada pela agressividade de sua personalidade. Agora, lutava para que isso não acontecesse de novo.
— Bom dia, Bárbara. Vamos entrar?
Enquanto ela o seguia para dentro do escritório, Harrison continuava:
— Jack já levou todas as suas coisas. Portanto, você pode se instalar. Depois, quando tiver tempo, poderá redecorar o escritório.
Bárbara deu uma rápida olhada em volta. Não havia nada de censurável naquele ambiente de paredes brancas, sofá azul de veludo cotelê com poltronas combinando e mesas com tampos de vidro.
— Para mim está ótimo. Só trarei alguns quadros.
Harrison sorriu. Em seu rosto ainda não desaparecera de todo a expressão zangada que ostentava durante o telefonema, mas havia certa simpatia.
— Hum... muito bem. Preocupada em não gastar dinheiro demais, não é? — Sentaram-se à mesa, repleta de papéis. — Falei com o pessoal da publicidade. Vão soltar uma notícia nos jornais, anunciando a demissão de Jack e a sua contratação. Claro que não diremos nada sobre o desfalque. Vamos atribuir a demissão à “incompatibilidade artística" com a filosofia do estúdio.
Após uma pausa, fitou Bárbara e finalizou:
— Sabe, todo mundo estará interessado em você. Principalmente os jornalistas.
— Eu sei. — Ela sorriu, confiante. — Já passei por isso antes. E acho que posso lidar com eles.
A voz de Bárbara soou natural, mas por dentro ela não se sentia tão segura assim. De qualquer modo, a última coisa que faria seria deixar transparecer qualquer hesitação. Odiava ficar em segundo plano... talvez por ter sido condenada a essa posição por causa da fama da mãe. Sheila O'Neill sempre tentara proteger a filha da curiosidade dos repórteres, que insistiam em vasculhar a vida de pessoas famosas e de seus familiares. Até hoje Bárbara sentia-se inquieta diante de câmeras de televisão e máquinas fotográficas.
— Muito bem, então. Deixo-a entregue à sua sala e ao trabalho — concluiu Harrison. — Já convoquei a maioria das pessoas do estúdio para o coquetel em que você será apresentada. Só quero falar pessoalmente com Spencer Tait. — Olhou para Bárbara com expressão meio desafiadora. — Você sabe a importância dele aqui no estúdio, não sabe?
Sim, ela sabia muito bem. Spencer Tait era o mais bem-sucedido e, conseqüentemente, o mais poderoso dos produtores independentes que trabalhavam para a United.
Bárbara quase adivinhou a explicação que Marrison passou a dar:
— Spencer é amigo íntimo de Jack Leif. Logicamente, não gostará ao saber o que aconteceu e é provável que você tenha algumas dificuldades com ele nos primeiros tempos. Precisará ser firme e, ao mesmo tempo, ter diplomacia, do contrário poderá não ter uma carreira muito longa na United.
Ela sentou-se, absorta, refletindo naquela quase ameaça.
"Que maravilha", pensou, com ironia. "Além de todo o esforço de adaptação que me será exigido no início terei de enfrentar um produtor temperamental, que ainda por cima parece mais importante do que eu para o estúdio!"
Harrison continuava a falar:
— Espero que consiga se dar bem com Spencer. Você é a chefe, mas entenda, temos que deixá-lo sempre satisfeito, para que ele não bata asas e vá pousar em outro estúdio.
— Entendo.
— Ótimo. — Harrison levantou-se e caminhou em direção à porta. Parou, deu meia-volta e, olhando diretamente para Bárbara, terminou: — Estou dando uma festa no Beverly Hills Hotel hoje à noite. Convidei os executivos da companhia para essa festa, em que pretendo apresentá-la a todos.
Quando Harrison saiu, Bárbara relaxou na cadeira de espaldar alto, atrás da mesa compacta de cerejeira que ocuparia a partir dê agora. Não havia nada em cima da escrivaninha. A secretária de Leif devia ter feito uma limpeza e colocado em alguma caixa, talvez, as sobras de material de escritório. Bárbara começou a abrir as gavetas para ver o que havia nelas e encontrou uma porção de blocos de papel com o nome de Jack Leif impresso, além de algumas canetas, lápis, velhos carimbos e clipes. Num gesto decidido e no qual havia também uma espécie de satisfação, ela atirou na cesta de lixo os blocos de papel em que se lia o nome de seu antecessor.
O escritório agora estava mergulhado no silêncio e, pelas janelas imensas, ela podia ver parte do estúdio e a movimentação das pessoas trabalhando lá fora.
"Muito bem", pensou, "não posso ficar aqui de braços cruzados, sentindo o gosto da glória."
Chamou Marci pelo interfone, pedindo-lhe que viesse anotar alguns ditados. Começou por um memorando marcando uma reunião com todos os chefes de departamento para o dia seguinte. O objetivo era ter uma visão global de tudo o que estava acontecendo no estúdio. Os produtores deveriam trazer os scripts de todos os filmes em andamento, bem como dos que ainda dependiam de estudos e aprovação.
Em seguida, ditou outro memorando, para conhecimento geral dos funcionários do estúdio, informando que não pretendia dispensar ninguém. Sabia muito bem a importância que um aviso como esse teria sobre o ânimo do pessoal, numa época em que todo mundo temia o desemprego em Hollywood.
Estava no meio do ditado quando a porta do escritório se abriu e um homem entrou apressado. De estatura média e físico bem proporcionado, tinha cabelos de um tom entre loiro e castanho e uns olhos verdes que no momento irradiavam um brilho ameaçador. Trajava calça jeans e um suéter verde, com decote em "V", que deixava entrever um peito viril e musculoso. Apesar de estar vestido num estilo informal, havia nele aquela espécie de aura que distingue os poderosos. Bárbara reconheceu-o como Spencer Tait de imediato. Ela o conhecia apenas de fotos publicadas na imprensa, mas já ouvira falar muito sobre seu comportamento cheio de contradições e, talvez por isso mesmo, fascinante.
Antes que Bárbara pudesse proferir uma só palavra, Spencer debruçou-se sobre sua mesa e começou a falar quase aos gritos;
— O que você pensa que está fazendo, sentada aqui?
Voltando-se para Marci, visivelmente assustada, Bárbara falou:
— É tudo, Marci. Pode ir agora. Peça a alguém que atenda às chamadas telefônicas em seu lugar.
A secretária saiu, apressada, grata à chefe por tê-la poupado daquela cena desagradável.
Olhando firme para Spencer, Bárbara respondeu:
— Estou apenas trabalhando. Acabo de assumir a presidência do estúdio. E você, o que pretende entrando em minha sala desse jeito?
— Acabei de falar com Harrison. Não acredito no que ele disse. Jack Leif não é um ladrão!
Como se não precisasse de qualquer convite para isso, sentou-se na poltrona mais próxima. Cruzou as mãos e, fazendo um esforço enorme para controlar a emoção, repetiu, como se falasse mais para si do que para Bárbara.
— Jack Leif não é desonesto...
Ela não estranhou que Spencer Tait fizesse uma defesa tão incondicional de Leif, de quem era um discípulo devotado. Havia até quem dissesse que uma cooperação informal de Leif — cujo nome nem aparecia nos créditos do filme — tinha sido decisiva para o êxito da principal obra assinada por Spencer, Belle, que chegara a obter uma indicação para o Oscar.
Bárbara procurou falar num tom bem natural, acreditando que assim desapareceria o clima de tensão que estava tomando conta do diálogo.
— Também fiquei surpresa quando...
— Deve haver outra razão para Harrison ter demitido Jack! — Spencer interrompeu-a bruscamente. Seguiu-se um período de silêncio, após o qual ele encarou Bárbara como se só então prestasse atenção nela. — Por que você? Jack Leif já estava aqui há anos, conhecia tudo no estúdio. Que motivos teria Harrison para colocá-la no lugar dele?
Bárbara teve o impulso de lhe explicar o quanto trabalhara para chegar àquela posição, mas conteve-se. Sentiu até raiva da idéia, pois seria como se tivesse que se desculpar pelo próprio sucesso. Viu Spencer levantar-se, andar até o outro lado da sala e finalmente dizer, com a voz mais calma:
— Havia uma foto do estúdio, feita no dia em que Jack começou a trabalhar aqui. — E apontou a parede.
— O Sr. Leif levou a foto — Bárbara explicou, esforçando-se para se manter cordial. Em seguida, como quem tateia o terreno, arriscou:
— Entendo que seja amigo de Jack Leif e como deve estar se sentindo, mas...
Spencer interrompeu-a bruscamente outra vez:
— É claro que ele é meu amigo! Só que também é um excelente executivo, um excelente chefe de estúdio. Sabe mais a respeito de cinema do que Harrison Kahn ou qualquer desses diretores juntos!
Bárbara sabia que, ainda que Tait exagerasse, Jack Leif era mesmo um profissional com muitos méritos. De outro modo não poderia ter ocupado o cargo ao qual ela se via agora conduzida. O trabalho de um presidente de estúdio não era fácil. Exigia muita capacidade administrativa e o domínio de uma infinidade de informações. Ninguém poderia exercer bem o cargo, por exemplo, sem um amplo conhecimento dos muitos filmes que estavam sendo produzidos em Hollywood, ou sem um raro talento para coordenar ações em áreas tão diversificadas como a criação artística e o controle de custos, as relações humanas e o marketing. Não era fácil, enfim, conciliar o jogo de cintura capaz de garantir um bom relacionamento com toda a comunidade criativa do estúdio — escritores, diretores, atores — com o pulso firme necessário ao cumprimento dos prazos e do orçamento.
De qualquer forma, mesmo que Spencer Tait cantasse e decantasse todas essas qualidades em Jack Leif, nada modificava o fato de ele ter roubado a United.
Bárbara respirou fundo e quis pôr um fim à discussão:
— O problema é que Leif deu um desfalque de meio milhão de dólares neste estúdio.
— Jack estava ganhando duzentos e cinqüenta mil dólares, além de porcentagens na bilheteria. Por que precisaria roubar? Considerando-se tudo o que ganhava, daria quase meio milhão de dólares!
— Ah, isso você vai ter que perguntar a ele. Talvez "quase" meio milhão de dólares não lhe fosse suficiente...
A resposta de Spencer, agora, foi o silêncio. Depois, por um breve momento, os dois se olharam nos olhos. Na mente de Bárbara, como numa cena em rotação acelerada, aquele homem fulgurou absurdamente como uma pessoa que se poderia admirar. Poucos eram aqueles que defenderiam com tanta veemência um amigo em desgraça. Passado esse momento, ela anteviu na frieza dos olhos verdes de Spencer a insinuação que viria em seguida. Desejou poder tapar-lhe a boca, para evitar o que estava certa de que iria ouvir. Contudo, sabia que seria impossível evitar a questão: teria que enfrentá-la, mais cedo ou mais tarde. Ficou rígida, as mãos apertadas nos braços da cadeira.
— Algumas pessoas estão dizendo que sua escolha para presidente do estúdio foi uma decisão surpreendente. Incompreensível, até. Você não tem tanto tempo de carreira para ter subido assim.
— Que pessoas? Quantas você pode ter encontrado hoje no caminho até minha sala?
Spencer ignorou a pergunta e, como se quisesse ir logo à essência da questão, disparou:
— O que você fez para convencer Harrison a contratá-la?
A insinuação contida na pergunta era óbvia. Bárbara achou-a sórdida demais. E, apesar da voz de Spencer Tait ter soado calma, o brilho em seus olhos era de ódio.
A simpatia que Bárbara sentira momentos antes por aquele homem desapareceu como num passe de mágica. Ela recobrou o controle, censurando-se por ter sido tão tola. Conhecia esse tipo de conversa; não devia se surpreender. Embora tantos anos de trabalho já a tivessem familiarizado com a mentalidade machista reinante em Hollywood, ainda se sentia chocada com esse tipo de visão, que parecia não admitir a hipótese da ascensão profissional da mulher pela simples competência. Pior ainda quando essa visão vinha de um homem como Spencer Tait, cujo trabalho era admirado e respeitado pela sensibilidade e seriedade. Por alguma razão que desconhecia, Bárbara sentia-se terrivelmente desapontada com a atitude dele.
"Você pediu por isto, Spencer Tait", pensou. Levantando-se, ficou frente a frente com ele, os olhos azuis apertados como se quisesse desafiá-lo. Sua vontade era agredi-lo fisicamente, mas procurou conter-se, apertando uma das mãos contra a outra.
— Se seu frágil ego de machão não é capaz de aceitar a idéia de que uma mulher seja capacitada para este cargo, isso é problema seu! E, se pensa que Harrison iria arriscar seu empreendimento colocando uma amante neste, posto, vejo que estou tratando com um estúpido. Você é um grosso, um cretino, Spencer Tait! E, da próxima vez que quiser falar comigo, marque hora com a minha secretária!
Ele talvez esperasse que a explosão de Bárbara fosse continuar por mais algum tempo. Ela o surpreenderia em seguida ao falar num tom que era quase um sussurro, mas que nem por isso deixava de ter a força de uma ordem incontestável:
— Agora, saia daqui.
Spencer hesitou. Sua expressão zangada transfigurou-se. Os olhos verdes, antes apertados, agora se abriam em surpresa, como se sentissem algo além de raiva, algo parecido com respeito, e suavizaram-se. Então, sem proferir uma palavra, girou nos calcanhares e saiu da sala, batendo a porta com força.
Por alguns minutos, Bárbara permaneceu onde estava abalada. A raiva e a mágoa que sentia eram muito fortes.
"Pare com isso", censurou-se. "Spencer Tait não vale um só momento de infelicidade. É simplesmente igual a qualquer dos piores homens de Hollywood: morre de medo só em pensar que uma mulher pode ser melhor do que ele profissionalmente!"
Apesar de sincero, esse julgamento não era correto, Spencer não era exatamente igual aos outros homens de Hollywood. Sua própria aparência demonstrava isso. Não usava correntes de ouro nem mocassins caríssimos de griffes famosas. Usava jeans desbotado, que valorizava seu corpo firme e musculoso.
No fundo, Bárbara também sabia que ele era diferente de todos os homens que conhecera. Suspeitava, inclusive, que havia algo estranho por trás da reação que tivera ao discutir com ele. Contudo, essa era uma possibilidade que ela não podia admitir e, quanto mais a afastasse do pensamento, melhor.
Às oito horas em ponto, Bárbara parou o carro em frente à recepção do Beverly Hills Hotel. Já tinha estado ali muitas vezes, mas nunca se acostumava com aquela aparência exótica. O edifício do hotel era pintado de rosa - salmão com telhado ocre, e em volta havia árvores de todas as variedades, incluindo coqueiros, o que lembrava os antigos filmes musicais da década de 30. Na verdade, pensou, o hotel até que combinava bem com o espírito hollywoodiano, pois era opulento e bizarro, bem ao gosto de uma comunidade que vivia de vender sonhos e fantasias.
No hall de entrada, perguntou à recepcionista em que bangalô Harrison estava alojado. Quando a moça lhe disse o número, Bárbara o reconheceu imediatamente como o mais exclusivo de um lote privilegiado do hotel, porque dava para a Crescent Drive, uma rua deserta e calma, longe do barulho da Sunset Boulevard.
Dois minutos depois, o carro conversível azul de Bárbara estacionava perto do bangalô rodeado de arbustos. Ela dirigiu-se à pequena construção em estilo espanhol e entrou numa sala onde os convidados já conversavam animadamente. O lugar era muito bem decorado, com sofás e poltronas em tons bege-claro e marrom, que se harmonizavam com o amarelo dos tijolinhos da lareira.
Bárbara não conseguiu conter um sorriso ao pensar que todos tinham chegado mais cedo para conhecer a nova chefe. Sabia que seria observada, analisada, medida em todos os detalhes, e por isso escolhera um vestido de cashmere vermelho, um modelo clássico muito bonito, com um decote discreto. Penteara os fartos cabelos para trás e usava um original par de brincos, que tinham sido presente da mãe.
O efeito era muito bom. Assim que entrou, todos os olhares se voltaram em sua direção, embora nem todos soubessem quem ela era.
Bárbara identificou alguns rostos, mas não conhecia a maioria. Correndo os olhos com certa avidez por entre os convidados, deu-se conta repentinamente de que tentava localizar uma fisionomia: a de Spencer Tait. Mas ele não se encontrava ali. Sentiu-se desapontada com a ausência e quase ao mesmo tempo se censurou por isso.
Harrison acenou-lhe, do meio de um grupo que conversava animadamente. Bárbara foi até lá. Ao ser apresentada, respondeu aos olhares cheios de curiosidade com um sorriso estudado, mas sem hesitação, como se esbanjasse segurança, procurando assim esconder o nervosismo. A conversa foi amena, sobre generalidades.
Quando Harrison se afastou para atender a um telefonema, ela pediu licença e também deixou o grupo, pois queria travar contato com outros convidados. Imediatamente reconheceu uma jovem que vinha em sua direção.
— Sally! — exclamou Bárbara, feliz, abraçando-a. — Como é bom vê-la de novo! Tenho tentado falar com você há semanas!
Sally também ostentava um largo sorriso.
— Saí de circulação por algum tempo. Sabe, estou tão feliz por você!
— Obrigada, querida. Acho que você é a única pessoa aqui que é sincera ao dizer isso.
Bárbara reparou no charme que havia no sorriso e nos gestos da amiga, cujos olhos cor de mel brilhavam de alegria, enquanto uma das mãos, de unhas cuidadosamente pintadas, corria por entre os espessos cabelos castanho-claros. Sally tinha mudado pouco desde a época em que eram colegas de quarto na universidade. Já então era uma das estudantes mais bonitas e inteligentes do campus. Ótima aluna, destacava-se principalmente em literatura.
Naquela época Sally já demonstrava grande competência para analisar scripts. Muitos achavam que ela chegaria cedo à presidente de estúdio. Sally, entretanto, não tinha a determinação de Bárbara. Havia nela algo de frágil, certa relutância em tomar decisões difíceis, o que prejudicava sua ascensão a posições de comando.
Sally continuava a falar sincera:
— Ficamos todos surpresos quando soubemos, esta manhã. O engraçado é que a maioria das pessoas não sabia absolutamente nada a seu respeito. "Quem é essa Bárbara?", perguntavam uns aos outros. Quando souberam que eu conhecia você, simplesmente não me deram mais paz. Fizeram um verdadeiro interrogatório: "Como ela é?" "Será que vai demitir todo mundo e colocar gente nova?" "É difícil trabalhar com ela?"
Bárbara riu, relaxando pela primeira vez desde que chegara à festa.
— E o que você disse? Que eu sou igualzinha a um carrasco?
— Confesso que fiquei tentada — Sally brincou, com um risinho. — Mas não acho que isso iria ajudá-la a se ambientar com as pessoas e com o estúdio. Então eu lhes disse a verdade: que você é uma profissional brilhante, séria e justa. Ninguém pode querer mais que isso.
Bárbara, um pouco encabulada diante do elogio, mudou de tom:
— Estou surpresa em vê-la aqui, Sally. A última vez em que falamos você estava trabalhando para a Donovan Productions.
— Isso foi há algum tempo. Depois tive que enfrentar um divórcio; foi uma fase muito difícil. Então decidi me afastar de tudo e ficar por uns tempos no México.
— Por que você não me procurou? Eu gostaria de tê-la ajudado nessa hora.
Sally baixou a cabeça para evitar o olhar da amiga.
— Sei disso. Mas é que infelizmente você não podia ajudar. Ninguém podia. Quando Jerry me deixou, fiquei arrasada.
— Mas você parecia estar bem, pelo que me lembro.
— Pois é, parecia é a palavra certa. Fiquei bem enquanto achei que Jerry mudaria de idéia e voltaria. Mas depois, exatamente no dia em que assinamos os papéis, soube que ele ia se casar novamente.
— Oh, Sally... lamento muito.
Barbara sabia exatamente como sua amiga devia ter se sentido. O mesmo acontecera com ela, quatro anos atrás. Seu marido, Tony, um jovem ator em ascensão, a trocara por uma empresária de renome, que poderia ajudá-lo muito na carreira. Bárbara dissera a si mesma que Tony não valia um minuto de sofrimento, mas isso não a impedira de derramar lágrimas inesgotáveis.
— Estou bem agora — Sally assegurou. — Voltei para Hollywood no mês passado e consegui este emprego na UFS, como diretora de produção. Ia telefonar para você esta semana.
— Muito bem, Sally. Ao menos no trabalho acho que não estamos nos saindo nada mal. Porque, na época da faculdade, quase incendiamos os dormitórios das garotas quando decidimos cozinhar um hibachi em nosso quarto!
As duas desataram a rir.
— Você se lembra da primeira vez em que reunimos a Associação Feminina de Trabalho?
Depois de pensar um momento, Sally respondeu:
— Claro que me lembro! Como sempre, você comandava tudo! Quando perguntei quem a tinha escolhido para líder, você simplesmente respondeu: "Eu me elegi. Afinal, estamos nos reunindo na minha casa".
Bárbara sorriu, lembrando-se daquele dia. Na época decidira que as mulheres em Hollywood precisavam se unir para derrubar as barreiras colocadas pelos homens, que controlavam a indústria cinematográfica. Com sua determinação característica, formara uma organização congregando todas as mulheres que trabalhavam no cinema. Batizou-a de Associação Feminina do Trabalho, numa irreverente paródia à Associação Masculina do Trabalho, integrada exclusivamente por homens.
— Bem, e aqui está você, presidente! — Sally sorriu. Bárbara manteve-se em atitude de reflexão, como se buscasse a origem de uma ligeira falha.
— Pensei que fosse conseguir este posto quando tivesse trinta anos. Parecia muito tempo, na época.
— Bem, mas conseguiu com trinta e quatro, o que significa que você só está atrasada quatro anos...
Bárbara riu com a brincadeira.
— Estou muito feliz com a idéia de trabalharmos juntas. Vai ser um alívio ter pelo menos um rosto amigo num mar de tubarões,
— Por falar nisso, há algo que quero conversar com você antes que abarrotem sua mesa com outros projetos.
— O que é?
— Tenho um script. Acho que é fantástico, mas até agora ninguém quis me ouvir.
— Eu ouvirei. Do que se trata?
— É uma refilmagem de A última chance— Sally disse, sorrindo. — Você se lembra, não?
— Claro! Foi um dos grandes sucessos de minha mãe.
Ela se lembrava muito bem. Era uma clássica aventura romântica envolvendo mãe e filha, os dois homens a quem amavam e a luta pela sobrevivência nos idos de mil e oitocentos. A mãe de Bárbara fazia o papel da garota.
— Meu script é uma versão atualizada. Segue a mesma linha da história anterior, mas o diálogo está mais elaborado. O autor é o Karl Kreiss.
— Gosto do Kreiss. Ele é brilhante. Adorei seu último filme. Por que Jack Leif não quis tocar esse projeto?
— Dinheiro. Disse que custaria uma fortuna filmar isso hoje e que, além do mais, já tinha outros dois grandes projetos em andamento. De fato, seria caro, A versão original foi feita em estúdio, mas Karl quer filmar em locações ao ar livre para dar maior realismo.
— Sally, vou ter uma reunião demorada amanhã pela manhã. Por que não almoçamos juntas? Você pode me trazer uma cópia do script. Parece interessante.
— Ótimo! Tenho certeza de que você gostará. E a United já tem os direitos sobre a história.
Bárbara mal ouviu as últimas palavras de Sally, pois subitamente todos os seus sentidos se voltaram para, alguém que acabava de chegar. Spencer Tait estava parado à porta, medindo a sala com olhar crítico, como se não tivesse certeza de querer entrar. Quando finalmente entrou, uma loira caminhou imediatamente em sua direção, abraçando-o.
Seguindo o olhar curioso de Bárbara, Sally comentou:
— Ah, Spencer. Você pode vir a ter problemas com ele.
— Não se preocupe, já tenho. — A voz de Bárbara mostrava certa tensão.
— Bem, Spencer idolatrava Jack Leif.
Bárbara podia ouvir o que Sally estava dizendo, mas sua atenção estava voltada para a loira que se debruçava sobre Spencer, sorrindo com adoração.
— Acho que Jack era como um pai para Spencer. Foi ele quem lhe deu a primeira oportunidade de trabalhar no cinema — Sally continuava dizendo.
— O que mais sabe sobre ele?
— Hum, é difícil dizer. Já ouvi muitas coisas contraditórias a seu respeito. Alguns o odeiam e outros dizem que é o único homem na cidade que tem integridade. Parece que ele veio do Texas e ficou órfão muito cedo. Mas uma coisa é certa: Spencer é muito atraente.
— Você acha?
— E como! Não que ele seja lindo, ou do tipo "bonitinho", tão comum em Hollywood. E também não é muito alto. Mas há algo especial em Spencer. Tem um ar seguro, de muita confiança em si mesmo. As garotas simplesmente pulam em sua cama; dizem que é um furacão.
— Sally! Você quer dizer que já andou com o homem?
— Oh, não. Não sou do tipo que aceita ter um caso de uma noite. E, pelo que sei, isso é tudo o que se pode esperar dele.
— Não sabia que Spencer era tão popular assim!
— Acho que é por causa desse ar de mistério dele. É irresistível. Faz com que a gente queira tentar descobrir o que se passa em sua cabeça. Spencer não gosta de badalação, raramente vai a festas. Mas, mesmo assim, tem trânsito em todas as áreas influentes na cidade. E ele é quem de fato comanda a United, quem está por trás de tudo. Não tenho a pretensão de dizer a você como deve agir, mas previno-a de que terá de saber se comunicar com ele.
— Você está certa. Mas não quero pensar nisso agora. Sally olhou-a, curiosa.
— Ele deve tê-la aborrecido de verdade, não?
Bárbara ia responder afirmativamente quando o diretor financeiro se aproximou e interrompeu a conversa para perguntar qual era a opinião dela sobre co-produções com outros estúdios. Logo, vários executivos juntaram-se ao grupo. Percebendo que tão cedo não poderia falar a sós com a amiga, Sally afastou-se.
Bárbara desejaria ter feito o mesmo, mas sua posição no estúdio a obrigava a ter que suportar um debate como aquele, em hora tão imprópria. Só depois de mais de meia hora foi que se animou a pedir licença para ir se servir de alguma bebida no bufê armado na sala de jantar. Na verdade, sentia necessidade de ficar um pouco sozinha. Estava cansada de ver que toda conversa era simples pretexto para que procurassem checar e avaliar seus planos para o estúdio.
Passou pelas portas que davam para o jardim atrás do bangalô. O ar estava frio, mas Bárbara sentia-se bem protegida em seu vestido de lã.
"Agora entendo como os macacos devem se sentir no zoológico", pensou Bárbara tristemente. "Pelo menos reencontrei Sally. É um alívio saber que iremos trabalhar juntas..."
A noite estava silenciosa, de modo que, quando alguém tossiu, embora discretamente, o barulho quase assustou Bárbara. Virando-se, ela viu Spencer Tait sentado num tronco de árvore, a poucos passos de distância.
Quando se olharam, ela tentou minimizar o efeito da surpresa dizendo qualquer coisa, mas não conseguiu pensar em nada que pudesse se transformar numa frase. Sentiu-se uma verdadeira tola por não ter conseguido disfarçar o susto que, de tão intenso, parecia ter se materializado como algo concreto no pesado silêncio que voltara a reinar.
— Desculpe... não era minha intenção atrapalhar.
— Não atrapalhou — Spencer respondeu secamente. — Só tossi para fazê-la perceber que não estava sozinha. Do contrário estaria tirando proveito da situação, pois poderia observá-la sem você saber da minha presença.
Levantou-se educadamente e ficou em pé ao lado do tronco de árvore.
— Desculpe-me — Bárbara ouviu-se dizendo. Na verdade, gostaria de simplesmente encerrar a conversa e voltar para a festa.
— Tudo bem. Só estou me escondendo um pouco. Como você.
Estaria tudo bem se ele não tivesse acrescentado "como você". Bárbara girou nos calcanhares para entrar no bangalô, mas ouviu Spencer insistir:
— Por favor, não ligue para as minhas provocações. — Ele tirou do bolso um lenço branco, agitando-o no ar. — Que tal uma trégua? Por favor, sente-se.
Spencer estendeu o lenço sobre o tronco para que ela se sentasse.
Bárbara hesitou. A verdade é que a idéia de voltar para a festa também não lhe agradava. Ao mesmo tempo, não tinha vontade de ficar ali, sozinha com Spencer Tait. A possibilidade de que viessem a recomeçar a discussão daquela manhã incomodava-a. A acusação que ele lhe fizera tinha sido um insulto que a aborrecera durante o dia todo.
Sentando-se novamente no tronco, Spencer fez um gesto convidativo.
— Por favor, sente-se. Prometo não morder. Além do mais, eu estava mesmo tentando imaginar um modo de falar a sós com você.
Era engraçado como ele parecia diferente daquela figura furiosa e ameaçadora que se mostrara de manhã. Agora a voz soava macia, insinuante, com um acento texano que Bárbara não havia notado antes. E seus olhos tinham uma expressão simpática e amigável.
Rapidamente, ela avaliou suas possibilidades. Poderia deixá-lo ali, com um frio boa-noite. Poderia contar-lhe exatamente o que pensava dele, extravasando toda a raiva que sentira depois daquele primeiro encontro. Ou poderia simplesmente sentar-se e ouvir o que ele tinha a dizer. Sabia que precisava do apoio daquele homem se quisesse continuar no posto de presidente da United. Harrison tinha deixado isso muito claro desde a primeira vez em que conversaram, em Nova York.
Desde os tempos de faculdade, Bárbara era apontada como alguém com todos os requisitos para vir a ser bem-sucedida profissionalmente. Esses requisitos incluíam habilidade e astúcia, qualidades que ela resolveu exercitar naquele momento. Sentou-se, certificando-se de ficar a alguma distância de Spencer.
— Estive observando você e confesso que estou muito impressionado. Para ser franco, achava que ia ficar dependurada em Harrison o tempo todo.
Apesar da decisão de ser amável, Bárbara sentiu raiva. Esse homem tinha o poder de enervá-la.
— Estou certa de que Harrison não vai querer interferir no meu trabalho. Além disso, ele voltará logo para Nova York. Terei que lidar com tudo isso sozinha.
— Você não é o que as pessoas esperavam — disse Spencer pausadamente, como se quisesse preservar o impacto do que iria acrescentar. — Nem o que eu esperava!
Surpresa, Bárbara manteve-se em guarda.
— Devo tomar isso como um elogio ou como um insulto?
Spencer sorriu amigavelmente e ele sentiu que começava a se dissolver, como por encanto, a tensão que a dominava desde que tinham começado a conversar. Pela primeira vez percebeu quanto havia de charme em Spencer Tait. E conseguiu entender por que tantas mulheres aceitavam a escassa atenção que ele teria para oferecer em troca de uma noite de amor.
— Um elogio, sem dúvida — Spencer esclareceu, por fim, olhando-a com interesse.
Parecia evidente que ele queria mesmo uma trégua. Mesmo assim, Bárbara não sabia como responder. Tinha conseguido conversar cordialmente, segura de si, com todos os convidados. Saíra-se bem até mesmo com pessoas que sabidamente a menosprezavam. Mas parecia-lhe impossível ter uma conversa tranqüila com aquele homem.
"Não posso ficar num jogo de amenidades com ele", convenceu-se. "Tenho que ir direto ao ponto." E, respirando fundo, atacou:
— Não consegui este emprego dormindo com Harrison.
— Sei disso agora.
— Harrison me contratou porque acha que tenho capacidade para presidente do estúdio.
— Também sei disso. Conversei com Jack. Ele me pôs a par de tudo.
Bárbara ignorou a referência de Spencer a Jack Leif. Não iria fazer o jogo dele, aceitando essa provocação. Iria se controlar para hão se atracar novamente com esse homem numa discussão. Resolveu mudar de assunto.
— Sou capaz de fazer bem esse trabalho. Mas você não concorda comigo, não é?
— Não.
— Por eu ser mulher?
— Exato. — Bárbara ia protestar, mas Spencer não lhe deu tempo: — Acredite-me, não sou um chauvinista. Fui educado no sistema tradicional, admito, onde as meninas usavam cor-de-rosa e os meninos, azul. Mas, desde então, tenho aprendido algumas coisas. Não acho que os homens sejam, por natureza, mais qualificados para dirigir estúdios ou para fazer qualquer outro trabalho. Mas o fato é que existem algumas diferenças.
— Esse é um ponto de vista um tanto antiquado, não acha? Você pensa que as mulheres não podem ser duras o suficiente para tomarem certas decisões difíceis? Está completamente enganado. Podemos fazer qualquer coisa que seja necessária para um desempenho profissional eficiente.
— Mas as mulheres costumam viver mais preocupadas com o que os outros vão dizer ou pensar delas. Os homens estão mais preparados para serem duros quando necessário.
— Como Harrison foi com Jack Leif.
Bárbara arrependeu-se de ter proferido essas palavras. "Ele vai achar que estou querendo provocá-lo, mas agora é tarde demais, não posso retirar o que disse", pensou. Para sua surpresa, Spencer não respondeu. E ela decidiu continuar, uma vez que já tinha ido tão longe:
— A primeira responsabilidade de Harrison é para com seu estúdio, sua empresa. Tomou uma decisão muito difícil quando foi preciso. Eu teria feito exatamente o mesmo, ainda que se tratasse de um amigo meu. Integridade não tem sexo, sr. Tait.
Ele sorriu.
— Chame-me de Spencer, já que teremos que trabalhar juntos... — ele conteve o ritmo, para que a palavra que ia dizer a seguir tivesse a necessária ênfase: —...chefe.
— Então quer dizer que você não vai ficar contra mim?
O sorriso desapareceu do rosto de Spencer.
— Mesmo que você fosse a mulher mais qualificada do mundo, teria mais dificuldade para dirigir o estúdio do que um homem de capacidade média. Desculpe-me, mas assim são as coisas.
— Tem certeza?
— Ouça, esta cidade vive de rumores e fofocas. Quando o presidente de um estúdio ou de uma rede de televisão tiver um caso amoroso, todo mundo vai falar sobre isso. No entanto, é um fato perfeitamente aceitável, uma coisa que as pessoas esperam que aconteça. Ele só estará fazendo o que é normal, numa cidade repleta de garotas lindíssimas que fazem de tudo para conseguir um papel secundário num filmezinho qualquer. Ninguém vai censurar o presidente do estúdio por isso. Mas, se o presidente for uma mulher...
Bárbara sabia que aquilo tudo era verdade e já imaginava onde Spencer queria chegar.
— Tratando-se de uma mulher na presidência do estúdio, sua vida particular estará muito mais exposta a críticas do que se fosse um homem — continuou Spencer. — Se você tiver um caso, as pessoas sempre se perguntarão como isso pode afetar sua vida profissional. Existe um padrão de vida sexual que irá atingi-la, sem dúvida.
— Não sei se posso contradizê-lo. Mas minha vida particular é da minha conta e de mais ninguém. E não tenho intenção de deixar que ela afete minha vida profissional.
— Você não terá escolha nem saída, Srta. O'Neill. Pelo menos, cinqüenta por cento dos executivos da United estão ansiosos para que você caia. A outra metade estará transando os pauzinhos para ficar no seu lugar quando isso acontecer. Ao primeiro deslize, eles a julgarão impiedosamente.
— Sei que posso lidar com eles.
— Pode mesmo? Não acho que alguma mulher consiga.
Bárbara riu, sarcástica.
— Não sou alguma mulher. Sou a presidente deste estúdio e pretendo continuar sendo por muito tempo. Você está completamente enganado. E sei que vou me divertir muito provando isso a você.
Ela se levantou e já dava as costas para Spencer quando ele disse, já sem tanta arrogância na voz:
— Acredito que sim, chefe.
Sem se incomodar em responder ao comentário, Bárbara entrou no bangalô, deixando-o sozinho.
O carro de Bárbara deslizou tão rapidamente pela noite que em poucos minutos ela já estava à porta de casa. Morava em Cheviot Hills, um bairro com casas muito bonitas, entre Beverly Hills e o lado oeste de Los Angeles. A casa era em estilo Cape Cod, com telhado branco, toras de madeira e tijolinhos vermelhos.
Ao colocar a chave na fechadura, ela se lembrou de que sua mãe se referia àquele lugar como chalé. E era mesmo, se comparada à casa onde Bárbara crescera. Havia uma sala de estar bem ampla, com uma lareira de tijolinhos a um canto e uma janela grande, de onde se via a baía. A sala de jantar tinha janelas que davam para o jardim.
Do outro lado ficavam os quartos. O primeiro, Bárbara usava como escritório, onde havia uma escrivaninha de nogueira que fora de seu pai. Ao lado do escritório ficava o quarto. Era a única parte da casa que ela reformara. Ali costumava sentir-se bem, como agora, ao despir o pesado casaco de lã, depositando-o numa cadeira. Suspirou, aliviada. Enfim, a noite tinha terminado. Sentia uma grande paz interior por estar em casa de novo.
Entrou no quarto de vestir, e num dos armários embutidos escolheu uma camisola comprida de seda, com penhoar combinando. Encaminhou-se para o banheira, bem decorado e cheio de plantas. Depois de lavar o rosto e escovar os dentes, voltou para o quarto e observou o ambiente antes de apagar a luz. Era exatamente com pedira ao arquiteto. Tinha o teto todo em madeira e, através de suas janelas, podia-se ver um deck de piso de madeira e uma árvore frondosa. Os móveis eram clássicos, em estilo francês. A cabeceira da cama, revestida com tecido verde, combinava com o tom do carpete.
Por um momento Bárbara aspirou o perfume suave que enchia a casa, antes de apagar a luz. Já com o quarto mergulhado na escuridão, começou a pensar no passado. O chalé onde agora morava era sem dúvida, muito diferente do lugar onde crescera. Sua mãe, Sheila O'Neill, era o protótipo da estrela de sucesso, e sua casa era exatamente o que os fãs esperavam que fosse: cheia de imponência, glamorosa, mas da qual Bárbara não se lembrava com carinho.
Recordava-se, entretanto, da aura de segurança e amor que os envolvia. Era um lar feliz, cheio de risos e conversas agradáveis. Sheila e Justin O'Neill posavam para fotos em revistas no jardim belíssimo, porque isso fazia parte da imagem, da fantasia que tinha que ser vendida para manter, a carreira da atriz. Quando os fotógrafos iam embora e toda aquela parafernália se acabava, costumavam fazer piqueniques com Bárbara na grama. E, sempre que podiam, dispensavam-lhe o máximo de tempo.
Bárbara tentava reconstruir no chalé um pouco do aconchego do antigo lar. Abriu uma das janelas para que o ar fresco pudesse entrar no quarto, enquanto dormisse.
Estava enganada, porém, ao pensar que dormiria logo. Olhando através da janela para o céu estrelado, naquela noite fria e clara, lembrou-se de algo que lera uma vez. Tinha gostado tanto do poema que o sabia de cor.
"Dize-me o que sentes em teu quarto tão solitário quando a lua cheia brilha no céu e sua luz interior se apaga, e lhe direi qual é sua idade, e saberei se és feliz."
Era um poema de Henri Frederic Amill, escrito em seu Journal Intime.
Bárbara sentia-se banhada pela luz da lua, que inundava de reflexos prateados seus cabelos fartos, espalhados sobre o travesseiro. Começou a meditar sobre aquelas palavras.
"O que sinto em meu quarto solitário? Sinto necessidade de alguém..Não de Tony. Já não sinto nada por ele, nem amargura. Mesmo que estivesse comigo, sendo fiel, me sentiria solitária com ele. Não fomos feitos um para o outro. Eu teria percebido a tempo se tivesse esperado pelo menos mais seis meses, em vez de ter me casado tão depressa."
E admitiu para si mesma, a muito custo, que seria muito bom sentir o calor de outro corpo perto do seu, ter alguém que pudesse entendê-la e amá-la. Desde o divórcio, Bárbara evitara envolver-se seriamente com alguém. Saía só de vez em quando, na maior parte das vezes com amigos. Assim era mais seguro. A separação a tinha machucado profundamente.
Quando Tony a abandonou, atribuindo-lhe a culpa pelo fracasso do casamento, ela sabia que a acusação era injusta. Na realidade, Bárbara tentara salvar aquela união até o último minuto, embora, daí em diante, jamais se tivesse arrependido da separação.
Mas, ainda assim.,. havia vezes em que no meio da noite, ou quando via uma mulher com um bebê nos braços, se perguntava se Tony não estivera certo. Até que ponto ela desejava ser mãe e ter uma vida normal? Não teria sacrificado sua vida pessoal em nome da carreira? Seria possível manter-se amorosa e sensível o suficiente para viver um relacionamento íntimo e profundo e, ao mesmo tempo, ter a firmeza necessária para vencer atividade tão competitiva como o cinema?
As palavras de Spencer Tait vieram-lhe à mente. Ele estaria realmente certo ao afirmar que ela não poderia, como presidente do estúdio, se dar ao luxo de se apaixonar e de sair com quem quisesse?
Lembrou-se de que, ao contratá-la, Harrison dissera:
— Acho que você deve estar se sentindo como se seu sonho mais louco tivesse se tornado realidade.
Mas a presidência da United não era suficiente. O que Bárbara mais queria, o sonho que mais acalentava, não tinha nada a ver com poder ou posição. Era muito, mas muito diferente. Era como uma cena que vira no cinema, muito tempo atrás, aos treze anos. Ainda guardava na mente, com toda a nitidez, o arrogante Rhett Butler carregando Scarlett O'Hara por uma larga escada, que os levaria até o quarto, em...E o vento levou.
O brilho nos olhos dele era uma antecipação de delícias secretas e prazeres misteriosos. Bárbara não tinha idéia então do que aconteceria por trás das pesadas portas do quarto. Mas sabia, instintivamente, que seria algo maravilhoso e estremeceu ante o pensamento.
Mesmo Tony, sem dúvida o homem mais sexy que conhecera, não pôde lhe preencher as expectativas. A fantasia mais secreta de Bárbara era um homem que a fizesse estremecer, gemer, enlouquecer de amor.
O poema que instantes atrás lhe ocorrera ao pensamento voltava agora: "Dize-me o que sentes em teu quarto tão solitário..."
E nesse momento ela percebeu que estava pensando nuns olhos verde-esmeralda, que a fitavam de modo quase animal... e num homem que, pela primeira vez em muito tempo, a fazia pensar em se apaixonar perdidamente.
Spencer olhava pela janela do quarto o céu escuro, que se confundia com a imensidão do oceano. Estava despido e contemplava com alguma satisfação o próprio corpo, bronzeado e firme.
Podia ver a espuma branca das ondas beijando a areia da praia deserta. "Gostaria de nadar", pensou, "mas existem os vizinhos. Mesmo à meia-noite, alguns ainda estão acordados. E não estou disposto a vestir um calção agora."
Não sentia sono algum. Queria fazer alguma coisa, mas não tinha certeza de quê. Há pouco, tinha feito amor com Lisa Dowling, uma loira que na festa deixara clara a intenção de ir para a cama com ele. Mas logo em seguida se sentira tão insatisfeito quanto antes.
Lisa ainda estava no banheiro e, pensando na exuberância de seu corpo, Spencer convencia-se de que ela não tivera culpa. Era muito atraente e, em matéria de sexo, tão experiente quanto haveria de ser qualquer moça com sua idade e seu estilo de vida. Mesmo assim, Spencer sentia que faltava alguma coisa. No fundo, Lisa não era diferente das outras. Nada tinha de especial, nada que pudesse tocar fundo seu coração.
"Você espera demais", disse a si mesmo. "Esta não é a primeira vez que isso acontece. Se é amor o que quer, volte para os braços de Trícia."
Trícia era perfeita. Dizia as coisas certas nas horas certas, e com uma autenticidade incomparável. Claro que dormia com todos os seus amigos, mas tudo bem. Todos na cidade haviam sabido disso antes dele. O que Jack tinha comentado mesmo sobre ela?
Lembrou-se vagamente de um verso de Shakespeare que o amigo citara quando procurava confortá-lo. "Jack tentava me fazer rir da situação quando eu só tinha vontade de chorar. Claro, Jack também tem seus problemas matrimoniais. Sua última esposa, então... Deus do céu, como os homens são tolos quando acreditam nas mulheres! Eu fui tolo com Trícia. Ela era tão linda! Esperta. Tão esperta que me enganou durante anos!"
Lisa saiu do banheiro, usando um dos pijamas de Spencer. A roupa era muito maior do que ela, de modo que as mangas compridas deixavam à mostra apenas os dedos das mãos. Spencer sabia que ela estava tentando fazer o gênero menininha inocente e desprotegida, até com certo exagero. Aconchegando-se junto a ele, Lisa envolveu-o num amplo abraço, os olhos castanhos muito abertos enquanto dizia:
— Querido... não acha que você está muito triste, aí parado em frente à janela? Deixe-me acender a luz para você...
— Não, não precisa. Eu acendo — replicou Spencer, afastando-se dela quase num pulo e acendendo o abajur.
Abriu o armário e tirou um robe para vestir. Lisa olhava-o, meio desapontada. Percebera que o tipo inocente não funcionara e tentava mudar a tática.
Correndo os olhos pelo quarto, cuja decoração era sóbria e despojada, Lisa tentou arranjar assunto.
— Muito bem, então é aqui que vive meu amado...
Spencer apenas sorriu de leve.
— Poderia ser melhor — continuou Lisa, referindo-se à decoração. — Onde está a estatueta do Oscar que você ganhou por aquele filme?
— Achei que ficaria fora de lugar, aqui — respondeu ele, evasivo, sem querer se aprofundar no assunto.
Não queria explicar que tinha dado o troféu para sua última professora, a Srta. Ruth Ann Mayberry. Lisa jamais conseguiria entender aquilo. A Srta. Mayberry tinha sido sua salvação quando ele era um jovem perplexo, perdido num mar de infelicidade e solidão. Era uma professora muito dedicada, muito humana. Alta e magra, sua silhueta lembrava Katherine Hepburn em A rainha africana. Nunca se casara, pois não conseguira esquecer um namorado que teria morrido na guerra.
Ainda podia lembrar-se muito bem da casa da Srta. Mayberry. Tinha livros por todos os lados e muitos Vasos com plantas. A mobília era antiga e a dona da casa fazia questão de servir chá em xícaras de porcelana chinesa. Ali eles passavam longas horas conversando. Ela elogiava muito sua criatividade e imaginação e tentava convencê-lo de que tinha talento para realizar o que quisesse na vida.
Olhando para Lisa agora, Spencer pensava que ela não tinha nada em comum com sua antiga professora. Não era alguém com quem pudesse conversar, trocar idéias. Apenas uma garota que podia ajudar a passar o tempo, numa noite solitária. Ou nem isso.
Sentou-se numa cadeira perto do telefone. Enquanto discava, avisou:
— Vou chamar um táxi para você.
Lisa ficou surpresa. Uma expressão de raiva tomou conta de seu rosto. Jamais poderia imaginar que, depois de estar ali, não iria passar a noite com Spencer. Teve o impulso de xingá-lo, agredi-lo, mas procurou conter-se. Afinal, tratando-se de Spencer Tait, aquele desfecho não era tão imprevisível assim. Ela sabia disso e não tinha o direito de reclamar.
— Muito bem. Então com licença, vou me vestir.
Spencer não proferiu uma só palavra e Lisa entrou no banheiro, fechando a porta com força. Ele permaneceu mergulhado em lembranças e reflexões, que deram lugar a uma sensação de alívio quinze minutos depois, quando o táxi chegou. Lisa deu-lhe um frio beijo de despedida, e, no instante seguinte, para Spencer, era como se ela nunca tivesse estado ali.
Foi até a sala, serviu-se de uma dose de brandy e voltou para o quarto. Sentando-se na cama desarrumada, as costas contra a cabeceira, começou a beber devagar. Lentamente uma lembrança começou a apagar todas as outras...
Era a da cena em que se via sentado num tronco de árvore, travando uma conversa perturbadora com Bárbara O'Neill. Que mulher mais irritante, pensou, comprimindo os lábios.
No íntimo, porém, sabia que era algo mais do que simples irritação. De certa forma, ela o atraía. Alguma coisa nela insinuava lembranças... Alguma coisa relacionada a ele próprio.
Apagou a luz para tentar dormir. Respirou fundo, tentando relaxar. Por fim, sentou-se na beirada da cama, praguejando alto. Não deveria ter mandado Lisa embora. Como fora estúpido! Ela teria ficado feliz em ajudá-lo a relaxar. Mas, pensando melhor, concluiu que isso de nada teria adiantado. A lembrança de Bárbara O'Neill era tão forte que Spencer tinha a sensação de que ela, e não Lisa, tinha acabado de estar ali.
— Isso é loucura!
Levantou-se. Vestiu uma calça jeans e um pulôver, decidido a dar um passeio pela praia.
"Muito bem, Srta. Bárbara O’Neill, o que há em você que não me deixa dormir? Você é uma mulher bonita, sem dúvida, mas já conheci outras muito mais bonitas nesta cidade."
Enquanto andava pela praia, deixando as pegadas na areia branca e ouvindo o murmúrio das ondas, tentava descobrir o que exatamente o perturbava. Não era o fato de Bárbara ser a nova presidente, nem o de ela ter tomado o lugar de seu amigo. Até mesmo Jack admitira ter feito algo errado.
Os pensamentos de Spencer voltaram-se para Bárbara. "Essa garota quer mesmo fazer um bom trabalho", refletiu. "Está decidida. E não porque precise provar algo a mim. Acredita em si mesma. Simplesmente, achou seu caminho..."
Subitamente, Spencer parou e levou as mãos à cabeça, como que estarrecido com a constatação que acabava de fazer: "Meu Deus, é isso! Bárbara me lembra a Srta. Mayberry!"
Imediatamente veio-lhe à mente sua própria imagem, como um adolescente magrela e assustado, aos quatorze anos, ouvindo uma jovem dizer-lhe: "Todo ser humano busca alguma coisa que o empurre para a frente, um determinado caminho que tem a seguir. Este é um trecho de um livro de Harriet Beecher Stowe chamado As raposinhas. Ache seu caminho, Spencer".
Colocou as mãos nos bolsos, desejando ter perguntado a Bárbara O'Neill se a presidência era o que ela realmente buscava ou apenas tinha sido uma obra do acaso.
"Sou tão louco quanto Jac", pensou. "Mandei para casa uma linda loira, desejosa de me agradar, e agora estou aqui, numa praia deserta em noite de lua cheia, pensando numa moreninha que encontrei duas vezes e, ainda por cima, a quem acho irritante!"
Começou a encaminhar-se para casa. Quando chegou ao deck parou e olhou mais uma vez as ondas indo e vindo. Pensou novamente em Bárbara. Numa fantasia, louca fantasia, viu-a emergindo das águas do mar, os cabelos claros escorridos sobre o rosto molhado. Podia ver a exuberância de seu corpo, as pernas compridas e bem-feitas. Orgulhosa Afrodite.
Lembrou-se de Lisa e do seu ar fingido de menininha desprotegida. Podia apostar que esse não era o gênero de Bárbara O'Neill.
Balançando a cabeça, pensou: "Desculpe-me, Lisa. Você foi substituída esta noite por uma mulher decidida a provar que sou um mentiroso".
Por uma razão inexplicável, riu alto, com uma maravilhosa sensação de entusiasmo, que desde muito não sentia.
Na manhã seguinte, às nove horas, Bárbara estava sentada à cabeceira de uma grande mesa, na sala de reuniões, ao lado de seu escritório.
Como sempre, vestia-se com simplicidade e bom gosto. Usava uma malha de cashmere e um cardigã que formavam conjunto com uma saia justa de lã, que valorizava as curvas de seu corpo perfeito.
À sua volta, sentados à mesa com suas pastas e papéis, estavam os chefes de departamento: o diretor de produção internacional, o diretor executivo de marketing, o diretor comercial, o diretor administrativo, o diretor de propaganda e a diretora de televisão.
Ao olhar para eles, Bárbara quase podia adivinhar-lhes os pensamentos: "Será que ela vai nos mandar embora e trazer sua equipe? Será que vai deixar mofarem na prateleira nossos projetos e executar só os seus?"
Um súbito e amargo pensamento tomou conta de Bárbara. Convenceu-se de que aquelas pessoas queriam que ela fracassasse, que não conseguisse manter-se na presidência. Com tristeza considerou a possibilidade de Spencer estar certo quando dissera que a maioria desses executivos gostaria de ver sua cabeça rolar.
Isso, porém, não a surpreendia, nem deveria atrapalhar a realização de seu trabalho. Iria mostrar ao mundo que era, com todos os méritos, uma presidente de talento.
Depois da festa da noite anterior, começara a analisar os projetos em andamento ou apenas idealizados. Agora, com todo o staff reunido, queria saber a exata situação em que se encontravam.
— Dominó? — perguntou Bárbara. Como em todos os projetos, tratava-se de um nome em código, por questão de sigilo.
— Dentro do planejado e dentro do orçamento previsto — respondeu Mark Tyson, o jovem diretor de produção internacional.
— Tempo perdido?
— A campanha publicitária já está pronta — respondeu o diretor encarregado da parte de propaganda e publicidade.— Basicamente estamos dizendo que é o novo filme do mestre do suspense, Rod Cooper.
— Bom — Bárbara assentiu. — Por que você não me dá os anúncios hoje, no fim do expediente? E traga as provas dos outdoors também.
Voltando-se para Jed Munro, o jovem assistente do diretor de marketing, perguntou:
— Como será o lançamento?
— Haverá uma avant-première no cinema Brun em West-wood, e o lucro será em benefício da União Americana de Liberdade Civil. Os dois artistas principais já confirmaram sua presença. Depois lançaremos no Locus, em Manhattan. E, ao fim de três semanas, já estará em exibição em oitocentos cinemas, em todo o país.
— Por que não fazemos o lançamento nacional logo de saída?
— Porque o tema do filme é político e só atrairá aos poucos o grande público. Precisamos de um pouco de tempo, para que o filme comece a ser elogiado pelos jornais. Jack pensava em... — Munro interrompeu-se, constrangido por ter pronunciado O nome do executivo a quem Bárbara sucedera.
— Está tudo bem, Munro — comandou Bárbara, impassível.
— O nome de Jack Leif pode ser mencionado. O filme é tão bom assim?
— Exibimos para os críticos e para os funcionários da United na sexta-feira e eles simplesmente adoraram. Falei com um crítico do Times de Los Angeles e ele disse que achou o filme fantástico.
— Está bem, isso é muito bom. Mas no futuro não quero me concentrar somente nos mercados de Los Angeles e Nova York. Não que não sejam importantes, especialmente em termos de publicidade. Mas existem muitas outras pessoas no resto do país.
Fez uma pausa e continuou:
— Você sabe, não é todo mundo que lê as críticas dos jornais de Nova York. Muitas pessoas tendem a decidir por si mesmas a que filme gostariam de assistir.
— O leitor médio quase não consegue entender o que escrevem os críticos — observou Tyson. — Aliás, eu mesmo às vezes não entendo.
Todos na sala riram e pela primeira vez o clima tenso se dissipou um pouco. Bárbara sentiu-se surpreendentemente satisfeita por estar rindo junto com seus auxiliares. Queria dar-se bem com eles e fazer do local de trabalho um ambiente agradável, embora soubesse que a função a obrigaria, muitas vezes, a agir com firmeza e objetividade profissional.
— Muito bem, então. E Caso de amor? — Bárbara continuou, com os olhos na agenda.
— Parece ótimo — Tyson respondeu com segurança. — Temos tudo sob controle. As filmagens começam na próxima semana e, se tudo correr bem, será lançado em junho, janto com a publicação do livro.
— Ê melhor que as coisas corram bem mesmo — Bárbara comentou. — Pelo que sei, pagamos meio milhão de dólares pelos direitos autorais de um filme que tem por base um livro que ainda está sendo revisado.
Tyson pareceu aborrecido, mas, se tinha alguma resposta, preferiu guardá-la para ocasião mais propícia.
— E Charl & boys?
— Outro roteirista está revisando o texto — Tyson respondeu.
— Mas já não foi revisado por dois escritores?
— Foi.
— E qual é o problema?
O silêncio tomou conta da sala. Bárbara encarou Tyson numa atitude inquiridora, pressionando-o a responder. O homem parecia relutante e receoso quando finalmente falou:
— Bem, esta é uma produção de Spencer e ele ainda não está satisfeito com o script.
Bárbara hesitou. Sabia que Spencer Tait entraria na pauta da reunião mais cedo ou mais tarde, mas tivera esperanças de que não houvesse nenhum problema relacionado a ele. Percebeu que todos a observavam atentamente. Spencer tinha muito poder nas mãos para que ela se arriscasse a tratá-lo tão energicamente quanto aos outros. Seus filmes eram a maior fonte de lucros da United. Em todo caso, ela era a presidente do estúdio e de alguma forma teria que deixar isso bem claro.
Voltando-se para Charles Woods, o diretor comercial, perguntou:
— O que diz o contrato que temos com Spencer neste projeto?
Woods, um homem tenso, de quarenta anos, respondeu, como quem medisse cuidadosamente as palavras:
— Exceto pelo dinheiro para o script, não adiantaremos nada a Spencer, que bancará pessoalmente o projeto. Jack não estava muito animado com esse filme, mas Spencer quer fazê-lo. Assim, cuidaremos da distribuição e Spencer nos pagará uma taxa por isso.
— De quanto?
— Cerca de vinte por cento. Vai depender da bilheteria. Se o filme fizer sucesso, a taxa será ainda mais baixa. Já, se não for bem, a taxa aumentará.
— Como é que Spencer pretende financiar a produção, se vamos ficar de fora disso? — Bárbara estava intrigada.
— Se gostarmos da forma final do script, entraremos com o financiamento. Se não gostarmos, ele deverá conseguir que alguém financie e nós só distribuiremos.
— Quer dizer que, por enquanto, só temos que pagar pelo script?
— Exatamente.
— Então é óbvio que. Spencer está se aproveitando do fato para contratar quantos roteiristas quiser. Diga-lhe que, se não consegue achar o homem certo para esse roteiro, o problema é dele. Não pagaremos outra pessoa para refazê-lo. E diga-lhe que, se tiver alguma dúvida, deve vir falar diretamente comigo.
Pela expressão apavorada no rosto de Woods, era evidente que ele não apreciava nem um pouco a idéia de levar esse recado a Spencer. Depois de um longo silêncio, pigarreou, nervoso.
— Direi.
— Muito bem. Agora falemos de Amigos.
— Ultrapassou o orçamento — Tyson resumiu, contrafeito.
— Não temos uma cláusula que prevê uma multa para isso?
— Temos — Woods interferiu.
— Mas você conhece Hanson — Tyson emendou. — Ele é difícil de controlar. Tem verdadeira obsessão pela técnica, quer fazer tudo com absoluta perfeição. As cenas estão fantásticas. Mesmo antes de montado, esse filme já é um candidato em potencial ao Oscar.
Bárbara pensou por alguns instantes.
— Muito bem. Continuaremos com o projeto e tomara que a técnica de Hanson seja mesmo impecável. Mas terei uma conversa com ele. E, como regra geral, de agora em diante não trabalharemos com gente que cause esse tipo de problema. Desperdiçar dinheiro só para satisfazer o ego de um diretor é absurdo. Existem muitos talentos novos, ansiosos pela chance de dirigir um filme, e que não ultrapassariam o orçamento.
— Há o tema musical do filme, também — interveio Munro.
— Ótimo. Faça com que seja lançado antes do filme para criar expectativa. — Respirou fundo e continuou: — Muito bem. E Jacks?
Jacks era o último filme feito por Spencer, e Bárbara sabia que estava dando ótima bilheteria.
— Já rendeu cerca de cem milhões — Tyson respondeu. — E teremos uma première em Londres no mês que vem.
— Ótimo. — Bárbara fechou o caderno de anotações e inclinou-se para a frente. — Acho que isso é tudo, por ora. Foi muito bom ter esta primeira reunião com vocês e estou certa de que vamos trabalhar numa atmosfera muito cordial e agradável.
Ficou satisfeita ao notar que aquelas palavras finais tinham sido recebidas com agrado. Era visível que todos os que agora deixavam a sala tinham um semblante bem mais tranqüilo do que quando a reunião começara.
Bárbara foi para sua sala e de lá se comunicou pelo interfone com o escritório de Sally, que ficava em outro andar.
— Já estou indo aí — Sally respondeu, alegre e um tanto ansiosa.
Mal acabou o diálogo com Sally, soou o interfone. Era Marci.
— Sim, Marci?
— Chegaram flores para a senhorita.
— Flores? De quem?
— Há um cartão. Quer que eu leia?
— Não, obrigada. Traga-as para a minha sala, por favor.
Num instante, Marci entrou, carregando um magnífico buquê de rosas amarelas. Deixou-as no canto da mesa de Bárbara e ficou parada, esperando. A garota devia estar curiosíssima para saber quem tinha mandado as flores. Bárbara também estava morrendo de curiosidade, mas esperou que Marci saísse para abrir o envelope. Leu o cartão silenciosamente:
"Com minhas sinceras desculpas pelo meu indesculpável comportamento."
Estava assinado "O cretino".
— Por que é que você está sorrindo desse modo? — perguntou Sally, que acabara de chegar e estava parada à porta.
Assustada, Bárbara levantou os olhos. Se estava sorrindo, nem tinha se dado conta.
— Oh, nada...
— Não acredito. Três maravilhosas dúzias de rosas não são o que se pode chamar de "nada".
Bárbara tratou de mudar de assunto.
— Vamos comer alguma coisa. Estou morrendo de fome. Ao levantar-se, colocou cuidadosamente o cartão na gaveta da escrivaninha, em vez de jogá-lo no lixo.
— Trouxe o script de A última chance — Sally informou, segurando um calhamaço.
— Ótimo.
Voltando-se para a secretária, Bárbara avisou que ia almoçar com Sally e estaria de volta em uma hora.
Enquanto se dirigiam para o refeitório, disse a si mesma que a atitude de Spencer, ao lhe enviar as rosas, a deixava aliviada por razões puramente profissionais. Afinal, como teriam que trabalhar juntos, um relacionamento amistoso tornaria tudo mais fácil. No íntimo, porém, estava agradavelmente surpresa com o homem, não com o profissional.
Bárbara ficou lendo o script de A última chance até tarde da noite. Sally tinha razão ao afirmar que era muito bom. Tinha doses equilibradas de aventura, romance, humor e drama. Bárbara era uma criança quando o filme original fora lançado, mas anos depois o vira na televisão e gostara imensamente. A versão que a United poderia fazer, acreditava ela, sairia muito melhor, pois incluiria custosas filmagens em locações e não apenas em estúdio. As descrições de cenário eram muito boas.
A história começava com uma mulher, que acabara de se tornar viúva, tentando recomeçar a vida no Oeste, para onde o marido tinha ido tempos atrás. Ela e a filha de dez anos são levadas por um aventureiro, por quem a mulher acabará se apaixonando. Durante a viagem, conhecem um adolescente órfão que alimenta grandes sonhos sobre a vida que espera encontrar no Oeste. A maior parte da história mostra-os nessa caminhada perigosa e aventureira em direção ao novo destino.
Os temas eram simples, mas comoventes: amor e sobrevivência. No fim, o homem se apaixona pela mulher e por ela resolve mudar de vida, deixando de ser um nômade sem compromissos ou horizontes. O garoto, agora homem feito, fica com a filha.
Bárbara guardou a cópia e deitou-se, descansando a cabeça no travesseiro. Era uma excelente script. Karl Kreiss era um jovem diretor destinado a uma ascensão fulgurante. Seus dois primeiros filmes tinham estourado bilheteria. Se conseguissem o elenco certo para o novo filme, seria outro sucesso.
Ela começou a sentir uma excitação crescente. Essa seria uma ótima oportunidade de garantir seu primeiro êxito na United. Apesar de ser responsável por todos os projetos em andamento, outras pessoas os tinham escolhido, decidido sobre o elenco, filmagens, direção. Este, ao contrário, seria realmente seu, desde o começo. Iria vê-lo desenvolver-se, passo a passo, até a montagem final. Claro que também teria que arcar com a responsabilidade caso o filme fosse um fracasso. Mas isso era muito improvável. Estava convicta de que a fita seria grandiosa.
Apagou o abajur e tentou dormir. Mas sua cabeça funcionava como um torvelinho, considerando possibilidades, pensando no elenco a ser contratado, locais onde pudessem filmar. Passou algumas horas assim excitada até que finalmente o sono a venceu.
Na manhã seguinte, a primeira coisa que fez foi chamar Sally ao escritório. Para não deixá-la em suspense, foi direto ao assunto.
— Adorei. Vamos fazer o filme.
O rosto da amiga abriu-se num sorriso.
— Oh, Bárbara! Eu sabia que você ia gostar do script! Tinha certeza!
— Vamos marcar uma reunião com Karl.
— Ele está muito ansioso para fazer esse filme, sabe?
Pressionando o botão do interfone, Bárbara consultou Marci sobre a possibilidade de encaixar a reunião em sua agenda.
— Você está livre hoje das três às quatro da tarde.
— Então peça a Karl Kreiss para vir. — Bárbara dirigiu-se a Sally: — Enquanto isso, direi a Charles Woods para entrar em contato com o agente dele e começar a pensar no contrato. E outra coisa, Sally: quero que você produza esse filme.
A amiga não pareceu surpresa.
— Obrigada pelo voto de confiança. Não vou decepcioná-la.
— Tenho certeza disso. Além do mais, você acreditou no projeto quando ninguém acreditava. Não poderia entregá-lo a alguém que não tivesse o mesmo carinho por ele. Acha que pode trabalhar com Karl?
— Claro! — Sally respondeu depressa, e com tanta veemência que em seguida seu rosto ficou vermelho e ela desviou o olhar, meio constrangida.
Bárbara percebeu que havia alguma coisa que Sally deixara de dizer. Mas, ao ver que a amiga permanecia em silêncio, continuou:
— Não acho que o script precise de revisão. Podemos começar a pensar no elenco. Vamos tratar disso hoje à tarde, na reunião.
— Você está pensando em começar as filmagens neste inverno? Se fizermos isso, só teremos dois ou três meses para a pré-produção.
— É, eu sei. Sei que estaremos apressando as coisas, mas, se não o rodarmos agora, teremos que esperar até novembro ou dezembro, quando estiver nevando outra vez. E não quero esperar tanto tempo. Acha que você e Karl podem estar disponíveis para começar a filmar logo?
— Claro que sim! — Sally respondeu, sem hesitar. — Oh, Bárbara, você não sabe o que isso significa para mim. Quando Jerry me abandonou, tudo parecia tão sem sentido, e agora...
Sally hesitou, e por um momento Bárbara se sentiu embaraçada. A figura da amiga era a de uma mulher frágil, emocionalmente vulnerável. De certo modo, o destino tinha sido cruel com ela, fazendo-a tão sensível. Se fosse mais firme, talvez pudesse se concentrar de todo no trabalho e não fosse tão carente em relação aos homens. Parecia que Sally se sentiria sempre um fracasso se não estivesse apoiada numa boa relação amorosa, ainda que tudo estivesse correndo muito bem em sua vida profissional.
"Mas será que sou diferente?", perguntou-se Bárbara. "Tenho dito a mim mesma que minha carreira preenchia o vazio que Tony deixara. Mas não preencheu totalmente... Não, não mesmo."
Mas aquilo era algo em que deveria refletir outra hora, e não no instante em que tomava importantes decisões relacionadas com o trabalho. "Sally é extremamente capaz", disse a si mesma. "Não há razão para não desempenhar bem suas funções nesse projeto."
Encarando a amiga, disse simplesmente, para encerrar a questão:
— Muito bem.
Sally retribuiu com um sorriso radiante, e saiu da sala em silêncio.
Sentada em sua mesa de executiva, com o queixo amparado nas palmas das mãos, Bárbara tinha de admitir que o projeto ia esbarrar num sério problema. Jack Leif estava certo sobre o custo, que seria astronômico. No entanto, se administrassem bem os custos, poderiam reduzi-los em cerca de vinte milhões de dólares e ainda assim contratar atores de renome. Bárbara, porém, tinha que encarar tudo aquilo como uma cartada decisiva: se o filme estourasse o orçamento e, especialmente, fosse um fracasso de bilheteria, a primeira cabeça a rolar seria a dela.
"Precisamos de um sócio neste projeto", pensou. "Isso diminuirá os riscos. E, se o filme for o sucesso que espero, ainda teremos lucros para fazer outros dois do mesmo nível." Considerou todas as possibilidades. Poderia convidar um grande banco para participar do projeto. Poderia dar certo.
Subitamente, seus olhos azuis brilharam e seus lábios se abriram num sorriso. Excelente idéia! Agora ela sabia quem era a pessoa mais indicada para co-produzir o filme: Spencer Tait. Isso consolidaria seu relacionamento profissional com ele, aumentando suas chances de permanecer como presidente do estúdio por muito tempo. E, mesmo sabendo que aquele homem a irritava profundamente, tinha de admitir que seus filmes eram excelentes. Spencer era muito bom naquilo que fazia. Quanto mais pensava nisso tudo, mais se convencia de que acabara de fazer uma ótima escolha. Spencer era o melhor produtor executivo para dar ao filme o alto nível de qualidade que ela queria.
Tocou para Marci e pediu-lhe que telefonasse para Spencer. Passaram-se menos de cinco minutos até que a secretária a chamasse de volta, anunciando que Spencer estava na linha.
Bárbara procurou ser cordial na abordagem:
— Bom dia. — Seu tom era amistoso e otimista.
— Bom dia. O que posso fazer por você?
— Tenho algo que poderia ser uma excelente oportunidade para o estúdio e... para você.
— Ah, é?
O tom de Spencer era calculadamente neutro. Mesmo assim, Bárbara conseguiu notar uma ponta de curiosidade. Sabia que ele devia estar no mínimo surpreso com a oferta. Nunca tinha feito uma co-produção.
— É uma história sensacional, Spencer, mas incluirá muitas filmagens externas e temo que se torne uma produção muito cara. Gostaria de discutir isso com você pessoalmente.
— Por que eu? Por que não oferece a outro estúdio? Nunca fiz uma co-produção. Normalmente sou eu quem procura vocês para pedir financiamento.
— Sei disso, mas você deve ter dinheiro em caixa por causa do sucesso de seu filme Jacks. Imaginei que poderia entrar numa co-produção conosco. Quero alguém com suas qualificações para fazer esse filme.
— Em outras palavras, você não quer arriscar-se muito com o primeiro filme que está fazendo para a United, certo?
— Também. Está interessado?
Houve uma longa pausa. Bárbara manteve-se em silêncio, deixando a pergunta no ar, pois sabia que Spencer estava avaliando rapidamente os prós e os contras da idéia da associação.
Por fim, ele respondeu:
— Mande-me uma cópia do script. Vou dar uma olhada e lhe digo se me interessa.
Ela respirou aliviada.
— Talvez pudéssemos fazer uma reunião amanhã. O que acha?
— Amanhã não estarei na cidade. Vou ficar fora por uma semana.
Bárbara ficou desapontada. Não queria esperar uma semana inteira para saber se Spencer estaria ou não interessado no projeto. Precisava de uma definição logo, pois, se a resposta fosse negativa, teria que procurar outro produtor.
— Bem, talvez pudéssemos nos encontrar hoje à tarde...
— Não. Preciso de algumas horas para ler o script e pensar no assunto. Mas tenho uma idéia. Podemos conversar sobre o filme... — fez uma pausa, depois continuou: — num "jantar de negócios".
Bárbara não conseguiu se conter e riu gostosamente. Sabia exatamente o que ele queria dizer com aquilo. Em Hollywood, se alguém quisesse ter um bom relacionamento profissional com quem quer que fosse, mesmo com gente de quem não gostasse, o melhor que tinha a fazer era combinar uma reunião de "negócios" num restaurante ou, por exemplo, na casa de prata de uma das partes, num fim de semana. Não porque a idéia do encontro fosse agradável, mas para abrir melhores perspectivas ao relacionamento profissional.
— Combinado. Por que não nos encontramos para tomar um drinque num barzinho?
— Não faz meu gênero. Conheço um pequeno restaurante italiano. Apanho-a às oito em sua casa.
Bárbara vacilou. Aquilo parecia mais um encontro do que um jantar profissional,mas não tinha escolha.
— Está certo.
— Onde você mora?
— Em Cheviot Hills. Rua Martindale, 111.
— Até lá então.
Ela permaneceu pensativa por alguns instantes, depois de desligar. Um dia antes não teria sido capaz de se imaginar jantando com Spencer Tait.
"Bem", pensou, ligeiramente divertida, "será muito interessante."
Bárbara estava sentada em frente à penteadeira, dando os últimos retoques na maquilagem. Vestia uma blusa de seda creme e uma saia de lã marrom-escura, comprida, combinando com seu porte. A blusa de seda, com um leve enchimento nos ombros, também lhe valorizava a figura esguia. Dividiu os cabelos ao meio, deixando-os de um lado presos atrás da orelha e, do outro, soltos, caindo livremente. Como sempre, usava jóias com discrição: somente brincos de pérolas. A maquilagem era leve. Um brilho suave nos lábios, um pouco de blush nas faces e rimei nos cílios compridos e espessos.
Se seu aspecto estava mais feminino e gracioso do que austero e profissional, não tinha sido uma escolha consciente. De qualquer forma, Bárbara sentia-se tocada por um estranho sentimento de excitação.
Apanhou um raro perfume francês, que levava a assinatura de Mareei Franck, e colocou algumas gotas atrás dos lobos das orelhas e nos pulsos. Era um perfume tradicional e curiosamente veio-lhe à cabeça uma reflexão sobre o que teriam sentido outras mulheres que usaram a mesma marca tempos atrás. "Será que se perfumaram com a esperança de que seu amante as pedisse em casamento? Será que pretenderam despertar neles algum sentimento que os fizesse morrer de paixão?"
"Mas não vou me encontrar com meu amante", Bárbara lembrou-se, como se advertisse a si mesma. "Este será um jantar de negócios." Em todo caso, de algum ponto oculto de sua mente podia ouvir uma tênue voz que lhe perguntava, meio maliciosamente, se seria somente aquilo o que Spencer queria.
A noite parecia muito calma e o relógio da sala marcava oito horas, pontualmente, quando a campainha soou. Bárbara apanhou a bolsa e um blazer que fazia conjunto com a saia antes de abrir a porta. Não tinha intenção de convidá-lo para entrar.
Spencer estava vestido informalmente, como sempre, com um pulo ver de cashmere cujo decote em "V" revelava seu peito másculo. Bárbara precisou conter-se para não deixar transparecer a atração que lhe inspirava aquele homem envolvente e tão seguro de si. Spencer não agia como a maioria das pessoas em Hollywood. Não havia nenhuma afetação em seu modo de ser. Era o tempo todo ele mesmo, como se jamais tivesse a mais remota necessidade de querer impressionar as pessoas.
Bárbara apreciava isso, mas a total independência de Spencer, por outro lado, também a deixava um pouco confusa. Nunca sabia o que ele iria fazer em seguida.
— Você se aprontou depressa — comentou Spencer com um sorriso. Podia haver alguma ironia na observação. Talvez ele estivesse sugerindo que, encontrando-a pronta, não tinha chance de ser convidado a entrar,
— Não queria fazê-lo esperar. Além disso, acho que temos muito a discutir.
— Está bem. Vamos indo, então.
Desceram pela Motor Avenue, uma avenida larga onde ficam os estúdios da Twentieth Century Fox e, mais abaixo, os muros coloridos da Metro-Goldwyn-Mayer. Viraram depois na Santa Mônica, uma via expressa onde se podia desenvolver boa velocidade.
O carro de Spencer era silencioso e muito confortável. Sem saber por quê, Bárbara desejou que ele tivesse um automóvel mais sofisticado, mais "apropriado" para um produtor de cinema de sucesso.
"Não", pensou logo em seguida. "Spencer não tem necessidade de impressionar os outros. Deve ser uma pessoa muito segura."
— Gostou do script? — Bárbara quis entrar logo no assunto.
— Muitíssimo. Mas entendo por que você está preocupada com o orçamento. Este é um filme que pode ser muito caro e, por isso mesmo, um fracasso financeiro muito grande, se não der certo. Muitos filmes grandiosos têm dado enormes prejuízos.
— Este não dará. A maior parte dos grandes fracassos acontecem porque as histórias são muito fracas e porque os estúdios não mantêm um controle cuidadoso da produção. Neste caso, vou controlar tudo bem de perto. Você não disse que gostou da história? Se tivermos uma boa administração dos custos, esse filme dará muito lucro.
— Acredito. Além disso, gosto dele porque atinge dois tipos de público, o dos jovens e o dos velhos. Isso é sem dúvida um ponto importante a favor. Quanto acha que custaria?
— É difícil prever sem certa margem de erro, mas acho que poderemos pensar num orçamento de cerca de vinte milhões.
Spencer arqueou uma das sobrancelhas, incrédulo.
— Não acha que está sendo muito otimista?
— Não, se tivermos isso em mente — Bárbara respondeu. Seu tom era firme e seu olhar direto.
Spencer riu. Longe de parecer desconsideração, era uma risada descontraída, de alguém que sabia manter o bom humor na hora de falar de negócios.
— O que você quer dizer é que espera que eu não vá construir um estúdio em minha casa, para fazer o filme, e cobrar isso da produção da United?
Bárbara exibiu o mesmo bom humor ao responder:
— Se achasse que ia fazer isso, não o teria convidado.
— Entendo. — Spencer ficou com um ar pensativo. — É engraçado, mas quando comecei a trabalhar no cinema ouvi um produtor famoso dizer que só fazia filmes grandiosos porque não se pode tirar um milhão de dólares de uma fita de dois milhões. Na época, pensei que ele estivesse brincando. Alguns anos depois, percebi que tinha razão.
Não havia necessidade de resposta. Bárbara sabia tão bem quanto ele como era feita a "contabilidade" em Hollywood. Era a razão pela qual a maior parte dos grandes artistas sempre queriam trabalhar com cachê fixo, em vez de porcentagem na renda dos filmes.
Logo chegaram ao pequeno restaurante, num local agradável e aconchegante, em Malibu. O dono parecia conhecer Spencer, a quem cumprimentou com alegria, ao mesmo tempo que lançava um olhar de admiração na direção de Bárbara.
— Reservamos a melhor mesa para o casal — informou, enquanto os encaminhava para perto de uma lareira crepitante.
Depois de dizerem ao garçom o que iriam comer, Bárbara quis entrar logo no assunto do projeto, mas Spencer atalhou:
— Preciso dizer uma coisa, antes que você continue. Quero me desculpar por meu comportamento, ontem.
— Por favor, vamos esquecer isso. As rosas são lindas. E gostei muito do cartão.
Spencer começou a rir, mas insistiu:
— Só quero explicar por que fui tão odioso com você. Jack é meu amigo. Devo muito a ele. Respeito-o mais do que a qualquer outra pessoa no cinema. Quando Harrison me disse o que tinha acontecido, não pude, não quis acreditar. Então descarreguei toda a minha raiva em você.
— Tem certeza de que é só isso? Será que o fato de eu ser mulher não conta?
Bárbara olhou diretamente para ele ao fazer a pergunta. Era dificílimo manter um ar sereno naquele momento. Aquele era um jogo que custava tempo, energia e, no caso deles, por incluir uma relação de trabalho, envolvia também muito dinheiro.
Spencer devolveu-lhe o olhar. Por um momento, mediram-se com cuidado. Bárbara podia ver, ao longe, as luzes de vela tremulando nas outras mesas, os clientes conversando, os garçons indo e vindo com bandejas fumegantes. "Esta é a hora da verdade", pensou. "É o momento em que veremos se será possível ou não trabalharmos juntos."
Spencer sorriu. Fitando-o, Bárbara sentiu o cotação bater mais depressa e o sangue tingir suas faces. O sorriso de Spencer era fascinante.
— Tenho de admitir que minha tendência é ver as coisas pelo ponto de vista tradicional. Como já disse antes, acho que as mulheres enfrentam um tipo diferente de problema neste ramo, especialmente quando chegam ao nível a que você chegou. Contudo, depois de saber um pouco mais a seu respeito, acho que Harrison foi muito esperto em dar-lhe o cargo.
Bárbara sentiu-se aliviada; mas procurou não deixar transparecer nada.
— Fico satisfeita em ouvir isso, mas são águas passadas. Vamos falar do futuro: você vai trabalhar comigo neste filme?
Spencer ficou em silêncio por um bom tempo. Por fim, disse, pausadamente:
— Vou, mas sob condições especiais. Tudo deve ser dividido igualmente: direitos para a televisão, videocassetes, exibição em outros países. E quero dividir com você, em pé de igualdade, o poder de decisão no tocante a orçamento, estratégia publicitária, impressos...
— Em suma, igualdade total — interrompeu Bárbara. Ela sabia que era importante não hesitar, pois isso poderia parecer falta de confiança. Por isso acrescentou imediatamente: — Eu aceito.
O que Spencer pedia parecia justo. Ele sorriu e levantou suavemente o indicador da mão direita, dando a entender que queria prosseguir.
— Ainda há mais uma coisa.
— Sun?
— Minha produtora não é grande o suficiente para absorver um investimento desses. E, apesar das suas boas intenções, esse é o tipo de filme que pode facilmente escapar ao nosso controle. Quero uma cláusula estipulando que, se a produção ultrapassar em mais de dez por cento o orçamento previsto, posso retirar minha parte no financiamento e desistir.
Bárbara vacilou. Não achava que haveria grandes riscos de o filme ultrapassar o orçamento. Confiava muito na capacidade de Sally para cuidar da produção e pretendia acompanhar de perto todos os detalhes da filmagem. Mas, se apesar disso alguma coisa desse errado, a United ficaria numa posição muito difícil. O estúdio teria que terminar as filmagens sozinho ou desistir do projeto, perdendo todo o dinheiro já investido.
Quanto mais pensava na condição imposta por Spencer, mais ela lhe parecia inaceitável.
— Percebe em que posição vai me colocar se eu aceitar? — Sua voz estava serena, mas seus olhos azuis irradiavam certa tensão.
— Percebo. E percebo em que posição você estará me colocando se eu não insistir nisso e algo der errado. — A voz de Spencer era firme, imperturbável. Antes que Bárbara pudesse responder, ele acrescentou:
— Você está jogando pesado. Estarei arriscando dez milhões de dólares do meu próprio bolso. E você? O que estará arriscando?
Os olhos de Bárbara encontraram os de Spencer, como se fossem travar um duelo. Mas o desafio de fazer um filme nas condições propostas por ele, e com aquele grau de risco, era exatamente o tipo de empreitada que mexia com o sangue irlandês de Bárbara. Afinal, o êxito do filme dependeria em grande parte de sua própria capacidade como executiva. "Se eu não tiver esse tipo de confiança em mim, nem deveria estar ocupando a presidência de um estúdio", disse a si mesma.
— Muito bem — ela concluiu. — Seus advogados podem fazer uma minuta de contrato tão logo eu fale com Harrison e me certifique de que ele não tem nada contra.
Aquele desfecho deveria ter acabado com as diferenças entre ambos, mas, ainda assim, ficaram se olhando estranhamente por alguns segundos. Era como se nenhum dos dois acreditasse que tinham chegado a um acordo. O clima tenso só foi quebrado quando o garçom trouxe dois pratos, com o minestrone bem quente.
Enquanto comiam, Bárbara deu-se conta de que um certo ressentimento marcava sua atitude em relação a Spencer. Ressentia-se por ele exercer, dentro da United, uma influência de que ela própria sofreria reflexos em seu trabalho como presidente do estúdio. Spencer, por sua vez, também se ressentia, não só pela falta de hábito em lidar com uma mulher em posição de comando como por vê-la ocupando o lugar que fora de seu melhor amigo.
Quando finalmente o garçom retirou os pratos, Bárbara quis abrir o jogo:
— Por que você não diz logo o que pensa de mim? Parece que acha que a qualquer momento vou lhe saltar em cima e sugar seu sangue...
Spencer hesitou uma fração de segundo, mas logo seu sorriso magnético voltou a iluminar-lhe o rosto.
— Só se você concordar em também dizer o que pensa de mim. Mas isso pode ser depois. Que tal falarmos agora sobre elenco, direção, vestuários?
A conversa então enveredou para as possibilidades que tinham vários atores de ocupar os papéis principais, e Bárbara sentiu-se aliviada ao perceber que as idéias de Spencer a respeito do elenco não diferiam muito das suas. Quanto ao nome de Karl Kreiss, embora Spencer não o apreciasse tanto, admitiu que ele tinha feito um bom trabalho e seria, provavelmente, o homem mais indicado para dirigir o filme. Bárbara então comentou, casualmente, que já escolhera Sally como produtora.
— Ela não tem experiência para isso — replicou Spencer, num tom que não admitia contestação.
— Tampouco você era experiente quando produziu seu primeiro filme — Bárbara respondeu com firmeza. — E sei que esse filme deu um lucro de trinta milhões, embora o orçamento tivesse sido apenas de meio milhão.
— Tudo bem, mas eu tinha trabalhado como assistente de produção por anos a fio antes de ter aquela chance.
— Sally também. Ela é diretora de produção e, se chegou a isso, não deve ter sido à custa de incompetência, concorda?
— Não sei, Sally não fez nada para provar que pode se sair bem. Que tal fazê-la começar numa produção mais modesta para ver como se sai e só então lhe dar um filme assim ambicioso?
— Você não diria isso se ela fosse um homem. Esse é o problema, não é?
— Não. O problema não é esse, e portanto não tente usar essa arma.
— Muito bem. Então qual é o problema? — Havia algum sarcasmo na voz de Bárbara, — Sally foi a única pessoa na United com capacidade para reconhecer as qualidades do script. Não fosse ela, nem estaríamos começando o projeto. Só por isso merece produzi-lo.-
Spencer ficou em silêncio por um momento.
— Só acho que entregar um projeto desses para uma novata é correr um risco desnecessário.
A observação, embora feita em tom objetivo e profissional, enfureceu Bárbara. Não tinha intenção de deixar Spencer lhe dizer como devia controlar os riscos em seu trabalho.
— Sei tanto quanto você a respeito dos riscos. Sei que, neste negócio, e na posição em que estou, cada decisão é um passo delicado, que pode ter conseqüências graves. Se resolvi entregar a produção a Sally, é porque tenho razões para isso. — Depois, num tom menos inflamado, atacou a essência da questão: — Se há alguém que esteja correndo riscos ao contratar Sally, sou eu. Com esta cláusula que você exige no contrato, estão já de saída eliminados os seus riscos. Você pode desistir do projeto se ele ameaçar suas finanças, e tudo bem. Eu não posso desistir sem perder meu emprego.
Ao falar de forma tão desafiadora, Bárbara contava com o efeito de sua atitude sobre o ego masculino de Spencer. Sabia que ele não ia querer que pairassem dúvidas sobre sua coragem como investidor. A tensão entre ambos começou a dissipar-se.
— Está certo. Só espero que sua confiança em Sally seja justificada.
— Fique certo disso — Bárbara garantiu, enquanto o garçom trazia as travessas com lasanha.
Ficaram em silêncio enquanto comiam. Mas o clima agora não estava carregado como minutos atrás. Ainda assim, ela se sentia cada vez mais intrigada a respeito de Spencer. Haviam discutido e discordado em muitos pontos. No fim, ambos tinham feito concessões.
Bárbara tinha gostado do rumo das discussões. De certo modo, tinha gostado até do fato de terem discordado. Ambos eram pessoas de convicções firmes, decididas a fazer sempre o melhor. E ela, apesar de ter se zangado algumas vezes com Spencer durante o jantar, respeitava-o cada vez mais.
Sem dúvida ele era duro e arrogante, mas isso se tornava compreensível num homem de sua posição. E, embora Spencer fizesse restrições à competência profissional das mulheres, parecia ser capaz de ainda mudar de opinião a esse respeito.
Bárbara lembrava-se de algo que sua mãe dissera sobre outro Spencer, o famoso Spencer Tracy. Tracy era seguro o suficiente para trabalhar com Kate Hepburn, uma pessoa tão inteligente e segura quanto ele.
Então resolveu quebrar o silêncio que se instalara entre eles.
— Como foi que você começou a trabalhar em cinema?
— Saí de casa aos dezoito anos. Queria ir para o Oeste. Los Angeles foi o mais longe que consegui, sem me machucar muito. O único emprego que me apareceu foi o de office-boy de uma produtora cinematográfica. O resto, como dizem, é história.
Por trás daquele constante bom humor, Bárbara sabia existir alguma coisa mais séria, talvez uma história amarga. Era óbvio que ao menos alguma pastagem da vida de Spencer tinha sido dolorosa, e parecia que ele não se dispunha a discutir isso com ela. Percebeu que ele evitava certos assuntos, principalmente os relacionados à sua infância e à sua família.
Tentando forçar esse limite, Bárbara arriscou:
— Onde você nasceu?
— Galveston.
— É uma bela cidade. Estive lá algumas vezes com minha mãe, a trabalho. Fiquei bastante impressionada.
— Não creio que tenha visto o lugar de onde eu venho — Spencer comentou, em tom amargo. Depois, querendo mudar de assunto: — Sua mãe é Sheila O'Neill, não é?
Foi a vez de Bárbara retrair-se. Não gostava de falar da mãe com pessoas que não conhecia bem. A pergunta era invariável: "Ela continua bonita?"
— Sim, Sheila é minha mãe.
— Por que você não se tornou atriz? Tem porte para isso e conhece bem o meio cinematográfico.
Bárbara não esperava uma pergunta como aquela.
— Nunca tive a menor vontade de seguir os passos de minha mãe. Ainda mais depois de ver tudo o que ela passou por causa da fama. Não tínhamos privacidade alguma. Eu odiava isso.
— Entendo. Sabe, é por isso que evito chamar atenção. Não suporto ser olhado como animal raro quando ando pelas ruas ou ser assaltado por repórteres que querem saber com quem tenho dormido. Não é da conta deles.
— Você não quer a fama. Somente o poder.
— Exato.
— E por que você quer o poder? Seria pelos prazeres que o acompanham, como dinheiro, sexo, limusines à disposição num estalar de dedos? Ou seria pela vaidade de se sentir como alguém que ajuda a moldar a cultura popular americana?
— Só quero me realizar. Fazer filmes, para mim, é o máximo da realização. — E, como quem vira o jogo bruscamente, perguntou: — E você, Srta. O'Neill? O que quer?
— Spencer, acho que já é hora de me chamar pelo primeiro nome. Quanto a sua pergunta, só quero me realizar. Sempre odiei a publicidade em torno de minha mãe, mas adorava os filmes que ela fazia. Achava incrível ir ao cinema e olhar as coisas acontecendo na tela, fingindo que aquilo tudo era real, embora soubesse que não era. Eu sabia muito bem que era fantasia. Mas era uma sensação incrível ver as fantasias ganhando vida.
Spencer fitou-a em silêncio por um instante, mas de forma tão penetrante que ela se sentiu perturbada. Bárbara desviou o olhar e torceu para que a intensidade daquele momento passasse logo. Depois, numa espécie de estranha vingança, voltou a tocar no ponto em que ele parecia mais vulnerável: seu passado. A atmosfera tornou-se mais fria entre eles, mas, para surpresa de Bárbara, Spencer pareceu menos relutante em falar no assunto.
— Não nasci rico como você.
A reação dela foi imediata:
— Isso não me torna menos ou mais ambiciosa do que você.
Viu que Spencer sorriu, mais à vontade.
— Sei disso. É uma coisa que aprecio.
Para decepção de Bárbara, ficava claro que nem dessa vez a conversa avançara por aquele terreno. "Como ele é reservado no tocante às suas emoções!", refletiu. "Por trás de sua máscara de firmeza e auto-suficiência há um homem tremendamente sensível. Eu deveria saber disso pelos filmes que Spencer já fez. Só alguém muito sensível, que se importa e muito com o ser humano, poderia ter feito aqueles filmes. Spencer está muito longe de ser o cretino que considerei ontem."
Olhou o mar pela janela, e o reflexo prateado da lua cheia na água. Percebeu que estava se sentindo perigosamente atraída por aquele homem. O garçom veio retirar os pratos e perguntou pela sobremesa. Pediram sorvete spumoni e café.
— Você não é daquelas mulheres que ficam fazendo as contas das calorias neuroticamente, é? — perguntou Spencer, divertido.
Ela fez que não com a cabeça, sorrindo. Percebeu que Spencer não estava com pressa de ir embora e sentiu-se satisfeita. Os homens que conhecia eram todos apressados. Isso era uma doença em Hollywood, conforme dizia seu pai.
O garçom serviu a sobremesa e Spencer perguntou:
— Você conhece Harriet Beecher Stowe?
— Como?
— Harriet Beecher Stowe. Já ouviu falar nela?
Bárbara tinha uma expressão interrogativa nos olhos. Um sorriso bailava nos lábios dele, enquanto tomava um gole do café fumegante que o garçom trouxera.
— Não costumo contar isso para qualquer um. Na verdade, nem tenho certeza se já contei para alguém.
Bárbara esperou que ele continuasse. Estava cheia dê curiosidade.
— Além de minha mãe, que morreu quando eu tinha catorze anos, houve uma mulher muito especial em minha vida. Essa mulher, Ruth Ann Mayberry, foi minha professora no colégio. Ela simplesmente abriu minha cabeça para uma porção de coisas de que eu nunca tinha ouvido falar. A Srta. Mayberry mostrou-me que eu tinha opções, que Galveston era apenas uma pequena cidade. Foi ela quem me falou de Harriet Beecher Stowe.
Então Spencer repetiu o trecho da obra As raposinhas e depois acrescentou:
— Ela costumava insistir com os alunos, dizendo que tínhamos de achar nosso caminho, nossas próprias ferramentas que nos levariam à vida que sonhávamos. Você, por exemplo, está tentando achar o seu caminho, lutando muito, lutando contra todas as resistências. Saiba que eu a entendo e a admiro por isso.
Bárbara precisou conter-sé para não segurar-lhe as mãos ou lançar-se sobre a mesa e abraçá-lo. Contudo, o sentimento que a invadia — fosse respeito, gratidão, ternura ou algo mais — transpareceu claramente na expressão de seus olhos.
Os olhares de ambos encontraram-se novamente, mas agora não pareciam armas prontas para um duelo. Bárbara sentiu um arrepio quente, uma onda de desejo percorrer-lhe o corpo.
O garçom voltou para perguntar se queriam mais alguma coisa. Sem tirar os olhos dela, Spencer respondeu:
— Não, obrigado. Não queremos mais nada. Está ótimo assim...
Mas o momento mágico já passara. Bárbara a muito custo lembrou-se de que estava ali a negócios com aquele homem, a quem iria chefiar num projeto, e não poderia, em circunstância alguma, deixar-se levar pela atração crescente que ele lhe inspirava.
Spencer pagou a conta e o garçom inclinou-se, grato pela gorda gorjeta, assim que ambos se levantaram para ir embora.
Enquanto a acompanhava pelo caminho de tijolinhos que levava à porta de entrada do chalé, Spencer olhava-a silenciosamente. Sem muita inspiração para preencher aquele vazio de palavras, ela observou:
— Gostei daquele trecho de Harriet Beecher Stowe.
— Ela escreveu mais uma coisa da qual você pode gostar. É sobre fantasias...
Então, Bárbara ouviu-o dizer baixinho, a voz forte e grave:
"Acima de nós, nas nuvens, existe um mundo que não podemos ver apesar de um simples fechar de olhos poder nos levar até lá".
Instintivamente, Bárbara percebeu que estava tendo a rara oportunidade de conhecer algo mais profundo sobre Spencer Tait, o homem tão reservado de Hollywood.
— Acho que entendo agora por que você consegue tanto sucesso naquilo que faz — disse suavemente, seus olhos encontrando os dele na semi-escuridão. — É que está sintonizado com suas fantasias. Você as torna realidade.
— E você? Quais são as suas fantasias?
A voz de Bárbara ficou bloqueada na garganta e, por um momento, ela não conseguiu falar. Por fim, respondeu, com voz tênue mas segura:
— Sou uma adulta, agora. Não sou mais aquela criança que ia ao cinema e olhava a tela imaginando que aquilo tudo era verdade. Não tenho fantasias.
Spencer balançou a cabeça devagar.
— Você não estaria nesse negócio se não tivesse uma porção de fantasias.
Por um breve instante, Bárbara hesitou, como que hipnotizada por aqueles olhos verdes. De repente, inesperadamente, Spencer Tait havia despertado nela fantasias românticas. Fantasias que ela julgava terem sido sepultadas com seu casamento fracassado.
Sentiu que estava deslizando por sobre uma finíssima camada de gelo. Spencer Tait era um importante colega de trabalho. Não poderia deixar-se seduzir por ele.
— Boa noite — disse abruptamente, agora ansiosa por fugir daquele olhar que parecia capaz de enfeitiçá-la.
Spencer entendeu.
— Boa noite, chefe — disse, sem rancor. Voltou-se e caminhou até o carro.
Bárbara entrou depressa em casa. Trancou a porta, como se só assim estivesse a salvo. E ouviu o barulho do carro distanciando-se na noite.
No meio da sua segunda semana como presidente da United, Bárbara recebeu sua mãe para almoçar no refeitório da empresa. Mesmo afastada das telas há vinte anos, havia nela aquela aura própria das grandes estrelas. Marci olhou-a, boquiaberta, e até titubeou um pouco antes de se dar conta de que tudo o que devia fazer era ligar para a chefe e anunciar que Sheila O'Neill havia chegado.
Apesar de seus cinqüenta e seis anos, Sheila parecia muito jovem. Seus cabelos castanho-escuros tinham apenas alguns fios prateados. Os olhos azuis mostravam o mesmo brilho exibido nas telas tempos atrás, e seu corpo conservava formas que fariam inveja a muitas garotas de vinte anos. Sua beleza vinha também do espírito. Era essencialmente uma pessoa feliz, com uma generosidade que poucos, especialmente em Hollywood, poderiam ter. Essa era uma das razões por que todos os que trabalhavam com ela a idolatravam. Desde Clark Gable ou Humphrey Bogart até o ator menos famoso, todos achavam Sheila O'Neill parceira inigualável para compor uma dupla romântica. Além do mais, ela possuía um senso profissional muito apurado.
— Bárbara, querida, adorei seu escritório! — disse, olhando em volta. Observando os quadros nas paredes, acrescentou: — Você deve ter herdado o bom gosto de seu pai para arte. Na pintura moderna, eu nunca conseguiria distinguir um artista de outro.
Bárbara sorriu. Adorava a mãe e sempre apreciara sua companhia. O fato de Sheila fazer um esforço enorme para não se meter em sua vida tornava o relacionamento mais leve e agradável para ambas. Quando Bárbara deixou de viver com os pais, Sheila vendeu a casa enorme onde morava e comprou dois apartamentos, um em Beverly Hills e outro em Palm Springs. Para Bárbara, ela era a mãe ideal: sempre pronta a ajudar, só dando conselhos quando a filha pedia, e mais interessada em levar sua própria vida.
— Tudo bem, mamãe? Você está maravilhosa!
— Obrigada, querida. Este é um dos casacos que eu trouxe na última vez que fomos a Paris. Primeiro, achei que era muito extravagante, mas Helen, minha vizinha, disse que eu deveria fazer uma entrada triunfal aqui, hoje. Além do mais, faz muito tempo que não uso nada assim.
— Helen tinha razão. Você está incrível!
O vestido era de seda azul-petróleo e, por cima dele, Sheila usava um casaco de pele. Seus cabelos estavam repicados no estilo moderno.
Usava no pescoço e nas orelhas o que Bárbara chama de "jóias da rainha-mãe", cravejadas de pérolas e diamantes.
Sheila sorriu para a filha.
— Devo dizer que não me acostumo à idéia de vê-la atrás dessa escrivaninha. Você ainda é tão jovem...
— Tenho trinta e quatro anos, mamãe.
— Sei disso, mas é que quando a vejo no escritório, lembro-me de quando você era criança e ficava sentadinha em sua pequena mesa, recortando bonecas de papel. — Andando até Bárbara, atraiu-a para si num leve abraço. — Tenho muito orgulho de você, minha filha. Gostaria que seu pai pudesse vê-la agora. Ele também ficaria muito orgulhoso.
Antes que Bárbara pudesse responder, Sheila mudou de assunto.
— Vamos almoçar? Estou morrendo de fome.
Quando entraram no refeitório, alguns minutos depois, Bárbara, como sempre, divertiu-se ao ver a reação que sua mãe despertava nas pessoas. Cabeças se voltavam e as pessoas não faziam qualquer esforço para disfarçar a curiosidade. Sheila O'Neill podia estar fora das telas há vinte anos, mas por certo não caíra no esquecimento.
O matrie quase tropeçou ao puxar a cadeira para a ex-estrela. Depois, preocupado em atender Sheila, praticamente ignorou Bárbara, que achou muita graça nisso.
Olhando em volta, Sheila comentou:
— Este estúdio mudou muito. Tudo está diferente, principalmente as pessoas. Sei que parece tolo, mas ainda tenho a viva sensação de que verei Clark Gable ou Lana Turner entrarem por aquela porta. E a pequena Elizabeth.
— É mesmo! A pequena Liz Taylor...
Um homem idoso aproximou-se e interrompeu a conversa.
— Sra. O'Neill — disse, dirigindo-se a Sheila. — Acho que não vai se lembrar de mim....
— Mas é claro que me lembro! — Sheila exclamou, os olhos brilhando. Virando-se para Bárbara, explicou: — Este é Harry Dalton. Ele tirava minhas rugas. Tirou-as para meu último filme.
— Oh, não, madame, nunca houve rugas para tirar. Nem naquela época nem agora. É um prazer enorme ver alguém daqueles tempos.
— O que você anda fazendo?
— O de sempre: maquilagem. Agora faço isso nessa moçada da televisão. Não é a mesma coisa. Não fazem mais artistas como você. — Voltando-se para Bárbara, acrescentou, em tom reverente: — Ela é uma estrela.
Depois de alguns minutos relembrando o passado, Harry as deixou. Mas, quando Sheila e Bárbara se preparavam para fazer os pedidos, outra pessoa se aproximou da mesa para conversar. Também depois, enquanto comiam, ambas continuaram a ser interrompidas de vez em quando, mesmo por gente acostumada a ver atores e atrizes famosos todos os dias no estúdio. Todos olhavam para Sheila como se nunca tivessem visto alguém como ela.
Quando a grande estrela deu o primeiro autógrafo, várias pessoas rodearam a mesa. Então, só depois de atender uma pequena multidão, ela e a filha puderam terminar o almoço em paz.
— Agora conte-me sobre o seu trabalho, querida.
— Bem, é uma oportunidade tremenda. Existem tantas coisas que quero fazer... Vou mudar muito. Nem posso começar a contar...
Sheila riu.
— Devagar, querida. Não tente mudar Hollywood de um dia para outro. O cinema tem sido o mesmo durante setenta anos. Vai levar tempo para mudar alguma coisa nessa engrenagem.
— De qualquer forma, essa cidade tem que saber que cheguei!
Sheila recostou-se na cadeira, sorrindo.
— As pessoas com quem você vai lidar são duras, Bárbara.
A voz, normalmente suave, agora tinha um tom sério. Bárbara sabia que ela falava por experiência própria, mas não se abalou.
— Sei disso. Mas sei ser dura também, quando é preciso. Sou igualzinha a meu pai.
— Sim... — A voz de Sheila voltava ao normal. Rindo, acrescentou: — Você realmente é igualzinha a ele.
Seguiu-se um silêncio. Bárbara sabia que sua mãe também estava se lembrando com carinho do homem a quem amara tão profundamente.
A verdade é que ela nunca tinha analisado sua motivação profissional a fundo. Havia sido levada ao cinema em parte pela memória de seu pai, pelo exemplo que ele dera. Teria sido importante para Justin 0'Neill que sua filha conseguisse algo especial na vida.
Justin fora um dos melhores agentes em Hollywood, um homem admirado pela inteligência e integridade numa cidade onde essas qualidades eram raras. Tinha orientado a carreira de Sheila com eficiência, fazendo-a chegar ao topo da profissão.
— Uma vez, minha filha, quando você tinha uns três ou quatro anos e estava toda arrumada para ir a uma festa, seu pai tomou-a nos braços e, olhando para mim, disse: "Bárbara é a réplica exata da mãe". Ainda me lembro vivamente dessa cena.
Sheila riu suavemente, para amenizar a emoção que sentia, e continuou:
— Você era realmente linda, e ainda é. Claro que sinto muito orgulho disso. Mas, desde aquela época, você é mais do que isso. É uma líder nata. Naquela mesma festa, organizou as outras crianças em grupos para brincarem. Lembro-me de ter dito ao seu pai, naquela noite, que você tinha herdado o melhor de cada um de nós dois.
Ouvindo o que a mãe dizia, Bárbara lembrou-se de algo que lera recentemente: "O melhor presente que um pai pode dar aos filhos é amar a mãe deles". E seu pai certamente havia feito isso.
Depois de uma pausa, disse:
— Gostaria que papai estivesse aqui agora. Ele adoraria.
— Você ainda sente muita falta dele, não é?
— Demais. Ele me dizia que eu podia fazer qualquer coisa que quisesse, ser qualquer coisa que desejasse.
De repente, lembrou-se de Spencer Tait. Sabia que ele, ao contrário de seu pai, sempre veria limites para aquilo que, em sua opinião, uma mulher poderia conseguir.
Ao saírem do refeitório, Sheila comentou:
— É engraçado ver como as pessoas ainda se lembram de mim. Achava que já tinham me esquecido.
— Ah, mas você é uma estrela — disse Bárbara, imitando Harry Dalton. — Não fazem mais estrelas como antigamente.
— Agora é diferente. No meu tempo tudo era mais glamoroso e excitante. Não podia sequer ir até a padaria sem me arrumar adequadamente. Um fã poderia me ver e ficar desapontado ao perceber que eu era uma pessoa comum.
— Mamãe, e se você não tivesse parado? Muitas estrelas permaneceram estrelas.
— Não muitas, querida. Achei que era melhor me retirar enquanto as pessoas ainda queriam que eu continuasse.
Esta era uma discussão sem fim entre mãe e filha. Bárbara entendia por que sua mãe havia parado. Tinha apenas trinta e seis anos, mas achava que em breve não poderia mais corresponder à imagem da estrela sexy que o público via nela. Antes de se tornar um símbolo sexual, Sheila havia interpretado Ibsen, Shakespeare e outros autores clássicos. Mas, depois que sua nova imagem se cristalizou, tudo o que os produtores queriam mostrar nos filmes era sua beleza física espetacular. Sheila nunca fora capaz de ultrapassar esta espécie de barreira que se criara. E as pessoas que tinham nas mãos o poder de decidir não viam razão alguma para mudar isso.
— Se papai tivesse vivido mais, você ainda seria uma estrela.
— Não, querida. Se Justin tivesse vivido mais, os rumos de minha carreira teriam sido outros. Ele me ajudaria a ficar conhecida como uma verdadeira atriz. Mas seu pai morreu e não me arrependo do modo como passamos a vida juntos. Muitas das atrizes do meu tempo tiveram vidas pessoais horríveis. Mudavam de marido a toda hora, sempre buscando alguma coisa que não conseguiam encontrar. Ficavam longe dos filhos, que eram educados por empregados. E, mesmo estando cercadas de multidões de "amigos", eram pessoas terrivelmente solitárias.
— Mas você não era.
— Tive sorte. — Sheila sorriu.
Caminharam em silêncio, relembrando as mesmas coisas. Bárbara recordou a ocasião em que a mãe lhe fizera um véu de noiva para brincar. Enquanto a mãe tocava a marcha nupcial ao piano, a menina fingia ir em direção ao altar, como se fosse a noiva.
Depois da brincadeira, Sheila a tomara no colo, como fazia sempre, lhe contara como tinha sido seu casamento com Justin, na fazenda do avô de Bárbara. Era primavera e a cerimônia foi de tardezinha. As laranjeiras estavam floridas e exalavam um doce perfume.
— Quando seu pai me beijou, sussurrou em meu ouvido que nosso casamento tinha sido no céu.
Agora, lembrando-se disso, Bárbara pensou no simbolismo das flores de laranjeira. As noivas costumavam usá-las no véu e no buquê. Sua mãe, ao contrário, tinha tido dezenas de árvores vivas a ornamentar seu casamento.
— Você teve mesmo sorte, mamãe. E mereceu. Pena que seu casamento não tivesse durado para sempre. Por você. Por mim.
Bárbara sabia que sua mãe também estava pensando nisso.
— Quando você nasceu, naquele dia de Natal, pensei que minha vida era perfeita. Tinha o melhor de dois mundos: uma carreira que adorava e uma família, que era tudo o que eu sempre quisera. Eu sabia muito bem que poderia ser uma atriz completa, mas não queria gastar toda a energia nessa conquista. Não queria que me faltasse tempo para o que vinha em primeiro lugar para mim. Justin costumava dizer que nossa vida fazia inveja aos sonhos que Hollywood vendia nos filmes. E ele protegeu esse amor. Então... — Sheila respirou fundo, a voz embargada pela emoção — ele morreu.
E seus olhos começaram a encher-se de lágrimas.
— Achei que seu pai tinha investido tanto amor em nós, que era minha responsabilidade manter isso em nossa família mesmo após a morte dele.
Bárbara ficou em silêncio. Entendia bem o que a mãe estava dizendo. Sheila tinha cuidado dela e não da carreira, fazendo-a crescer segura e confiante, sem medo de lutar pelas coisas que queria. Contudo, não conhecia o tipo de amor que sua mãe tivera. E aquele sonho, para Bárbara, permanecia vivo ainda.
Subitamente, sentiu-se compelida a perguntar à mãe algo que nunca perguntara antes.
— Por que você não se casa de novo?
— Mas eu me casei de novo. Você não se lembra? Durou seis semanas.
— Não estava me referindo àquilo. Aquilo foi um desastre, não um casamento.
— Tem razão...
— E então? Isso foi há quinze anos. Sei que você teve propostas de homens que queriam fazê-la feliz. Pelo menos uns dois tentaram me ganhar para que eu interferisse.
Sheila sorriu.
— Que bobagem! Eles deveriam saber que mães evitam os conselhos das filhas exatamente como as filhas evitam os conselhos das mães.
Bárbara começou a rir e insistiu na pergunta.
— Mas por que você não se casou novamente?
— Quando vi meu segundo casamento acabar tão rapidamente, percebi uma coisa: eu amava demais seu pai. Por isso comparava todos os homens que conhecia a ele, e é claro que os outros sempre saíam perdendo. Então aceitei o fato de que sou mulher de um homem só. Acho que minha vida está ótima assim. Mantive meus amigos e ainda estudo arte dramática. Gosto de trabalhar com grupos amadores.
— Algumas vezes não chega a pensar em atuar profissionalmente de novo?
— Ei, como você insiste nisso! Não se cansa nunca? Acho que é por isso que tem feito tanto sucesso! — E, mudando o tom de voz: — Mas eu é que deveria perguntar por que você não se casou de novo!
— Mas isso é óbvio. Meu primeiro casamento foi um desastre e não vejo por que tentar de novo.
— Não foi culpa sua. Só teve o azar de escolher o homem errado. Tony era charmoso e entendo por que se apaixonou por ele. Mas acho que era óbvio, desde o início, que não ia dar certo. Tony era superficial. Só tinha casca. Seu problema é que você não é realista.
— Como não sou realista? Isso é ridículo! Sou a pessoa mais prática que conheço!
— Claro que sim, querida, mas só nos negócios. Quando se trata de sentimentos... bem, temo que você tenha visto muitos filmes românticos quando criança. No fundo, ainda espera que suas fantasias se realizem. E não a culpo. Também sou uma romântica incurável.
— Mamãe, que bobagem! Faz muito tempo que aprendi a distinguir fantasia e realidade.
— Mesmo? Bem, talvez então eu esteja enganada.
Mas Bárbara sabia, pelo tom de voz e pelo brilho nos olhos da mãe, que não a tinha convencido.
Quando chegaram ao escritório, ela ficou surpresa ao ver que Spencer esperava por ela na ante-sala. Ele se pôs de pé imediatamente quando viu as duas chegarem e olhou com admiração para Sheila.
Bárbara apresentou-os formalmente:
— Mamãe, este é Spencer Tait. Spencer, esta é minha mãe, Sheila O'Neill.
Sheila abriu-se num sorriso fascinante, estendendo a mão para Spencer.
— Reconheci-a de imediato, Sra. O'Neill. Tenho certeza de que a senhora ouve isso constantemente, mas sou seu grande admirador.
Sheila sorriu gentilmente.
— Não ouço isso com tanta freqüência e agradeço muito. Devo dizer que também sou uma grande admiradora sua, Sr. Tait. Seus filmes são maravilhosos!
Spencer pareceu contente com o elogio. Bárbara sorriu ao constatar mais uma vez a habilidade da mãe em conquistar as pessoas instantaneamente.
Olhando para Sheila e depois para Bárbara, Spencer disse:
— Agora sei de quem Bárbara herdou toda a beleza e todo o charme que tem.
Ela se sentiu ligeiramente encabulada, por estar na presença da mãe, enquanto Spencer emendava:
— Não quero interromper. Falarei com você mais tarde, Bárbara. — E voltou-se para ir embora.
— Nada disso — Sheila interveio. — Eu já estava mesmo de saída. — Beijou a filha no rosto. — Telefonarei para você depois, querida. — E, dirigindo-se a Spencer, disse gentilmente: — Foi um prazer conhecê-lo, Sr. Tait.
— O prazer foi meu. — Spencer curvou-se galante.
— Você não é, por acaso, do Texas, é?
— Sou.
— Sabia. Meu pai era texano e minha mãe sempre dizia que os homens de lá são fascinantes! — Olhou significativamente para a filha e despediu-se: — Bem, já vou indo.
Bárbara entrou em sua sala, seguida por Spencer.
— Sua mãe é realmente um encanto!
— A maioria das pessoas acha isso. Você precisava ver o movimento que ela causou no refeitório, na hora do almoço. Parecia que ninguém ali tinha visto uma atriz. E em pleno estúdio da United!
— Provavelmente nunca viram ninguém como ela.
— Sem querer mudar de assunto, Spencer, você recebeu o memorando sobre A última chance?
— Recebi. Quero marcar uma reunião com você, Sally e Karl o mais breve possível. Que tal ir até minha casa de praia neste fim de semana? Traga um maio se o tempo estiver bom. A praia é ótima para nadar e depois jantaremos todos em casa.
Bárbara hesitou. As lembranças do último jantar, que acabara sendo mais que um simples encontro de negócio, eram fortes. Contudo, sabia que esse tipo de encontro de trabalho, na casa de uma das pessoas envolvidas num filme, era usual em Hollywood. Recusar o convite de Spencer seria indelicado.
— Muito bem, então. Vou falar com Sally e ver se ela está livre para o sábado.
— Ótimo. Apareça lá pelas duas horas.
Depois que Spencer saiu, Bárbara tentou continuar normalmente seu trabalho, mas percebeu que tinha dificuldade em concentrar-se.
Embora o vento tivesse soprado forte em Los Angeles na quinta e na sexta, o tempo estava firme e quente no sábado, quando Bárbara chegou à casa de Spencer em Malibu. Ela se deteve por uns instantes, contemplando a beleza da baía de Santa Mônica. O branco prateado da espuma das ondas contrastava com o azul do mar e não havia uma só nuvem no céu.
Ela se sentiu entusiasmada. Era um dia perfeito para nadar, tomar um bom vinho e deixar-se ficar preguiçosamente à beira de uma piscina, fazendo planos para um filme de sucesso.
A casa de Spencer era de madeira avermelhada e vidro, com um amplo jardim à frente e uma grande faixa de areia atrás. Quando uma empregada uniformizada veio recebê-la, Bárbara olhou em volta, surpresa. Não era aquilo que esperava. Tudo era simples, quase austero. A luz do sol entrava pelas amplas janelas que davam para a praia. A luminosidade do sol e do mar ficava difusa dentro dos aposentos, deixando tudo com uma tonalidade dourada.
A casa era relativamente pequena, mas tinha uma ampla sala de estar com móveis de cor creme e quadros nas paredes. De um dos lados, Bárbara pode ver um corredor que dava para a porta de um dos dormitórios. Mais acima, uma escada conduzia a um estúdio, onde havia uma escrivaninha, arquivos e prateleiras com pastas e livros.
A empregada já tinha voltado para a cozinha, onde devia estar preparando a comida, que tinha um cheiro irresistível.
Spencer veio do deck e cumprimentou Bárbara. Tinha acabado de sair da piscina. Seus cabelos loiros brilhavam e gotas de água cobriam seu corpo sólido e bronzeado. Ele usava um calção azul-escuro e trazia uma toalha branca no ombro.
Bárbara quase perdeu o fôlego com aquela imagem displicente e sensual. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha e a excitação crescer. Respirou fundo, como se quisesse evitar o desejo. Mas, enquanto olhava em volta, fingindo estar interessada nos quadros na parede, sua mente se preocupava em gravar a imagem de Spencer, seu porte atlético, os músculos rígidos, as coxas fortes e um abdômen reto, indicando que ele era um praticante constante de esportes.
A onda de excitação avassaladora que a tomou era diferente de tudo o que já tinha sentido. Antes que qualquer um dos dois pudesse falar, a campainha tocou novamente. A empregada vinha da cozinha para atender, mas Spencer adiantou-se:
— Pode deixar, Betty, eu atendo.
Eram Sally e Karl Kreiss. Sally fez as apresentações e depois foram todos para a sala de estar. Karl era jovem, alto e magro, cheio de energia e bastante atraente. Ao notar os olhares enternecidos que Sally lhe endereçava, Bárbara logo percebeu que os dois deviam ser mais do que simples amigos.
— Acho que vou me trocar — anunciou Sally. — Não quero perder um segundo desse sol maravilhoso. E você, Bárbara?
— Vou esperar mais um pouco.
— Você pode usar o quarto de hóspedes, na segunda porta daquele corredor — Spencer apontou. — E você, Karl, se preferir pode se trocar em meu quarto.
Spencer e Bárbara ficaram novamente a sós na sala de estar.
— Vamos para o deck? — ele sugeriu. Concordando com um gesto de cabeça, Bárbara o seguiu.
— Quer tomar um pouco de vinho?
— Sim, obrigada — respondeu ela, já sentada numa cadeira, no deck. Agora tinha as emoções sob controle e recebeu de Spencer um copo de vinho.
— Gosto da sua casa — comentou, apanhando o copo —, mas há algo aqui que me deixa um pouco confusa.
— E o que é?
— Não há absolutamente nada em sua casa que indique que você trabalha em cinema. Nem sinal do seu Oscar. Nenhuma foto com artistas... — Fez uma pausa para tomar um gole do vinho e depois terminou: — É como se você estivesse fazendo um esforço para deixar essa parte de sua vida lá em Hollywood.
Spencer sorriu. Os traços firmes de sua boca se suavizaram e seus olhos verdes agora tinham um brilho mais vivo.
— Você não deixa de ter razão, mas apenas em parte. Gosto imensamente de meu trabalho. Na maior parte do tempo, sinto-me como um garoto solto num gigantesco parque de diversões. É isso mesmo: para mim aquilo é diversão, não trabalho. Mas não quero que o cinema domine inteiramente minha vida. Não pretendo ser tão somente um produtor cinematográfico. Algumas vezes, quando estou na casa de pessoas que trabalham em cinema e vejo como estão cercadas de toda essa parafernália, como pôsteres, salas de projeção particulares, fotos de reportagens, sinto uma espécie de claustrofobia. Este lugar é sagrado para mim. Admito usá-lo para reuniões de negócios de vez em quando, como hoje, mas não gosto de fazer isso o tempo todo. Existem mais coisas na vida.
Pensando em sua própria casa como um lugar que também lhe era sagrado, Bárbara pode entender o que Spencer estava querendo dizer. E não era a primeira vez que percebia ter coisas em comum com ele, apesar das origens diferentes.
Antes que Bárbara pudesse perguntar que outras coisas preenchiam sua vida, Sally e Karl chegavam ao deck, já em traje de banho, e Spencer levantou-se para servi-los de vinho. Todos se sentaram nas cadeiras confortáveis para tomar sol.
— Conversei com Harrison — Bárbara anunciou. — Ele já leu o script e deu o sinal verde para desenvolvermos o projeto. — Olhou de relance para Spencer e acrescentou: — Gostou muito de saber que faremos uma co-produção com Spencer Tait.
— Quer dizer que começaremos a filmar no inverno? — Karl perguntou, ansioso.
— Você acha que pode dar conta do recado?
— Mas é claro!
Spencer lançou na direção de Bárbara um olhar que dizia claramente: "Esse rapaz é demasiadamente confiante em si mesmo!"
Ignorando Spencer, Bárbara continuou:
— Muito bem, então vamos começar a planejar a pré-produção. Num primeiro momento, você estará trabalhando com Spencer, como já deve saber. Não terei muito a ver com as operações no dia-a-dia, mas, se surgirem problemas, sinta-se à vontade e me procure. Este projeto significa muito para mim.
— Entendemos — Sally falou, por ela e por Karl. — Não se preocupe. Vai ser um filme ótimo!
— Pedi a Terry Bernstein para ser o gerente de produção — Bárbara continuou. — Acho que é a pessoa mais indicada na United e em Hollywood. Ninguém consegue manter os custos baixos como ele.
— Você não vai ser muquirana, vai? — quis saber Karl. — Se esse filme deve ser feito, não há meio-termo. Para fazê-lo do jeito que deve ser, tenho que contar com suporte financeiro adequado...
— Você terá isso, não se preocupe — Spencer cortou-o, firme. — Falei com Terry ontem à noite e ele tem uma proposta de orçamento de aproximadamente quinze milhões, sem incluir o cachê dos dois atores principais. Se quisermos atores conhecidos, então poderemos incluir uns cinco ou sete milhões a mais. Acho que vinte milhões de dólares irão dar-lhe suporte financeiro adequado para produzir um filme decente, não acha?
Karl limitou-se a dirigir-lhe um olhar meio zangado, e nada respondeu. Achando que ainda era cedo para uma discussão acalorada, Bárbara interveio:
— Gostaríamos de começar a filmar dentro de um período que vai de 1 de janeiro até 30 de março, o que nos dá aproximadamente sessenta dias para a pré-produção e noventa para a pós-produção. Tenho idéia de lançar esse filme no verão.
— Ótimo — concordou Karl em tom decidido. — Vamos falar agora das outras pessoas envolvidas na produção do filme.
— Você tem alguma idéia sobre o diretor de arte? — Bárbara perguntou. — Sei que usou o mesmo camera-man em seus dois últimos fumes.
— Eu e Karl trouxemos uma lista de pessoas — Sally disse, colocando um papel em cima da mesa de vidro, em volta da qual estavam sentados, tomando vinho.
Seu tom de voz era forçadamente alegre e descontraído. Ocorreu a Bárbara se Sally não estaria se comportando como intermediária entre Karl e as outras pessoas com quem estariam trabalhando. Sabia que isso era comum, especialmente quando se tratava de diretores jovens que não gostavam das restrições que os estúdios costumavam colocar diante deles para produzir um filme. Havia um conflito natural entre diretores, cujo dinheiro não estava envolvido e que pretendiam o máximo de liberdade para as despesas, e os estúdios, que queriam gastar o mínimo possível. Mas amolava-a o fato de Karl já estar dando sinais evidentes de seu egocentrismo. Ao olhar para Spencer, achou que ele provavelmente estava pensando o mesmo.
Durante a meia hora que se seguiu, estudaram a lista apresentada por Sally com os nomes para o staff de produção do filme. Começaram com os mais cotados para diretor de arte, o ponto-chave. Este é normalmente O artesão que determina todo o visual do filme.
Discutiram bastante para chegar a um acordo sobre os nomes dos câmeras e do iluminador. Resolveram quem seria o encarregado de guarda-roupa, a equipe de maquilagem e o compositor. Finalmente, já no fim da tarde, tinham boa parte da lista final dos que integrariam a equipe do filme.
— Agora, vamos conversar sobre o elenco — disse Bárbara. — A United quer atores conhecidos.
— Eu tinha uma pessoa em mente para o papel do garoto — Karl adiantou. — É de Nova York, portanto, é provável que não tenham ouvido falar nele, mas garanto que é ótimo para o papel.
— Muito bem — disse Bárbara, esforçando-se para ser paciente. — Diga-lhe para vir de Nova York fazer um teste. Então decidiremos.
Correram a lista de atores que ela e Spencer tinham esboçado no jantar de duas semanas atrás. Olhando para Karl, Spencer acrescentou:
— Há um detalhe que você precisa saber. A companhia de seguros não aceitará gente que faça uso de tóxicos, drogas. Nenhuma das pessoas de nossa lista tem esse problema. Se você quiser sugerir alguém mais, certifique-se quanto a isso também.
A expressão de Karl endureceu e seus olhos se apertaram. Por um breve momento pareceu que ele ia reagir agressivamente. Sally olhou-o, apreensiva, e, virando-se para Spencer, disse:
— Fique tranqüilo. Entendemos perfeitamente sua preocupação.
— Ótimo.
Para alívio de Bárbara, todos concordaram com a escolha dos atores principais. Sally tomou nota dos nomes, comprometendo-se a ligar na segunda-feira cedo para fazer contato com os agentes e circular o script.
O sol estava muito forte. Bárbara pediu licença para ir se trocar. Quando saiu da casa, alguns minutos mais tarde, usava uma saída-de-banho azul e por baixo um maio branco cavado nas costas e nos quadris, acentuando a pele morena. O decote em "V" profundo revelava a curva suave dos seios.
Sua mãe comprara-lhe o maio para a viagem que tinham feito ao sul da França no último verão. Nas praias da Riviera Francesa, onde o topless era comum, o maio parecia modesto e recatado. Porém, como não estavam na França, Bárbara acabou se sentindo encabulada usando aquela peça tão exígua.
Spencer estava apoiado no corrimão que circundava o deck, segurando um copo de vinho. Seus olhos imediatamente pousaram nos finos laços que seguravam as alças do maio de Bárbara, que estremeceu ao se sentir observada daquele jeito. Os olhos verdes de Spencer não escondiam excitação, desejo, e isso a deixou ofegante. Ela sentiu seus seios endurecerem e, instintivamente, fechou a saída-de-banho.
— Acho que vou entrar no mar antes do jantar — Karl disse a Sally. — Você vem comigo?
— Claro! — ela respondeu alegremente, tirando a saída-de-banho e segurando a mão de Karl. Os dois saíram correndo pela praia, rindo, felizes.
Quando já estavam a alguns metros de distância, Spencer virou-se para Bárbara:
— Vamos dar uma volta?
Deixando o copo de vinho sobre a mesa, Bárbara tirou as sandálias e seguiu-o até a praia. Andaram descalços na areia molhada e macia, perto da água do mar. As ondas quebravam suavemente e uma brisa leve brincava com os cabelos de Bárbara, acariciando-lhe a pele. Nenhum dos dois falava enquanto andavam. Não sentiam necessidade de palavras.
A praia, que estivera repleta de banhistas até algumas horas antes, agora estava completamente deserta. A temperatura começava a cair. Podiam ver as gaivotas voando à flor da água.
— Conte-me alguma coisa a seu respeito — pediu Spencer, voltando-se para olhá-la. — O que a trouxe a Hollywood? O que é que a impulsiona? Apenas ambição profissional?
Bárbara hesitou. Não gostava de se expor dessa forma, mas não podia esquecer que Spencer havia revelado algo de mais profundo a respeito de si mesmo na noite em que jantaram juntos. Por que não se revelar um pouco também?
— Você conheceu minha mãe. Meu pai também era uma pessoa muito especial, e me convenceu de que eu podia realizar qualquer coisa, desde que quisesse e soubesse querer.
Por um momento, andaram lado a lado em silêncio. Depois Bárbara continuou a falar, pausadamente, explicando como seu pai, num dia em que ia de carro por Coldwater Canyon, tinha parado na estrada para ajudar um motorista com problemas. Outro carro viera, em altíssima velocidade, pegando-os em cheio.
— Nessa época eu tinha apenas doze anos. Sofri muito, fiquei revoltada...
— Acho que temos várias coisas em comum, não? Perdemos um de nossos pais bem cedo.
Bárbara pensou naquilo. Realmente, a história deles era parecida. Mas, embora ela tivesse tido professores muito bons e dedicados, não tinha encontrado alguém como Ruth Ann May-berry, tão importante para Spencer. Em compensação, tivera uma mãe que dedicara a vida para educar e orientar a filha, até em prejuízo da carreira. Na adolescência, percebera que seus pais tinham tido um casamento excepcionalmente feliz.
— Embora tivesse ficado viúva muito cedo, minha mãe... — Bárbara sorriu e parou de falar. Spencer, intrigado, perguntou:
— O que fez você sorrir desse modo?
— Estou pensando que, naquela época, eu achava as mulheres de mais de trinta anos velhas. Hoje, com trinta e quatro, me considero madura mas jovem, e experiente o suficiente para ser presidente de um estúdio de Hollywood.
Spencer sorriu também, os olhos brilhando de contentamento. Bárbara sentia-se grata por estar partilhando um momento tão agradável. Tinha havido muita agressividade nos primeiros encontros, mas isso até que não fora de todo mal: permitira que eles se conhecessem melhor, se descobrissem.
Agora, o sol era uma imensa bola alaranjada, tingindo completamente o céu. Eles eram as únicas pessoas na praia.
— Vamos parar um pouco? Gosto de me sentar aqui e ver o pôr-do-sol. É incrivelmente bonito: a cor do mar muda, o céu escurece... parece que até o oceano muda.
O dia estivera quente, e agora o céu começava a ficar amarelo, laranja e cor-de-rosa. A temperatura continuava caindo, mas Bárbara nem percebeu. Limitou-se a fechar mais sua saída-de-banho, deixando-se relaxar ao lado de Spencer enquanto assistia àquele espetáculo da natureza, que trocava de cores no oceano e no céu.
— Você se lembra que lhe falei sobre a Srta. Mayberry, não? Ela costumava dizer que um bom poeta precisa trabalhar duro para transmitir seus pensamentos de forma perfeita. A paixão do poeta pela exatidão assemelha-se à do matemático. Mas, ao contrário deste, que pensa abstratamente, o poeta expõe suas emoções de forma concreta. Você vê as pegadas das batuirinhas na areia molhada?
— Vejo.
— E aquela onda?
— Sim. — Bárbara viu a onda quebrar na praia, soltando sua espuma prateada e novamente juntando-se à imensidão do mar.
— Veja que em poucos segundos a onda voltou a ser parte do oceano, e não parte da praia; e as pegadas das batuirinhas já estão apagadas. Apagadas como se nunca tivessem existido.
— No entanto, a imagem dessas pegadas, e a imagem das batuirinhas que as fizeram estão guardadas para sempre em minha memória.
— Principalmente o modo como as batuirinhas brincam com as ondas — Spencer acrescentou. Era óbvio que também estava encantado com a magia intensa daquele momento.
Bárbara continuou:
— E as ondas, indo e vindo, crescendo, quebrando e fazendo toda aquela espuma branca, como uma renda beijando a areia úmida...
Subitamente, como se tivessem ouvido um sinal, viraram-se, olhando um ao outro, conscientes da proximidade física e espiritual que compartilhavam. Olhavam-se de forma profunda, e Bárbara sentiu vontade de que aquele homem a estreitasse fortemente nos braços. Podia ver o contorno daqueles lábios bem-feitos e sentiu um desejo voraz de tocá-los com os seus. Com o coração aos pulos, ouvia o barulho cadenciado das ondas quebrando e o canto das gaivotas ao longe. Spencer aproximou-se e Bárbara ficou com a respiração suspensa. Então, de repente, ela se deu conta do que estava acontecendo, e tratou de se afastar. Não só fisicamente, pois havia uma clara atitude de defesa emocional em seu gesto.
"Tenha cuidado", disse a si mesma. "Lembre-se de quem você é. E de quem ele é."
— Você é uma mulher muito especial — Spencer disse, a voz num sussurro rouco. — Esperta o suficiente para merecer a confiança de Harrison e seu estúdio. E muito sensível também.
Tudo naquele homem a fascinava. Todas as vezes em que o encontrara, sentira emanar dele uma força semelhante à de um mar profundo. O oceano podia ser muito bonito quando refletia o azul do céu. Podia ser calmo e sereno. Por outro lado, também era terrivelmente perigoso. Bárbara sabia agora por que os filmes que esse homem produzia eram tão especiais. Também sabia que deveria aprender a lidar com as emoções que sentia em relação a ele.
Pensou num modo de mudar o rumo da conversa e brincou:
— Ei, não fomos convidados para jantar? Estou morrendo de fome!
O sol já tinha desaparecido no horizonte, onde permanecia apenas uma fraca tonalidade' rosa, como para suavizar o céu escuro de outubro. Puseram-se a caminho da casa e, quando já estavam quase chegando, Bárbara voltou-se para olhar para trás. Lá longe, perdidas no céu róseo, estavam as primeiras estrelas da noite e a lua nova que despontava.
_ Veja! — disse ela, indicando o céu. — Que bela imagem poética! Esta é a minha idéia de uma linda promessa...
Spencer olhou para a lua e em seguida para Bárbara, que desejou que esse momento durasse para sempre. Uma serenidade completa. Nenhuma discussão sobre trabalho. Nenhuma briga, nenhuma intrusão de outras pessoas. Tempo de fantasia. Um céu róseo e uma lua nova. Mas, no íntimo, ela sabia que a realidade estava lá, além do horizonte. Toda a fantasia tinha que morrer em algum momento. Como se fosse de propósito, a realidade mostrou-se e Bárbara pôde ver, bem desenhadas, as silhuetas de Sally e Karl num abraço romântico.
— Percebe-se que eles têm dormido juntos... — Spencer comentou.
— Eu não tinha percebido isso até hoje. De qualquer forma, o que nos importa? É problema deles.
— Se esse romance não prejudicar o filme, tudo bem.
— Você não gosta de Karl, não é?
— E você, gosta?
— Não. Mas gosto do trabalho dele. E acho que é isso o que conta.
— Concordo. Só estou preocupado porque a pessoa que o supervisionará está envolvida afetivamente com ele. E isso não ajudará Sally a ser objetiva.
— O problema com Sally é que ela é mulher, não é? Você não questionaria nada disso se tratasse de um homem. Não questionaria sua competência numa situação como essa.
— Pelo amor de Deus, pare com essa mania! Estou colocando nesse filme dez milhões de dólares, que ganhei com muita luta! Acho que tenho o direito de questionar a capacidade de quem quer que seja!
— Então por que não desiste, não volta atrás? Acharei outro investidor, talvez até um estúdio, para participar da produção.
Bárbara não estava blefando. Queria dizer exatamente aquilo e Spencer percebeu que era sério. Por um momento, a raiva que ambos sentiam formava novamente uma barreira quase visível. Ela se sentia tensa, como se fosse agredi-lo a qualquer momento. Com Spencer as coisas não eram muito diferentes. Contudo, quando seus olhares se encontraram outra vez, houve uma súbita mudança. A raiva começou a se dissipar. E, e em seu lugar, estava a rendição, a capitulação, embora Bárbara não soubesse quem era o vencedor e quem o vencido.
— Muito bem — disse Spencer, resignado. — Mas não vou dar-lhe carta branca. Acompanharei a produção de Sally passo a passo.
— Eu já esperava por isso.
Vagarosamente, um daqueles sorrisos charmosos tomou conta do rosto de Spencer, suavizando sua expressão, que era fria e dura um minuto antes.
— Você sempre ganha, sempre consegue o que quer?
Ela prendeu a respiração por um momento. De repente, toda a sua determinação parecia ter sumido ante o impacto daquele sorriso e daqueles olhos cor de esmeralda.
— Às vezes — respondeu, por fim. Era um sussurro, uma promessa.
Bem mais tarde, naquela noite, Bárbara estava abrindo a porta da frente de sua casa quando ouviu o telefone tocar insistentemente. Colocou a maleta no chão e correu para atender.
— Alô!
Não sabia por quê, mas achava que era Spencer. Quando ouviu a voz melodiosa e alegre de sua mãe, sentiu uma ponta de desapontamento.
— Alô, querida. Você parece ofegante.
— É que estava abrindo a porta quando ouvi o telefone tocar. Fiquei a tarde toda na casa da praia de Spencer.
— Ah, é? — O tom de Sheila não deixava dúvidas de que ela estava querendo insinuar alguma coisa.
— Estávamos lá numa reunião para decidir algumas coisas sobre o filme A última chance. Sally Challis e Karl Kreiss, o diretor, também estavam conosco.
— Entendo.
Bárbara pensou ter detectado uma nota de desapontamento na voz da mãe. Contudo, Sheila continuou, com a voz suave de sempre:
— Só liguei para dizer que vou passar duas semanas nas Bahamas, mas estarei de volta para o dia de Ação de Graças. Seus avós virão este ano.
— Mas isso é ótimo! — Bárbara disse, sincera. Gostava dos avós e teria prazer em vê-los de novo.
— Por que você não convida Spencer Tait para vir também?
— Mamãe, eu mal o conheço!
— Sei disso, mas, como ele não tem família, pensei que...
— Sei muito bem o que você pensou, mamãe.
— Foi agradável o seu dia? — Sheila perguntou em tom displicente, ignorando a repreensão da filha.
— Foi. O tempo estava ótimo em Malibu. Apesar de alguns problemas, a reunião foi boa. Acho que o filme vai dar certo.
— Se você está voltando a essa hora, presumo que ficou para jantar.
— Sim, mamãe.
Depois, falando mais para si mesma do que para a mãe, comentou:
— Spencer não é como a maior parte das pessoas do cinema. Ele trabalha com firmeza, não é inseguro.
— Veja bem, querida, esta é uma qualidade muito rara. Uma vez encontrada, não deve ser jogada fora.
O tom de voz de Sheila era bem-humorado, quase brincalhão mas Bárbara sabia que ela estava falando sério. Sheila continuou:
— Foi por essa razão que me apaixonei por seu pai. E é por isso que reluto tanto em ter outro homem. Há aqueles que são como certas jóias, que brilham mas são falsas. Apenas fantasia.
— E em Hollywood é muito mais fácil encontrar falsificações, não é mesmo?
— Sim, mas as falsificações podem ser muito sedutoras. O glamour, não importa quão superficial, pode ser irresistível.
Bárbara pensou em Tony. Com certeza tinha sido seduzida por ele, pelo seu físico perfeito, por sua aura de falsa firmeza. Só que tudo nele era superficial. Como havia sido tola! Comparando-o a Spencer, perguntava-se como podia ter se apaixonado tão profundamente.
Spencer possuía a mais forte combinação de atitudes que um homem podia ter: firmeza de caráter e sensibilidade. Era um artista em perfeita sintonia com a emoção, a beleza; por outro lado, era firme como o aço. Tinha superado as dificuldades da vida, sendo firme nas atitudes sem deixar que a alma endurecesse.
— Muito bem, querida. Vou desligar agora. Quer que traga alguma coisa das Bahamas?
— Só você. Cuide-se..
— Eu me cuidarei, querida. Até a volta.
Bárbara apanhou sua sacola de praia e foi para o quarto. Enquanto a esvaziava, alguns grãos de areia deslizaram para o chão. Deixou escorrer os cristaizinhos por entre os dedos. Lembrando-se da caminhada na praia. Como gostaria que Spencer estivesse agora a seu lado, dando-lhe o beijo que ficara faltando aquela tarde.
Então percebeu que naquele dia tinha fugido de uma situação que quase a envolvera completamente e perguntou a si mesma se da próxima vez também seria capaz de escapar.
A Associação Profissional Feminina promoveu sua reunião mensal numa segunda-feira de novembro. Havia cerca de duzentas mulheres à mesa de banquetes de um tradicional hotel no coração de Beverly Hills. Bárbara discursou e depois respondeu às perguntas do grupo. A maioria das questões girava em torno de um único tema: como ela havia chegado ao posto onde estava.
Tentou ser o mais honesta possível e evitar respostas simplistas ou superficiais. Esforço, dedicação e talento não eram suficientes, admitiu. Mas acrescentou uma nota de otimismo:
— A antiga estrutura masculina de poder está se tornando bastante vulnerável. Continuem tentando, pois agora temos mais chances do que nunca de conseguirmos o que ambicionamos.
Quando terminou, caminhou na direção de Sally, no bar, para tomar um drinque.
— Veja só quem eu encontrei — Sally apontou, sorrindo. Ao lado de Sally estava Rebecca Dennison, uma advogada que tinha ajudado a fundar a associação.
— Aqui estamos nós três novamente, hein, meninas? — Rebecca sorria muito ao fazer o comentário.
— Mereci isso— Bárbara retrucou, tomando seu drinque de um só gole. — Estou começando a pensar que, se tiver que responder a mais alguma pergunta sobre como vencer em Hollywood, jogarei tudo para o alto e fugirei para o Taiti. As revistas Time e Newsweek estão atrás de mim, querendo entrevista. É em falar nos jornais. O Times de Los Angeles, o Herald, o Examiner e The Wall Street Journal.
— The Wall Street Journal? Hum, você realmente está com tudo, hein? — Rebecca arregalava os olhos expressivos.
— Agora você é uma mulher famosa — Sally acrescentou. — Tem que encarar a imprensa como um mal necessário.
— Nunca. Quero que eles me deixem trabalhar em paz.
— Vamos sair daqui — Rebecca propôs quando várias mulheres começaram a se reunir ali.
Poucos minutos depois, as três estavam confortavelmente acomodadas no El Pedrino Room, um barzinho pequeno, perto do hotel.
O garçom anotou os pedidos e Sally dirigiu a Bárbara um olhar cúmplice. Bárbara sabia bem o que isso significava. Ela e Sally tinham procurado uma chance de falar com Rebecca durante toda a reunião, e agora tinha chegado a hora.
— Becky, você não gostaria de trabalhar na United?
O olhar de surpresa de Rebecca durou apenas um breve momento, tempo suficiente para que seu rosto se abrisse num sorriso.
— Adoraria!
— Muito bem. — Sally exclamou. — As três mosqueteiras atacam de novo! Desta vez na United!
Bárbara sorriu também, satisfeita com aquele clima de camaradagem. Não que Rebecca fosse uma amiga íntima, mas era uma mulher a quem admirava muitíssimo. Por trás de seu rosto angelical, emoldurado por cabelos dourados e sedosos,havia uma mulher de fibra, pronta a enfrentar de igual para igual os homens mais competitivos no campo profissional. Como advogada era difícil de ser vencida, e Bárbara sabia que seria ótimo tê-la na United.
— Tenho que dar andamento a uns processos, mas posso começar na United dentro de umas duas semanas — Rebecca garantiu.
— Ótimo. Notificarei Charlie Woods, o diretor do departamento de negócios.
-— O que é que você tem feito ultimamente, Becky? — perguntou Sally, enquanto sorvia seu drinque.
— Acabei de voltar de uma viagem. Fui passar o fim de semana em Tahoe com um colega de trabalho. Ainda estou exausta. Acho que não dormi mais que seis horas durante os três dias.
— E esse "colega"... é um caso sério ou uma aventura?
— Uma aventura. E, agora que vou trabalhar na United, ele fará parte de um passado, só isso.
— Fico contente em saber que na United está o seu futuro.
— Começar alguma coisa nova é sempre excitante. Acho que é por isso que sempre prefiro novos romances...
Bárbara riu do comentário de Rebecca, mas Sally a olhou com ar de reprovação. Quando se tratava de relações amorosas, ela e Rebecca divergiam bastante. A advogada tinha um espírito livre, sem inclinação alguma para o casamento. Considerava-o uma instituição limitadora e aborrecida. Já Sally era uma romântica incurável. Depois de seu divórcio, sua necessidade de segurança emocional tinha aumentado.
De súbito, Sally perguntou:
— Você vai à festa em homenagem a Jimmy Stewart no Teatro Ahmanson, Bárbara?
— Vou. Você quer convites?
— Quero. Dois, se possível.
— Claro que sim.
Rebecca lançou um olhar astuto na direção de Bárbara.
— Com quem você vai, querida?
— Só Deus sabe. Ainda nem tive tempo de pensar nisso.
— Você está numa situação bem delicada, não é mesmo?
— Como assim? — surpreendeu-se Bárbara.
— Você não pode ir com alguém hierarquicamente inferior. E a maioria dos homens que estão no seu nível são casados. É permitido socialmente aos homens casados andarem por aí com outras garotas. Algumas vezes acho que é porque têm que provar que são machos. O mesmo não acontece com as mulheres na sua posição.
Bárbara lembrou-se do que Spencer tinha dito na primeira vez em que conversaram, na festa de Harrison Kahn, no Beverly Hills Hotel; "As regras são umas para os homens e outras para as mulheres".
Então admitiu para si mesma que, pela primeira vez, estava face a face com as limitações que sua posição profissional impunha à sua vida particular. Se tivesse um caso com Spencer, isso seria discutido por todos abertamente. E sabia até qual seria a intriga mais venenosa: diriam que dormia com ele só para mantê-lo na United. Outros especulariam se Spencer não estava dormindo com ela para ter um contrato mais lucrativo com o estúdio.
Os inimigos que ambicionassem seu cargo tentariam usar isso para fazê-la cair. Claro, pensou, Harrison sempre tomaria suas próprias decisões, sem levar os boatos em consideração, mas certamente, ao contratá-la, ou mesmo ao lhe recomendar que procurasse trabalhar bem com Spencer, não esperava vê-la como centro de intrigas.
A simples idéia de ter seus sentimentos e ações expostos em fofocas daquela natureza era intolerável.
— Você está muito pensativa... — observou Rebecca. Bárbara deu-se conta de que estivera perdida em pensamentos. Rebecca e Sally olhavam-na com visível interesse.
— Estava pensando que talvez permanecer solteira não fosse má idéia...
— Oh, querida, a situação não pode ser tão trágica assim — Sally protestou. — Rebecca está exagerando. O amor e a carreira não são incompatíveis.
— Você sempre dá uma de Polyanna, Sally! — O tom de Rebecca era amigável, mas não deixava de expressar desagrado. — Mulheres não podem se dar ao luxo de misturar amor e trabalho.
— Ninguém pode dizer isso com tanta certeza.
— Infelizmente, é uma constatação bem realista. Vou lhe dizer o que acontece quando você se envolve com alguém de seu ambiente de trabalho. Quando o relacionamento termina, é sempre a mulher que não pode mais permanecer ali. Ê injusto, mas é o que acontece. Esta é uma das razões por que não quero me envolver com esse colega do escritório com quem passei o fim de semana. É socialmente aceito, tolerado, que um homem inclua sua starlet no elenco de um filme. Se Bárbara fizesse o mesmo, Harrison Kahn ficaria furioso.
— Isso é simplesmente ridículo! — Sally respondeu com veemência. — Você está dizendo que, se uma mulher consegue chegar a certa posição profissional, deve automaticamente esquecer sua vida emocional e afetiva!
— Exatamente.
— Mas isso seria terrível, porque os homens com quem temos mais contato e aos quais achamos mais interessantes são exatamente aqueles com quem trabalhamos!
— Não há dúvida. Por isso, tome cuidado antes de se envolver seriamente.
— Definitivamente, não concordo com você.
— Muito bem. Veja o exemplo de seu casamento com Jerry. Vocês trabalhavam na Donovan. Qual dos dois teve que se demitir quando o casamento acabou?
Bárbara decidiu intervir, certa de que a discussão, de outra forma, não teria fim.
— Muito bem, garotas, acho que já está na hora de voltarmos ao trabalho, não é?
Rebecca despediu-se e as duas amigas voltaram para o estúdio no carro de Sally. Ambas se conservaram em silêncio durante todo o trajeto. Bárbara sabia que as palavras de Rebecca tinham atingido Sally duramente. Ela própria estava perturbada.
Chegando ao escritório, recebeu os recados que Marci anotara em sua ausência. Entre eles, havia um de Spencer Tait, convidando-a para ver o copião do seu novo filme, Imagens, que seria exibido ao pessoal do estúdio dali a pouco. O filme, um romance erótico, tinha chamado a atenção de Bárbara desde que lera o script. Avisou Marci onde poderia ser encontrada e dirigiu-se para a sala de exibição, uma das mais antigas do estúdio, com poltronas confortáveis de couro avermelhado.
As três primeiras fileiras estavam ocupadas por pessoas do elenco e da produção do filme. Spencer, sentado perto do painel de controles, levantou-se ao vê-la aproximar-se.
— Boa tarde. Fico contente por você ter vindo. Soube que tem estado muito ocupada.
— Ocupada demais! — Bárbara suavizou as palavras com um sorriso. — Ser "líder" de uma associação feminina é desgastante. Quase nem tive tempo para fazer as unhas.
Spencer riu com vontade e Bárbara comentou, sentando-se:
— Estou louco para ver esse filme.
Enquanto se acomodava ao lado dela, Spencer sorria, os belos traços iluminados pelo brilho intenso dós olhos verdes. Apertou um botão e pediu, pelo interfone, que começasse a projeção. Depois virou-se para Bárbara:
— Quero saber sua opinião sobre o filme.
A sala ficou às escuras e um facho de luz iluminou a tela.
Fez-se silêncio enquanto os créditos apareciam na tela. Letras garrafais anunciavam "um filme de Spencer Tait".
Quando o último crédito desapareceu, Spencer chegou mais perto de Bárbara e falou, num sussurro:
— Pensei muito em você durante essas duas semanas. Aquele dia em minha casa estava ótimo. E a melhor parte foi a hora em que fomos andar na praia.
Spencer recostou-se confortavelmente na poltrona, cruzando as pernas.
Na cabeça de Bárbara ficaram ecoando aquelas palavras: "Pensei muito em você nessas duas semanas".
"E eu pensei muito em você", disse ela para si mesma, tratando logo de parar com aquilo. Precisava esquecer, por algumas horas, que estava perto dele, sentindo-lhe o charme irresistível. Tentou concentrar-se na tela. O enredo era simples: uma jovem de Nova York, uma ambiciosa executiva, em férias na Grécia, conhece um pintor. Com ele descobre pela primeira vez o sexo sem repressões. Quando, no final, troca seu mundo competitivo, em que se sentia solitária, por uma vida mas simples, porém gratificante, na pequena platéia perpassa a sensação de que a decisão da personagem principal foi a mais acertada.
O script baseara-se num romance de um famoso escritor inglês. O filme podia parecer oportunista, resvalando na pieguice e pondo em risco a boa reputação do livro. Mas, na verdade, ia muito além disso. Os personagens estavam muito convincentes, a fotografia bem cuidada e a direção era segura. Não podia ser considerado, em hipótese alguma, mais um dos muitos filmes eróticos de Hollywood. Havia nele alguma coisa verdadeiramente artística. Enquanto a história se desenvolvia na tela, Bárbara atentava também para o maravilhoso desempenho dos dois atores principais, ambos novatos.
Era um script muito bem feito, em que até a dose adequada de humor não deixara a narrativa ficar pesada.
A nudez dos dois personagens também merecera cuidados especiais. O público não via diretamente os corpos, mas sim imagens que insinuavam o que estava acontecendo. Mesmo assim, quando as cenas de sexo começaram a aparecer com mais freqüência, Bárbara perdeu o controle sobre suas emoções. As cenas mexiam com seu íntimo, principalmente quando os dois atores principais começaram a andar descalços na praia, ao entardecer, lado a lado, mas sem se tocarem, apesar do grande desejo que os devorava.
Aos poucos, ela passou a se sentir perturbada com a proximidade de Spencer, sentado a seu lado. Na escuridão, não podia vislumbrar-lhe o rosto, mas sentia os ombros dele roçando os seus. A um dado momento, quando Spencer se ajeitou na cadeira, sua perna tocou a dela. Mesmo através da fina seda do vestido, Bárbara percebeu-lhe as coxas firmes. Assustou-se com a própria reação e arriscou uma olhada para o lado, mas Spencer estava completamente absorto na tela.
O herói do filme, um rapaz bronzeado, de cabelos negros, fazia amor com a moça loira na areia da praia deserta, e isso foi o bastante para que Bárbara deixasse o pensamento voar e se imaginasse ali, naquela mesma situação, nos braços de Spencer. Chegou até a sentir como seria bom entregar-se a ele na areia morna e macia.
"Agora", pensou ela, "Spencer está olhando para mim. Existe um comando em seus olhos ao qual não posso desacatar. As mãos dele estão, desabotoando meu vestido devagar, pausadamente, torturantemente. Afinal, fico nua na frente desse homem cujas mãos exploram, experimentam, conhecem todas as curvas de meu corpo. Seu toque é gentil, suave, como se estivesse tocando seda... Em primeiro lugar, seus dedos traçam o contorno de meus seios, para depois se deterem nos mamilos, já rígidos de excitação. Estou me afogando num mar de sensações deliciosas, novas. Sinto um clima de suspense, esperando pela hora da satisfação, enquanto ele prolonga as sensações...
"Agora, seus dedos passeiam levemente por minha cintura, em direção ao estômago. Acariciam-me levemente, de modo provocante. Sinto-me enlouquecer com esse toque envolvente, sinto-me mais leve que o ar. Estou tremendo, cativa desse toque tão terno e selvagem.
"Seus olhos verdes estão me olhando com atenção e ele sabe exatamente o que quero, meus desejos mais secretos. Basta só um olhar para que ele saiba o que quero... Então me beija, mais e mais, até que eu fique embriagada com seus beijos. Eu me sinto trêmula, frágil, derretendo em seus braços fortes e ele faz com que eu queira mais, muito mais... Por fim, sua boca cobre a minha com um beijo interminável, que quase me faz perder a consciência...
"Então, seus lábios descem para o pescoço, para o espaço entre meus seios, enquanto os dedos seguram, firmes, os quadris, puxando-me cada vez mais para perto. Estou escrava de seu jeito de fazer amor, estou presa de um sonho interminável..."
A cena dissolveu-se em outra. Bárbara conscientizou-se de que seu devaneio tinha terminado. Tinham sido apenas alguns segundos na tela, mas para ela tudo aquilo parecia ter durado a eternidade. Sentiu-se cansada, como se realmente tivesse feito amor com Spencer.
Na tela, o filme terminava e as luzes se acendiam. Bárbara piscou até se acostumar ao amarelo forte das luzes. Virando-se para Spencer, percebeu que ele a olhava atentamente. Viu os olhos verdes brilhando e, de repente, começou a tremer. Um arrepio percorreu seu corpo.
"Ê exatamente como me senti quando vi...E o vento levou. A mesma sensação deliciosa de antecipação..."
Havia um sereno sorriso nos lábios dele, mas seus olhos verdes faiscavam com um apelo claramente erótico e sensual.
Então, alguém disse qualquer coisa em voz alta e o momento passou, perdeu-se. Relutante, Spencer virou-se para responder à pessoa que lhe tinha feito a pergunta. Bárbara afastou-se, lembrando-se de quem era e onde estava. Ao sair da sala de projeção e ao passar por Spencer, hesitou em dizer qualquer coisa.
Por fim, quase na porta, voltou-se e disse:
— O filme é excelente. — Surpreendeu-se com o tom calmo e frio da própria voz, que escondia as emoções fortes que sentia.
— Obrigado. — Os olhos de Spencer encontraram os dela por um breve instante e Bárbara soube que ele queria ter dito muito mais. Só que essa não era a hora nem aquele o lugar apropriado.
— Bem... até logo — ela se despediu por fim. Enquanto se dirigia à saída, sentia que os olhos verdes a perseguiam.
"Agora está se tornando algo muito forte... quase visível!", Bárbara pensou, quase em desespero, enquanto tomava o elevador para o terceiro andar. "Acho que sempre soube disso, desde o dia em que nos vimos pela primeira vez..."
Subitamente, lembrou-se de algo que ouvira há muito tempo: "Às vezes, as coisas que mais amamos são aquelas que odiamos à primeira vista".
E ela amava Spencer Tait, apesar de saber pouco a seu respeito. Desejava-o com uma paixão tão intensa que parecia consumir sua própria alma, mesmo sem terem se tocado uma única vez.
"O que o toque de Spencer não fará comigo, se quase morro com seu olhar?"
Bárbara estava no terraço de sua suíte no Blakes Hotel, admirando os telhados das casas de Kensington. Nessa tarde de novembro, Londres tinha uma luminosidade toda especial. Bárbara adorava aquela cidade antiga, charmosa, pacífica. Não tinha o aspecto impessoal dos grandes centros urbanos mais modernos, como Nova York ou Los Angeles.
Era como se estivesse entrando num conto de fadas.. Fascinada, ela admirava as casas de tijolinhos aparentes enfileiradas naquela rua estreita, perto de King's Road. O Blakes era um hotel pequeno, acolhedor, preferido por grande parte das pessoas que trabalhavam em cinema. Ocupava duas casas dos dois lados da rua.
A suíte de Bárbara, no último andar, tinha uma sala e uma pequena cozinha muito bem aparelhada Uma escada levava ao quarto e ao banheiro, no andar de cima. Os cômodos eram decorados no melhor estilo art decor, com móveis e acessórios, criando uma atmosfera amena. Assim que entrou na suíte, Bárbara quase teve a sensação de que Fred Astaire, de smoking, e Ginger Rogers, num vestido de chiffon, apareceriam a qualquer momento, executando bem coordenados passos de dança.
De repente, sentiu frio. Era inverno e ela não estava vestida adequadamente. Usava um traje de seda preto, muito elegante e sóbrio. Naquela noite haveria a estréia do outro filme de Spencer, Jacks. Ela tinha se vestido e maquiado com esmero, pois seria apresentada à rainha da Inglaterra, juntamente com Spencer e os dois atores principais.
Os últimos três dias tinham sido muito agitados. Haviam chegado na sexta-feira à noite, e imediatamente começaram a cumprir uma série de compromissos sociais e reuniões de negócios, que tomaram todo o fim de semana. E, naquela segunda-feira, já se preparavam para retornar a Los Angeles no dia seguinte.
Era a primeira vez que Bárbara representava publicamente a United e que mantinha contato com os executivos de outros países que tinham ligação com o estúdio. Ela se sentia segura, tinha certeza de que estava se saindo bem. E tinha gostado imensamente de encontrar tanta gente do cinema inglês.
Durante o fim de semana, novamente sentiu a força da atração emocional que a ia ligando cada vez mais a Spencer. Tinha começado no vôo para Londres. Não se sentaram juntos. Ambos andavam com muito trabalho e haviam levado as respectivas secretárias, para adiantar as coisas durante o vôo. No longo trajeto, em vários momentos flagraram-se olhando de relance um para o outro, no compartimento de primeira classe. Foram breves contatos, breves olhares, mas momentos intensos e profundos.
Durante as reuniões e festas acontecia o mesmo. Bárbara tinha plena consciência da presença de Spencer, mesmo quando não podia vê-lo entre as pessoas. Tomara o cuidado especial de nunca ficar a sós com ele, nunca deixá-lo chegar perto demais.
Subitamente, bateram à porta. Devia ser o chofer da limusine que a levaria até o cinema. Apanhando um casaco de mink comprido até os pés, ela abriu a porta.
Spencer estava ali, parado, as mãos nos bolsos do smoking. Incrivelmente elegante, impecável, nem parecia o jovem descontraído de Hollywood.
Os olhos de Bárbara arregalaram-se de surpresa, e seus lábios entreabriram-se, mas sem emitir uma palavra.
Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, Spencer adiantou-se:
— Achei que seria uma boa idéia se fôssemos à estréia juntos.
— E Ben e Muareen? — Bárbara perguntou, referindo-se aos atores principais do filme.
— Irão num outro carro. Querem fazer uma entrada triunfal, é claro. — E, olhando para seu relógio de pulso, acrescentou: — Acho melhor irmos andando.
A paciência de Bárbara já tinha chegado ao limite. Que presunção a dele, de mudar suas ordens, subverter todo o esquema que havia montado cuidadosamente!
— Mas nós íamos todos juntos! O que pensa que está fazendo?
— Só estou tentando satisfazer dois atores excêntricos.
— Se há alguma mudança a ser feita, sou eu quem deve fazê-la. A responsabilidade é minha.
— Ouça, sei que você é a responsável, a chefe. Acredite-me, não estava tentando passar por cima de sua autoridade, deixando Ben e Maureen terem seu pequeno momento de glória sozinhos. - Seus olhos verdes lançavam chamas e sua voz só se controlava a muito custo.
Bárbara percebeu que Spencer não estava gostando de ser repreendido daquele modo. Quanto a ela, fazia aquilo de propósito. Tentava estabelecer uma boa distância entre ambos, lembrando-o de que era a chefe.
— Muito bem, acho que você está certo. Ê melhor irmos, então.
Trancou a porta da suíte e seguiu-o até o elevador. Naquele espaço tão pequeno, a presença dele era ainda mais perturbadora. Bárbara fez um esforço e ficou olhando para a porta, mas sabia que Spencer a fitava em silêncio. Parecia bem zangado.
Quando finalmente a porta se abriu, no andar térreo, Spencer disse-lhe, baixinho, olhando-a intensamente:
— Você está encantadora.
Era o mais simples dos elogios, mas teve o poder de perturbá-la como um beijo apaixonado. Ela se esforçou para sair calmamente do elevador. No momento seguinte, estavam sentados no banco traseiro de uma limusine reluzente. Também ali Bárbara teve que se dominar para não pensar na proximidade inquietante e envolvente de Spencer. Determinou-se a olhar pela janela a paisagem, o colorido das ruas.
Chelsea era o seu lugar predileto de Londres, um bairro residencial muito agradável, com fontes, árvores e jardins graciosos na frente das casas. Mas, naquela noite, ela não conseguia nem mesmo se concentrar na paisagem. Quase nem percebeu quando chegaram no Odeon Theatre, em Leicester Square.
Spencer deu o braço a Bárbara e a conduziu através da área reservada às pessoas que iam assistir ao filme. Guardas continham a multidão com cordões de isolamento. Bárbara sabia que a maioria das pessoas estava lá para ver os atores do filme, mas outros eram atraídos pela presença da rainha. Ao entrar no teatro, cuja construção datava da década de 30, Spencer ajudou-a a tirar o casaco, e seus dedos roçaram de leve num dos seios dela.
Bárbara sentia emoções conflitantes: surpresa, prazer, embaraço. Então ouviram uma fanfarra anunciando que a rainha e seus convidados entravam no camarote real. Um momento depois, o filme começava.
Bárbara já havia visto Jacks, a história de um amor adolescente mas profundo. Gostara muito.
"Relaxe", disse a si mesma. "Aproveite essa experiência ao máximo. Afinal, não é todos os dias que se tem a oportunidade de ir ao cinema com uma rainha." Porém, o fato de estar sentada ao lado de Spencer a fazia sentir-se vulnerável. Lembrava-se da última vez em que vira um filme com ele e das fantasias eróticas que a tinham assaltado.
"O que será que Spencer tem em mente?", pensava, enquanto o filme se desenrolava à sua frente. "Eu não devia ter vindo junto com ele. Muito menos devemos ir embora juntos."
A projeção pareceu durar uma eternidade. Quando acabou, Bárbara e Spencer dirigiram-se a uma sala especial, onde foram apresentados à rainha. Em seguida foram a uma recepção oferecida pelos executivos da United.
Bárbara quase não viu Spencer durante o jantar. Ambos foram cercados pelos convidados, ansiosos por conversarem e se fazerem notar. De vez em quando, ela percebia o olhar de Spencer e os olhos de ambos se encontravam por alguns segundos, até que alguém os interrompia e o momento se perdia.
Por fim, quase às duas da manhã, as pessoas começaram a ir embora. Bárbara estava depositando seu copo vazio numa bandeja quando sentiu a presença de Spencer, parado ao seu lado.
— Podemos ir? — perguntou ele.
— Sim.
Despediram-se de alguns poucos convidados e dirigiram-se à limusine que os aguardava à porta do hotel. Bárbara recostou-se confortavelmente no banco de trás, deixando-se envolver pela maciez do casaco de pele. Sentia-se cansada e excitada ao mesmo tempo. "Sabia, no íntimo, que a noite ainda não tinha terminado.
Alguns minutos depois, parada à porta de sua suíte, viu Spencer tirar-lhe a chave das mãos e abrir a porta. Não tinha dito nada durante o trajeto. Não dizia nada agora. Mas a intenção em seu rosto era clara.
Ela entrou na sala e ouviu a porta fechar-se suavemente, enquanto Spencer permanecia ali.
Virou-se para olhá-lo. Toda a sua atitude, a rigidez de seu corpo, a expressão de quase medo em seu rosto mostravam que este seria o maior desafio que ela já enfrentara na vida. De um lado, a razão ditava que devia ter relações estritamente profissionais com esse homem tão insinuante. Seu coração, entretanto, ordenava que agarrasse aquele momento. Quis dizer alguma coisa, qualquer coisa que acabasse com aquele silêncio inquietante, mas não conseguiu.
E lá estava ele, tão atraente, de pé, fitando-a com calma, com sensualidade. A expressão de Spencer modificou-se, entretanto, ao perceber um misto de medo e expectativa nos olhos azuis de Bárbara.
Devagar, calmamente, cruzou a sala até onde ela estava.
Segurou-lhe o queixo e com a outra mão, carinhosamente, traçou os contornos do rosto bonito. Seus dedos passeavam pela boca, pelo nariz levemente arrebitado, pelas sobrancelhas delicadas.
— Por favor... não. — Bárbara deu um passo para trás. Colocando os dedos gentilmente em seus lábios, Spencer impediu-a de continuar falando.
— Esqueça o estúdio. Esqueça quem é e quem sou eu. Sei o que pensa, mas não importa. Nada mais existe no mundo esta noite, apenas eu e você.
Mas Bárbara agarrava-se ao que restava de seu autocontrole. Simplesmente não podia ceder. O preço seria muito alto.
— Não! — quase gritou. Depois, num tom mais suave, pediu: — Por favor, vá embora.
No entanto, não se movia um centímetro para afastar-se dele. Não conseguia. Estava presa numa cruel armadilha, entre a razão e a paixão.
A expressão de Spencer se alterou. Seu rosto avermelhou-se ligeiramente e adquiriu uma expressão dura, implacável.
Com uma ponta de medo, Bárbara percebeu que ele não desistiria ante seus frágeis protestos.
— Tenho estado louco de desejo por você, Bárbara. Há semanas. E, queira admitir ou não, você me quer também. Hoje não é minha chefe. É uma mulher.
Com um movimento repentino, Spencer tomou-a nos braços, como se faz para mimar uma criança chorosa. Começou a carregá-la em direção aos degraus da escada que conduziam ao quarto.
— Ponha-me no chão! — ela protestou, mas Spencer pareceu não ouvi-la. — Se está tentando provar sua masculinidade porque seu ego não suporta o fato de estar trabalhando sob a chefia de uma mulher... — começou, mas o sarcasmo de suas palavras não atingia Spencer.
Já no quarto, ele a colocou na cama. O luar invadia o quarto pelas frestas das cortinas e Bárbara sentiu o contato macio do cetim dos lençóis através do tecido fino de seu vestido.
Spencer sentou-se na cama, as mãos espalmadas em cada lado da cintura de Bárbara, segurando-a.
— Se você está pretendendo me violentar...
— Não vou violentá-la. Nunca faria nada que a machucasse. Pretendo amá-la, como você nunca foi amada.
Então Spencer abaixou-se e Bárbara tremeu. Mas ele apenas a beijou, doce e demoradamente. Aquele toque gentil, suave, despertou nela uma forte onda de emoções.
Experimentava a mesma sensação deliciosa que a tomara na sala de projeção da United. Só que dessa vez não era fantasia... era real. Sabia que seria amada a noite toda por esse homem. Febrilmente, sem reservas. Iria ser saciada por completo.
Não conteve um suspiro. Seu corpo relaxou e ela desistiu de lutar. Afinal, nunca esperara vencer aquela luta inglória contra sua própria paixão e a do homem amado. Sorriu e perguntou:
— Você vai tornar reais todas as minhas fantasias?
— Todas!
Spencer tinha agora um esboço de sorriso nos cantos da boca. Mas, apesar daquela suavidade toda, Bárbara sabia que ele não desistiria de fazer amor com ela. Então, sentiu-se feliz e excitada. Essa seria uma noite inesquecível.
— Conte-me as suas fantasias mais secretas...
A fantasia de Bárbara era a de toda mulher: ser amada de forma tão completa, tão intensa que num instante pudesse conhecer não só seu parceiro como a si mesma. Sua fantasia era ser tocada na parte mais secreta, mais escondida de sua alma. Amar e ser amada sem fronteiras, sem nenhum limite.
Segurou o rosto de Spencer e beijou-o leve e docemente. Uma promessa de todos que estavam por vir. Então, entrelaçou seus dedos nos dele e começou a contar-lhe coisas muito íntimas, que nunca revelara a nenhum homem. Quando viu a expressão dele, percebeu que a entendia. Enquanto falava, sentia as mãos experientes deslizarem por seu corpo, acariciando, sentindo, estudando.
— Sabe qual foi a primeira vez em que o desejei?
— Sei — sorriu ele, de modo maroto. — Sei perfeitamente quando foi. E digo mais: se estivéssemos sozinhos na praia, aquele dia, eu teria feito amor com você ali mesmo, naquela hora.
— O que o faz pensar que eu cederia tão facilmente?
— Não acho que você cederia "tão facilmente". Só sei que a terei inteiramente.
— Seu presunçoso, convencido.....
Antes que ela pudesse terminar, Spencer começou a rir e segurou-lhe os pulsos, com os quais ela ameaçava bater-lhe no peito.
— Pare de lutar, sua feiticeirazinha. Você é a vencedora nessa batalha.
Bárbara relaxou, sentindo nos dedos a firmeza daquele peito másculo.
— Ah, não, Spencer Tait. Se algum de nós é vencedor, é você.
Spencer abraçou-a com mais força, os lábios roçando de leve as pálpebras, as maçãs do rosto, antes de alcançarem-lhe os lábios. Beijou-a apaixonadamente e Bárbara sentia-se como se sempre tivesse esperado por esse momento. Seu coração batia violentamente.
Seu corpo amoldava-se ao dele e ela gemia baixinho. As mãos subiram até o pescoço másculo, passando por entre as mechas de cabelos espessos. Era uma sensação deliciosa... os dedos nos cabelos dele, os lábios em sua boca firme, exigente, mas ao mesmo tempo doce.
Pressionando o corpo de encontro ao dele, Bárbara sentia os seios contra aquele peito forte, que a fazia tremer.
Subitamente, as roupas tornaram-se uma barreira incômoda. Era irresistível a necessidade de se experimentarem, pele contra pele.
— Spencer... —murmurou ela, a voz distorcida pelo desejo. Nunca quisera tanto um homem. Sentia-se totalmente livre, como se a virilidade que emanava de Spencer tivesse exorcizado todas as inibições de seu corpo faminto.
Spencer afastou-se dela alguns centímetros, o suficiente para olhá-la de frente. O que viu nos olhos azuis foi o suficiente para acender-lhe ainda mais a paixão.
Bárbara, por sua vez, sabia que com ele poderia explorar toda a sua sensualidade, satisfazer inteiramente suas fantasias. Levantando-se, postou-se de pé diante dele, orgulhosa de seu corpo. Enquanto ele se mantinha sentado à beira da cama, contemplando-a, Bárbara começou a abrir o zíper do vestido, deixando que o fino tecido escorregasse até seus pés. O passo seguinte foi tirar os sapatos, jogando-os de lado. O olhar, contudo, permanecia fixo em Spencer, como se quisesse mantê-lo hipnotizado.
Bárbara usava meias pretas com risca, seguras por presilhas, ligadas a um corpete de renda da mesma cor. Abaixo do corpete, Spencer podia agora ver a fina calcinha de seda, também preta.
Os olhos dele dilataram-se de surpresa e prazer.
— Sinto-me como se tivesse voltado cem anos no tempo e roubado uma noite da cortesã do rei!
Ela sorriu, meio tímida.
— Eu disse a mim mesma para resistir a você. Mas, quando me vesti esta noite, acho que fiz tudo para agradá-lo.
Spencer deixou seus olhos verdes passearem por aquele corpo exuberante, apenas alguns centímetros à sua frente. Os seios fartos de Bárbara quase escapavam do corpete, pela pressão do peito arfante.
Lentamente, sem tirar os olhos dele, Bárbara desfez-se das ligas e, com movimentos sensuais, das meias. Sempre olhando para Spencer, agora com um sorriso provocante, começou a abrir os colchetes do corpete. Ele parecia fascinado com aquele strip-tease lento, envolvente. Quando o primeiro colchete se abriu, revelou a curva dos seios. Agora, somente os mamilos permaneciam escondidos pela fina renda. E, a um novo gesto de Bárbara, os seios saltaram, totalmente livres. Os mamilos estavam muito rijos de excitação e desejo.
Os olhos brilhantes e a boca entreaberta de Spencer revelavam toda a sua sede de prazer. Bárbara continuou, lentamente. Sua cintura delgada agora estava exposta. Por fim, o corpete deslizou até o chão.
Agora ela só tinha sobre o corpo a calcinha de seda, mas sentia-se inteiramente nua.
— Venha — disse ele, com voz suave.
Ela deu um passo à frente. Spencer aproximou-se ainda mais e, com cada uma das mãos em cada lado da calcinha, começou a fazê-la descer lentamente pelas coxas, depois pelos joelhos, até deixá-la escorregar para o chão, juntando-se às outras peças.
Suas mãos então subiram pelas pernas bem-feitas de Bárbara, pelas coxas, depois estreitaram-lhe os quadris. Inclinando-se para a frente, Spencer depositou um suave beijo no triângulo de pêlos escuros e sedosos. Um arrepio percorreu o corpo de Bárbara, levando-a quase ao êxtase. Colocou as mãos nos ombros fortes e ajoelhou-se em frente a ele.
Olharam-se por um longo momento. Depois Spencer levantou-se e carregou-a até a cama, deitando-a com carinho. Começou a desabotoar a camisa, mas Bárbara impediu-o.
— Não, querido. Deixe que eu faça isso.
Despiu-o com o mesmo cuidado com que tirara as próprias roupas. Cada um de seus pequenos gestos era também um pretexto para excitar a própria luxúria, como ao passar os dedos pelos ombros largos quando lhe tirou o paletó, ou beijar-lhe o peito carinhosamente quando o livrou da camisa.
Sentiu que os músculos do ventre dele se retesavam quando começou a abrir o zíper da calça. Um momento depois, ela estava no chão, e foi aí que Bárbara percebeu, com imenso prazer, e surpresa, que ele não usava nada por baixo.
Correu os olhos por aquela espécie de escultura que era o corpo de Spencer. Depois seus dedos deslizaram por entre os pêlos do peito forte, descendo lentamente, deliberadamente, até arrancar dele um gemido de prazer.
Enterrou o rosto na pele quente, abraçando-o e sentindo o corpo rijo e másculo vibrar a cada toque. Com voracidade, Spencer beijou-lhe a boca.
Aquela promessa de carícias íntimas fez Bárbara perceber que não poderia negar nada a esse homem. Aquela noite ela não era a presidente da United, mas apenas uma mulher satisfazendo todas as suas fantasias... uma mulher apaixonada. O olhar de Spencer pousou nos seios róseos.
— Bárbara... — A voz dele era rouca. — Seu corpo é tão lindo quanto o nome...
— É todo seu... cada pedacinho...
— Ah... então tenho que explorar meu novo território! — respondeu ele com um sorrisinho que desapareceu em seguida, quando a olhou mais atentamente. — Se você soubesse como está linda agora... Você é uma feiticeira!
Bárbara sorriu, satisfeita com a própria feminilidade.
— Espero poder mantê-lo enfeitiçado de modo que nem a claridade do dia desfaça este encanto...
— Nada poderá quebrar esta magia.
— Então a culpa é somente sua, Spencer Tait. Por que você que me faz sentir assim.
— Quero fazer uma porção de coisas com você antes que amanheça, sabe?
Nas profundezas daquele olhar, Bárbara podia ver quanto Spencer a queria. Sua respiração tornou-se mais difícil quando ele descarregou em sua boca uma torrente de beijos. Depois, aos poucos, lentamente, seus lábios deixaram os dela para percorrer-lhe o pescoço, a língua roçando de leve a pele macia e aveludada.
Como prometera, ele explorou cada pedaço de seu novo território, sugando, lambendo, cheirando aquela pele bronzeada. Bárbara sentia que ele iria acariciá-la até deixá-la pronta para o êxtase total. Aquela idéia só a fez ficar ainda mais excitada. Seu coração batia descompassadamente.
Ao sentir o toque suave dos dedos experientes, ela teve que reprimir um grito de prazer, antecipando o gozo final. Era uma doce e aguda ansiedade, que quase chegava a ser dolorosa, mas, que ela sabia, iria ser saciada, como todas as fantasias que sempre cultivara no íntimo. A boca de Spencer desceu suavemente entre seus seios e a língua agora explorava os mamilos rígidos, acariciando-os com movimentos circulares.
Ondas de prazer invadiam-na, numa agonia crescente. Spencer era incansável. Enquanto seus lábios tocavam a pele macia, suas mãos abrigavam cada curva do corpo de Bárbara, que inconscientemente o puxava para mais perto.
Com movimentos delicados mas seguros, Spencer afastou-lhe as coxas e Bárbara não conteve um gemido de prazer. Gemeu mais ainda quando os lábios dele desceram devagar e abraçaram sua feminilidade com delicadeza.
— Não, Spencer, não... por favor...
Mas ele continuava explorando-lhe as regiões mais íntimas, ora com delicadeza, ora mais exigente, num ritmo que se tornava alucinante. Bárbara nunca sentira um prazer tão intenso. Sua boca abriu-se num grito que parou na garganta, os olhos fechados, e então ela sentiu que estava se afogando num mar de sensações que beiravam o êxtase.
Mas aquilo, que podia ser o fim, era somente o começo de um mundo novo de emoções. Quando Spencer terminou, Bárbara deitou-se sentindo-se completamente relaxada. Ela acariciava-lhe a nuca suavemente.
— Isso foi só o começo, minha querida... — A voz dele era cheia de promessas.
Os olhos azuis de Bárbara contemplaram-no com infinita ternura. Passou os braços por seus ombros fortes carinhosamente.
— Venha aqui — disse ela com voz suave.
Spencer então possuiu-a gentilmente, delicadamente, a paixão de ambos aumentando num ritmo enlouquecedor. Bárbara abraçou-o com mais força numa entrega absoluta. Estava ansiosa por recebê-lo inteiramente e maravilhada ao perceber o quanto se completavam.
"Vamos amar-nos assim para sempre!", pensou.
Ondas avassaladoras de prazer, uma após a outra, levaram-na às alturas.
Depois de alguns minutos, Spencer estirou-se ao seu lado, sem deixar de abraçá-la. Bárbara não se mexeu; seu corpo estava completamente saciado. Sua mente experimentava uma paz que há muito não sentia. Uma de suas mãos repousava sobre o braço dele; a outra, espalmada em seu peito, sentia-lhe o coração bater forte.
Spencer contou-lhe o que sentira quando fizeram amor. Falou de todas as sensações e sentimentos com voz pausada e baixa. Bárbara também contou-lhe o que sentira, compartilhando ao máximo aquele momento deliciosamente íntimo. Afastando uma mecha de cabelo claro de Bárbara, ele beijou-lhe levemente a testa. Para ela, era maravilhoso estar tão perto desse homem, sentindo seu perfume e o calor do seu corpo.
Spencer deixou seus olhos vagarem pelas pernas bem-feitas de Bárbara, subirem pelo ventre, deterem-se nos seios fartos. Tocada por aquele olhar fascinado, ela sentiu a chama do desejo acender-se de novo, um desejo que instantes atrás parecia saciado. Imediatamente, os mamilos enrijeceram. A expressão de Spencer também mudou, de languidez para desejo.
— Gosta? — ele perguntou enquanto fazia movimentos circulares nos bicos rosados.
— Humm... é delicioso...
O toque dele estendeu-se para todo o seio, ainda em torno do bico excitado.
— E assim? — Spencer quis saber, lambendo um dos mamilos róseos.
— Oh, sim... — ela conseguiu responder, a respiração arfante.
Os lábios ardentes então subiram de novo, para alcançar os de Bárbara, antes de voltar para os seios. Ela, com os sentidos extremamente aguçados, não conseguiu conter um gemido de prazer. Então, segurou-o pelo pescoço com uma das mãos, enquanto a outra descia pelos ombros, pelo peito, mergulhando resoluta na direção do ventre. Num frêmito de prazer, Spencer gemeu.
— Conte-me mais sobre suas fantasias — pediu ele, com voz rouca.
Bárbara hesitou. Então, pausadamente, começou a contar-lhe, com voz entrecortada de prazer, como eram suas fantasias.
Só pouco antes do amanhecer ambos conseguiram dormir, abraçados, exaustos. Antes de cair num sono profundo, Bárbara deu-se conta de que, como Spencer prometera, todas as suas fantasias, até as mais íntimas, tinham sido realizadas. E o melhor era que sabia ter conseguido realizar as dele.
Spencer abriu os olhos.
O quarto estava banhado por uma luz fraca, que vinha de uma abertura das cortinas. Bárbara continuava deitada ao lado dele, os cabelos sedosos espalhados sobre o travesseiro. Ainda dormia.
Spencer olhou para ela, notando-lhe a expressão suave. Sabia que a noite intensa de amor que tinham partilhado mais o pesado ritmo de trabalho dos últimos dias haviam-na deixado exausta. Bárbara provavelmente ainda iria dormir por horas.
Aproveitou a oportunidade de olhá-la, enquanto ela estava completamente desarmada, vulnerável. O nariz bem-feito e levemente arrebitado lembrava o de uma criança, mas seus lábios, carnudos e tão sensuais, ainda pareciam guardar as lembranças dos beijos ardentes trocados aquela noite. Não havia nada de infantil neles.
Seu olhar pousou nos ombros nus, mal cobertos pelo lençol branco. Sua pele era como mel escuro, macia e aveludada. Ele sentiu uma onda quente nas virilhas e soube, imediatamente, que, se ficasse mais um minuto na cama, iria acordá-la. Não queria despertá-la do sono profundo de que ela tanto precisava naquele momento.
Com muito cuidado, Spencer levantou-se. Pegou suas roupas numa pilha no chão e desceu pela escada até a sala de visitas. Acendeu a luz, pois ainda estava um pouco escuro, apesar de já ter amanhecido. Afinal, encontrava-se em Londres, e aquela era uma das típicas manhãs cinzentas de novembro. Vestiu-se rapidamente e rabiscou um bilhete para Bárbara:
"Bom dia, dorminhoca. Volto logo, com uma surpresa."
Deixou o pedaço de papel embaixo do abajur, na escrivaninha.
Dez minutos depois, estava de volta à sua própria suíte no hotel. Vestiu um jeans e um suéter branco de lã e desceu para a Roland Gardens, a rua que cortava o Blakes Hotel. Era uma manhã agradável. Apesar do frio, o sol brilhava, Mesmo depois de ter dormido apenas duas horas, ele se sentia revigorado.
Com as mãos nos bolsos, despreocupadamente, passeou por Kensington, apreciando o cenário.
Fazia muito tempo que não se sentia assim. Parecia de bem com o mundo, com o coração leve. E sabia a quem tinha de agradecer por aquilo: Bárbara.
Deus dó céu, a simples lembrança do nome dela já o fazia tremer!
Enquanto passeava sem rumo pelos quarteirões daquele agradável bairro de Londres, pensava nas emoções da noite anterior. Nunca suspeitara que pudesse ser assim. Mesmo com Trícia não sentira aquela intimidade, aquela volúpia de compartilhar tudo, física e emocionalmente.
Pela primeira vez Spencer baixou a guarda, desfez-se das defesas que até então achava indispensáveis para sobreviver. Costumava reagir com cinismo quando ouvia dizerem que sexo era uma experiência espiritual. Tinha certeza de que era apenas algo agradável, nada mais que isso.
"Agora sei a que se referiam", pensou, ligeiramente divertido. Quando fez amor com Bárbara sentiu, pela primeira vez na vida, que não tinha necessariamente a sina de ser alguém solitário. Era algo com que nunca sonhara. Quando ele e Bárbara estavam juntos o mundo se transformava.
Enquanto andava pela rua, seu rosto mostrava um sorriso sereno. "Londres é a cidade mais linda do mundo", pensou, feliz da vida. "Contudo, sei que diria o mesmo de Cleveland, se estivesse lá nesta manhã."
Deu uma risadinha gostosa, sem se preocupar com a reação que causava nas outras pessoas. Passou pelas casas de Regency, transformadas em restaurantes, lojas' e butiques. Finalmente, entrou em Kensington Gardens, e depois na área do palácio de Kensington. Viu à sua frente o magnífico jardim, rodeado de árvores frondosas, bem-cuidadas, e, atrás de toda essa paisagem, o palácio real. Charles e Diana, o príncipe e a princesa de Gales, moravam lá. Tinha ignorado por completo todas as notícias a respeito deles e de seu casamento, acreditando que tudo não passava de uma fantasia muito superficial, que logo desapareceria. Não acreditava naquele romance. Porém, nessa manhã, estava muito inclinado a aceitar o fato de que Charles e Diana se amavam e, decerto, tinham sido feitos um para o outro. l
Olhando para o relógio, viu que já passava das dez. Bárbara iria acordar a qualquer momento. Parou um táxi e pediu ao motorista que o levasse até Fortnum & Mason.
Fortnum & Mason era uma das grandes lojas de departamento de Londres, cujos empregados usavam impecáveis uniformes pretos. Ao ser atendido por um deles, Spencer explicou exatamente o que queria. Vinte minutos depois, saiu da loja com uma cesta de piquenique repleta das mais caras e deliciosas iguarias.
Já sentado no banco de trás do táxi, pensou em voltar para Bárbara. Não teriam muito tempo. A viagem para Los Angeles seria naquela tarde... Subitamente, seus pensamentos foram interrompidos. Los Angeles. O estúdio. A noite de amor que tinham compartilhado.
Sentia-se um pouco confuso, mas uma coisa era certa: aquele romance estava destinado a durar pouco. Uma vez em Los Angeles, Bárbara seria novamente a presidente do estúdio, e ele, simplesmente, alguém com quem ela não poderia se envolver.
Pela primeira vez naquela manhã, lhe ocorreu quão profundamente Bárbara tinha se comprometido. Podia acordar e sentir-se amargamente arrependida pelo que tinha acontecido na noite anterior. Lembrava-se agora do quanto ela havia resistido a suas investidas iniciais e de quanto ele tinha sido cego e surdo a seus protestos.
Isso bastou para deixá-lo irritado. E fez desaparecer a euforia que sentira durante toda a manhã.
Bárbara bocejou e espreguiçou-se. Sua mente, ainda entorpecida pelo sono, começava a despertar, e então ela se lembrou de onde estava e o que tinha acontecido na noite anterior. Com o mesmo sorriso de satisfação que Scarlett O'Hara exibira em... E o vento levou quando acordou depois de uma noite de amor com Rhett Butler, virou-se à procura de Spencer.
O lado que ocupara na cama estava desarrumado, mas não havia sinal dele.
Olhando para o relógio no criado-mudo ao lado da cama, ela sorriu satisfeita ao notar que eram quase onze horas. Costumava levantar-se cedo, mas notou, feliz, que nessa manhã tudo era diferente.
Recostando-se no travesseiro, suspirou profundamente. Seu corpo, por tudo o que sentira pela primeira vez na vida, ainda estava deliciosamente entorpecido, mas saciado.
Ah, a noite anterior... Foi como se tivesse vivido um sonho maravilhoso. Facetas de si mesma, que nunca descobrira, surgiram e revelaram-se por completo. Jamais se sentira tão livre com um homem. Tinha se dado por inteiro a Spencer, num doce abandono.
Nunca tinha sido assim. Com Tony sempre se sentira insegura, consciente de que seu interesse por ela poderia ser passageiro. Havia sempre um vazio, que finalmente terminara com Spencer.
Nunca acreditara ser possível um homem tocá-la daquela forma... como se fosse feita de porcelana, mas, ao mesmo tempo, uma criatura viva, de carne e osso.
— Que delícia... — murmurou, ouvindo com satisfação o som da própria voz.
Agora já estava bem desperta, e curiosa em saber para onde fora Spencer. Levantou-se e vestiu um cafetã lilás, cujas aberturas laterais revelavam suas longas pernas, enquanto se movimentava.
Lavou o rosto com água fria e escovou vigorosamente os cabelos. Estava acabando de descer a escada quando Spencer entrou.
Bárbara parou, uma das mãos apoiada no corrimão. Spencer ergueu o olhar para ela.
Ela tinha imaginado como seria o primeiro encontro com ele, após aquela noite de amor. Ficaria tensa, inibida? Procuraria por algum sinal de afeto no rosto de Spencer e encontraria apenas a indiferença que vem depois do sexo sem amor? Ou ela própria, agora que eu desejo estava saciado, iria olhá-lo sem sentir nada?
Nada disso aconteceu. Spencer olhou-a com tanta afeição que Bárbara descobriu, no mesmo instante, que o tinha tocado profundamente. E, enquanto examinava o rosto dele, sua expressão, seus traços agora já familiares, sentiu quanto tinha sido especial a noite anterior para ambos. Experimentou a certeza de que estarem juntos era a única coisa que queriam.
— Oi — disse ele, com voz baixa. — Leu meu bilhete?
Bárbara fez que não com a cabeça.
— Acabei de acordar.
— Bem, eu trouxe o café da manhã.
Foi só nesse momento que Bárbara reparou na cesta enorme que ele trazia. Estivera tão entretida em olhá-lo que não prestara atenção em mais nada.
Fechando a porta, Spencer foi até o centro da sala, banhado de sol. Bárbara acabou de descer a escada e juntou-se a ele.
Enquanto tirava o conteúdo da cesta e estendia uma toalha no chão da sala, Spencer anunciou, com voz fingidamente formal:
— Com os cumprimentos de Fortnum & Mason. Como não tinha certeza do que você gostava, trouxe um pouco de tudo.
E passou a apanhar cada uma das coisas que trouxera, enquanto ia colocando na toalha.
— Pêssegos ao brandy. Caviar russo, crakers finíssimos ou lês biscuiís, como disse o homem que me atendeu. Champanhe Château Latife Rothschild. Bolo de limão com iogurte.
A careta que Bárbara fez dizia tudo. Spencer sorriu.
— Sei que parece estranho, mas é delicioso: um tipo de torta com creme de limão. — E continuava a abrir os pacotes. — Uvas, morangos com creme Devonshire. E, para a sobremesa... — tirou uma caixinha embrulhada em papel dourado — Chocolates Godiva! Não se preocupe. Não vou fazê-la cavalgar nua para comê-los.
Bárbara ajoelhou-se ao lado dele na borda da toalha. Abrindo a tampa da caixinha, espiou os chocolates cuidadosamente desenhados.
— Hum, para comer doces com essa aparência estou até disposta a fazer isso. Como é que você sabe que sou louca por chocolate?
— Não conheço ninguém que não seja.
Spencer colocou pratos, talheres de prata e dois copos altos, elegantes, de cristal bacará. Encheu-os de champanhe. Antes de começarem a comer, Bárbara levantou o dela e Spencer imitou-lhe o gesto.
— Às coisas simples da vida — ela brindou.
Spencer começou a rir. Pela primeira vez desde que chegara, alguns minutos atrás, pareceu relaxar. Então bateu seu copo de leve no dela. Um som tão puro e alto como somente o cristal pode produzir encheu o aposento.
Durante os próximos minutos, saborearam em silêncio a comida deliciosa. Bárbara estava faminta. Provou a torta de limão, muito cremosa, como gostava. Em seguida, comeu um dos pêssegos ao brandy. Pôs o caviar nos crakers e molhou os morangos no creme Devonshire. Delicioso.
Alguns minutos depois ela se deu conta de que Spencer estava muito calado. E não tinha se referido nenhuma vez à noite anterior.
"Será que a minha primeira impressão estava errada?", perguntou-se, ansiosa. "Será que ele sente algo mais profundo ou terei me tornado apenas mais uma em sua lista? Será que tratar todas as mulheres desse modo, antes de abandoná-las, é típico dele?"
Não tinha mais fome. Olhou para ele, esperançosa de que dissesse algo que lhe assegurasse que não fora uma atração sexual pura e simples que os unira.
Mas Spencer continuava silencioso e pensativo.
Bárbara acreditou que ele estaria tentando arranjar palavras para dizer que a noite anterior fora o início e o fim.
Subitamente, o telefone tocou. Relutante, Bárbara levantou-se para atender.
Ficou em silêncio, ouvindo a voz do outro lado da linha, antes de dizer:
— Não, não precisa vir até aqui. Nós nos encontraremos no avião.
Desligou e voltou-se para Spencer.
— Era minha secretária. Queria me lembrar que nosso avião sai às três horas.
Spencer continuava em silêncio. Mau sinal. Por fim, como se finalmente tivesse chegado a uma conclusão longamente adiada, levantou-se e olhou-a. Seu rosto tinha uma expressão indecifrável. Ela não via nada do homem que se abrira tão completamente poucas horas atrás.
— Bárbara... desculpe-me pela noite passada.
"Não! O que quer que seja que vá fazer, não se desculpe! Não faça daquilo que dividimos ontem alguma coisa que deva ser desculpada!"
Mas Spencer continuou:
— Não vou tentar arrumar desculpas. Só quero assegurar-lhe que não acontecerá de novo. Teremos que trabalhar juntos e...
Bárbara interrompeu-o com uma voz tão fria que ela própria quase não a reconheceu.
— Exatamente. Temos que trabalhar juntos. Tenho que dirigir um estúdio e você tem um filme a fazer para esse estúdio.
Alguma coisa passou por aqueles olhos verdes. Algo como tristeza ou dor. Mas Bárbara sabia que não podia ser nenhuma das duas coisas.
— Agora, se não se importa, tenho que arrumar minhas malas. Encontro você no avião.
Spencer concordou. E, sem dizer outra palavra, saiu. Bárbara continuou ali, parada, o corpo rígido, antes que as lágrimas começassem a rolar por seu rosto.
Uma vez em Los Angeles, Bárbara e Spencer voltaram ao trabalho com renovada dedicação. Raramente se viam e, quando isso acontecia, mostravam-se demasiadamente polidos e formais.
Bárbara não contara a ninguém sobre aquela noite em Londres. Tentara esquecer tudo aquilo, mas não conseguira. As lembranças eram vivas, insistentes, dolorosas.
A pré-produção de A última chance ia de vento em popa. Spencer era um gênio em termos de criatividade. Sabia instintivamente qual o ator que poderia render o máximo num papel difícil ou qual o tom de narrativa mais adequado a cada história. Quanto a Bárbara, sabia como contornar quaisquer dificuldades na área executiva e era particularmente eficiente na administração do orçamento.
Ela sempre cuidava para não estar sozinha quando se reunia com Spencer; em geral, Sally e Karl também participavam e, às vezes, também Terry Bernstein, o gerente de produção, se unia a eles. Durante um mês conseguiram evitar um encontro mais íntimo.
Uma noite, quando estava se arrumando para ir embora, Marci deu-lhe um recado. Ia ser feita a tomada final de Imagens.
Bárbara hesitou. Então, ao ver a secretária parada, esperando, disse-lhe:
— Muito bem, pode ir agora. Vejo-a amanhã cedo.
— Obrigada, Srta. O'Neill. Boa noite.
Bárbara ainda ficou parada, no meio do escritório, por alguns momentos.
"Não seja ridícula", disse a si mesma. "Isto é só uma parte do seu trabalho. Você não pode deixar de ver o copião final de um filme feito sob sua responsabilidade. Além disso, não terá que trocar mais que meia dúzia de palavras com Spencer."
Apanhando o casaco e a bolsa, dirigiu-se à sala de projeção, no subsolo. Para sua surpresa, ao chegar, encontrou Spencer sozinho.
— Oh... oi. — A voz dele soou com falsa naturalidade, como se estivesse falando com alguém que mal conhecesse. "Como se estivesse falando com uma simples desconhecida", Bárbara pensou, "e não com uma mulher a quem já amou intensamente."
Ela se sentou com algum esforço na cadeira ao lado dele. Não o deixaria perceber o quanto aquela proximidade a perturbava.
— Comece a rodar — ordenou Spencer ao operador. Quando as luzes já tinham se apagado, Bárbara perguntou:
— E os outros?
— Ninguém mais virá. Na verdade, eu ia ver o filme sozinho. Então pensei que seria melhor convidá-la.
Bárbara prendeu a respiração. Não teria conseguido proferir uma palavra, mesmo que quisesse. Aquilo que evitara ao longo de semanas tinha acabado por acontecer. Estava a sós com o homem cujo simples olhar tinha o poder de acender suas paixões. Olhou rígida pára a tela, ao mesmo tempo que ouvia o tema do filme encher o ambiente com sua melodia suave.
"Evite pensar que ele está tão próximo", disse a si mesma, sentindo um certo desespero. Mas era impossível não pensar nele quando podia ouvir-lhe a respiração e sentir-lhe o perfume.
Como se isso não bastasse, tinha achado o filme profundamente excitante quando vira o primeiro copião. Agora, na versão final, com a trilha sonora acontecendo, à sensualidade das cenas era por demais perturbadora. O impacto daquelas imagens de amor era muito maior do que da primeira vez. Só que agora ela não precisava fantasiar sobre como seria fazer amor com Spencer Tait. Sabia como era.
Oh, Deus do céu! Sabia como se sentia quando aqueles braços fortes a envolviam, quando aquelas mãos fortes e hábeis percorriam cada centímetro de seu corpo trêmulo de desejo...
Não podia mais suportar. Percebeu que uma lágrima inesperada rolava por seu rosto. Sentia um nó na garganta. Quase não perceberia os letreiros indicando o fim do filme, não fosse a voz de Spencer dizendo pelo inter - comunicador:
— Obrigado, Frank. Pode ir agora.
Não podia olhar para Spencer. Era uma fraqueza, sabia disso, e se desprezava, mas não conseguiria fitá-lo. Então levantou-se de um salto, bruscamente, apanhou a bolsa e o casaco e saiu quase correndo da sala.
O hall estava deserto. Percebeu que era tarde: todos os funcionários já tinham ido embora.
— Bárbara!
Ela parou, como se seu corpo não tivesse vontade própria. Sua respiração era difícil, sua expressão torturada, quando se voltou, devagar, para encará-lo.
A expressão formal que Spencer ostentava antes tinha desaparecido, dando lugar a um ar de sofrimento muito parecido com o dela.
— Bárbara... — repetiu, e dessa vez o tom não era inflexível. Ao contrário, havia nele mais angústia do que Bárbara poderia imaginar.
Instintivamente, ela se lançou aos braços vigorosos. E, olhando bem dentro daqueles olhos verdes, murmurou:
— Por que você me pediu desculpas?
Spencer estava confuso. Então, como num passe de mágica, seu rosto se iluminou, como se principiasse a entender o que ela queria dizer com aquilo.
— Pensei... oh, minha querida, pensei que eu a tinha forçado a algo de que você se arrependeria.
Bárbara sentiu como se um grande peso tivesse sido tirado de seus ombros. Ele não se arrependera do que tinha acontecido! Simplesmente pensara nos sentimentos dela!
— Oh, querido, que bobinho! — murmurou com voz suave. Toda a amargura havia passado.
Spencer beijou-a, extravasando toda a ansiedade acumulada durante um mês.
Bárbara pensou que fosse derreter em seus braços, seu corpo amoldando-se ao dele, flutuando no ar, num momento de infinita alegria que nem parecia ser real.
Mas era. Quando Spencer a soltou, ela sentiu que tinha o coração disparado.
— O que vamos fazer? — Bárbara perguntou, mantendo os braços em volta do pescoço dele. Não havia preocupação em sua voz. Só curiosidade.
Spencer riu e Bárbara percebeu que também ele sentia uma felicidade imensa.
— Sinceramente não sei. Mas, de qualquer modo, precisamos ter um tempo para nós, para ficarmos juntos.
— Não quero que todos saibam. Pelo menos por enquanto.
— Entendo.
— Acha que podemos tentar manter segredo?
— Segredo? Em Hollywood? Você sabe tanto quanto eu que isso é impossível. Sei que está preocupada com sua posição...
— Não é só isso. Não quero... Oh, você sabe, todas as fofocas, os olhares curiosos quando estivermos juntos...
— Entendo, doçura.
Ela sabia que um romance como aquele não poderia durar muito sem ser descoberto. Nenhum segredo resiste a Hollywood. Tudo o que queria era um pouco de tempo para estar a sós com ele, para decidir o futuro, antes que todos soubessem.
— Tenho uma idéia — Spencer disse e, com um sorriso endiabrado, acrescentou: — Lãs Brisas!
— O quê? Acapulco? É difícil achar um lugar onde não tropecemos em gente que nos conheça.
— A menos que consigamos uma ilha em Lãs Brisas e evitemos os lugares mais movimentados. Podemos ir amanhã à noite e voltar na segunda-feira.
Bárbara pensou em como seria maravilhoso passar o fim de semana num lugar cheio de sol, repleto de margaridas. E fazendo amor com Spencer.
— Combinado!
— Farei as reservas e nos encontraremos no aeroporto. Ela sentiu como se estivesse se preparando para uma grande aventura, uma viagem de sonho a um lugar proibido. E sabia que, de certo modo, isso era verdade.
Tarde da noite de sexta-feira, chegaram a Lãs Brisas, um dos hotéis mais elegantes e famosos de Acapulco. Olhando-se a baía, podia-se ver as ilhas particulares, todas com piscinas. Uma atmosfera romântica as envolvia.
Quando Bárbara e Spencer chegaram à recepção do hotel, uma brisa soprou, fazendo o reflexo prateado da lua bailar na água.
O gerente levou-os até o chalé e explicou:
— Estamos comemorando nosso vigésimo quinto aniversário. As orquestras, nos bares e restaurantes, estão tocando músicas dos anos 50. E amanhã à noite teremos uma festa "cor-de-rosa e branca". Serviremos coquetel de champanhe. Cortesia do hotel, naturalmente.
Spencer gostou da notícia.
— Vou adorar toda essa nostalgia. Espero que toquem Blue suede shoes. — E, virando-se para Bárbara: — Talvez eu ponha gumex no cabelo e compre uma jaqueta de couro.
— Se fizer isso, prenderei o cabelo num rabo-de-cavalo e usarei malhas de colegial, com sapatos baixos.
Spencer olhou-a com carinho.
— Pena não tê-la conhecido nessa época, quando você era pouco mais que uma garotinha.
— Queria tê-lo conhecido desde sempre — Bárbara respondeu, a voz cheia de emoção.
O gerente tossiu educadamente, chamando-lhes a atenção. Bárbara percebeu que ele os olhava, divertido.
— São namorados, naturalmente. Temos muitos casais aqui. Abriu a porta do chalé, ao qual chamavam de casita em Lãs Brisas, e o porteiro trouxe a bagagem. Era um lugar pequeno, com móveis rústicos e muito conforto. Havia uma geladeira, repleta de frutas frescas e bebidas.
— Oh, é adorável!
— Já estiveram aqui antes? — perguntou o gerente, procurando ser simpático.
— Não...
— Então deixem-me explicar como funciona. Garçons trarão pãezinhos e café na hora em que desejarem tomar o café da manhã. O hotel tem sua própria praia particular, La Concha. Se houver algo em que possa ajudá-los, por favor me chamem. Queremos que a permanência dos senhores aqui seja a mais agradável possível.
"E será mesmo", pensou Bárbara, olhando de relance para Spencer.
Quando ficaram a sós, ele sugeriu irem tomar drinques num dos bares do hotel.
— Assim que eu mudar de roupa — Bárbara respondeu, animada. E em poucos minutos trocou o conjunto que vestia por outro, de seda azul.
Spencer usava uma calça bege e uma camiseta verde, que combinava com seu olhos. Não sentiu necessidade de mudar de roupa. Bárbara aprontou-se rapidamente e saíram.
No bar, uma garçonete acomodou-os numa mesa mais afastada e esperou que fizessem seus pedidos.
— Que idéia maravilhosa! — disse Bárbara, sorrindo através da luz de velas.
— Tenho uma porção de idéias maravilhosas — brincou Spencer. — E mal posso esperar para enumerá-las... ou, melhor ainda, mal posso esperar para mostrá-las a você.
— Mais tarde, querido.
Enquanto bebiam, ouviam o pequeno conjunto tocando músicas antigas. Quando começaram os, acordes de um sucesso de Elvis Presley, Are you lonesome tonight?, Spencer convidou:
— Vamos dançar?
Bárbara concordou de imediato. Foram até a pequena pista, onde já havia vários casais. Spencer tomou-a nos braços e Bárbara fechou os olhos, amoldou o corpo ao dele e deixou-se conduzir suavemente.
Tinha apenas doze anos quando a década de 50 terminara. Lembrava-se vagamente daquela época, quando foi aos bailes da escola pela primeira vez. Ao rever na memória sua própria imagem aos doze anos, apenas começando a se tornar mulher, sorriu.
"Como me sentia insegura naquelas festas! Era mais alta que a maioria dos meninos. A ansiedade de ficar parada, esperando que alguém me tirasse para dançar e perguntando-me se o pior não aconteceria... ficar o tempo todo sentada, sem que ninguém se interessasse por mim!"
Suspirou.
— O que foi querida?
Bárbara levantou o olhar e sorriu timidamente.
— Só estava me lembrando da minha adolescência. Aquelas festinhas do colégio.
Spencer sorriu, compreensivo.
— Nunca me senti tão assustado em minha vida como quando tirei uma garota para dançar pela primeira vez.
— Você ao menos pôde tomar a iniciativa. Uma menina não poderia fazer isso. E era uma agonia ficar esperando que alguém me convidasse para dançar.
— Não acredito que os meninos de sua escola fossem cegos a ponto de não notá-la.
— Por algum tempo foram, sim. Mas na festa de Natal já foi diferente. Aí eu tinha arranjado um namorado.
— Ah, é? E quem era o felizardo?
— Steven Madrid. Tinha cabelos pretos e olhos castanho-escuros. Era o garoto mais bonito da escola e todas as meninas eram,loucas por ele. Quando entramos no salão, de braços dados, não havia nenhuma delas que não, quisesse me matar de tanta inveja.
Pensando naquele momento de triunfo, a expressão de Bárbara tornou-se evocativa e sonhadora.
"Lembro-me tão bem daquela noite... Mesmo agora posso lembrar-me exatamente de como me senti. Feliz, incrivelmente feliz. Por quê?"
Então deu-se conta. Lembrou-se de que seu pai morrera dois dias depois da festa. Por isso, aquela fora a última noite em que se sentira tão feliz, antes dá tragédia.
— Que há? — perguntou Spencer, aflito.
Bárbara percebeu que devia estar com uma expressão de profunda tristeza, a julgar pela preocupação nos olhos verdes, de Spencer. Quando explicou o que ocorrera, ele ficou em silêncio por um momento. Depois disse, num tom de voz baixo, quase inaudível:
— O dia em que minha mãe morreu, eu estava jogando com alguns amigos. Era um jogo em que fazíamos de conta que apostávamos dinheiro. Estávamos rindo, bebendo refrigerantes, tentando arruinar-nos uns aos outros financeiramente. Aquele dinheiro até parecia real, do modo como nos empenhávamos para vencer.
Spencer fez uma pausa e, por um momento, Bárbara ouviu claramente a letra da música: Are you lonesome tonight? Do you miss me tonight?
Então ele continuou, com a voz quase embargada:
— Meu tio me telefonou para dizer que meu pai estava com mamãe no hospital, que ficava apenas a dois quarteirões dali. Corri como louco, mas já era tarde. Essa foi a última vez que joguei.
Por um momento os olhos verdes dele encontraram os de Bárbara. E revelaram tanta dor, tanto sofrimento, que ela desejou tomá-lo nos braços, como a uma criança.
Então a música terminou.
Ficaram ali, por alguns momentos, sem se mover. Então Bárbara levou as duas mãos ao rosto dele.
— Você sabe que eu o amo, não sabe?
— Sei. E por favor, deixe-me amá-la também.
O fogo crepitava na lareira, dando tonalidades douradas a tudo e deixando o ambiente aconchegante. Bárbara e Spencer estavam deitados na cama, nus, abraçados.
Colando os quadris nos dele, ela começou a sentir uma pulsação cada vez mais acelerada entre as coxas. Devagar, encaixou uma das pernas entre as de Spencer e puxou-o ainda mais para si, como se aquela proximidade não fosse suficiente.
Um gemido escapou dos lábios dele, que se calaram aos de Bárbara num beijo selvagem, quase animal.
As mãos fortes, como se ganhassem mais vida a cada momento, exploravam cada centímetro do corpo que aprenderam a conhecer naquela noite em Londres. Os dedos, ágeis e inquietos, desceram pelo abdômen, chegando ao triângulo de pêlos macios e à carne ardente que escondiam.
Bárbara sentiu-se desfalecer com o toque; a respiração começou a alterar-se. Enquanto os dedos de Spencer exploravam-na por entre as coxas, os lábios roçavam-lhe de leve o rosto, o pescoço, os seios.
A língua úmida então lambeu os mamilos, fazendo-os ficarem ainda mais rígidos. Com gestos firmes, mas suaves, Spencer deitou-a de costas e ficou sobre ela. Então começaram a movimentar-se lentamente... e os movimentos foram aumentando, tornando-se mais urgentes... as unhas de Bárbara enterraram-se nas costas de Spencer, na tentativa de puxá-lo para mais perto. Era como se ela quisesse que seu corpo se fundisse com o dele, que fizesse parte de si mesma.
Os lábios quentes de Spencer tomaram os dela, a língua explorando suavemente todos os recantos, enquanto as mãos guiavam os quadris numa dança alucinante.
Aproximaram-se do êxtase. Primeiro um espasmo, que crescia rapidamente, tornando o corpo de Bárbara leve e sensível, levando-a ao ponto máximo. Mas a sensação não terminara; ao contrário, continuava aumentando. Ondas de desejo percorriam todo o seu corpo que, momentos depois, saciado, relaxou.
Quando Bárbara acordou, naquela manhã, Spencer ainda dormia. Estava deitado a seu lado, um dos braços em volta de seus ombros. Tinham feito amor de uma forma quase desesperada na noite anterior, possuindo-se várias vezes, até ficarem exaustos. E ela sabia que o fato de Spencer ter falado sobre a morte da mãe era muito significativo. Tinha quase certeza de que ele nunca fizera isso antes com outra pessoa. Era como se tivesse externado algo profundo, libertando-se.
— Eu a amo — dissera ele.
Bárbara sorriu com a lembrança. Dormindo, ele parecia um menino. As rugas de preocupação, sempre presentes em sua testa quando trabalhava, tinham desaparecido. A boca, quase sempre rígida, insinuava os contornos de um sorriso de alguém que se sentia em paz.
Uma mecha de cabelo lhe caía na testa. Debruçando-se sobre ele, Bárbara afastou-a cuidadosamente. Com muito jeito, para não acordá-lo, desvencilhou-se dos braços fortes e levantou-se. Vestiu um robe violeta, amarrando-o na cintura, e foi para o pátio, em volta da piscina.
Pétalas de hibiscos flutuavam na água azul e serena. Provavelmente a camareira as colocara durante a noite. Sorrindo, ela dirigiu-se até a amurada branca para apreciar a paisagem. O sol brilhava forte sobre a baía belíssima. O hotel era rodeado por montanhas, entre as quais ficava a praia, a areia branca contrastando com o profundo azul do mar. Era um cenário maravilhoso, com flores de todos os tipos.
Mais adiante situava-se o La Concha Praia Clube, onde alguns hóspedes já nadavam no mar ou nas piscinas.
Subitamente, Bárbara sentiu que braços fortes a seguravam pela cintura. Uma voz máscula, embora ainda com sinais de sono, murmurou às suas costas:
— Bom dia, Eva!
Rindo, ela voltou-se para Spencer, que não tivera sequer a preocupação de vestir um robe. Afinal, ali os dois não seriam vistos. Aquele recanto, aquele mundinho, era só deles.
— Bom dia, Adão — respondeu Bárbara com um sorriso, lançando os braços em torno do pescoço firme.
— Que tal um mergulho antes do café da manhã?
— Parece ótimo! Vou me trocar.
— Não se incomode — replicou ele, abrindo-lhe ousadamente o roupão e expondo sua nudez ao sol. — Pode deixar que eu a ajudo! — brincou ele, carregando-a nos braços e dirigindo-se à piscina.
— Spencer Tait, não ouse fazer isso comigo! — gritou Bárbara, antes que ele a atirasse na água, sem qualquer cerimônia.
Quando conseguiu vir à tona, jogando os cabelos molhados para trás, viu-o mergulhar com a agilidade de um campeão.
Alguns segundos depois, Spencer emergiu a seu lado e Bárbara, num gesto fingidamente agressivo, golpeou a superfície da água para empurrá-la contra ele. Durante meia hora brincaram e riram como duas crianças, embora seus corpos nus estivessem entregues à sensualidade daquele momento mágico.
Saíram da piscina, enxugaram-se e vestiram-se para tomar o café da manhã. Spencer colocou um short branco e Bárbara um cafetã de seda malva.
Ele trouxe a bandeja com o café da manhã, que tinha sido deixada do lado de fora da porta, enquanto Bárbara apanhava algumas frutas na geladeira. Colocaram tudo na pequena mesa no pátio, perto da piscina.
— O que vamos fazer hoje? — perguntou Spencer, tomando um gole de café, — Nadar no clube La Concha? Fazer um safári nas matas? Andar pela cidade?
— Vamos fazer tudo isso! — respondeu ela, animadíssima. — Nunca estive aqui antes e não quero perder nada.
— Se encontrarmos algum conhecido, diremos que viemos a negócios. Que tal?
— Nem estou ligando para isso, sabe? Agora que estamos aqui, só quero me divertir o máximo possível. Não vou perder tempo me preocupando com fofoqueiros.
— Ótimo! — Spencer pousou sua xícara na mesa. — Então vamos.— Temos muito o que fazer!
Depois de se trocarem, pegaram um dos jipes que o hotel colocava à disposição dos hóspedes e foram para a cidade. Andaram pela praça, deram uma olhada nas lojas e admiraram a bela catedral, com suas torres imponentes.
Então foram participar de um safári organizado pelo hotel. Para surpresa de Bárbara, era muito mais que uma simples excursão. Havia um bar móvel e um pequeno conjunto típico que tocava músicas românticas enquanto a caravana passava por uma plantação para um piquenique e corridas. Andaram de canoa por um rio, em cujas margens mulheres lavavam roupas, deixando-as secarem nas rochas. Crianças nuas brincavam e nadavam ao lado.
Vendo aquela cena, Spencer virou-se para Bárbara sentada a seu lado na canoa.
— Você quer ter filhos?
Ela hesitou. Esse era um assunto sério e Bárbara não tinha idéia de como Spencer se sentia a respeito. Por fim, respondeu:
— Quero. Sinto cada vez mais essa necessidade. Mas meu relógio biológico está correndo muito depressa. Farei trinta e cinco anos neste Natal. Não posso esperar muito, se quiser ter filhos.
— Também quero filhos, sabe? Não queria, quando era mais jovem. Mas agora... Não acho que minha vida seria completa sem filhos.
— Penso o mesmo. Mas tenho um problema: não quero que uma governanta tome conta de meus filhos. Meu pai trabalhava em casa. Ou seja, mesmo quando minha mãe tinha que viajar a serviço, ele estava sempre a meu lado. Nunca fiquei com empregados. E quero que seja assim com meus filhos. Mas, por outro lado, pretendo continuar com minha carreira. Quero fazer bons filmes. E quero ter filhos. Mas nem sempre podemos ter tudo o que queremos.
Olhando para Spencer, perguntou:
— E você? O que você quer? Ele não hesitou:
— Quero fazer meus próprios filmes. Quero eu mesmo controlá-los, do início ao fim, desde a criação do script até a distribuição. Quero decidir o que fazer com minhas criações.
— Você tem bastante liberdade e sofre menos interferência do que outros produtores, por causa de seu sucesso.
— Certo, mas ainda assim há interferências. É o estúdio quem decide os últimos detalhes, como a campanha publicitária, a estratégia de marketing. Para fazer um filme, preciso sempre do aval do presidente do estúdio... Ou seja, o seu aval.
Sorriu para suavizar as palavras, mas, uma vez mais, Bárbara foi lembrada das posições que ocupavam profissionalmente e não pôde evitar que uma certa amargura lhe dominasse o coração.
— Quero liberdade completa, sem ter que lidar com Harrison Kahn e seu grupo de diretores, que não sabem nada sobre produção de filmes.
— Nenhum produtor tem essa liberdade. Nem mesmo Francis Ford Coppola.
— Isso não é razão suficiente para que eu não possa tentar, mesmo que corra o risco de perder tudo. É por isso que estou fazendo essa co-produção de A última chance com a United. Porque sei que, se não tentar, estarei perdendo do mesmo modo. Ninguém pode querer ao mesmo tempo se realizar como artista e ter segurança nos negócios.
Bárbara não disse nada, mas sabia exatamente o que ele queria dizer. Ela também tivera seu próprio sonho de ascensão profissional que, à primeira vista, parecia impossível. Contudo, conseguira transformá-lo em realidade.
Quando voltaram ao hotel, à noitinha, as luzes de Acapulco piscavam por todo o arco da baía. Spencer vestia um smoking, Bárbara, uma túnica de cashmere e uma saia, com uma echarpe combinando e um blazer que a ajudava a suportar o frio da noite. Foram a um restaurante de onde podiam ver os famosos mergulhadores de La Quebrada atirando-se de uma pedra ao mar, lá embaixo. Tudo estava iluminado com tochas acesas e, após cada salto, os mergulhadores subiam nas pedras, recebendo aplausos da platéia.
Spencer comeu enchiladas cobertas com creme e Bárbara preferiu um prato de camarões com molho picante. Tomaram margaritas e conversaram. Ela sentiu que poderia dizer tudo o que quisesse àquele homem. E nunca lhes faltaria assunto.
Quando voltaram ao hotel, tarde da noite, Bárbara pensou, tristemente, que não tinha a menor vontade de ir embora. Não queria que aquela fantasia acabasse.
Mas sabia que isso era impossível. Nenhuma fantasia dura para sempre.
Pouco antes do Natal, Sheila O'Neill telefonou para Bárbara, toda animada.
— Vou hoje para a fazenda — contou com sua voz melodiosa. Referia-se à fazenda de seus pais, ao pé das montanhas de Sierra Nevada, na Califórnia central. — E você? Passará a véspera de Natal conosco, como sempre?
Bárbara hesitou. Era chegada a hora de contar à mãe sobre Spencer. Sentia-se embaraçada. Respirando fundo, começou:
— Vou estar ocupada na véspera, mas estarei lá no dia de Natal.
— Oh, que pena!
Sem dar tempo a qualquer comentário, Bárbara acrescentou:
— Vou levar alguém comigo.
— Eu sabia! Nos últimos tempos você tem andado mesmo com um ar de "gato-que-comeu-o-canário". Devo dizer, querida, que fico feliz em saber que Spencer não faz questão de passar o Natal com a família dele. Alguns homens poderiam não gostar disso.
— Mamãe! Como é que você sabe sobre Spencer?
— Conheço-a muito bem, querida, e sei que tem bom gosto. Além disso, pelo que pude depreender naquele primeiro encontro, Spencer Tait é o que há de melhor na cidade em matéria de homem disponível.
Bárbara riu.
— Você é terrível, mamãe!
— Claro que sou. Você não herdou toda essa inteligência só de seu pai. Agora, diga-me, a que horas vocês pretendem chegar?
— Vamos sair cedo e chegaremos à tardezinha. Passamos o dia com vocês e voltamos à noite, porque temos muito trabalho pela frente.
— Entendo. Vão começar a filmar A última chance, não é?
— É. Daqui a mais ou menos uma semana.
— Muito bem, querida. Agora tenho que desligar. Como sempre, estou atrasada. Seu avô mandou o avião particular para me apanhar e o piloto já deve estar me esperando no aeroporto de Palm Springs. Vejo você e Spencer no Natal, então.
— Até lá, mamãe.
Bárbara sentou-se à mesa, pensando na mãe por um momento. Ela era realmente,divertida e encantadora.
Chamou Marci e avisou que ia sair mais cedo, para fazer algumas compras. Se pensasse um pouco nas tarefas que tinha pela frente, não conseguiria se dar ao luxo de sair mais cedo. Por outro lado, se não cuidasse das compras de Natal agora, não teria tempo de fazê-las depois.
Meia hora mais tarde, estava a caminho de Rodeo Drive. Não havia neve no asfalto e um sol mortiço brilhava no céu. As lojas estavam decoradas com motivos natalinos e algumas casas também, dando às ruas uma atmosfera de festa.
Bárbara já tinha comprado os presentes para sua família. Agora só faltava o de Spencer. Queria que fosse algo especial, bem pessoal. Não era simplesmente uma questão de gastar muito dinheiro com um presente que o impressionasse. Seria o primeiro que daria a ele e por isso queria que fosse algo de que se lembrasse com carinho para sempre.
O problema não era que Spencer já tivesse tudo, mas que só queria muito pouco. Tinha um estilo de vida muito simples, quase espartano. Vestia-se bem, mas sem exagero, preferindo as roupas esportes, confortáveis.
Tudo o que Bárbara sabia era que ele queria total liberdade artística. Isso, porém, mesmo sendo presidente de um estúdio, ela não podia lhe dar.
Suspirou fundo, frustrada, ao sair com as mãos vazias de outra loja de artigos masculinos. Eram cinco horas e o movimento de gente fazendo compras aumentava bastante.
Diante da vitrine de uma joalheria, considerou a idéia de comprar um relógio de ouro e platina, cuja etiqueta mostrava o preço de doze mil dólares. "Não é o estilo de Spencer", pensou, afastando-se. Mais adiante, rejeitou também um suéter de cashmere, uma garrafa de conhaque Reserve du Fondateur, uma valise de couro e uma estatueta de bronze de Vanderveen.
"O que é que se pode dar para alguém que gasta uma parte considerável de seu dinheiro nos próprios filmes que faz?", perguntava-se, pela milésima vez. O que dar para um homem que compra caviar e pêssegos ao brandy para ó café da manhã? E que adora vestir jeans, de preferência bem velho e desbotado?
Quando já ia desistir, derrotada, ela encontrou o presente ideal.
"O que se pode dar para um homem assim?", repetiu, agora sorrindo para si mesma. E respondeu em pensamento: "Um trem!"
Na vitrine de uma loja de brinquedos, a miniatura do Branch Line Freight Train incluía a máquina, carro de cargas e mais três vagões. Corria num trilho circular. Bárbara ficou ali, parada, observando alegremente o trenzinho dar voltas e mais voltas. O brinquedo também despertava a criança que havia dentro dela, assim como o faria, tinha certeza, com Spencer. Entrou na loja e pediu a um jovem vendedor que lhe mostrasse o brinquedo.
— É para seu filhinho? Bárbara sentiu-se embaraçada.
— Bem... não exatamente.
O rapaz sorriu.
— Ah, para um menino bem mais velho...
Ela concordou com um movimento de cabeça e um sorriso.
— Rapaz de sorte — disse o vendedor. — Minha esposa sempre me dá gravatas.
Mostrou-lhe então o trem, que era acompanhado de vários acessórios; um túnel, uma ponte, uma estação e um intricado sistema de comandos.
— Vocês podem entregar em minha casa e montá-lo? Eu levaria meses para conseguir fazer isso!
— Claro! Fique tranqüila.
Ao sair da loja, Bárbara sentia-se um pouco tola. Mas resignou-se ao considerar que época de Natal permite mesmo certa excentricidade. Só esperava que aquela tivesse a aprovação de Spencer.
Às cinco da tarde, naquela véspera de Natal, Bárbara olhava pela janela a todo instante, impaciente. O trenzinho estava todo montado em volta da árvore de Natal, na sala de sua casa. Spencer deveria chegar a qualquer momento.
Ela havia colocado um elegante conjunto de cetim branco, que lhe realçava a cor morena da pele. Seus cabelos estavam soltos, emoldurando o rosto e caindo em ondas suaves até os ombros.
Na mesa arrumada com esmero, havia uma garrafa de vinho e um prato com canapês. Na cozinha, uma torta de siri e uma salada. Para sobremesa, Bárbara tinha preparado uma deliciosa musse de chocolate.
Cuidara para que tudo fosse perfeito em seu primeiro Natal com Spencer. E esperava que fosse mesmo apenas o primeiro entre muitos outros que passariam juntos.
Ouviu passos seguros lá fora e não esperou pelo toque da campainha. Abriu a porta, sorrindo carinhosamente.
— Feliz Natal — desejou ele, a voz rouca, os olhos enternecidos.
— Feliz Natal. Antes que você entre na sala, tenho que lhe explicar uma coisa. Vou lhe entregar seu presente esta noite mesmo.
— Ah, é? Quer dizer que não vou ter que esperar até amanhã cedo pela chegada de Papai Noel?
— É uma coisa que não posso embrulhar. Não dá para manter segredo até amanhã.
— Isso eu tenho que ver.
Bárbara conduziu-o até a sala. Sentia-se insegura e ligeiramente envergonhada, temendo pela reação dele ao ver o presente. Será que o acharia bobo? Ou entenderia todo o amor e carinho que houvera na escolha daquele trenzinho?
Ela fizera questão de ter em sua sala uma árvore bem grande naquele Natal especialmente feliz, decorando-a com bolas brancas e azuis. No topo havia um anjinho, com ar de bem-aventurado, o trem estava bem junto à sólida base da árvore.
Por um momento Spencer simplesmente ficou parado, olhando. Havia uma enorme surpresa em seus olhos verdes. Então, começou a andar pela sala, em volta do trem, agachando-se para vê-lo em detalhes.
"Não gostou do presente. Acho que o detestou", pensava Bárbara, mortificada.
Então, Spencer tocou um dos botões do painel, fazendo soar um apito. Quando levantou a cabeça, Bárbara viu que seus olhos tinham um brilho radiante.
— Quer me ajudar? — perguntou ele, feliz, O rosto dela abriu-se num grande sorriso.
— Claro que sim!
Ajoelhando-se, Bárbara começou a explicar o funcionamento do trem.
— Ei, espere aí, mocinha! Você pode saber como dirigir um estúdio, mas, quando se trata de trens, deixe comigo. Só vai poder brincar e apertar os botões quando eu disser. Se fizer direito, deixo-a levantar a ponte.
— Sim, senhor — ela respondeu, acentuando com bom humor a obediência que estava disposta a lhe render.
Durante a meia hora que se seguiu, tomaram vinho e comeram canapês, enquanto se divertiam com,o trenzinho, como duas crianças.
Bárbara certificou-se de que seu presente fora mais que um sucesso. Tinha-o tocado profundamente, num ponto de sua alma a que ele não tinha permitido que ninguém tivesse acesso.
Spencer olhou-a com gratidão.
— Você trouxe de volta todo o encantamento do Natal, querida. Obrigado.
Ela sorriu e o amor que sentia refletiu-se em seus olhos azuis.
— E agora, que tal comermos? O jantar está pronto. Só preciso arrumar a mesa.
Cinco minutos depois, a torta, a salada, o pavão francês ,uma garrafa de Montrachet estavam no centro da mesa de carvalho. Quanto a Spencer, continuava brincando com o trem.
— Venha aqui só um minuto, querida.
Bárbara aproximou-se e viu que a maquininha estava atrás da árvore. Spencer começou a explicar:
— Como seu aniversário é amanha, você terá que esperar até lá para receber seu presente. Mas o de Natal vou dar-lhe agora, uma vez que você já deu o meu. É mais do que justo, não acha?
Então, pressionando um botão, Spencer fez o trenzinho mover-se. Quando a composição saiu de trás da árvore, Bárbara viu um pacotinho embrulhado em papel prateado sobre o vagão de carga. Pressionando outro botão, Spencer fez o vagão parar bem diante dela.
Ajoelhando-se, Bárbara pegou o embrulho e abriu-o com cuidado. Era um vidro do perfume mais caro do mundo, numa garrafinha de cristal bacará.
Aquilo era muito significativo. Ela sabia que, quando o colocasse no corpo, estaria fazendo o que Spencer mais desejava.
Era um tributo a toda a intimidade que tinham compartilhado.
— Obrigada, querido — respondeu ela, a voz rouca de desejo.
— Você merece. Foi uma boa menina neste ano respondeu ele, em tom brincalhão. — Agora, é melhor comermos, porque, se você continuar a me olhar assim, vou me esquecer completamente do jantar.
Bárbara sorriu.
— Ah, não. Não vai, não. Imagine se vou permitir isso, depois de ter passado metade do dia na cozinha!
Sorrindo, Spencer ajudou-a a levantar-se e então foram saborear o jantar que ela preparara com tanto carinho. Mas, apesar de terem apreciado a comida, nenhum dos dois conseguia concentrar-se inteiramente nela. Por isso, terminada a refeição, saíram da mesa e foram para o quarto.
Acordaram cedo na manhã seguinte. Virando-se para Spencer, Bárbara sorriu carinhosamente.
— Bom dia, amor.
— Bom dia, querida — respondeu ele, debruçando-se sobre ela e depositando-lhe um beijo na ponta do nariz.
— Vou preparar o café.
— Não, deixe que eu faço isso enquanto você se arruma. Sei que está ansiosa por sair logo.
— Tem certeza de que quer mesmo ir à casa de meus avós?
— Já disse que sim. Aliás, estou achando ótimo. Vou gostar de encontrar sua mãe outra vez. Agora, vá.
Ela sorriu, feliz, pôs um robe de seda e foi até o banheiro. Spencer se dirigiu para a cozinha.
Bárbara encheu de água quente a banheira de mármore, gozando por antecipação o prazer do banho.
O banheiro tinha sido remodelado, na mesma época da reforma do quarto. Era como um jardim, cheio de plantas e mobília rústica. No teto havia uma abertura coberta com Vidro fosco, que permitia à luz do dia entrar em cheio no aposento. No chão de lajotas havia tapetes grossos. A banheira ficava numa plataforma, com dois degraus. Algumas cestas continham as toalhas, sabonetes e loções. A luz era indireta e havia um aparelho de som que Bárbara ligava freqüentemente para relaxar. Mas, naquela manhã, ela não tinha tempo para isso. Ti eram quase sete e meia e queria sair às oito. Depois de um banho rápido, enrolou-se num roupão amarelo e sentou-se à penteadeira, para aplicar uma leve maquilagem. Escovou várias vezes os cabelos sedosos, deixando-os soltos. Tinha acabado de se vestir quando Spencer entrou no quarto com o café da manhã numa bandeja. Trouxera suco, café, croissonts quentinhos e frutas. Depositou tudo numa mesinha redonda perto da janela que dava para os jardins.
Comeram depressa, pois já estava ficando tarde e, então, dirigiram-se para San Joaquín Vally, rumo ao primeiro Natal que passariam juntos.
Spencer estava mais elegante do que nunca, com um blazer de íweed que lhe valorizava os ombros largos e um suéter marrom. Bárbara percebeu que ele queria causar boa impressão a sua família e sentiu-se feliz por isso.
Viajaram por quatro horas pelas montanhas Tehacapi e pelo San Joaquín Vally, que embora sempre coberto por uma neblina forte nessa época do ano, naquele dia estava claro, sob o céu azul. O vale se estreitava para o norte, dando uma visão colorida dá vegetação. Do lado direito, surgia Sierra Nevada, esplêndida com seus picos cobertos de neve.
— Nunca estive lá em cima antes — comentou Spencer — Deve ser lindo.
— No inverno é maravilhoso. No verão, é seco. Mas acho Sierra Nevada linda sempre. Quando era criança, passava muito tempo aqui, na fazenda de meus avós. Era um mundo bem diferente de Beverly Hills e de Hollywood.
— Um mundo mais puro, mais verdadeiro...
— Isso mesmo. Sabe, algum dia quero ter uma fazenda assim. Não tão grande corno a de meus avós, claro. Eles têm dois mil acres de terra. Só quero um lugarzinho para me refugiar quando ficar muito cansada do trabalho.
Spencer dirigiu-lhe um olhar de entendimento.
— Foi por isso que me mudei para Malibu. Achei que conseguiria sair da loucura de Hollywood. Só que Malibu não é suficientemente longe.
— Oh, vire aqui — apontou Bárbara de repente, a poucos metros da próxima saída.
Logo estavam passando pela cidadezinha de Lemon Cove e chegando ao sopé de Sierra Nevada.
Viajaram por muitos quilômetros numa estradinha de terra e, finalmente, começaram a vislumbrar a fazenda dos avós de Bárbara. A casa ficava em cima de uma montanha que dava para o vale. Era branca, simples como convém ao campo, cercada de jardins e rodeada, mais ao longe, por laranjais.
Quando entraram pelo passeio circular em frente à casa, a porta principal abriu-se e Sheila apareceu.
Bárbara saiu do carro, correu para ela e as duas se abraçaram. Ao ver Spencer Sheila dirigiu-lhe seu sorriso fascinante.
— Bem-vindo, Spencer! Espero que possa chamá-lo assim.
— Claro que pode, Sra. O'Neill. É um prazer vê-la de novo.
— Por favor, pode me chamar de Sheila. Vamos entrar e conhecer minha família.
Bárbara tinha explicado a Spencer que a única vez no ano em que a família se reunia era no Natal. Estavam todos lá: o irmão mais velho de Sheila e as duas irmãs mais novas, com as respectivas famílias. A casa, tão grande, parecia pequena para os risos alegres das crianças e as conversas animadas dos adultos.
Sheila fez as apresentações e deixou Spencer com seus pais, enquanto checava, com Bárbara, os presentes que haviam trazido.
Os donos da casa, Frank e Maryanne Lindsay, tinham setenta e poucos anos. Frank ainda conservava a postura altiva, enquanto o rosto bem-feito de Maryanne mostrava de onde vinha a beleza de Sheila e de Bárbara.
— Quer dizer que você é do Texas também, hein? — começou Frank cordialmente.
A partir daí, a conversa fluiu leve. Falaram sobre as diferenças entre Galveston, a cidade natal de Spencer, e Dallas, a de Frank.
Enquanto ajudava seus priminhos a abrirem os presentes, Bárbara olhou, preocupada, na direção de Spencer, que conversava com seus avós. Ficou aliviada ao notar que parecia à vontade.
Mesmo de longe, podia ver que ele e seu avô conversavam como velhos amigos, sobre petróleo, terras e fazendas. Era evidente que Spencer estava feliz em falar sobre coisas que não incluíssem cinema e trabalho.
Mais tarde, quando as mulheres se ocupavam na cozinha, preparando a ceia, e os homens na sala arrumavam a mesa e enfeitavam o ambiente, Spencer e Bárbara saíram para dar uma volta.
— Gostei de sua família sabe?
— Que bom! É inacreditável como são todos diferentes. Tia Katherine, por exemplo, é dona-de-casa e adora isso. Minha mãe era uma estrela de cinema. Tio Ronald trabalha com vovô e um dia tomará conta da fazenda. Um dos primos é médico, a outra é modelo e outra vende biscoitos feitos em casa em Santa Cruz.
Spencer sorriu.
— De qualquer modo, é uma típica família americana. — Então, ficando mais sério, acrescentou: — Você tem sorte.
— Sei disso.
Andaram pelo extenso gramado em frente da casa e foram até o curral. Bárbara debruçou-se sobre a cerca, olhando para uma égua prenhe.
A expressão de Spencer ficou triste, e havia algo de distante em seu olhar.
— Sinto muito — disse Bárbara, com infinita ternura na voz.
— Sente muito o quê?
— Tudo o que você perdeu...
Spencer hesitou. Então sua expressão se suavizou e ele a tomou nos braços.
— Eu a amo muito. Quanto mais a conheço, mais a amo. Bárbara aconchegou-se junto ao corpo quente, colocando os braços em volta da cintura firme. Adorava sentir nele aquele misto de firmeza e suavidade. Estava feliz.
— Precisamos conversar Bárbara — disse Spencer, e havia em sua voz algo diferente, que ela nunca notara antes.
Ela se afastou tensa.
— Olhe para mim, querida.
Relutante, ela atendeu. O que viu naqueles olhos verdes a fez sentir-se perdida de amor.
— Ambos sabemos que isso não é simplesmente um caso. Sabíamos desde o início, mas não queríamos encarar o fato. A única questão é: o que iremos fazer a respeito?
Bárbara sabia aonde ele queria chegar: casamento. Mas não era uma simples questão de participar de uma cerimônia e mudar de sobrenome. Não poderiam mais trabalhar juntos na United. Mesmo que Harrison permitisse, a dura realidade era que Spencer não gostava de estar sob a supervisão dela. Essa não era uma situação que pudesse continuar indefinidamente, sem afetar aquilo que sentiam um pelo outro.
Se Spencer saísse da United, Harrison ficaria furioso. Se Bárbara saísse, desistindo de tudo o que lutara para construir tão duramente, se ressentiria. Spencer significava muito mais do que seu trabalho, ela não tinha dúvidas a respeito. Contudo, sua carreira também era importante. E, se tivesse que desistir de tudo por causa dele, talvez viesse a cobrar isso de Spencer pelo resto da vida.
"Droga!" pensou. "Nunca poderemos nem conversar sobre casamento como as pessoas normais fazem! Tem que ser uma coisa complicada, onde só um ganha e o outro perde!"
Antes que Spencer pudesse dizer qualquer coisa, ela decidiu:
— Não vamos conversar sobre isso agora. Vamos esperar até que... até terminarmos A última chance.
A expressão de Spencer era determinada e teimosa. Bárbara teve medo de que ele insistisse numa decisão rápida, mas, surpresa, o ouviu dizer:
— Muito bem. Entendo os problemas e não posso dizer que tenha soluções para eles no momento. Esperemos, então. Mas não por muito tempo.
Bárbara entendeu que era uma concessão que ele estava fazendo e a apreciou imensamente. Ao caminharem de volta para casa, disse a si mesma que nada mais importava no momento. O futuro, de alguma maneira, haveria de se resolver.
Depois de um maravilhoso jantar, naquela noite, fizeram um bolo de aniversário para Bárbara. Ela abriu os presentes que ganhara, soltando exclamações de alegria a cada pacote. Da mãe ganhou um casaco. Livros, dos tios. Para sua surpresa e decepção, nenhum dos pacotes continha o presente que esperava de Spencer. O que será que ele lhe daria? E quando? Por fim, às nove horas, todos começaram a se despedir. Ela e Spencer também se prepararam para ir embora.
— Telefonarei para você na semana que vem — Sheila disse, ao se despedirem.
— Certo. E vá ao estúdio de novo almoçar comigo.
— Eu irei, querida. Faça uma boa viagem. — E, virando-se para Spencér, acrescentou: — Fiquei muito feliz por você ter vindo.
— Obrigado. E obrigado também por me fazer sentir tão bem.
Tinham acabado de sair da estradinha de terra e voltaram para a larga rodovia asfaltada quando Spencer disse, mansamente;
— Seu presente está no porta-luvas.
Bárbara sorriu.
— Eu estava mesmo me perguntando quando é que você acabaria com esse mistério...
Animada, abriu o porta-luvas. Dentro havia uma caixinha comprida e fina, embrulhada em papel dourado e com uma fita de veludo azul. Bárbara abriu o pacote, ansiosa. E viu brilhar uma linda corrente de ouro, com uma belíssima safira pendurada.
— Notei que você prefere jóias simples —ele explicou, mantendo os olhos na estrada. — Escolhi essa pedra porque é quase da cor de seus olhos.
Bárbara sentiu-se maravilhada. Seu coração encheu-se de amor.
— Você é capaz de transformar em felicidade o fato de alguém completar trinta e cinco anos, meu amor...
— Gostaria de vê-la usando isto quando voltarmos. Isso... e nada mais.
Spencer colocou os braços em volta do corpo bem-feito e puxou-a para mais perto. E assim ficaram o resto da viagem, até Los Angeles.
Na segunda-feira, Bárbara começou a trabalhar bem cedo. Retemperada pelas alegrias do ótimo Natal que tivera, concentrou-se ainda com maior afinco nas tarefas relativas ao filme A última chance. Rebecca, que cuidava da elaboração de alguns contratos, entrou no escritório. Logo atrás vinha Sally.
— Você tem que dar, um jeito nela, Bárbara — disse Sally, bem-humorada. — Está sendo pão dura com todas as pessoas que quero contratar para o filme!
— A indústria está passando por uma dura recessão — lembrou Rebecca. — Todo mundo está procurando emprego. Não precisamos pagar cachês astronômicos.
Bárbara sorriu, divertida. Depois falou, séria:
— Quero uma posição de como estão indo os custos.
Rebecca exibiu-lhe um relatório, que Bárbara analisou atentamente por alguns minutos.
— Harrison vai amar você — disse por fim, satisfeita com a modéstia dos números que acabara de ver. — Concordo com tudo e acho sua preocupação inteiramente correta. Temos que manter os custos bem controlados. Mas também não quero correr o risco de perder pessoas-chaves por causa de alguns dólares. Mudando de assunto, como vocês foram de Natal?
— Eu, ótima. Fui esquiar em Aspen — informou Rebecca.
— Eu trabalhei — Sally respondeu, com fingida irritação. — É o preço do sucesso, suponho.
Rebecca olhou para Bárbara.
— Nem precisamos perguntar como foi seu Natal. Você parece muito feliz. Como é? Vai nos falar a respeito de Spencer?
O sorriso de Bárbara desfez-se imediatamente, dando lugar a uma expressão preocupada.
— Como vocês souberam? Alguém mais está sabendo?
Sally tratou de acalmar a amiga.
— Só nós duas. — Dirigiu um olhar zangado a Rebecca. — Eu disse a esta xereta que não era para nos metermos, mas ela não me ouve!
— Como foi que vocês descobriram?
Sally olhou para Rebecca, como se lhe desse a palavra.
— Eu estava a caminho do aeroporto, na manhã de Natal, quando vi vocês dois no carro de Spencer. Não foi difícil deduzir o que estava acontecendo.
Sally interveio:
— Não estamos querendo fazer fofoca. Afinal, a vida é sua.
— Mas imagino que você ache essa atitude uma loucura, não? — Bárbara dirigiu-se a Rebecca.
— Bem, na verdade, é uma complicação da qual você não necessita, correto?
— Eu sei. Já disse isso a mim mesma desde o minuto em que pus os olhos naquele homem. Mas, como pode ver, não fui capaz de ouvir minha própria consciência.
— Bárbara, é óbvio que você está apaixonada — Sally ponderou. — Saiba que estou do seu lado.
— Obrigada, Sally — disse Bárbara, mas continuou a olhar para Rebecca.
— E então? O que vai acontecer agora? — perguntou a advogada. — Você sabe que nós manteremos a boca fechada. Mas os outros não. A notícia vai acabar se espalhando. É só uma questão de tempo.
— Sei disso.
— Não estou fazendo fofoca, fique tranqüila. — Rebecca falava com uma delicadeza que Bárbara nunca vira nela antes. — Só estou preocupada. Não vejo como você possa sair dessa. Não pode ficar com Spencer e continuar na United.
— Oh, Rebecca, pare de falar como se ela tivesse cometido um pecado mortal! — Sally interveio, zangada. — Todo mundo tem o direito de se apaixonar!
— Sei onde Rebecca quer chegar — interrompeu Bárbara. Apreciava a defesa que Sally estava fazendo, mas sabia que a advogada tinha razão. — Estou numa situação de conflito de interesses.
Rebecca concordou com um gesto de cabeça e perguntou:
— Você não está pensando em transformar-se numa dona-de-casa, está? Vai pendurar as chuteiras e criar um monte de filhos?
— E se ela quiser? — protestou Sally, cada vez mais inflamada. — A vida é dela! Cada um tem que assumir aquilo que quer!
— Ei, parem com isso! Sinto-me como uma bola de pingue-pongue, jogada de um lado para outro! Vocês estão discutindo sobre a minha vida, e eu mesma não sei o que fazer!
— Spencer podia ir trabalhar em outro lugar — sugeriu Sally.
— Não! Que tipo de presidente eu seria se deixasse escapar o produtor mais importante do meu estúdio?
— Muito bem, mocinha. Pelo que posso ver, você está mesmo num dilema! — disse Rebecca. Depois, percebendo que fora agressiva demais, baixou o tom: — Desculpe-me se estou bancando a advogada do diabo. Apesar do que Sally diz, não sou contra o amor. Só que não consigo ver uma saída. Você está sobre a linha do trem, indefesa, e ele pode passar a qualquer momento. Mas, se houver alguma coisa que eu possa fazer, pode contar comigo.
— Sei disso, Becky. Obrigada.
Fez-se um longo silêncio. Então Rebecca acrescentou, com voz baixa:
— Invejo-a, você sabe.
— Mesmo? — Bárbara ficou surpresa. Durante todos os anos em que conhecera Rebecca, a amiga nunca tinha dado sinais de que o amor pudesse ser algo importante em sua vida. Seu estilo eram os casos de curta duração. — Por que diz isso?
— Porque você ama esse homem o suficiente para arriscar-se a perder tudo o que conseguiu construir a duras penas. Nunca senti nada parecido por ninguém. Nem posso imaginar como é esse tipo de sentimento. E isso me faz sentir como se estivesse perdendo parte de minha vida.
Antes que Bárbara pudesse dizer qualquer coisa, Rebecca tratou de desfazer aquele clima de inesperada intimidade, recobrando o tom profissional.
— Tenho que ir, chefe. Há muita coisa para fazer. Lembre-se... se houver algo em que eu possa ajudar, é só dizer.
— Direi, obrigada.
Sally permaneceu na sala.
— Não ligue para ela, Bárbara. Estou do seu lado.
— Rebecca também. Ela só está sendo mais realista.
— Acho que ela está é exagerando. — Os olhos cor de mel de Sally não se fixavam num ponto definido e suas mãos brincavam nervosamente com os botões do blazer de lã.
Notando a inquietação da amiga, Bárbara teve consciência de que, ao defendê-la tão ardorosamente, ela estava pensando mais em si própria. Também tinha um caso amoroso com um colega de trabalho. Sua reação às observações de Rebecca revelava uma preocupação que ia além da simples solidariedade oferecida à amiga.
— Sally, lembra-se da noite em que você e Andy Dreyfus fizeram amor pela primeira vez?
Sally sorriu e fechou os olhos ao recordar:
— Entrei no dormitório flutuando e, flutuando, caí na cama. Lembro-me direitinho do rosto dele quando disse: "Vá até o médico amanhã e comece a tomar pílula".
— Você era uma garota totalmente despreparada.
— Eu sei. Jamais poderia ter imaginado o que iria acontecer.
— Claro que não. Você era uma romântica. Como eu era, também. Mas não somos mais garotinhas, somos? Já crescemos o suficiente para nos curarmos de uma simples desilusão amorosa. Acho que nós duas devemos pensar um pouco nas palavras de Rebecca.
Sally dirigiu-lhe um olhar meio zangado. Então, suspirou e deu de ombros, como se estivesse cansada de travar uma batalha desnecessária. Depois, uma expressão melancólica surgiu em seu rosto e por um momento Bárbara percebeu como a amiga ainda era infantil e vulnerável.
— Você se lembra, Bárbara, de quando me dizia que Deus devia estar carregando um guarda-chuva sobre minha cabeça, para me proteger das coisas ruins, porque eu era angelical e inocente?
— Claro! Você sempre foi brilhante, mas nunca teve um pingo de juízo. E, mesmo assim, conseguiu escapar de grandes catástrofes.
Sally pousou os olhos na paisagem que se descortinava da janela.
— Nós conseguimos, não conseguimos? Acho que as outras mulheres nos invejam. Principalmente devem invejá-la. Mas sabe de uma coisa? O sucesso profissional não é o que eu imaginava.
— Sei disso.
— Bem, acho melhor eu ir agora — disse Sally, como se percebesse que tinha falado demais. — Vamos começar as filmagens logo.
— Mantenha-me informada.
— Claro.
Depois que Sally saiu, Bárbara ficou em silêncio por alguns momentos. Pensava nas palavras de Rebecca: "Você está na linha do trem, sem saída".
"Também eu não estou vendo nenhuma saída", pensou. "Mas tem que haver uma, de um jeito ou de outro. Tem que haver!"
As filmagens de A última chance começaram em 2 de janeiro, em Banff, província de Alberta, nas montanhas canadenses. Karl Kreiss filmaria ali só as tomadas externas. Em dois meses, a equipe voltaria para Hollywood e faria as cenas finais no estúdio.
Bárbara procurou, com ansiedade, saber como andava o tempo por lá. Por sorte estava bom, com algumas nevascas à noite.
No terceiro dia de filmagem, Bárbara e Spencer foram até a sala de projeção para ver as três primeiras provas. Ela estava excitada como uma criança na manhã de Natal, na hora de abrir os presentes.
De acordo com o cronograma, a primeira cena era a de mãe e filha sozinhas na cabana, esperando os homens, que haviam saído para caçar. Spencer acomodou-se num dos sofás perto da sala onde ficava o rapaz que cuidava do projetor.
— Estamos prontos. Pode começar.
As luzes se apagaram e o primeiro rolo começou a rodar. Bárbara sentiu a autoconfiança abalar-se seriamente logo depois de ver umas poucas cenas. Havia algo profundamente errado com o filme. O que ela via na tela era uma narrativa frouxa, sem nenhuma vitalidade. E o desempenho daquele elenco tão caro e tão bom mais parecia o de um grupo de alunos recém-saídos de uma escola de arte dramática.
Quando o último rolo acabou e as luzes se acenderam, Spencer levantou-se, zangado.
— É tudo? — perguntou pelo interfone.
— Ê tudo o que recebemos hoje.
Ele voltou-se para Bárbara, os olhos soltando faíscas.
— Corrija-me se eu estiver errado, mas me parece que, depois deste primeiro dia de filmagem, já estamos com meio-dia de atraso!
— É só o primeiro dia, Spencer — Bárbara tentou acalmá-lo. — Você sabe tanto quanto eu que o primeiro dia costuma ser ruim. Tenho certeza de que Sally vai dar um jeito nisso.
— É bom mesmo! Não gostei de nada. A iluminação está péssima, a escolha dos ângulos, o desempenho dos atores, tudo está uma catástrofe. Acho que vamos ter que refazer essas cenas.
O tom arbitrário irritou-a, mas no fundo ela sabia que Spencer tinha razão.
Alguma coisa estava errada com as filmagens, e muito errada.
"Cada dia de filmagem custa oitenta mil dólares", refletiu Bárbara. "Não posso deixar um problema desses se arrastar por muito tempo. Os prejuízos serão muito grandes. Vou telefonar hoje mesmo para Sally."
Nesse momento ouviu a voz de Spencer soar, mais mansa:
— Veremos mais material amanhã, querida. Quem sabe se então teremos uma boa surpresa.
Contudo, Bárbara percebeu que ele não tinha convicção daquilo que acabava de dizer. E ela própria não estava muito segura, depois de ver aquelas primeiras provas.
Bárbara trabalhou até tarde aquela noite, esperando ansiosamente pelo telefonema de Sally. Naquela tarde, da sala de projeção, telefonara para o alojamento da equipe em Alberta, deixando recado para a amiga ligar o mais rápido possível. Por fim, às dez da noite, o telefone tocou.
— Bárbara, desculpe-me por não ter podido ligar mais cedo — começou Sally. — É que estava uma loucura por aqui! Um dos doubles caiu e quebrou a perna, e houve a maior confusão.
— Como está ele?
— Logo vai ficar bom. Está no hospital, em Bangy. Já arrumamos um substituto, que deve chegar amanhã de manhã.
— Como foi o acidente?
Sally hesitou. Depois respondeu, relutante:
— Ele caiu. Sabe como é, na cena da avalanche. Ninguém teve culpa.
Mas Bárbara sabia que isso normalmente não acontecia com doubles bem dirigidos. Quando alguém se machucava, em geral era por falha do diretor, ou de alguém que fora exigente demais quanto ao efeito da cena, tornando-a perigosa.
— Sally, não quero mais ninguém machucado aí. E diga a Karl para me telefonar amanhã à noite. Quero ter certeza de que ele entenda bem este ponto.
— Claro que ele entende. Não acho que haja necessidade de você lhe falar sobre isso. Insisto em que não foi culpa de ninguém.
Bárbara começou a ficar cada vez mais irritada.
— Sally, acho que você não entendeu direito. Eu disse que quero falar com Karl. Se não puder me telefonar no escritório, ele que ligue para minha casa.
Fez-se um silêncio pesado. Por fim, Sally concordou:
— Tudo bem. Direi a ele. — Mas era evidente que não estava gostando do comportamento da amiga.
—Vi as primeiras provas, Sally. Temos que conversar sobre algumas coisas. Para ser franca, fiquei muito desapontada com o que vi.
Bárbara achara melhor ir direto ao assunto, sem rodeios, mas depois quase sentiu pena da amiga. Sabia que Sally devia estar sob pressão, mas também tinha consciência de que ambas precisavam manter essa relação profissional objetiva, para que o trabalho não fosse prejudicado.
— O que você viu pode ter parecido pobre — Sally admitiu —, mas espere só até ver o conjunto das cenas, o contexto todo do filme. — E, ansiosa, acentuou: — Espere só até ver as cenas que filmamos hoje! Estão simplesmente fantásticas!
— Espero que você tenha razão. Mas temos também o problema do atraso. Já estamos fora do cronograma.
— Nenhum problema — Sally assegurou, confiante.— O primeiro dia foi complicado, mas sentei-me com Karl à noite passada e já armamos um esquema para recuperar o tempo perdido.
— Ótimo. Então mande pelo malote de amanhã uma cópia do novo planejamento. Quero ver as modificações.
A voz de Sally agora demonstrava frieza e certo desapontamento.
— Claro. Mas pensei que você confiasse em mim. Teremos que improvisar tudo de agora em diante. Filmar externas não é como filmar no estúdio. Há imprevistos como o de hoje, que podem atrapalhar.
O tom de Sally aborreceu Bárbara.
— Sally, acho que tenho perfeito conhecimento das dificuldades de uma filmagem externa. Quero que mande o planejamento pelo malote de amanhã, junto com os novos rolos de filme.
Percebendo a firmeza e a determinação da amiga, Sally procurou mostrar-se conciliadora.
— Claro. Boa noite, E não se preocupe. A filmagem agora irá às mil maravilhas.
Bárbara ainda permaneceu no escritório por algum tempo, pensando na estranha conversa que acabara de ter. Começou a pressentir que algo estava profundamente errado cora A última chance, mas achava que Sally tinha o direito de tentar levar adiante seu trabalho sem maiores interferências.
Vestiu o casaco e preparou-se para sair. Desceu a escada até o estacionamento. Estava preocupada e um pouco confusa. Refletiu que, se Sally não fosse sua amiga, talvez já estivesse começando a pensar na possibilidade de substituí-la.
As cenas de A última chance que chegaram nos dias seguintes mostravam uma ligeira melhora, mas estavam longe de ser "fantásticas", conforme Sally prometera. Todos os dias, a rotina era a mesma: de manhã, ela e Spencer se encontravam na sala de projeção e, depois que viam as cenas, ele só tinha críticas a fazer.
Bárbara, cada vez com menos convicção, defendia a capacidade de Sally em controlar a produção. A situação piorava a olhos vistos. Spencer dava sinais de que esperava, com impaciência, que ela tomasse uma decisão.
O novo planejamento feito por Sally chegou pelo malote e Bárbara levou-o para examinar em casa, durante o fim de semana. Ficou furiosa ao descobrir que o projeto de Karl Kreiss para recuperar os dias perdidos significava aumentar a permanência de toda a equipe em Alberta e ainda deixar de filmar parte das cenas previstas no plano original. Aquilo era simplesmente inacreditável! Era inconcebível que Sally tivesse colocado aquele plano inconseqüente no papel sem antes falar com ela. Naquela mesma noite, telefonou para Terry Bernstein, o gerente de produção.
— Terry, por que você não me telefonou quando viu esse plano?
Terry mostrou-se perplexo.
— Telefonar? Mas Sally me disse que você já tinha aprovado tudo! Claro que aquilo não tinha sentido, mas, como você já deve estar sabendo, ontem estava uma loucura aqui...
Bárbara engoliu em seco, indignada.
— Como é que vão as coisas ai?
— Esta foi a pior semana da minha vida. E olhe que já tive fases ruins... Isto aqui está para lá de péssimo. Karl Kreiss parece não ter idéia do que quer. Está queimando filme atrás de filme, como se fosse papel velho. E é um verdadeiro especialista em passar a própria insegurança para as outras pessoas. Você não viu nada ainda, espere só até... — Bárbara tratou de interromper a conversa, pois era óbvio que, se permitisse, Terry ficaria contando as peripécias das filmagens por horas a fio.
— Entendi. Obrigada.
Discou imediatamente outro número, chamando a agência de viagens, e fez reservas para duas pessoas no primeiro vôo, de segunda-feira para Calgary. Em seguida, ligou para Spencer e fez um rápido resumo do que estava acontecendo.
— Temos que ir até lá e acertar as coisas.
— Concordo. Eu ia lhe telefonar de manhã para dizer a mesma coisa.
— Mandarei um carro para levá-lo até o aeroporto.
— Bárbara, sinto muito por tudo isso.
Assim que desligou, ela se sentiu tomada de uma forte desolação. Além de tudo, estava muito ressentida com Sally. Ela se dizia amiga, mas seu comportamento poderia colocá-la numa situação delicada como presidente do estúdio.
O vôo de três horas para Alberta, na manhã seguinte, transcorreu normalmente. Bárbara e Spencer evitaram falar sobre os problemas do filme, pois teriam tempo suficiente para isso depois que encontrassem Sally e Karl. Bárbara não avisara Sally de que estava indo. A situação tinha chegado a um ponto em que não havia espaço para gentilezas e sentimentalismos, apesar da amizade que tinham. Era hora de enfrentar a realidade de forma profissional, para salvar o que pudessem do filme.
Alugaram um carro em Calgary e Spencer foi dirigindo até Alberta. Se não estivesse tão aflita com os acontecimentos, Bárbara teria ficado encantada com a paisagem. Ainda assim, não deixou de apreciar as formas rochosas, cobertas de neve, e os vales enregelados, formados há tantos séculos. "Nosso planeta precisa de muito tempo para criar estas belezas", ela pensou tentando se animar um pouco.
Atravessaram uma ponte de pedra que cruzava o rio Bow e chegaram à cidadezinha de Banff. O Hotel Banff Springs, construído um século atrás, parecia um castelo medieval, no melhor estilo europeu. Spencer fez a curva no passeio que conduzia à recepção, em frente a um lago cujas águas estavam congeladas. "Que bom", refletiu Bárbara, encapotada em seu casaco de lã, "se esta fosse uma viagem de descanso, em que a gente pudesse desfrutar ao máximo a companhia um do outro, esquiando na neve, fazendo amor perto de uma lareira..."
Mas a situação era bem outra e o que tinham a fazer precisava ser feito logo. Registraram-se na recepção, em quartos diferentes, aprontaram-se rapidamente e foram para o local das filmagens. A chegada da dupla causou burburinho. Bernstein, o gerente de produção, sentado a uma escrivaninha, diante de um mapa de planejamento, levantou os olhos e deu um sorriso amarelo:
— Que surpresa.
Logo em seguida os três entraram num furgão apropriado pára andar na neve e foram para o local onde Karl e Sally filmavam, a alguns quilômetros de distância.
Quando o furgão estacionou, Bárbara logo viu Sally, que vestia um conjunto acolchoado caqui, botas térmicas e parecia bastante nervosa. Mesmo assim, houve sorrisos quando se cumprimentaram.
— Vocês dois devem ser loucos em trocar o sol de Beverly Hills por isto aqui!
Mas Spencer foi direto ao assunto:
— Temos problemas, Sally. E eles têm que ser resolvidos agora.
Alguns metros adiante, a equipe continuava seu trabalho, mas Bárbara percebia que, mesmo àquela distância, todos estavam atentos à conversa que a diretora de produção estava tendo com a presidente do estúdio e com o produtor.
Sally virou-se para Bárbara e, ansiosa, perguntou:
— Você vai parar as filmagens?
— Isso depende. Mas, qualquer que seja nossa decisão é bom que você saiba que algumas mudanças terão de ser feitas.
Sally protestou, exaltada:
— Muito bem, só que não acho isso justo! Karl está dando o sangue, colocando o coração nisto! Vocês é que não conseguem entender o que ele quer criar!
Bárbara mal podia acreditar naquela explosão infantil da amiga. Spencer não conseguiu conter a própria irritação.
— Não sei em que negócio você pensa que está, Sally, mas certamente não é produção de filmes! E digo mais: acho que é melhor se controlar!
Bárbara colocou-se entre ambos e pediu a Sally:
— Diga a Karl que iremos assistir a todas as provas hoje à noite e então nos encontramos em meu quarto, para uma reunião.
Trêmula, assustada, Sally olhou para Bárbara. Em seguida, girou nos calcanhares e, colocando as mãos nos bolsos do casaco, saiu andando pela neve. Atrás dela, Bárbara podia ver Karl no set de filmagem, dando ordens, gritando, em meio a uma enorme variedade de câmeras, tripés e outros instrumentos que compunham uma parafernália assustadora.
Bárbara suspirou.
— Karl tem equipamento suficiente para fazer o maior filme do século!
— Quer saber de uma coisa? — disse Spencer, aborrecido. — Você não tem um problema nas mãos. Tem um desastre.
Encarou-a com firmeza e Bárbara pensou por um momento no porquê de ele ter dito que ela tinha um problema. E não deixava de estar certo: era responsabilidade dela consertar as coisas. Se tivessem conserto, claro.
Então Spencer desviou o olhar e comandou:
— Vamos voltar para o hotel. Estamos atrapalhando o trabalho do pessoal.
No hotel, ocuparam uma sala de reunião para ver os rolos de filme daquele dia. Karl e Sally chegaram atrasados, agitados. Spencer aparentemente ignorou Karl, mas, ao vê-lo, disse a Bárbara, em voz baixa:
— Ele está bêbado.
Ela já percebera isso.
Os novos rolos de filme não eram nem um pouco melhores que os anteriores. Depois de vê-los, o grupo foi até a suíte de Bárbara para debater a situação. Ela dirigiu-se a Sally e Karl sem rodeios:
— Vocês já estão dois dias e meio fora do cronograma, além de terem estourado o orçamento. Sem falar no estado emocional da equipe, desgastada pelo excesso de horas extras. Mas o pior de tudo é que vocês mentiram. E, para ser franca, nem tenho certeza de que ainda se pode salvar alguma coisa deste filme. Vocês terão que me convencer.
— Bárbara, você tem idéia das condições que tínhamos aqui nestes últimos dias? — Sally começou a dizer em tom de quase desespero.
Spencer colocou-se junto à janela, examinando de longe a expressão de Bárbara, que interrompeu Sally com frieza para se dirigir a Karl.
— Gostaria de ouvir o que você tem a dizer.
— Não tenho nada a dizer. Muito menos o que me defender ou desculpar! — disse ele, zangado, com a voz alterada. — E não gostei de ser chamado aqui, para esta reunião, desse modo! Tenho muita coisa a fazer para as filmagens de amanhã.
— Se não tiver mais cuidado com o que diz e faz, não haverá filmagens amanhã — reagiu Bárbara prontamente. Percebera o olhar assustado e a tensão de Sally, mas não havia como amenizar a situação. — Pelo que sei, você está gastando demais com o filme e com as pessoas da equipe. Toda esta confusão tem que terminar agora ou serei forçada a dispensá-lo.
Os olhos azuis de Bárbara brilhavam, no auge de uma irritação que começara no instante em que vira os primeiros rolos de filme.
Karl olhou-a, lívido, os punhos cerrados de ódio. Por um momento pareceu capaz de saltar sobre ela. Spencer então se aproximou dele, como para mostrar que estava pronto para enfrentá-lo fisicamente, se necessário. Subitamente Karl pareceu perceber a gravidade da situação e se pôs a fazer uma longa e confusa exposição sobre os problemas do filme. Culpou a todos, menos a si mesmo.
Bárbara olhou de relance para Sally, que, percebendo como os argumentos de Karl não tinham o menor sentido, não ousou encarar a amiga.
Barbara deu-se conta de que era inútil continuar. Então interrompeu Karl.
— Muito bem, acho que não há mais nada para decidirmos esta noite. Não tolerarei mais suas desculpas.
Ele olhou-a, sem saber o que fazer. Então assentiu com a cabeça.
— Está bem. — Levantou-se e, pegando o script, dirigiu-se para a porta. — Vamos, Sally.
Mas Bárbara impediu-a de segui-lo:
— Espere um momento. Quero falar com você.
Sally olhava-a, perplexa. Por um momento, Bárbara sentiu-se mal com aquilo tudo. Afinal, precisava repreender uma amiga, uma pessoa por quem nutria grande afeto.
— Vá indo, Karl. Irei em seguida — Sally pediu.
Balançando a cabeça em sinal de desaprovação. Karl saiu, batendo a porta.
Sally virou-se para Bárbara.
— Você está cometendo um erro terrível! Hoje à noite Karl estava fora de si por causa de tudo o que vem acontecendo nas filmagens. A vinda de vocês dois, então piorou tudo...
— Sally — Spencer começou a dizer em tom firme, mas respeitoso —, é tarde demais para tentar protegê-lo. Você tem que pensar um pouco mais em si mesma. Tem à sua frente uma carreira promissora. Karl está afundando e pode levá-la junto.
Sally recuou, afastando-se de Spencer com os olhos brilhando.
— Não! — gritou desesperada. — Isso não acontecerá se vocês lhe derem mais uma chance! Mais um pouco de tempo!
— Sally, por favor! — Bárbara queria fazer a amiga entender que era inútil tentar defendê-lo. Já estava decidido. — Não há mais tempo. Sinto muito, mas a primeira coisa que farei, amanhã cedo, será dispensar Karl. E vamos interromper a produção até que possamos decidir como prosseguir.
Os olhos de Sally encheram-se de lágrimas e sua boca tremeu. Estava completamente descontrolada.
— Por favor, Bárbara! — murmurava baixinho. — Não faça isso! Você não entende. Eu o amo... isso vai estragar tudo!
Por um momento, Bárbara sentiu-se profundamente perturbada. Já passara por muita coisa desagradável em sua vida profissional. Já demitira funcionários incompetentes, assim como já conhecera, ao menos uma vez, a amargura de ser, ela própria, posta na rua injustamente. Mas o que estava acontecendo agora era uma cena horrível, que a magoava intensamente, mais que qualquer outra experiência anterior. Era como se quase sentisse ódio de si mesma pelo que estava fazendo. Procurou alguma coisa para dizer a Sally, mas não encontrou palavras.
Spencer assistia a tudo aquilo com ar preocupado. Então, gentilmente, tomou o braço de Sally e disse:
— Venha, acho que todos nós estamos precisando descansar. Acompanho você até a porta de seu quarto.
Sally seguiu Spencer como um autômato. Bárbara sentou-se numa poltrona, colocando os pés sobre uma cadeira e abraçando os joelhos. Sentia-se mortificada. Quando Spencer voltou, ela continuava lá, imóvel, olhando vagamente para um ponto qualquer da parede.
Spencer passou a mão em seu rosto, num afago que também procurava secar os leves sinais de algumas lágrimas.
— Sally sabe que deverá ir embora também — começou ele em tom cuidadoso. Então percebeu que Bárbara precisava ser confortada. — Fizemos o que tinha de ser feito. Karl arruinou o filme e Sally permitiu que isso acontecesse. Sei que ela é sua amiga, mas...
— Não é isso! — Bárbara interrompeu-o, fixando nele um olhar triste. — Entendo por que ela fez isso. É uma boa diretora de produção, mas... cometeu o erro de tentar conciliar amor e trabalho, Oh, meu Deus, quando penso no que estou fazendo a ela...
— Bárbara, foi Sally quem procurou isso, não percebe? Sei que não é fácil, para você, tomar uma decisão como essa, mas é preciso.
Bárbara tinha se fechado, como se tudo aquilo calasse profundamente em sua alma. Spencer prosseguiu:
— Agora vou cuidar dos outros detalhes. Veja se consegue dormir um pouco. Sei que tudo o que aconteceu foi penoso para você, mas amanhã teremos muito trabalho e precisamos descansar se quisermos fazê-lo.
Foi até o telefone e discou para o quarto de Terry Bernstein. Pediu-lhe que cancelasse todas as cenas do dia seguinte e convocasse a equipe para uma reunião de emergência em sua suíte. Bárbara admirou a eficiência e a desenvoltura com que ele acabara de suspender um projeto de milhões de dólares como se simplesmente ordenasse ao garçom que cancelasse um pedido de comida no restaurante do hotel. Talvez Spencer estivesse certo desde o primeiro dia, talvez aquilo tudo fosse demais para uma mulher. E perguntou-se se algum dia iria recobrar a confiança que já tivera em sua capacidade de tomar decisões.
Spencer pôs o fone no gancho e beijou-a de leve no rosto.
— Tente colocar sua cabeça em ordem. Isso tudo pode parecer o fim do mundo, mas não é. E acho que você saiu-se muito bem, com muito equilíbrio. Admiro-a mais do que antes.
Bárbara forçou um sorriso, mas ainda se sentia muito chocada com tudo aquilo. Levaria algum tempo até esse sentimento passar.
No dia seguinte, o tão esperado confronto com Karl Kreiss não aconteceu. Bárbara acordou com um telefonema de Terry Bernstein, que tinha passado a maior parte da noite acordado, juntamente com Spencer e os supervisores de produção. Terry parecia muito agitado.
— Spencer pediu-me para avisá-la de que Karl foi embora. Sally também foi. Espero que os advogados deles entrem em contato conosco.
Bárbara deu um longo suspiro. Esperava ter que demitir Karl Kreiss formalmente, mas antes queria ter tido algum tempo a sós com Sally, pois o último encontro havia sido muito penoso. Porém, como as coisas seguiram um rumo diferente, tudo o que tinha a fazer era tomar as providências de costume.
— Obrigada, Terry. Qual é a nossa situação agora?
— Bastante ruim. Spencer vai colocá-la a par de tudo. Iremos nos encontrar para uma reunião em sua suíte, às onze. Se você concordar, é claro.
— Ótimo. A gente se vê mais tarde, então.
Tudo muito ruim... Ela esperava que a manhã trouxesse problemas, mas não a esse ponto.
Pela janela, via a neve no pátio atrás do hotel. Lá longe, um casalzinho de namorados brincava, atirando bolas de neve. Por um momento Bárbara sentiu uma espécie de pânico. Temia ter perdido definitivamente a capacidade de sentir prazer nas coisas simples da vida, como a brincadeira dos dois namorados que aproveitavam o dia de maneira tão despreocupada. Não estaria sendo uma tola, abrindo mão dessas coisas simples em troca da ilusão de subir cada vez mais alto na vida profissional?
Por um momento, teve vontade de sair daquele lugar o mais rápido possível, mas logo o impulso passou. Sorriu tristemente.
Ainda que se afastasse do lugar, não conseguiria fugir do problema. Aonde quer que fosse, ele a acompanharia.
Levantou-se, decidida. A última chance ainda era um projeto viável. Um bom projeto, pelo qual valia a pena lutar.
Não seria fácil. E isso ficaria bem claro na reunião das onze horas. Spencer chegou com ar preocupado, juntamente com Terry Bernstein e seus assistentes. Logo que começaram a avaliar a situação, ficou evidente que ela era assustadora. A última chance estava em perigo.
Depois de duas horas de discussões, Bernstein inclinou-se para trás na cadeira, num gesto de desânimo e impotência.
— A conclusão é que caímos num buraco bem fundo — disse, com voz grave. — O filme está atrasado uma semana e já ultrapassa em mais de meio milhão de dólares o orçamento. Se recomeçarmos tudo agora, teremos que prolongar o período da filmagem por mais alguns dias, e isso significa perdermos nossa atriz principal. Além do pagamento dela, teremos que arcar com um novo cachê para a substituta... outros cinco milhões, pelo menos. E, isto, se pudermos achar outro diretor no prazo de uma semana. A realidade, Bárbara, é que temos um prejuízo de três milhões de dólares, no mínimo, até agora.
Ela agradeceu e Terry entendeu que era hora de se retirar. Ela e Spencer iriam decidir o destino de A última chance.
Quando todo o pessoal da produção tinha ido embora, Bárbara voltou-se para Spencer, entusiasmada:
— Este filme pode ser salvo! Sei que pode! — Seu espírito de luta retornara, como normalmente acontecia quando tudo parecia estar contra. Ainda se sentia muito triste por Sally, mas sua preocupação principal agora era salvar o filme. Spencer balançou a cabeça, impaciente.
— Você está sugerindo jogar dinheiro na lata do lixo. Quando o filme estiver pronto, se conseguirmos terminá-lo, terá custado tanto que será quase impossível recuperarmos pelo menos uma parte razoável do investimento.
— A menos que seja um grande sucesso, um sucesso estrondoso! — Bárbara continuava empolgada. — E eu acredito que esse filme vai estourar.
Spencer virou-se para encará-la, a fisionomia grave.
— Não estou preparado para apostar nisso. Minha empresa não pode arcar com um prejuízo desses. Desculpe-me, mas estou saindo do negócio.
Bárbara mal pôde conter o espanto.
— O que você disse?
— O filme já ultrapassou mais de dez por cento do orçamento. Vai ficar muito mais caro se você tentar terminá-lo. Não posso prosseguir nesse projeto.
Bárbara olhou-o fixamente, enquanto pensava nas terríveis conseqüências daquela decisão. Sem o suporte de Spencer, teria que declarar o projeto falido ou levar a United a arcar com todos os riscos. Sabia que seu emprego corria perigo. Se desistisse, ficaria desmoralizada. Se continuasse e o filme não viesse a ser um sucesso estrondoso, seria responsabilizada pessoalmente pelo fracasso.
— Você percebe o que está dizendo? — A voz dela era quase um sussurro.
Os olhos verdes de Spencer refletiam imensa amargura. Mas, quando ele falou, havia na voz uma firmeza que demonstrava o profundo conflito que vivia naquele instante.
— Bárbara, eu controlo minha empresa. Possuo cerca de setenta por cento das ações. Mas também tenho sócios, alguns de minha própria família. O risco seria também deles. Tenho que lhes dar satisfações do que faço com o dinheiro que lhes pertence. Se continuar nesse projeto, e o filme for um fracasso, vou levar a empresa à falência. Este momento é muito difícil para mim, mas não posso deixar que os meus sentimentos por você interfiram nessa decisão.
Finalmente acontecera, Bárbara pensou amargurada. Misturar amor e negócios não era mesmo possível. Rebecca estava certa.
— Veja bem — Spencer continuou como se quisesse a todo custo conseguir a compreensão de Bárbara. — Não se trata apenas do risco financeiro. Mais que isso, é uma questão de discernimento, de bom senso! Não acredito que esse filme vá para frente. Não agora, que o orçamento já está completamente arrebentado. — Afastou-se, balançando a cabeça em sinal de decepção com o que acontecera. — Sinto muito, mas as regras do jogo ficaram bem claras em nosso contrato.
Sim, as regras eram aquelas, conforme haviam combinado. Mas Bárbara deu-se conta, naquele momento, de que, apesar delas, jamais acreditara que Spencer fosse recuar assim. Isso não podia acontecer com o homem que ela amava...
— Se encerrarmos as filmagens esta tarde, teremos um prejuízo de seis milhões. Se você concordar, arcarei com a metade, ainda que nosso contrato não preveja isso. Será uma forma de reconhecer que parte da responsabilidade pelo insucesso foi minha.
Subitamente, Bárbara levantou os olhos. Havia neles um brilho de raiva.
— Não! Você não irá aliviar a consciência com tão pouco dinheiro! Além disso, está equivocado! A última chance era um projeto sólido quando começamos! E continua viável! Vou seguir em frente, mesmo sem você!
Por um longo momento sustentou o olhar duro na direção de Spencer. Depois afastou-se.
— Agora, por favor, deixe-me sozinha. Tenho muito trabalho.
Spencer hesitou. Era evidente que não desejava que a conversa terminasse daquela maneira. Bárbara olhou-o mais uma vez, esperando que dissesse algo.
— Droga! — ele explodiu. E saiu do quarto, batendo a porta violentamente.
Ela discou para Terry Bernstein e pediu que mantivesse suspensa a produção de A última chance até segunda ordem. Naquela mesma tarde, um carro da United levou-a ao aeroporto. No avião, durante toda a viagem de volta, ela pôs no papel as providências que deveriam ser tomadas em relação ao filme. O mais urgente era contratar um novo diretor e uma nova atriz principal. Tudo isso, logicamente, se conseguisse a aprovação de Harrison. E se ele não decidisse despedi-la depois de saber o que acontecera com o projeto. O primeiro projeto de Bárbara na United.
Foi só depois de muito tempo de vôo que ela se permitiu pensar em Spencer. As relações de negócios entre ambos indicavam que ele estava certo: havia um acordo a ser cumprido. Mas o lado emocional daquela relação a deixava profundamente desapontada e magoada. Ele era o homem que a tivera nos braços, que a amara como nenhum outro fizera antes ou iria fazer depois. O homem em cujos braços se sentira segura e infinitamente protegida...
E aquele era o modo amargo como toda a ligação, toda a intimidade física e espiritual que tinham compartilhado se acabava. Tudo em nome da fria objetividade dos negócios, da dura realidade material que se impunha sobre os sentimentos.
Bárbara tentaria salvar o filme, salvar sua carreira. Isso era importante para ela, para seu amor-próprio e seu senso de seriedade profissional. Mas sabia desde já que pensaria em Spencer o tempo todo.
Depois de um momento, apagou a luz e voltou-se para a janela do avião, como se quisesse contemplar a escuridão lá fora. Não queria que ninguém visse que Bárbara O'Neill, a executiva bem-sucedida da indústria cinematográfica, estava chorando.
Bárbara tinha pedido a Rebecca que a esperasse no aeroporto de Los Angeles. Precisava das palavras de consolo da amiga, que a aguardava no setor de desembarque. Sua expressão aflita mostrava que algo não ia bem.
— Bárbara! — Rebecca disse, abraçando-a. — Ainda bem que você está aqui!
— O que aconteceu, Becky?
— Nem sei como lhe dizer, como lhe dar essa notícia, depois de tudo o que você já passou nesses dois dias. Mas... é Sally. Ela está na UTI do Hospital St, John. Tentou se matar.
Por um longo momento a mente de Bárbara recusou - se a aceitar aquilo. Ela sabia que tudo o que acontecera nos últimos dias tinha sido terrível para Sally, mas não esperava que a amiga chegasse a esse ponto. E era tudo culpa sua. Tinha despedido Sally! Por um instante, pensou que fosse desfalecer.
Rebecca procurou confortá-la.
— Ouça, sei que você deve estar se culpando pelo que aconteceu, mas não deve. Você deu muitas oportunidades a ela. Sally é que não soube aproveitar.
— Não! Eu estava mais preocupada com o filme! Deveria saber que... que...
— Pare com isso! Você tinha que estar preocupada com o filme! Essa era a sua obrigação! E se Sally estivesse um pouco mais preocupada com o trabalho e menos com aquele fracasso de homem, arrogante ainda por cima, nada disso teria acontecido!
Por um lado, Bárbara sabia que Rebecca tinha razão, Só que estava emocionalmente muito desgastada para se convencer disso.
— Como foi que aconteceu?
— Uma superdose de barbitúricos. Por sorte, mudou de idéia no último momento. Telefonou-me no estúdio e eu mandei uma ambulância a tempo.
— Ela telefonou para você? Onde estava Karl nessa hora?
— Também me perguntei isso. Pelo que soube, parece que o esforço para dar um prejuízo tão grande ao filme o deixou exausto e ele precisou tirar umas férias. Pegou um avião e foi para o Caribe. Sozinho.
— O quê? E deixou Sally?
— Ouça, não tenho certeza porque ainda não pude conversar com ela, mas parece que Karl fez tudo isso sem sequer avisá-la.
Bárbara sentiu o coração doer por causa da amiga. Apanhou a bagagem de mão e disse:
— Vamos direto para o hospital. Quero falar com ela.
— Vá você. Vou voltar para a United e rever o contrato que fizemos com Karl Kreiss. Se houver um jeito de não lhe pagar um tostão, será ótimo.
— Muito bem. Veja se consegue vencê-lo no tribunal. Precisarei desse dinheiro, pois vamos continuar o projeto sozinhos.
Rebecca lançou-lhe um sorriso.
— Que maravilha, Bárbara! Assim é que se fala!
— Se eu conseguir a aprovação de Harrison Kahn, claro.
— Bem... não a invejo, nesse ponto, — Depois acrescentou, segura: — Mas estou apostando em você!
Despediram-se, e Bárbara sentiu-se mais animada com as palavras encorajadoras da amiga. Tomou um táxi e foi direto ao Hospital St. John.
Era quase meia-noite quando chegou lá. A enfermeira-chefe informou que Sally já recuperara a consciência e permitiu que Bárbara a visse por cinco minutos.
Sally tinha uma aparência horrível. Seus Cabelos estavam desgrenhados, a pele sem vida, pálida. Tinha profundas olheiras.
Escondendo a aflição, Bárbara conseguiu dar-lhe um sorriso.
— Oi.
Os olhos de Sally firmaram-se nela e então se encheram de lágrimas.
— Oh, Bárbara... sinto muito... sinto tanto por tudo o que aconteceu...
— Não diga nada. Não nesta noite. — E tomou-lhe a mão. — Só queria que soubesse que estou aqui, ao seu lado.
— Você não sabe o que isso significa para mim — Sally disse num fio de voz. — Não tenho o direito de esperar nada de você depois de tudo...
Bárbara engoliu em seco. Sally a estava isentando de qualquer responsabilidade pela tentativa de suicídio. Mas sabia que nunca iria desculpar a si mesma por isso.
— Sally, nós somos amigas. Nada pode mudar isso.
Então uma sucessão de cenas desfilou por sua mente. Ela e Sally tinham passado tantas coisas juntas... Alegrias e tristezas ligadas a casamento, divórcio, novos casos amorosos, batalhas profissionais. Tinham se tornado adultas, amadurecido uma ao lado da outra, descobrindo ao mesmo tempo em que na vida há muito menos finais felizes do que na tela. O laço forte "que as unia nunca iria se desfazer, por maiores que fossem as provações que tivessem de enfrentar.
Por isso sorriu para Sally com profunda afeição.
— Você logo estará boa, querida. Passarei aqui todos os dias para ver como está indo.
— Karl já sabe?
Bárbara franziu a testa. Não podia lhe contar a verdade... não agora.
— Bem, Sally... eu não sei.
Conseguiu esboçar outro sorriso, enquanto dava um tapinha carinhoso na mão da amiga.
— Você precisa descansar. Passo por aqui amanhã.
No caminho para sua casa, sentada no banco de trás do táxi, Bárbara tentava não pensar na dura realidade que ela e Sally estavam vivendo, mas era impossível. O saldo daquela experiência lhe mostrara claramente a impossibilidade do seu relacionamento com Spencer. Não podiam trabalhar juntos. Naquela situação, todo o amor do mundo parecia insuficiente para impedir que a crua realidade lhe mostrasse sua face mais dura.
Lembrou-se de que logo teria de ir até Nova York para tentar persuadir Harrison a não cancelar o projeto. Respirou fundo. Parecia que sua vida tinha se tornado um amontoado de viagens de avião e de amargas confrontações. Sentia-se desorientada e terrivelmente só. Por um momento teve o impulso de pedir ao motorista que parasse na próxima cabine telefônica, para ela ligar para Spencer. Diria que concordava em abandonar a produção do filme e correria para a proteção daqueles braços fortes.
Mas fora só um impulso. Seu orgulho e a consciência profissional a impediam de fazer isso. E essa mesma determinação que a levou a conter-se continuaria sendo necessária quando chegasse em casa e se deitasse na imensa cama vazia.
Spencer, que também retornara do Canadá no dia anterior, chegou ao estúdio de péssimo, humor. Subiu a escada saltando os degraus de dois em dois. Estava rígido, tenso, como se estivesse pronto para uma luta.
— Droga! — disse em voz alta, ignorando as secretárias e assistentes de produção pelos quais passava no corredor, e que lhe lançavam olhares curiosos.
Ele pensava em seu último e áspero diálogo com Bárbara. "Não tenho por que me sentir culpado", dizia a si mesmo. "Ela queria ser presidente do estúdio; agora tem que aceitar os problemas, os ossos do ofício! Não pode pôr a culpa em mim. Mulheres! Deu o cargo a quem não estava à altura, e agora quer que eu segure as pontas. O erro foi dela!"
Sentiu-se aborrecido ao refletir que os homens normalmente faziam a mesma coisa. Ele mesmo já tinha deixado a amizade influenciá-lo mais de uma vez. Certa ocasião colocara um amigo num cargo para o qual havia um candidato com melhor qualificação profissional. Também tinha consciência de que Bárbara não contratara Sally só pela amizade, mas estava muito exaltado para pensar friamente no assunto.
"De qualquer modo", pensou amargamente, "eu já a tinha prevenido de que era muito difícil uma mulher sair-se bem nesse cargo. Ela não me deu ouvidos. Agora, por acaso, devo afundar junto com o navio? De jeito nenhum!"
Entrou em sua sala e começou a folhear os jornais, o que azedou ainda mais o seu humor. Deparou com uma entrevista de Karl Kreiss, que fornecia uma versão muito pessoal das razões por que fora demitido. Spencer e Bárbara eram apontados na entrevista como os vilões da história, "completamente ignorantes em relação ao que seja cinema".
Deveria ter imaginado que este seria o primeiro passo de Karl: telefonar aos jornais, para relatar os fatos à sua maneira. Talvez devesse ter se antecipado, mas agora era tarde.
Por um momento, sentiu-se solidário a Bárbara. Sabia que ela estaria lendo as mesmas notícias e sofrendo ainda mais com tudo aquilo. Ficou tentado a telefonar para confortá-la, mas logo afastou a idéia. Afinal, eram ossos do ofício.
Contudo, passaria boa parte do dia pensando naquilo. Por mais que relutasse em admitir, estava muito preocupado com ela.
Logo cedo, assim que chegou ao escritório, Bárbara ligou para Harrison Kahn e assegurou-lhe que a situação de A última chance estava sob controle. Avisou que iria pessoalmente a Nova York na sexta-feira para colocá-lo a par de tudo.
— Você vai parar a produção? — perguntou ele, sem que em sua voz se pudesse distinguir qualquer sentimento.
— Quero continuar — Bárbara respondeu com cuidado. — Se você aprovar é claro.
— Entendo. Bem, espero-a na sexta para decidirmos.
Bárbara achou que aquela primeira conversa tinha sido positiva quanto à possibilidade de salvar o filme. Ficou mais animada ainda quando Rebecca, com ar exultante, entrou em sua sala dizendo que o contrato com Karl Kreiss podia ser rescindido com certa facilidade.
— Vou me basear na cláusula de "produtividade” para impetrar uma ação contra ele — informou a advogada.
— Muito bem, ele que conserve a pose, só queremos o nosso dinheiro.
Rebecca lançou-lhe um olhar preocupado.
— É óbvio que você ainda não leu as notícias, ou não estaria dizendo isso.
Os jornais, que já tinham chegado, estavam ao alcance do braço de Bárbara. Ela apanhou o Varíety, folheou-o rapidamente até se deter na reportagem que contava a versão de Karl sobre a interrupção da produção de A última chance. Sabia que a mesma versão estaria no Hollywood Repórter e nos outros jornais que falavam de cinema. Uma raiva surda começou a crescer dentro dela. Quando readquiriu o controle, seu primeiro pensamento foi para Spencer, cujo nome também aparecia com destaque na entrevista. Por um momento, teve vontade de telefonar-lhe e dizer que sentia muito, mas se conteve. Ele podia interpretar aquilo como sinal de fraqueza.
Jogou os jornais de lado e voltou-se para Rebecca:
— Você está absolutamente certa, Becky. Vamos fazê-lo perder a pose também.
O restante do dia foi dedicado à procura do novo diretor e da nova atriz principal para A última chance. No fim, depois de muita procura, Bárbara se deu conta de que o problema era mais sério do que parecia. Os diretores com estilo e técnica adequados ao projeto já estavam comprometidos com outras produções. Algo semelhante acontecia com as atrizes que serviriam para o papel principal.
— Sempre chove gente quando não precisamos, mas, numa hora como esta, estão todos ocupados! — Ela suspirou ao pegar a xícara de chá que Rebecca lhe estendia.
— Acho que tenho uma idéia. Seria um tanto arriscado, mas você não está em posição de exigir muito. Sei de alguém que pode ocupar o lugar de Karl Kreiss.
— Quem?
Rebecca lembrara-se de um jovem diretor, que trabalhava em dupla com a esposa, uma talentosa editora. Tinham feito muito sucesso ao produzir um filme de horror, com baixo orçamento e muita criatividade. Haviam conseguido efeitos cênicos surpreendentes e o resultado financeiro fora fantástico.
— Sean Randall é o diretor — Rebecca anunciou. — A esposa dele é Nora. Conheci-os numa festa, uma noite dessas, e gostei muito deles. Acho que vale a pena considerar essa hipótese.
Bárbara sabia qual era o filme de horror a que a amiga se referia, de fato, no meio cinematográfico, todos o haviam considerado um pequeno fenômeno.
— Acho que é uma idéia brilhante, Becky! — Acionou a tecla do interfone e pediu a Marci que entrasse em contato com o agente dos Randall e marcasse uma reunião para a manhã seguinte, se possível.
— Estou me sentindo muito melhor. Só espero que tudo dê certo. — Olhou de relance para seu relógio de pulso. — Tenho que sair correndo. Prometi a Sally que iria visitá-la.
Rebecca franziu as sobrancelhas, preocupada.
— Fui vê-la na hora do almoço. Karl quase acabou com ela. Ainda não lhe contei que vamos entrar com uma ação para invalidar o contrato dele. Não sei como vai ser a reação de Sally ao saber disso.
Rebecca não estava exagerando. Uma hora depois, Bárbara viu que Sally quase não tinha melhorado desde o dia anterior, apesar de ter saído da UTI. Tentou animá-la.
— Muito bem, Sally, sei que você passou por um mau pedaço e que ainda não está cem por cento boa. Mas a vida continua, e já é hora de pensar em sair daqui e voltar a cuidar da carreira.
— Como assim?
— Você vai voltar para a United, é isso o que quero dizer. Não vai trabalhar mais em A última chance, é claro, mas ainda terá seu cargo de diretora de produção.
— Bárbara... não sei se conseguirei. Tudo parece tão horrível...
— Sei disso, mas também sei que você conseguirá. Nós a ajudaremos e, depois de algum tempo, nada parecerá tão terrível assim. E pretendo mantê-la bem ocupada para não deixá-la pensar em bobagens.
O rosto de Sally continuava angustiado.
— Sabe, ele nem telefonou...
Bárbara olhou para a amiga. "Ainda Karl Kreiss!", pensou, e sua raiva cresceu.
— Mas é claro que ele não ligou Sally! Ê evidente que Karl Kreiss não ia telefonar. Homens pequenos, egoístas, que usam os outros, nunca ligam! Sei disso porque fui casada com um deles e posso lhe dizer isso por experiência própria!
Sally olhou-a, assustada. Mas Bárbara tinha apenas começado.
— Ouça bem: Karl pode ser coisa do passado, se você quiser assim. Mas, se não quiser, ele... ou o próximo, igual a ele... irá destruí-la! E, se isso acontecer, não haverá ninguém a culpar: somente você mesma!
O ímpeto de Bárbara a levaria a dizer muito mais, porém ela se controlou por medo de ferir demais a amiga. Era óbvio que Sally estava à beira das lágrimas.
Então se levantou para ir embora. Perto da porta, voltou-se.
— O cargo está à sua disposição, se ainda o quiser. Você tem muito talento. Por favor, não se destrua dessa forma,
No carro, durante o trajeto para casa, Bárbara sentia-se péssima ao relembrar a cena com Sally. Aquilo que lhe dissera era a puta verdade, e tinha que ser dito. Mas talvez ainda fosse muito cedo. Talvez fosse melhor que Sally ouvisse aquilo de alguém que não estivesse tão envolvido com todos aqueles problemas.
O telefone estava tocando quando ela entrou em casa. Era sua mãe, que ligava de Palm Springs, após saber das notícias.
— É a sua primeira grande prova, querida — Sheila disse, cheia de compreensão. — Tente manter a cabeça erguida. Ê o conselho de uma veterana.
Bárbara sorriu, agradecida.
— Ah, mamãe, não me lembro de alguma vez ter visto um fracasso seu...
— Não viu mesmo, querida, porque eu não deixei que visse. — Sheila começou a rir. — E, quando você já era grandinha para poder vê-los, eu já tinha saído de cena.
Depois de conversar com a mãe por mais alguns minutos, Bárbara preparou-se para dormir. Já vestida com a camisola de cetim, sentiu-se exausta e com a mente presa aos acontecimentos do dia. Por pouco não ligara para Spencer para lhe dizer que o achava o melhor produtor da indústria do cinema. O melhor produtor, sem dúvida... o melhor. Abraçou um travesseiro, mas isso não aliviou o vazio da cama, o vazio que sentia na alma. Só muitas horas depois conseguiu mergulhar no sono. Um sono agitado. Triste.
Spencer, deitado em sua cama, via a luz da lua através das cortinas. O som das ondas em Malibu vinha baixinho, interminável. E seu pensamento, inquieto, voltava-se para Bárbara.
"Estou com a razão", dizia-se pela centésima vez. Contudo, apesar dessa certeza, estava amargurado, sem o calor do corpo de Bárbara, sem suas palavras de carinho
— É loucura querer ir adiante com esse projeto — repetiu em voz alta, como para convencer-se disso.
Mas, no íntimo, sabia que nada no mundo, nem a mais profunda certeza de estar com a razão, completaria o vazio quê sentia sem Bárbara. No período de dois meses, ela se tornara parte dele. O que tinha lhe dado era precioso, inestimável, algo que nem poderia ser traduzido em palavras. Tudo o que sabia era que, sem ela, nada mais importava.
Era quase manhã quando Spencer conseguiu dormir. E, quando acordou, automaticamente procurou por Bárbara ao seu lado. Mas ela não estava ali.
A grande idéia para recuperar A última chance veio à mente de Bárbara como o brilho de um relâmpago. Estava se dirigindo para o trabalho, naquela manhã, lembrando-se da conversa que tivera com a mãe, quando algo se iluminou dentro dela. "Pode dar certo!", pensou, segurando com mais força o volante. E, quanto mais pensava, mais se convencia de que iria dar certo. Agora, só lhe restava rezar para que os Randall aceitassem trabalhar no projeto.
Chegou ao escritório com ótimo humor.
Sean Randall e a esposa, Nora, já estavam à espera na ante-sala, sentados no sofá perto de Marci. Ele parecia um gigante ruivo, com um brilho maroto nos olhos. Bárbara gostou dele de imediato.
— Srta. O'Neill, eu não teria sido chamado se não houvesse problemas com A última chance. E posso lhe assegurar que não estaria aqui se não achasse que posso salvar seu filme. Então, por que não vamos direto ao assunto?
Nora, a esposa de Sean, uma morena de olhos castanhos muito expressivos, parecia adorar o marido.
— O problema de meu marido é autoconfiança em demasia, Srta. 0'Neill.
Bárbara ficou convencida de que tinha achado o diretor certo para o filme. Satisfeita, sorrindo, convidou-os para entrar em sua sala e, em poucos minutos, já se chamavam pelo primeiro nome.
Sean contou-lhe que tinha visto o script de A última chance quando circulava pelas agências, no período da pré-produção. Tinha gostado muito.
Depois de alguns minutos de conversa, foram até a sala de projeção ver alguns dos rolos do filme dirigido por Karl Kreiss. Sean ficou irritado com a péssima qualidade do que via na tela. Finalmente, levantou-se e foi dizendo:
— Muito bem, para mim basta. Não quero mais ver essa droga. Qualquer que seja o problema com Karl Kreiss, deixemos que um psiquiatra o resolva.
Bárbara sorriu,
— Quanto ao filme... você tem esperança de salvá-lo?
— Mas claro! Posso dar vida a estas cenas, deixá-las mais leves e mais divertidas. Já fui a funerais que tinham mais vida do que isto!
— Querido, não precisa gritar — Nora disse baixinho. — Você não está no Grand Canyon.
Bárbara começou a rir.
— Deixe-o à vontade, Nora. Concordo plenamente com o que ele diz.
Quando voltaram à sala de Bárbara, ela retomou o tom sério de uma executiva às voltas com suas dificuldades.
— Sean, tenho dois problemas. O primeiro é que temos que recomeçar as filmagens em Banff na segunda-feira. Vocês podem?
— Podemos, sim. Não sei como faremos, mas estaremos lá.
— Estamos com o tempo contado, lembrem-se.
— Se quer saber se posso fazer o máximo no mínimo de tempo, está falando com um especialista no assunto. Aprendi isso trabalhando na televisão.
— O segundo problema é pior — continuou Bárbara. — Estamos com um prejuízo de três milhões. Não posso oferecer muito dinheiro agora.
— Poderíamos fazer um acordo para depois que o filme for lançado. Se for um sucesso, negociaremos com base nesse sucesso. Se não for, pelo menos teremos tentado.
Bárbara sorriu encantada com a segurança daquele homem. Estendeu-lhe a mão.
— Nesse caso, acho que é melhor começarmos a trabalhar já.
Spencer entregou-se ao trabalho naquele dia, sem parar nem para o almoço, e exigindo de seus empregados mais empenho que o normal. Quando sua secretária foi embora, visivelmente aborrecida pela pesada carga de tarefas que despencara sobre seus ombros durante todo o dia, Spencer continuou seu trabalho, estudando novos projetos, analisando orçamentos, fazendo memorandos para o dia seguinte. Era quase meia-noite quando parou. Jogou a caneta de lado e apertou as pálpebras com os dedos, cansado. Era hora de ir para casa, antes que começasse a dormir sobre a mesa.
Já no pátio do estacionamento, ao caminhar até seu carro, olhou para cima. A luz na sala de Bárbara ainda estava acesa.
Hesitou, com as chaves do carro na mão. Seu orgulho masculino o impelia a ir embora, seu amor por ela pedia para que ficasse.
O amor venceu.
Bárbara estava refazendo seus cálculos pela décima vez naquela noite. Tirara as botas e estava só de meias, com os pés sobre a escrivaninha. Precisaria de todos aqueles dados para seu encontro com Harrison Kahn, na sexta-feira, em Nova York. Algo mudara. Agora, em vez de desespero, sentia excitação com a possibilidade de recuperação do filme. Estava convencida, particularmente depois da conversa com Sean Randall, de que poderia salvá-lo.
Mas, apesar disso tudo, continuava a torturar-se por causa de Spencer. Tentava não pensar nele, mas era impossível. Desejara, durante o dia inteiro, que a qualquer momento Marci ligasse, anunciando que ele estava na sala de espera, ou, pelo menos, ao telefone. Mas Spencer não telefonara nem tinha ido vê-la. E Bárbara sentia-se mais do que nunca sozinha.
— Droga! — disse em voz alta, afastando os papéis em cima da mesa.
Foi então que ouviu passos no corredor. Não podia ser o pessoal da limpeza, porque já tinham ido embora há muito. Levantou o olhar, perguntando-se se era o vigia. Viu a porta, abrir-se devagar. Era Spencer. Nenhum dos dois disse nada. Por um longo momento, simplesmente se olharam.
Ela sentiu que nunca estivera tão feliz em sua vida. "Ele veio!", pensou, cheia de alegria. "Não importa o que vai dizer. Tudo o que interessa é que ele veio!"
Spencer se aproximou e abraçou-a. Tinha uma expressão ligeiramente preocupada. Mas, quando ia começar a falar, Bárbara impediu-o, colocando os dedos nos lábios dele.
— Não, querido. Agora, não.
Spencer entendeu. Seus olhos mostravam o desejo que ardia dentro dele, ao colocá-la no sofá.
Então, gentilmente, beijou os lábios dela, a princípio delicadamente. Depois, a suavidade transformou-se em sofreguidão, num beijo ávido e possessivo que a deixou trêmula. Aquele beijo faminto a fez sentir uma paixão louca, despertando cada sentido, cada emoção.
Até aquele momento ela não percebera quão profundamente fora atormentada pelo medo de nunca mais estar com Spencer daquele jeito. O toque dele era perturbador, eletrizante. O corpo de Bárbara respondia com ansiedade ao afago daquelas mãos que deslizavam por suas costas. Sentia que Spencer também precisava dela. Desesperadamente.
Ele enterrou o rosto nos cabelos sedosos e repetia seu nome baixinho, como se fosse uma palavra mágica.
— Bárbara... minha Bárbara querida...
Ela o envolveu nos braços, escorregando os dedos por entre seus cabelos.
As mãos de Spencer deslizaram por seus quadris e acariciaram-lhe as nádegas, para depois segurarem-lhe o rosto. A boca sedenta cobria de beijos os lábios macios, o pescoço, os ombros.
Uma corrente de calor e prazer atravessava o corpo e a mente de Bárbara, e seu coração batia, descompassado. Seus mamilos enrijeciam rápido sob a malha de cashmere.
Os olhos verdes de Spencer iluminaram-se com a chama do desejo. Bárbara rodeou-lhe o pescoço com os braços, olhando-o com adoração e expectativa, enquanto sentia as mãos penetrarem sob a malha, alcançando-lhe os seios e provocando-lhe um delicioso arrepio. Os dedos dele contornavam de leve os mamilos, sedutoramente.
As pernas de Bárbara amoleciam e um torpor tomava conta de todo o seu corpo. Nada mais importava naquele momento. Queria fazer parte dele, ali mesmo.
As mãos protetoras de Spencer abraçaram-na ao ver que ela tremia. Ele lambeu de leve a base do pescoço, enquanto tirava a malha de cashmere e a saia, deixando-a só de calcinha e de combinação.
Entre os seios, a combinação tinha uma borboleta bordada. Os olhos de Spencer pareciam devorá-la quando ele murmurou, com voz rouca:
— Meu Deus, Bárbara, como você é linda...
Depositou vários beijos na pele acetinada dos ombros, do pescoço, no vão entre os seios, parando perto do bordado.
Então, levemente e devagar, num gesto torturante, afastou as finas alças, expondo completamente os seios. Rapidamente envolveu um dos mamilos com os lábios, lambendo-os primeiro de leve, depois sugando-os. A língua, explorando-a com voracidade, fazia-a vibrar.
As pernas de Bárbara abriram-se para recebê-lo. Spencer ergueu-a nos braços, depositando-a no sofá e deixando que a cabeça dela descansasse numa almofada.
As batidas cadenciadas de dois corações apaixonados pareciam encher toda a sala. Bárbara pressionou as coxas contra as dele, sentindo o jeans sobre a pele nua. Então Spencer, com delicadeza, tirou a única peça que o separava do corpo adorado, deixando-a completamente nua.
Um gemido escapou-lhe dos lábios quando ela notou Spencer parado à sua frente, explorando cada centímetro de seu corpo com os olhos. Então foi beijada com fúria, viu um dos seios, aprisionado e sentiu entre as coxas a pressão dos dedos hábeis. Spencer enterrou os lábios nos cabelos sedosos, murmurando palavras de amor e paixão.
— Minha querida... meu amor...
Então Bárbara o olhou. Os olhos verdes percorreram o corpo dela, passando pelos cabelos, os ombros, os seios rijos, os quadris redondos.
Os olhos de Bárbara deviam estar denunciando o profundo desejo que sentia, pois, ao vê-los, Spencer levantou-se e, num gesto rápido, despiu-se e atirou-se sobre ela.
Toda a frustração e a ansiedade do tempo que ficaram separados, todos os problemas pelos quais tinham acabado de passar, tudo estava esquecido naquele momento.
As batidas do coração dos dois tinham agora um só ritmo, os quadris moviam-se na mesma cadência. A sensação de êxtase aumentava enquanto ambos se consumiam, perdiam-se um no outro...
Depois de saciado o desejo, eles se cobriram com uma manta e ficaram abraçados, deitados no sofá. Bárbara se sentia protegida e feliz. Podiam ficar ali por uma eternidade, sem proferir uma só palavra, perdidos no silêncio íntimo, e acolhedor.
Mas havia coisas que precisavam ser ditas.
— Você ainda acha que tem que levar adiante esse projeto? Bárbara fez que sim com a cabeça.
— Então eu a ajudarei.
Ela ficou intrigada. Entendeu que Spencer estava disposto a arriscar sua empresa, tudo o que conseguira com trabalho duro, durante toda a vida, não porque acreditasse no projeto, mas porque a amava. Imediatamente Bárbara sentiu as lágrimas correrem por seu rosto.
— Não — conseguiu dizer, por fim, numa voz quase inaudível.
— Querida, por favor... Não seja teimosa.
— Não estou sendo teimosa. Sei que sua oferta foi muito generosa e nunca me esquecerei dela. Mas sei que não seria bom para nós se eu aceitasse sua ajuda nesses termos.
— Não estou entendendo.
— Seu coração já não está mais em A última chance, querido. Você só estará no projeto por mim, não porque acredita no filme.
— E daí? Qual é o problema?
— O problema é que eu me sentiria em débito com você. E acharia que o estava submetendo, invertendo os papéis. Tenho que sair dessa sozinha.
— Tem certeza?
— Não. Não tenho certeza de mais nada. Exceto de que, se você fizer o filme comigo e ele fracassar, e por causa disso sua empresa falir... —fez uma pausa, balançando a cabeça, com um sorriso triste — eu não poderia viver com isso na consciência.
Spencer abraçou-a e por alguns momentos ficaram em silêncio.
— O que você pretende fazer, querida?
— Já tenho alguns planos. Acho que podem funcionar. Primeiro vou contratar Sean Randall para o lugar de Karl Kreiss... isso, se conseguir a aprovação de Harrison Kahn.
Houve outro momento de silêncio. Então Spencer se levantou e, apoiado num dos braços, olhou para ela com expressão séria:
— Esqueça Harrison. Esqueça o estúdio. Case-se comigo. Amo-a mais do que nunca. Amo-a como nunca amei ninguém.
— Sei disso, querido. Quando me ofereceu ajuda, do modo como fez, provou o quanto me ama, E eu o amo mais ainda.
Mas Bárbara hesitava. Sentia-se fortemente tentada a aceitar o pedido de casamento, mas sabia que isso seria uma fuga. Sempre iria sentir que não tinha sido capaz de enfrentar o desafio profissional de suportar as pressões do poder. Sua auto-estima e integridade não lhe permitiam abandonar a luta naquela hora. Seria para sempre uma perdedora.
— Não posso — respondeu simplesmente, e sentiu que eram as piores palavras que tivera de proferir em sua vida.
— Por quê?
— Sabe, acredito honestamente que A última chance pode ser um filme incrível. Se o estou levando adiante, não é por teimosia ou por orgulho. Será que você não entende? Tenho que provar a mim mesma e aos outros que não fracassei. Que tipo de esposa eu seria se desprezasse a mim mesma?
— Mas nós nos amamos, Bárbara! De um modo muito especial, como muitas pessoas costumam sonhar e fantasiar. Sabemos como esse sentimento é raro, como tivemos sorte em nos encontrar quando parecia que isso não seria mais possível...
— Às vezes, todo o amor do mundo não é suficiente. A vida não é uma história em que a mocinha e o mocinho passeiam juntos ao pôr-do-sol e são felizes para sempre. Temos que viver no mundo real. Não creio que nosso amor possa sobreviver aos conflitos a que estamos sujeitos, trabalhando na mesma empresa. Mas eu sou a presidente da United e você é o nosso produtor mais importante. Não podemos simplesmente ignorar os conflitos que surgem a partir dessa situação. Um de nós pode levar o outro a agir da forma como você agiu esta noite, ao oferecer cooperação para um projeto em que não acredita mais. Nosso amor nunca poderia sobreviver a isso.
Bárbara podia ver que Spencer finalmente a entendera.
— O que você quer, então?
— Quero fazer esse filme. Tenho que fazer esse filme. Mas agora, neste momento, só quero que você me abrace.
Spencer a envolveu num abraço forte, desesperado.
Bárbara desembarcou do avião, no Aeroporto Kennedy, na sexta-feira de manhã. Sentia-se exausta. Dormira mal na viagem e sentia uma apreensão insuportável só ao pensar no encontro que teria com Harrison Kahn. Era impossível prever se ele aprovaria seus planos para salvar A última chance. O fato era que ao menos teria a chance de expor suas idéias ao todo-poderoso patrão.
Uma limusine preta estava à espera para levá-la até o Pierre, o hotel onde reservara uma suíte. Pretendia tomar ura banho antes do encontro com Harrison.
Permitiu-se refrescar-se na banheira e seus pensamentos se voltaram, automaticamente, para Spencer. Sentia certa tristeza ao pensar no encontro com ele no dia anterior, em sua sala. Conseguira controlar-se e manter-se coerente quanto a seus propósitos profissionais. E o fato de Spencer ter aceitado seus argumentos só confirmava que ela tinha razão. Nas circunstâncias em que se encontravam, era muito difícil pensarem em viver um para o outro.
O coração de Bárbara enchia-se de revolta por aquela verdadeira injustiça da vida. Para ambos a carreira era algo muito importante, capaz de condená-los ao sacrifício dos próprios sentimentos.
Saiu do banho e envolveu-se numa toalha felpuda e macia. Por maior que fosse a injustiça, não havia nada que pudesse fazer a respeito. E a hora de sentar-se com Harrison para colocar as cartas na mesa tinha chegado.
Dirigiu-se ao apartamento dele, num edifício elegante em frente ao Central Park, ao meio-dia em ponto. Foi recebida por um mordomo que a conduziu até o escritório do patrão. Ele já estava à espera e, sorridente, estendeu-lhe a mão:
— Você está linda, como sempre. Deixe-me servi-la de um sherry.
Mas seus olhos, por trás daquela máscara de cordialidade, possuíam uma expressão fria. Bárbara sabia que tinha somente uma chance, e que era bom saber aproveitá-la.
Contudo, Harrison não parecia ter pressa em entrar no assunto. Tomando calmamente o seu sherry, perguntou sobre o andamento do estúdio. Depois sentaram-se para almoçar.
A mesa tinha sido especialmente decorada para recebê-la. Foi servido linguado ao molho de alcaparras, com um esplêndido vinho branco da Califórnia. Terminada a refeição, Harrison acendeu um cigarro e, enquanto expelia uma nuvem de fumaça azulada, encarou-a com ar decidido.
— Agora, que tal me falar sobre A última chance? Você já mudou de idéia sobre continuar o projeto?
"É até ironia", pensou Bárbara. "Esta pode ser a minha última chance."
— Acho que posso salvar o filme, Harrison. E, depois que eu lhe explicar o que pretendo fazer, aposto como vai concordar comigo.
— Você já estourou em três milhões o orçamento do filme. Agora está me dizendo que precisa de mais vinte milhões para continuar. Aviso-a: não será uma cartada fácil esta que você está tentando. Especialmente porque Spencer não participará dela.
— Teremos um prejuízo de seis milhões se pararmos a produção agora. E não teremos nada nas mãos, só um fracasso. Isso é um crime. Eu poderia fazer um filme com seis milhões.
— Talvez esta tivesse sido uma idéia melhor do que ter tentado A última chance. Se bem me lembro, foi você quem me avisou para tomar cuidado com filmes grandiosos. Devo dizer que um tropeço como esse era a última coisa que eu esperava quando a contratei.
Bárbara aceitou o desafio que ele claramente lhe lançava.
— Cometi uma falta, Harrison. Provavelmente, essa não será a última. Mas estou convencida de que posso produzir esse filme com vinte e cinco milhões. E teremos isso, e muito mais, de volta.
Harrison estudou-a por um longo momento, as sobrancelhas franzidas.
— Muito bem. Vamos ouvir seu plano.
Suspirando aliviada, Bárbara colocou-o a par de suas idéias. Fez um breve relato dos números e mostrou um mapa de planejamento, que previa aumentar o período de filmagens externas em apenas seis dias. Então lhe falou a respeito de Sean Randall, o homem que escolhera para substituir Karl Kreiss. Kahn ficou impressionado.
— Vi o filme dele, um filme de terror. Esse moço é bom. Mas, veja bem, as filmagens têm que recomeçar segunda-feira e você ainda não me falou sobre a atriz principal.
Bárbara procurou disfarçar um suspiro. Essa era a pior parte. Sua solução era bastante ousada. Tinha surgido em sua mente num flash, no dia em que falara com sua mãe por telefone, e imaginava qual seria a reação de Harrison.
— Já tenho alguém em mente. Uma atriz que é perfeita para o papel e cujo nome é muito conhecido. E que irá trazer muita publicidade ao filme. E acho que posso contratá-la por uma quantia razoável, fazendo um acordo para depois que o filme for lançado.
— Acho que você está vivendo num mundo de fantasias. Qualquer atriz conhecida vai querer o dinheiro agora, e não esperar que o filme faça sucesso, se é que fará.
Bárbara sorriu.
— Bem, acho que ela confia em mim o suficiente para aceitar isso.
— E quem é essa deusa do cinema, tão crédula assim?
— Minha mãe.
Bárbara pôde sentir o prazer de ver Harrison quase escorregar da cadeira, perdendo a pose.
— O quê?
Então, antes que ela pudesse explicar qualquer coisa, Harrison continuou, animado:
— Haverá muita publicidade em torno disso. "Sheila O'Neill volta às telas depois de vinte anos..." Muita gente irá ao cinema só para vê-la.
— Ela está em ótima forma.
Harrison mostrava-se cada vez mais receptivo.
— Trará sua antiga audiência, pessoas que não vão mais ao cinema. E o ator que faz o papel do garoto vai atrair o público jovem.
— Também acho. A única coisa certa que Karl fez foi contratar Jimny McQuinn.
Harrison olhou-a por um momento, para, finalmente, abrir-se num sorriso franco.
— Você é filha de Justin O'Neill, sem dúvida alguma. Cheia de surpresas. — Então ficou em silêncio, como se estivesse medindo sua decisão. Bárbara, sentada à sua frente, contorcia as mãos. Seu futuro dependia das próximas palavras de Harrison Kahn.
— Muito bem, vá em frente. Mas não ultrapasse vinte e três milhões e quinhentos. E quero ver um teste de sua mãe antes de ela ser contratada.
Bárbara hesitou. Fazia muito tempo que Sheila não enfrentava as câmeras... quase trinta e cinco anos. Atores famosos não gostavam de se submeter àquele tipo de prova. Mas sabia que Harrison estava certo ao pedir o teste.
— Muito bem. Vamos gravar o teste amanhã. Quando quer vê-lo?
— Na mesma hora em que você for ver. Irei para Los Angeles esta noite, minha cara. Em sua companhia.
Bárbara voltou ao Pierre e dali mesmo ligou para a mãe, em Palm Springs.
— Mamãe, você não gostaria de voltar às telas?
Houve silêncio do outro lado da linha. Por fim, Bárbara ouviu a voz melodiosa da mãe.
— Querida, tem certeza de que está bem? Não anda trabalhando demais?
Rapidamente, Bárbara explicou a situação desesperadora em que se encontrava. Escolhendo com cuidado as palavras, contou que Harrison exigira um teste.
— Oh, está bem, querida. — O tom de Sheila era confiante. — Não será a primeira vez. — Fez uma pausa e acrescentou: — Bem, realmente é verdade o que dizem sobre a hora certa das coisas na vida, não é? Tive que esperar que minha filha fosse presidente de um estúdio para dar uma virada em minha carreira.
Bárbara sentiu que a mãe estava animadíssima.
— Quer dizer que vai mesmo fazer o teste?
— Claro que vou!
— Só mais uma coisa: pela reação de Harrison, quando mencionei seu nome, acho que ele deve ter uma queda por você...
— Bárbara! — ralhou Sheila, em tom de brincadeira.
— Acho que não haverá nenhum problema se ele assistir ao teste, não é?
Instantes depois, Bárbara telefonava ao estúdio, pedindo a Marci que tomasse as providências para Sheila ser testada no dia seguinte, um sábado, o que significava que teriam de convocar toda uma equipe de técnicos.
Duas horas depois, Bárbara e Harrison Kahn embarcavam para Los Angeles. Para ela, voar de um lado para outro se tornara algo comum e corriqueiro. Daquela vez, porém, sentia-se triunfante.
Afinal, conseguira!
Em Los Angeles, Harrison instalou-se, como de costume, no sofisticado bangalô do Beverly Hills Hotel. Bárbara, assim que chegou ao escritório, começou a comandar febrilmente as providências finais para o teste de Sheila.
Na noite seguinte, quando ela entrou na sala de projeção, Harrison já estava sentado, à espera. Bárbara pressionou o botão do inter comunicador e pediu que o filme com o teste de sua mãe fosse projetado. O rosto de Sheila, encantador, apareceu na tela.
Bárbara tinha visto todos os filmes da mãe e sempre os apreciara muito. Mas, como a maioria das pessoas, sabia que em Sheila o que mais contava era a beleza física, e não tanto o talento como atriz. Agora, porém, estava mais amadurecida. Na tela, desenrolavam-se cenas em que ela aparecia rindo, atraindo seu companheiro, depois brigando furiosamente com ele e, por fim, beijando-o com ternura.
Bárbara se emocionou diante do desempenho da mãe, e, quando o filme acabou, sentiu os olhos cheios de lágrimas ao pensar que Sheila sempre tivera esse dom, essa capacidade, sem nunca ter tido uma chance de mostrar seu verdadeiro talento dramático...
Olhou para Harrison de soslaio. Ele estava quieto, parado. Então virou-se para Bárbara e disse, numa voz suave:
— Essa mulher é mesmo maravilhosa. Vale a pena produzir esse filme, nem que seja só para vê-la de volta, tão encantadora. Comece a filmar na segunda-feira.
Bárbara suspirou. Somente então se deu conta de que nunca tinha achado que Harrison Kahn pudesse rejeitar sua proposta.
As filmagens em Banff começaram na segunda-feira, e imediatamente a rotina no estúdio se transformou. As provas que chegavam todos os dias eram lindíssimas. As cenas tinham vitalidade, a fotografia era maravilhosa, mostrando a vista das montanhas, com seus topos cobertos de neve.
A confiança de Bárbara em Sean Randall era mais do que justificada. E Sheila estava ótima, superando até as expectativas da filha. Acompanhada de Harrison Kahn, Bárbara viajou até o local das filmagens. Sentia enorme satisfação por saber que já tinham quase conseguido concluir a etapa de filmagens externas. Sabia que o filme causaria grande impacto quando fosse lançado. Seu estado emocional, agora, era muito diferente daquele em que se encontrava quando fora até Banff pela primeira vez, para suspender a produção.
Ao pensar em Spencer, porém, sentiu um vazio imenso. Quase não o tinha visto desde aquela noite inesquecível, no escritório. Quando se encontravam no estúdio, por acaso, a atitude dele era fria e formal, e Bárbara reagia da mesma forma. Contudo, por trás daquela pose, seu coração doía terrivelmente, e ela sabia que o mesmo acontecia com Spencer.
Rezara para que o tempo cicatrizasse a ferida aberta pela constatação de que o amor entre eles era impossível. Tentara sair com outros homens, mas se sentira ainda pior. As lembranças dos momentos que passara com Spencer atormentavam-na terrivelmente. Desse modo, a única saída que encontrou foi afundar-se no trabalho, cada vez mais.
Rebecca a avisara de que todos comentavam o fato de ela viver sempre solitária.
— Você tem que sair pelo menos algumas vezes, querida. As pessoas estão começando a ficar curiosas a seu respeito.
"Bem, deixe-os curiosos", pensava Bárbara amargamente. Mas, no íntimo, começava a temer que Spencer a tivesse marcado para sempre, condenando-a a uma solidão definitiva.
E o pior era que agora nem o tinha mais por perto. Ele ficaria em Londres por tempo indeterminado, tentando conseguir um parceiro para uma grandiosa co-produção, e Bárbara sentiu-se profundamente magoada por não ter sido sequer informada disso. Precisava até ler os jornais para saber de seu paradeiro. De qualquer modo, não sabia o que era pior: se o vazio que sentia por não saber quando o veria novamente ou se a agonia da expectativa de deparar com ele, de repente, no estúdio. A voz de Harrison Kahn tirou-a de seus pensamentos.
— Sua mãe ainda está filmando ou já terminou sua parte e voltou para Los Angeles? — indagou, como se estivesse fazendo uma pergunta casual, sem deixar transparecer seus sentimentos.
Bárbara precisou conter um sorriso. Harrison sabia ser sutil como um trator, quando queria.
Ele tinha passado mais tempo que o normal aqui em Los Angeles, e sempre dava um jeito de aparecer para ver os copiões em que, Sheila aparecia. Então, quando as luzes se apagavam e o filme rolava na tela, Bárbara o observava, tentando adivinhar-lhe, os pensamentos. Surpreendia-se ao ver que Harrison ficava quase em transe. Era engraçado perceber que um empresário como ele, que tinha nas mãos poder suficiente para influenciar toda a indústria do cinema, estivesse preso ao encanto de sua mãe... e, mais, que tentasse esconder seus sentimentos como um adolescente!
— Ela termina sua parte hoje — disse Bárbara, também em tom casual, e notou que a expressão dele se entristeceu. Então acrescentou: — Mas não irá embora. Pensei que talvez nós três pudéssemos voltar juntos na terça-feira... Que tal?
— Claro — disse ele rapidamente, fingindo naturalidade. Mas Bárbara percebeu-lhe a animação.
Um furgão da empresa apanhou-os no aeroporto e, à tardezinha, já estavam acomodados em suas suítes, com todo o conforto, no Banff Springs Hotel.
Naquela noite, Bárbara e Harrison deram um jantar informal para Sean Randall e o elenco. Sheila, como sempre, estava belíssima, com uma malha preta de gola olímpica e uma calça comprida da mesma cor, que valorizavam seu tipo, fazendo-a parecer mais jovem.
Por um momento, quando a apresentou formalmente a Harrison, Bárbara achou que ele não conseguiria proferir uma palavra. Mas, com sua habilidade e charme inatos, Sheila logo o deixou à vontade, conduzindo-o ao barzinho improvisado e preparando-lhe um drinque, como se fossem velhos amigos numa festa organizada só para os dois.
O jantar foi um sucesso. Todos estavam muito à vontade, e, em dado momento, Sean colocou os braços sobre os ombros de Harrison e Bárbara, dizendo:
— Bem, acho que estamos fazendo um bom trabalho.
Harrison, mais desembaraçado por causa dos drinques e da atenção de Sheila, riu:
— Não conte vitória antes do tempo, meu jovem. Lembre-se, vocês não terminaram ainda.
Bárbara foi conversar com Nora, a esposa de Sean, que ficara afastada do grupo.
— Você deve estar se sentindo muito feliz — comentou, sorrindo. — A menos que eu esteja enganada, seu marido está a um passo da consagração.
— Eu sei. E odeio ter que admitir isso, mas é exatamente o sucesso dele que me preocupa.
"Aí está", Bárbara pensou imediatamente. "Mais uma faceta do drama de se tentar combinar amor e carreira."
— Nora, quero que saiba que seu trabalho me impressionou muito, tanto quanto o de Sean. Não é por ser a mulher do diretor que você está na equipe. Quero que se lembre disso.
— Obrigada, querida. Acho que eu precisava ouvir isso hoje. Alguns minutos mais tarde, os olhos de Bárbara encontraram os de sua mãe. Conhecia-a o suficiente para saber que ela, enfim, estava desejosa de encerrar a noite e voltar para ó hotel.
Viu-a despedir-se de Harrison, aproveitando para comentar que apreciava a idéia de voltarem juntos para a Califórnia.
Mãe e filha dirigiram-se rapidamente para o hotel. Na suíte onde Sheila estava instalada, sentaram-se para conversar antes de dormir. Pelo interfone, pediram um chá.
— O que há mamãe? Algum problema?
Sheila sorriu.
— Claro que não. Sean Randall é um gênio, uma pessoa muito agradável e divertida. Nunca filmei com uma equipe tão alegre.
— Seu trabalho como atriz está maravilhoso, sabe? Acho que vai ser indicada para o Oscar.
Sheila sorriu, satisfeita com o elogio.
— Querida, você é um amor. E também uma filha corajosa. Não que eu tenha falsa modéstia, não é isso. Acho que sou uma boa atriz. Até estou ouvindo o que os críticos vão dizer: "Sheila O'Neill revela todo o seu talento, numa volta triunfal às telas!" Mas, querida, falar em Oscar já é exagero!
— E haverá uma porção de ofertas de trabalho. Sua carreira vai renascer!
Sheila assentiu, os olhos brilhando.
— Seria maravilhoso. Para ser honesta, mesmo que não admita isso publicamente, eu já estava cansada de não fazer nada. É ótimo começar a fazer planos novamente.
O chá chegou e, enquanto o garçom saía, fechando a porta silenciosamente, Sheila virou-se para a filha, com ar preocupado.
— Mas meu problema não tem nada a ver com o filme. O que me preocupa é você.
— Eu?
— Exatamente. E Spencer.
O sorriso desapareceu do rosto de Bárbara. Antes que ela pudesse responder, Sheila continuou, com sua voz ao mesmo tempo suave e firme:
— Vi que havia algo errado assim que soube que Spencer deixara a produção. Mas, como você não me disse nada, não quis me intrometer. Achava que iam acabar se entendendo. Mas há quase dois meses você não toca no nome dele. O que aconteceu?
— Está tudo acabado, mamãe. Terminamos, é só isso.
— Não é tão simples assim! Você não deve estar falando sério. Eu vi o modo como ele a olhava, no Natal. Estava apaixonado! E você também. Pela primeira vez em sua vida!
Ao lembrar-se daquele dia, Bárbara teve que conter-se para não cair em pranto. Quando finalmente respondeu, sua voz estava cheia de tristeza:
— O amor às vezes não é suficiente, mamãe. Mas você está certa numa coisa: não foi simples. Foi tudo terrivelmente difícil. Concluí que é impossível conciliar amor e trabalho.
— Acredite-me, eu realmente entendo. Com uma carreira que requer muita dedicação, é difícil querer também um casamento, filhos. Não é fácil. Normalmente, um dos lados sai perdendo. Todos nós temos que fazer nossas opções na vida. Você está satisfeita com a sua?
— Não foi uma escolha, propriamente. O problema era a minha posição no estúdio. É evidente que, se fosse para escolher entre o emprego e Spencer, eu não hesitaria em ficar com o homem que amo. Mas havia muito mais em jogo. Minha auto-estima. O que meu sucesso ou fracasso significa para outras mulheres que tentam quebrar as barreiras. O que isso significa para mim.
Sheila abraçou a filha. Sentia-se orgulhosa.
— Minha pobre criança...
— Chega desse desabafo, dessa depressão. Vamos conversar sobre algo realmente interessante. — Tinha um ar maroto, — Lembre-se, bem que eu avisei que Harrison Kahn tinha uma queda por você.
Sheila começou a rir.
— Oh, você não tem idéia do que está dizendo!
— Ei, lembre-se de para quem está trabalhando? Mais respeito com sua chefe, mesmo que tenha colocado fraldas nela um dia! Ouça, mamãe, sei o que estou dizendo. E mais: acho que você gosta dele. Vi o modo como conversaram a noite toda.
— Mas eu tinha que fazer isso! Ele parecia tão desajeitado, tão desambientado... Harrison é simpático. Tem um jeito meio brusco, mas é simpático.
— Foi o que pensei. Sabe, mamãe, acho que voltar à cena está fazendo maravilhas por você, e não só no campo profissional.
Sheila riu, enquanto indicava a porta para a filha, sugerindo que era hora de ela ir para seu quarto, dormir.
— O que eu acho disso tudo é que é melhor você não meter seu narizinho nos assuntos dos mais velhos.
Deu-lhe um beijo no rosto e então disse, preocupada:
— Desculpe-me por não ter podido ajudar com relação a Spencer. Não tinha percebido as dimensões do problema.
— Não há nada que você possa fazer. Este já é um assunto do passado.
— Algumas vezes, querida, certas coisas não ficam no passado. Principalmente em se tratando de amor.
Tarde da noite, Bárbara apagou as luzes em seu quarto. Através da janela olhou o céu e a neve nos picos das montanhas, luminosos à luz da lua.
Tentava afastar Spencer do pensamento pela milésima vez, mas em seu lugar se formara outra imagem, que lhe trazia lembranças dolorosas: Sally.
Olhando a neve, não podia esquecer a expressão da amiga, naquele dia, há dois meses, quando fora a Banff pela primeira vez.
Não tinha idéia de onde ela podia estar agora. A única coisa que sabia era que Sally deixara o hospital no dia seguinte à última visita que lhe fizera. Não tinha meios de saber como ela estava. Então rezava todas as noites para que a amiga estivesse bem. E não se culpava mais pelo que acontecera.
"Nenhum homem é uma ilha..." dissera alguém, e era verdade. Talvez a tragédia não tivesse acontecido se ela se esforçasse mais para lançar sua ponte em direção à ilha de Sally.
Aqueles pensamentos trouxeram lágrimas aos seus olhos, e mais que nunca ela sentiu necessidade de ter Spencer, tocá-lo, amá-lo.
"Ah, Spencer Tait, como sinto sua falta... Estou tão sozinha esta noite... como nunca pensei estar. Há um continente e um oceano entre nós, mas sinto sua presença, como se estivesse aqui neste quarto. Por Deus, Spencer, eu daria qualquer coisa no mundo para que você estivesse aqui comigo..."
Terminadas as filmagens em Banff, toda a equipe retornou a Los Angeles. A última chance entrava em sua fase final. Já era fim de março e, se Bárbara quisesse lançar o filme no verão, tudo teria de ser acelerado.
Sean e Nora mudaram-se para um trailer, dentro do estúdio, ao lado dos cenários. Nora comandava três equipes de assistentes de edição, sob a supervisão geral de Sean. Trabalhavam praticamente noite e dia. Bárbara, depois de encerrado o expediente normal no estúdio, juntava-se a eles e continuava trabalhando até que seus olhos se fechassem. Estava exausta, mas era um trabalho que fazia com amor. Além disso, o cansaço lhe facilitava o sono. Dias e noites ocupados permitiam fazer de conta que não havia um imenso vazio em sua vida. O vazio deixado por Spencer.
Em maio, Bárbara convidou Harrison Kahn para ver o primeiro copião de A última chance. E, nessa mesma manhã, foi com espanto que viu sua mãe entrar na sala, acompanhando-o.
— Surpresa, querida? — Sheila riu, abraçando a filha. — Harrison me convidou para ver o copião e eu achei que você não teria nada contra.
— É uma surpresa muito agradável. Acho que você gostará do que vai ver. — Bárbara passou os braços em redor dos ombros dos dois. — Vamos, então. Sean já deve estar com o equipamento pronto. — E conduziu-os até a sala de projeção, satisfeita por achar que sua mãe tinha finalmente decidido abandonar seu exílio amoroso.
Quando as luzes se acenderam, Harrison virou-se para Bárbara:
— Não posso adivinhar do que o público gosta, e é para isso que pago você. Mas, para o meu gosto, o filme está muito bom.
— Será maravilhoso, querida — Sheila disse, apertando, emocionada, as mãos de Bárbara.
— Você esteve maravilhosa — Harrison Kahn disse a Sheila, com admiração no olhar.
O sorriso que ela retribuiu não deixava dúvida de que o relacionamento de ambos tinha progredido bastante desde aquele dia em Banff.
— Fico contente ao ver que vocês pensam assim — disse Bárbara. — Também estou muito satisfeita com o filme e gostaria de lança - lo em avant-première no Radio City Music Hall no dia primeiro de julho.
Harrison hesitou, para depois abrir-se num sorriso.
— Por que não? Vamos fazer do lançamento um acontecimento sensacional. Vamos enfrentar esses críticos de Nova York. Será que a campanha publicitária e o plano de marketing já estarão prontos antes de julho?
— Estarão sim.
Pouco depois, enquanto Sheila retocava a maquilagem, Harrison virou-se para Bárbara com uma expressão séria no rosto.
— Bem, acho que não preciso lhe dizer que seu emprego depende desse filme.
— Não, não precisa.
— Também acho que não é segredo nenhum que eu... bem, que gosto da companhia de sua mãe, não é?
— Não, não é segredo nenhum.
— O que estou tentando lhe dizer é que... é... — E interrompeu-se, confuso. — É que o fato de eu gostar de sua mãe não vai influenciar minha decisão quanto ao seu futuro na United, se o filme for um fracasso. Tenho responsabilidades perante os diretores da companhia e os outros sócios, ainda que o fato de despedi-la me custe o amor de sua mãe.
— Entendo. Assim como acho que você deve entender que, se A última chance fracassar, não esperarei um só minuto para pedir minha demissão. Você nem precisa se preocupar quanto a isso.
— Você sabe que, quando a contratei, não tinha dúvida alguma sobre sua capacidade profissional. Mas me perguntava se teria energia suficiente para o cargo. E vou ser honesto: estava tudo muito confuso e eu não podia esperar muito para tomar uma decisão, por causa daquele desfalque de Jack Leif. Era preciso agir, e agir depressa. Por isso não hesitei em me arriscar.
— E agora, Harrison? Você se arrependeu? É isso o que está tentando me dizer?
— Absolutamente. O que estou tentando dizer é que notei uma mudança em você nestes últimos meses. O trabalho a amadureceu do modo como eu previa. Não importa o que aconteça com Á última chance. Acho que você cresceu muito e encontrou seu caminho. E admiro-a por isso.
Sim, ela havia amadurecido. Perder o homem que amava e ver uma amiga defrontar com a morte eram duas coisas que provavelmente amadureciam uma pessoa, se ela sobrevivesse a isso tudo. Mas havia uma questão: será que valia a pena? Bárbara tinha dúvidas quanto à resposta.
Mesmo assim, sorriu para Harrison.
— Obrigada. Isso significa muito para mim.
Alguns instantes depois, Sheila, que se preparava para sair com ele, puxou-a de lado:
— Querida, antes eu não podia lhe dizer nada, por causa das filmagens em andamento, mas agora insisto em que deve descansar um pouco. Está muito pálida. Sei que tem muitas responsabilidades aqui, mas nada é tão importante quanto sua saúde. Você não pode deixar que essas coisas a destruam.
— Vou tentar me lembrar disso.
Sheila olhou-a, preocupada.
— E Spencer?
Bárbara simplesmente balançou a cabeça.
— Sinto muito. — Sheila suspirou. — Mas ainda acho que vai dar certo. De algum modo, vai dar.
— E você, mamãe?
Sheila deu uma risada gostosa.
— Estamos indo passar alguns dias em Miami. Harrison tem uma casa lá. — E piscou, com ar maroto. — Ê bem moderninho da minha parte, não acha?
— Acho maravilhoso. E você parece feliz.
Despediram-se e Bárbara logo viu a limusine preta de Harrison afastar-se, passando pelos portões de ferro da United para depois desaparecer na curva. Estava feliz por sua mãe, mas sabia que ela se enganava no tocante a Spencer.
Uma semana depois, sentada ao lado de Sean e do compositor do tema de A última chance, ela estava totalmente imersa no trabalho. Mixavam a música de fundo, escolhendo alguns trechos de O crepúsculo dos deuses para as cenas filmadas em Banff. Bárbara não podia estar mais satisfeita. Sean, por seu turno, mostrava-se maravilhado.
— Meu Deus! Wagner! Que clássico!
Foi então que Bárbara levantou os olhos... e sentiu o sangue gelar.
Sally estava parada na porta.
Rapidamente, levantou-se e correu para a amiga.
— Sally!
— Oi — disse a outra, tímida.
Subitamente, Bárbara sentiu que não conseguia conter a emoção que a dominava. Abraçou Sally com força, aliviada por vê-la viva e bem.
— Meu Deus, Sally, por que é que você não telefonou ou escreveu?
— Não pude — a amiga desculpou-se, os olhos cheios de lágrimas. — Bárbara, eu simplesmente não podia. Não depois de tudo o que fiz.
Bárbara conseguiu improvisar um sorriso.
— Venha, vamos sair daqui.
Foram até a lanchonete ao lado do escritório.
— Que aconteceu com você?
— Eu tive que ir embora. Sabia que não poderia encará-la, especialmente depois de tudo o que fez por mim.
— Sally, eu fiquei tão aborrecida por tê-la mandado embora...
— Não fique. Na verdade, seu apoio foi a única coisa que me ajudou.
— Para onde você foi?
— Sei lá. Peguei o carro e saí, sem destino, até achar um lugar onde passar um tempo. — Sorriu. — Era Santa Fé.
— Santa Fé!
— Eu sei que pode parecer meio longe, mas é um lugar maravilhoso! As montanhas, o deserto... Bem, para encurtar a história, aluguei uma casa no campo e procurei a ajuda de um bom psiquiatra.
— Mesmo? E o que aconteceu?
— Você tinha razão. Depois de algum tempo, as coisas não pareceram tão tétricas. E acho que aprendi muito sobre mim mesma. A verdade é que não sou tão forte quanto você. O trabalho em cinema pode destruir uma pessoa. Você consegue se manter imune a esse poder destrutivo, mas eu não. É como se toda essa engrenagem me engolisse.
— Sally, você está de volta e isso é o que importa. E seu emprego ainda está à disposição. Quanto a ser "engolida" pelas engrenagens, não deixaremos que isso aconteça novamente.
— Não, não vai acontecer de novo. Não vou ficar, Bárbara. — E, dizendo isso, lançou um olhar suplicante à amiga. — Conheci um homem. Um fazendeiro. Não exatamente um galã de cinema, mas exatamente o que eu procurava, o que eu precisava. Ele é viúvo e tem dois filhos pequenos. Estou apaixonadíssima.
Bárbara pensou que já deveria ter percebido isso. O olhar radiante no rosto de Sally já explicava tudo. Apertou as mãos da amiga, com verdadeira alegria.
— Isso é maravilhoso!
— Então quer dizer que não está desapontada comigo?
— Desapontada? Deus, como eu a invejo!
Sally franziu a testa, intrigada.
— Você me inveja? Eu estava com medo de que fosse achar que sou tola por jogar minha carreira fora!
— Se ele tem dois filhos pequenos, acho que você só está começando sua carreira. Acho que o papel de mãe é tão ou mais difícil do que o de uma diretora de produção.
Conversaram por mais de uma hora. Sally falou de sua nova vida em Santa Fé, a terra magnífica, o teatro e as oportunidades que poderia ter por lá. E, claro, falou muito do charmoso fazendeiro que a fizera trocar o cinema pela vida cheia de paz no campo.
"Sally está certa", Bárbara pensou. O cinema, com toda a tensão que envolve, os interesse, as altas somas de dinheiro em jogo poderia destruir alguém sensível como ela. Hollywood não era para qualquer um. Talento não era suficiente. Era preciso ser forte.
Algum tempo depois, despediram-se. Bárbara prometeu que iria com Rebecca a Santa Fé, para assistirem ao casamento.
Ao voltar para a sala de projeção, onde continuaria o trabalho de mixagem, passou pelo boxe reservado para o carro de Spencer, no estacionamento atrás do prédio executivo. Percebeu o quanto invejava Sally. Invejava a amiga desesperadamente.
Spencer estava de pé no bar de sua suíte no Blakes Hotel, servindo-se de brandy. Dali podia sentir o envolvente perfume da linda jovem que lhe fazia companhia.
Queria ter evitado aquele hotel, mas era alta estação em Londres e não conseguira achar acomodações decentes em outro local.
— Quero tomar um pouco de uísque, se você me acompanhar. Com um pouco de club soda, sem gelo.
A voz era suave, aristocrática, feminina.
Spencer preparou os drinques, levando os copos até a cama desfeita, onde uma jovem estava deitada, parcialmente coberta pelo lençol.
"Ela é realmente linda", ele pensou. "Um corpo tão perfeito que poderia ter saído de uma pintura de Botticelli. Traços bonitos, pele clara. Cabelos castanhos e olhos azuis... bem azuis."
Como Bárbara.
Spencer engoliu em seco. Ela não era Bárbara. Pela primeira vez, naquela noite, encarava o fato de ter dormido com aquela moça porque ela lhe lembrava a mulher que amava.
Fora um erro, do qual se arrependia amargamente. Era loucura esperar que outra mulher pudesse exorcizar a imagem de Bárbara só por ser parecida com ela.
Seu nome era Holly Gregson, uma atriz inglesa desconhecida que esperava conseguir um papel no filme de Spencer.
"Usamos um ao outro, esta noite", pensou ele sem nenhum sentimento de rancor para com Holly. Ela apenas tinha sido prática. "E, quem sabe, talvez até tenha me achado atraente. Minha motivação é muito pior do que a dela."
Apertando mais o cinto do robe, Spencer olhou-a direto nos olhos.
— Você tem o papel. Peça ao seu agente que me telefone. — Ela pareceu surpresa, depois satisfeita. — Preferia ficar sozinho agora, se não se incomoda.
Poucos minutos depois, Holly tinha ido embora.
Spencer sentou-se numa poltrona, bebendo seu brandy. Holly era uma atriz inexperiente, mas ele sentia que lhe devia o papel. Pediria ao roteirista que cortasse seus diálogos ao máximo. Holly talvez conseguisse sucesso, mas apenas com sua beleza.
Ao dirigir o carro alugado até o Aeroporto de Heathow, no dia anterior, procurara convencer a si mesmo de que aquela cidade não tinha efeito nenhum sobre ele. Bárbara e os dias que passaram juntos não tinham deixado marcas. Mas Spencer estava apenas tentando se enganar. Tudo o que via lembrava-lhe Bárbara e a noite que tinha mudado sua vida para sempre.
Suspirou profundamente, dando-se conta de que não conseguiria escapar tão facilmente da dura realidade. Imaginara que, conhecendo outras mulheres, dormindo com elas, poderia tirar Bárbara da cabeça. Como estava errado! Não tinha dado certo, claro. Não podia dar certo.
De algum modo era engraçado, pensou. Pelo menos as mulheres que encontrava iriam achar isso. Spencer Tait, que tinha tido tantos casos inconseqüentes, agora estava apaixonado. Perdidamente. Inexoravelmente.
Terminou o brandy. E olhou para um futuro incerto, porque Bárbara não fazia parte dele...
Uma semana antes da première de A última chance, Bárbara decidiu gastar vinte e sete mil dólares para anunciar o filme, numa página inteira no New York Times. Mais vinte e quatro mil dólares foram empregados no aluguel do Radio City Music Hall e outros cinqüenta mil em anúncios na televisão e no rádio. Todo esse custo, raciocinou ela, satisfeita, seria insignificante quando comparado à bilheteria que o filme iria conseguir logo na estréia. Sem falar na recepção de gala, no Waldorf Astoria. A United havia trazido críticos de vários pontos dos Estados Unidos para participar do lançamento. A festa de gala incluiria um jantar e shows com artistas famosos. As maiores celebridades de Hollywood estariam presentes. Bárbara estava satisfeita por ter feito tudo o que era humanamente possível por seu: primeiro filme.
Às sete horas, já estava à espera dos convidados ao lado de Harrison e Sheila. Sentia-se tensa. Mãe e filha tinham se esmerado na aparência, para uma noite tão importante. Bárbara estava maravilhosa num vestido lilás, feito em chiffon e seda pura. Sheila, por sua vez, brilhava como a verdadeira estrela que era em sua saia e blusa de chiffon preto com detalhes em dourado.
A semana que terminara tinha sido uma verdadeira loucura. Só tinham conseguido concluir as mixagens no dia anterior, e Bárbara trouxera consigo os impressos naquela manhã, de avião.
Sean Randall, meio desajeitado num smoking, parecia deliciado com tudo aquilo.
— Adoro este lugar! Veja só o tamanho dessa tela!
Bárbara sorriu, notando-lhe a animação. Quanto a ela, embora se portasse com desenvoltura, estava uma pilha de nervos. Desejava que começassem a passar logo o filme. O tribunal que julgaria os méritos de A última chance já estava a postos, e agora ela se sentia ansiosa por ouvir o veredicto, fosse qual fosse.
Quando as luzes começaram a perder intensidade, todos se sentaram em seus lugares perto da tela. O filme começou e, subitamente, Bárbara deu-se conta de que não agüentaria ficar sentada ali, imóvel. Desculpando-se com um sussurro, levantou-se e voltou para o hall de entrada. Ficou ali, parada, esperando. De vez em quando abria a porta para tentar ver a reação do público. Mas não conseguia saber como o filme estava sendo recebido.
Então, A última chance acabou. Houve um momento de silêncio... e a audiência explodiu em aplausos e vivas. O coração de Bárbara disparou.
Sentindo-se leve como uma pena, fugiu do hall, enquanto o público, excitado, começava a sair do auditório.
Reuniram-se a ela a equipe do estúdio, juntamente com Sean, sua mãe e os outros atores do filme. Uma entrevista coletiva foi marcada às pressas e todos se dirigiram à sala de imprensa. A fobia de Bárbara em relação à imprensa sumiu como mágica. Aquilo não era uma ameaça, e sim uma festa! A maior parte das perguntas foi dirigida a Sheila, a grande estrela da noite.
Bárbara entrevia Harrison, parado atrás dos repórteres, observando Sheila com orgulho, enquanto ela, com seu charme natural, encantava a imprensa.
Quando a entrevista acabou, foram todos para o Waldorf Astoria celebrar o sucesso do filme. Mas Harrison Kahn conseguiu puxar Bárbara de lado por um momento.
— Você conseguiu!
— Isso quer dizer que ainda tenho meu emprego?
— Acho até que vou renegociar seu contrato, em outras bases... se alguém me pedir.
— É comigo? — Rebecca riu, reunindo-se a eles. Abraçou Bárbara, contente. — Terei muito prazer em lutar por melhores condições para minha amiga.
— Ouçam bem, vocês dois — Bárbara disse firme. — Se tivemos êxito, foi porque muitas pessoas deram o sangue para isso.
— Nada de falsa modéstia — interveio Harrison. — Você acreditou no filme quando ninguém acreditava mais, nem mesmo eu. Por Deus, você mostrou ter mais intuição do que Spencer Tait, e isso significa muita coisa! — Deu-lhe um beijo paternal no rosto. — É a dona da festa, minha cara, e não se esqueça disso. Vejo-a no Waldorf. Acho que sua mãe está me esperando.
Bárbara deu uns passos pelo hall vazio. Subitamente, percebeu que não se sentia à vontade para ir à festa, pelo menos naquele momento. Resolveu entrar no cinema.
Estava vazio. Sem público nas poltronas nem filme na tela, era somente uma sala qualquer. Só tinha vida quando havia fantasia no ar.
Sentou-se numa das poltronas. Sentia um imenso alívio. Como Harrison dissera, tinha acreditado no filme o tempo todo. Tinha sido firme em suas convicções. E agora sentia orgulho disso.
Mas não estava feliz. E sabia perfeitamente por quê. Sem Spencer, aquela era uma vitória vazia, sem sentido.
— Este lugar está ocupado?
Assustada, Bárbara levantou o rosto e deparou com os olhos mais verdes que já vira.
Spencer estava ali, parado, uma das mãos dentro do bolso do smoking, um sorriso irônico nos lábios.
— Você esteve aqui hoje à noite? — A voz dela era quase que um sussurro.
— Mas é claro! Não teria perdido a melhor noite de sua vida. Vim de Londres hoje de manhã.
Spencer sentou-se ao lado dela. E olhava ansioso, dentro de seus olhos azuis.
— Foi fantástico, Bárbara. Não sei como você fez isso, mas transformou um fracasso num sucesso total. Eu estava errado.
— Não, não estava. Podia ter sido um fracasso. Então você teria perdido tudo aquilo que levou anos para conquistar.
— Ainda que tivesse sido assim, não me sentiria pior do que me senti nesses últimos meses, sem você.
Eram as palavras mais doces que ela já ouvira. Mais doces que os aplausos, que os cumprimentos dos críticos. Muito mais do que o reconhecimento e a oferta de um novo contrato por Harrison Kahn.
E nem precisava dizer-lhe que sentira o mesmo, pois seus olhos guardavam sinais de toda a dor sofrida naqueles meses.
— Você vai à festa?
A expressão dele tornou-se séria, quase sombria.
— Não. Estou indo para Londres esta noite. Achei melhor...
A voz de Spencer falhou e ele deixou a frase incompleta, desviando o olhar. Era doloroso para os dois ficarem juntos, mesmo por alguns instantes. Mas, apesar de toda a tristeza que sentiria quando Spencer se fosse novamente, Bárbara estava exultante por ele ter vindo. Só o fato de vê-lo, ouvi-lo dizer que sentia terrivelmente sua falta, já compensava tudo. Ela levantou-se e Spencer a seguiu.
— Acho melhor ir agora — disse. — Estão me esperando no Waldorf.
— Acompanho-a para pegar um táxi.
Lá fora, a noite quente de verão parecia cheia de promessas. Mas eram promessas impossíveis. E Bárbara teve certeza disso quando Spencer a colocou no táxi e lhe disse adeus.
Bárbara olhou para as laranjeiras e para as montanhas verdes. Estava anoitecendo e o sol se punha no horizonte, deixando um rastro dourado. Ela decidira passar uns dias na fazenda dos avós, pois precisava desesperadamente afastar-se da loucura de Hollywood por algum tempo. Agora, sentada com as pernas cruzadas, no alto de uma montanha, sabia que esse retiro de nada adiantava. A fazenda lembrava-lhe o Natal, uma época em que os dois estiveram tão próximos, tão juntos como se fossem um só.
Lágrimas enchiam seus olhos, mas Bárbara estava decidida a não se deixar abater. Virando-se, viu que uma silhueta, contra o pôr-do-sol, vinha em sua direção. Não conseguia ver quem era por causa da luz. Com uma das mãos protegeu os olhos do excesso de luz e tentou novamente identificar a silhueta. O que viu fez seu coração saltar e as lágrimas secarem.
Era Spencer.
Permaneceu parada enquanto ele se aproximava. Não tinha idéia alguma do que ele fazia ali, ou de como conseguira localizá-la. De qualquer forma, isso não importava. Tudo o que importava era que ele estava ali.
Spencer chegou bem perto e ficou olhando-a por um longo momento. O amor nos olhos dele era límpido e cristalino, tanto que Bárbara se sentiu embaraçada, com vontade de desviar o olhar. Mas não desviou. Olhou para ele, feliz com sua presença, com o amor que sentiam.
— Eu não agüentei ficar longe. Tenho uma coisa para você. Trouxe de Londres.
Ele tirou do bolso uma caixinha de veludo preto. Bárbara não precisou abri-la para saber o que continha. A caixinha era grande o suficiente para um anel.
No entanto, ao abri-la, notou que era um anel diferente de todos os que já vira. Era especial. Um grande diamante solitário, com pelo menos cinco pontos, e engaste em platina. Não era o tamanho, mas sim a cor que o tornava tão especial. Era cor-de-rosa, lapidado em forma de brilhante.
Quando Bárbara levantou os olhos para Spencer, ouviu-o dizer suavemente:
— Eu já lhe disse uma vez que cor-de-rosa é para meninas...
O coração dela batia descompassado. Sentia tanto amor que parecia flutuar.
— Case-se comigo, Bárbara. Por favor.
"Eu quero", ela pensou. "Oh, Deus, quero tanto que quase dói!"
Sua vida não tinha sentido sem Spencer. Era vazia, despida de alegria e.felicidade.
Ainda segurando a caixinha, ela colocou as mãos no peito de Spencer e olhou aqueles olhos tão verdes. O amor que via neles era verdadeiro, puro. Sentiu o coração disparar; depois experimentou uma ternura infinita. Todo aquele amor inundava-lhe a alma.
— Não sei o que vai acontecer conosco quando descermos dessa montanha. Só sei que nenhum desses problemas que iremos enfrentar importa se comparado com o amor que sinto por você, Spencer. O sucesso, meu emprego, nada importa, nada tem valor se você não estiver comigo. Amo-o mais do que a tudo na vida.
Com um gesto firme, Spencer prendeu-a num abraço.
— Querida... — Os lábios dele acariciavam-lhe a testa e ela pôde sentir o coração de Spencer batendo fortemente.
— Talvez você não precise desistir de tudo. Tenho uma idéia. Pensei nisso durante um bom tempo. É óbvio que, juntos, trabalhamos bem. Juntos somos melhores do que separados. E, certamente, muito mais felizes. Então... pensei que nós dois podíamos criar uma empresa, uma produtora independente. Poderia vir a ser um estúdio. Você será minha sócia. E minha esposa. Poderemos fazer os filmes maravilhosos que queremos, com liberdade total.
Bárbara hesitou. Era uma boa idéia, uma coisa em que nunca pensara. Ela e Spencer estariam desistindo de alguma coisa. Ele, da segurança de trabalhar com a United. Ela, de seu cargo de presidente do estúdio. Mas, por outro lado, teriam um ao outro!
— Discuti essa idéia com uma pessoa de um banco muito poderoso. Estritamente confidencial, é claro. Ele disse que poderia nos dar um crédito imediato de uns quarenta milhões.
Não é muito se compararmos com a estrutura da United, mas é suficiente para começarmos.
A voz dele falhou quando viu a expressão de Bárbara.
— Ainda assim, teremos problemas. Mas conseguiremos resolvê-los.
Subitamente, ela se lembrou das palavras de Spencer a respeito de transformar sonhos em realidade. "Tenho que tentar, mesmo correndo o risco de perder tudo. Porque, se não tentar, já estarei perdendo."
"E, além disso", pensou ela, "sempre gostei de desafios. E terei algumas recompensas especiais."
— E então? — A respiração dele era difícil. O brilho de paixão que Bárbara viu nos olhos verdes foi o bastante para que um tremor lhe percorresse todo o corpo.
— Claro que sim! Você sabe tão bem quanto eu que finais felizes só são permitidos em Hollywood... Mas, nós tentaremos construir o nosso.
Pamela Wallace
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