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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Uma Púpila Rica Ato 5 / Joaquim Manuel de Macedo
Uma Púpila Rica Ato 5 / Joaquim Manuel de Macedo

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Uma Púpila Rica Ato 5º

 

a mesma cena do 4º Ato

 

Cena 1ª Firmino: Peregrino: e Silvia que logo se retira

Firmino

Que demora!

Silvia

Eu estava no 2º andar.

Firmino

E Corina?

Silvia

Recolheu-se ao quarto da srª. d. Suzana.

Firmino

Ainda!

Peregr.

Procurou a melhor companhia que pode ter na ausência de minha madrasta.

Firmino

Em todo caso não te afastes do lugar onde ela se acha, e cumpre as ordens que tens recebido. (entra no gabinete)

Peregr.

Silvia, põe-te a janela, e se minha madrasta chegar antes que eu tenha saído, corre logo a prevenir-me. Basta que te mostres à porta desta sala.

Silvia

Pode ficar descansado.

Peregr.

Com certeza d. Corina não recebeu hoje carta, nem recado?...

Silvia

Nem recado, nem carta.

Peregr.

Vai para a janela. (vai-se Silvia)

Firmino

(saindo) Paga bem a essa criada: é o único meio de impedir que ela venda iguais serviços a outro.

Peregr.

Não terá tempo: amanhã será o dia afortunado, se minha madrasta não se opuser à partida de Corina.

Firmino

Teodora abateu-se, coitada: parece castigar-se pela injusta difamação de Corina: já lhe perdoei;

perdoa-lhe também: foi devaneio de mãe.

Peregr.

Aprova ela a retirada da sua pupila para a chácara de Andaraí?

Firmino

Tanto ela como Corina concordaram nisso desde que souberam que a tia Suzana vai também para a chácara.

Peregr.

Eis o essencial: o mais é simples.

Firmino

Peregrino, nós nos expomos a um grande opróbrio; que ao menos o resultado compense o escândalo.

Peregr.

Agora o meu empenho é salvar meu pai da mais leve suspeita de conivência comigo. Amanhã de manhã vossa mercê escreverá ao dr. André, marcando-lhe dia e hora para tratar do seu casamento com a sua pupila, a quem dará a agradável notícia; a retirada para a chácara explica-se pela conveniência de separar Corina de mim e de Carlos que pretendíamos a sua mão.

Firmino

E que mais, Peregrino?...

Peregr.

Amanhã vossa mercê procurará o juiz dos órfãos que, sem dúvida, tomará todas as suas resoluções e principalmente aquela que fará distanciar de seus filhos a noiva do dr. André.

Firmino

E à tarde levarei Corina e a tia Suzana para a chácara...

Peregr.

E Silvia e Roberto as acompanharão, ficando lá a seu serviço e em sua guarda...

Firmino

E tu?...

Peregr.

A chácara é solitária, meu pai; as noites de junho são longas, e as que estão correndo agora, escuras e propícias aos ladrões e aos amantes: Silvia e Roberto me estão dedicados; o seu feitor é criatura minha, e tarde, bem tarde, vossa mercê saberá que um filho ingrato lhe roubou a pupila.

Firmino

Peregrino!

Peregr.

Tenho tudo pronto, meu pai: o clorofórmio para o lenço que sufocará os gritos de Corina, e a

tornará por minutos... insensível... a carruagem para fugir; o abrigo ermo e seguro para ocultar- me por alguns dias...

Firmino

Mas se ela morresse... se involuntariamente a matasses com a perigosa aplicação de clorofórmio...

Peregr.

Que receio inconseqüente!... Não vê que eu tenho necessidade de Corina viva?... Sei o que vou fazer.

Firmino

Tu nem calculas com a desesperada resistência da vítima!...

Peregr.

Meu pai... amanhã à noite eu me despedirei, ressentido de vossa mercê, recusando o seu desamor

e revoltando-me contra a sua autoridade: naturalmente o sr. Teófilo estará aqui, e será testemunha da minha desobediência e ingratidão: um filho tão mau... um filho que desacata seu pai...

Firmino

Que queres dizer?...

Peregr.

Digo que tudo está calculado por mim, e que vossa mercê deve poupar-me às explicações. Eu vou ser opressor... algoz durante alguns dias para ser feliz, rico e esposo estremecido toda minha vida. Firmino

Oh, meu filho... deveras que planejamos um crime... sim... o mundo, porém, aí está erigindo altares ao ouro... a sociedade aí está honrando, purificando a riqueza ainda mesmo provinda de fontes turvas e lodosas... e escarnecendo da pobreza ou pelo menos, aviltando-a como o desvalimento do homem de honra que é pobre... Peregrino, o teu casamento lavará a nódoa... vou... não hesito mais... vai... mas lembra-te bem: nestes casos extremos há só um crime que é imperdoável...

Peregr.

Qual?

Firmino

O malograr-se o atentado.

Peregr.

Posso contar com meu pai?...

Firmino

Farei tudo por ti.

Peregr.

Corina será sua nora. (beija a mão de Firmino)

Firmino

Julgas que desde hoje devo mostrar-me favorável ao dr. André?

Peregr.

Não, meu pai; só amanhã: é preciso não dar tempo nem aos assomos da esperança. (Silvia chega à frente e faz-se sentar, tossindo) Ah, chega minha madrasta: sairei sem que ela me veja. (vai-se)

Firmino

Silvia! (aparece Silvia) A senhora já entrou?...

Silvia

Entraram todos pelo jardim, onde passeiam.

Firmino

Todos quem?

Silvia

A senhora e seus filhos e o sr. Teófilo.

Firmino

Ah!... Teófilo... vou encontrá-lo...

 

Cena 2ª Silvia; Suzana e Corina

Suzana

Já chegaram?... eu ouvi a voz de Júlia...

Silvia

Estão no jardim.

Suzana

Queres descer ao jardim, Corina?...

Corina

Para que, tia Suzana?... Esperemo-los aqui...

 

Cena 3ª Suzana: Corina: Teodora: Silvia que se retira

Teodora

Tia Suzana! Adeus Corina: (tirando o chapéu e a manta) você guarda [sic] isto (a Silvia que vai- se), passei pelo seu quarto, tia Suzana... (ansiosa)

Suzana

Saímos dele agora mesmo...

Teod.

Escutam: tia Suzana, eu imponho segredo: se falar, me fará mal: Corina será discreta: é de seu interesse.

Corina

Meu Deus!

Teod.

Resistam, oponham-se à partida para a chácara do Andaraí... não vão... resistam...

Suzana

Por que?...

Teod.

Peregrino, o meu nobre enteado preparou um plano para o rapto de Corina... e este desterro para a chácara isolada... deserta...

Corina

(abraçando-se com Suzana) Oh!

Suzana

E Firmino?

Teod.

É pai e ambicioso, como sou mãe, e fui má: não tenho o direito de acusá-lo... perdão para ambos!... e agora...

Suzana

Agora é o crime que provocou a vingança do senhor!...

Teod.

Silêncio, minha tia; façam o que disse: resistam ambas: não vão para a chácara... mas... segredo: volte para o seu quarto e leve consigo Corina... depressa... não me convém que nos achem conversando...

Suzana

Por que tem medo de fazer o bem?...

Teod.

Oh! depois direi, confessarei tudo: retirem-se... depressa... já sinto passos. Deixem-me só...

Corina

Tia Suzana! vamos... (levando-a)

Suzana

(indo e apontando para Teod.) Ali também há pecado, Corina!... (vão-se)

Teod.

(caindo em uma cadeira) Ah!... (levanta-se risonha à chegada dos que entram)

 

Cena 4ª Teodora: Júlia: Teóf.: Carlos: Firmino

Firmino

(a Teodora) Eu saí por uma porta e tu entraste por outra.

Teod.

A procurar-me?... Foi o que me aconteceu, procurando-te: quando entrei por uma porta, tinhas saído pela outra.

Firmino

Ao menos voltaram mais cedo do que eu esperava e com o melhor dos nossos amigos.

Teod.

E apanhado por feliz acaso: está escrito que Júlia é a mais ditosa das criaturas. (sentam-se)

Júlia

Nem tanto; pois que a minha companhia não pode vencer de todo a preocupação amarga do senhor Teófilo.

Teóf.

Eu protesto: trazia sobre o coração o peso de grande desgosto e quase que o esqueci, achando-me a seu lado...

Júlia

Devo perdoar-lhe o quase?...

Teóf.

Deve; porque o desgosto era profundo, e o seu prestígio fez-me alegre...

Júlia

Oh, não! O seu olhar e a sua voz foram os bálsamos milagrosos que me curaram a ferida: a sua virtude e consolação angélica que me afoga a lembrança de uma ação indigna de um atentado horrível, que embora me sejam estranhos, abriga a minha reprovação e o meu aborrecimento.

Firmino

Um segredo?...

Teóf.

Que não é meu, e que posso docemente esquecê-lo aqui.

Firmino

Santas palavras! Janta hoje conosco?

Júlia

Janta, sim: e eu hei de obrigá-lo a não pensar mais nesse ruim segredo: serei capaz de conseguí-lo?

Teóf.

Pergunta se pode fazer o milagre depois de tê-lo feito? O que de resto me preocupa é o meio de vê-la aflita por sua vez.

Júlia

Como? Por que?...

Teóf.

Porque se chegar a saber do que se sabe, há de revoltar-se ainda mais do que eu...

Teod.

Algum fato escandaloso...

Júlia

Nada há de triste ou de desairoso que possa ter comigo relação...

Teóf.

Oh, certamente; mas os corações generosos choram os males, os martírios alheios como se fossem próprios.

Júlia

Os martírios!!!

 

Cena 5ª Teod: Júlia: Firmino: Carlos: Teófilo: e um criado que traz uma carta Criado

Pelo correio urbano uma carta para sr.ª Suzana. (Teófilo e Júlia conversam)

Teod.

Uma carta para minha tia!... Que novidade!...

Firmino

(tomando a carta e a Teodora) Não conheço a letra do subscrito.

Teod.

Nem eu.

Firmino

(a Teod.) Desconfio desta carta: não a devemos entregar.

Teod.

(a Firmino) Cuidado! Teófilo está presente e talvez nos observe... não seria bonito...

Firmino

(ao criado) Leva a carta à sr.ª d. Suzana. (vai-se o criado) É a primeira vez que a nossa velha tia recebe carta pelo correio... o fato nos tornou curiosos.

Teóf.

Ah!

Carlos

D. Corina será a primeira a ler a carta; porque sempre que se acha com a tia Suzana é a sua leitora obrigada.

Teóf.

Então d. Corina vive confinada aos cuidados da sr.ª d. Suzana?

Teod.

Apenas quando saímos sem ela: fora desses casos vive sempre com Júlia, de quem nunca se separa.

Teóf.

Perdão... escapou-me uma pergunta indiscreta.

Firmino

Oh, não houve indiscrição... (conversa com Teodora)

Júlia

Pergunte-me tudo: desejo e estimo que conheça toda a nossa vida.

Teóf.

(baixo) Deveras d. Corina é aqui sua companheira inseparável?

Júlia

De dia sempre juntas estudando ou brincando; à noite dormimos na mesma sala.

Teóf.

E que pensa de d. Corina?...

Júlia

É tão bonita, como boa.

Teóf.

(baixo e sério) Em tudo soa igual?

Júlia

(estremecendo de leve) Senhor! Tão pura como eu.

Corina

(dentro, grito pungente) Oh!...

Júlia

Um grito de Corina!... (em pé)

Teod.

Que será?... (querendo ir)

Firmino

Vamos ver... (indo)

 

Cena 6ª Teodora - Júlia - Firmino - Carlos - Teófilo - Corina e Suzana que a segue tendo na mão uma carta aberta

Corina

(Em desespero e pranto) Justiça de Deus!... Oh... justiça!...

Firmino

Teodora Carlos Júlia

Que é?...

Corina

É o horror... a infâmia! (vendo Teóf.) Oh!... Senhor Teófilo, é falso, é falso é falso... (afoga-se em pranto)

Firmino

(a Suzana) Que foi isto?...

Suzana

A serpente da calúnia mordeu-a no seio virginal.

Firmino

Minha filha!...

Suzana

Não é sua filha, é sua vítima!

Teod.

Minha tia, não estamos sós...

Suzana

Que todos me ouçam! Esta inocente menina é uma vítima, para quem dois abismos estão cavados pelo crime: um deles se preparava na chácara maldita, para onde não irei, nem ela irá...

Firmino

Senhora... senhora...

Suzana

O outro é a difamação aleivosa, com que para arredar o mancebo honesto que o céu lhe destina para esposo atacam, despedaçam o seu crédito, e com a mais vil calúnia ultrajam a sua pureza!...

Júlia

Corina!... A pureza de um anjo. (abraça Corina)

Firmino

Senhor Teófilo, não posso explicar o que diz esta senhora... sou alheio a tudo... minha pupila está consternada: enquanto me informo do que se passa, ela vai recolher-se ao seu quarto.

Teóf.

Não, senhor Firmino; o assunto é gravíssimo: trata-se da honra de sua pupila, e ela deve estar presente ao processo e à sentença. Aquela carta é do doutor André de Araújo que nela expôs à protetora de d. Corina horríveis informações que recebeu hoje em outra carta anônima.

Firmino

(tomando a carta da mão de Suzana) Quero ver... (lê) Corina... amante de Peregrino!... Oh!... como isto é inf... (encarando Teodora) Eu juro que é falso!

Júlia

(com veemência) Que aleive infernal! Que perversidade!... Veja, minha mãe! Veja aquela carta!...

Teodora

(luta íntima) Já sei tudo... delírio de ambição...

Júlia

Perversidade!... veja!...

Teodora

Oh, minha filha... sim... perversidade... perversidade... e castigo de Deus!... (Senta-se à mesa e escreve agitada duas cartas)

Suzana

Mas a honra de Corina?... Quem a caluniou?... Quem lhe arma traição? É preciso tudo patente e claro, ou eu sairei à rua, e bradarei pela justiça da terra!

Carlos

Sim; porque eu também maldigo do caluniador e quero minha reputação ilesa: qual é o crime que se preparava na chácara?... Devo saber...

Firmino

É inútil e imprudente explorar seguidos sinistros, ou suspeitas indecorosas: a partida para a chácara não se efetuará: deixemos isso de parte... está acabado: já tenho confusão e vergonha de sobra...

Teóf.

Sim; esqueçamos o mistério da chácara: seja o que for, esqueçamo-lo pelo brio da família a que vou pertencer; a carta anônima, porém, compromete o nome e a honra de uma donzela inocente... ei-la em torturas de aflição...

Júlia

Minha Corina! Minha irmã...

Suzana

Cada tormento da inocência vale uma coroa no céu. Levanta a cabeça menina!

Corina

Quando minha mãe morreu, eu tinha seis anos: ela me chamou para junto de si... olhou-me... disse chorando: “pobre mártir”... e em um beijo — o último — exalou a vida nos meus lábios. Quando meu pai morreu, eu tinha dez anos... em seu agonizar... ( a Firmino) o senhor estava lá... ele lhe disse: —seja-lhe pai, meu amigo! Lembra-se?... Depois encostando a cabeça no meu seio... murmurou quase já sem voz —coitadinha! — e... (em pranto) adeus, meu pai... adeus, meu pai!...

Júlia

Corina!... (chorando)

Corina

Palavras proféticas de minha mãe e de meu pai: previram na hora da morte: — pobre mártir, coitadinha — eis o que sou. (Júlia abraça-a)

Teodora

(da mesa) Carlos! (Carlos chega-se) Por todo o amor que me deves, por compaixão ao menos, vai a correr e entrega estas duas cartas... depressa... tu sabes onde... aí vai indicado no sobrescrito de ambas: uma no escritório comercial: a outra é para Estefânia: corre, meu filho; eu te peço que corras.

Carlos

Sim, minha mãe... seja o que for... devo correr. (vai-se)

Teod.

(à Corina, pondo-lhe a mão no ombro) Corina!... Tu és inocente e casta, como Júlia! A calúnia será destruída...

Teóf.

D. Corina, tranquilize-se: ninguém crê nessa aleivosia satânica; ninguém a ofenderia com uma suspeita, ou eu faria ajoelhar a seus pés o miserável ofensor.

Corina

(levantando a cabeça) Mas a aleivosia feriu a triste órfã; e que ela diga mil vezes — é falso — a malícia de uns... a simples dúvida de outros, abafadas, embora no silêncio, estarão sempre a procurar a mancha negra no véu branco da donzela... oh!... Uma pobre menina que já não tem pai, nem mãe, devia ser objeto da compaixão de todos!... Como é que me assassinam assim!...

Firmino

Corina... minha filha...

Corina

(forte) Sua filha?... E a minha reputação?... Oh!... Tome para seu filho toda a riqueza que meus pais me deixaram; mas eu quero insuspeita a minha honra: eu quero!... Meu tutor! A honra da sua pupila?... Amigo suposto de meu pai! A honra da filha do seu amigo?... Meu Deus!... (com desespero) A minha pureza aos olhos do mundo?... Eu sou inocente!... Sou inocente!..

 

Cena 7ª Teodora - Júlia - Corina - Suzana - Teófilo -Firmino - Criado que logo se retira - e André

Criado

O senhor doutor André de Araújo pede para ser recebido. (sensação geral)

Corina

Oh! (cobrindo o rosto com as mãos)

Firmino

Dá-lhe entrada.

Suzana

(à Corina, apertando-lhe as mãos) Filha! Tem fé!...

Criado

(da porta) O senhor doutor André de Araújo. (vai-se —cumprimento geral)

Firmino

Tenha V.S.ª a bondade de sentar-se.

André

V.S.ª me desculpe: sou um cavalheiro que profundamente ofendido vem dar e exigir contas.

Firmino

Exigir?...

André

Amo sua pupila e por ela autorizado, pedi-lha em casamento: V.S.ª negou-ma: não quero esclarecer o motivo; sou, porém, tão conhecido e, direi, tão estimado nesta capital, que ter-me-ia sido fácil obrigá-lo a sujeitar-se ao que me recusou.

Firmino

Senhor doutor...

André

Não quis fazê-lo: confiando plenamente na senhora que amo, preferi esperar a expô-la e expor- me às discussões públicas sobre a noiva em depósito e o casamento com intervenção da autoridade. Eu desejava receber minha esposa no altar, sem notoriedade de oposição e de contendas; para que não atacasse de leve nem o mais rápido olhar de reparo injustamente malicioso. V.S.ª me obrigou ao contrário.

Firmino

Tutor de Corina, só darei ao juiz dos órfãos contas do meu proceder, enquanto ela for solteira, e de sua fortuna a seu marido logo que se case. Não tenho a honra de ver em V.S.ª nem juiz, nem marido.

André

Venho da casa do juiz dos órfãos que condenando a recusa, com que V.S.ª me repeliu, ofereceu-me toda ação da sua autoridade e nem para isso precisei mostrar-lhe o que o meu amor e o santo pudor de sua honestíssima pupila impunham-me o dever de ocultar. V.S.ª sabe o que é...

Firmino

Mas ignoro ainda o fim da acerba visita de V.S.ª

André

Exigir explicações desta carta anônima, caluniosa e malvada que hoje recebi. (apresenta a carta) Tenha a bondade de lê-la! V.S.ª, como tutor, tem obrigação de destruir torpes falsidades e de vingar a honra ultrajada da sua pupila. Senhor Firmino! Vim pedir-lhe... quero o nome do difamador aleivoso... quero-o! porque em falta do tutor... eu, o noivo de Corina, tenho o direito e o dever de punir o miserável...

Teóf.

André!...

Firmino

V. Sª. certamente não teve a idéia de referir-se a mim, quando pronunciou as palavras difamador e miserável...

Teóf.

É preciso não esquecer que ele ama d. Corina, e que o seu coração deve estar abrasado de cólera... André! André!...

André

(a Firmino) Eu não estaria falando a V.S.ª se o julgasse autor desta afronta: as culpas do tutor são grandes... mas são outras: tenha a bondade de ler. (apresenta a carta)

Firmino

Uma carta anônima rasga-se e despreza-se.

André

Mas eu li esta carta, senhor! V.S.ª deve lê-la também! Ela mancha a sua casa... traz uma nódoa para a sua família... deve lê-la...

Firmino

V.S.ª tem necessidade de acalmar-se: quero ceder... lerei este vergonhoso escrito. (recebe a carta e lê: Teóf. procura sossegar André: comoção geral)

 

Cena 8ª Teodora - Júlia - Corina - Suzana - Teófilo - Firmino - André e Peregrino

Peregrino

(indo a Júlia) Que é isto aqui por casa?

Júlia

(a Pereg.) Começo a crer que é a providência que vai entrar nela.

Peregr.

(a Júlia) A providência? Não conheço tal senhora.

Júlia

(a Pereg.) Pois talvez tenhas de sentir que ela te conhece.

Firmino

(rasgando a carta) É uma falsidade indigna que, despedaçada pelo desprezo, o meu criado varrerá do chão.

André

Mas eu não posso prescindir do nome e da confissão do caluniador!...

 

Cena 9ª Teodora - Júlia - Corina - Suzana - Teófilo - Firmino - André - Peregrino - Carlos - Estefânia e Simão de Souza Carlos

E ei-los aqui minha mãe.

Teodora

(correndo a porta) Bem-vindos sejam! (toma as mãos de Estef. e Simão, vem com eles à frente) Senhor doutor André de Araújo, quer o nome e a confissão do caluniador?... (ajoelha-se) a caluniadora fui eu! Mas que castigo! Meu filho, sem o pensar, maldisse de mim; minha filha, sem o pensar, chamou-me perversa! (comoção dos filhos) Deus puniu a mãe com a sentença dos filhos!...

Estef.

Teodora... eu não compreendo...

Simão

E eu ainda menos...

Teodora

Com o fim de arredar pretendentes de Corina, a quem eu por vil ambição destinava para a esposa de meu filho, disse em pérfido segredo a Estefânia e ao sr. Simão de Souza que essa aliás, virtuosa donzela, entretinha relações secretas... era... oh!...perdão!... Estefânia! Senhor Simão de Souza! Eu menti!... caluniei a pupila do meu marido!... Perdão... oh... e tu, Corina, pelo amor de Deus, perdão... (chorando)

Corina

(Correndo a ela) Minha mãe... eu lhe perdôo e a amo!... (abraça Teod - Carlos e Júlia vão levantar Teod: Carlos beija a mão de Corina)

Firmino

Basta, Teodora.

Teodora

Não: confessei o meu crime; não carregarei, porém, com o de outrem. Eu não fui autora da carta anônima, em que se explorou a minha calúnia; não fui: juro-o!...

André

Quem foi então o desgraçado?...

Carlos

(olhando Peregr) Se ele está presente, e não ousa declarar-se, é muito infame!... (confusão de

Peregrino)

Teodora

(com os olhos em Peregrino) É muito infame!

Corina

(voltando o rosto com desprezo) É muito infame!...

André

(olhando Peregr.) Por minha voz... é muito infame!... (silêncio) Segue-se que o criminoso não nos ouve; porque o último dos homens saberia responder à provocação que lhe atiro ao rosto, como se fosse uma bofetada!...

Peregr.

(Trêmulo e furioso) Meu pai... o insulto é a mim...

Firmino

(a Peregrino) Sim... é... mas, se não sabes matar... sabes morrer, ou abisma-te na terra... sai!... Retira-te! (vai-se Peregrino)

André

(vendo Peregrino sair) Senhor Firmino, estou satisfeito.

Firmino

Eu não o estou: Corina é sua noiva: a solene confissão de minha mulher lavou-a da nódoa do aleive; mas a carta anônima, ignóbil, embora, foi escrita por meu filho, e os insultos e a bofetada que o senhor lhe atirou ao rosto, aqui estão queimando a face do pai! O tutor cedeu...., o homem revoltou-se, o pai exige desafronta...

Suzana

Perdão a todos em nome de Deus!...

 

Teóf.

André, meu amigo!...

Corina

André!...

André

Peço ao pai que me desculpe das injúrias que dirigi ao filho... esqueçamos tudo... (oferece a mão a Firmino)

Teod.

Firmino, fomos tão culpados!... (Firmino imóvel)

Júlia

Meu pai, o esquecimento do passado é o futuro cheio de flores para a sua Júlia.

Teóf.

Senhor Firmino...

Suzana

És tu, Firmino, que precisas tanto do perdão e da misericórdia do Senhor!...

Firmino

É assim: foi a providência que me castigou em meu filho... senhor doutor... perdoe-nos todos. (dá a mão a André que a aperta)

Júlia

(correndo a Corina) Corina! (abraça-a) Portanto não tenho de esperar um ano! Papai; é claro que tudo acabou o melhor possível!

Fim da Comédia

 

 

                                                                                            Joaquim Manuel de Macedo

 

Ato 1 - Ato 2 - Ato 3 - Ato 4 - Ato 5

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

Planeta Criança                                                             Literatura Licenciosa