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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Uma Púpila Rica Ato 4 / Joaquim Manuel de Macedo
Uma Púpila Rica Ato 4 / Joaquim Manuel de Macedo

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Uma Púpila Rica Ato 4º

 

Sala da recepção; portas laterais; porta de entrada no fundo; janela

 

Cena 1ª Firmino, Teodora, Carlos, Júlia; Corina bordando

Firmino

(a Teodora) A hora se aproxima: não achas conveniente mandar Corina para dentro? (na frente com Teodora)

Teodora

(a Firmino) Não... não... eu sou mãe e não me engano: é Júlia que ele ama... e a carta e a visita solene...

Firmino

(a Teodora) Se vier pedir-me Corina, eu lha negarei, mas seria imprudência que ela estivesse presente... se for Júlia, que importa a ausência da outra?...

Teodora

(a Firrnino) Ele repararia na ausência... mostrou interessar-se muito por Corina... pelo menos não é delicado escondê-la... deixe-mo-lo vir.

Carlos

(a Corina) Há nesse rosto que está bordando aparências de retrato... creio que conheço um nariz com esse...

Júlia

(a Carlos) E que tens tu com o nariz do bordado de Corina? Ela tem tanto direito de copiar teu conhecido, como tu

de furtar pensamentos e versos de poetas que lês.

Carlos

Isso é aleive revoltante: na Sociedade Filopoética tenho reputação de original. (Firmino e Teodora conversam)

Júlia

Mas a tua originalidade é só em composições que não tem senso comum.

Carlos

Segue-se que as minhas composições poéticas se parecem muito contigo.

Teodora

Já vocês estão a brigar! Carlos, Júlia é uma senhora.

Júlia

Mamãe, é preciso que Carlos não publique mais poesia alguma que não tenha passado pela minha censura; ele se desacredita por plagiário...

Carlos

Ouve-a?... É uma injúria...

Teodora

Não vês que ela se diverte contigo?... (a Firmino) Estás enganado...

Firmino

(a Teodora) Verás... é Corina que ele vem pedir-nos em casamento.

Teodora

(a Firmino) Terás sempre tempo de mandá-la sair; agora nem temos o recurso ou o pretexto da companhia de nossa velha. É verdade... (voltando-se) sabem onde foi minha tia, que tanto se demora?...

Corina

Eu não sei.

Firmino

Aposto que subiu ao castelo, se está confessando com algum frade barbadinho.

Teod.

Talvez: com o júbilo do concílio de Roma triplicou de devoção e de penitência.

Júlia

E tu já te confessaste, Carlos? Precisas fazê-lo...

Carlos

Não tenho contas a dar-te, e nem estou para graças: (tomando o chapéu — à Teodora e Firm.) Eu saio... com licença:

vou à sessão do Senado...

Teod.

É melhor; vai.

Júlia

Quem perde com a tua ausência, sou eu, ingrato! (vai-se Carlos)

 

Cena 2ª Firmino e Teodora, na frente; Júlia e Corina sentadas bordando; Firmino e Teodora conversam.

Corina

(a Júlia) Estão a fazer castelos à espera da visita.

Júlia

(à Corina) Sem Carlos ao pé de mim não posso dissimular... estou tremendo...

Corina

(a Júlia) Cala a boca.

Júlia

(a Corina) Se meus pais adivinhassem tudo...

Corina

(a Júlia) Pelo amor de Deus!...

Firmino

(a Teodora, abrindo o relógio) Chega a hora... Corina não devia estar aqui...

Teodora

(a Firmino) Não é natural separá-la de nós: esquece Corina, e lembra-te de nosso filho.

Júlia

(a Corina) Vamos sair da sala?... Eu sinto frio e fogo... nem sei que sinto... vamos sair...

Corina

(a Júlia) Não... domina-te... finge-te alheia a tudo.

Júlia

(a Corina) Como estou nervosa!... É um tremor...

Firmino

Nervosa?... Que é... com efeito... (tomando-lhe a mão) trêmula e fria como o gelo. Júlia! estás incomodada?...

Júlia

Não sei papai... foi de repente... sem causa...

Firmino

Oh! Teodora! Ela não está boa...

Teodora

(trazendo Firmino à frente) Não há de ser nada... (a Firmino) Que simplicidade a tua! Não vês que Júlia espera por Teófilo!...

Firmino

(a Teodora) Como os filhos nos enganam!... (voltando-se) Parou um carro à porta... (indo à

porta)

Júlia

(estremecendo e querendo levantar-se) Eu fujo...

Corina

(a Júlia) Da felicidade, Júlia?...

 

Cena 3ª Firmino; Teodora; Júlia; Corina (criado que logo sai) e Teófilo

Criado

O senhor Teófilo de Carvalho. (vai-se)

Teóf.

Minha senhora... minhas senhoras... senhor Firmino...

Firmino

Como passou V. Exª.?... tenha a bondade de sentar-se.

Teóf.

(sentando-se) Profundamente penhorado me confesso pela extrema delicadeza com que V. Exªs

se dignaram em receber tão prontamente a minha visita...

Teod.

De nossa parte havia mais do que dever, gratidão e glória...

Firmino

Estas meninas iam recolher-se, quando V. Exª. chegou. A retirada de ambas nos deixaria em plena liberdade sem inconveniente algum, se V. Exª. não ordenar o contrário...

Teóf.

Eu vim somente para ouvir e obedecer; mas com franqueza, o assunto de que me devo ocupar diz respeito a uma das duas senhoras, e nem por isso é exigente a ausência da outra.

Firmino

Senhor Teófilo ordena-lhes que fiquem...

Teóf.

Senhor Firmino, minha senhora, tenho a honra de vir pedir a V. Exªs a srª d. Júlia em casamento.

Firmino

Júlia?... Oh!...

Teodora

A proposição de V. Exª. nos exalta muito e estou certa que Júlia sente e pensa como seus pais.

Firmino

Sem a menor dúvida... Júlia, responde...

Teóf.

(a Júlia) Minha senhora...

Teóf.

Fala, menina...

Júlia

Senhor... meus pais responderam por mim. (trêmula)

Teóf.

Oh!... É mais do que mereço! (beija a mão de Júlia)

Firmino

Este dia é o mais feliz da minha vida! Devo crer que o senhor barão do Lago Azul...

Teóf.

Autorizou, aprovou e abençoa a escolha do meu coração.

Teod.

Minha Júlia (abraça-a)

Firmino

Perdoe-me... mas a felicidade tem suas ânsias: nós nos entregamos ao seu arbítrio... Júlia será sua esposa, é já sua noiva; mas a mim que sou pai, é lícito perguntar, quando deseja que se realize o seu casamento...

Teóf.

Por mim eu o quisera amanhã: e quase adia a própria data; tenho porém uma dependência que me pode prender até um ano.

Teod.

Um ano!...

Teóf.

Imprudente compromisso de estudante; eu e um íntimo amigo, com quem fraternizo desde o colégio, ajustamos que

se fosse possível, nos casaríamos à mesma hora e na mesma igreja, e que para isso aquele que primeiro contratasse

casamento, preveniria o outro, correndo-lhe o dever de esperar um ano para a execução do compromisso.

Firmino

Mas esse amigo... já talvez tenha também encontrado.

Teóf.

Amou antes de mim; a noiva de sua escolha foi-lhe porém negada.

Firmino

Ah, mas nesse caso...

Teóf.

Ele não desanimou ainda, e confia no seu amor...

Teod.

É da corte o seu amigo?

Teóf.

É; a sua amada não sei; respeitei o segredo que ele não me revelou espontaneamente: o meu amigo V. Exas sem dúvida conhecem, é o dr. André de Araújo...

Firmino

Oh!... (emoção de Corina)

Teodora

Senhor Teófilo... o segredo do seu amigo...

Firmino

Sobre este assunto hei de explicar-me com V. Exª. em particular... e o dr. André de Araújo...

Teóf.

Perdão: não tenho amigo a quem preze tanto, como ao dr. André; mas o seu projeto de casamento apenas influi sobre o meu, podendo obrigar-me a esperar até um ano, conforme o nosso desastrado ajuste. Quanto ao mais sei que André foi reservado comigo e basta isso para que eu me ocupe exclusivamente da minha felicidade.

Firmino

Aplaudo o seu ótimo juízo; por amor de Júlia, porém, se o dr. André não pode obter a mão da noiva que desejava, a influência de sua amizade conseguirá levá-lo a fazer em breves meses, outra e mais oportunada escolha. (movimento de Corina)

Teóf.

Outra vez perdão: se nem procuro conhecer-lhe o amor, também não me é lícito combatê-lo. Vou esperar um século, se d. Júlia quiser esperar-me um ano.

Júlia

E deve ser assim...

Teóf.

A glória que mereci, me embriaga... (levantando-se) O coração pede-me expansões, e almeja mandar longe as suas alegrias.

Teodora

Pois quer deixar-nos já?...

Teóf.

Tenho pressa de felicitar meu pai pela encantadora filha que lhe vou dar. Despacharei hoje mesmo um próprio. Se me for permitido voltarei freqüentemente...

Firmino

Todos os dias...

Teodora

Não vai ser nosso filho?... Olhe-nos já como sua família.

Teóf.

E preso para sempre por duas cadeias de flores, a do amor... e a da gratidão. Minha senhora...

(Teodora o abraça) d. Júlia... (beija-lhe a mão) minha senhora... (aperta a mão de Corina) senhor

Firmino!...

Firmino

Um abraço bem apertado! (abraçam-se, vai-se Teófilo; Firmino e Teodora o acompanham)

 

Cena 4ª Júlia, Corina: Firmino e Teodora que voltam

Corina

É ou não prata de lei?

Júlia

Prata de lei? É brilhante sem jaça.

Teod.

(abraçando Júlia) Minha filha, Deus ouviu os votos de tua mãe!...

Firmino

E eu? E eu?... Júlia, não tenho um abraço?... (abraça)

Teod.

É pena somente que não se case já... é pena!...

Firmino

E por causa de um libertino... de um homem que se diverte a enganar pobres moças com esperanças de casamento que nunca se realiza!...

Teod.

Conheces de perto esse doutor André?

Firmino

De perto não o quero ver... mas de longe conheço-o pelos desatinos e costumes desenvoltos...

Teod.

Ah! Então é amizade bem ruim para Teófilo. (tomando-o à parte) Estás se excedendo... toma cuidado...

Firmino

(a Teodora) Este embaraço é terrível... devemos casar Corina antes de oito dias... (conversam com viveza)

Corina

(a Júlia) Que injustiça... que crueldade...

Júlia

(a Corina) Queres ver como faço a minha entrada no jogo?...

Corina

(a Júlia) Júlia!... Sê discreta.

Júlia

(suspirando) Ai!... Ai!...

Firmino

Júlia... gemeste?...

Júlia

(chegando-se) Papai... eu confesso que não posso esperar um ano.

Firmino

Com esta contava eu! Menina, isso não é bonito.

Júlia

É melhor papai entender-se com o sr. Teófilo e com esse doutor André...

Firmino

Não sabes o que dizes...., tens a cabeça perdida.

Júlia

Ora... papai talvez conheça a família da moça com quem o doutor quer casar, e interessando-se por este resolveria tudo em meu favor...

Firmino

É claro que estou metido em uma roda viva...

Teod.

Júlia, é necessário mostrar juízo...

Júlia

Mamãe, esperar um ano eu não posso. Declaro que não hei de esperar um ano!!! (com viveza)

 

Cena 5ª Firmino, Teodora, Júlia, Corina, e Suzana muito fatigada

Carlos

Não houve sessão no Senado por falta de quorum; mas em compensação encontrei a tia Suzana ao chegar em casa.

Júlia

(correndo) Tia Suzana!... Não sabe?...

Teod.

Menina!... Menina!...

Firmino

A senhora nos estava dando cuidado...

Suzana

Deixem-me descansar... (senta-se, toda (ilegível)) andei muito! Nem em moça... quando... na quinta-feira de endoenças19 saía a visitar as igrejas...

Teod.

E onde foi, minha tia?...

Suzana

Deixem-me descansar. (respira descansando)

Júlia

(a Corina) Esquece esse bordado, Corina.

Carlos

Pois ainda trabalha?

Corina

Esquecê-lo? O bordado me faz não sentir as horas que passam: o que mais gosto de esquecer... é

o tempo.

Júlia

Tens razão: o tempo custa muito a passar! E um ano então!...

Suzana

Ah!... (respirando)

Firmino

Está menos fatigada?...

Teod.

Por onde andou?...

Suzana

Andei por [sic] onde me levou o amor do próximo: eu tenho rezado três noites em relação ao meu sentido, e tenho para mim que foi o Senhor que me inspirou o que fiz.

Firmino

E é segredo de devoção ou de penitência?...

Suzana

Para que segredos? O que não é justo, não se faça; o que é justo, faça-se com os olhos em Deus e sem temor dos homens. Corina, vem cá. (Corina obedece Suzana a achega)

Teod.

Que temos de novo!

Suzana

O doutor André de Araújo e Corina se amam...

Firmino

Se amam?!!!

Corina

Tia Suzana...

Suzana

Firmino, tu negaste a mão de tua pupila ao doutor André e eu quis convencer-me da justiça dessa recusa: tenho ainda bons amigos do outro tempo, que receberam em festa a velha Suzana: inquiri a todos, a todos ouvi...

Firmino

(Severo à Corina) Retire-se para o seu quarto...

Suzana

(abraçando Corina pela cintura) Não: que mal faz que ela ouça o que já sabe?

Teod.

Minha tia, que imprudência é essa?...

Suzana

Voltei com os ouvidos cheios de elogios ao doutor André: não houve boca que não lhe louvasse

as virtudes, não achei coração que o não amasse: como é isso, Firmino?... Além de seus tesouros morais, ele nem pode ser suspeito de interesseiro, porque não é menos rico do que Corina, e tem as mãos abertas para dar aos pobres.

Firmino

E quem a convidou a envolver-se neste assunto?...

Suzana

Os pais de André e de Corina foram amigos: a afeição dos dois jovens começou na mais pura ligação de suas famílias, e hoje o amor que os está fazendo sofrer na terra, é sem dúvida abençoado no céu. Firmino! com que direito impedes a felicidade da tua pupila?...

Firmino

Donde lhe vieram tais informações?... Mas eu estou vendo... vejo na confusão da hipocrisia...

Suzana

Corina me confessou o seu amor, é verdade: ama um homem digno dela, o seu tutor devia aplaudir a sua escolha, mas aqui se premedita um crime de lesa orfandade; tu por Peregrino, Teodora por Carlos, não quereis que haja fogo santo no altar deste coração inocente!

Firmino

Inocente... ela que engana seu tutor!...

Suzana

Oh! Vocês não imaginam que crimes intentam cometer! Pensem bem: o despojo recolhido pelo

salteador chama-se roubo, porque é tomado com violência e abuso da força: como se há de

chamar a usurpação do dote de uma pupila tomado por meio de casamento imposto pela violência e pelo abuso da autoridade do tutor?...

Firmino

Senhora!...

Teod.

Minha tia!...

Suzana

Eu digo que vocês não pensam no que fazem, mas isso é pecado que brada ao céu!... Oh, faço

idéia do que irá por esse mundo com as desgraçadas pupilas ricas! Quantas mártires! Quantos tutores e mulheres de tutores que para enriquecer seus filhos, esmagam os corações e lançam para sempre no abismo da desgraça as míseras órfãs.

Teod.

Minha tia nos ultraja.

Suzana

(em pé) Meu Deus! se não há na terra leis que tornem impossíveis tais atentados, sede misericordioso, Senhor, com os pais que morrem esquecidos das suas almas e absolvidos nas aflições do mundo, porque não haverá pai nem mãe que não morram nesse pecado, deixando filha menor exposta à opressão e aos tormentos do tutor ambicioso! Perdoai a esses, meu Deus! E amaldiçoados sejam os tutores que sacrificam as pupilas!

Firmino

(a Teod.) Faze calar tua tia... ou não me contenho mais.

Suzana

Disse-vos a verdade: refleti no que tendes feito e tentares fazer: por mim eu me declaro mãe

desta menina; mãe no serviço do Senhor: se atentares contra a liberdade de Corina, a pobre velha

sairá para sempre da casa do crime; saindo, porém, há de ir logo denunciar ao juiz dos órfãos, ao povo, ao rei o martírio da órfã, e a tirania dos algozes.

Teod.

Denunciar-nos!...

Firmino

É uma velha demente...

Suzana

Sou apenas uma triste pecadora, mas temente a Deus nosso Senhor, o que disse não foi por mal:

eu vos amo e padeço pela cegueira com que vos vejo atirados na perdição: pensai bem no que me ouvistes, meus filhos!... Agora vou descansar: vem comigo, Corina, vem...

Firmino

Doravante proíbo a Corina a sua companhia.

Suzana

Na minha companhia será sempre honesta e pura: sou sua mãe no serviço do Senhor: ela há de vir comigo... quero poupa-la às tuas asperezas... (a Firmino) afasta-te!...

Firmino

(tomando-lhe o passo) Quem manda aqui, senhora?...

Suzana

(levantando a cabeça) Aqui e em toda parte, acima de todos... Deus! (comoção: Firmino recua um passo: Suzana passa com Corina)

 

Cena 6ª Firmino: Teod.: Júlia: Carlos

Firmino

Fanática e demente!... E no fanatismo e na demência a língua desenvolta e envenenada!...

Teod.

Com efeito! Minha tia sempre foi intratável com os seus escrúpulos e casos de consciência;

nunca porém a vi tão desatinada e insensata!...

Carlos

Insensata!...

Firmino

Tenho-a sofrido muito! E se não fosse a sua velhice e a minha reputação, despedi-la-ia de nossa casa, provando assim como desprezo o que ela possui, e que de direito herdaríamos por sua morte... Despedi-la-ia... Teod.

Firmino, ela é irmã de minha mãe...

Firmino

Ao menos não quero que continue a desmoralizar Corina: recomendo-te que faças cortar todas, absolutamente todas

as suas relações. (passeia agitado)

Carlos

(a Teodora) Minha mãe...

Teod.

Que queres?... Bem vês que devo estar preocupada...

Carlos

Eu também: é por isso que desejava dizer-lhe já...

Teod.

O que?...

Carlos

Qualquer idéia que tenha havido de casar-me com Corina, a pupila de meu padrasto, não é mais

concebível de hoje em diante.

Teod.

E por que?

Carlos

Porque a tia Suzana disse a verdade.

Firmino

(com aspereza) A verdade?!!!

Júlia

(oferecendo a mão a Carlos que a afasta) Muito bem Meu irmão! meu Carlos! Acabas de improvisar um belo poema: muito bem...

Firmino

Também tu?...

Júlia

Também: papai, eu o sinto... o que a tia Suzana disse, caíra-lhe do céu no coração... foi voz de

Deus falando pela boca de uma santa velha... chorei ouvindo-a... chorei...

Teod.

Tola!

Júlia

Tola?... Papai e mamãe adoram-me: adoram-me tanto que eu vejo bem que muitas vezes abuso caprichosa. Papai e mamãe vivem por mim... são felizes com as minhas alegrias doidas... atormentar-se-iam um século para que eu não padecesse um dia... eu sei... adoram-me.

Teod.

Feiticeira!...

Firmino

Se és um anjo, minha filha!...

Júlia

Façam pois de conta... a idéia é horrível, mas é força imaginá-la... meu Deus! Perdoai-me a idéia medonha, eu, porém, sou ainda menor... e papai e mamãe estão ali a morrer... (profundamente comovida) eu, sua filha querida, em consternação a chorar... a estender os braços... a pedir compaixão e misericórdia... no pé de mim o tutor que escolheram... papai e mamãe agonizando abraçados comigo... (chorando) e com os olhos em meu tutor pedindo amor e piedade para sua filha, depois o horror da morte. Sua filha querida só no mundo... e depois... o meu tutor oprimindo-me... o meu tutor atormentando-me... e violentando o meu coração... impondo-me a escravidão de um casamento forçado. Papai, mamãe... a sua Júlia, a sua filha, o seu anjo a gemer... a chorar... a padecer... a desejar a morte...

Firmino

(em pranto) Minha filha!...

Teod.

(chorando) Júlia, minha Júlia!...

Carlos

(soluçando) Minha irmã... muito bem!... eu não brigo mais contigo.

Júlia

Oh!... E Corina?... Papai, mamãe, o pai e a mãe de Corina que morreram deixando-a só no mundo?... Oh!... Ee o papai e a mamãe de Corina? (tristíssima)

Teod.

Minha filha, tu és uma santa, que ainda vives no céu

Carlos

Segue-se que a terra pode parecer o céu com o cumprimento da lei a paternidade.

Firmino

Mas é preciso viver neste mundo com as condições deste mundo.

Júlia

Oh, papai!

Firmino

Corina se há de casar com quem deve casar-se.

Teod.

Pensa mais em ti do que em Corina: confia em teu pai que é um tutor honrado e consciencioso.

Carlos

Ficando entendido que eu estou absolutamente fora de todo e qualquer projeto de casamento,

Júlia

(Em outro tom e revoltada) E pela minha parte protesto, que não posso e não hei de esperar um

ano.

Teod.

Isto é fora de propósito!...

Júlia

Eu não fico aí: acabo de tomar uma resolução definitiva.

Firmino

Qual?... Vejamos...

Júlia

É inútil pensar no meu casamento com Teófilo, se Corina não se casar com o doutor André.

Firmino

Oh! Dir-se-ia uma conspiração geral!... é a guerra no seio da família... Teodora, livra-me de

Júlia.

Teod.

Estás afligindo teu pai; vem, menina. Carlos...

Carlos

Eu vou trabalhar no meu romance. (vão-se os três)

 

Cena 7ª Firmino e Peregrino

Peregrino

(a Firmino que vai entrar no gabinete) Meu pai.

Firmino

Ah! Peregrino... se soubesses...

Pereg.

Sei tudo já: Teófilo é o noivo de Júlia, e de ajuste com esta e com sua pupila protege a causa do doutor André e lhe prepara o triunfo.

Firmino

Pensas!... Teófilo...

Pereg.

A maquinação é patente: sei mais que a tia Suzana impelida por Corina.

Firmino

Quem te informou de tudo?...

Peregr.

Foi Silvia, a criada de Corina, que me está dedicada.

Firmino

Ah! Silvia... contanto que ela não venda também a outro essa dedicação, que sem dúvida lhe compraste: bem vês que devo desconfiar de todos... o nosso empenho vai mal, Peregrino...

Peregr.

Sim, meu pai, o dia é sinistro para mim. Simão de Souza fechou-me a bolsa, e deixei por isso de arrematar hoje dez escravos.

Firmino

Fechou-te a bolsa?... E por quê?

Peregr.

Anteontem à noite Corina repeliu, como eu esperava, as suas pretensões... e... o que foi pior, e ninguém o suspeitaria, minha madrasta provavelmente com o fim de poupar a seu filho um rival a mais, confessou a Simão de Souza um segredo revoltante...

Firmino

Qual?...

Peregr.

O de minhas relações de amor com a pupila de meu pai...

Firmino

É falso! é impossível!... A desonra de Corina!...

Peregr.

Uma dose de veneno, que só a mim pode aproveitar: sem o querer minha madrasta me auxilia...

Firmino

Peregrino! Teodora é incapaz dessa infâmia! Simão de Souza mentiu...

Peregr.

E se além dele mais alguém tivesse recebido a mesma confidência?...

Firmino

Peregrino... isto é demais... é horrível... minha mulher é vítima de um aleive perverso...

Peregr.

Tranqüilize-se, meu pai... creio também que caluniam minha madrasta, cuja inocência há de brilhar a toda a luz; mas o ardil de Teófilo, a conivência de Júlia, a intervenção da tia Suzana, esse mesmo aleive perverso que ofende em sua esposa anunciam que a minha causa está perdida se não a salvarmos com o extremo recurso.

Firmino

Sempre a idéia do rapto...

Peregr.

É o meio vulgar, mas infalível. (aparece Teodora)

Firmino

E as conseqüências?

Peregr.

Realizado o rapto, o casamento com o raptor satisfaz a lei, e a sociedade o sanciona depois de murmurar alguns dias.

Firmino

E eu?... Nunca pensas no tutor!...

Peregr.

Delineei plano seguro, no qual meu pai fica livre de toda a responsabilidade...

 

Cena 8ª Firmino: Peregrino: e Teodora que tem parado à porta e vai logo entrar no gabinete.

Firmino

Com efeito... as circunstâncias urgem, mas eu não quisera recorrer a esse crime...

Peregr.

Quem recorre sou eu. Meu pai é vítima da minha traição...

Firmino

Se fosse exeqüível...

Peregr.

O meu plano?... Seguríssimo: eu lho exponho (vai fechar a porta de entrada depois de observar a

do interior)

Firmino

Não tranques a porta: vamos fechar-nos no meu gabinete.

Peregr.

Tem razão: é mais prudente. (vai-se: aparece Teodora à porta)

Firmino

Teodora!

Peregrino

(ao mesmo tempo e recuando) Oh!...

Teod.

Um rapto!!

Firmino

Silêncio!... A senhora vai escutar-nos?...

Teod.

Eu vinha dizer-te que desisto de todos os meus intentos relativamente a Carlos e a tua pupila.

Firmino

Melhor: está simplificada a questão.

Teod.

Vinha dizer-te que por amor de nossa filha a cujo casamento não devemos criar embaraços, te cumpre ir já tratar do consórcio de Corina com o amigo de Teófilo.

Firmino

Ah!... Pois que Carlos se revolta, e te desobedece...

Teod.

Vinha dizer-te... mas ouvi a palavra rapto e quis saber tudo: escutei... sim... e o que fiquei sabendo é ignóbil.

Firmino

Teodora!...

Teod.

A madrasta era indigna, talvez malvada, porque desejava casar o filho com uma jovem rica, e o enteado, (para

Peregrino) e o senhor... é a alma cândida, santo mártir, quando prepara o plano do rapto da pupila de seu pai!...

Firmino

Basta... basta...

Teod.

É um homem honesto, tipo de virtudes, exemplo de pureza, quando premedita a vergonha da

própria família, a difamação da casa paterna...

Firmino

Peregrino... retira-te! (Peregr. imóvel)

Teod.

É um filho modelo que atira às garras da maledicência; — o nome de teu pai, que faz da desonra de teu pai o fundamento da tua fortuna!

Firmino

Ponhamos termo a esta cena... Teodora!...

Teod.

É um irmão sublime, que, comprometendo o casamento de sua irmã, quer pela infâmia do rapto arrebatar a riqueza de uma órfã que o despreza!...

Firmino

Senhora!...

Peregr.

Perdão, minha madrasta! Ao menos cuido em pagar a dívida mais sagrada: ouça-me bem!

Testemunhas Simão de Souza e d. Estefânia: quero regenerar com o casamento, a vítima de minha sedução, a amante que a senhora me deu na casa de meu pai!

Teodora

(confundida) Oh!

Firmino

Desgraçada!... Que calúnia atroz!!!

Fim do 4º Ato

                                                                                           

 

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Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

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